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  • FOLHA 19-03-2015

    KENNETH MAXWELL

    Os idos de maro

    Faz 30 anos que a democracia foi restabelecida no Brasil, quando Jos Sarney se tornou presidente interino, em 15 de maro de 1985. Foi um momento de grande apreenso. Em 15 de janeiro, o governador de Minas Gerais havia sido eleito por um colgio eleitoral como primeiro presidente civil do Brasil depois de duas dcadas de domnio militar. Mas Tancredo adoeceu gravemente e morreu em 21 de abril. Ironicamente, a mesma data em que seu grande heri e conterrneo, Tiradentes, foi enforcado, decapitado e esquartejado no Rio de Janeiro, em 1792.

    Tancredo Neves era um poltico imbudo da discrio mineira e um supremo praticante da arte do possvel. Era tambm um democrata. Criou alianas habilidosas para garantir sua eleio. Em 15 de janeiro de 1985, na Cmara dos Deputados, em Braslia, o colgio eleitoral votou em seu favor por 480 a 180 votos, com 26 abstenes e ausncias.

    Elio Gaspari, ento trabalhando para a "Veja", me conseguiu uma credencial de imprensa por meio da sucursal da revista em Braslia, e assisti da galeria da imprensa.

    Sentado atrs de mim estava Alan Riding, correspondente do "New York Times" no Brasil. Aquilo que vi me empolgou muito. Mas me lembro de que Riding no se impressionou nem um pouco. Seria tudo "mais ou menos o mesmo", ele resmungou. Mas no poderia estar mais errado, apesar da inesperada morte de Tancredo apenas trs meses mais tarde. A despeito dos alarmes e das reviravoltas inesperadas do destino, a nova democracia inaugurada naquele dia sobreviveu, e continua a faz-lo depois de 30 anos. Pelo menos at agora.

    A eleio de outubro passado viu Dilma Rousseff reconduzida ao posto por uma das menores margens na histria do Brasil, e o pas fortemente dividido em linhas regionais e de classe. O escndalo de corrupo na Petrobras s dificultou a tarefa da presidente. E apesar de ter nascido em Minas Gerais, ela no mostrou nem trao do formidvel talento poltico de Tancredo Neves.

    O 15 de maro marcava os "idos de maro". Foi o dia em que Jlio Csar foi assassinado no Senado romano em 44 a.C., e que marca a transio da repblica para o imprio romano. As multides que tomaram a avenida Paulista domingo passado eram unnimes em sua oposio corrupo. Gritavam ruidosamente pelo impeachment de Dilma Rousseff. Bateram panelas e frigideiras com entusiasmo. Mas a ltima vez em que isso aconteceu foi durante a Marcha da Famlia com Deus pela Liberdade, pouco antes do golpe de 1964.

  • cedo demais para prever uma mudana de regime. Mas no cedo demais para apontar que o Brasil enfrenta seu mais srio desafio de governana desde que a democracia foi restaurada, 30 anos atrs.

    ANLISE

    Clculo poltico do Planalto no episdio com Cid obscuro

    IGOR GIELOWDIRETOR DA SUCURSAL DE BRASLIA

    A degradao do cacife poltico do governo Dilma Rousseff levou o Brasil a viver a quarta-feira (18) sob uma variante tropical de parlamentarismo branco.

    O governo amanheceu com a pesquisa Datafolha indicando o apoio presidente no cho e fechou a tarde informando de forma obsequiosa o presidente rebelde da Cmara de que o ministro da Educao seria demitido.

    A rigor, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) comandou o auto-de-f de Cid. Talvez tenha bastado para conter o nimo peemedebista por ora, de olho na reforma ministerial. Ou no, j que na Casa ao lado Renan Calheiros (PMDB-AL) mantinha a presso sobre o governo.

    O clculo poltico do Planalto no episdio obscuro. Era evidente que Cid no se aguentaria na sesso para explicar por que chamou deputados de "achacadores".

    A morte pela boca um tradio familiar dos Gomes. parte do folclore poltico a derrocada do irmo e antiga estrela do cl, Ciro, aps chamar um eleitor de "burro" quando presidencivel em 2002.

    Se demitisse Cid antes, Dilma seria acusada de prostrar-se diante de Cunha. Acabou na mesma situao, com o bnus de horas de humilhao pblica. Algo que pode se repetir, se o presidente da Cmara mantiver a ideia de chamar outros ministros.

    O tamanho do custo de negociao para o governo ficou evidente. Um deputado, antes de provocar a sada de Cid da sesso, o acusou de fugir de um "barco que est prestes a afundar". Detalhe: ele do PSD, sigla smbolo da "nova base aliada". Mas, antes, da turma de Cunha.

    Terroristas atacam museu e deixam 19 mortos na Tunsia

    Atentado atinge principal atrao do pas rabe no dia em que Parlamento votava lei para coibir terrorismo

    Nenhum grupo assumiu ao, embora suspeita recaia sobre o Estado Islmico; pas declara guerra contra terror

  • DE SO PAULODAS AGNCIAS DE NOTCIAS

    O Museu do Bardo, uma das principais atraes tursticas de Tnis, capital da Tunsia, foi alvo de um ataque armado nesta quarta-feira (18) que deixou 19 pessoas mortas, sendo 17 estrangeiros, e mais de 50 feridos.

    At a concluso desta edio, a ao no fora reivindicada por nenhum grupo terrorista. Este foi o pior atentado em 13 anos no pas do norte da frica, um dos mais laicos no mundo rabe.

    Por volta das 12h30 (8h30 em Braslia), dois homens com uniformes militares e armados com fuzis e granadas abriram fogo contra turistas que chegavam de nibus ao museu do sculo 15. Nesta ao, oito pessoas morreram.

    Em seguida, outros terroristas levaram dezenas de refns para dentro do prdio e mataram dez deles. Depois de trs horas de cerco, policiais abateram os criminosos e controlaram o ponto turstico. Um agente morreu na ao.

    Segundo o primeiro-ministro tunisiano, Habib Essid, morreram quatro italianos, dois espanhis, dois colombianos, um francs, um polons e um australiano. O governo do Japo confirmou a morte de trs cidados do pas --as primeiras informaes divulgadas davam conta de cinco japoneses mortos.

    As outra nacionalidades no foram reveladas.

    Alm dos turistas, os atiradores mataram um policial e um motorista de nibus tunisianos. Aps rumores levantados pela agncia de notcias Efe, o Itamaraty no confirmou haver brasileiros entre os mortos ou feridos na tragdia.

    O Museu do Bardo fica ao lado do Parlamento tunisiano, onde era discutida a lei antiterrorismo. A sesso foi retomada pelos deputados na noite desta quarta.

    A ao foi condenada na Tunsia e por governos de todo o mundo. No incio da noite, milhares de pessoas protestaram nas ruas de Tnis contra o atentado ao museu do Bardo e o terrorismo.

    O presidente da Tunsia, Beiji Caid Essebsi, disse que o pas continuar em guerra contra o terrorismo. "Estes grupos selvagens minoritrios no vo nos assustar e a luta continuar at que eles sejam exterminados."

    Em nota, a Casa Branca ofereceu assistncia ao governo tunisiano para encontrar os responsveis. A ao tambm foi condenada pela ONU, por pases da Unio Europeia como Frana, Itlia e Reino Unido e pelo governo brasileiro.

    AUTORIA

    O ataque ainda no foi reivindicado por nenhuma faco terrorista, embora a principal suspeita se volte para o Estado Islmico. A Tunsia um dos principais fornecedores de jihadistas para a milcia na Sria e no Iraque.

  • O governo tunisiano informou que os dois atiradores mortos so Yassine Labidi, da cidade de Kasserine, e Hatem Khachnaoui, de um bairro da periferia de Tnis.

    Em entrevista imprensa local, o pai do segundo atirador disse que o filho estava desaparecido havia trs meses, desde que ligou do Iraque dizendo que se unira ao EI.

    A Tunsia o nico pas que conseguiu manter um governo democrtico laico aps a Primavera rabe, em 2011. Sofre influncia, porm, de grupos radicais que querem a aplicao da sharia, a lei islmica, e de clulas terroristas da Lbia.

    OPINIO

    Dos czares a Stlin e Putin, poder ditatorial hereditrio

    VIVIEN LANDOESPECIAL PARA A FOLHA

    A Rssia o pas onde fatos e verses se chocam. Ateno, no falei em Rssia atual ou antiga. Os socos e pontaps entre a camada divulgada da histria e o, digamos, pr-sal da realidade ocorrem desde sempre.

    Talvez o czar Ivan, o Terrvel, to lindamente descrito no filme "Ivan", de Pavel Lounguine, tenha tido algo a ver com isso.

    Das torturas a que submeteu seus sditos, muito menos se soube na poca --e pouco se revelou depois.

    Da mesma forma, o triste fim do czarismo s teve exumao recente, despojos eventualmente identificados --e a princesinha caula, que s reapareceu no livro delicioso de John Boyne, "O Palcio de Inverno".

    Sem falar nos poucos gritos e muitos sussurros ("Sussurros" o ttulo do livro de Orlando Figes, que descreve a URSS com preciso) de todo o perodo sob comando e desmando de Joseph Stlin.

    Aqui chegamos ao que aparentemente interessa: hereditariedade ditatorial do poder russo. O qual permite que o que se faa e o que se diga que fez tenham remota relao.

    O que autoriza que as autoridades do governo, suspeito do assassinato do opositor Boris Nemtsov, possam se dar ao luxo de deter, acusar e levar confisso dois homens da regio do Cucaso de quem no se tinha ouvido falar at 7 de maro, uma semana aps a morte.

    Vocs vo dizer que todo poder autoritrio funciona assim. E mais: vo eventualmente comparar o presidente Vladimir Putin a Hitler, como muitos vm fazendo. Tudo com argumentaes cheias de razo.

  • Acontece que a razo, a sensatez, o comum pouco valem no complexo magma da alma russa.

    Da mesma forma que as autoridades negaram de ps juntos estarem ajudando (ou incitando) os separatistas na Ucrnia e tambm fingiram nem ter tentado congelar os ucranianos no ltimo inverno, fechando os oleodutos que abastecem o pas, muita ingenuidade acreditar que uma dupla de pobres coitados (com posteriores suspeitas cicatrizes de tortura), supostamente enviados por algum fantico religioso, tivesse a audcia de fazer aquilo tudo a 200 metros do Kremlin. E ainda acertar o alvo.

    Quem mata na porta de casa por conhecer o terreno, diz a sabedoria presidiria.

    Em "Leviat", o recente e premiado filme de Andrey Zvyagintsev, todo o habitual jogo de influncia, assdio, associaes oportunistas (como entre o prefeito da cidade e o lder religioso, ou entre a esposa adltera e o advogado) de qualquer governo corrupto desenterrado.

    Mas alm disso, e da talvez seu sucesso, revela-se o lado infantil e permissivo daquele povo, que gosta de ironizar: Nie lzia, no mojno --" proibido, mas pode".

    Como se os russos, apoiados pelo fato metafrico de viverem pelo menos um sculo atrs do restante da Europa, fossem eternas crianas.

    As quais, por mais arteiras e infratoras que sejam, confiam em seu prprio poder encantatrio. E os pobres ocidentais --os supostos adultos-- acabam desarmados e perplexos, sem saber punir tamanha ousadia e seduo. Mas a superfcie da neve continua branca e intacta.

    VIVIEN LANDO diretora cnica de pera e escritora, publicou "Balalaicas e Mandolinas" (Objetiva), sobre a sua estadia na Rssia

    PASQUALE CIPRO NETO

    Machado, Collor, Dilma...

    Ouso repetir o que afirmei em 1990: este um governo natimorto.

    Ainda que chegue a 2018, ser um moribundo

    Nas eleies de 89, os alunos queriam saber o meu voto e o dos outros colegas. Eu no dizia em quem votaria, mas dizia em quem no votaria de jeito nenhum: Maluf e Collor. A rejeio a Maluf no era surpresa, mas... "Por que de jeito nenhum no Collor?", perguntavam, incrdulos, muitos dos jovens que tinham comprado a verso da grande mdia de que o carioca Collor era o novo, o moderno, o "caador de marajs" e outras aleivosias.

  • Quando eu lhes dizia quem era Collor e o que ele representava, muitos caam na real e diziam que iam desistir do falso alagoano; outros tantos diziam que era tudo mentira.

    No ano seguinte, vrios alunos que repetiram o curso nem me deixaram abrir a boca no primeiro dia de aula. Foram logo perguntando o que eu achava das medidas de Collor e Zlia. Eu lhes disse com todas as letras que aquele era um governo natimorto, por uma simples razo: Collor mentira durante a campanha e tomara medidas que disse que Lula (seu adversrio no segundo turno) tomaria. Como diria o prprio Collor, j s voltas com a CPI que o derrubaria, o tempo o senhor da razo...

    Nesse mesmo ano, li com os alunos o memorvel texto "A Borboleta Preta", de Machado de Assis (captulo 31 de "Memrias Pstumas de Brs Cubas"). Quando eu lhes falava sobre as possveis tradues do comportamento do narrador, que mata uma borboleta com uma toalha, logo se arrepende e em seguida busca argumentos extravagantes para justificar o seu ato, eu tentava relacionar aquilo com a realidade.

    Um dos meus exemplos era a atitude dos eleitores de Collor, que creram piamente que Lula faria o que Collor disse que Lula faria (confiscar a poupana, por exemplo) e, horrorizados, votaram no "caador de marajs", que os protegeria de todos os males, amm. Quando Collor fez o que fez, muitos dos seus eleitores agiram como o narrador de "A Borboleta Preta". Procuraram uma desculpa, uma justificativa --e acharam: "Alguma coisa tinha de ser feita", diziam. Mutatis mutandis, ocorreu-lhes o que ocorreu ao narrador de "A Borboleta", que, pensando consigo mesmo, disse: "Tambm por que diabo no era ela azul?". E concluiu: "E esta reflexo (...) me consolou do malefcio, e me reconciliou comigo mesmo".

    O segundo mandato de Dilma me lembra o texto de Machado e o que a ele relacionei. Dilma e os seus marqueteiros fizeram uma campanha vergonhosa. A infame pea sobre o que a carola Marina "faria" com o BC transformou em catecismo a tambm infame pea de 2002 do PSDB sobre o medo. As "acusaes" de Dilma e sua txurma de que os no menos santos tucanos fariam o que Dilma agora tenta fazer e no consegue lembram o que Collor disse que Lula faria e que ele (Collor) fez. As desculpas e acusaes agora no so s de muitos dos eleitores de Dilma. So dela mesma, da sua intrpida dupla de pombos-correio e de alguns ratos que no abandonaram o navio.

    Ouso repetir o que afirmei em 1990: este um governo natimorto. Pode at chegar a 2018, mas ser um moribundo deambulante. Voltemos a Machado: "...uni o dedo grande ao polegar, despedi um piparote e o cadver caiu no jardim. Era tempo; a vinham j as prvidas formigas...". O cadver em questo o segundo governo de Dilma, digo, a borboleta; as formigas so...

    A literatura essencial, sempre. Est tudo ali. Sempre. Como diria o grande Paulinho da Viola (em "Coisas do Mundo, Minha Nega"), "as coisas esto no mundo, s o que eu preciso aprender". isso.

  • Fichas sobre estudantes de colgio tradicional de SP vazam na internet

    Documentos do Bandeirantes tm observaes de professores sobre comportamento de alunos

    Estudante suspenso e escola apura se houve invaso ou falha tcnica para decidir se acionar Justia

    ANGELA BOLDRININATLIA PORTINARITHAIS BILENKYDE SO PAULO

    Alunos do colgio Bandeirantes, um dos mais tradicionais de So Paulo, divulgaram em redes sociais o contedo de reunies sigilosas de professores e orientadores ocorridas entre 2007 e 2012.

    As atas vazadas contm informaes pessoais de alunos e ex-alunos. Um estudante do ltimo ano do ensino mdio, que teria feito um vdeo ensinando a encontrar os dados, foi suspenso por oito dias nesta quarta-feira (18).

    Entre as informaes divulgadas esto dados familiares e diagnsticos mdicos, sobretudo de doenas mentais. H tambm comentrios dos professores sobre o comportamento e a fama dos alunos.

    "Tem olheiras, boca de dio, tem cara de criana de filme de suspense", informam anotaes sobre um estudante da antiga quinta srie (atual sexto ano).

    "Aluna perdeu a me em junho de 2007. filha adotiva, mas acho que no sabe disso", diz outra passagem.

    Segundo alunos ouvidos pela Folha, era possvel, durante o final de semana, acessar as informaes digitando nomes no mecanismo de busca do site do colgio.

    Ex-alunos tambm afirmaram que conseguiram acessar o sistema interno do colgio utilizando senhas antigas.

    A escola apura se houve invaso ou falha tcnica do sistema e estuda mover uma ao contra a famlia do aluno suspenso (leia texto ao lado).

    POLMICA

    Entre os alunos, a divulgao e a suspenso do estudante tm causado polmica.

    "Ele [aluno suspenso] no foi o primeiro nem o nico [que vazou], mas virou o bode expiatrio", disse uma estudante do terceiro ano.

  • Segundo outra aluna, tambm do ltimo ano do ensino mdio, os colegas esto organizando uma manifestao para pedir explicaes ao colgio sobre a relevncia das informaes arquivadas e contra a suspenso do aluno.

    "Divulgaram uma informao sobre os professores estarem acompanhando o meu peso, de que eu estaria engordando", afirma. "Eu queria protestar", completa a aluna.

    Um terceiro estudante, que teve o diagnstico de TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) vazado, queixou-se de que a escola no havia pedido desculpas. "Foi uma quebra de confiana."

    JUSTIA

    De acordo com o professor de direito civil da USP Jos Luiz Gavio, tanto famlias quanto o prprio colgio podem acionar a Justia caso se sintam lesados.

    "A princpio, os danos foram causados pelos autores do vazamento, e seus pais so os responsveis. Se a escola achar que foi vtima, que pode perder credibilidade, poderia entrar com uma ao."

    O colgio Bandeirantes fica na Vila Mariana, na zona sul da capital paulista, e teve a quarta melhor avaliao entre as escolas de So Paulo no Enem 2013.

    A escola tem em sua grade curricular a disciplina de tica e cidadania digital ministrada por uma advogada. As mensalidades do ensino mdio custam cerca de R$ 3.000.

    O estudante suspenso no quis se pronunciar.

    Servidor deixa dvida aps usar imvel de Darcy Ribeiro

    Funcionrio do TJ do Rio ainda deve R$ 20 mil por aluguel em Copacabana

    Sob guarda da Justia, apartamento foi alugado a servidor por R$ 800, contra R$ 5 mil do preo de mercado

    MARCO ANTNIO MARTINSDO RIO

    Um dos servidores do Tribunal de Justia do Rio que moraram no apartamento deixado pelo ex-senador Darcy Ribeiro --quando ele estava sob guarda judicial-- acumula uma dvida de R$ 20 mil em aluguis e ainda cobra ressarcimento por obras no imvel.

    Como revelou a Folha nesta quarta (18), num intervalo de 14 anos, enquanto tramitava a ao de inventrio do imvel aps a morte de Ribeiro e de sua ex-mulher, ele foi alugado pelo prprio tribunal a mulheres de servidores.

  • O valor cobrado pelo aluguel era de R$ 800 por ms, contra uma mdia de mercado estimada em R$ 5.000.

    O apartamento de 276 metros quadrados em Copacabana, na zona sul do Rio, avaliado em R$ 3,8 milhes.

    O servidor Eduardo Wrangler foi inquilino do imvel por cinco anos. O contrato de locao foi feito em 2008 entre a mulher dele, Mara Dantas, e a Central de Inventariante, rgo do TJ que administra as heranas no Rio.

    Alm de ter deixado uma dvida de R$ 20 mil com aluguis, Wrangler cobra na Justia R$ 100 mil por melhorias que diz ter feito no imvel.

    Ele no foi encontrado nesta quarta pela Folha para falar do assunto. Em depoimentos Justia, disse que investiu em obras no apartamento porque ele no apresentava condies de moradia.

    CORREGEDORIA

    O apartamento em Copacabana havia sido deixado pelo ex-senador e antroplogo Darcy Ribeiro, morto em 1997, para sua ex-mulher, Berta --que morreu nove meses depois.

    A Corregedoria do TJ do Rio investiga desde 2013 a utilizao do imvel por servidores que pagaram aluguel abaixo do mercado, mas ainda no obteve resultados.

    A corregedora Maria Augusta Vaz disse em nota que "est apurando todos os fatos a fim de que todos os responsveis sejam submetidos ao devido processo legal".

    Se for comprovada alguma irregularidade por parte do inventariante, ele pode ser responsabilizado por "m gesto" do apartamento.

    Em depoimento Justia, a coordenadora da Central de Inventariante do TJ, Cristina Barsotti, disse que foi feita vistoria da corregedoria no imvel e que foi "verificada a compatibilidade do valor e clusulas contratuais".

    Na tera (17), Barsotti disse "no haver problemas em alugar imveis a juzes, desembargadores ou seus parentes".

    "Tenho impedimento de falar sobre processo que posso julgar, mas considero tais contratos, no mnimo, conflito de interesses", disse Joo Damasceno, juiz da 1 Vara de rfos e Sucesses, onde est o inventrio da ex-mulher de Darcy Ribeiro. Ele assumiu a vara h dois anos, quando o processo foi recuperado.

    MINHA HISTRIA - APARECIDO VALRIO, 57

    A escolha por Bianca

  • Pai de garota com doena incurvel corre risco de ser despejado de casa aps escolher pagar plano de sade da filha em vez de imvel

    FELIPE SOUZADE SO PAULO

    RESUMO

    A filha do tcnico em plsticos Aparecido Valrio, 57, nasceu em 1994 aps complicaes no parto. Com dez meses, Bianca foi diagnosticada com uma doena incurvel que afeta o sistema neuromuscular. Desempregado, Valrio hoje corre o risco de ser despejado de casa, no Jabaquara (zona sul de So Paulo), por priorizar o pagamento do plano de sade da jovem.

    Minha mulher teve pr-eclmpsia [presso alta] na gravidez do meu primeiro filho, e o parto ocorreu aos sete meses de gestao, em 1992. A presso dela chegou a 25 por 15 na poca, mas ela no foi medicada sob o risco de prejudicar a formao do feto.

    Dois anos depois, um ultrassom do cordo umbilical e do corao detectou um problema na segunda gravidez. Foi necessrio um parto emergencial no oitavo ms de gestao. Prometemos batizar Bianca na baslica de Aparecida (SP), caso ela nascesse sem sequelas. Com dez meses, cumprimos o voto.

    At ento, ela tinha apenas refluxo algumas vezes. Dias aps o batizado, porm, ela comeou a ter febre alta e a vomitar com frequncia. Ao ser levada a um hospital, porm, os mdicos decidiram intern-la em uma UTI [Unidade de Terapia Intensiva].

    Em dois meses, ela teve 12 paradas respiratrias. Na ltima, os mdicos demoraram seis minutos para reanim-la.

    A soluo foi fazer uma traqueostomia [furo no pescoo] para o ar passar, que ela usa at hoje para respirar.

    No havia um diagnstico preciso. A nica suspeita dos mdicos era de ela ter sndrome de Werding-Hoffmann --atrofia muscular rara que a mataria em poucos anos. Para piorar, o plano de sade s cobria 30 dias de UTI.

    A partir da, eu teria de pagar R$ 4.000 por dia ou transferir Bianca para um hospital pblico, com estrutura ruim. Mas, graas a uma reportagem da revista "Veja", esse perodo foi estendido por mais 30 dias. Eu j tinha gastado R$ 12 mil por trs dias.

    Uma bipsia ento mostrou que Bianca tinha miopatia nemalnica, doena que compromete a formao neurolgica e muscular. Por isso, ela no tem fora nem sequer para levantar um copo.

  • Cantamos parabns na UTI quando ela fez um ano. Sete meses depois, ela voltou para casa. Aps batalhas na Justia, conseguimos o direito de o plano cobrir o home care, UTI em casa com cilindro de oxignio, remdios e equipamentos de primeiros socorros.

    'PAI, TEM CACA'

    Bianca tem um atraso mental e at hoje vive sobre uma maca. Se ela tirar um dos tubos do corpo pode morrer afogada devido a uma fissura no organismo dela, que leva catarro e saliva aos pulmes. Quando isso acontece, Bianca fecha a traqueostomia com o dedo e grita: "Pai, tem caca", e a enfermeira corre para aspirar a secreo.

    Certa vez, tentei me entubar porque queria sentir o sofrimento dela. Enfiei os canos com fora no nariz para ver at onde aguentaria, mas chorei de tanta dor e desisti.

    Estou h dois anos desempregado. Deixei de pagar o plano de sade em outubro de 2013, mas depois resolvi priorizar a sade da Bianca e passei a atrasar o financiamento da casa.

    Isso levou a Caixa [Econmica] a me mandar um telegrama em janeiro deste ano dizendo que leiloaria o imvel. Isso s no aconteceu porque entrei na Justia e consegui uma liminar [deciso provisria] para renegociar a dvida.

    Comecei ento uma campanha de arrecadao para evitar o nosso despejo, pois, se isso ocorresse, o comprador pediria uma reintegrao de posse e destruiria nossa famlia. O leilo foi barrado um dia antes de acontecer.

    Agora, esperamos fazer uma reunio de conciliao com a Caixa neste ms. Mas precisamos de pelo menos R$ 15 mil para negociar.

    Cheguei a receber R$ 29 mil em doaes desde 2014, mas gastei boa parte para cobrir os atrasos do plano de sade e hoje tenho apenas R$ 6.000.

    Em depresso, minha sogra veio morar com a gente.

    Tenho pedra no rim, minha mulher descobriu um ndulo no seio e meu filho teve apendicite. Faz 15 anos que no vou praia. D vontade de pular de cima da laje. No conseguimos nem dormir.

    A promessa de servio de um empresrio de Leme [ a 188 km de SP] e a campanha no Facebook [http://on.fb.me/1AdOowi] so nossas ltimas chances. Tenho esperana de que tudo vai dar certo, nem que seja aos 45 do segundo tempo.

    A Bianca muito feliz, adora a vida e merece viver melhor. Vamos sair juntos de mais esta batalha.

  • Cientistas fazem participao em congresso virar artigo publicado

    Atitude, considerada inadequada, refora currculos artificialmente

    MAURCIO TUFFANICOLABORAO PARA A FOLHA

    Pelo menos 30 pesquisadores brasileiros "turbinaram" seus currculos com trabalhos apresentados em um evento realizado por uma editora chinesa acusada de transgredir normas acadmicas de publicao, em parceria com a Unicamp.

    Realizada em Campinas em agosto de 2014, a 3 Conferncia Internacional de Engenharia Civil e Arquitetura foi organizada pela editora IACSIT (International Academy of Computer Science and Technology Information).

    A IACSIT est desde 2012 na lista de peridicos predatrios elaborada por Jeffrey Beall, professor da Universidade do Colorado em Denver (EUA), considerada referncia internacional.

    A relao indica editoras que cobram para publicar artigos e tm critrios flexveis para aceit-los.

    Em vez de reunir como anais de congresso os 31 trabalhos da conferncia, como o procedimento padro na academia, a IACSIT os publicou como artigos de um de seus peridicos.

    Nas avaliaes de currculos para concursos, promoes, bolsas e auxlios a projetos de pesquisa, os estudos aceitos por revistas cientficas contam mais que os apresentados em congressos.

    Os trabalhos do evento foram publicados na revista "International Journal of Engineering and Technology".

    A professora Gladis Camarini, da FEC (Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp), foi organizadora da conferncia junto com a diretoria da IACSIT. Ela prpria foi coautora de seis estudos apresentados no evento.

    Ela registrou os trabalhos na classificao de "artigos completos publicados em peridicos" em seu currculo da plataforma eletrnica Lattes.

    O evento recebeu R$ 10 mil da CNPq, agncia federal de fomento pesquisa, e R$ 18 mil da Capes, rgo do Ministrio da Educao.

    Sem esclarecer quanto gastou com a reunio, a Unicamp afirmou que se responsabilizou pelas despesas operacionais do evento.

  • Da mesma forma que o CNPq, a Capes afirmou que seu processo de anlise e aprovao do apoio ao avento no detectou nada de negativo sobre a editora chinesa em questo.

    A professora Gladis Camarini no respondeu s perguntas sobre o registro de seus trabalhos em seu currculo. A IACSIT no respondeu aos questionamentos enviados pela reportagem.

    CRTICA CINEMA/DRAMA

    'Branco Sai' filme de terror verdadeiro

    Longa, que mescla documentrio e fico cientfica, resgata episdio de violncia contra negros

    um potente documento sobre o encontro entre nosso 'apartheid' e a democracia racial brasileira

    INCIO ARAUJOCRTICO DA FOLHA

    No foi uma ONG nem um diretor de cinema de boa vontade que ps uma cmera na mo de Adirley Queirs. Seu cinema no , portanto, uma concesso gente pobre das cercanias de Braslia, mas um manifesto das classes pobres sobre o estado do Brasil.

    Se j falou de jogadores de futebol (ele mesmo foi um) e do aborto urbanstico brasiliense que so as cidades satlites, Ceilndia em particular ("A Cidade uma S"), agora nossa democracia racial que seu filme se volta.

    "Branco Sai, Preto Fica" a frase pronunciada por um policial durante a invaso de um baile popular nos anos 1980. Ou, como explica um dos personagens logo em sua interveno inicial, os brancos devem deixar o salo, os pretos ficam e apanham.

    O resultado o filme. Mas no s. Por um lado temos um documentrio sobre o destino de dois rapazes, danarinos, que estavam no baile. Eram adolescentes alegres, que preparavam passos inventivos para desenvolver na hora da festa. Agora um deles est preso a uma cadeira de rodas, o outro usa perna mecnica.

    O original no filme que no estamos em um documentrio ressentido, mas em uma espcie de vni cinematogrfico em que os fatos se misturam fico e a fico fico cientfica.

    Entenda-se: por um lado existe desejo de reconstituir, ainda que por fotos, o que aconteceu naquela noite distante. E tambm de relatar o modo de viver de dois personagens: Marquim e Sartana.

  • Mas sobretudo Marquim (ligado msica) se envolve na fico proposta por Queirs: a criao de uma espcie de bomba cultural a ser lanada em Braslia com elementos do modo de vida perifrico. Sartana, com seus conhecimentos de eletricidade, o ajudar na operao.

    O terceiro gnero implicado a fico cientfica: Cravalanas o personagem que vem do ano 2073 para buscar provas da responsabilidade do Estado brasileiro nos eventos do baile popular que vitimou os rapazes negros.

    Mais do que em seus filmes anteriores, Queirs produz, at pela interferncia dos gneros, um trabalho de narrativa fragmentada --complexa, bem mais do que complicada.

    No filme, a feiura dos lugares (Ceilndia inacreditvel) ser compensada pela qualidade dos enquadramentos, pela sensibilidade com que "Branco Sai" expe o contraste entre a alegria adolescente dos sensuais danarinos e a tristeza que se percebe no rosto dos atuais aleijados.

    "Branco Sai" tem elementos de documentrio, musical pop, fico cientfica e fico pura e simples. Dessa mistura sai um potente documento sobre o encontro entre nosso "apartheid" e a democracia racial brasileira. Tem alguns problemas de ritmo, irrelevantes, porm, em face daquilo a que chega. O que temos a ver ali um filme de terror verdadeiro.

    CRTICA CINEMA/DRAMA

    Tommy Lee Jones corri verniz do western

    Ator e diretor faz reviso do faroeste e leva 'Dvida de Honra' ao patamar dos filmes que encantam por incomodar

    CSSIO STARLING CARLOSCRTICO DA FOLHA

    Tommy Lee Jones um exemplo de grande ator que ao passar para trs das cmeras demonstra ter mais capacidade de inveno do que muitos diretores profissionais.

    Em "Dvida de Honra", seu quarto longa em duas dcadas, Jones reaviva um gnero moribundo, o western, com injees de "road movie" e de filme de dupla, dois subgneros gestados na longa tradio do faroeste americano.

    A estrada aqui um territrio inspito e pleno de riscos, atravessado numa carroa que leva trs mulheres loucas para serem cuidadas por um pastor num local seguro do outro lado da fronteira.

    No comando da jornada esto Mary Bee Cuddy, solteirona com fama de intratvel, e George Briggs, marginal que perdeu toda considerao pelos

  • outros. Os papis, de Hilary Swank e do prprio Jones, oferecem o espetculo de performances usual quando atores so dirigidos por colegas.

    Mas "Dvida de Honra" logo ultrapassa a condio de show de interpretaes para se concentrar numa reviso cida do gnero e dos valores de herosmo e dominao consagrados pelo western.

    Para alcanar essa outra margem do rio, o primeiro recurso do filme transferir seu eixo para a perspectiva feminina, trao incomum num gnero muitas vezes misgino. Mary Bee Cuddy no tem nada de mulherzinha ou de frgil, cuida da prpria terra e do gado e encerra sua manifesta necessidade de um marido numa cena de alto impacto.

    Em complemento autonomia da personagem central, a razo da insanidade das trs passageiras se encontra nos abusos masculinos e expressa recusa exclusiva funo biolgica de gerar filhos a que foram condenadas.

    Outro procedimento que distingue o filme da tradio est na apresentao da trama. A sucesso de imagens picturais do diretor de fotografia Rodrigo Prieto aparece embaladas pela msica adocicada de Marco Beltrami, sugerindo uma calmaria pastoral, um universo no qual homem e natureza parecem coesos.

    A insero de episdios rpidos e inexplicados de brutalidade provoca distrbios na primeira impresso e deixa alerta o espectador.

    A combinao dessas escolhas permite ao filme provocar um confronto de imagens que corri o verniz do western. De um lado, sugere restaurar a viso tradicional e heroica constituda no gnero em sua etapa mtica. Mas logo inocula a sordidez e as violncias subjacentes ao idealismo, retomando o que cineastas da estirpe desiludida trouxeram tona na era do faroeste crepuscular.

    O efeito, misturado a doses extras de mal-estar, eleva "Dvida de Honra" ao patamar dos raros filmes que encantam por incomodar.

    CRTICA CINEMA/FICO CIENTFICA

    'Insurgente' bom, mas apenas para quem viu o filme anterior

    THALES DE MENEZESDO EDITOR-ASSISTENTE DA "ILUSTRADA"

    Poucos filmes desenvolvidos em franquias permitem que o espectador assista com prazer ao segundo episdio sem ter visto o primeiro. No o caso desse "Insurgente", uma continuao "rimada" de "Divergente".

    Quem se arriscar sem conhecer a estrutura do mundo futurista criado pela escritora americana Veronica Roth no vai entender bulhufas.

    Numa sociedade em que as pessoas vivem separadas em cinco faces, segundo sua maior habilidade para uma determinada coisa, as pessoas divergentes, aptas

  • a habitar em mais de uma faco, como a herona adolescente Tris, so caadas para eliminao. Entendeu? E ainda h muito a explicar.

    Tris e sua turma, que inclui o namorado Quatro, se unem a grupo rebelde de gente sem faco para derrubar a tirana que pretende, fora, unir as faces sob seu jugo.

    Comparado srie de cinema "Jogos Vorazes", outra em que uma garota comanda uma revolta, "Insurgente" at melhor. inteligente, divertido e tem bons atores.

    Tris e Quatro so interpretados pelos bonitos Shailene Woodley e Theo James. A vil a vrias vezes indicada ao Oscar Kate Winslet, e a lder rebelde Naomi Watts, de cabelos pretos.

    Mas o melhor do elenco Miles Teller, o garoto baterista de "Whiplash", como o adolescente fugitivo que ir provocar muitas reviravoltas na trama.

    CRTICA CINEMA/DRAMA

    Diretor de 'Crash' acerta novo roteiro com histrias cruzadas

    Ajudado por bom elenco, Paul Haggis repete sua frmula em 'Terceira Pessoa'

    THALES DE MENEZESEDITOR-ASSISTENTE DA "ILUSTRADA"

    "Crash", longa de histrias paralelas cujos personagens acabam se cruzando, foi o filme vencedor do Oscar em 2006. Seu diretor e roteirista, Paul Haggis, volta formula e consegue resultado melhor.

    "Terceira Pessoa", com roteiro tambm de Haggis, tem deslizes, mas exibe algo digno de mrito: o cruzamento das histrias no depende de casualidades. Tudo bem costurado e nada entregue facilmente ao espectador.

    Por isso, talvez os ltimos minutos desapontem uma parte da plateia. Mas o final, a princpio uma soluo preguiosa de roteiro, cumpre a funo de permitir vrias interpretaes para o filme.

    Como em "Crash", o elenco ajuda bastante nos intrincados caminhos da trama.

    Liam Neeson Michael, escritor americano ganhador do Pulitzer que passa um tempo em Paris, lutando contra um bloqueio para criar a prxima obra e fugindo da mulher, que ficou nos Estados Unidos.

    H uma crise sria no casamento. Demora um pouco para que a plateia entenda o que aconteceu, mas desde o incio do filme fica clara a gravidade do episdio.

    AMANTES EM PARIS

  • Um remdio para o mau momento do escritor sua amante, Anna (Olivia Wilde, a mdica "13" da srie "House"). Autora iniciante, ela busca em Michael uma opinio sobre seu livro e sexo sem compromisso. Mas tambm carrega um segredo nada agradvel.

    Enquanto isso, na Itlia, Adrien Brody Scott, um malandro que copia modelos de grifes famosas para reproduzir as colees em sua confeco nos Estados Unidos.

    Ele conhece uma prostituta romena (a bela atriz israelense Moran Atias) que precisa de dinheiro para resgatar sua filha de uma cafeto e, ao ajud-la, se envolve com tipos violentos.

    Parece a verso italiana de "After Hours" (1985), filme de Martin Scorsese em que o protagonista vive uma madrugada infernal em Nova York.

    E em Manhattan que se passa a outro histria do filme. Mila Kunis uma atriz de TV em desgraa que perde a custdia da filha para seu ex, um artista moderninho interpretado por James Franco.

    Quando Haggis resolve conectar as tramas paralelas, estabelece um atraente jogo de verdadeiro ou falso.

    Liam Neeson empresta bem a cara de pedra para esconder os sentimentos de Michael. Olivia Wilde uma presena luminosa na tela, sensual e divertida. Os dois tm tima qumica como o casal que um adora pregar peas safadas um no outro.

    Adrien Brody d o tom apalermado perfeito para o americano que se considerava esperto e se perde entre bandidos nas ruelas italianas.

    ATORES SOFRVEIS

    O ponto fraco do filme colocar Mila Kunis e James Franco como o casal que disputa a guarda da filha. Nessa que a parte menos inspirada do roteiro de Haggis, os dois so sofrveis atuando.

    Mas eles no chegam a comprometer um timo filme para pblico adulto. Uma opo para escapar dos dramas juvenis que dominam agora os cinemas.

    CRTICA CINEMA/DRAMA

    Com brilho, Cronenberg retrata presente inquietante em 'Mapas para as Estrelas'

    INCIO ARAUJODO CRTICO DA FOLHA

    Ver em "Mapas para as Estrelas" um filme contra Hollywood equivale a no ver "Mapas para as Estrelas". A cidade do cinema, nesta nova obra de David Cronenberg, apenas o lugar onde um determinado modo de ser do mundo --

  • contemporneo-- se instalou com mais intensidade, j que ali concentram-se celebridades, seus prximos, assessores e todos os demais que os cercam.

    Trata-se de lugar a um tempo frentico, pueril, violento, incerto. Breve, de um resumo do mundo. ali aonde chega Agatha (Mia Wasikowska), aparentemente deslumbrada com a perspectiva de passar diante das casas das estrelas do cinema.

    Na verdade, ela a filha indesejada de Havana (Julianne Moore) e do dr. Stafford Weiss (John Cusack). Ela, uma atriz --insegura como so com frequncia as atrizes. Ele, um misto de terapeuta, guru de artistas e estrela de programa de televiso (portanto, uma espcie de celebridade das celebridades).

    Eles tm outro filho, um menino-prodgio, Benjie (Evan Bird). O jovem ator que interpreta o papel talvez seja, no elenco, o mais cronenberguiano dos atores, com seu rosto discretamente anmalo. Outros personagens, no entanto, portaro de um modo ou outro alguma anomalia corporal, como Agatha, que nunca tira as luvas.

    A palavra disfuncional talvez se aplique famlia. Mas sua carga mdica nos desvia do ponto cronenberguiano. Sua anomalia, que se mostrar aos poucos, expressa algo que vai alm: tornar-se famoso, "clebre", deixou de significar reconhecimento por um feito ou trabalho para ser a substncia mesmo de seus atos.

    Essa a sua maneira de ser mutante (j no monstros fsicos, como nos filmes do sculo 20 do diretor canadense, mas monstros morais ou psquicos).

    Assim era, tambm, o magnata de "Cosmpolis" (2012), cuja vida tinha por limite sua limusine, de onde controlava ou tinha a iluso de controlar o mundo. Era a verso econmica, digamos, do fenmeno de que aqui Cronenberg observa a vertente cultural.

    Do que serve a vida das personagens de "Mapas"? Que valores so esses que estamos construindo, que talvez no passem de deformao de valores anteriores? Se o magnata de "Cosmpolis" renunciava vida para controlar seu ouro dia e noite, as celebridades de "Mapas" vivem apenas para preservar essa condio.

    Ou seja, no vivem. Eis um diagnstico terrvel. O canadense, que em outros tempos nos mostrava os terrores de um futuro incerto, agora nos atira ao labirinto de um presente no menos inquietante. Com brilho, sempre.

    CONTARDO CALLIGARIS

    Manifestaes

  • Se algum quisesse ofender a minha me, deveria gritar "filho de

    uma incompetente", e no "filho de uma vaca"

    Na noite de domingo retrasado, dia 8 de maro, no quarteiro do meu apartamento, assim que a presidente Dilma comeou seu pronunciamento de rdio e TV, explodiu um panelao: as pessoas diziam que, nesta altura, elas no queriam sequer ouvi-la.

    Da janela, deu para escutar alguns gritos. A maioria era "fora PT" ou "fora Dilma". Uma minoria gritava "Dilma vaca" e houve um "Dilma puta".

    No dia seguinte, recebi alguns e-mails incomodados, se no indignados, com esses insultos. Algumas amigas declaravam que eles eram mais uma prova do machismo ambiente: isso no aconteceria se Dilma no fosse mulher.

    Tambm me incomodei com aqueles insultos, mas por razes diferentes. Primeiro, porque me pareceu bvio que, se o presidente fosse homem, apenas haveria uma pequena correo de tiro: ele seria chamado de "veado" ou de "filho da puta".

    um fato que me surpreende sempre, tanto nos estdios, no trnsito, como na vida poltica: quando queremos insultar mesmo, recorremos ao sexo --quer seja orientao sexual do outro, quer seja ao seu (suposto) comportamento sexual ou ainda quele de sua me.

    S acho uma explicao possvel para esse fenmeno: apesar de cem anos de psicanlise e meio sculo de dita "liberao sexual", o sexo ainda to reprimido dentro da gente a ponto de muitos conseguirem reconhecer sua existncia apenas nas acusaes que lanam aos outros.

    Exemplo: eu no quero nem saber de minhas fantasias de promiscuidade sexual; portanto, para mim, essa promiscuidade s pode ser um vcio nefando e vergonhoso de outros --da presidente, por exemplo. Nada a ver comigo, claro.

    Por um lado, sinto um pouco de pena por aqueles que proferem esses insultos (no fcil viver oprimido pela represso de seus prprios desejos e fantasias). Por outro, sinto-me incomodado pela suposio de que esses insultos tenham para mim algum valor.

    Vamos l. Algum, no trnsito, me chama de filho da puta. Ele quer ofender, digamos, a "honra" da minha me e, com isso, me forar a defend-la. Mas minha me, provavelmente, acharia engraado que algum situasse sua "honra" na questo de saber com quem e com quantos ela podia se envolver sexualmente.

    Ela (e eu com ela) pensaria que sua honra estivera em ser uma boa me para mim e para meu irmo, uma boa companheira para meu pai e uma resistente antifascista quando fora necessrio (e difcil).

  • E tudo isso ela poderia ter sido, mesmo se fosse promscua ou prostituta profissional.

    Em suma, se algum quisesse ofender a honra da minha me, deveria gritar, sei l, "filho de uma incompetente", "filho de uma oportunista", e no "filho de uma vaca".

    A mesma coisa vale para quem quiser ofender um poltico.

    Domingo, dia 15, tarde, fiquei um bom tempo na esquina da avenida Paulista com a alameda Ministro Rocha Azevedo, para sentir o "clima" da manifestao contra o governo.

    Havia muitas crianas pequenas. Bem quando cheguei, duas jovens estavam ajudando um idoso que avanava na calada se servindo de um andador. A gente parecia estar nos dias logo antes do Natal, quando os paulistanos ficam em massa nessa mesma esquina para ver os papais nois.

    Havia tambm muita gente circulando de chinelo de dedo. No sei se era uma prova de pacifismo ou de inexperincia.

    De qualquer forma, ir a uma manifestao de chinelo significa apostar que no acontecer nada que possa transformar o passeio numa corrida entre bombas de gs lacrimogneo --ou seja, um ato de confiana na vida democrtica.

    Mas vamos ao essencial: na manifestao, no vi nenhum cartaz com insultos sexuais. Tampouco escutei gritos parecidos com os que eu tinha ouvido durante o panelao do dia 8. Talvez isso fosse um efeito do clima "famlia" (quem vai gritar vaca e puta na frente de crianas?). Mas talvez fosse um ndice de que, para a maioria, a manifestao era mesmo propriamente poltica.

    Um resumo sumrio das conversas na esquina em que eu fiquei apontaria a insatisfao geral nesta ideia de fundo: o governo e seu partido parecem mais preocupados em se manter no governo do que em governar a nao, e isso vale para os polticos em geral --usam seu poder para se manter no poder, no para mudar nossa vida para melhor.

    Claro, os cartazes, comparados com as conversas, eram primrios, como sempre so, mas polticos: "Fora Dilma", "fora PT", "corruptos" etc.

    Exceo: encontrei um "Dilma, vai para Cuba que te pariu", que misturava a crtica ideolgico-poltica com uma certa nostalgia dos insultos bestas do dia 8.