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A RELAÇÃO ENTRE A RACIONALIDADE TECNOLOGICA E A INDÚSTRIA CULTURAL
Atualmente vivemos em uma sociedade onde toda função é muito bem
delimitada e específica. Desde que nascemos somos indagados do que queremos
ser quando crescermos, ao terminar o colégio sofremos pressões sociais para que
nos aperfeiçoamos em algo, fazendo cursos técnicos ou alguma faculdade, quando
acabamos a faculdade temos que fazer mestrado, após isso doutorado e se tivermos
conseguido chegar a esse ponto somos incentivados a fazer pós-doutorado. Toda
essa busca pela especialização por conhecimentos cada vez mais centrados visa à
produtividade, eficiência e lucro, presente no livro O Capital de Karl Marx, que vem a
ser a racionalidade tecnológica1.
Tomando como exemplo uma fábrica que tenha o modelo de linha de produção
Fordista, cada parte do produto final será feita por uma pessoa que é especializada
naquele fragmento do produto, se for uma camisa uma pessoa será especialista em
fazer a modelagem desta camisa, a próxima sessão da montagem terá alguém para
fazer exclusivamente o corte da peça e assim por diante sendo que ao final da
produção de todas as partes elas serão juntadas como um quebra cabeça
realizando o produto final. Da mesma forma que o Fordismo se aplica ao produto
pode ser aplicado também ao trabalhador, pois não importa quem tenha fabricado a
peça, o que importa é que ela seja feita transformando o trabalhador em uma mera
peça do quebra cabeça.
Chegamos a um ponto que não só as fábricas aderiram a essa racionalidade
como também é adotado por todo meio social, devido ao caráter competitivo do
capitalismo. Há quem planeje toda a vida de modo a torna-la mais eficiente, é como
os itinerários de viagens as pessoas não se viajam pra aproveitar os lugares com
calma e relaxar e sim para conhecer o máximo de lugares possíveis e para dizer que
estiveram lá.
Essa racionalização do cotidiano se tornou possível graças a Revolução
Francesa (final do século XVIII e começo do século XIX) e seu lema de “Liberdade,
Igualdade e Fraternidade” que foi a base para sistemas políticos liberais viabilizando
o pleno desenvolvimento da racionalidade tecnológica. “Para realizar esta
racionalidade pressupunha-se um ambiente social e econômico adequado, um
1 MARCUSE, Hebert. Tenologia,Guerra e Fascismo. São Paulo: Editora UNESP, 1999. Termo aparece à partir do século XX.
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ambiente que atraísse indivíduos cuja conduta social fosse pelo menos em grande
medida, seu próprio trabalho. A sociedade liberal era considerada o ambiente
adequado à racionalidade individualista.” 2 Essa racionalidade individualista nada
mais é do que a busca do próprio interesse que só é possível que aconteça através
da liberdade proporcionada pela sociedade liberal, que prega valores como a livre
concorrência.
Mas afinal se há a liberdade para a busca dos próprios interesses como o
individuo vai parar a mero posto de peça de quebra cabeça citado anteriormente?
Pelo simples motivo que a racionalidade tecnológica, mesmo sendo em si neutra,
em sua aplicação causa resultados contrários dependendo de como for usada. Do
mesmo modo que as tecnologias facilitam a vida, na maioria das formas de utilizá-la
induz o individuo a repetição e não ao questionamento sendo altamente alienante.
“O comércio, a técnica, as necessidades humanas e a natureza se unem em um
mecanismo racional e conveniente. Aquele seguir as instruções será mais bem-
sucedido, subordinando sua espontaneidade à sabedoria anônima que ordenou tudo
pra ele.” 3 Da mesma forma que requer certo esclarecimento, um conhecimento
orientado sobre sua função, mantem o trabalhador como indivíduo na sua
minoridade4 sendo uma situação de não liberdade, evidenciando uma classe
dominante. O indivíduo deixa de autônomo e se torna heterônomo, há uma
massificação dos indivíduos não só por causa da falta de ideias próprias e
pensamento crítico.
A Indústria Cultural5 tem um grande papel para a manutenção e uso dessa
racionalidade, pois a mesma nada mais é que um mercado, onde a mercadoria é a
cultura, vista como diversão, o papel dela é fornecer entretenimento, a posição
política, seu modo de vida, para essa nova massa, o que devem gostar e não gostar,
sendo uma Cultura Popular6 com conteúdo simples, sem rebuscamentos e que não
tenha o intuito de fazer pensar e sim esvaziar a mente, dessa forma a racionalidade
causa uma mimesis repressiva no indivíduo, pois ele descarrega suas emoções ao
assistir e/ou ouvir uma cena e não vivenciando algo, pois quando assistem à novela
a noite e veem o mocinho injustiçado vencendo sobre o seu opressor se sentem 2 Idem, p. 76.3 Idem, p.80.4 HORKHEIMER, Max & ADORNO, Theodor. A Dialética do Esclarecimento. São Paulo: Paz e Terra, 2002.5 O termo Indústria Cultural se relaciona não a produção e sim a distribuição de sua mercadoria. 6 BENJAMIN, Walter. A Obra de Arte Na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica, 1955.
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representados naquilo e simplesmente se acomodam e não lutam contra quem o
oprime. Sendo as novelas, os filmes de grande bilheteria, a maioria das músicas,
etc. são feitas e comercializadas para fornecer todas as ideias formadas e polidas de
tal forma que são aceitas sem questionamento algum. Um bom exemplo disso é a
moda lançada por grandes filmes como o vestido preto de Audrey Hepburn em
Bonequinha de Luxo (1961), as polainas em Flash Dance (1983) entre outros, que
atuam principalmente nos jovens que seguindo a moda buscam uma identidade
individual dentro de grupos massificados.
Os quadros, as esculturas, as músicas, as artes em geral perdem seu prestígio,
pois são facilmente reproduzidos graças ao cinema, o rádio, a fotografia. Porque ter
o CD original de uma banda se este mesmo “produto”, cunhado desta maneira
agora, está disponível gratuitamente na internet? Segundo Adorno e Horkheimer
essa facilidade provoca um déficit no conhecimento, pois para desfrutar de uma
música anteriormente era necessário saber tocá-la e além do mais os arranjos e
harmonias se tornam mais pobres, pois se baseiam em repetições de poucos
acordes e letras que também são repetitivas para que sejam facilmente decoradas e
reproduzíveis as tornando grandes sucessos.
A evolução das técnicas da Indústria Cultural ocorre como em qualquer outro
setor econômico se adequando a necessidade dos indivíduos, pois “A interrogação
não é substituída pela pura obediência. Tanto isso é verdade que a grande
reorganização do cinema às vésperas da Primeira Guerra Mundial, premissa
material da sua expansão, foi, de fato, um adequar-se consciente às necessidades
do público controladas pelas cifras de bilheteria, coisa que, no tempo dos pioneiros
do cinema, nem sequer se pensava levar em conta.” 7 ocorrendo até hoje, pois
atualmente pouco dos filmes lançados têm um roteiro original a maioria são
baseados em quadrinhos e livros de grande vendagem evidenciando que a
humanidade cada vez mais se aliena em si mesma.
Contudo a racionalidade tecnológica atinge a tudo e todos inclusive aqueles
que se valem dela para se enaltecerem, do mesmo modo ocorre com a Indústria
Cultural que rege nossa vida, pois não há como viver fora dela sendo a Indústria
Cultural a melhor exemplificação do uso da técnica para a manipulação e
dominação.
7 HORKHEIMER, Max & ADORNO, Theodor. Indústria Cultural: A Mistificação das Massas. In: A Dialética do Esclarecimento. São Paulo: Paz e Terra, p. 99-137, 2002.
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Ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os
homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo. (Paulo
Freire. A Pedagogia do Oprimido).
BIBLIOGRAFIA:
BENJAMIN, Walter. A Obra de Arte Na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica, 1955.
HORKHEIMER, Max & ADORNO, Theodor. A Dialética do Esclarecimento. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
KANT, Immanuel. O que e o Esclarecimento? Resposta à revista semanal Büsching,
1783.
MARCUSE, Hebert. Tenologia, Guerra e Fascismo. São Paulo: Editora UNESP,
1999.
MARX, Karl. O capital. Coleção Os economistas. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
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