filo sofia estácio

Upload: luan-chedid

Post on 01-Mar-2018

226 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    1/145

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    2/145

    autor do original

    RAYMUNDO DE OLIVEIRA REIS NETO

    1 edio

    SESES

    rio de janeiro 2016

    FILOSOFIA

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    3/145

    Conselho editorial srgio cabral, claudia behar, roberto paes, gladis linhares

    Autor do original raymundo de oliveira reis neto

    Projeto editorial roberto paes

    Coordenao de produo gladis linhares

    Projeto grfico paulo vitor bastos

    Diagramao bfs media

    Reviso lingustica bfs media

    Reviso de contedo paulo pereira serra junior

    Imagem de capa zoran ras | shutterstock.com

    Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida

    por quaisquer meios (eletrnico ou mecnico, incluindo fotocpia e gravao) ou arquivada em

    qualquer sistema ou banco de dados sem permisso escrita da Editora. Copyright seses, 2016.

    Diretoria de Ensino Fbrica de Conhecimento

    Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus Joo Ucha

    Rio Comprido Rio de Janeiro rj cep20261-063

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    4/145

    Sumrio

    Prefcio 7

    1. O Nascimento da Filosofia 9

    1.1 O Nascimento da Filosofia 13

    1.2 Mitos 14

    1.3 Sabedorias 18

    1.4 Filosofia 191.5 Milagre ou continuidade 20

    1.6 reas da filosofia 22

    1.7 Perodos da filosofia 23

    1.8 Mapa da Grcia Antiga 26

    2. Os Primeiros Filsofos 29

    2.1 Os Primeiros Filsofos 31

    2.2 Os filsofos pr-socrticos 33

    2.3 Herclito e Parmnides 36

    3. Scrates e os Sofistas 43

    3.1 Scrates e os Sofistas 453.2 O conceito 46

    3.3 A apologia de Scrates 50

    3.4 Alguns dilogos socrticos 52

    3.5 Os sofistas 52

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    5/145

    4. Plato 59

    4.1 Plato 62

    4.2 Crtica a Scrates 63

    4.3 A metafsica dos dois mundos 65

    4.4 A alegoria da caverna 67

    4.5 O mito da linha dividida 70

    4.6 Dilogos De Plato 72

    4.6.1 Dilogos considerados autnticos 72

    4.6.1.1 Dilogos Socrticos (399 a.C. morte de Scrates): 72

    4.6.1.2 Dilogos da fase intermediria

    (primeira viagem Siclia, 389-388 a.C.) 724.6.1.3 Dilogos da maturidade (Crtica teoria das formas) 734.6.1.4 Dilogos da fase final 73

    4.6.1.5 Dilogos de autenticidade discutvel 73

    ATIVIDADES 74

    REFLEXO 75

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 76

    5. O Sistema Aristotlico 77

    OBJETIVOS 79

    5.1 O Sistema Aristotlico 80

    5.2 Crtica a Plato 81

    5.3 Uma nova Metafsica 82

    5.4 O ser em Aristteles 85

    5.5 Distines Aristotlicas 865.6 Causa 87

    5.7 Deus, causa primeira de tudo que existe 88

    5.8 Aristteles e as reas do conhecimento 89

    5.9 Aristteles e o processo do conhecimento 90

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    6/145

    6. Da Filosofia Antiga Filosofia Medieval 95

    6.1 O Perodo Helenstico 98

    6.2 Os Cticos 99

    6.3 Epicuro 100

    6.4 Estoicos 102

    6.5 Filosofia medieval (Sculos IV XVI d.C.) 103

    6.6 A patrstica 104

    6.7 Santo Agostinho 105

    6.8 A Escolstica 109

    6.9 Santo Anselmo (1033-1109) 110

    6.10 So Toms de Aquino 1116.11 A queda da Escolstica 112

    7. O Humanismo Renascentista 115

    7.1 Grandes navegaes 117

    7.2 Reforma protestante 117

    7.3 Cincia moderna 1177.4 Poltica 119

    7.5 Moderno 120

    7.5.1 Rene Descartes 120

    7.6 O sujeito do conhecimento e o ceticismo 120

    7.7 Deus como garantia da possibilidade de conhecimento 122

    7.8 Poltica 123

    7.9 A relao entre sujeito e objeto do conhecimento 125

    7.10 Realismo 1257.11 Idealismo 126

    7.12 Inatismo 127

    7.13 O empirismo ingls 128

    7.14 Do moderno ao ps-moderno 131

    7.15 A fenomenologia 132

    7.16 O existencialismo 133

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    7/145

    7.17 A filosofia contempornea 136

    7.18 Pragmatismo e relativismo 137

    7.19 Relativismo 137

    7.20 Pragmatismo 139

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    8/145

    7

    Prefcio

    Prezados(as) alunos(as),

    Existe a filosofia, mas existe o filosofar. Existe a definio de filosofia, seu

    conceito. Muitos j sabem que o termo filosofia vem da lngua grega e significa

    amor (filo) sabedoria (sofia). importante no apenas ouvir, mas refletir

    sobre o que isso quer dizer, especialmente quando escolhemos ingressar na

    Universidade: o que seria esse amor ao saber?

    Tambm acontece assim com a histria da filosofia, pontuada pelo traba-

    lho de brilhantes filsofos. Podemos nunca ter ouvido falar deles e sequer sa-

    ber que existiram, mas no podemos ignorar a importncia que tiveram para aformao de nossa cultura ocidental. Especialmente considerando a escolha

    feita pelo universo acadmico.

    J o filosofar livre e, portanto, no necessrio ser filsofo para filosofar.

    Um exemplo disso so as crianas. Elas aprendem coisas incrveis, como domi-

    nar uma caneta e fazer um quebra-cabea com blocos. Isso impressionante,

    sem dvida, pois revela a inteligncia do animal humano, sua capacidade de

    pensar e aprender. Mas isso no filosofar.

    No entanto, as crianas tambm filosofam, exatamente porque se espantamcom o mundo. Por exemplo, de onde vm os bebs? uma pergunta filosfica

    fundamental das crianas, que ouvem com descrena as explicaes dos pais

    sobre isso, mesmo quando so tecnicamente corretas e acompanhadas de ilus-

    traes. A criana olha com espanto e admirao para o mundo em seu entorno

    como se perguntasse afinal, o que significa tudo isso?; livre de preconceitos,

    ela quer saber e, assim, pergunta, observa, pensa.

    Afirmar que as crianas filosofam equivale a afirmar que todos ns filosofa-

    mos, que essa uma atividade espontnea da alma humana. certo que algunscuidam de cultivar essa atividade e, a partir de certo ponto, podem at mesmo

    se tornar filsofos. Mas todos ns podemos filosofar. Essa uma capacidade in-

    trnseca s capacidades humanas, embora se possa desenvolv-la pouco, tanto

    quanto algum pode no desenvolver a habilidade de correr, com a qual nas-

    ce equipado.

    Nossa melhor expectativa seria de que este livro didtico pudesse ser lido

    como um convite a encontrar o filosofar que existe em cada um. Alm disso,

    oferecemos algumas direes para que os alunos possam guiar-se no estudo

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    9/145

    que dever fazer tambm junto a textos e livros indicados na bibliografia bsica

    e complementar da disciplina.

    Introduziremos o aluno no estudo da filosofia. Para isso, ser necessrio

    mostrar o contexto em que isso ocorre, o que inclui no apenas onde e quando,mas tambm algumas circunstncias socioculturais da poca.

    Ser igualmente necessrio destacar a especificidade da filosofia em rela-

    o s antigas sabedorias que j existiam na poca. Junto com isso apresenta-

    remos o conceito de mito, importante para marcar os limites do conhecimento

    filosfico e de sua especificidade.

    Ao final, apresentaremos em resumo as diferentes reas da filosofia e seus

    diferentes perodos, desde seu incio at os dias de hoje.

    Bons estudos!

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    10/145

    O Nascimento da

    Filosofia

    1

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    11/145

    10captulo 1

    Nesse captulo inicial estaremos conversando sobre o conceito de filosofia e

    sobre o contexto em que a filosofia surge. Afinal porque se diz que a filosofia

    surgiu na Grcia, sculo VII a.C.? Os homens no filosofavam antes? No expli-

    cavam o que existia sua volta? Claro que sim. Havia sabedorias muito elabora-das j bem antes do nascimento da filosofia.

    Contudo, admite-se que o que surgiu na Grcia naquele momento histrico

    foi diferente. Uma nova maneira de inquirir o mundo e, principalmente, uma

    nova maneira de responder.

    Assim, para apresentar a filosofia ser necessrio falar no apenas do que

    ela , mas tambm do que ela no . Tecnicamente falando, a filosofia difere de

    outras sabedorias porque pretende que o conhecimento que produz adquiri-

    do pelo exerccio da razo. J as sabedorias anteriores filosofia tinham outracaracterstica. Por mais que constitussem por vezes sistemas sofisticados de

    explicaes do Universo, de tudo que h nele e do lugar do ser humano nele,

    suas explicaes eram pontilhadas pela tradio mitopotica.

    Ser importante mostrar nesse captulo porque devemos considerar a filo-

    sofia algo novo em relao aos saberes que j existiam antes. A filosofia pro-

    duz conhecimento. O termo conhecimentono sinnimo de saber. Sabemos

    muitas coisas, sempre; o homem do senso comum, mesmo analfabeto, sabe

    muitas coisas. Ele pensa e soluciona problemas prticos que a todo o momentoinvadem sua vida demandando soluo.

    Mas, alm disso, esse mesmo homem comum, no filsofo, precisa de algu-

    mas coordenadas no momento em que tem que responder de onde veio, quem

    e para onde vai. Uma viso de mundodeve orienta-lo em sua vida prtica.

    Como ser justo? O que cabe ao homem e a mulher? Como devemos criar os

    filhos? Notem que essas questes so at bem mais importantes para a maioria

    de ns do que perguntas sobre coisas to fascinantes quanto o movimento das

    mars e a alternncia de dia e noite.Todas essas questes, inclusive sobre o movimento das mars, podem ser

    respondidas por sabedorias no filosficas. Doutrinas religiosas, mitos, tradi-

    es vm responder a essas questes e de modo eficaz, pelo menos no que con-

    cerne sua capacidade de orientar os seres humanos ao longo de uma vida. No

    seria necessrio filosofar para isso. Mas responder a essas questes pelo uso

    da razo traz consequncias e sobre isso falaremos em seguida, neste captulo.

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    12/145

    captulo 111

    Antes de passar a prxima sesso, gostaria ainda de chamar ateno para a

    ideia de que, se nem sempre somos filsofos, sempre temos o impulso a filoso-

    far. Em alguns momentos de nossas vidas, possivelmente filosofamos sem per-

    ceber que o fazemos. Fazemo-lo de modo tcito, no consciente, o que j bemdiferente do que faz um filosofo profissional. Assim, teramos cumprido um

    timo papel com esse livro didtico caso com ele consegussemos despertar no

    aluno o impulso a filosofar que j existe nele.

    Uma caricatura pode fazer com que o leigo tenha uma viso do filsofo

    como algum que pensa em coisas que so muito abstratas e que tem pouco a

    ver com as coisas que mais lhe interessam na vida. Mas pensar assim errado

    por algumas razes: primeiro que a cultura ocidental no seria a mesma sem a

    filosofia. Mesmo que no saibamos, somos determinados por muito do que afilosofia produziu em tempos passados e produz at hoje. E no convm igno-

    rar de forma ostensiva nossas razes.

    Segundo, embora possa conter um fragmento de verdade, a ideia de que o

    que interessa ao filsofo no interessa ao homem comum envolve uma sim-

    plificao que no faz jus a muito do que a filosofia fez. A prpria ideia de que

    a abstrao nada tem a ver com a realidade concreta problemtica, confor-

    me veremos em mais detalhe ao longo do livro. Por enquanto, basta dizer que

    abstrair no um exerccio especfico do filsofo, mas sim algo que fazemos otempo todo e do que no podemos nos separar. Finalmente poderamos ainda

    considerar que um universitrio no pode ignorar a filosofia sob qualquer ar-

    gumento. A Universidade lugar de contato com o conhecimento. Levar a srio

    a escolha pela Universidade implica levar a srio a filosofia, como a disciplina

    que desde seu incio preocupou-se com a distino do que verdadeiro e do que

    falso e com as condies de possibilidade do conhecimento.

    Se, alm disso, considerarmos que nosso livro dirigem-se a alunos do curso

    de psicologia, mais ainda torna-se obrigatria a introduo do aluno filosofia.So inmeras as interfaces da psicologia com a filosofia. As cincias derivam

    direta ou indiretamente de um tronco principal composto pela filosofia. Em

    um primeiro momento, a filosofia tomou para si questes que mais tarde fo-

    ram se tornando de domnio cientfico e no filosfico (conforme veremos em

    captulos seguintes). Mas a psicologia, pelas questes metodolgicas que desa-

    fiam toda cincia social e humana, por seu interesse nas faculdades cognitivas

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    13/145

    12captulo 1

    e por seu interesse no animal humano e na existncia humana, requer ainda

    mais um contato pelo menos introdutrio com a filosofia.

    Portanto, passemos a apresentao e discusso das questes colocadas aci-

    ma. Ao final, apresentaremos ainda, em resumo, as diferentes reas da filosofiae seus diferentes perodos, desde seu incio at os dias de hoje.

    OBJETIVOS

    Introduzir o conceito de filosofia;

    Apresentar o contexto sociocultural que possibilitou o nascimento da filosofia;

    Definir o conceito de mito;

    Apresentar as diferentes reas da filosofia; Apresentar os diferentes perodos da filosofia.

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    14/145

    captulo 113

    1.1 O Nascimento da Filosofia

    Grcia, sculo VII antes de Cristo. poca e lugar do nascimento da filosofia, pelo

    menos assim est convencionado dizer em todas as introdues filosofia deque tenho notcia. Considerem ento a questo colocada por Marilena Chau

    (2003): continuidade ou milagre? O que determina que a filosofia tenha nas-

    cido nesse momento e lugar, mesmo que com alguma defasagem de tempo?

    Considerando que esteja correto dizer que foi um nascimento, ento se tra-

    ta de algo novo, um evento na histria humana que se supe introduzir um cor-

    te. Mas o que existia antes desse nascimento? Antes disso no se filosofava? O

    que filosofar? O que a filosofia?

    Os primeiros filsofos eram basicamente cosmlogos. Cosmos pode emsentido lato ser tratado como sinnimo de universo. Andr Lalande define

    como O universo considerado como um sistema bem ordenado, embora assi-

    nale que primitivamente o termo designava ordem. 216. Seu interesse principal

    tangenciava o dos fsicos de hoje em dia e dirigia-se a revelar uma origem na-

    tural do universo e as leis naturais que subjaziam a seu funcionamento, aos fe-

    nmenos que provocavam espanto nesses primeiros filsofos. Naquela poca,

    buscavam aArqu, substancia primeira de onde tudo que existe teria derivado.

    Poderiam ter aceitado as explicaes herdadas pelas tradies de ento, car-regadas de mitos, verdades reveladas - que no existem para serem explicadas,

    mas sim aceitas, sustentadas e transmitidas. Poderiam, e ento no existiria a

    filosofia, dependente de nossa capacidade de estranharmos e nos admirarmos

    com o que se passa em nosso entorno. Mas no foi assim que ocorreu.

    Assim, procurando distinguir o que distingue as explicaes filosficas que

    ento surgem das explicaes presentes em sabedorias anteriores e conside-

    rando que essa distino passa pelo lugar ocupado pelo mito em cada uma

    delas, comearemos por uma apresentao do conceito de mito. Em seguida,apresentaremos nossa concepo do que seja uma sabedoria e no uma filoso-

    fia. Finalmente, apresentaremos nossa concepo do que seja a caracterstica

    distintiva de uma reflexo filosfica.

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    15/145

    14captulo 1

    1.2 Mitos

    Assim, conforme j destacado, o homem j formulava explicaes sobre o que

    havia em seu entorno antes da filosofia nascer. J existiam culturas, com produ-es intelectuais espetaculares. Sabedorias hindu e chinesa, para mencionar

    dois exemplos. Certamente em todas as culturas existentes at ento existiam

    maneiras do homem explicar o que se passava sua volta. Explicaes compar-

    tilhadas por toda uma cultura, tradies transmitidas de gerao em gerao.

    Pensem no fenmeno do nascimento de uma criana. Quando se comeou

    a saber que a fecundao do vulo pelo espermatozoide por ocasio da cpula

    era responsvel por tal milagre? Mas pensem ainda na necessidade sempre

    premente de respondermos s trs perguntas sobre de onde viemos, quem so-mos e para onde vamos, que envolvem nascimento, sexo e morte?

    Tomemos como exemplo um mito bastante conhecido, aquele dedipo, do

    poeta grego Sfocles: conta que dipo, aquele que casa com a me aps matar

    o pai, cumpriu assim o destino que lhe havia sido comunicado pelo orculo1.

    Interessante, contudo, que o tenha cumprido sem saber e at exatamente por

    fugir disso

    Ao saber do orculo seu destino (matar o pai e casar com a me), dipo, que

    vive com aqueles que acredita serem seus pais, fica horrorizado e foge para lon-ge, de modo que isso jamais acontea. Assim fazendo, em seu caminho envolve-

    se em uma briga com um homem poderoso e o mata. Esse homem era Laio, Rei

    de Tebas e seu verdadeiro pai. Continua sua jornada at que na cidade encontra

    uma linda rainha e com ela se casa. Era Jocasta, sua me.

    Laio, pai de dipo e rei de Tebas, havia tambm sido avisado pelo orculo

    que seria morto por seu filho. Desse modo, assim que seu filho nasce ordena a

    um soldado que o mate. Este, apiedado da criana, no consegue cumprir a or-

    dem e coloca-a a descer um rio dentro de um cesto, torcendo para que algumpudesse pega-la e cria-la anonimamente. Um casal de camponeses assim o faz

    e dipo criado por eles como se fosse filho.

    Notem como tal passagem do mito, certamente fantstica e sem realida-

    de factual histrica, fala, entretanto, de uma verdade universal: somos desde

    muito cedo marcados pela influncia de nossos pais, o que interferir, sem que

    1 sm (lat oraculu) 1 Resposta dada por uma divindade a quem a consultava. 2 A prpria divindade que respondia. 3Lugar onde se davam os orculos. 4 Profecia, revelao. 5 Palavra inspirada e infalvel. 6 Deciso infalvel. 7 Pessoa

    cujo conselho tem grande autoridade. 8 Palavra infalvel ou que tem grande autoridade. (dicionrio Michaelis online- http://michaelis.uol.com.br/

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    16/145

    captulo 115

    o saibamos, nos mais diversos espaos e momentos de nossas vidas. De certo

    modo, essas marcas paternas nos traam um destino, o qual cumpriremos sem

    ter dele conscincia.

    No mesmo mito grego, dipo, em outro momento, defronta-se com a esfin-ge, monstro que devorava todos aqueles que no conseguiam responder aos

    enigmas que propunha. Diante da esfinge, ouve dipo do monstro o seguinte

    enigma: qual animal que de manh anda em quatro patas, tarde anda em duas

    e noite anda em trs? dipo ento responde: o homem, que quando criana

    engatinha, quando adulto anda e quando velho apoiam-se em uma bengala.

    Notem que nesse fragmento do mito, outra verdade universal transmitida:

    temos que, ao longo da vida e para no sermos devorados por ela, responder a

    essas trs questes fundamentais sobre passado, presente e futuro. O que faze-mos, cada um de ns, com uma mitologia individual.

    No exemplo do mito de dipo, verdades so transmitidas, porm maneira

    do mito e no ao modo filosfico. No momento em que nasce a filosofia, h

    tambm uma transio desse tipo de transmisso do saber, por uma via mito-

    potica, para a via filosfica. Isso se conecta tambm ao fato de na Grcia ter

    surgido, nesse mesmo momento histrico, a democracia, com sua exigncia de

    argumentao. E afinal, o que caracteriza um argumento bem fundamentado?

    Sua fidelidade tradio? Sua capacidade de convencer os homens? Ou a verda-de? Voltaremos a isso mais abaixo e em captulos seguintes.

    O dicionrio de filosofia de Andr Lalande define mito como uma:

    Narrao fabulosa, de origem popular e no refletida, na qual agentes impessoais,

    a maior parte das vezes foras da natureza, so representados sob forma de seres

    pessoais, cujas aes ou aventuras tm um sentido simblico (1999, p. 688).

    Existem outras definies, at no mesmo dicionrio, mas essa a que nos

    importa nesse momento, nos parecendo suficiente para o que queremos dis-

    cutir aqui. Percebam a referncia origem no refletida. Os mitos no so

    pensados, mas aceitos e transmitidos. Em nossa sociedade atual, isso muito

    pouco evidente e, por conta mesmo da influncia da filosofia sobre ns, o lugar

    do mito j no o mesmo. Todavia nas sociedades daquela poca, anteriores

    e contemporneas ao nascimento da filosofia, tinham papel fundamental na

    organizao das trocas sociais. O fato de serem no refletidos faz justamente

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    17/145

    16captulo 1

    com que o mito faa atrito com a filosofia que, guiada pela razo, clama por

    uma reflexo permanente.

    Hoje termo mito tambm comumente utilizado em sentido pejorativo,

    como sendo uma narrao fabulosa e fictcia, contrria verdade. Conformej dissemos, importante notar que o mito traz uma possibilidade de reflexo

    sobre a existncia e origem das coisas - o cosmos, a experincia da existncia ou

    as relaes sociais. O mito, enquanto narrativa, transmite mensagens metafri-

    cas, retratando o universo, a sociedade, seus paradoxos e contradies, dvidas

    e valores. Assim, o mito possui um valor e, mais do que isso, uma eficcia na

    vida social.

    Chau (2003) observa que os mitos trazem muito frequentemente respostas

    sobre as origens. So respostas a perguntas impossveis de serem respondidas,pelo menos sem um pequeno sopro divino. De onde veio o Universo? Como ele

    surgiu? Por que existe alguma coisa e no o nada? Por que o homem pensa e o

    que deve fazer com essa sua capacidade?

    Mitos cuja origem e autoria se perderam no tempo situam, na origem, rela-

    es sexuais e / ou lutas entre divindades, ou entidades extraordinrias (Chau,

    ibid). Hoje em dia a cincia procura dar uma palavra de autoridade nesses as-

    suntos. Contudo, jamais suas explicaes podero ocupar inteiramente o lugar

    dos mitos como respostas sobre as origens.O que pode a cincia dizer sobre quem somos, de onde viemos e para onde

    vamos? Por mais que ela se esmere em teorias, algo dessas respostas deve ser

    preenchido por algum tipo de mitologia, pessoal, mas tambm cultural. As ex-

    plicaes cientficas no podem dar sentido a nossas vidas. Os mitos sim.

    Por outro lado, muitos cientistas admitem que algumas de suas especula-

    es tericas so como que mitologias, que podem um dia vir a ser confirma-

    das por suas verificaes empricas e/ou matemtico-tericas. Talvez a prpria

    cincia seja a nossa mitologia mais moderna. O que garante que no ser vistadessa maneira daqui a trezentos anos?

    Porm uma caracterstica fundamental dos mitos antigos a de no pode-

    rem ser questionados, o que no acontece nem com as teorias cientficas ainda

    no confirmadas, nem como as proposies fundamentais da filosofia. Essas

    visam o rigor, visam a verdade, porm no podem ser feitas de tal a maneira a

    no poderem ser questionadas. Se faltarem argumentos e provas em contrrio,

    elas continuam vivas; quando provadas falsas ou superadas por outras mais efi-

    cientes, entram para o museu da histria. Voltaremos em captulos seguintes

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    18/145

    captulo 117

    diferena entre filosofia e cincia. Por hora, basta que fique claro que no so

    a mesma coisa.

    Podemos ainda colocar a questo: De onde vieram os mitos? Quem os inven-

    tou? Nos mitos da tradio anterior filosofia, isso sempre se perdia no tempo.O mito era um fragmento de saber to antigo e perdido no tempo quanto aquilo

    de que ele fala. Essa seria outra diferena entre os mitos pr-filosficos e pr-

    cientficos e os mitos filosficos e cientficos. Poderamos, por exemplo, consi-

    derar a teoria atual sobre o big bang na origem do universo como um quase

    mito. Todavia o fato dessa teoria se prestar verificao cientfica, discusso

    com novas hipteses, necessidade de responder pela coerncia interna de

    suas formulaes, a afasta dos mitos da antiguidade.

    Tambm as especulaes do filsofo podem recorrer a mitos para suamelhor transmisso. Porm elas jamais podero fazer assim para fechar os

    questionamentos que queira fazer. O que deve garantir a verdade de uma es-

    peculao filosfica sua capacidade de mostrar que no poderia ser de outra

    maneira, explicando por que.

    Sabemos que o filsofo Plato utilizou mitos para ensinar filosofia, assim

    como alguns dos filsofos pr-socrticos. Mas esses mitos j tinham outra fun-

    o, sobretudo de esclarecer a viso filosfica que Plato queria introduzir, con-

    forme veremos no capitulo 4.J os mitos com que os aborgenes australianos considerados entre os po-

    vos mais primitivos entre os existentes ainda hoje - explicam o nascimento

    das crianas, os movimentos dos cus, as tempestades ou secas devastadoras,

    so mitos cuja autoria se desconhece, mas que so transmitidos pelas geraes

    e compartilhados por toda a comunidade.

    De todo modo, cabe destacar o aspecto organizador e protetor do mito.

    Retomando os mitos dos aborgenes, sejam l quais, o certo que servem para

    organizar aquela cultura. Os diferentes grupos culturais humanos no podemviver sem saber algo mais do que se passa sua volta. O homem no apenas

    se contenta em saber que sua caa costuma beber a gua no rio de manh. Ele

    precisa tambm saber afinal o que significa tudo isso, de onde veio, quem e

    para onde vai. Ento entram em cena os mitos.

    Um dos aspectos mais contundentes envolvidos nisso concerne ao nosso

    saber sobre a morte. Sabemos que vamos morrer e nada sabemos sobre o que

    se passa depois. Para amenizar o efeito traumtico desse saber, o mito traz o

    seu consolo, tornando suportvel para ns conviver com a morte em si e com as

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    19/145

    18captulo 1

    inmeras ameaas de morte com que somos defrontados em nossas vidas, seja

    pelas intempries naturais, seja pelo difcil e necessrio encontro com nossos

    irmos.

    Se um terremoto pode ser explicado como decorrente da ira de Zeus (umdos deuses da mitologia grega), essa explicao nos acalma diante da angstia

    provocada pelo fenmeno e torna suportvel voltarmos s nossas vidas saben-

    do o que se passou e minimamente protegidos da ideia de que uma coisa to

    terrvel possa acontecer por razo nenhuma e que possa voltar a acontecer sem

    que tenhamos qualquer controle sobre isso.

    Certamente que a cincia hoje pode cumprir com essa funo. Temos a im-

    presso de que ela pode nos prevenir quanto a um terremoto. Mas seu poder

    tem limites e no deixamos de nos encontrar face a face com o desconhecido eda carecer de outros mitos.

    Somos muito pequenos e muito frgeis frente imensido da natureza. Os

    mitos nos protegem disso. Mas eles no so filosofia.

    1.3 Sabedorias

    Piso descalo na areia quente e queimo meus ps. Na prxima vez evito o mes-mo caminho ou uso um chinelo. A est um fragmento de sabedoria. Todos sa-

    bemos muitas coisas e podemos viver noventa anos apoiados por esses saberes.

    Sabedorias prticas, ou mesmo tericas. Prticas quando ligadas aquilo que

    podemos sentir e observar - sei quando algo me provoca uma queimadura. Te-

    ricas quando explicam esse queimar. Contudo, essas explicaes tericas j so

    filosofia? No. Para que o fossem, ou para que o sejam, deveriam ser guiadas

    pelarazo. Existem explicaes tericas, especulativas, que no so filosficas,

    nem cientficas. Em algum momento se apoiam em mitos, em dogmas, ou me-ramente em pr-conceitos (enganos que nos trazem conforto).

    Por mais rica que possa ser uma sabedoria, como, por exemplo, aquelas ex-

    pressas na Bblia ou no Bhagavad-Gita (livro sagrado Hind), elas no so filo-

    sofia, ainda que possam perfeitamente servir para nos guiar em uma vida longa

    e feliz. Mais ainda, no podemos dizer que pela Bblia no se transmita uma

    verdade; apenas isso no ocorre pelo modo filosfico clssico.

    Uma mitologia uma forma de sabedoria, alis muito rica. A maioria de

    ns j teve algum acesso mitologia grega com seus deuses no Olimpo, mas

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    20/145

    captulo 119

    as mitologias esto em toda parte e at o momento de nascimento da filosofia

    na Grcia, eram a regra geral e tinham importncia fundamental na vida das

    pessoas. Conforme dissemos, preciso organizar o mundo em trono de ns,

    mesmo que com uma mitologia, mesmo quando somos pessoas mais prticase avessas a especulaes tericas mais gerais. Mesmo sem saber ou pensar no

    assunto, estaro orientados por determinada mitologia que percorre cada gru-

    po cultural criando referenciais para a apreenso da realidade do mundo.

    A filosofia tambm uma sabedoria em certo sentido, mas d um passo es-

    petacular no caminho da humanidade ao pretender um modo de apreenso da

    realidade distinto desse que se praticava at ento e que at hoje ainda se prati-

    ca, pois residualmente que seja, no possvel dispensar os mitos.

    1.4 Filosofia

    A filosofia, pelo menos quando surge, pretende produzir conhecimento atra-

    vs da razo. a primeira vez que escrevo a palavra conhecimento nesse texto.

    Conhecimento, no sentido em que emprego aqui, no sinnimo de saber.

    Dizem que somos animais racionais tese que merece qualificaes. Porm os

    filsofos distinguem das meras reflexes cotidianas, das sabedorias variadas,prticas ou tericas, o conhecimento racional produzido pela filosofia.

    O que seria ento essa tal razo? Para a filosofia a razo a faculdade que

    pode nos levar aos fundamentos, aos princpios claros e distintos e s causas

    primeiras. Ela pode nos revelar verdades que no podem ser questionadas, mas

    por no existirem argumentos que as provem falsas, que as superem em seu

    poder explicativo do tema que abordam. Ou, para evitar polmica, ela nos leva

    a construir os melhores argumentos possveis para justificar nossas pretenses

    de verdade, isto , toda e qualquer tomada de posio cognitiva, toda e qual-quer presuno acerca do que algo de como algo .

    Um filsofo que merea esse nome no pode apelar a argumentos de au-

    toridade: Deus ou o Papa o disseram, ento assim que ; ou ento, sabe-

    se desde sempre que. Nada disso. Um filsofo deve estar disposto a escutar

    todos os questionamentos que lhe dirijam exigindo melhor esclarecimento

    sobre o que afirma como verdade. Ele pode inclusive responder dizendo que,

    to longe quanto a razo o possa levar sobre tal tema, no momento o que pode

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    21/145

    20captulo 1

    afirmar isso, mantendo-se aberto a correes ulteriores e mesmo esperando

    uma rplica.

    A autoridade da razo deve repousar sobre a clareza dos argumentos e em

    sua abertura para ceder em face de rplicas que se mostrem merecedoras dereconhecimento. O conhecimento racional, em sentido forte, (ou deveria ser)

    uma arma contra qualquer tipo de autoritarismo. Com a razo, trata-se de aten-

    der a um impulso geral em direo a construo de um discurso integralmente

    legitimado e portanto no carente de autoridade externa para ser sustentado.

    Isso era ainda mais importante no contexto grego, em que formava-se um novo

    universo cultural que era o da comunidade poltica de cidados na polis que

    estava sempre em vias de ser lograda por meros artifcios persuasivos para im-

    por para todos opinies particulares ou mesmo em risco de degringolar emviolncia.

    1.5 Milagre ou continuidade

    Sobre essa pergunta, a resposta proposta por Marilena Chau : nem um, nem

    outro. O contexto histrico da Grcia no tempo do nascimento da filosofia cria

    condies para esse acontecimento. Tal contexto, por sua vez, no pode ser iso-lado do que se passava em culturas mais ou menos vizinhas e das influncias

    mtuas entre os povos gregos e os outros. Tais influncias no devem ser en-

    tendidas como consistindo apenas naquelas que ocorriam exatamente naquele

    momento, mas sim em toda a histria passada dos povos que vieram a tornar a

    Grcia o que ela era naquele momento.

    Contudo, houve um corte. A filosofia foi algo novo, que no existia antes em

    outros lugares e pocas. Algumas caractersticas do contexto grego devem ser

    levadas em conta para justificar esse corte. Vejamos:A falta de unidade da Grcia antiga a Grcia de ento no constitua um

    grande imprio controlado por uma liderana forte. Se assim fosse, no haveria

    tanta liberdade para que surgissem interrogaes sobre a verdade e novas ma-

    neiras de pensar. Como se sabe, onde h um controle forte desse tipo, manda

    quem pode e obedece quem tem juzo. A fragmentao da Grcia em diferen-

    tes povoados e lideranas permitia a contraposio de estilos de vida, mitos, sa-

    bedorias, enfim, verdades. O que favoreceu a discusso e o aprimoramento de

    argumentos. Por exemplo, a filosofia no nasceu no contexto do Imprio persa,

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    22/145

    captulo 121

    de Ciro e tampouco teve grande florescimento durante o perodo do posterior

    Imprio romano.

    A inveno da moeda Trocar um boi por dois porcos diferente de receberuma quantidade de moedas por ele. O valor da moeda simblico. Imaginem

    uma moeda de um real e notem que seu valor no medido pelas propriedades

    materiais dela. Seu valor depende de uma rede complexa de relaes que vigora

    entre um ou mais povos e no do uso direto que se pode fazer do que est sendo

    trocado como no caso de porcos por bois. H nisso um movimento em direo

    abstrao que tpico do esforo racional do filsofo. Com a moeda as trocas

    no eram mais realizadas a partir de objetos concretos trocados por semelhan-

    a aparente, mas passaram a ser trocas abstratas, trocas realizadas pelo clculodo valor semelhantedas coisas diferentes, revelando, portanto, uma nova ca-

    pacidade de abstrao e de generalizao.

    Com a moeda as trocas no eram mais realizadas a partir de objetos con-

    cretos trocados por semelhana aparente, mas passaram a ser trocas abstratas,

    trocas realizadas pelo clculo do valor semelhantedas coisas diferentes, reve-

    lando, portanto, uma nova capacidade de abstrao e de generalizao. Essa

    capacidade de abstrair implica em no contar mais como guia os rgos dos

    sentidos. No a realidade captada por estes que nos orienta. Isso sempre estpresente no ser humano em algum grau, mas no conhecimento filosfico ser

    levado a um grau mximo.

    O filsofo quer o conceito, que rene apenas os traos mais gerais do obje-

    to. Assim, o conceito de cadeira o que rene os traos - e apenas eles - que tor-

    nam possvel reconhecer qualquer cadeira como cadeira, por mais diferentes

    que sejam umas das outras. Esse conceito puramente abstrato. Ele abstrai de

    toda a particularidade dessa ou daquela cadeira, para deter-se naquilo que faz

    de toda cadeira uma cadeira.

    A inveno do calendrio Do mesmo modo com o calendrio. Contar a

    passagem do tempo pelas mudanas de lua concreto, depende do que se v.

    J contar a passagem do tempo pelo ritmo com que a terra gira em torno de

    si mesma e em torno do sol no depende do que imediatamente observvel.

    H nisso tambm um caminho que vai do concreto ao abstrato. preciso ob-

    servar que naquela poca ainda no havia conscincia de que a terra girava em

    torno do sol. Porm a inveno do calendrio marca a ruptura com um modo

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    23/145

    22captulo 1

    de contar o tempo baseado em sinais diretamente observveis por qualquer

    pessoa. O tempo era contado atravs das mudanas da lua, porm no mais de

    modo emprico; em vez disso estabeleceram a durao de uma estao/fase

    lunar e passaram a usar tal valor como medida. Sobre isso, vejam anexo ao finaldo captulo.

    As navegaes Elas permitiam cada vez mais o intercmbio entre povos

    e isso evidentemente favoreceu o contato com as diferentes verdades, mitos e

    saberes que organizavam as diferentes culturas. Tal como j dissemos, tal expe-

    rincia favorece o questionamento de antigos mitos e tradies, favorecendo o

    aprimoramento e circulao de novas ideias baseadas em novos argumentos.

    Voltando pergunta de Marilena Chau, talvez no seja exagero concederque, por mais que listemos essas condies histricas, restar sempre algo de

    impondervel, inexplicvel, no que concerne a esse nascimento da filosofia na

    Grcia. Talvez a apenas o mito pudesse dar uma palavra final. Admitir isso no

    nos obriga, de forma alguma, a deixar de levar em considerao esses elemen-

    tos histricos.

    A filosofia se apresenta assim como o esforo para produzir conhecimento

    atravs da razo. Tal esforo leva a uma passagem do concreto ao abstrato e

    envolve uma busca dos fundamentos, dos princpios ltimos e das causas pri-meiras. Nesse sentido, utilizando uma terminologia da filosofia tradicional,

    envolve distinguir o ser em si do ser em outro; aquilo que parece, daquilo que .

    1.6 reas da filosofia

    Enquanto esforo para produzir conhecimento atravs da razo, a filoso-

    fia pode ser dividida em algumas reas principais. Ontologia, tica e teoriado conhecimento.

    Ontologia Trata da natureza, realidade e existncia dos seres. Confunde-

    se muitas vezes com a metafsicaque, contudo, mais ampla, incluindo tam-

    bm a busca pelo conhecimento das causas primeiras e das verdades mais ge-

    rais. A palavra forma-se a partir da lngua grega, em que Ontos significa ente,

    ser e logos, pensamento racional). Portanto, pensamento racional aplicado

    questo da natureza, da realidade e existncia dos entes. Essa rea vai desde o

    interesse por o que so todas as coisas que existem, at o interesse por o que

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    24/145

    captulo 123

    existir. Por exemplo, podemos perguntar-nos sobre a natureza do movimento

    das mars, mas tambm podemos perguntar-nos simplesmente o que ser.

    tica o campo da filosofia em que o pensamento racional aplica-se ques-to do dever e do Bem, consequentemente da justia. Tem a ver com a rea

    prtica da vida: o que devemos fazer? Por exemplo, podemos perguntar-nos se

    possvel sermos felizes sem praticar o bem, ou o que o mal, o que so as

    virtudes, todas perguntas que animaram filsofos de diferentes pocas. Outra

    pergunta interessante dessa rea da filosofia : existiriam princpios ticos v-

    lidos para todas as pessoas e culturas em todos os tempos, ou eles so sempre

    relativos, quer dizer, modificam-se com os desdobramentos da histria huma-

    na, com suas mltiplas facetas regionais? Pode-se considerar a poltica umasub rea da tica, se ela for pensada como a rea que inquire os melhores meios

    de governar de modo justo.

    Teoria do conhecimento as perguntas que guiam a razo nessa terceira

    rea da filosofia dirigem-se s condies de possibilidade do conhecimento: o

    que o conhecimento? Ele mesmo possvel? Em que condies? Que cami-

    nho devemos trilhar para alcana-lo? Ele possui fundamento ontolgico? Surge

    a partir de ns ou dos objetos eles mesmos?)

    1.7 Perodos da filosofia

    Ao longo de sua histria de 2600 anos, a filosofia apresentou perodos maiores

    que tm sido diferenciados uns dos outros como se cada um deles tivesse um

    eixo principal em torno do qual se desenrolava a produo filosfica. Assim, na

    Grcia antigaa filosofia poderia ser comparada a uma criana entusiasmadacom um novo brinquedo (a razo) e encantada com sua prpria capacidade de

    realizar prodgios; assim ela volta-se sobre os mais diversos objetos para chegar

    sua essncia (o que a coisa ). Trata-se da filosofia grega, ou antiga. Vai do s-

    culo VII A.C. at os primeiros sculos depois de Cristo.

    Com a ascenso do Imprio romano e a progressiva diminuio da influn-

    cia da cultura propriamente grega, temos a filosofia medieval, dividida em pa-

    trstica e escolstica. Trata-se de um longo perodo, somente encerrado aproxi-

    madamente no sculo 16. O pensamento medieval tem como eixo principal a

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    25/145

    24captulo 1

    tentativa de utilizar a filosofia grega, especialmente os dois maiores filsofos

    de at ento, Plato e Aristteles, para dar sustentao aos dogmas da Igreja

    Catlica Apostlica Romana.

    Com a filosofia moderna(sculo XVII ao sculo XX), o eixo principal j pas-sa a ser: possvel o conhecimento? Em que condies? Momento de ceticis-

    mo (descrena na possibilidade do conhecimento) inicial, devido aos mais de

    dois mil anos de disputas filosficas intensas e em que pela primeira vez co-

    locada em destaque a pergunta sobre quem conhece, ou seja, sobre o sujeito

    do conhecimento.

    O pensamento moderno foi marcado pelo retorno do humanismo introdu-

    zido pelos sofistas ainda no perodo de Scrates, mas que tinha cedido lugar a

    uma perspectiva teocntrica durante o perodo medieval. Se para o humanis-mo o homem a medida de toda as coisas, conforme frase atribuda ao sofista

    Protgoras de Agrigento, da poca de Scrates, na idade mdia a medida de to-

    das as coisas era o Deus da religio cristo. Essa perspectiva teocntrica perde

    espao para o retorno do humanismo no perodo moderno.

    Portanto, se h no perodo moderno o ceticismo de quem j desconfia de

    tantas controvrsias no terreno da filosofia, como se no houvesse chance de

    mostrar quem no final das contas est com a razo, h tambm um entusiasmo

    pela capacidade do homem, com sua razo, iluminar o caminho para o conhe-cimento possvel.

    Outro trao tpico do perodo moderno a colocao em questo do sujeito

    do conhecimento. Quem conhece e a partir de que capacidades chega ao co-

    nhecimento? Essa pergunta claramente encontra-se em sintonia com aquela

    outra, qual seja, sobre as condies de possibilidade do conhecimento (em que

    condies o conhecimento possvel, se que ele possvel).

    Finalmente temos a filosofia contempornea, ou ps-moderna(sculo XX

    / XXI), cujo trao principal seria o relativismo e pragmatismo. A filosofia deveabandonar a busca de verdades eternas e reconhecer que cada poca e cultura

    tm suas verdades, historicamente construdas. Assim sendo, caberia ao filso-

    fo muito mais a criao de conceitos que contribuam para o entendimento do

    mundo em nosso entorno e que seja til aos nossos interesses.

    Esse momento atual da filosofia seria fruto desse desdobramento de ideias

    que ocorre dentro do campo da filosofia. O filsofo no tem o valor de seu

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    26/145

    captulo 125

    trabalho medido pelas descobertas de verdades eternas e universais, mas sim

    por sua capacidade de criar explicaes racionais para os fenmenos que nos

    cercam e que no podem ficar simplesmente sem explicao frente atividade

    criadora do intelecto humano.Evidente que tal periodizao se sustenta em generalizaes. Em cada um

    desses perodos a atividade filosfica como um todo contempla uma diversida-

    de de trabalhos de seus diferentes filsofos. Em todos os perodos da filosofia

    as trs reas principais mencionadas acima, a ontologia a tica e a teoria do

    conhecimento, foram objeto de reflexo e de diferentes maneiras.

    No prximo captulo estaremos apresentando alguns dos primeiros filso-

    fos gregos e alguns traos definidores de sua maneira de pensar. So os cha-

    mados filsofos pr-socrticos, assim reconhecidos por terem filosofado empoca anterior ao surgimento de Scrates, filsofo que por sua tremenda im-

    portncia acabou tornando-se um marco temporal e lgico dentro da histria

    da filosofia.

    CURIOSIDADE

    A moeda grega surgiu em meados do

    sculo VIIa.c e possua variaes de acordocom o valor que representava e o metal uti-

    lizado em sua cunhagem. Historiadores re-

    gistram que j havia moedas em outros pa-

    ses, como a China, datadas de mais tempo,

    mas a grega parece ter sido a primeira a

    ter valor entre vrios pases, impulsionando

    o comrcio internacional. Foi tambm na

    Grcia que surgiram os primeiros sistemas

    bancrios, embora ainda no possussem

    este nome.

    O calendrioutilizado pelos gregos, na poca, baseava-se nos ciclos lunares, os meses

    iniciavam a cada lua nova e duravam 28 dias. Um ano possua 12 meses lunares o que dava

    algo em torno de 354 dias, o que ser corrigido alguns sculos mais tarde com as futuras

    descobertas astrolgicas.

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    27/145

    26captulo 1

    1.8 Mapa da Grcia Antiga

    Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/a8/Mapa_Grecia_Antigua.svg.

    Percebam que a Grcia no constitua uma unidade slida, mas se estendia

    por um vasto territrio europeu e asitico o que propiciou uma enorme influn-

    cia de diferentes culturas. Por isso difcil pensar num modo de pensar gre-

    go, no sentido de um pensamento unificado, mas sim num pensamento mlti-

    plo, reflexo de seu contexto cultural.

    ATIVIDADES

    01. Sabemos que mesmo com o surgimento da filosofia e, posteriormente, o avano das

    cincias, os mitos nunca deixaram de existir completamente. Reflita sobre a importncia dos

    mitos para uma sociedade?

    02. Pesquise sobre os seguintes termos: metafsica; relativismo.

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    28/145

    captulo 127

    03. Procure se situar com relao poca em que surge a filosofia. Atente para a rea que

    correspondia Grcia, conforme mostramos no mapa.

    REFLEXO

    No basta dizer que filosofia significa amor sabedoria, para realmente entender o que

    a filosofia. Em princpio, quando ouvimos essa definio, nossa atitude a de quem entende

    bem do que se trata. Mas ento, quando algum capaz de estranhar as coisas, como por

    exemplo a criana, no cede e pergunta: mas como assim? , bem, ento podemos comear

    a nos enrolar e perceber que no sabamos muito sobre o que pensvamos saber.

    A caracterstica do saber racional proposto pela filosofia desde seu incio, como suamarca definidora, a de justamente enfrentar o problema de levar a frente as perguntas

    para alm do ponto em que a maioria de ns, no senso comum, na vida cotidiana, paramos

    de perguntar.

    Diante da criana, o filsofo iria bem mais longe. Estaria preparado pelo prprio exerccio

    da razo a dar as melhores explicaes, at o ponto em que talvez a criana fosse obrigada

    a dizer, ok, estou satisfeita, seja por ter entendido mesmo, seja por perceber que preciso

    saber um pouco mais antes de ter a resposta para a pergunta que acabara de fazer.

    Os mitos do um ponto final s perguntas, assim como dogmas religiosos. Um dog-ma no pode ser questionado; aceito pela f, por medo, ou simplesmente por alienao,

    costume. Na poca em que surgiu a filosofia, muitas sabedorias riqussimas j existiam. No

    entanto nelas existiam inmeros pontos de apoio em mitos e tradies sagradas. Na filosofia

    propriamente dita isso no existe. O conhecimento racional o exerccio contnuo de colocar

    prova a consistncia das pretenses de verdade do homem.

    Como se a atividade filosfica fosse uma escavao que procurasse revelar a essncia

    que se encontra para alm das aparncias que, conforme todos sabem, enganam. Pelo me-

    nos essa foi a pretenso inicial da filosofia.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICASLALANDE, A. Vocabulrio tcnico e crtico de filosofia. SP: Martins Fontes. 1999.

    MARCONDES, D. Iniciao histria da filosofia. RJ: JZE. 2008

    Bibliografia complementar:

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    29/145

    28captulo 1

    Para textos originais dos filsofos mencionados ao longo de todo esse livro didtico, especialmente

    Scrates, Plato, Aristteles e Santo Agostinho, recorrer coleo Os Pensadores, da Abril Cultural.

    Fcil de achar (at em banca de jornal) e muito confivel.

    CHAUI, M.Convite filosofia

    . SP: tica. 2003VERNANT, J. P. As Origens do Pensamento Grego. SP: DIFEL, 1981.

    -----------------. Mito e Pensamento entre os Gregos. SP: Paz e Terra, 1973.

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    30/145

    Os Primeiros

    Filsofos

    2

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    31/145

    30captulo 2

    Nesse captulo faremos uma breve apresentao dos principais filsofos pr-

    socrticos e das principais caractersticas de sua filosofia. importante conhe-

    ce-los pois em suas discusses e investigaes encontra-se, de modo embrio-

    nrio e pouco sistemtico, muito do que depois seria trabalhado pela filosofia.Veremos como a investigao filosfica de ento se volta tambm especial-

    mente para a busca de uma origem natural do homem e do prprio universo.

    Essa explicao fazia com que os pr-socrticos se voltassem para a busca da

    Arch, princpio que deveria estar presente em tudo que existe, durante todos

    os momentos da existncia. Apesar de errarem nas hipteses que levantavam

    para explicar a origem comum de tudo que existe, estes filsofos j mostravam

    a vertente filosfica no modo como construam as suas hipteses.

    Nossa apresentao dos pr-socrticos atende ao objetivo de introduzir re-ferncias histricas principais para as pesquisas dos alunos acerca do tema.

    Pretendemos fazer isso do modo mais prximo a uma conversa, que conforme

    dissemos desde o incio deve funcionar como um facilitador de outras leituras

    introdutrias. De todo modo no custa retomar de diversas maneiras e a partir

    de diferentes referncias a questo sobre o que a filosofia.

    Tendo em vista o carter mais histrico dessa apresentao, iniciamos o ca-

    ptulo com um convite a reflexo: por que estudar a filosofia e, mais especifica-

    mente, qual a utilidade de estudarmos filosofia no curso de psicologia.

    OBJETIVOS

    Apresentar os filsofos pr-socrticos;

    Apresentar as caractersticas centrais da filosofia pr-socrtica;

    Apresentar a oposio entre as escolas mobilista e monista, que tinham em Herclito e

    Parmnides respectivamente seus principais representantes.

    Convidar o aluno de psicologia a uma reflexo sobre porqu estudar filosofia.

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    32/145

    captulo 231

    2.1 Os Primeiros Filsofos

    Antes de falar dos primeiros filsofos, designados como pr-socrticos, conver-

    semos um pouco sobre a questo: por que estudar filosofia? . Ela, no nossocaso especfico, remete a uma segunda pergunta: Qual a relao da filosofia

    com a psicologia? .

    Dissemos que o filosofar requer a atitude de espanto e admirao da crian-

    a. De repente perceber, em meio a um mundo familiar, o estranhamento: mas

    afinal, o que isso quer dizer? como se nos casse a ficha de que estamos

    muito vontade com nossos saberes, mas que na verdade no sabemos nada

    to bem assim.

    Algumas crianas passam pela chamada idade do porqu, em que levamseus pais loucura perguntando pelo porqu de tudo. Geralmente em algum

    momento os pais respondem: porque assim que e agora vai brincar....

    Tal resposta pode ser muito funcional e importante para desenvolvimento da

    criana, mas bem poderia deixar o adulto com uma pulga atrs da orelha.

    Muitas vezes as pessoas veem os filsofos como pessoas que pensam naqui-

    lo que desnecessrio pensar. Em certo sentido esto certas, pois a verdadei-

    ra filosofia no se faz por necessidade, por um clculo de consequncias, mas

    pelo puro desejo de conhecer. O conhecimento aparece ao filsofo como umfim em si mesmo e no como uma ferramenta para que alcance algo mais.

    Porm em outro sentido esto redondamente enganadas. Demonstram as-

    sim no ter ideia do quanto seu mundo o que tambm em funo de tudo

    que a filosofia vem fazendo nos ltimos dois mil e mais de seiscentos anos. Por

    exemplo, sem a filosofia no teramos as cincias empricas e sem as cincias

    empricas ns ocidentais especialmente estaramos vivendo em outro mundo,

    impossvel dizer qual.

    No incio, filosofia no se distinguia de cincia. Havia a doxa e aEpisteme,traduzidas por opinio (aquela que todos temos pelo senso comum) e cincia

    (ou conhecimento verdadeiro, pois no exatamente a mesma cincia, tal como

    a entendemos hoje). Quem produzia aEpistemeera a filosofia. Seu esforo era

    justamente ir alm da sabedoria do senso comum. Ir da opinio verdade.

    Assim os primeiros filsofos eram tambm um pouco fsicos (principal-

    mente), bilogos, psiclogos, socilogos etc. Com o tempo, foram nascendo as

    cincias empricas (a fsica, a qumica, biologia etc). Essas cincias tiveram que

    se colocar o problema do mtodo. Essa questo sobre o mtodo filosfica e

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    33/145

    32captulo 2

    no cientfica. As cincias tm seu objeto e os cientistas em suas respectivas

    reas se pe a trabalhar para construir o conhecimento. Mas pensar qual o m-

    todo que a cincia deve seguir para ser cincia, isso uma atividade filosfica.

    Assim, com o progressivo surgimento das cincias empricas, coube filo-sofia ficar com as perguntas mais gerais, aquelas que no se responde obser-

    vando, e medindo, mas apenas usando minuciosamente a razo.

    De modo talvez um pouco forado, pode-se imaginar uma caricatura da di-

    ferena entre o modo de proceder do cientista e o do filsofo: enquanto o pri-

    meiro parte para observar o mundo, medindo, registrando e calculando minu-

    ciosamente, o filsofo fecha-se confortavelmente em seu gabinete e pensa em

    temas gerais. Por exemplo, enquanto o cientista examina os diferentes corpos

    que existem, o filsofo pensa o que um corpo o ou que ter um corpo. O cien-tista examina a composio de uma rocha atravs de amostras extradas com

    um martelo especial, o filsofo pensa o que o conhecimento, se o livre arbtrio

    existe, se a ideia de Deus necessria entre vrias outras.

    Com relao psicologia e sua relao com a filosofia, primeiro podemos

    pensar na relao entre um jogador de futebol e musculao. Ele faz a muscu-

    lao para render melhor em seu ofcio. Assim, o exerccio de usar a razo para

    conhecer fortalece a prtica de todo cientista, entre eles o psiclogo.

    Por outro lado, o psiclogo, sendo cientista, deve se orientar pela filosofiaem diversos momentos de sua prtica, para ter clareza quanto ao seu objeto e

    refletir sobre o melhor mtodo de estuda-lo. a filosofia que responde per-

    gunta: o que a psicologia? Qual deve ser o seu objeto (na psicologia, o psic-

    logo o sujeito do conhecimento, enquanto que o objeto do conhecimento

    o que a psicologia deve estudar)? Uma pergunta fundamental que surge nes-

    sa perspectiva : o que um sujeito? Todos ns sabemos a que nos referimos

    quando usamos termos como sujeito, indivduo, ou pessoa, no contexto da psi-

    cologia cientfica?Em psicologia, diferentes escolas pensam o sujeito ou indivduo de diferen-

    tes maneiras, guiado a partir de diferentes motivaes e com diferentes capa-

    cidades. Isso tudo no objeto de consenso dentro da psicologia, provocando

    at hoje debates que poderamos chamar muitas vezes de filosficos, pois no

    dependem do que podemos perceber com nossos sentidos, mas sim do modo

    como interpretamos ou organizamos o que estamos percebendo.

    Claro que um psiclogo ou um no filsofo pode pr-se a refletir so-

    bre essas perguntas; porm ao assim fazer, estar filosofando e no fazendo

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    34/145

    captulo 233

    psicologia. No caso da psicologia essas questes se tornam especialmente agu-

    das, na medida em que se costuma reconhecer que a psicologia um campo

    no unificado, mas sim multifacetado.

    Mas cabe tambm observar que h temas e reas da filosofia que apresen-tam uma interface mais evidente com a psicologia. Por exemplo, muitos temas

    da tica tocam de perto assuntos abordados pelo psiclogo, uma vez que a este

    muitas vezes so endereadas questes a respeito da felicidade. Um psiclogo

    clnico muitas vezes procurado para apontar os caminhos do Bem do sujeito e

    essa uma temtica essencialmente ligada tica como rea da filosofia.

    Do mesmo modo, determinadas correntes filosficas so mais prximas

    psicologia. Por exemplo, a fenomenologia (sculo XIX e XX) tomou para seu

    exame a conscincia e o existencialismo(sculo XX) utilizou o mtodo fenome-nolgico para pensar o homem em sua existncia histrica concreta. Esses es-

    foros filosficos deram muitos subsdios para a psicologia enquanto cincia.

    Podemos ainda mencionar a existncia de tpicos em filosofia que so mui-

    to importantes para algumas reas da psicologia, como por exemplo, o livre ar-

    btrio, a mente, a relao mente e corpo. Tais tpicos podem ser enfrentados

    tanto pela via filosfica quanto pela via da psicologia.

    Em se tratando este de um livro didtico destinado ao curso de psicologia,

    permito-me aqui dizer que, por todos esses motivos, convm rever imediata-mente qualquer trao da ideia que ainda possa existir em voc aluno quanto

    inutilidade da filosofia. Se voc pensa mesmo assim, reveja seu interesse

    pela Universidade.

    Feliz ou infelizmente, isso no quer dizer que voc tenha que gostar da filo-

    sofia. Mas deve reconhecer sua importncia e reconhecer o que deve haver de

    filosfico no trabalho de qualquer psiclogo.

    2.2 Os filsofos pr-socrticos

    Os primeiros filsofos eram muito prximos aos fsicos. Interessavam-se pelos

    fenmenos naturais, como o movimento das mars, a sucesso de dia e noi-

    te, o movimento dos astros e tambm pela origem do universo (cosmogonia) e

    pela ordem do universo (cosmologia). Os primeiros filsofos enfrentaram essas

    questes racionalmente, portanto sem admitir uma origem no natural do uni-

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    35/145

    34captulo 2

    verso. Lembrem-se que explicaes mitolgicas admitem afirmaes que no

    precisam e nem podem ser explicadas.

    Alm de se perguntarem sobre o ser das coisas em torno deles, os filsofos

    pr-socrticos interessavam-se pelaArch, ouArqu, entendida como um prin-cpio que deveria estar presente em todos os momentos da existncia de todas

    as coisas.

    Os pr-socrticos so assim designados por terem pertencido poca ante-

    rior ao aparecimento de Scrates, filsofo to importante que se tornou uma

    referncia lgica e cronolgica na histria da filosofia. . Na verdade, nem to-

    dos os filsofos chamados pr-socrticos so anteriores a Scrates. Alguns so

    contemporneos e outros so ainda posteriores. Convencionou-se chamar pr-

    socrticos aqueles cujo pensamento se detm nas questes da cosmogonia ecosmologia (mote da filosofia estritamente pr-socrtica). Sob certas perspec-

    tivas filosficas, no incorreto dizer que tais filsofos (posteriores a Scrates)

    pertencem ao perodo pr-socrtico, tal como Santo Agostinho pertence ida-

    de mdia, mesmo sendo anterior. Esses filsofos pr-socrticos logo formaram

    duas escolas distintas: a jnica e a Italiana. Cada uma dessas escolas tinha ca-

    ractersticas prprias. A escola Jnica se interessava pela Physis. Esse concei-

    to prximo ao conceito de natureza, porm mais amplo do que ele. Chau

    (2003) aponta que aphysis o princpio geral, causa natural contnua e impere-cvel da existncia de todos os seres e de suas transformaes.

    J a escola italiana interessava-se por temas mais abstratos. Marcondes

    (2008) em indica que essa orientao j anuncia uma o aparecimento de dois

    campos fundamentais de exame filosfico: a metafsica e a lgica. Esta pode

    ser definida como o estudo filosfico do raciocnio vlido. J a metafsica a

    rea da filosofia que se interessa pelo que est alm da fsica. Podemos dizer

    para introduzir o conceito que a metafsica se ocupa daqueles temas que ape-

    nas o pensamento racional (no caso da metafsica filosfica) pode chegar. Como surgimento e multiplicao das cincias empricas, a metafsica tornou-se

    rea privilegiada da filosofia, junto com a tica e a teoria do conhecimento.

    Nessa diviso entre os principais interesses das duas escolas pr-socrti-

    cas, vemos comear a delinear-se uma oposio que atravessar a histria da

    filosofia at os dias de hoje, passando por Parmnides e Herclito e Plato e

    Aristteles: aquela entre racionalistas e empiristas. Entre os primeiros, aqueles

    que afirmam que o conhecimento vem da experincia e assim so mais volta-

    dos para o mundo observvel; os segundos, que afirmam que o conhecimento

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    36/145

    captulo 235

    vem da razo e assim interessam-se antes pelo o mundo pensvel, ou seja, pelas

    verdades mais gerais que podem ser estabelecidas sem o auxlio da observa-

    o, apenas com uma deduo daquilo que o mundo precisa, necessariamente,

    ser. Voltaremos a esse ponto nas prximas aulas, pois trata-se de uma oposi-o muito importante e que concerne at os dias de hoje tambm ao campo

    da psicologia.

    Costuma-se reconhecerTales de Miletocomo o primeiro filsofo. Tales

    mais conhecido por ter afirmado que a tudo vinha da gua. Assim, para Tales,

    a Arch era a gua. Por mais que isso estivesse errado*, j era um erro marcado

    pelo carimbo da filosofia. Por qu? Porque ao afirmar tal coisa, Tales buscava

    uma origem comum a todas as coisas, um princpio fundador, revelando as-

    sim um trao definidor da filosofia. Para os gregos de sua poca, era impossvelaceitar a ideia de um Universo criado a partir do nada. Os seres tinham de ter

    uma origem natural e suas tentativas caminhavam sempre no sentido de desco-

    brir de onde todas as coisas vieram.

    REFLEXO

    Talvez afirmar que Tales estava errado seja, no mnimo, supor que o filsofo falava em sentido

    literal e estrito. Ele propunha que a existncia precisava de uma origem, de um elemento

    primordial. De tudo o que ele observava na natureza a gua era o que se apresentava em

    comum, afinal, todos os seres vivos precisam de gua para viver (alm de possurem-na em

    seus corpos); se voc corta um alimento, encontra ali gua; se cava a terra, tambm a encon-

    tra; a gua ora slida, ora lquida, ora gasosa, condizente com o carter fluido da natureza.

    E apesar de tudo isso, Tales lanou a questo adiante, propondo que seus seguidores suge-

    rissem outras origens (oferecendo argumentos para tal, certamente). Alm disso, sabemos

    hoje, atravs da cincia, que os primeiros micro-organismos vivos surgiram da gua, o corpo

    humano composto por cerca de 65% de gua e cerca de 71% da superfcie de nosso

    planeta tambm o . Foi um timo erro, no?

    Outros pr-socrticos tambm se dedicaram a essa busca, afirmando ora

    que tudo vinha do ar (Anaxmenes), ora dos quatro elementos (Empdocles

    de Agrigento), ora do nmero (Pitgoras, exemplo de representante da escola

    Italiana, mais voltada para o abstrato). Em todos eles pode-se notar esse trao

    distintivo do esforo filosfico, qual seja a de procurar pelos fundamentos, pelo

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    37/145

    36captulo 2

    princpio original, pelo ser em si e no pelo ser em outro. Alm disso, o esforo

    racional exclui o apoio em dogmas e da a busca de uma origem natural para

    o homem e o universo; portanto, a resposta de Tales, por exemplo, no tem o

    valor de dogma. Tratamos aqui dogmas m sentido mais geral, ou seja, comoverdades adquiridas por revelao e no pela razo e que no podem ser contes-

    tadas. Ela pode ser questionada e constitui uma primeira tentativa de explicar a

    origem de todas as coisas a partir da natureza e no em um tempo mtico habi-

    tado e governado por foras sobrenaturais.

    2.3 Herclito e Parmnides

    Esses dois pr-socrticos geniais formaram a primeira grande oposio entre

    filsofos que representam duas tendncias bem delineadas dentro da histria

    do pensamento humano. De um lado aparece o empirismo e de outro o racio-

    nalismo. A principal disputa entre eles dava-se em torno da questo do movi-

    mento. Herclito foi o principal representante da escola mobilista, enquanto

    Parmnides da escola monista. Para o primeiro, tudo se move e se transforma

    o tempo todo; para o segundo, o ser uno, eterno, imutvel, imvel, infinito.

    Para Herclito (535-475 A.C.), tudo est em movimento o tempo todo. Porisso, o ser devir1, quer dizer, o ser transforma-se permanentemente. Uma frase

    famosa associada a Herclito : ningum se banha no mesmo rio duas vezes.

    Percebam que, de fato, se nos atemos a olhar para o mundo que nos cerca,

    tudo est em movimento. Porm, pensemos a seguinte questo: somos os mes-

    mos que ramos h quinze anos atrs, ou somos outra pessoa?

    Possivelmente a maioria responderia, depois de breve reflexo: somos e no

    somos. Temos uma essncia? O que significa essncia? Essncia o que faz

    com que a coisa seja o que . Se temos uma essncia, ento somos os mesmosao longo de toda a nossa vida; se no temos uma essncia, ou se somos puro

    devir, ento no somos os mesmos que ramos h quinze anos atrs.

    Por outro lado, aceitamos que todos os cavalos so diferentes, mas, como

    so todos cavalos, so uma coisa s. Ento tendemos a dizer: so e no so

    a mesma coisa. No exemplo anterior, um mesmo objeto (ns mesmos), na1 Devir: termo latino que significa vir a ser, tornar-se, referindo-se ao carter plstico dos seres e das coisas,

    quase sempre usado em oposio noo de essncia ou identidade. O conceito ser bastante explorado em um

    outro momento da filosofia por filsofos como Nietzsche (sculo 19) e Deleuze (sculo 20).

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    38/145

    captulo 237

    medida em que o tempo passa, deixa de ser o que era, transformando-se em

    outro, ou permanece o mesmo? No segundo caso, os diferentes objetos de um

    mesmo tipo so uma s coisa, ou vrias?

    A partir dos dois exemplos penso que seja possvel notar que no to tolacomo poderia parecer essa discusso filosfica. De um lado aqueles que privile-

    giam o que muda, se transforma, o tempo todo. De outro, aqueles que buscam

    a essncia, o que permanece o mesmo mais alm da diversidade evidente aos

    nossos olhos. Vejamos a posio do principal opositor de Herclito.

    Parmnides (530-460 A.C.) se opunha a Herclito radicalmente. Se Herclito

    ficou conhecido por afirmar que ningum se banha duas vezes no mesmo rio,

    a Parmnides atribuda outra frase famosa: o ser e o no ser no , teria

    dito o grande filsofo. Frase do tipo que costuma afastar as pessoas da filosofiacom expresso entre a repulsa e o horror. A frase de Herclito mais simptica:

    ningum se banha duas vezes no mesmo rio.

    Mas Parmnides foi tudo menos bobo. Para ele, aceitar Herclito levaria

    ao absurdo de aceitar que o ser no e o no ser . Mas consideremos:

    Parmnides, considerado um gnio, afirmava que o movimento no existe. Mas

    ser que permaneceria imvel caso um leo se precipitasse sobre ele? Claro que

    no. Ento, do que estava falando ao afirmar tal coisa?

    Para tornar Parmnides inteligvel, compreensvel, necessrio reconhecerque ele afirmava que o ser da ordem do pensvel. Vejam que coisa curiosa. O

    real o pensvel e no o concreto. O contrrio do que costuma admitir o senso

    comum. Mas por isso mesmo dei os exemplos acima, da pessoa e do cavalo.

    Provavelmente Parmnides privilegiava, ao falar do ser, isso que chamamos de

    essncia. Mas ao assim fazer ele se afastava do mundo sensvel, daquilo que a

    experincia traz aos nossos olhos.

    Muito conhecidos so os paradoxos de Zeno. Zeno de Eleia (aproxima-

    damente 490-430 A.C.) foi discpulo de Parmnides e divertia aos curiosos desua poca expondo problemas lgicos ou paradoxos, dos quais um dos mais

    famosos aquele que fala da corrida entre Aquiles e a tartaruga. Aquiles foi

    um semideus grego e naturalmente para correr contra a tartaruga permitiu que

    essa partisse bem frente dele.

    Assim, a tartaruga partia do ponto 1, enquanto Aquiles partia do ponto 2,

    conforme abaixo:

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    39/145

    38captulo 2

    Ponto 1 _____________________________________________________

    __________________________________ Ponto 2 __________________

    Zeno mostrava que no momento em que Aquiles chegasse ao ponto 2, atartaruga necessariamente teria de ter andado um pouco e assim estaria em um

    ponto 3, conforme abaixo:

    Aquiles: ____________________________ Ponto 2

    Tartaruga: _______________________________________ Ponto 3

    Do mesmo modo, ao chegar ao chegar ao ponto 3, Aquiles necessariamente

    encontraria a tartaruga em um ponto 4 e assim por diante, de tal maneira que,sempre que Aquiles atingia o ponto em que a tartaruga estava, essa estaria al-

    gum espao, mnimo que fosse, sua frente.

    So tambm famosos outros paradoxos apresentados por esse discpulo de

    Parmnides, que assim ocupava-se em demonstrar que a crena na existncia

    do movimento uma iluso.

    Herclito e Parmnides, conforme j colocado acima, foram respectiva-

    mente os principais representantes das escolas mobilista e monista, que mar-

    cam uma segunda fase do perodo pr-socrtico. Para a primeira escola a na-tureza fluxo, est em constante movimento; enquanto que para o monismo

    a realidade imutvel, no existe o movimento, e as mudanas que supomos

    ver so mera iluso dos sentidos. H ainda uma terceira escola, o atomismo de

    Demcrito, segundo o qual a realidade composta por tomos e vazio, e todo o

    movimento se d na relao entre estes.

    As diferenas entre essas escolas aparecero posteriormente sistematiza-

    das e desenvolvidas na filosofia de Plato e mesmo pela oposio entre Plato

    e seu discpulo e crtico, Aristteles. A obra desses dois autores traz implcitaessa discusso que percorreu o perodo pr-socrtico, embora sofisticando-a e

    dando a ela solues e direes no contidas nos filsofos anteriores.

    Porm mais alm desses dois gigantes da filosofia, podemos ver na con-

    trovrsia entre Herclito e Parmnides, duas tendncias distintas de enfocar

    a questo do conhecimento. De um lado, a posio de Herclito tende a valo-

    rizar o empirismo, segundo o qual todo conhecimento vem da experincia. J

    a posio de Parmnides tende a valorizar o racionalismo, segundo o qual o

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    40/145

    captulo 239

    conhecimento vem da razo. Voltaremos a essa controvrsia ao longo dos cap-

    tulos que se seguem.

    Antes de chegar a Plato e em seguida Aristteles, teremos que passar por

    Scrates. Todas as introdues filosofia apresentam Scrates antes de Plato.Porm S sabemos de Scrates pelos escritos de Plato pois Scrates no es-

    creveu; sua filosofia era praticada em dilogos. Tradio oral, portanto. Dois

    foram os traos da filosofia de Scrates que o tornaram uma referncia to

    fundamental na histria da filosofia: sua exigncia quanto ao conceito; e apro-

    ximar a filosofia dos interesses humanos tica e poltica. Contemporneos

    de Scrates, os sofistas tambm tiveram grande importncia na cultura grega

    daquela poca, alm de poderem ser considerados os primeiros humanistas.

    Alm disso, constituam uma interlocuo importante de Scrates e por issotambm sero examinados no prximo captulo.

    A filosofia grega ou antiga comumente separada em trs perodos: o pri-

    meiro perodo seria o cosmolgico e corresponderia ao tempo dos filsofos

    pr-socrticos com seu interesse predominantemente orientado para aPhysis;

    o segundo seria introduzido por Scrates e corresponderia ao perodo chamado

    antropolgico, quando a filosofia passou a interessar-se pelos assuntos huma-

    nos, considerados distintos daPhysis (natureza); e o terceiro perodo seria o pe-

    rodo sistemtico, marcado pelo trabalhos de Plato e Aristteles, que operouuma primeira sistematizao dos principais debates da filosofia.

    Por sistematizao, queremos indicar aqui o esforo de situar as questes

    at ento colocadas e procurar responde-las uma por uma, desde as menos im-

    portantes s mais importantes, ou vice-versa.

    Passemos agora ao estudo do perodo dito antropolgico, com destaque

    para o trabalho de Scrates e para a contribuio dos sofistas (considerados

    sbios, porm no filsofos) cultura grega.

    ATIVIDADES

    01. Perceba que podemos dividir o perodo pr-socrtico em duas fases. Uma primeira, mar-

    cada pela oposio entre a escola Jnica e a Italiana, e uma segunda, marcada, principalmen-

    te, pela oposio entre Mobilismo e Monismo. Pode-se dizer que a principal diferena entre

    essas fases que, enquanto a primeira se ocupava de questes referentes Cosmogonia,

    a segunda se ocupava de questes mais ligadas Cosmologia.Pesquise a diferena entre

    esses dois conceitos.

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    41/145

    40captulo 2

    02. Diferentemente do monismode Parmnides, tanto o mobilismoquanto o atomismo

    aceitavam que a realidade era dinmica, no entanto essas duas escolas tinham diferentes

    explicaes para a mobilidade das coisas. Faa uma breve pesquisa e aponte as principais

    diferenas entre elas.

    03. Parmnidesacreditava que a realidade era una e imutvel, contudo sabemos que na

    natureza, e mesmo em ns, as coisas se transformam e certamente o filsofo era consciente

    desse fato. Como Parmnides explicava essas transformaes?

    04. Pesquise sobre o trabalho de outros pr-socrticos conhecidos. Conhea quais as suas

    hipteses sobre a Arch.

    05. Mencionamos duas escolas quase contemporneas da filosofia que tiveram grande im-

    portncia para a psicologia, a fenomenologiae o existencialismo.Procure por definies

    desses termos em dicionrios de filosofia, ou verbetes na INTERNET. No so escolas pr-

    socrticas mas vale a pesquisa para pensar a relao filosofia-psicologia.

    REFLEXO

    Nesse captulo voc foi primeiramente provocado a pensar nas razes para o estudo da

    filosofia. Procuramos mostrar que uma noo bsica dos principais problemas da filosofia

    fundamental para o futuro psiclogo, por trs conjuntos de razes. Primeiro, na medida em

    que nossa cultura ocidental profundamente marcada pela filosofia; segundo, porque muitas

    atividades em psicologia so dependentes de esforos filosficos para definir nosso objeto e

    mtodo de investigao; terceiro, porque muitas escolas e temas na histria da filosofia tem

    muita proximidade com a psicologia, como por exemplo as escolas fenomenolgica e exis-

    tencialista, ou os temas do livre arbtrio, da busca pela felicidade e da relao da conscincia

    com os fenmenos percebidos.

    Em uma segunda parte, apresentamos brevemente os filsofos pr-socrticos e as di-

    ferentes escolas que naquela poca se formaram, geralmente em torno de algum filsofo

    principal. O estudo desses pensadores de extrema riqueza, pois neles podemos perceber

    em estado nascente a maioria das principais questes que animariam os filsofos nos prxi-

    mos dois mil e seiscentos anos.

    Destacamos entre os pr-socrticos os filsofos Herclito e Parmnides, sugerindo que

    na oposio entre os dois sobre a questo da existncia do movimento podemos antever

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    42/145

    captulo 241

    questes principais do debate filosfico e principalmente a oposio entre as tendncias

    empirista e racionalista, que atravessa a histria da filosofia.

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    43/145

    42captulo 2

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    44/145

    Scrates e os

    Sofistas

    3

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    45/145

    44captulo 3

    Neste captulo iremos introduzir a filosofia do grande Scrates. Personagem

    sobre o qual pesa a dvida da existncia. No entanto, sua realidade para ns

    ocidentais est acima de qualquer suspeita. Ou seja, tendo ou no andado pela

    face da terra, Scrates existe e, alm disso, imortal.Foi ele quem pela primeira vez fez figurar entre os interesses da filosofia os

    interesses tipicamente humanos, atravs dos temas da tica e da poltica. Alm

    disso, sua exigncia de definies cada vez mais precisas sobre o ser do que

    estava em discusso torna-se durante muito tempo uma referncia principal

    para a filosofia. Da que tenha se tornado um marco lgico e cronolgico na

    histria desta.

    Porm o contexto social de Scrates tambm o mesmo dos sofistas.

    Personagens principais na cena grega, os sofistas so nomeadamente sbios,porm no filsofos. Contudo, no deixam de ser filsofos por faltar-lhes ca-

    pacidade ou autorizao, mas simplesmente por no desejarem s-lo. Para o

    sofista, ser um filsofo no um ideal, mas, em parte pelo menos, um engano.

    O sofista coloca em questo a concepo de verdade do filsofo. Para ele

    tudo que a razo pode oferecer so os melhores argumentos, nunca a verdade

    que estaria para alm disso. Se essa posio na poca no era compatvel com

    os ideais do filsofo, hoje em dia, na poca da filosofia contempornea, muitos

    filsofos a tomam como lema.Por outro lado, os sofistas foram os primeiros humanistas. de Protgoras,

    tido como o maior deles, a frase: O homem a medida de todas as coisas. A

    verdade, coisa humana, e no do mundo. Troquemos, pois, algumas ideias

    sobre Scrates e os sofistas.

    OBJETIVOS

    Introduzir a filosofia de Scrates, destacando suas contribuies na direo da exigncia

    do conceito, atravs da busca de opinies cada vez mais precisas e a importncia mais do

    que nunca antes conferida pela filosofia aos temas ticos e polticos;

    Introduzir a importncia dos sofistas no contexto grego, destacando neles a valorizao da

    retrica, seu humanismo, seu interesse pelo Nomos (ordem humana) e sua concepo de

    verdade oposta dos filsofos.

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    46/145

    captulo 345

    3.1 Scrates e os Sofistas

    Esttua de Scrates na Academia de Atenas - Grcia. Fonte: http://europaenfotos.com/

    atenas/socrates-atenas-9352.jpg

    Tamanha a importncia de Scrates para a filosofia que a expresso pr-

    socrticos utilizada para designar os primeiros filsofos marca um antes e

    depois de Scrates, tal como se pode encontrar a propsito de Cristo. Neste ca-

    ptulo examinaremos o trao especfico que d a Scrates esse lugar ao mesmotempo em que aprendendo sobre seu modo peculiar de fazer filosofia, atravs

    de dilogos. Contudo examinaremos tambm o lugar dos ento chamados so-

    fistas, contemporneos de Scrates e interlocutores privilegiados de sua pr-

    xisfilosfica.

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    47/145

    46captulo 3

    3.2 O conceito

    Existe entre filsofos e historiadores uma discusso sobre a existncia real de

    Scrates como pessoa viva que andou sobre a terra. Como Scrates jamais es-creveu qualquer texto, praticamente s temos conhecimento dele pelos escri-

    tos de Plato, supostamente seu discpulo. Assim, alguns especulam que talvez

    Scrates tenha sido uma inveno de Plato para transmitir a filosofia. Em todo

    caso, tendo ou no sido uma pessoa real, Scrates um filsofo real e sua marca

    nos acompanha at hoje.

    Scrates fez filosofia dialogando. Ele andava pelas ruas de sua poca cha-

    mando as pessoas para um dilogo que apresentava a seguinte estrutura:

    Scrates interrogava pessoas que se supunham sbias em determinado assun-to e que, ao final da conversa com Scrates, saam achando que no sabiam o

    que pensavam saber.

    Para que isso? Scrates considerava que essa era a melhor maneira de fazer

    com que as pessoas passassem a se preocupar com a verdade: fazer com que

    ficassem realmente curiosas e com desejo de saber.

    Nesses dilogos, Scrates desconstrua as certezas das pessoas atravs de

    seus argumentos, sempre utilizando uma fina ironia. Os principais dilogos

    socrticos de Plato textos deixados por este e que tm em Scrates o per-sonagem principal nos apresentam Scrates conversando com personagens

    emblemticos, como um general, ou um sofista, enfim, com pessoas que su-

    pem conhecer muito bem determinado assunto, que justamente ser posto

    em discusso por Scrates. Com o general, ele discutir a coragem, enquanto

    que com o sofista, a retrica, com o aristocrata, a virtude, e assim por diante.

    Imaginem ento um general ou soldado questionado sobre o que a co-

    ragem e a firme convico com que pronuncia sua primeira definio. Ao que

    Scrates comea com sua implacvel desconstruo. Esse exerccio faz comque o interlocutor de Scrates refine progressivamente seus argumentos diante

    do que Scrates continua sua operao at chegar ao limite em que seu oponen-

    te desiste enfurecido ou atordoado.

    Vejamos a seguir um fragmento do dilogo em que Scrates fala sobre a

    virtude com Mnon, um aristocrata de ento. Diante da pergunta irnica de

    Scrates, sobre o significado de virtude, Mnon primeiro responde:

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    48/145

    captulo 347

    Mnon:Mas no difcil dizer Scrates. Em primeiro lugar, se queres [que eu diga

    qual ] a virtude do homem, fcil [dizer] que esta a virtude do homem: ser capaz

    de gerir as coisas da cidade, e, no exerccio dessa gesto, fazer bem aos amigos e

    mal aos inimigos, e guardar-se ele prprio de sofrer coisa parecida. Se queres [quediga qual ] a virtude da mulher, no fcil explicar que preciso a ela bem adminis-

    trar a casa, cuidando da manuteno de seu interior e sendo obediente ao marido. E

    diferente a virtude da criana, tanto a de uma menina quanto a de um menino, e a

    do ancio, seja a de um homem livre, seja a de um escravo. E h muitssimas outras

    virtudes, de modo que no uma dificuldade dizer, sobre a virtude, o que ela . Pois a

    virtude , para cada um de ns, com relao a cada trabalho, conforme cada ao e

    cada idade; e da mesma forma, creio, Scrates, tambm o vcio.

    Diante de tal resposta, manifesta-se a ironia de Scrates:

    Scrates:Uma sorte bem grande parece que tive, Mnon, se, procurando uma s

    virtude encontrei um enxame delas pousado junto a ti. Entretanto, Mnon, a propsito

    dessa imagem, essa sobre o enxame, se, perguntando eu, sobre o ser de formas, o

    que me responderias se te perguntasse: Dizes serem elas muitas e de toda variedade

    de formas e diferentes umas das outras quanto a serem elas abelhas? Ou quanto a

    isso elas no diferem nada, mas sim quanto a outra coisa, por exemplo, quanto bele-

    za, ou ao tamanho, ou quanto a qualquer outra coisa desse tipo? Dize: que responde-

    rias, sendo interrogado assim?

    Mnon: Eu diria que, quanto a serem abelhas, no diferem nada umas das outras.

    Scrates: Se ento eu dissesse depois disso: Nesse caso, dize-me isso aqui Mnon:

    aquilo quanto a que elas nada diferem, mas quanto a que so todas o mesmo, que

    afirmas ser isso? Poderias, sem dvida, dizer-me alguma coisa?Mnon: Sim, poderia.

    Scrates:Ora, assim tambm no que se refere s virtudes. Embora sejam muitas e

    assumam toda variedade de formas, tm todas um carter nico, [que ] o mesmo,

    graas ao qual so virtudes, para o qual, tendo voltado seu olhar, a algum que est

    respondendo perfeitamente possvel, penso, fazer ver, a quem lhe fez a pergunta,

    o que vem a ser a virtude. OU no entendes o que digo? (Apud, MARCONDES,

    2008b)

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    49/145

    48captulo 3

    Esse fragmento permite observar dois traos fundamentais do filosofar de

    Scrates e do modo como ele pretendia trazer as pessoas para uma atividade

    filosfica. Primeiro, a exigncia de uma definio deve dar conta de uma multi-

    plicidade. A definio de virtude diz o que h de virtuoso em cada caso de virtu-de observada no comportamento dos homens. Scrates no aceita que Mnon

    responda atravs de exemplos, apontando para cada comportamento virtuoso

    que se manifesta, mas sim exigindo que Mnon pense sobre o que faz com que

    cada comportamento desses seja virtuoso.

    Segundo, Scrates traz a debate a virtude, tema tico, o que mostra de

    que modo o filsofo traz para a filosofia interesses distantes da physis dos

    pr-socrticos.

    O processo de desconstruo de Scrates deve ser relacionado sua prover-bial ironiae a um dito que historicamente se atribu a ele: S sei que nada

    sei... teria dito o grande filsofo, para em seguida concluir por isso sou o ho-

    mem mais inteligente que existe, pois pelo menos uma coisa, eu sei. Trata-se

    da ironia de Scrates, nesta passagem aplicada tambm a si mesmo.

    Porm, no se trata apenas disso. Percebam que ao buscar as pessoas su-

    postamente mais sbias para o dilogo, pessoas que se acreditavam sbias em

    determinado assunto, Scrates fazia como se quisesse aprender com elas; e, en-

    tretanto, acabava por mostrar-lhes que no sabiam tanto quanto imaginavam.O procedimento essencialmente irnico.

    Todavia tambm, no caminho inverso, era capaz de mostrar queles que se

    criam ignorantes, que sabiam mais do que supunham saber. Dissemos acima

    que o mtodo socrtico levava seus interlocutores a refinarem seus argumen-

    tos. Assim, na medida em que Scrates desconstrua um argumento de seu

    interlocutor, este se esforava por dizer melhor o que pensava. Mesmo que ao

    final sasse convencido de que no sabia to bem quanto pensava saber, ao lon-

    go do dilogo com Scrates aprendera que poderia dizer mais e melhor do quepensava poder.

    O valor filosfico desse procedimento enorme pois, pela primeira vez na

    histria da filosofia aparece de modo to sistemtico a preocupao com o

    conceito. Ao obrigar seus interlocutores a dizerem cada vez melhor o que pre-

    tendiam, Scrates fazia com que se aproximassem de uma melhor definio

    do conceito. E o que oconceito? Voltemos mais uma vez a este ponto. Os fi-

    lsofos tm sido prdigos em dar o seguinte exemplo didtico: existem mui-

    tos objetos no mundo que chamamos de cadeira. Esses objetos por vezes so

  • 7/25/2019 Filo Sofia Estcio

    50/145

    captulo 349

    muito diferentes entre si e, ainda assim, somos sempre capazes de reconhec

    -los como cadeiras. Dizemos ento que dominamos o conceito de cadeira e

    que por esse domnio que fazemos sempre esse preciso conhecimento.

    Teramos assim, de um lado o conjunto de todas as cadeiras concretas queexistem na face da terra e de outro, o conceito de cadeira, justamente aquilo

    que permite que fechemos o conjunto de cadeiras, que abstrato e no con-

    creto, ou seja, o conceito de cadeira. Esse conceito no acessvel aos rgos

    da sensibilidade: viso, audio, tato, paladar e olfato. preciso contemplar o

    conceito com a alma (psique), nos dir Plato, conforme veremos. Para chegar

    ao conceito, devemos pensar.

    No filosofar de Scrates, encontramos esse procedimento que nos afasta do

    sensvel / concreto em direo ao abstrato / conceitual. E o verdadeiro ser estdo lado do abstrato e no do concreto. Da uma inverso em relao ao senso

    comum, que afirma altivamente que o que existe o concreto e que os filsofos

    vivem no mundo da lua, ou coisas do tipo. Veremos como Plato ir radicalizar

    essa perspectiva, mostrando que a filosofia deve romper com o concreto (aces-

    sado pela sensibilidade) em direo abstrao (acessada pela razo).

    Outro trao distintivo da filosofia de Scrates, conforme tambm mencio-

    nado acima a propsito do dilogo com Mnon, o de que suas