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FOLHA DE ROSTO TÍTULO Egressos De Ensino Médio Público e Privado: Algumas Trajetórias Na Carreira Universitária Autor: Melina Del’Arco de Oliveira ([email protected] ) Orientadora: Prof ª Drª Lucy Leal Melo-Silva ([email protected] ) Professores da Banca de Defesa: Prof ª Dr ª Ana Raquel Lucato Cianflone ([email protected] ) Prof. Dr. José Marcelino Rezende Pinto ([email protected] ) Instituição de origem de todos os nomes elencados acima: CURSO DE PSICOLOGIA DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DE RIBEIRÃO PRETO UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

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FOLHA DE ROSTO

TÍTULO Egressos De Ensino Médio Público e Privado: Algumas Trajetórias Na Carreira Universitária

Autor: Melina Del’Arco de Oliveira ([email protected])

Orientadora: Prof ª Drª Lucy Leal Melo-Silva ([email protected])

Professores da Banca de Defesa:

Prof ª Dr ª Ana Raquel Lucato Cianflone ([email protected])

Prof. Dr. José Marcelino Rezende Pinto ([email protected])

Instituição de origem de todos os nomes elencados acima:

CURSO DE PSICOLOGIA

DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO

FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DE RIBEIRÃO PRETO

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

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RESUMO

Oliveira, Melina Del’Arco (2005). Egressos de ensino médio público e privado: algumas trajetórias na carreira universitária. Projeto de Pesquisa do Programa de Bacharelado do Departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto. (Orientadora: Lucy Leal Melo-Silva).

O acesso às carreiras universitárias de maior prestígio é impossibilitado à maioria dos aspirantes. Entretanto, existe uma minoria egressa do ensino básico público que adentra a universidade pública. O objetivo deste trabalho é investigar o perfil dos egressos do ensino médio público e privado dos cursos de: Química, Ciências Biológicas e Psicologia da FFCLRP-USP, para analisá-los, comparativamente, buscando compreender as variáveis sócio-demográficas, educacionais e acadêmicas em suas trajetórias pessoais. Os 140 participantes deste estudo responderam a um questionário sobre as variáveis sócio-demográficas e educacionais (procedência do ensino médio público ou privado). As variáveis acadêmicas (notas) foram obtidas a partir dos prontuários dos participante arquivados na seção de Graduação. Seis participantes foram selecionados para a realização de entrevista semi-estruturada objetivando registrar informações sobre as trajetórias pessoais. As entrevistas foram audiogravadas e transcritas para posterior análise. Os dados foram analisados quantitativamente, segundo modelo univariado (Teste do Qui-Quadrado), e qualitativamente segundo Bardin. As variáveis de escolaridade dos pais, nível socioeconômico e procedência escolar interferem na escolha das carreiras e no sucesso no vestibular. Entretanto, a procedência escolar não afetou as notas dos estudantes, embora a escolaridade dos pais e a situação socioeconômica continuassem a interferir nestas. Os egressos de escolas públicas relatam os percalços da entrada à universidade e as dificuldades em sua manutenção financeira durante a graduação Assim, a procedência escolar não influenciou significativamente o desempenho acadêmico, mas a força do capital cultural dos pais continuou interferindo neste desempenho e nas condições de manutenção no ensino superior.

Palavras-chave: ensino público – desempenho acadêmico – universidade

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PARECER DO ORIENTADOR

Recomendo a pesquisa de iniciação científica de Melina Del’Arco de Oliveira

desenvolvido junto ao Programa de Bacharelado do Departamento de Psicologia e

Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de

São Paulo, Ribeirão Preto, pela abrangência e pertinência do objeto de investigação na

atualidade, isto é, o impacto das variáveis procedência sócio-demográfica e educacional na

trajetória pessoal de universitários, a partir das notas obtidas no vestibular e do desempenho

acadêmico de três grupos de estudantes de graduação.

Em primeiro lugar, o estudo é relevante porque tentar compreender trajetórias de

alunos egressos do ensino médio público em comparação aos egressos do ensino privado.

O início do estudo, em 2003, foi em uma época anterior ao debate mais intenso na mídia

sobre cotas universitárias no Brasil. Era possível diagnosticar posições antagônicas quando

tais medidas viessem a público com maior intensidade, como de fato tem ocorrido em

relação ao pensamento dicotômico “contra” ou “a favor” da implantação de ações

afirmativas no ensino superior. Assim sendo, estudos que focalizassem o ingresso, A

PERMANÊNCIA e a conclusão na carreira universitária de alunos com diferentes

procedências escolares poderiam auxiliar na produção do conhecimento necessário para a

definição de políticas públicas para Educação Superior.

É no ano seguinte que a Câmara Federal começa a discutir o Projeto de Lei (nº

3627/2004): “Sistema Especial de Reserva de Vagas”, que institui cotas nas universidades

públicas federais. Os debates travados em torno das medidas de ação afirmativa que visam

à implementação de Cotas Universitárias são de interesse nas ciências sociais e humanas.

Desta forma, o estudo de Oliveira antecipa o debate, ainda que indiretamente, ao se

debruçar sobre algumas trajetórias de formandos da graduação dos cursos de Psicologia,

Química e Ciências Biológicas dos últimos anos. Evidentemente que os estudos tem seus

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limites, em função da necessidade de delineamento metodológico, mas paradoxalmente é

extenso, por se tratar de uma iniciação científica.

A segunda razão para recomendar o estudo é o uso combinado de procedimentos

quantitativos e qualitativos para auxiliar na compreensão do fenômeno estudado. Os dados

obtidos por meio do questionário, tratados quantitativamente, e informações obtidas nas

entrevistas, tratadas qualitativamente, permitiram à pesquisadora iniciante compreender a

complementaridade dos tipos de análise, o que se constituiu uma boa iniciação no universo

científico. Além disso, o envolvimento da orientada em todo o processo de realização do

estudo foi muito intenso, desde a delimitação do problema, a revisão da literatura, o

cumprimento das disciplinas do Bacharelado, o percurso metodológico para obtenção dos

dados, as consultas aos prontuários dos alunos, a busca dos mesmos em salas de aula, os

termos de consentimento livre e esclarecido, a adesão dos participantes e, finalmente, os

dados. Em seguida, são empreendidas ações para o tratamento estatístico e as análises

possíveis, as conclusões, as limitações, os desdobramentos, a Monografia e a preparação de

artigos, as quais possibilitaram diferentes aprendizagens e o desenvolvimento de

habilidades específicas em cada etapa de um estudo científico qualificado.

Trata-se de um estudo que focalizou a graduação, relevante social e politicamente,

no contexto brasileiro, uma vez que é sob a perspectiva de formandos (protagonista),

analisado por uma graduanda em meio de curso e em sua iniciação científica, por isto é

indicado para concorrer ao prêmio Silvia Lane.

Profa Dra. Lucy Leal Melo-Silva

(Orientadora)

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DE RIBEIRÃO PRETO

DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO PROGRAMA DE BACHARELADO EM PSICOLOGIA

EGRESSOS DE ENSINO MÉDIO PÚBLICO E PRIVADO: ALGUMAS TRAJETÓRIAS NA CARREIRA UNIVERSITÁRIA

Melina Del’Arco de Oliveira

Prof ª Drª Lucy Leal Melo-Silva

Monografia de Conclusão do Programa Optativo de Bacharelado em Psicologia apresentada ao Departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP.

Ribeirão Preto - SP

2005

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 3 1.1. Educação brasileira e democratização do ensino ......................................................... 3 1.2. Educação pública e privada.......................................................................................... 8

1.2.1. Educação pública ................................................................................................... 8 1.2.2. Educação privada ................................................................................................. 13

1.3. Acesso à Universidade ............................................................................................... 17 1.3.1. Exame vestibular como rito de passagem............................................................ 17 1.3.2. Atributos socioeconômicos e capital cultural: “divisor das águas” no ingresso ao ensino superior público .................................................................................................. 22 1.3.3. Egressos do Ensino Público e as “razões do improvável”................................... 26

1.4. Justificativa ................................................................................................................ 29 2. OBJETIVOS..................................................................................................................... 31

2.1. Objetivo geral............................................................................................................. 31 2.2. Objetivos específicos ................................................................................................. 31

3. MÉTODO ......................................................................................................................... 32 3.1. Participantes ............................................................................................................... 32

3.1.1. Perfil das Carreiras............................................................................................... 33 3.2. Procedimento de obtenção dos dados ........................................................................ 35 3.3. Procedimento de análise dos dados............................................................................ 37

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO ..................................................................................... 41 4.1. Análise Quantitativa................................................................................................... 41

4.1.1. A variável Carreira............................................................................................... 42 4.1.2. Análise da variável Natureza do Ensino .............................................................. 49 4.1.3. Análise das variáveis Notas da 2ª fase da FUVEST e Notas da Graduação ........ 55 4.1.4. Síntese da Análise Quantitativa ........................................................................... 60

4.2. Análise Qualitativa..................................................................................................... 62 4.2.1. As Trajetórias durante o Ensino Básico e Médio................................................. 64 4.2.2. A Escolha Profissional......................................................................................... 67 4.2.3. A Trajetória Universitária .................................................................................... 73 4.2.4. Síntese da Análise Qualitativa ............................................................................. 86

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 88 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 90 7. ANEXOS.......................................................................................................................... 92

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1. INTRODUÇÃO

A problemática atual referente à qualidade do Ensino Fundamental, Ensino Médio e

ao ingresso à Universidade é parte de um processo histórico que se iniciou com a

colonização do Brasil. Por meio da análise da história da educação brasileira, da

configuração do ensino público e privado e do acesso à Universidade pode-se compreender

de que forma os desníveis nos setores educacionais se tornaram fruto da organização social,

configurada por uma sociedade de classes.

A fim de analisar a trajetória de egressos do ensino médio público e privado torna-se

relevante refletir, inicialmente, sobre a educação brasileira em geral, o ensino público e

privado e o acesso à Universidade.

1.1. Educação brasileira e democratização do ensino

A análise da história da educação brasileira é de fundamental importância para

entender o processo pelo qual se dá o mecanismo de manutenção da desigualdade social, em

suas origens históricas, sendo a base para compreender também como acontece perpetuação

deste mecanismo. Romanelli (1994) discorre sobre essa temática, pontuando tais desníveis e

remontando a História da Educação no Brasil. Ela contextualiza o momento histórico com

cada etapa desse processo, esmiuçando as transformações e adaptações que o sistema

educacional sofreu a fim de atender a demanda das classes mais altas. Ela afirma: “(...) já

que se trata de pensar a educação num contexto profundamente marcado por desníveis. E

pensar a educação num contexto é pensar esse contexto mesmo: a ação educativa processa-

se de acordo com a compreensão que se tem da realidade social em que se está imerso”

(Romanelli, 1994 p.23).

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No Período Colonial (1500-1808) o poder político, social, econômico e cultural

mantinha-se nas mãos dos grandes proprietários de terra e se sustentava pela exploração da

mão-de-obra escrava. Neste período a educação ficava nas mãos dos jesuítas que convertiam

e pacificavam os índios. O ensino ministrado por eles era completamente alheio à realidade

da colônia.

As transformações no cenário educacional acompanharam as mudanças do cenário

político-econômico. Durante o ciclo do Ouro (1700-1780) os jesuítas foram expulsos e o

Estado assumiu a educação (que não fugia aos moldes anteriores). As reais transformações

neste cenário começaram a ocorrer com a crescente urbanização e com o processo de

Independência, datando do início do século XIX. A partir de então, por volta da segunda

metade deste século, começava a se configurar uma certa mobilidade social devido ao

surgimento da classe média (profissionais liberais, artistas, funcionários públicos). Esta nova

classe buscava se manter através da escolarização.

Essa configuração se estendeu por todo Brasil Império. Houve uma diversificação na

demanda escolar, pois a escola passou a ser vista como um instrumento de ascensão social

para a iminente burguesia, o que deixou de restringir a educação somente à classe

oligárquica. Começava a surgir um novo tipo de relação entre essas duas classes: uma

relação de dependência da primeira para com a segunda. Quanto à posição da classe

emergente, Romanelli (1994) afirma que, “são suas relações com a classe dominante que

vão proporcionar-nos uma compreensão maior da característica dominante no ensino

brasileiro, na época e posteriormente” (p.37).

A ruptura não demorou a ocorrer e foi conseqüência da divergência de interesses,

principalmente os da burguesia, que eram voltados ao liberalismo europeu. Era interessante

para a consolidação dessa classe a descentralização do poder: o abolicionismo (a fim de

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liberar a mão-de-obra escrava para compor as forças produtivas), a Proclamação da

República e o início de relações capitalistas.

Concretizados tais interesses no cenário político, no cenário educacional começa a

surgir os primeiros cursos superiores e com eles novos modos de reprodução das

desigualdades e manutenção dos interesses:

(...).com D. João, no entanto, não apenas nascia o ensino superior, mas também se iniciava um processo de autonomia que iria culminar com a Independência política. Todavia, o aspecto de maior relevância dessas iniciativas foi o fato de terem sido levadas a cabo, com o propósito exclusivo de proporcionar educação para uma elite aristocrática e nobre de que se compunha a Corte. A preocupação exclusiva com a criação do ensino superior e o abandono total em que ficaram os demais níveis do ensino demonstraram claramente esse objetivo, com o que se acentuou uma tradição – que vinha da Colônia – a tradição da educação aristocrática (Romanelli, 1994, p. 38-39).

Com o Ato Adicional de 1834 ocorre uma descentralização do sistema de ensino.

Houve uma centralização das escolas secundárias a cargo da iniciativa privada, enquanto o

ensino primário caiu no descaso. Isso contribuiu para que, novamente se reforçasse o caráter

elitista do ensino, já que pouquíssimos podiam custeá-lo (Romanelli, 1994). Isso configura

um cenário clássico sedimentado pelo sistema capitalista.

Assim, o capitalismo exige que a escola saiba “educá-los [os alunos], mas não

demasiadamente. O bastante para que aprendessem a respeitar a ordem social, mas não tanto

que pudessem questioná-la” (Enguita, 1989, p. 112). Valoriza-se, portanto, a idéia de uma

instrução básica, que privilegie a inculcação de hábitos e atitudes (obediência, higiene,

docilidade) voltadas para o trabalho. Desta forma, “a questão não era ensinar um certo

montante de conhecimentos no menor tempo possível, mas ter alunos entre as paredes da

sala de aula submetidos ao olhar vigilante do professor o tempo suficiente para domar seu

caráter dar a forma adequada a seu comportamento”. (Enguita, 1989, p. 116).

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Pode-se dizer que esta era a “filosofia” empregada nas duas fases da Revolução

Industrial. O Brasil iniciou sua industrialização por volta de 1930. Devido a isso, surgiram

novas exigências educacionais, dentre elas uma educação necessária para que os

trabalhadores “aprendessem” a consumir. Assim, era necessária a aquisição da leitura e da

escrita para capacitar os trabalhadores frente a concorrência no mercado de trabalho. Isso só

seria possível sob a “escolta” do Estado. Romanelli (1994) afirma que, “de fato, esse século

(XX) se caracterizou, quanto à educação, pela acentuada tendência do Estado de agir como

educador. É que as exigências da sociedade industrial impunham modificações profundas na

forma de encarar a educação e, em conseqüência, na atuação do Estado, como responsável

pela educação do povo” (p. 59).

As relações de produção capitalista se expandiram sob efeito da industrialização. A

demanda pelo ensino profissionalizante aumentou devido à necessidade de mão-de-obra

qualificada para atender as exigências do mercado de trabalho. Assim, o Governo cria um

sistema de ensino, o sistema S, caracterizado por cursos rápidos. Criou-se o Serviço

Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e posteriormente o Serviço Nacional de

Aprendizagem Comercial (SENAC).

O ensino profissionalizante passa a ser procurado pelas classes mais populares,

enquanto o ensino secundário e superior, pelas classes médias e altas. Aumenta ainda mais a

distância entre os dois tipos de níveis.

A partir dos anos 60-70 ocorre uma explosão de instituições privadas, principalmente

instituições de Ensino Superior. Isso se explica pela implementação de uma política

neoliberal. O Estado declaradamente se desobriga do ensino superior e transfere a expansão

deste para a iniciativa privada. Em vez da abertura de novas escolas públicas ou de um

aumento de vagas nessas instituições, o que se verifica é a abertura indiscriminada de

instituições particulares. Ao invés de ensino gratuito para todos, o governo passa a oferecer

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aos estudantes o crédito educativo, um financiamento para as mensalidades a ser devolvido,

corrigido e com juros, após a conclusão do curso (Romanelli, 1994).

Desta forma, o ensino superior se tornou um mercado promissor que vem despertando

interesses empresariais. Entretanto é uma grande minoria que tem condições do acesso ao

ensino superior privado porque pode pagar por ele. Os que não podem pagar teoricamente

deveriam procurar o ensino superior público, no entanto, são suprimidos pela forma como o

acesso às universidades públicas tem se configurado.

O acesso às instituições públicas é o atual mecanismo de manutenção das

desigualdades sociais do nosso país. Segundo Pinho (2001) “o concurso vestibular é um

espelho fiel das distorções e das iniqüidades que caracterizam a sociedade brasileira” (p.

359).

Verifica-se, portanto que a educação escolar tem sido uma forma de reproduzir as

desigualdades sociais e manter o privilégio das classes abastadas. Nesse sentido a forma

como o sistema educacional brasileiro se organizava e se organiza ainda hoje é mantenedora

das desigualdades sociais, pois a democratização do acesso ao ensino mascara a

desigualdade de oportunidades a todos.

Este mapeamento histórico do sistema educacional brasileiro fornece considerações

que vão ao encontro da Teoria da Reprodução Cultural de Pierre Bordieu (conforme citado

por Zuin & Pucci, 1999). No cerne desta teoria está o conceito de violência simbólica

enquanto algo que permeia a divisão social de classes e as condições materiais e ideológicas

em que repousam. O caráter “simbólico” desta violência deve-se à sutileza do exercício do

poder simbólico manejado pelas classes dominantes que impõem uma definição de mundo

social consistente com seus interesses. Assim, o controle das classes não é exercido na

forma de restrições ou força declarada, mas por meio de uma cultura “oficial” que legitima

os gostos, interesses, o discurso das camadas dominantes.

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Tais mecanismos culturais, tão sutis, acabam fornecendo uma “roupagem natural”,

que se assume necessária (à ordem social) e mascara os mecanismos que estão a serviço dos

interesses econômicos e políticos destas camadas, excluindo a arbitrariedade e a

historicidade desses interesses, tão evidentes a partir da análise do sistema educacional

explicitado anteriormente. Desta forma, segundo a teoria de Bordieu, a escola seria a

transmissora desta “cultura oficial” legitimadora (conforme citado por Zuin & Pucci, 1999).

A fim de compreender como esse mecanismo de transmissão pode acontecer dentro

da escola é necessário entender a configuração do ensino fundamental/médio público e

particular e dos mecanismos de acesso ao ensino superior público, o exame vestibular.

1.2. Educação pública e privada

Ao se hipotetizar um estudante que consiga concluir o ensino médio, verifica-se que

ele possui pelo menos duas possibilidades de trajetória: inserção imediata no mercado de

trabalho ou cursar uma carreira universitária. Esta decisão implica em considerar o contexto

sócio-histórico ao qual ele se insere, pois a história educacional deste indivíduo, sem

prescindir seus aspectos subjetivos, é perpassada por esta história maior da Educação

Brasileira discutida anteriormente. Além disso, é relevante considerar qual é a natureza da

instituição educacional formadora do estudante, se pública ou privada, a fim de

compreender as oportunidades e as condições de ensino as quais este jovem se submeteu.

1.2.1. Educação pública

A educação realizada na escola pública primária e secundária brasileira tem carregado

um estigma, uma marca de insuficiência quanto ao seu principal objetivo proposto: o

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ensino. As variáveis que implicam em tal insuficiência são inúmeras e é o que se pretende

abordar a seguir. Paro (2000) realizou um extenso estudo em uma escola de 1° grau pública

de um bairro da periferia de São Paulo confirmando e detalhando o que é senso comum a

respeito do ensino e da

situação precária em que se encontra o ensino público, em especial o de 1° no Brasil, é fato incontestável, cujo conhecimento extrapola o limite dos meios acadêmicos, expandindo-se por toda a população. A situação também não é nova, persistindo por décadas, com tendência de agravamento dos problemas e carências, sem que o estado tome medidas efetivas visando a sua superação. (Paro, 2000, p. 19)

Conforme afirma o autor em muitos casos, suas conclusões são passíveis de serem

generalizadas à maioria das escolas públicas brasileiras e para o 2° grau, inclusive.

Dentre os diversos fatores que condicionam o baixo desempenho da escola e o

desinteresse do aluno está a evasão escolar. As evasões parecem ocorrer mais intensamente

nas últimas séries do 1° grau e nota-se que nos períodos de greves e paralisações o

abandono escolar se intensifica: “na presença de algum obstáculo para continuarem os

estudos, esses jovens ou seus pais optariam mais facilmente pelo abandono, por

considerarem já insuficientes as séries até então cursadas” (Paro, 2000, p.227).

A respeito dos índices de reprovação escolar os dados indicam com base na

comparação com as escolas do estado de São Paulo que estes parecem aumentar ao final do

Ciclo básico e no início do antigo ginásio.

No que concerne às condições materiais de trabalho, o espaço físico do prédio escolar

da rede pública tem se apresentado numa ausência praticamente total de manutenção, além

da precária conservação de paredes (pichadas), portas (sem trinco), vidros das janelas

(quebradas), das instalações elétricas (deterioradas), falta de lâmpada, quadros negros (em

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mau estado), sanitários (danificados). Além da falta de papel higiênico, material de limpeza,

entre outros.

O livro didático ao invés de incrementar a prática de ensino do professor parece ter o

papel de suprir suas própria falhas. O professor é quem escolhe o livro com base em uma

lista disponibilizada pela Secretaria da Educação; entretanto o envio do material pedido

chega às escolas após meses em que o ano letivo se iniciou. Ademais, os alunos não têm

permissão para levarem seus livros pra casa.

No que diz respeito à assistência médica e odontológica que deveria existir nas

escolas como alternativas à precariedade desses serviços públicos não existem na grande

maioria das escolas. Quanto à assistência alimentar, em geral a merenda escolar é

insuficiente para o número de alunos da escola, sendo assim, o período noturno, em sua

maioria, não disponibiliza esse serviço aos alunos que chegam famintos após um dia de

trabalho. Mesmo para os turnos que recebem a merenda, esta não substitui as refeições

caseiras dada a insuficiência e ainda assim, acontece de alguns alimentos estragarem devido

às más condições de armazenamento ou vencimento do prazo de validade.

Com relação à segurança, as escolas tentam tomar diferentes providências: controlar

a entrada para que pessoas estranhas e ex-alunos não perturbem o funcionamento normal da

escola, trancar a porta da sala assim que os alunos entram e acionar guardas policiais ou a

Ronda escolar que, em geral, não estão à postos quando a escola realmente precisa.

Além das condições de trabalho explicitadas acima, existe outro aspecto de grande

importância a ser analisado quanto ao desempenho da escola na tarefa educativa: o corpo

docente e os demais funcionários.

Quanto ao pessoal não docente, é quase que unânime a falta de pessoal operacional

para limpeza, conservação da escola, segurança, inspeção de alunos, entre outros. A questão

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da baixa remuneração para esses profissionais e as próprias condições de trabalho acabam

sendo desestimulantes na realização do serviço ou da permanência destes na escola.

A escassez de professores é algo que também se generaliza na rede pública estadual.

Segundo Paro (2000), as causas mais evidentes para tal escassez, em suma, tem sido: “o

baixo salário oferecido, as más condições de trabalho, o desprestígio da profissão, a falta de

segurança, a longa distância da escola, o despreparo do professor para levar as crianças da

população pobre a aprender” (p.237). Outra questão referente a isso é a grande carga de

trabalho dos profissionais, uma vez que precisam trabalhar em mais de uma escola para

sobreviverem. A falta de assessoramento de outros profissionais em sua tarefa educativa.

Com relação ao despreparo do professor, Paro (2000) afirma:

a verdade é que, a partir da chamada democratização do ensino público”, que teve início ainda no final da década de 50 e se acentuou nas décadas seguintes, a realidade da escola pública mudou, seu alunado é outro, mas a academia parece não ter dado conta disso, continuando a preparar os professores para um aluno e uma realidade “ideais” que estão muito distantes do que se tem hoje nas escolas públicas (p.241).

Este trecho vem ao encontro do tema discutido anteriormente: a democratização do

ensino vem calar os gritos de quem aspira oportunidade de educação, de ascensão,

entretanto não é garantia de que a mudança atenda satisfatoriamente as aspirações das

camadas mais pobres. Isso porque, historicamente, o sistema educacional brasileiro tem

sido a escada das desigualdades sociais e não a escada de ascensão na pirâmide hierárquica.

No retorno ao assunto deste capítulo, os alunos parecem ser considerados os pontos

nevrálgicos do sistema educacional brasileiro: “um dos indícios mais patentes de que o

pensamento educacional veiculado na escola não se adequa à realidade do aluno é que este,

em vez de ser tomado como um dado da questão é tido como obstáculo a sua solução”

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(Paro, 2000, p.242). Em geral professores, funcionários e os próprios pais afirmam que os

alunos são os grandes responsáveis pelo fracasso escolar, todavia, este pensamento parece

eximir das características da escola pública, discutidas anteriormente, a “co-

responsabilidade” pelo fracasso escolar, como se o restringisse somente ao comportamento

discente.

A qualidade do ensino é analisada com base na relação educador-educando. Este

relacionamento tem acontecido sem a ênfase na emancipação do aluno no que diz respeito

às idéias construídas por eles e os conteúdos que lhes são significativos. Muitos

procedimentos e conteúdos didáticos estão inadequados a esta postura autonomizadora do

aluno, aliando-se à denegação, velada ou explícita, da função educativa por parte dos

professores. Sendo assim, aqueles professores que possuem uma prática pouco estimulante

parecem atribuir a baixa qualidade de ensino à clientela atendida pela escola e os docentes

considerados bons professores investigam em suas práticas educativas o que poderia estar

contribuindo para este declínio educativo.

Quanto à avaliação do rendimento escolar parece acontecer a adoção de critérios mais

maleáveis quanto à aprovação dos alunos uma vez que critérios muito rigorosos reteriam a

grande maioria dos alunos. Desta forma, Paro afirma que “dificilmente, porém, se percebem

indícios de um processo avaliativo que vise à real verificação do grau em que os objetivos

foram atingidos, com vistas à correção de rumos e à melhoria do processo didático” (2000,

p.260).

Junto a isso acontece algo que este autor chama de aligeiramento do ensino, bastante

presente na prática das escolas públicas. O professor atenua e diminui o conteúdo,

subestimando a capacidade do aluno em apreender toda a extensão do conteúdo se este

fosse dado integralmente. Aligeirar o conteúdo passado às camadas populares é mais uma

forma de discriminação social geradora do sucateamento do ensino.

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Outro item importante para se analisar a qualidade do ensino é a disciplina dos

alunos. Neste item é unanimidade que este é um dos graves problemas da escola pública. A

agressividade (entre os alunos e com os professores) desperta nestes o medo do aluno e

dificuldade para impor respeito, por outro lado, o desinteresse faz com que os professores

tenham que implorar por atenção e pela realização das tarefas, uma postura pedinte, de certa

forma.

Isso acaba gerando um círculo vicioso, uma vez que os professores não ensinam

direito, o aluno bagunça e porque o aluno bagunça, os professores não conseguem ensinar

direito. É nesta toada viciosa que a escola pública está sendo levada. Isso gera a estagnação

à repetição e a falta de energia para mudar, criar, incrementar. O sucateamento do ensino

público acontece por um emaranhado de relações, padrões, crenças, profecias que estão

sendo difíceis de serem quebradas, talvez porque, como dito anteriormente, existe uma

força maior, de interesses superiores e privativos se utilizando deste sucateamento para sua

manutenção.

1.2.2. Educação privada

Estudos sobre a educação privada brasileira são encontrados em nossa literatura de

maneira bastante inferior se comparados aos estudos sobre a escola pública. O ensino

público é em demasia discutido em artigos, teses, jornais, etc. Esta polarização pode ser

esperada uma vez que a polêmica e os esforços científicos giram em torno do que é mais

chocante, mais urgente e necessário de se investigar.

A cerca do ensino privado é possível perceber que está ocorrendo uma nova

modalidade de educação privada: o ensino franqueado. Nesse sentido, Pieroni (1998)

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investigou o Sistema Anglo de ensino, a fim de compreender os aspectos favoráveis e

problemáticos a cerca deste Sistema.

O Anglo, assim como empresas com a marca Objetivo, Universitário, Etapa, MED,

COC, Integral, Intergraus, Maximus, Pitágoras, Stockler, Vestibular Medicina, entre outros,

são organizações empresariais da área da educação privada que trabalham com a concessão

de franquias e configuram um modelo de ensino baseado em relações mercadológicas de

comércio de material didático, que tem sido bem sucedida e se espalhando por todo o Brasil.

Nesse sentido Pieroni (1998) afirma que

o preparo para o vestibular tornou-se claramente uma reserva de mercado destes Sistemas de Ensino que montam seus cursos e sua estratégia de crescimento pautados na garantia de colocação de seus alunos nas universidades mais concorridas. Elas dizem saber a fórmula do acesso e vender muito bem esta idéia “(p.18).

Tais sistemas, apesar de declaradamente voltados à aprovação do vestibular deixam

de ser sinônimo de cursos pré-vestibulares pois eles passam a se inserir também nas escolas

chamadas de unidades franqueadas ou parceiras que atendem estudantes da 1ª. Série do

ensino fundamental até o médio. Em todos os casos, a característica e objetivo principal

desse modelo de ensino é a preparação de seus alunos através do material didático que é

vendido. Assim, uma franquia, garante, a quem a compra como marca registrada, o

fornecimento do material didático apostilado contendo o esquema de todas as aulas

preparadas para todas as escolas franqueadas. Desta forma, o material didático, segundo este

autor, acaba sendo “o centro sob o qual se movem as relações construídas entre as matrizes

deste modelo de educação franqueada” (Pieroni, 1994, p.196).

A orientação pedagógica deste sistema de ensino é dada pela metodologia da

distribuição do programa ‘mínimo’ exigido pelos principais vestibulares em apostilas

chamadas apostilas-caderno. Tais apostilas dividem e organizam todo o conteúdo curricular

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em um número determinado de aulas que coincidem com a programação mensal prevista. É,

então imposto às unidades franqueadas o número necessário de aulas de cada disciplina em

cada série para que a aplicação do material seja correta e não atrase.

A concepção de apostilas-caderno visa dar comodidade ao aluno, unindo todas as

disciplinas obrigatórias em um só caderno, que é mensal, e varia de acordo com os níveis de

ensino, fundamental, médio ou cursinhos, sendo que anualmente o conteúdo é modificado.

Essa metodologia, além de permitir a fácil e rápida expansão deste tipo de ensino (suprindo

os interesses financeiros destas empresas), força no aluno o hábito de estudo diário para que

possa ter maiores chances de aprovação no vestibular. No entanto, as escolas perdem a

construção de uma identidade particular em favor dos benefícios generalizantes fornecidos

pelos franqueadores.

Pieroni (1998) questiona, então, onde se encontram os educadores diante desta lógica

comercial, pois os professores vinculados a esse modelo parecem adotar esta causa; eles

consideram o material didático como facilitador, frente a sua necessidade de trabalhar muito

e ter que dar muitas aulas para sobreviver, pois eles não precisam “perder tempo”

preparando aula. Em contrapartida, sofrem grande pressão frente ao atraso ao conteúdo, e

nesse decorrer, eles apontam problemas no sentido de que algumas coisas podem passar

batido aos alunos, mas ainda assim preferem este tipo de material. Pieroni (1998) afirma que

“não há uma percepção clara de que estes mecanismos são de disciplina e controle, tanto de

professores quanto dos alunos” (p. 186).

Quanto aos alunos e familiares, há a criação de uma expectativa no imaginário

destes, pois para o aluno que entra na faculdade, a qualidade da escola em que estudou é

confirmada e os pais regozijam-se deste feito, querendo torná-lo público. Assim, esses pais

acreditam que quanto mais os filhos estiverem em uma escola franqueada, é melhor, mesmo

este investimento sendo bastante oneroso.

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Outra importante questão levantada pelo autor diz respeito à qualidade de supervisão

das secretarias de ensino sobre as escolas privadas. Há um discurso sobre o alívio das

funções do Estado, que sobrecarregado em enfrentar os problemas da rede pública se exime

desta função, encarregando a rede de ensino particular a resolver as suas próprias

dificuldades. No entanto, os rumos da política educacional, dos seguimentos e das condições

de estudo oferecidas aos estudantes, seja da rede pública ou privada, ainda é um dos deveres

do Estado, que precisa se atentar mais a estas questões, principalmente a partir de resultados

de pesquisas realizadas em âmbito nacional quanto à qualidade do ensino.

A discussão acerca da qualidade de ensino das escolas particulares também é

polemizada a partir do fato de muitos alunos do ensino privado precisarem fazer cursinho

para ser aprovado neste exame. A necessidade dos cursinhos surge mesmo que os alunos

tenham estudado em escolas franquiadas durante todo o ensino básico e médio foi um dos

temas pesquisados por Fiamengue e Whitaker (1999) num estudo realizado na UNESP.

Segundo a própria autora, a maior descoberta desta pesquisa está relacionada aos fatores

ligados ao preparo para o vestibular.

Fiamengue e Whitaker (1999) chamaram de “efeito cursinho” o fenômeno que

retardaria a entrada do egressante do ensino médio ao ensino superior em um ou dois anos,

presumindo que neste tempo ele estaria freqüentando um cursinho; há também o cuidado

para não ser uma expressão reducionista, uma vez que existem outras formas de preparo

para o vestibular; oficinas de redação, aulas particulares, grupos de estudos, entre outros.

O efeito cursinho foi analisado num período de 10 anos (1985/86 a 1995/96) e ao

término deste tempo constatou-se a confirmação deste efeito, mostrando que a escola

particular continua não garantindo o sucesso no vestibular. Acerca disto, Fiamengue e

Whitaker (1999) afirmam:

Esta necessidade tornou-se evidente, uma vez que altas porcentagens de candidatos apresentam-se agora “sem

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cursinho”, o que não acontecia nos anos 80. Estas altas porcentagens sugerem que a confiança no preparo dado pela escola particular (ou por outras formas de preparo) é muito grande por parte da maioria dos candidatos. No entanto, a categoria dos sem-cursinho sofre quedas vertiginosas na transição inscritos-matriculados, demonstrando que pagar mensalidades caríssimas durante os anos que antecedem o vestibular pode ser útil a muitos propósitos dos pais, quando investem na educação dos filhos, mas não elimina os gastos com um, dois, até três anos de cursinho. (p. 242)

Diante de tais constatações a autora se questiona onde ficaria a eficiência da escola

particular do ensino médio, mas não se propõe a responder tal questão, deixando no ar a

controverso marketing de que o ensino privado, sobretudo o ensino franqueado é garantia de

qualidade de ensino e de aprovação no vestibular como apresentado.

Cumpre, portanto, refletir também sobre os exames vestibulares e as demandas por

vagas em carreiras universitárias.

1.3. Acesso à Universidade

1.3.1. Exame vestibular como rito de passagem

No cenário da educação, o exame vestibular é a porta de entrada para as

universidades. É ele que possibilita o tão sonhado ingresso ao ensino superior, e com ele

todos os seus ideais de maturidade, liberdade, aquisição e produção de conhecimento para

encarar o assustador mercado de trabalho.

Segundo Teixeira (1981) os vestibulares podem ser considerados ritos de passagem.

Esses ritos são situações marcadas por caráter simbólico, repletas de solenidades ou

cerimoniais que seguem preceitos estabelecidos. O vestibular se encaixa nesse termo

porque “todo o processo é percebido como uma situação extraordinária e cerimonial maior,

à qual, com freqüência, se agregam componentes do mundo sobrenatural, trazidos à cena

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por preces, promessas, procedimentos mágicos” (p. 1574), além de se organizar segundo

regras bem estabelecidas.

Mas se o vestibulando não for aprovado no exame o vestibular passa a ser

caracterizado como um rito de antipassagem, já que exclui grande maioria de alunos do

processo educacional e esconde muitos aspectos da realidade brasileira (Teixeira, 1981).

Aspectos que serão analisados a seguir. O vestibular é considerado por Teixeira (1981)

como uma barreira ritualizada porque não autoriza a passagem da esmagadora maioria que

se submete a esse exame. Desta forma, mesmo com o constante aumento do número de

vagas, ainda existe uma grande desproporção demanda / oferta.

A estratégia para não desmantelar esse sistema, mas amenizar a revolta dos

“excedentes” foi a criação do ensino profissionalizante como alternativa aos que não

tiveram acesso ao ensino superior, referido anteriormente. Além disso, uma segunda

estratégia foi manipular o vestibular aumentando sua ritualização:

Com ela, atribui-se exclusivamente aos alunos a responsabilidade pela sua passagem e, por conseqüência, o sistema social é eximido desta mesma responsabilidade (...) De tal modo introjetaram a idéia de que o êxito ou fracasso na passagem é de sua exclusiva responsabilidade individual que, não percebendo o contexto em que estas coisas se dão, não contestam a situação, nem reivindicam mudanças. (Teixeira, 1981, p. 1579).

Desta forma, a responsabilidade da aprovação fica a cargo do aluno, que atribui a si

próprio e/ou ao ensino médio a causa de seus insucessos. Ferretti (conforme citado por

Bastos, 2005) afirma que a não-superação é motivo de culpa, principalmente para os jovens

de classes subalternas que não conseguem desvendar as verdadeiras origens dos obstáculos

que lhe são antepostos. Isso acontece, uma vez que o sujeito não é enfocado a partir de seu

contexto sócio-histórico como um todo, uma vez que os determinantes sociais envolvidos

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na aprovação não são levados em consideração, deixando este peso exclusivamente às

aptidões individuais do estudante.

Com o aumento no número de alunos reprovados, o ensino médio se viu obrigado a

adequar-se aos moldes dos vestibulares e não o inverso, o que seria esperado. O ensino

superior passou a ser considerado, então, como um processo elitista, que encontra na

estrutura do ensino secundário as características necessárias para sua manutenção, na

medida em que este se configura como um curso preparatório para o ingresso naquele.

Assim muitas escolas se desvirtuaram em suas propostas pedagógicas e acabaram se

tornando instituições especializadas em ensinar seus alunos a preencher adequadamente

testes de múltipla escolha (Pieroni, 1998).

O exame vestibular passou a determinar quais seriam os estilos usuais de raciocínio

ou o tipo de informação considerada essencial para ser ensinada, mesmo que os conteúdos

disciplinares estejam totalmente desarticulados com as questões reais da vida comunitária.

Menezes (2001) afirma que esse tipo de ensino é um “ensino disciplinar do tipo cartorial”,

pois é voltado para ao treinamento e operações e algoritmos ou à transmissão de

informações que estão fora do contexto dos alunos. “Trata-se de herança do ensino pré-

universitário, para o qual estes conteúdos “frios”, em princípio e dependendo da carreira

escolhida, iriam fazer sentido mais tarde, quando “requentados” no ensino superior”

(Menezes, 2001 p. 201).

No entanto, mais de dois terços dos alunos do ensino médio sairão da escola para o

trabalho autônomo ou empregado assim que se profissionalizarem. Pode-se dizer que a

proposta pedagógica da maioria das escolas é voltada para uma minoria elitista que almeja

adentrar os portões da universidade. Parece não haver atenção ao fato de que “a formação

da juventude para o exercício da cidadania plena” seria a proposta da formação geral

oferecida pelo ensino médio. Os princípios éticos, estéticos e políticos deste ensino não

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estão sendo assimilados pela grande maioria em detrimento de uma parcela menor que

“precisa” aprender “os macetes” e passar no vestibular, para, futuramente, poder manter o

seu padrão de vida. (Menezes, 2001)

Mas se todo conhecimento adquirido no ensino médio não permite a aprovação no

exame, os cursinhos tem a fórmula mágica, como aponta Teixeira (1981): “os cursinhos

fazem o que o segundo grau não faz e isso explicaria o seu crescimento (...) persistindo a

defasagem na demanda/oferta de vagas, sempre haverá espaço para eles, pois a competição

é agudizada por ela e aproveitada por eles” (p. 1579). Desta forma o número de excedentes

e o nível elevado das provas levaram à proliferação dos cursinhos preparatórios para os

exames vestibulares, atestando a falência do ensino médio. Desta forma, freqüentar um

“cursinho” aumenta as chances de sucesso no vestibular.

E o que acontece aos estudantes que não tem condições de pagar um cursinho, mas

almejam ingressar em uma Universidade? Existem, entre outras, duas possibilidades

principais. Primeiro, percebe-se que é mais fácil entrar numa faculdade privada, o que

explica que seus alunos sejam provenientes de escolas públicas; estes acabam sacrificando-

se ao extremo para pagar a mensalidade e muitos são dependentes do crédito educativo.

Uma segunda possibilidade seria a opção por cursos mais condizentes com a realidade dos

estudantes; cursos que geralmente tem menor procura, menor relação candidato/vaga.

Pinho (2001) fez um estudo comparativo de dois subconjuntos de carreiras de

universidades públicas para analisar os perfis acadêmicos e socioeconômico dos

ingressantes da Universidade de São Paulo. Esses subconjuntos são A (Medicina, Direito e

Engenharia) e B (carreiras oferecidas pela Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas -

FFCLH). Estes diferem quanto à relação candidato/vaga, que no primeiro subconjunto é

alta, quando comparada com o segundo.

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Ele afirma: “concluímos que se trata de uma típica amostragem de classe média com

uma importante presença de estudantes provenientes de famílias de, pelo menos, classe

média alta, especialmente entre os ingressantes do grupo A” (Pinho, 2001, p. 357). Já que

nessas carreiras o nível de competição é mais elevado e a probabilidade de ingresso é

menor, os alunos de escolas públicas e municipais, em sua maioria, não têm preparo

suficiente para serem aprovados e optam por carreiras cuja relação candidato/vaga é menor.

Essa é o que Pinho denominou de “fase zero”, ou seja, “a escolha da carreira feita de modo

a aumentar a probabilidade de sucesso, mesmo que a vaga assim obtida não tenha um

grande valor de mercado” (2001, p. 355).

O Núcleo de Pesquisas sobre o Ensino Superior (NUPES), em 2002, realizou um

estudo acerca dos atributos socioeconômicos dos excluídos e dos ingressantes no exame

vestibular da Universidade de São Paulo. Este Núcleo procurou analisar, mais

especificamente, as diferenças entre as carreiras no tocante às características sociais,

educacionais e demográficas dos candidatos e quais seriam os fatores determinantes das

chances de aprovação no vestibular para cada grupo de carreira. Tal estudo confirma que há

realmente um processo de auto-seleção dos candidatos ao exame vestibular da Fuvest e que

o perfil dos aprovados é de jovens recém egressos do ensino fundamental e médio privado,

oriundos de famílias com alta renda e de cor branca.

Em geral, quem já se inscreve no vestibular da Fuvest, provavelmente é uma pessoa

que pode dedicar um período integral aos seus estudos e se candidatar a uma vaga assim

que o ensino médio se encerrou. Os pesquisadores deste estudo afirmam que “os candidatos

inscritos no concurso da Fuvest representam uma amostra auto-selecionada do universo de

candidatos potenciais” (NUPES, 2002, p. 3), pois os candidatos que possuem trabalho ou

que concluíram o ensino médio em escolas públicas estão sub-representados nesta amostra.

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Este recrutamento elitista só confirma o que foi dito anteriormente uma vez que o

processo de ingresso à USP favorece aqueles estudantes que tem mais recursos,

confirmando a alta distribuição assimétrica e o privilégio de quem tem recursos de renda e

educacionais. (NUPES, 2002).

A associação entre os recursos educacionais e de renda familiar parece ser uma

combinação recorrente manifestada pelos privilégios de quem pode estudar em uma escola

particular. Nesse sentido a força do capital cultural dos pais, enquanto um influenciador de

caminhos, configura-se em um tema pertinente a este estudo e será abordado a seguir.

1.3.2. Atributos socioeconômicos e capital cultural: “divisor das águas” no ingresso ao

ensino superior público

A distinção feita entre atributos socioeconômicos e capital cultural configura um

preâmbulo para discutir as diferenças entre estas duas terminologias. Os atributos

socioeconômicos fornecem a composição e o volume dos recursos econômicos e sociais de

uma família. Pierre Bordieu (conforme citado por Setton, 2005) denominou conceitos como

capital social e capital econômico para explicitar tais atributos. Ele também discorreu

acerca de uma nova categoria - o conceito de capital cultural, compondo assim “os três

estados do capital”: social, econômico e cultural. O capital social refere-se ao conjunto de

recursos (potenciais/atuais) vinculados a uma posição social de status e, por conseguinte, à

posse de uma rede durável de relações – a dimensão deste capital pode ser fornecida pela

variável ocupação paterna. O capital econômico é o conjunto de posses de bens materiais

ou a própria renda familiar (Setton, 2005).

Já a noção de capital cultural emerge, primeiramente, segundo Bordieu (conforme

citado por Setton, 2005), como uma hipótese que possa explicitar a desigualdade de

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desempenho escolar nas diferentes classes, bem como o modo como as especificidades da

reprodução cultural operam dentro da escola. Este autor correlacionou uma série de fatores

extra-escolares (econômicos e culturais) que acabavam interferindo no desempenho e no

aproveitamento estudantil. Por fim, ele denominou três estados do capital cultural: o estado

incorporado (disposições duráveis do organismo); o estado objetivado (bens culturais:

visitação de museus, concertos, viagens, etc.) e o estado institucionalizado (diplomas e

titulações) (Setton, 2005). Assim, a instrução materna e paterna e o conhecimento de

idiomas podem fornecer a composição e o volume de capital cultural herdado pelo

indivíduo (Setton, 1999).

Segundo Whitaker (1981), o capital cultural, além de agregar o capital ou a renda,

agrega a história cultural daquele extrato social ao qual o indivíduo pertence. Seria um

conjunto lógico e funcional de conhecimentos ligados à arte de um modo geral (literatura,

teatro ou música), além da compreensão dos acontecimentos políticos (nacionais e

internacionais), permitindo, por exemplo, alargar as possibilidades de se aprender História e

Geografia. A existência de livros, jornais e revistas aliadas a esse conjunto de

conhecimentos transmitidos informalmente pelos adultos, ganha funcionalidade na medida

em que aquilo que o estudante lê tem muito a ver com aquilo sobre o que se conversa,

dando a noção de continuidade. Isso leva à ampliação do vocabulário e à assimilação de

uma sintaxe que ajuda a criar estruturas mentais adequadas aos conteúdos da escola,

principalmente àqueles que são transmitidos em linguagem científica específica.

A disposição destes fatores culturais parece ter um peso igualmente importante na

escolha da carreira e sucesso no vestibular, conforme verificado por meio de estudos

realizados com os perfis de candidatos e aprovados da USP (NUPES, 2002), da UNICAMP

(NUPES, 1997) e da UNESP (Fiamengue & Whitaker, 1999), as três maiores universidades

públicas paulistas do Brasil. Nesse sentido, Setton (1998), relendo Bordieu, afirma que “a

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grosso modo, capital econômico, capital social e capital cultural são indicadores materiais e

objetivos das disposições de habitus dos estudantes, ou seja, são os elementos de ordem

estrutural que ajudam a observar as diferenças de origem entre os grupos de estudantes”

(Setton, 1999, p. 23).

O conceito de habitus abarca espécies de pré-disposições subjetivas, como códigos

de linguagem, de etiqueta, enfim, competências internalizadas e conjuntos de necessidades

estruturadas que acabam governando práticas que estabelecem os limites das próprias

operações de intervenção. Daí o porquê do habitus ser um elo mediador entre estruturas,

prática social e reprodução, notadamente por vias da violência simbólica em que os

“oprimidos” acabam reproduzindo a própria opressão (Zuin & Pucci, 1983)

Retomando a conceituação inicial, o termo “divisor das águas” parece ser uma

metáfora que reflete bastante a maneira pela qual os atributos socioeconômicos e o capital

cultural separam e “selecionam” aqueles que ingressam na universidade pública, pois

podem predizer o sucesso dos candidatos no vestibular (NUPES, 2002). É neste sentido que

Bordieu (conforme citado por Setton, 2005) afirma que “as diferenças de acesso à cultura e

de aquisição desta entre os grupos sociais conferem aos mais privilegiados um poder real e

simbólico que os habilita a apresentar os melhores desempenhos escolares” (p. 81).

Desta forma, os atributos socioeconômicos e o capital cultural dizem quais cursos, em

termos de prestígio, condizem com tal extrato socioeconômico. A seleção já se inicia no ato

da inscrição ao vestibular e na carreira escolhida, pois a distribuição dos candidatos por

carreiras tem uma co-relação com suas características sociais (NUPES, 2002).

É possível se pensar, então, acerca dos graus de liberdade da escolha, um tema

bastante recorrente entre os Orientadores Profissionais que estudam as influências da

escolha. Com base no referencial sócio-histórico, Bock, Águiar & Bock e Lisboa (conforme

citado por Bastos, 2005) defendem que “a escolha ou não escolha profissional é resultado

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de um processo dialético onde determinantes individuais e sociais influenciam a efetivação

ou não das escolhas” (Bastos, 2005, p. 11).

Isso corrobora com os resultados apresentados pelos três estudos, uma vez que se há

efetivação da escolha os condicionantes sociais parecem encaminhar os estudantes a

carreiras distintas e conforme seus atributos. Assim a escolha é perpassada por tais

determinantes.

A conclusão a que chegaram os estudos envolvendo as três maiores universidades

públicas são bastante semelhantes, confirmando o mecanismo de manutenção das

desigualdades sociais através da configuração do sistema educacional: sua elitização. O

estudo realizado pelo NUPES (1997) na UNICAMP confirma tal elitização, pois o aluno

que não possui um capital cultural adequado aos moldes da prova deste vestibular,

certamente terá dificuldades em ser aprovado neste exame e os aprovados, em geral,

pertencem aos extratos mais altos da sociedade.

De acordo com as conclusões do estudo realizado na USP: “qualquer que seja a

característica da carreira, o sucesso no vestibular da USP é determinado basicamente por um

mesmo conjunto de fatores, no qual incluem-se a herança educacional (o nível de

escolaridade do pai) e o fato do candidato ter estudado em escolas particulares” (NUPES,

2002, p. 36). Resultados que indicam a seletividade social no processo de ingresso.

Por fim, as principais tendências verificadas a partir do estudo da UNESP (Fiamengue

& Whitaker, 1999), no que diz respeito à força do capital cultural, mostram que quanto

maior o grau de instrução do pai, maior o prestígio do curso, e o número de matriculados

com esta herança é ainda maior, sendo grande desde a inscrição no vestibular. Assim, “a

maior instrução do pai passa a exercer papel preponderante na performance dos filhos no

vestibular da UNESP” (p.120).

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A apreciação destes três estudos aponta o caráter elitista da educação brasileira. O

status da classe dominante parece ser uma espécie de herança, passada de pai para filho.

Verifica-se, portanto que a educação brasileira, desde os tempos mais remotos, tem sido

uma forma de reproduzir as desigualdades sociais e manter o privilégio das classes

abastadas.

No entanto existe uma pequena parcela de estudantes da rede pública que são

aprovados nos exames vestibulares das mais concorridas universidades públicas. Esses

alunos superam as barreiras educacionais, sobrevivem ao ritual de passagem, mencionado

anteriormente e ainda conseguem concluir a graduação frente às adversidades da

desigualdade de condições no acesso à universidade.

1.3.3. Egressos do Ensino Público e as “razões do improvável”

A Coordenação de Pesquisa da Comissão Permanente para os Vestibulares da

Unicamp – COMVEST – investigou, no ano de 2003, quais seriam os aspectos da situação

econômica dos candidatos ao vestibular da UNICAMP que teriam associação com melhor

desempenho acadêmico durante os cursos de graduação. Para tanto o estudo foi realizado

com alunos que ingressaram entre os anos de 1994 e 1997, totalizando, 4.955 graduados. Os

dados mostraram que os estudantes que cursaram o ensino Médio em Escola Pública

apresentaram desempenho superior ao longo do curso em relação aos provenientes do

ensino privado.

A interpretação fornecida pela COMVEST, para tal fenômeno, traz a possibilidade de

que “estes estudantes, por terem superado adversidades de diversas naturezas para chegar

em igualdade de condições à universidade (medida pela nota semelhante obtida no

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Vestibular), têm potencial superior para se desenvolverem academicamente, quando

comparados aos estudantes dos outros grupos” (2004).

Este estudo sugere que em igualdade de condições os estudantes egressos da escola

pública teriam melhores desempenhos acadêmicos na universidade. No entanto, esta seria

uma conclusão a ser estudada com cautela, pois, ainda sim, os aspectos democratizantes

dentro da universidade podem despertar falsas interpretações, no sentido de que estes alunos

por estarem dentro de uma universidade pública já são indivíduos privilegiados (NUPES,

1997).

As adversidades enfrentadas por eles até o ato do ingresso à universidade e durante a

trajetória acadêmica traçam um perfil que se destaca frente aos demais alunos. Qual seria

então, o perfil desse tipo de aluno? Que atributos ele teria para que conseguisse ultrapassar

tais barreiras, dada a força dos condicionantes sócio-históricos e a sutileza da violência

instaurada no sistema educacional? Quais seriam as “razões deste improvável”?

Lahire (1995/2004) busca, em seu estudo, as razões do sucesso escolar nos meios

populares e para tanto desvela importantes aspectos do conceito de capital cultural

fornecendo outra perspectiva para esta conceituação, mas dialogando com aquilo a que se

propôs Bordieu em suas análises. Lahire (1995/2004) enfatiza a multiplicidade das

experiências de socialização dos grupos populares, dando a esta heterogeneidade o caráter

de um novo recurso social para esta camada.

Um de seus principais pontos de argumentação gira em torno dos modos ou meios

pelos quais se dá a transmissão (ou construção) de um capital cultural, a apreensão e a

apropriação desta herança. Ele afirma que “a presença objetiva de um capital cultural

familiar só tem sentido se esse capital cultural for colocado em condições que tornem

possível sua ‘transmissão’” e ainda “a herança cultural nem sempre chega a encontrar

condições adequadas para que o herdeiro herde” (Lahire, 1995/2004, p. 338), ou seja, a

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presença objetiva de um capital cultural familiar por si só não garante que a criança se

aproprie destes bens culturais, sobretudo porque os pais ou as pessoas que tem as

disposições culturais podem não ter tempo e oportunidade de produzir os efeitos de

socialização na criança. Diante disto ele busca investigar as modalidades efetivas desta

transmissão, visto que ter acesso ou não aos bens da cultura escolar ou informal não fornece

a dimensão das possibilidades de transmissão.

Assim, Lahire (1995/2004) afirma que o rendimento escolar desses capitais culturais

acaba dependendo muito mais das configurações familiares e de sua organização doméstica

do que da “oferta” do capital acumulado. Ele está discorrendo sobre uma transmissão de

uma outra ordem, que se constrói sem que nenhuma intervenção pedagógica esteja

norteando este processo.

Lahire (conforme citado por Setton, 2005), discorre sobre cinco temas envolvidos no

processo de transmissão cultural: “(a) formas familiares da cultura escrita, (b) as condições

e as disposições econômicas, (c) a ordem moral doméstica, (d) as formas de autoridade

familiar e, por último, (e) as formas familiares de investimento pedagógico” (Setton, 2005,

p. 81). Lahire (1995/2004) ainda dá ênfase (a) aos hábitos de leitura e escrita das famílias;

(b) às condições de estabilidade econômica enquanto um fator tranquilizador importante

dentro das configurações familiares, permitindo um distanciamento das emergências de

sobrevivência natural; (c) à ordem moral, ou seja, à algo que se aprende no exercício da

socialização, como por exemplo, disciplina com horários de refeições; a própria rotina diária

a organização do sistema doméstico, em que a estrutura familiar material e temporalmente

ordenada transmite inconscientemente métodos de organização das estruturas cognitivas; (d)

valorização da obediência no lar, que enquanto uma ordem cognitiva, pode se estender no

âmbito escolar; a existência de uma autoridade vívida dentro de casa, refletindo-se na

aceitação da autoridade vinda na escola e (e) o acompanhamento ou não dos pais nos

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momentos de lição de casa e/ou lazer, sendo que este acompanhamento pedagógico fornece

elementos estruturantes de uma vida regrada (Lahire, 1995/2004).

Setton (2005), permanecendo fiel às contribuições de Lahire acrescenta uma outra

configuração desta transmissão: as condições de estabilidade psicológica vividas pelas

famílias pesquisadas em seu estudo no Brasil; tendo em vista que Lahire realizou seus

estudos na França. Assim, segundo esta autora, as condições e disposições dialógicas

relacionam-se a estabilidade de natureza psicológica - as relações familiares seriam pautadas

no diálogo, conversa e na abertura para trocas de experiências. Ela firma: “creio que as

condições e disposições de ordem material, aliadas às disposições de ordem psicológica, são

fatores para se pensar biografias estudantis de sucesso” (Setton, 2005, p. 85).

Por fim, os alunos egressos da rede pública de ensino médio, ingressantes em

universidades públicas sinalizam possibilidades de acesso ao mundo do trabalho via

universidade pública. Desta forma, esses alunos superam as barreiras educacionais e

sobrevivem ao ritual de passagem, mencionado anteriormente. Como é desenvolvimento

deste grupo de alunos durante a graduação na Universidade de São Paulo? Qual o

desempenho acadêmico do estudante universitário egresso do ensino médio público em

comparação ao egresso do ensino particular? Quais as diferenças? Quais as semelhanças?

Ao que se pode atribuir tais diferenças ou semelhanças?

1.4. Justificativa

O presente estudo objetivou contribuir com a compreensão das questões pontuadas

acima, bem como fomentar e ampliar as discussões acerca das políticas públicas

implementadas pela USP e sua efetividade frente às reais necessidades dos estudantes. Além

disso, objetiva-se estimular o aprofundamento de estudos sobre a graduação uspiana,

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inclusive sobre as condições de manutenção dos egressos de escolas públicas na

universidade; questão esta que emergiu a partir da coleta de dados.

Na literatura, discute-se muito sobre as condições de acesso ao ensino superior por

meio das ações afirmativas e da ritualização dos vestibulares, mas pouco se discute acerca

da trajetória desta minoria dentro da universidade e suas necessidades materiais,

pedagógicas e psicológicas.

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2. OBJETIVOS

2.1. Objetivo geral

O objetivo desse trabalho é investigar o perfil dos alunos provenientes de escolas do

ensino médio – público e privado – da Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão

Preto para analisá-los comparativamente, buscando compreender a influência das variáveis

sócio-demográficas, educacionais e acadêmicas nas trajetórias pessoais de participantes

destes dois grupos, bem como situá-los sócio-historicamente.

2.2. Objetivos específicos

Com o presente estudo pretende-se analisar as características sócio-demográficas

(escolaridade dos pais, renda familiar, nível socioeconômico), educacionais (procedência

escolar) e acadêmicas (notas) dos alunos provenientes de escolas públicas e particulares,

bem como analisar, comparativamente, as interferências destas variáveis nas trajetórias

pessoais destes dois grupos de estudantes, remontando o contexto sócio-histórico do qual

são oriundos. A amostra participante deste estudo é composta por alunos de três carreiras da

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto: Ciências Biológicas, Psicologia

e Química, concluintes da graduação nos anos de 2003 e 2004.

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3. MÉTODO

3.1. Participantes

A população deste estudo foi constituída pela totalidade de alunos graduados nos anos

de 2003 e 2004 nas carreiras de Biologia, Psicologia e Química da Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), turmas: XXXVI e

XXXVII de Psicologia (ingressantes em 1999 e 2000) e XXXVII e XXXVIII de Biologia e

Química (ingressante em 2000 e 2001). Assim, o universo da população alvo para este

estudo era de cerca de 250. Destes 140 graduandos participaram da pesquisa.

A justificativa para a escolha destas três carreiras gira em torno de três aspectos

principais. Primeiramente porque as carreiras selecionadas neste estudo representariam as

três grandes áreas do conhecimento: Biológicas, Humanas e Exatas. Embora a carreira de

Psicologia, no manual da FUVEST esteja entre as da área Biológica, para fins deste estudo

ela será considerada como representante da área de humanas.

A escolha por cursos da Faculdade de Filosofia e Letras de Ribeirão Preto foi tida

como adequada por ser no âmbito da Faculdade na qual a pesquisadora e a orientadora estão

vinculadas e por se tratar de um estudo que cumpre a finalidade de iniciação científica.

Além disso, empiricamente, conforme os estudos levantados pelo Núcleo de Estudos sobre

o Ensino Superior (NUPES, 2002), as três carreiras apresentam perfis sócio-econômicos

distintos. Assim sendo, pretende-se analisar os condicionantes de tais perfis.

O último aspecto relevante diz respeito ao tempo de existência destes cursos, pois

foram os primeiros a serem implementados na FFCLRP, no início de 1964, sendo, portanto,

os cursos mais antigos desta faculdade, favorecendo a cristalização de um perfil e certa

estabilidade nas expectativas de papéis sociais, tidas como relevantes para a presente

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pesquisa. Além disso, são as carreiras com turmas em formação no período da coleta de

dados. A FFCLRP, em cumprimento à política de expansão de vagas no ensino público

superior, conta atualmente com nove cursos, exceto as licenciaturas.

3.1.1. Perfil das Carreiras

É interessante, portanto, conhecer o perfil sócio-econômico-cultural dos ingressantes

da USP, especificamente os da graduação. Diante disto e com fins de elucidar o objeto deste

estudo serão apresentados alguns dados obtidos pelo NUPES a cerca das três carreiras

citadas: Química, Ciências Biológicas e Psicologia. Cumpre destacar que os dados

apresentados a seguir dizem respeito aos resultados coletados no campus da USP – São

Paulo.

Segundo NUPES (2002), as carreiras podem ser classificadas com base em dois

grupos de variáveis: a dimensão socioeconômica e a composição de gênero, pois existem

cursos, cuja maior participação é de candidatas mulheres, sendo esta dimensão uma variável

independente das características socioeconômicas dos candidatos.

Analisando primeiramente a dimensão socioeconômica, verifica-se que os níveis de

escolaridade das mães decrescem segundo a ordem das carreiras: Psicologia, Ciências

Biológicas e Química. Os níveis de escolaridade das mães dos candidatos aprovados em

Psicologia são significativamente maiores que os das mães dos candidatos em Química,

permanecendo, Ciências Biológicas, num patamar mediano. Além disso, observa-se

predomínio no ingresso de filhos de mãe com o grau universitário completo nas três

carreiras, seguido de mães com segundo grau completo, no caso específico de Química.

Com relação à variável escolaridade dos pais, os dados expressam, mais uma vez, que

alunos com um menor background educacional paterno se dirigem, em proporções maiores

para a carreira de Química, enquanto as carreiras de Psicologia e Ciências Biológicas

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apresentam uma diferença pouco considerável em relação à escolaridade dos pais, que se

apresenta tendenciosamente elevada em Psicologia.

De outra maneira, em relação ao perfil dos candidatos aprovados no vestibular, nota-

se que a maioria dos alunos tem pais e mães com o Ensino Universitário Completo –

variável socioeconômica indicativa de um melhor desempenho no exame vestibular.

Ademais, a partir dos dados deste estudo, verifica-se que na transição para o ensino

médio há uma espécie de aumento da migração dos estudantes para a escola particular,

nestas três carreiras. É notório que mais da metade dos estudantes aprovados em Química

freqüentaram o ensino público no primeiro grau, invertendo-se este quadro já no ensino

médio.

Dentre as três carreiras, Psicologia e Ciências Biológicas, a porcentagem de aprovados

provenientes do ensino privado gira em torno de 80% (Com a maior porcentagem para

Psicologia e a menor para Ciências Biológicas), um dado expressivo e bastante indicativo

da correlação entre status socioeconômico alto e sucesso na aprovação do vestibular,

discutida anteriormente.

Quanto à freqüência a cursinhos há um aumento nesta em função da seguinte ordem

das carreiras: Química, Ciências Biológicas e Psicologia. Isso pode ser explicado porque a

freqüência a cursinhos diz respeito não só ao status socioeconômico, mas também ao grau

de exigência de cada carreira em termos de nota de corte e relação candidato/vaga, embora

a nota de corte seja o aspecto mais relevante.

No ano de 2000, ano em que os dados desta pesquisa foram coletados, a nota de corte

de Psicologia era 75, de Ciências Biológicas, 93 e Química, 70. Destas, Ciências Biológicas

foi a carreira com maior grau de exigência e, por conseguinte, a maior porcentagem de

amostra que freqüentou cursinho. Em segundo lugar, Química é a carreira que apresenta a

maior porcentagem de aprovados egressos de escolas públicas, cuja grande maioria

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necessita do cursinho para ser aprovada, dadas as características do ensino público já

discutidas.

Finalmente, a partir destes dados, o NUPES (2002) realizou o cruzamento entre a

dimensão socioeconômica e a de gênero para as três carreiras, obtendo os seguintes

resultados: a carreira de Psicologia e Ciências Biológicas apresentam um status

socioeconômico médio-alto e com significativa participação feminina. A Psicologia

apresenta os maiores valores tanto para variável socioeconômica, quanto para a dimensão

de gênero. A carreira de Química apresenta status socioeconômico médio-baixo, já

beirando o limite para o que se considera médio-alto, com maior número de aprovados do

sexo masculino. Essa breve descrição do perfil das três carreiras cumpre a finalidade de

apresentar o cenário desta pesquisa.

3.2. Procedimento de obtenção dos dados

Inicialmente foi elaborada uma carta dirigida ao Exmo. Sr. Dr. Prof. Oswaldo Baffa

Filho, Diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, solicitando autorização para o

acesso e a utilização de informações da vida acadêmica dos alunos das turmas em estudo. O

projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unidade

conforme resoluções descritas a seguir:

- Resolução nº 196 (de 10 de outubro de 1996) do Conselho Nacional de Saúde;

- Resolução nº 016 do Conselho Federal de Psicologia (de 20 de dezembro de 2000); e

- Artigo 35 da Resolução 4871, de 22/10/2001 da Reitoria da Universidade de São Paulo.

Concluída esta etapa, o procedimento de coleta dos dados foi realizado em três

etapas diferentes. De um modo geral, foram coletas as variáveis Sócio-Demográficas,

Educacionais, de Participação no vestibular sugeridas no estudo do NUPES (2002) e de

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Desempenho Acadêmico. Esta última variável inserida é original para os estudos realizados

nos campi da USP, pois o NUPES (2002) avaliou o desempenho dos aprovados

considerando as notas da 1ª fase da FUVEST, enquanto o presente trabalho considerou as

notas da 2ª fase do exame vestibular e as notas da graduação. Por fim, selecionou-se uma

amostra de seis sujeitos para a realização de uma entrevista. A seguir, serão explicitadas as

etapas referidas.

1ª etapa. Os alunos foram abordados em suas respectivas salas de aula, mediante prévia

autorização do professor, e submetidos à aplicação de um termo de consentimento

esclarecido (ANEXO A) para participação na pesquisa. Junto a este termo foi anexada uma

ficha de identificação (ANEXO B), na qual foram investigadas as variáveis Sócio-

Demográficas, como:

- sexo

- nível socioeconômico, conforme modelo de classificação da Associação Brasileira de

Pesquisa de Mercado (ABIPEME), adaptada para este estudo. Este questionário apresenta

perguntas a cerca do chefe de família, do número de pessoas residentes na casa, da

disponibilidade de bens nos domicílios, e da situação da moradia, classificando o sujeito nas

categorias: A, B, C, D ou E. Neste estudo serão considerados os níveis A, B e C. O nível C

contempla o nível D pois este não poderia ser analisado isoladamente tendo em vista que o

tamanho da amostra pertencente a este nível foi insuficiente para se trabalhar

estatisticamente. Em relação ao nível E, não houve nenhum estudante pertencente a esta

classe.

- escolaridade do pai: Ensino Fundamental, Médio ou Superior / Ocupação.

- escolaridade da mãe: Ensino Fundamental, Médio ou Superior / Ocupação.

Enquanto as variáveis Educacionais foram coletadas a partir da:

- natureza da escola (na maior parte) freqüentada no Ensino Médio, se público ou particular.

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- freqüência a cursos pré-vestibular: sim ou não.

A variável Participação no vestibular, segundo o NUPES (2002), corresponde à

carreira a qual o sujeito pertence.

2ª etapa. As variáveis Acadêmicas compreendem as notas referentes ao exame vestibular da

FUVEST (2ª. Fase) e as notas da Graduação. Estas variáveis foram acessadas a partir dos

prontuários de cada aluno arquivados na Seção de Graduação da FFCLRP-USP, autorizados

a serem investigados pelo Diretor da Unidade no exercício da função durante o período de

coleta de dados e, também, pelos próprios participantes.

3ª etapa. Por fim, uma amostra de seis sujeitos – dois de cada carreira, sendo um

proveniente de escola pública e outro de escola particular – foi selecionada para a realização

de uma entrevista semi-estruturada (ANEXO C, Roteiro da Entrevista). O critério de

seleção baseava-se no nível socioeconômico de cada estudante, ou seja, os extremos do

contínuo, aqueles cujas condições socioeconômicas são bastante altas e aquelas que

apresentaram baixa condição socioeconômica. O delineamento dos extremos foi feito com

fins de destacar as diferenças marcantes destes dois subgrupos, que poderia não aparecer

numa amostra selecionada que fosse mediana.

Esta entrevista abordou três eixos temáticos: (1) As trajetórias destes estudantes

durante o Ensino Básico e Médio, (2) A Escolha profissional e as influências familiares,

educacionais, culturais, sociais e econômicas, (3) A Trajetória Universitária (o processo de

ingresso e conclusão do curso) dos participantes. As entrevistas foram audiogravadas e

transcritas literalmente para posterior análise de conteúdo.

3.3. Procedimento de análise dos dados.

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Os dados coletados nas três etapas apresentadas foram submetidos a uma análise

quantitativa e qualitativa.

A análise quantitativa foi feita por meio do tratamento estatístico dos dados coletados

na 1ª e 2ª etapas – informações sócio-demográficas, educacionais e acadêmicas. Para tanto,

analisaram-se as variáveis coletadas a partir de um modelo univariado, no qual dois grupos

de variáveis são correlacionadas – o Grupo 1 com o Grupo 2, ainda que as varáveis do

Grupo 1 se correlacionem entre si mesmas. A seguir, a descrição dos grupos:

• Grupo de variáveis 1

- Carreiras: Química, Ciências Biológicas e Psicologia

- Natureza do ensino médio cursado: Público ou particular

- Notas da 2ª fase da FUVEST

- Notas da graduação

• Grupo de variáveis 2

- Gênero: Masculino e feminino

- Escolaridade da Mãe: Ensino Fundamental, Médio ou Superior

- Escolaridade do Pai : Ensino Fundamental, Médio ou Superior

- Nível socioeconômico: A, B, C, D e E (renda familiar e poder de consumo)

- Freqüência a cursos pré-vestibulares: Sim e não

O Cruzamento dos dados sobre as Carreiras com as variáveis do Grupo 2 objetiva

identificar as diferenças dos perfis do curso de Química, Ciências Biológicas e Psicologia

em termos dos atributos sócio-demográficos e freqüência a cursinhos. A variável carreira,

quanto relacionada ao seu próprio Grupo 1 objetiva obter os perfis educacionais, de

participação no vestibular e desempenho acadêmico da Química, Ciências Biológicas e

Psicologia.

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Quanto à Natureza do Ensino, relacioná-la com o 2º grupo tem a finalidade de

analisar o perfil sócio-demográfico dos alunos provenientes de escolas públicas e

particulares da amostra e quando correlacionada ao seu próprio grupo tem o intuito de

associar a Natureza do Ensino à participação no vestibular e na graduação.

No tocante às notas da 2ª. Fase da FUVEST, a partir dos dados dos prontuários dos

alunos é possível obter a média destas notas dividindo o número de acertos (nas disciplinas

desta fase) pelo número total de pontos desta fase, diferentes para as carreiras. Este valor

obtido (a média das notas da 2ª fase) foi entrecruzado com as variáveis do 2º grupo (na

maior parte sócio-demográficas) a fim de verificar quais eram aquelas que mais interferiam

no aumento ou decréscimo da nota da 2ª fase (a média com que o estudante entra na

universidade). Optou-se por analisar as notas da 2ª fase por se considerar a mais

representativa do perfil do aluno na carreira. Em relação aos estudos do NUPES (2002) esta

variável é também algo inovador neste estudo, uma vez que a variável utilizada naquele

estudo eram as Notas da 1ª fase do exame vestibular da FUVEST.

O desempenho acadêmico foi obtido a partir das médias ponderadas da graduação

dos estudantes, incluindo as reprovações e recuperações, ou seja, sem expurgo. O

cruzamento com as variáveis do 2º grupo objetiva analisar em que medida a equiparação das

condições educacionais durante a graduação pode alterar o percurso esperado para os dois

perfis de aluno.

O tratamento estatístico foi aplicado aos dados com a utilização de três testes

principais: (1) o Teste do Qui-Quadrado (χ² ), adotado nível de significância p ≤0,05, (2) o

Teste Não-Paramétrico Kruskal-Wallis (ANOVA não-paramétrica), e (3) o Teste Não-

Paramétrico de Mann-Whitney.

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O Teste do Qui-Quadrado (χ²) foi utilizado para comparar a associação entre

variáveis categóricas nominais entre si, como carreira, gênero, escolaridade da mãe e do

pai, natureza do ensino, renda familiar e freqüência a cursinhos .

O Teste Não-Paramétrico Kruskal-Wallis foi utilizado ao se comparar mais de duas

amostras simultaneamente, como as variáveis carreira, escolaridade da mãe e do pai, renda

familiar quando cruzadas com as notas da 2ª fase da FUVEST e as notas da Graduação.

No caso de se comparar somente duas amostras entre si, utilizou-se o Teste de Mann-

Whitney, como por exemplo, ao comparar as variáveis gênero, natureza do ensino e

freqüência a cursinhos com as Notas da FUVEST e da graduação.

Na 3ª. Etapa, as entrevistas transcritas literalmente foram analisadas segundo a

técnica de Análise de Conteúdo proposta por Bardin (1977) que sugere a tabulação e

categorização das respostas a partir de (1) pré-análise, (2) exploração do material e (3) o

tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação. Faz parte do tratamento dos

resultados estabelecer categorias que reúnem grupos de elementos (unidades de registro) em

função de características comuns. Realizou-se então, uma análise do tipo Temático-

Estrutural com a categorização dos temas emergentes, cujo procedimento foi a análise

horizontal das entrevistas.

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4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1. Análise Quantitativa

A análise quantitativa apresenta-se dividida em três grandes blocos compostos pelas

variáveis do Grupo 1: variável carreira, variável natureza de ensino e variáveis notas da 2ª

fase da FUVEST e graduação.

A amostra participante deste estudo é composta por uma totalidade de 140 sujeitos,

participantes voluntários que concordaram em participar do estudo. As figuras a seguir

apresentam a distribuição dos participantes conforme a natureza do ensino freqüentada e

conforme a carreira, apontando as porcentagens e os valores brutos.

A Figura 1 mostra que somente 14% do total dos participantes da amostra

freqüentaram integralmente a escola pública no Ensino Médio, enquanto 86% destes são

egressos do ensino particular. As discussões acerca de tal discrepância serão apresentadas ao

longo da análise que se segue.

Figura 1. Distribuição dos participantes da amostra conforme natureza do ensino.

Distribuição dos participantes por Natureza de Ensino Médio

PU14% 20

PA86% 120

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O curso de maior adesão à pesquisa, como mostra a Figura 2, foi o de Psicologia,

com 42% da amostra, enquanto Química e Ciências Biológicas se equivaleram abarcando

29% de participantes, cada uma. Supõe-se tal adesão para o curso de Psicologia porque a

pesquisadora pertence a esta carreira e a natureza do estudo se aproxima deste campo

teórico.

Figura 2. Distribuição dos participantes da amostra conforme as carreiras.

4.1.1. A variável Carreira

A variável carreira é analisada conforme o sexo dos participantes, a escolaridade do

pai e da mãe, a natureza do ensino freqüentada e a freqüência a cursinhos pré-vestibulares.

A distribuição por gênero para o universo dos participantes mostra uma vantagem

para as mulheres nos cursos de Química e Psicologia (Tabela 1), embora Química apresente

uma tendência a ser uma carreira feminina pode-se afirmar que Psicologia é

predominantemente uma carreira feminina, enquanto Ciências Biológicas configura-se uma

carreira com presença equilibrada de homens e mulheres.

Distribuição dos participantes entre as carreiras

QUI29%41

PSI42%59

BIO29%41

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Neste estudo as mulheres estão entre o número maior de aprovados, invertendo-se

para o curso de Biologia, cuja procura é predominantemente feminina, embora os aprovados

tendam a se equilibrar quanto ao gênero, apresentando leve tendência ao masculino. Isso

também vai de encontro aos dados obtidos pelos estudos do NUPES (2002).

Tabela 1. Distribuição Percentual do gênero dos participantes entre as carreiras.

(Teste χ² * = 15,07 p = 0,001) * Teste do Qui- Quadrado

As informações sobre a escolaridade paterna e materna (Tabelas 2 e 3) indicam que

os cursos de Ciências Biológicas e Psicologia possuem percentuais significativamente

diferentes em relação ao curso de Química. Nos dois primeiros, os maiores percentuais

concentram-se no Ensino Superior (55% e 61% para o pai e 43,9% e 64,9% para a mãe,

respectivamente nos cursos), o que indica alta escolaridade, um dos importantes fatores para

se avaliar o capital cultural dos estudantes. No entanto, na carreira de Química os

percentuais estão mais equilibradamente distribuídos, com maior concentração no Ensino

Médio (38,5% para o pai e mãe).

Nota-se, portanto, que a carreira de Psicologia apresenta um perfil, para estas duas

variáveis educacionais paternas, de maior escolaridade em comparação às outras duas

carreiras. O inverso ocorre com a Química, carreira para a qual há sobre-representação de

candidatos cujos progenitores (pai e mãe) são menos escolarizados.

14 26 4035,0% 65,0% 100,0%

23 18 4156,1% 43,9% 100,0%

11 48 5918,6% 81,4% 100,0%

48 92 14034,3% 65,7% 100,0%

QUIM.

BIO.

PSIC.

CARREIRA

Total

Masc. Fem.SEXO

Total

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Em linhas gerais, focando a totalidade da amostra evidencia-se que praticamente

metade dos participantes possui pai (50%) e mãe (45,3%) com um alto nível de

escolaridade, o que pode ser o primeiro indicativo da relação positiva entre altos níveis

educacionais dos pais e sucesso no vestibular.

Tabela 2. Distribuição percentual da escolaridade do pai dos participantes entre as carreiras

(Teste χ² = 17,48 p = 0,002*)

Tabela 3. Distribuição percentual da escolaridade da mãe dos participantes entre as carreiras.

17 15 7 3943,6% 38,5% 17,9% 100,0%

6 17 18 4114,6% 41,5% 43,9% 100,0%

5 15 37 578,8% 26,3% 64,9% 100,0%

28 47 62 13720,4% 34,3% 45,3% 100,0%

QUIM.

BIO.

PSIC.

CARREIRA

Total

1 G 2 G 3 GESCMAE

Total

(Teste χ² = 27,88 p < 0,001*)

A variável nível socioeconômico nos fornece a dimensão do status social dos

estudantes. Desta forma, a Tabela 4 mostra que há diferença significativa entre o perfil dos

cursos de Química e Psicologia, uma vez que neste o percentual de classe A (21,1%) é

significativamente superior e naquele (2,5%) há predomínio de percentual de Classe C. Tais

dados evidenciam que o nível social destes estudantes está diretamente correlacionado com

a procura por determinado curso, conforme NUPES (2002).

13 15 11 3933,3% 38,5% 28,2% 100,0%

8 10 22 4020,0% 25,0% 55,0% 100,0%

3 20 36 595,1% 33,9% 61,0% 100,0%

24 45 69 13817,4% 32,6% 50,0% 100,0%

QUIM.

BIO.

PSIC.

CARREIRA

Total

1 G 2 G 3 GESCPAI

Total

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Associando esta variável ao nível de escolaridade dos pais pode-se afirmar que a

Carreira de Psicologia apresenta um perfil de recrutamento mais elitista e, por conseguinte é

tida como uma carreira de prestígio, enquanto a herança educacional dos alunos aprovados

no curso de Química indica a menor elitização e prestígio deste curso. Ciências Biológicas,

portanto ocupa uma posição intermediária neste ranking. Tais dados confirmam o que a

literatura apresenta: quanto maior o capital cultural dos pais dos aprovados maior é o

prestígio e a elitização do curso.

Tabela 4. Distribuição percentual do nível socioeconômico dos participantes entre as carreiras

15 24 1 4037,5% 60,0% 2,5% 100,0%

12 25 4 4129,3% 61,0% 9,8% 100,0%

7 38 12 5712,3% 66,7% 21,1% 100,0%

34 87 17 13824,6% 63,0% 12,3% 100,0%

QUIM.

BIO.

PSIC.

CARREIRA

Total

C B ANSE

Total

(Teste χ² = 13,66 p = 0,008*)

A Distribuição percentual da Natureza da Escola freqüentada no Ensino

Fundamental (Tabela 5) aponta diferenças significativas dos cursos de Química e Ciências

Biológicas em relação ao curso de Psicologia. Os dois primeiros têm um perfil de alunos

que cursaram majoritariamente o Ensino Fundamental em Escola Pública (60% e 61,6%,

respectivamente), enquanto para Psicologia este percentual é invertido, com 61% dos

alunos em escolas particulares. Confirma-se então que a procedência educacional dos

estudantes, em termos do ensino público ou privado, também configura um grau de

elitização para determinado curso. Torna-se clara a forma como as variáveis vão se

associando e se combinando: nível de escolaridade dos pais, classe socioeconômica

(variáveis sócio-demográficas) e procedência de ensino (variável educacional) para

informar o grau de prestígio e elitização do curso.

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Tabela 5. Distribuição Percentual da Natureza da escola freqüentada no Ensino Fundamental pelos participantes entre as carreiras

31 9 40 40% 60% 100,0

16 24 41 37,7% 61,6% 100,0

16 25 59 61% 38,9% 100,0

36 26 14048,6% 51,4% 100,0

QUIM

BIO

PSIC

CARREIRA

Total

Part. PublNATUREZA

Total

A partir da comparação entre as Tabelas 5 e 6 é interessante notar que houve uma

migração significativa dos estudantes da escola pública para a escola particular na transição

do Ensino Fundamental e Médio. Pode-se pensar que esta transição ocorrera por volta dos

anos 90, ano em que, segundo Fiamengue e Whitaker (1999), as camadas médias

completaram sua fuga da escola pública de ensino médio, mudando o perfil dos aprovados

da UNESP, o que parece ter ocorrido, em certa medida, também na USP.

Observa-se que a menor migração ocorreu com estudantes do curso de Psicologia,

uma vez que a maioria já estava em uma escola particular. Isso pode mostrar que a própria

porcentagem de migração foi um fator relevante para a determinação do prestígio deste

curso.

Apesar dos dados mostrarem que não houve diferença significativa entre a natureza

do ensino freqüentada pelos alunos, observa-se uma grande tendência de que os estudantes

da Química (22,5%) são maiorias em termos de procedência do ensino público, invertendo-

se esta tendência para o curso de Psicologia (10,2%). Desta forma, o tipo de estabelecimento

freqüentado pelos candidatos ao longo de sua história escolar parece influenciar a escolha da

carreira. Começa aí o processo de auto-seleção dos candidatos no vestibular da FUVEST,

como se a escolha da carreira fosse a “fase zero”, conforme apontou Pinho (2001). A “fase

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zero”, seria aquela etapa anterior ao vestibular, ou seja, a fase em que a escolha da carreira é

feita objetivando aumentar a probabilidade de sucesso no vestibular, mesmo que a carreira

tenha um prestígio menor.

Olhando agora para as séries finais do ensino, pode-se perceber que a variável

Natureza do Ensino, conforme os dados do NUPES (2002) tem influência no

sucesso/insucesso do candidato uma vez que como mostram os dados, o ensino médio

cursado em escola particular está sobre-representada na amostra dos aprovados. Isso

corrobora com a associação principal entre procedência do ensino privado e aprovação no

vestibular, notadamente porque 85,7% dos participantes provém deste ensino e apenas

14,3% são egressos de escola pública.

Tabela 6. Distribuição Percentual da Natureza da escola freqüentada no Ensino Médio pelos participantes entre as carreiras.

31 9 4077,5% 22,5% 100,0%

36 5 4187,8% 12,2% 100,0%

53 6 5989,8% 10,2% 100,0%

120 20 14085,7% 14,3% 100,0%

QUIM.

BIO.

PSIC.

CARREIRA

Total

Part. Publ.NATUREZA

Total

(Teste χ² = 3,17 p = 0,21)

Analisando então, conjuntamente as Tabelas 2, 3, 4, 5 e 6 é possível identificar a

correlação entre escolaridade do pai e da mãe, nível socioeconômico e a natureza do ensino

médio freqüentado enquanto uma relação diretamente proporcional: pais com níveis de

escolaridade superior usufruem de um nível socioeconômico alto, o que possibilita o ensino

privado aos filhos. Em contrapartida, pais com escolaridade mais baixa situam-se em níveis

socioeconômicos inferiores que encaminham seus filhos para escolas públicas. Expressam-

se, então as primeiras influências do capital cultural enquanto um sistema divisor de águas,

conforme discutido anteriormente.

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No tocante a variável Freqüência a Cursinho não se pode afirmar “estatisticamente”

que houve diferença significativa entre as três carreiras (conforme Tabela 7), embora seja

possível perceber que existe uma tendência decrescente na freqüência a cursos pré-

vestibulares dos alunos das carreiras de Química (72,5%), Biologia (65,9%) e Psicologia

(59,3%), respectivamente.

Pode-se pensar em associações como: cursos que possuem mais candidatos egressos

do ensino médio público, como a carreira de Química, devido ao sucateamento e

aligeiramento do ensino necessitam de uma freqüência maior de cursos pré-vestibulares

para aprovação no exame vestibular. Esta é apenas uma hipótese que não pode ser

confirmada pela escassez e falta de significância na correlação dos dados.

Tabela 7. Distribuição percentual da freqüência a cursinhos dos participantes entre as carreiras

11 29 4027,5% 72,5% 100,0%

14 27 4134,1% 65,9% 100,0%

24 35 5940,7% 59,3% 100,0%

49 91 14035,0% 65,0% 100,0%

QUIM.

BIO.

PSIC.

CARREIRA

Total

NÃO SIMCURSINHO

Total

(Teste χ² = 1,84 p = 0,40)

As Notas da 2ª fase da FUVEST (Tabela 8) dos estudantes da Química foram

significativamente inferiores aos dos da Ciência Biológicas e Psicologia, que se equivaleram

(confirmação pelo test post hoc de Dunn). Quando analisada a variável desempenho

acadêmico a partir das notas da graduação (Tabela 9), nota-se que as da Química foram

significativamente inferiores às da Biologia que foram significativamente inferiores às notas

da Psicologia (confirmado pelo teste post hoc de Dunn)

Pode-se pensar que o menor desempenho dos estudantes da Química tenha a ver com

a natureza das avaliações nas Ciências Exatas, a qual a carreira pertence. Existe certa

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dificuldade dos alunos no manejo das questões elaboradas pela área de Exatas, sobretudo

devido ao raciocínio lógico-dedutivo envolvido nas questões. Tanto na 2ª fase da FUVEST,

quanto na graduação a natureza das questões e os exercícios-problema são uma constante na

carreira de Química. Isso difere sobremaneira para curso de Psicologia, sobretudo quanto às

formas de avaliação da graduação, em que existem muitos trabalhos, seminários, provas

com consulta, visto que a natureza do raciocínio exigido pela área de Humanas trabalha com

a capacidade analítica, criativa e subjetiva.

Tabela 8. Distribuição média das notas da 2ª fase da FUVEST dos participantes entre as carreiras. Mediana Média Desvio padrão Quim. 3,75 3,83 0,86 Bio. 5,30 5,38 0,91 Psic. 5,30 5,37 0,62 (K* = 59,39 p < 0,001) *Teste não-paramétrico de Kruskal-Wallis (ANOVA não-paramétrica) Tabela 9. Distribuição média das notas da graduação dos participantes entre as carreiras. Mediana Média Desvio padrão Quim. 6,75 6,98 0,82 Bio. 7,20 7,33 0,60 Psic. 8,50 8,48 0,34 (K = 82,08 p < 0,001*)

4.1.2. Análise da variável Natureza do Ensino

A variável gênero, conforme a Tabela 10 mostra que não houve diferença

significativa em relação à natureza da escola freqüentada. No entanto pode-se afirmar que

dentre a porcentagem dos aprovados a amostragem feminina está sobre-representada em

65,7%. Assim, os diferenciais nas taxas de sucesso por gênero se mostram significativas e

podem levar à conclusão de que escondem diferentes condições de ensino a que se

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submetem homens e mulheres, como por exemplo, a diversidade do tratamento que

receberam ao longo da vida escolar, conforme estudos do NUPES (2002).

Uma hipótese complementar sugere que dentro da vida escolar as mulheres

dedicariam mais tempo ao estudo, conseguindo maior organização e disciplina.

Tabela 10. Distribuição Percentual do gênero dos participantes entre a natureza da escola freqüentada no Ensino Médio.

39 81 12032,5% 67,5% 100,0%

9 11 2045,0% 55,0% 100,0%

48 92 14034,3% 65,7% 100,0%

Part.

Publ.

NATUREZA

Total

Masc. Fem.SEXO

Total

(Teste χ² = 1,19 p = 0,28)

Na análise da natureza da escola freqüentada em função da escolaridade do pai e da

mãe, os resultados obtidos (Tabelas 11 e 12) mostram que houve diferença significativa

entre o tipo de ensino freqüentado. Ambos os pais dos egressos do ensino particular, em

maior número (55,5% para o pai e 48,7% para a mãe) concluíram o nível de Ensino

Superior, enquanto os pais cujos filhos provêm de escola pública atingiram o Ensino

Fundamental e Médio, majoritariamente. Isso pode comprovar a relação positiva entre a

escolaridade dos pais e o sucesso no exame vestibular (NUPES 2002) tendo em vista a

natureza do ensino freqüentado.

Tabela 11. Distribuição percentual da escolaridade do pai dos participantes entre a natureza da escola freqüentada no Ensino Médio.

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17 36 66 11914,3% 30,3% 55,5% 100,0%

7 9 3 1936,8% 47,4% 15,8% 100,0%

24 45 69 13817,4% 32,6% 50,0% 100,0%

Part.

Publ.

NATUREZA

Total

1 G 2 G 3 GESCPAI

Total

(Teste χ² = 11,42 p = 0,003*)

Tabela 12. Distribuição percentual da escolaridade da mãe dos participantes entre a natureza do Ensino Médio freqüentada.

21 40 58 11917,6% 33,6% 48,7% 100,0%

7 7 4 1838,9% 38,9% 22,2% 100,0%

28 47 62 13720,4% 34,3% 45,3% 100,0%

Part.

Publ.

NATUREZA

Total

1 G 2 G 3 GESCMAE

Total

(Teste χ² = 6,01 p = 0,05*)

Quanto aos dados socioeconômicos (Tabela 13) a variável não pode ser analisada

estatisticamente uma vez que não houve nenhum participante da escola pública cujo nível

socioeconômico da família fosse classificado como A. No entanto esse impedimento

estatístico é suficiente e significativo para mostrar esta correlação: a inexistência de níveis

socioeconômicos altos nas famílias de egressos do Ensino Médio público deste estudo. É

possível dizer, em termos de tendências, que os alunos da amostra como um todo se situa

numa classificação socioeconômica mediana.

Cumpre destacar a alta porcentagem (45%) de estudantes egressos de escola pública

que apresentam nível de socioeconômico C, lembrando que esta classe está agrupando a

categoria D, cuja mostra muito pequena não poderia ser analisada isoladamente, sendo que

não foi encontrado nenhum estudante situado no nível E.

Tabela 13.

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Distribuição percentual do nível socioeconômico dos participantes entre a natureza da escola freqüentada no Ensino Médio.

25 76 17 11821,2% 64,4% 14,4% 100,0%

9 11 2045,0% 55,0% 100,0%

34 87 17 13824,6% 63,0% 12,3% 100,0%

Part.

Publ.

NATUREZA

Total

C B ANSE

Total

A fim de obter a análise estatística dos dados de níveis socioeconômicos optou-se,

então, por agrupar os níveis A e B. Desta forma pode-se confirmar que houve diferença

significativa entre estes dados: o percentual da classe A+B para egressos de escola particular

(78,8%) é significativamente maior do que este percentual para egressos do ensino público

(55%), validando-se inclusive o inverso, em relação ao nível socioeconômico C, ou seja, a

população situada neste nível é composta, em sua maioria pelos egressos do ensino público.

Tabela 14. Distribuição percentual do nível socioeconômico dos participantes entre a natureza da escola freqüentada no Ensino Médio (adaptada). C A+B Nat. Part. 25(21,2%) 93(78,8%) Publ. 9(45,0%) 11(55,0%) (Teste χ² = 4,02 p = 0,04)

Estatisticamente não houve diferença significativa entre os estudantes que fizeram ou

não Cursinhos em relação à procedência escolar (Tabela 15). No entanto é possível perceber

uma tendência rumo ao maior número de estudantes egressos do ensino público (80%) que

precisaram fazer cursinhos para serem aprovados em relação aos provenientes do ensino

privado (62,5%). A falta de significância estatística acaba colocando no mesmo patamar os

egressos do ensino médio público e privado diante da necessidade de fazer cursinho para

serem aprovados. Isso corrobora a hipótese de Fiamengue e Whitaker (1999) acerca do

“efeito cursinho”, sobretudo porque seus estudos mostraram que a escola particular continua

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não garantindo o sucesso no vestibular, é preciso que os candidatos cursem um, dois ou até

três anos de cursinho para serem aprovados.

É possível se pensar também o quanto a ritualização dos vestibulares tem aumentado

e, o quanto os conteúdos exigidos na prova estão distantes daquilo que é ensinado nas

escolas, tanto públicas, quanto particulares.

Tabela 15. Distribuição percentual da freqüência a cursinhos dos participantes entre a natureza da escola freqüentada no Ensino Médio.

45 75 12037,5% 62,5% 100,0%

4 16 2020,0% 80,0% 100,0%

49 91 14035,0% 65,0% 100,0%

Part.

Publ.

NATUREZA

Total

NÃO SIMCURSINHO

Total

(Teste χ² = 2,31 p = 0,13)

A partir da Tabela 16 é possível verificar que as notas da 2ª fase da Fuvest dos

alunos provenientes de escolas particulares foram significativamente superiores às dos

estudantes egressos das publicas. Este dado nos permite constatar que há sim uma relação

positiva entre capital cultural, natureza do ensino médio freqüentado, desempenho no

vestibular e acesso à universidade, pois uma vez que as notas são maiores para os que

provem do ensino privado são maiores também as chances de aprovação no vestibular.

Assim, o desempenho médio dos alunos parece obedecer a determinantes sociais, inclusive.

Tabela 16. Distribuição média das notas da 2ª fase da FUVEST dos participantes entre a natureza da escola freqüentada no Ensino Médio. Mediana Média Desvio padrão

Part. 5,00 5,00 1,06 Publ. 4,70 4,48 0,88 (Z* = 1,97 p = 0,05)

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A partir da análise estatística dos dados da Tabela 17 é possível constatar que não

houve diferença significativa entre o desempenho acadêmico – notas na graduação – dos

alunos egressos de escola públicas e particulares. Embora estudos da UNICAMP

(CONVEST, 2004) constatassem que os egressos de escolas públicas superariam em notas

os da escola particular isto não se aplica ao presente estudo, que é com um número reduzido

de careiras e de participantes. No entanto, em ambos os estudos (da CONVEST e do

presente trabalho) pode-se afirmar que em igualdade de condições de ensino, a procedência

escolar é uma variável que parece não interferir no desempenho acadêmico dos

participantes.

Com fins de aumentar a margem de segurança destes dados, optou-se por calcular as

notas da FUVEST e da graduação dos participantes considerando-se em conjunto a natureza

do ensino freqüentada no Ensino Fundamental e no Ensino Médio. Assim, os 11 anos de

ensino foram levados em conta e categorizou-se como ensino público ou particular a

natureza do ensino predominante até o 3° colegial.

Tabela 17. Distribuição média das notas da graduação dos participantes entre a natureza da escola freqüentada no Ensino Médio. Mediana Média Desvio padrão Patr. 8,00 7,73 0,89 Publ. 7,70 7,59 0,90 (Z = 0,77 p = 0,44)

A partir das Tabelas 18 e 19 há a confirmação dos dados de que no vestibular os

alunos egressos da escola particular apresentam desempenho acadêmico significativamente

superior aos egressos da escola pública. Já na graduação esta diferença se nivela e ambos os

perfis apresentam desempenhos semelhantes.

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Tabela 18. Distribuição média das notas da 2ª fase da FUVEST dos participantes entre a natureza da escola freqüentada no Ensino Fundamental e Médio. Mediana Média Desvio padrão Part. 5,00 5,08 1,05 Publ. 4,70 4,73 0,83 (Z = 2,55 p= 0,01) Tabela 19. Distribuição média das notas da graduação dos participantes entre a natureza da escola freqüentada no Ensino Médio. Mediana Média Desvio padrão Part. 8,10 7,77 0,92 Publ. 7,70 7,64 1,01 (Z= 1,09 p= 0,28)

4.1.3. Análise das variáveis Notas da 2ª fase da FUVEST e Notas da Graduação

Os dados sobre a variável gênero (Tabela 20) apontam que não houve diferença

significativa entre as notas da 2ª fase dos homens e mulheres aprovados. No entanto, existe

uma tendência muito forte de que as mulheres apresentariam notas superiores em relação

aos homens, supondo os motivos explicitados anteriormente.

A partir da Tabela 21 há, então, a confirmação de que as notas da graduação do sexo

feminino foram significativamente superiores em relação ao sexo masculino, comprovando

em certa medida a hipótese de que os atributos femininos de disciplina, organização e

dedicação acentuados são favorecedores de seu desempenho.

Tabela 20. Distribuição média das notas da 2ª fase da FUVEST dos participantes entre os gêneros. Mediana Média Desvio padrão Masc. 4,80 4,75 1,13 Fem. 5,05 5,02 1,00 (Z = 1,85 p = 0,07)

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Tabela 21. Distribuição média das notas da graduação dos participantes entre os gêneros. Mediana Média Desvio padrão Masc. 7,60 7,49 0,84 Fem. 8,20 7,83 0,90 (Z = 2,25 p = 0,02)

Sobre a escolaridade do pai observou-se que as notas da 2ª fase da FUVEST e da

graduação dos filhos cujo pai possui nível Fundamental de escolaridade foram

significativamente inferiores (Tabela 22 e 23) às notas dos filhos de pais que atingiram o

Ensino Médio e Superior, que se equivaleram (segundo teste post hoc de Dunn).

Tabela 22. Distribuição média das notas da 2ª fase da FUVEST dos participantes entre a escolaridade do pai. Mediana Média Desvio padrão Ens. Fundamental 4,30 4,39 0,88 Ens. Médio 5,00 4,87 1,25 Ens. Superior 5,00 5,15 1,00 (K = 10,86 p = 0,004) Tabela 23. Distribuição média das notas da graduação dos participantes entre a escolaridade do pai. Mediana Média Desvio padrão Ens. Fundamental 7,30 7,14 0,93 Ens. Médio 8,10 7,85 0,96 Ens. Superior 8,10 7,81 0,76 (K = 10,53 p = 0,005)

Em relação à escolaridade das mães, as notas da 2ª fase da FUVEST e da graduação

dos estudantes cujas mães completaram o Ensino Fundamental e Médio (conforme teste post

hoc de Dunn) foram significativamente inferiores às dos filhos cujas mães atingiram o

ensino superior, a partir da análise das Tabelas 24 e 25.

Tabela 24. Distribuição média das notas da 2ª fase da FUVEST dos participantes entre a escolaridade do mãe. Mediana Média Desvio padrão Ens. Fundamental 4,40 4,37 0,81 Ens. Médio 4,70 4,81 1,22 Ens. Superior 5,20 5,25 0,89 (K = 18,14 p < 0,001)

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Tabela 25. Distribuição média das notas da graduação dos participantes entre a escolaridade do mãe. Mediana Média Desvio padrão Ens. Fundamental 7,65 7,42 0,99 Ens. Médio 7,60 7,52 0,91 Ens. Superior 8,10 7,95 0,75 (K = 8,87 p = 0,01) A partir das correlações da escolaridade do pai e da mãe nas tabelas 22, 23, 24 e 25 é

possível perceber que o Ensino Superior quando alcançado pelo pai e pela mãe é o nível de

escolaridade que mais interfere no desempenho dos estudantes. Tais resultados mostram

claramente a relação diretamente proporcional entre a herança educacional dos pais e o

desempenho dos filhos, uma vez que altos níveis de escolaridade dos pais condizem com

melhor desempenho escolar dos filhos. É interessante notar que a escolaridade dos pais

ainda é uma variável de impacto na vida acadêmica do filho, sobretudo quando é baixa e

inclusive em igualdade de condições de ensino.

Conforme Tabela 26, as notas da 2ª fase dos participantes cuja família possui nível

socioeconômico (NSE) C foram significativamente inferiores às notas dos estudantes que

possuem família com NSE A. O grupo B ficou numa posição intermediária e as notas dos

participantes deste nível não foram nem significativamente superior às do grupo C nem

significativamente inferior às do grupo A (a partir do teste post hoc de Dunn). Tais

resultados confirmam mais uma vez que quanto mais alto é nível socioeconômico do

candidato, maiores são as vantagens de sucesso no vestibular.

Tabela 26. Distribuição média das notas da 2ª fase da FUVEST dos participantes entre os níveis socioeconômicos dos pais. Mediana Média Desvio padrão A 5,00 5,20 0,78 B 5,00 5,01 1,10 C 4,60 4,57 0,99 (K = 6,19 p = 0,05)

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A Tabela 27 permite constatar que as notas da graduação dos estudantes de famílias

com NSE C e B foram significativamente inferiores às notas dos participantes pertencentes

ao grupo A. Ao correlacionar a variável NSE com a escolaridade dos pais, é possível dizer

que o NSE A é um fator que pode discriminar o desempenho dos filhos, mesmo em

igualdade de condições de ensino. Assim, o capital cultural é um fator que acaba se

perpetuando inclusive na graduação atuando no quesito desempenho acadêmico.

Tabela 27. Distribuição média das notas da graduação dos participantes entre os níveis socioeconômicos. Mediana Média Desvio padrão A 8,30 8,21 0,44 B 7,80 7,66 0,97 C 7,60 7,54 0,75 (K = 6,58 p = 0,04)

A partir dos dados da Tabela 28 não é possível dizer que houve diferença

significativa nas notas da 2ª fase da FUVEST para os alunos que freqüentaram ou não cursos

pré-vestibulares, embora exista uma tendência muito próxima de que quem não fez cursinho

obteve notas melhores no vestibular. A partir da análise dos dados apresentados na Tabela

29 é possível afirmar que as notas da graduação de quem não fez cursinho foram

significativamente superiores às de quem fez cursinho.

Tabela 28. Distribuição percentual da freqüência a cursinhos dos participantes entre a s notas da 2ª fase da FUVEST. Mediana Média Desvio padrão Não 5,25 5,19 1,04 Sim 5,00 4,79 1,03 (Z = 1,71 p = 0,09)

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Tabela 29. Distribuição percentual da freqüência a cursinhos dos participantes entre as notas da graduação. Mediana Média Desvio padrão Não 8,20 7,91 0,90 Sim 7,60 7,60 0,87 (Z = 2,11 p = 0,03) A partir de então é possível associar o desempenho no vestibular ao desempenho na

graduação mediante o coeficiente de correlação não-paramétrico de Spearman calculado

com as notas da 2ª fase da FUVEST e da graduação. Esta correlação (r = 0,47 p < 0,001)

mostrou que há uma relação diretamente proporcional entre estas duas variáveis de notas:

quando as notas da FUVEST aumentam, as notas graduação tendem a também aumentar.

Esta relação diretamente proporcional corrobora a hipótese de que a herança educacional

dos pais e o nível socioeconômico continua a interferir no desempenho no Ensino Superior,

inclusive numa relação proporcional pois para estas duas variáveis aumentam de acordo com

níveis mais altos de escolaridade dos pais e com um alto nível socioeconômico da família.

Desta forma, tentou-se ajustar um modelo para a relação entre estas duas notas, que

se denomina análise de regressão. Dentre os modelos testados optou-se pelo modelo linear

(equação da reta), em que existem as variáveis fixas e as variáveis “x” – nota da graduação e

“y” – Nota da Fuvest que são as variáveis mutáveis e estão uma em função da outra. Neste

modelo é possível estimar a nota da graduação a partir da nota da 2ª fase da FUVEST,

conforme a equação a baixo. Multiplicando-se a nota da FUVEST por 0,39 e somando a este

valor 5,80 é possível estimar a média ponderada das notas da graduação do sujeito.

Nota da Graduação = 5,80 + 0,39*Nota da Fuvest

Uma vez que este ajuste foi significativo (p < 0,001) é possível sustentar e

generalizar a proporcionalidade entre o desempenho no vestibular e o desempenho na

graduação.

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4.1.4. Síntese da Análise Quantitativa

Conforme os dados apresentados, é possível delinear claramente o perfil das três

carreiras envolvidas neste estudo, bem como, o perfil dos egressos do ensino médio público

e privado.

A carreira de Psicologia apresenta um perfil de recrutamento mais elitista. Seus

alunos carregam uma herança educacional de alta escolaridade dos pais e um alto nível

socioeconômico das famílias. A característica de tais variáveis fornece a dimensão do

prestígio deste curso. Sua ritualização acaba sendo maior e os alunos em sua maioria

cursaram o Ensino Médio em escolas particulares.

A carreira de Química apresenta o menor prestígio entre as carreiras pesquisadas

tendo em vista a sobre-representação de pais com menor escolaridade, famílias com menor

status social e baixos níveis socioeconômicos.

Ciências Biológicas é uma carreira que ao longo de toda análise manteve-se num

patamar mediano, ora assumindo alguns perfis característicos de uma carreira mais elitizada,

ora apresentando um perfil de uma carreira de menor prestígio, mais popular.

De um modo geral, o gênero feminino obteve destaque na composição das três

carreiras. A população feminina esteve sobre-representada e obteve melhores desempenhos

na 2ª fase da FUVEST e da graduação.

Em consonância com o perfil das carreiras, o perfil dos alunos egressos do ensino

médio público e privado apresentam-se distintamente. Existe uma forte correlação entre

escolaridade do pai e da mãe, nível socioeconômico e a natureza do ensino médio

freqüentado. A relação positiva configura-se da seguinte forma: os egressos do ensino

público carregam uma herança de baixa escolaridade dos pais e suas famílias situam-se em

níveis socioeconômicos inferiores. Seu desempenho no vestibular acaba também sendo mais

baixo a partir das manifestações de insuficiência do ensino cursado e de um capital cultural

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em relativa desvantagem em relação aos egressos do ensino particular e às exigências do

vestibular e educação superior.

Estes, por sua vez, possuem pais com níveis de escolaridade superior e usufruem de

um nível socioeconômico alto, permitindo-lhes a garantia do ensino privado, além de maior

sucesso nos exames vestibulares.

No entanto a distinção da natureza do ensino não interferiu na freqüência a cursos

pré-vestibulares. Ambos os perfis de alunos sofrem o “efeito cursinho” retardando seu

ingresso ao ensino superior, indistintamente. Da mesma forma como as notas da graduação

não foram “afetadas” pela natureza do ensino cursada. O que realmente discrimina o

desempenho acadêmico parece ser o capital cultural, enquanto a escolaridade dos pais e o

nível socioeconômico ao qual a família pertence.

Por fim, cumpre destacar que todos os cursos apresentaram sinais de elitização visto

que para as três carreiras a grande maioria dos estudantes é proveniente do ensino particular,

comprovando o processo sócio-histórico em que a reprodução social garante a perpetuação

do espaço de ação da classe dominante. Sendo assim, independente da elitização do curso o

estudante que ingressa na universidade já é um privilegiado.

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4.2. Análise Qualitativa

A Tabela 30, a seguir apresentada, mostra o perfil sócio-demográfico, educacional e

acadêmico dos sujeitos entrevistados, com vistas à discussão dos dados qualitativos e

articulação com os resultados quantitativos.

Tabela 30 Perfil sócio-demográfico,educacional e acadêmico dos participantes de segunda etapa de obtenção dos dados

Nome1 Carreira Natureza Idade Idade de NSE Escolaridade Nota Nota Nº Ensino Ingresso Pai/ Mãe FUVEST Grad. Semestres

Débora QUI PU 24 18 D 1º I 4,2 6,6 13 de 8 Juliana BIO PU 28 23 D 1º I transferida 7,9 8 de 8 Daniel PSI PU 27 23 C 1º C 5 7,9 11 de 10

Marcela QUI PA 22 18 A 2º C/ 3º C 3,3 8,7 8 de 8 Sara BIO PA 22 18 B 3º C 5,2 7,3 8 de 8 Cíntia PSI PA 23 18 A 3º C 4,9 8,5 10 de 10

Estes dados confirmam em muitos aspectos a discussão quantitativa realizada

anteriormente. A partir desta tabela, pode-se verificar a diferença de nível socioeconômico e

a escolaridade dos pais dos egressos de escola públicas e particulares. O NSE dos egressos

das “públicas” situa-se entre C e D e os de escola particular entre A e B. Pode-se observar

também o ingresso tardio da maioria dos entrevistados do ensino público na universidade e o

prolongamento em semestres da graduação por estes alunos. É preciso compreender, agora,

os dinamismos e as subjetividades que envolvem tais questões.

Posteriormente passar-se-á à análise horizontal das entrevistas propriamente ditas a

partir da categorização de três temas principais: a trajetória durante o Ensino Básico e

Médio, a escolha profissional e a trajetória universitária, conforme o Quadro 1

1 Nomes fictícios

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Quadro 1

TEMAS CATEGORIAS EMPÍRICAS LEVANTADAS Trajetórias durante o Ensino Básico e Médio

I. A qualidade do Ensino Público e Privado

• Ensino Público • Ensino Privado

II. As atividades externas ao âmbito educacional

A Escolha Profissional

I. Os graus de liberdade da escolha profissional II. As razões da escolha profissional III. A escolha correta

A Trajetória Universitária

I. O curso pré-vestibular II. As percepções sobre os primeiros anos da graduação

• Egressos – Ensino Privado • Egressos – Ensino Público

III. As percepções sobre os últimos anos da graduação IV. A dificuldade da manutenção financeira na graduação V. Implicações da natureza do ensino no desempenho acadêmico

• Ensino Público • Ensino Privado

A análise horizontal das entrevistas consiste na análise dos relatos dos egressos de

escolas públicas e particulares a partir das categorias empíricas levantadas no Quadro 1. Tais

temas foram abordados de modo a articulá-los com o referencial sócio-histórico e portanto

com a realidade educacional da qual fazem parte, distintamente. De modo específico, foram

analisados os fatores importantes para a compreensão dos determinantes da trajetória

educacional destes estudantes, bom como as formas com as quais os egressos de escolas

públicas se apropriaram das possibilidades de mudança, de alternação histórica, a partir de

suas intervenções sobre suas condições sociais.

Desta forma será possível perceber algumas impressões das marcas sócio-históricas

que os dois perfis de estudantes carregam e analisar a maneira como as singularidades dos

sujeitos se articulam com os determinantes sociais, econômicos, educacionais e culturais,

descritos anteriormente.

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4.2.1. As Trajetórias durante o Ensino Básico e Médio

I. A qualidade do Ensino Público e Privado

As percepções dos estudantes sobre suas vivências durante o Ensino Básico e Médio

diferenciam-se sobremaneira em função da natureza do ensino freqüentado. A qualidade do

ensino foi o cerne desta diferença, sobretudo em relação à qualidade das aulas, a preparação

dos professores e a infra-estrutura da escola. Os participantes egressos da escola pública

relatam que o ensino básico ainda apresentava qualidade, embora no Ensino Médio esta

qualidade se rebaixara deixando impressões bastante negativas como as expressas a seguir.

Débora: ...durante todo o meu Ensino Fundamental, acho que não teve problema, naquela época o ensino ainda era de qualidade, acho que o governo dava atenção mesmo pras escolas públicas... Juliana: Eu estudei a vida inteira na mesma escola pública da 1ª série ao 3° colegial e eu percebi que durante o Ensino Fundamental era uma escola, assim, muito boa, acho que até talvez comparada a uma escola particular. (...) A escola cresceu muito e aumentou demais o número de alunos. Isso eu percebi quando eu estava no colegial, que foi muito horrível, foi ruim mesmo, foi péssimo, eu não aprendi nada.

A cerca das impressões sobre Ensino Médio, eles relatam os aspectos, que ainda

hoje, têm delineado o perfil de ensino da escola pública, conforme apontados por Paro

(2000): a escassez de professores, o aligeiramento do ensino e a falta de pessoal operacional

para a limpeza, conforme são destacados nos discursos a seguir.

Juliana: ...o colegial foi terrível, nós quase não tínhamos professores, é... foi péssimo, o 1°colegial ainda deu para aproveitar alguma coisa, o resto foi horrível. Débora: ...eu tinha uma professora de Física... ela não ia dar aula; durante todo o ano letivo ela foi quatro vezes, foi as quatro provas que ela deu, uma por bimestre. Eu achei um absurdo, não sei de onde ela tirava matéria pra cobrar na aula, era assim, eu não tive mesmo a parte de física.

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Daniel: ...No meu caso, muitas aulas eram muito frouxas mesmo, na parte de exatas mesmo, mesmo muita coisa da parte até de humanas... Débora: ...eu acho que comparando com uma escola particular, a gente vê muito pouco da matéria, não vê todo o conteúdo e o que vê é bem mais superficial, né? Juliana: ...falta mesmo de coisa física sabe? De ter um papel higiênico no banheiro se você quiser fazer cocô, gente, isso faz toda a diferença, sabe? Você sentar na carteira e saber que vai ter cadeira para você aquele dia, várias vezes eu chegava para sentar e num tinha cadeira aí tinha que perseguir a escola inteira pra achar uma cadeira, então assim, essas coisas... é fisco, material, mas faz diferença.

Em contrapartida, marcando bastante os desníveis educacionais na escola pública e

privada, os participantes egressos do ensino particular relataram a satisfação pela

oportunidade de estudar em uma escola particular, levantando os aspectos positivos do

ensino que tiveram, sobretudo porque a maior parte do ensino ocorreu em escolas

relativamente pequenas. Os temas levantados foram acerca de qualidade da infra-estrutura

que as escolas ofereciam, a preparação e dedicação dos professores, conforme os seguintes

relatos:

Sara: ...a escola particular, ela oferece uma estrutura, acho que na minha experiência eu tive uma estrutura de ensino muito boa em termos de estrutura física, ou mesmo corpo docente... eu acho que tinha um comprometimento dos professores em ensinar... a gente tem um estrutura, eu me sentia muito segura por estar ali. (...) ...A gente tinha liberdade pra fazer atividades fora do currículo normal que a gente tinha, então, a gente tinha umas aulas fora da sala de aula, então a gente tinha uma estação experimental, então era legal, gostava de ir e até fora do horário. Marcela:...eu observava, assim, grande preocupação dos professores em você aprender, você tinha atividades pra fazer (...) ...Na época em que eu estudava, os professores cobravam a gente sempre, sempre tinha muitas tarefas, provas então isso assim, eu sempre fui uma boa aluna, nunca tive muitas dificuldades e eu, assim, tenho o hábito de estudar... (...) Eu

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sempre gostei de estudar em escola particular, porque, por exemplo, tinha experimentos de laboratório, então eu vejo que quando chegou na graduação, tiveram alunos aqui que vieram da escola pública que nunca tinham mexido num aparelho. Cíntia: (...) e a qualidade do ensino, eu sou muito grata por essa escola, porque eles tinham um estilo bem diferente. Não era coisa de decoreba, dava muito o raciocínio mesmo, trabalho em grupo, tinha muito trabalho em grupo que favorecia essa coisa de troca.

Já no fim do Ensino Médio, as três participantes passaram a estudar em escolas que

haviam se tornado unidades flanqueadas ou parceiras. Tais unidades são fruto da extensão

do ensino flanqueado adotado pelos cursinhos preparatórios para o exame vestibular,

conforme descreveu Pieroni (1994) e que, portanto, assumiam tal estrutura. Duas delas

relataram os pontos negativos relacionados ao fato de terem se mudado para esses colégios

cujo ensino era “massificado”- o material didático eram apostilas-caderno e a grade

curricular demasiada e exaustiva. As falas registradas a seguir ilustram suas impressões.

Cíntia: Daí no 2° colegial a escola fechou e daí eu fui para o Objetivo que é mais em massa, né? É educação em massa, então eu sofri muito com essa mudança e daí, assim, a sala tinha uns 45 alunos, sabe? Eu não conhecia quase ninguém, e daí, aquele negócio de apostila, eu nunca tinha tido isso, então foi muito diferente, foi uma coisa que me marcou muito. Sara:... tinha simulado com apostila, sabe? Aquela piração, assim, aula à tarde já no esquema de cursinho, assim, aula de Sábado no 3° colegial, sabe? Já era totalmente visado ao vestibular mesmo.

II. As atividades externas ao âmbito educacional

Alguns participantes, sobretudo os egressos da escola pública, relataram as atividades

que puderam se dedicar quando não estavam na escola estudando. O ensino que tiveram, em

função de sua “frouxidão”, seu aligeiramento, não fazia com que a escola os

sobrecarregassem com a carga horária intra e extra-classe (lições, tempo de estudo,

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trabalhos, etc.) permitindo que eles pudessem utilizar o tempo livre com atividades

prazerosas e que atendessem às suas necessidades. Foram relatadas dois tipos de atividades:

o lazer/hobbie e o trabalho, conforme os discursos dos participantes:

Daniel: algumas disciplinas foram até transformadoras, coisas no currículo que foram até muito importantes, como filosofia, que foi uma matéria muito importante e talvez até a desobrigatoriedade de estar produzindo notas direto, eu pude fazer um punhados de coisas que eu achei importante, que eu fiz (...) Além da escola e dentro dela também era... Eu sempre li muito... Foi bastante importante também, assim, de repente não perder tanto tempo vendo algumas coisas, cuja finalidade é só ser cumprida e poder passar mais tempo fazendo isso. Débora: ...eu sempre fiz outras atividades, a prefeitura sempre ofereceu alguns cursos, então eu fiz sete anos de balé clássico, eu estudava à tarde e de manhã fazia balé clássico e já no Ensino Médio, isso quando eu era menor, e no ensino médio eu estudava de manhã e a tarde eu ia pra aula de violão, fiz três anos de violão; também fiz violão clássico, foi isso, era a atividade que tinha fora. Daniel: Já fiz muita coisa, né? Eu trabalho desde... mais ou menos desde 14 que eu trabalho, mais com dois períodos de interrupção e depois eu trabalhei numa loja de materiais elétricos, durante um tempo, quase um ano, trabalhei com exportação também, aí na casa dos 17 para os 18 e aí dos 18 até hoje, são quase 10 anos de docência [no ensino da língua inglesa].

4.2.2. A Escolha Profissional

I. Os graus de liberdade da escolha profissional

Esta temática inaugura a reflexão de um aspecto sócio-histórico bastante marcante

na trajetória pessoal dos participantes, sobretudo na trajetória dos egressos da escola pública.

Anteriormente à escolha profissional há uma questão preliminar: cursar ou não uma carreira

universitária? A partir das falas dos participantes é possível perceber que os egressos da

escola particular não fazem menção a este questionamento; o Ensino Superior é tido como

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uma continuidade natural, inquestionada, dentro da caminhada educacional deles. O

caminho profissional via ingresso em uma careira universitária é tido como certo e de certa

forma garantido.

Em contrapartida, dois entrevistados egressos da escola pública revelam que após o

término do Ensino Médio, a universidade ainda era uma possibilidade remota. A faculdade

estaria em um segundo plano diante das condições sociais e históricas, as quais estavam

submetidos, conforme o relato a seguir de uma participante:

Juliana: ...eu nunca imaginei na minha vida que eu pudesse fazer faculdade, nunca teve, assim... estava no meu plano de sonho, mas não estava no meu plano real porque eu sabia da minha condição, desde o começo, desde o Ensino Fundamental a gente foi instruído na escola pública que a gente nasceu, não pra fazer faculdade, a gente nasceu pra ser empregado em qualquer lugar, sempre foi isso, tanto é que eu acabei o colegial e num tinha dinheiro nem para pagar o vestibular.

Esta fala traz a dimensão da dialética onde os determinantes individuais e sociais

influenciam a efetivação ou não das escolhas profissionais, conforme menciona Bock &

Aguiar (1995), e Lisboa (conforme citado por Bastos, 2005) e o quanto, neste caso, o

determinante social se apresenta enquanto algo preponderante, um fator de peso diante da

escolha, de modo a restringi-la em suas possibilidades. Isto explicita o modo como os graus

de liberdade da escolha estão subjacentes, de certa forma, a algo que está aquém do

indivíduo, mas que muitas vezes o coloca numa posição falaciosa de sujeito livre para

escolher, ou seja, aparentemente esta participante era livre para escolher, mas tendo em vista

as condições de ensino a que se submeteu, tendo em vista a história educacional dos seus

pais, etc. esta escolha era cerceada por estas influências.

No entanto os determinantes sociais não são exclusivos, a que se considerar também

os determinantes individuais, as características, os sonhos pessoais que colocam o sujeito

desejante em movimento para concretização de seus ideais. Isto reflete o percurso destes

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dois estudantes em seus atributos pessoais. Eles começaram a vislumbrar a possibilidade de

cursar uma universidade e de alternar os rumos de sua própria história, conforme as falas

destacada a seguir.

Daniel:... eu estava trabalhando, já estava com tudo direitinho, né? Tinha um carro, já estava pensando em mudar para uma outra casa, aí eu pensei, mas e agora, né? Vou tocar isso do jeito que está? Assim como me pareceu árduo pegar outra profissão, me pareceu árduo ficar no que eu estava fazendo. Eu podia continuar fazendo aquilo o resto da minha vida... Juliana: ... muita coisa aconteceu e foi assim, eu queria, não podia, achava que eu só ia conseguir fazer faculdade se fosse paga. Todos os trabalhos que eu arrumei depois do colegial não dava para pagar uma escola jamais, né? Uma faculdade que ficava como um sonho, lá, contido... Um dia eu consigo, um dia eu vou ter dinheiro. Aí aconteceu que num trabalho que eu trabalhava eu fiquei muito doente, eu adoeci e tive que afastar pelo INSS e aí o médico que começou a me tratar, começou a enfiar na minha cabeça que eu tinha que prestar. Bom, esse médico, ele começou a falar, ‘não J. você vai consegui sim, você tem que mudar de profissão’, porque eu era digitadora, eu estava doente, não podia digitar nada e aí ele falou ‘não, você vai conseguir’.

II. As razões da escolha profissional

A escolha profissional implica em uma série de critérios subjetivos que são levados

em consideração para esta tomada de decisão. Tais critérios são definidos a partir das

influências do passado - pessoas ou vivências marcantes, mas também diante da auto-

perceção e autoconhecimento para discernir as atividades, objetos/conteúdos, ambientes,

rotinas e retornos desejados no exercício de uma profissão que poderiam satisfazer a quem

está decidindo (Neiva, 2003). No entanto, tais critérios subjetivos carregam em si aspectos

sócio-históricos que delineiam os graus de liberdade desta escolha, conforme a análise das

falas anteriores ou mesmo da análise quantitativa.

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As falas dos entrevistados revelam que as razões da escolha estão relacionadas,

distintamente, à influência dos professores e dos pais, a identificação com os objetos, a área

e as atividades do trabalho, a proximidade do local de moradia e o aumento das chances de

aprovação no vestibular.

Nota-se que a influencia dos professores é algo que se destaca, sobretudo para os

estudantes dos cursos de Química e Ciências Biológicas, que são os ditos cursos de ciências

“puras”, para os quais a docência é um importante ramo dentro do campo profissional. Esta

influência é marcada pela qualidade da aula que estes professores davam e pelo “gosto” da

atividade de trabalho, por identificações significativas com os professores, conforme as falas

a seguir.

Juliana: sinceramente, eu acho que foi a influência da minha professora de Ciência da 5° série à 6° série. Era uma professora que, assim, ela tinha uma paixão pelo que ela fazia e ela fazia, ela transpassava isso, com amor, aquele carinho, sabe? E era uma coisa muito gostosa e acho que isso me influenciou bastante Marcela: ...a minha escolha por Química foi porque eu tive um professor no 3° colegial (...) eu acho que o meu gosto pela química foi graças a esse professor. Débora: ...eu tinha uma professora de química, a D. M., ela era a melhor professora (...) eu consegui aprender realmente e ela acabou me cativando para essa área de Química (...) E quando eu vejo ela na rua hoje: ‘eu fiz Química por sua causa’, e ela fica toda orgulhosa, né?

Observou-se também, identificações positivas com as profissões exercitas por uma

das figuras parentais. Os relatos a seguir mostram a influência dos pais.

Cíntia: eu sempre quis trabalhar com criança (...) minha mãe trabalha com criança (...) hoje eu acho que teve uma influência grande, posso admirar o trabalho da minha mãe, sabe? Eu acho que teve uma influência fundamental. Sara: eu me questionei se a minha escolha não foi meio tendenciosa, porque eu não conhecia, eu num tive um contato

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com outras áreas, um contato muito grande, porque minha mãe é dentista e meu pai é médico e eu sempre vivi mais ou menos nesse meio, assim e então direito o que eu ia prestar, mas eu sabia que era ligado à biológicas

Outras influências foram observadas na escolha da carreira. Trata-se de critérios

relativos à área, às atividades exercidas e aos objetos do trabalho, como ilustram as falas a

seguir.

Débora: eu sempre tive inclinação para área de exatas, se não fizesse Química eu teria feito Matemática... Sara:...eu não sabia direito o que eu ia prestar, mas eu sabia que era ligado a Ciências Biológicas... Juliana: ...desde criança eu sempre tive muito contato com a terra, com planta, com horta, essas coisas e eu acho que foi uma paixão alimentada.... Daniel: Eu optei mais pela Psicologia porque eu achei que talvez eu pudesse ter um trabalho mais prático, em relação a isso não tinha muito a idéia do que um filósofo podia fazer a não ser dar aula e saber da possibilidade do trabalho clínico da Psicologia também e é... Eu queria alguma coisa em que eu pudesse pensar e poder pensar aquilo que eu faço... Cíntia: ...eu sempre quis trabalhar com criança...

Com relação à proximidade do local de moradia, outro critério para a escolha

profissional, as duas participantes da Química elegeram este critério como algo importante,

demonstrando ser uma escolha racional, que avalia a relação custo / benefício e as

conseqüências.

Débora: ...daí eu falei: ‘bom, primeiro eu quero ver um lugar perto da minha cidade, vamos ver o que tem no Campus de Ribeirão Preto’... Marcela: ...eu não queria sair de Ribeirão porque era a cidade em que eu estava...

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Por fim, somente uma participante levantou de modo bastante claro que sua escolha

também foi pautada no aumento das chances de aprovação no vestibular, ou seja, aquilo que

Pinho (2001) denominou de “fase zero”, em que a escolha da carreira é feita com o intuito

de aumentar a probabilidade de sucesso no vestibular, mesmo que a vaga obtida não tivesse

um grande valor de mercado. A seguir, a participante da Química revela:

Marcela: ...[eu] não queria fazer cursinho, então assim, eu queria ter certeza que eu iria passar, então eu não ia escolher um curso tipo Medicina que a chance do cursinho seria mais fácil, né?

III. A escolha correta

Foi perguntado aos participantes que se eles pudessem, se escolheriam a mesma

carreira a ser cursada, ainda hoje. Todos eles responderam prontamente que fariam o

mesmo curso. Inúmeros motivos foram apontados como justificativa e de um modo geral

surgiram temas como: a satisfação pelo que estudaram, o reconhecimento da afinidade com

a natureza deste estudo e as oportunidades que o curso de graduação ofereceu em termos de

perspectivas profissionais. As falas a seguir podem demonstram estes aspectos.

Débora: ...no curso todo de graduação eu fui vendo cada semestre que era aquilo mesmo, acho que eu não teria outra escolha não...

Sara: eu não saberia o quê fazer se não fosse Biologia, sabe? Eu gosto bastante, eu me sinto realizada quanto ao estudo (...) me realizei muito com que eu aprendi...

Cíntia: ...eu não me vejo fazendo outra coisa (...) meu jeito de ver o mundo hoje é um jeito psicológico (...) é uma coisa que eu acho que eu me achei mesmo, ainda bem que eu vim fazer Psicologia.

Daniel: é um tipo de trabalho, assim, um campo teórico com que eu simpatizo e a Psicologia é interessante porque ela pode mandar a própria Psicologia à merda de vez em quando...

Juliana: ... a Biologia tava incrustada em mim (...) eu acho muito bonito, eu achava lindo (...) eu percebi que a área

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educacional é uma coisa que me impulsiona também, quem sabe eu faço até um mestrado na área educacional..

Marcela:... [Química] é um curso que exige muita dedicação, muito estudo, então, assim, eu gostei muito de ficar nesta parte de pesquisa e agora de estar fazendo Doutorado.

4.2.3. A Trajetória Universitária

I. O curso pré-vestibular

O curso pré-vestibular é considerado como parte da Trajetória universitária pois é

parte do processo de ingresso à universidade. Dos seis participantes entrevistados, os quatro

alunos que fizeram cursinho puderam relatar brevemente como foi esta experiência. Nota-se

que três estudantes fizeram cursinho em escolas particulares e uma participante fez um

cursinho popular.

Os participantes que fizeram o cursinho privado descreveram-no conforme o modelo

dos Sistemas de Ensino franqueado, descrito anteriormente. A participante egressa da

escola pública que fez cursinho gratuito pode relatar esta experiência permeada de bastante

emoção e satisfação pela chance de poder estudar para um exame vestibular, além de poder

enxergar o altruísmo das pessoas e poder restabelecer sua autoconfiança. Ela também

descreve as características deste cursinho, em seus aspectos positivos, como o uso de livros

e os aspectos negativos, como a precariedade do ensino apontada a seguir.

Juliana: ...eu conheci um cursinho popular, conheci o CAPE, aí eu fiz a seleção, passei no CAPE, acho que chorei mais quando entrei no CAPE do que quando eu entrei na faculdade porque eu vi o mundo abrir, uma coisa que nunca passou pela minha cabeça se abriu (...) no cursinho eu usei livros que me emprestavam, foi o que fez a diferença no vestibular, se tivesse usado apostila acho que nunca ia dar certo (...) eu acho que o que de mais precioso para mim foi ver a boa vontade das pessoas, ainda tem pessoas preocupadas em fazer o bem sem ganhar nada em troca, e isso eu não conhecia e isso me motivou, me fez estudar, e foi um lugar, assim, que eu voltei a

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ter autoconfiança, que eu nunca imaginei que um dia eu pudesse almejar algo assim, então, eu acho que, nem tanto para aprender porque, honestamente, eu aprendi muito pouco, eu aprendi química que eu não sabia nada, foi bom pra aprender química, agora, o resto... foi foi...

Juliana começou a relatar algumas dificuldades que enfrentou neste ano de cursinho.

As dificuldades enfrentadas pelos egressos da escola pública surgem em função daquilo que

se exige para aprovação no exame vestibular, ou seja, de um ritmo de estudo considerável e

da apreensão de muitos conteúdos, muitas vezes inéditos para esses estudantes. Em função

do aligeiramento pelo qual passaram no Ensino Fundamental e Médio a defasagem no

ensino é imensa. Tentar suprir esta defasagem “cronificada” é uma tarefa muito árdua que

muitos estudantes da escola pública se sentem incapacitados a enfrentar, justificando por si

mesmos seu fracasso sem poder enxergar a trama histórica em que estão envolvidos.

Aqueles que aceitam esta tarefa hercúlea passam a enfrentar muitas adversidades, conforme

as descritas por estes dois participantes:

Daniel: ...eu fiz um ano de cursinho, só que eu tinha que andar a pé um trecho enorme, e ainda ia trabalhar e tinha que estudar e eu não sabia nada. Não deu sorte nesse ano (...) [eu] teria que aprender só coisas novas praticamente, né? Algumas delas podiam ser um pouco mais familiares, principalmente português, inglês, minimamente biologia e geografia. Todo o restante era muitíssimo novo, então era um trabalho colossal de se fazer, alguma distância abissal mesmo ao que era pedido. Depois disso eu me programei melhor, é... Acho que eu fiquei um ano, é estudando um ano sozinho, eu fiz um semestre, daí eu falei ‘o quê que eu vou fazer?’ Aí eu deixei algumas aulas, organizei melhor o meu horário para que ficasse um bloco de aulas só à noite e o cursinho só de manhã, aí estudava à tarde e ia dar minhas aulas à noite e aí comprei um carro também para ficar também muito mais fácil para eu me locomover e aí funcionou, deu para ter uma disciplina que suprisse o que eu precisava para passar. Juliana: eu fiz um ano só de CAPE, foi o ano que eu estava doente, que eu estava afastada do trabalho, até meu vestibular foi para deficiente (....) foi horrível porque foi um

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ano muito sofrido porque eu estava doente, sem dinheiro, sem trabalho, sem possibilidade nenhuma, então eu acho que o CAPE abriu portas, então eu agarrei: é tudo que eu tenho, aí estudei e passei.

II. As percepções sobre os primeiros anos da graduação

Os estudantes egressos do ensino particular e público relataram percepções bastante

diferentes acerca das vivências dos primeiros anos da graduação em função justamente da

natureza do ensino freqüentado.

Os egressos da escola particular relataram percepções mais positivas, como a

satisfação com os relacionamentos interpessoais, sobretudo a união entre os amigos e pela

oportunidade de poder morar “longe” dos pais, conforme as falas a seguir apresentadas.

Cíntia: ... eu não tinha muita expectativa em cima do curso, então não me decepcionou (...) então você chega, você não conhece ninguém e ninguém conhece ninguém, então a gente fica... Nossa referência aqui são eles, minha referência aqui são os meus amigos e a nossa turma é uma turma que se uniu muito, assim, eu acho, que é uma turma que é bem amiga e desde o começo, eu acho... Que é assim, você se vê no outro né? A mesma angústia que você está, o outro está sentindo... Sara:...eu cheguei aqui, deslumbrei, eu sempre quis morar aqui...então vim para cá, eu não queria ir embora, eu não queria voltar pra minha casa (...) a nossa turma era muito unida, a gente teve uma parte da sala, não todos, a gente se identificou muito, então tudo que a gente fazia, a gente fazia junto (...) então para mim, eu achei tudo lindo, estava deslumbrada mesmo, em todos os aspectos, adorava mesmo, queria ficar aqui.

A participante egressa da escola particular do curso de Química relatou o susto com

a greve das universidades públicas, visto que nunca em sua vida passara por isto, bem

como o estranhamento diante da falta das apostilas-caderno, com as quais estudou em toda

sua via escolar anterior.

Marcela: teve a greve que me assustou mais ainda, aí....porque eu nunca tinha estudado em escola pública,

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nunca tinha visto esse negócio de greve, de repente tem que fazer aula de manhã e de tarde, teve época que para gente repor aula, a gente tinha aula de matemática 5 vezes por semana, sabe? Você não agüentava ver a cara do professor, então foi assim, um susto, acho que a greve até me ajudou porque me fez assim, até de repente me reorganizar porque eu estava acostumada sempre com apostila, os professores dando tudo na mão e aqui você se vira, então, assim, a greve até que foi bom para eu entender como funcionava a faculdade..

Os participantes egressos da escola pública relataram percepções mais negativas

acerca dos anos iniciais da graduação, tais como a insatisfação com relacionamentos

interpessoais, tendo em vista a imaturidade e certo espírito de competição de alguns

colegas; a insatisfação pela relação professor-aluno em termos da falta de

profissionalismo, da frieza e distanciamento; as dificuldades acadêmicas em função da

defasagem do ensino, as dificuldades financeiras e a decepção em relação às expectativas

do que seria uma universidade, conforme os relatos a seguir.

Daniel: ...de início eu achei muito difícil de me enturmar com o pessoal da minha sala, porque era molecada, né? Eles estavam vindo de um outro esquema, né? Eles estavam vindo do colegial... E a minha preocupação era sempre primeiro: ‘eu pago as minhas contas, depois eu faço a faculdade com o que me sobrar’, porque realmente, eu não podia fazer o caminho contrário, era uma condição sine qua nom para poder está aqui... Juliana: ...aqui na USP-Ribeirão foi um choque (...) foi muito ruim meu primeiro ano de USP, foi um choque (...) professor num pedestal, não te respeita como profissional e ah sei lá, tudo, até mesmo relacionamento entre as pessoas, eu percebi no primeiro ano foi um ano competitivo, parecia que os alunos ainda estavam brigando pela FUVEST. Aí depois a coisa desencanou... Débora: ...também a relação professor-aluno, assim, esses professores de universidade, chegam às vezes nem cumprimentam a sala, já vão chegando, dando matéria e [eu] saí de colegial, vinha de escola pública, todo mundo era amigo, a gente falava: ‘e aí professor?’ Tinha uma intimidade diferente da da faculdade...

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Débora: ...eu senti bastante dificuldade mesmo principalmente na parte de Física, foi um dos motivos de eu estar na faculdade até hoje, é por causa da Física, foi meu grande problema (...) eu culpo a defasagem que eu tive no Ensino Médio, não a falta de esforço... Daniel: A vinda para cá foi muito difícil. Vendi meu carro, né? Tinha guardado muito pouco dinheiro, ainda mais no fim do ano, fui viajar para o vestibular, você gasta uma grana. O pessoal de casa não me ajudava na época, na verdade era o contrário, eu que ajudava em casa, mesmo quando eu tinha mudado pra cá. Daniel: ...eu sempre fui por conta própria eu sempre li muito Filosofia ou Literatura, muita coisa eu achava muito pobre, na verdade, eu tinha a impressão de estar voltando para as discussões das aulas de redação do cursinho, e muito do que é visto aqui, a finalidade é só cumprir matéria né? A finalidade é você tirar nota, não tem finalidade prática aparente nenhuma, assim, então o quê que a gente faz com isso? Eu até entendo a boa vontade do docente, do trabalho que eles fazem, mas muita coisa me parece muito ornamental mesmo assim, desvitalizada, pouca gente, assim, estava perto do que eu imaginava que pudesse ser feito (...) [eu] tinha expectativa de estar, assim, realmente participante de uma elite cultural, uma elite intelectual também, que pudesse ter um lugar mesmo, onde eu pudesse pensar: tem coisas para eu aprender aqui, tem muita coisa, eu posso explorar que num vai, num vai esgotar, o que eu pensava é isso.

Ao se comparar os dois blocos de falas é possível perceber que os egressos da escola

pública apresentam um olhar bastante crítico em relação à universidade, levantando

questões bastante pertinentes. Este posicionamento pode ocorrer em função da maturidade

conquistada a partir do enfrentamento das adversidades do ingresso. Afinal, este ingresso

é tão obstaculizado que a satisfação com a universidade se apresentaria como um

“prêmio” para tanto empenho. No entanto isto não acontece, a realidade é bastante

diferente, a falta de profissionalismo e o empobrecimento intelectual apontados

demonstram que eles esperavam maior seriedade, respeito, discussões mais ricas e

pertinentes à formação do profissional.

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Na verdade, parecia que eles estavam buscando o sentido a que uma universidade se

propõe no seu ínterim – a formação de profissionais críticos e éticos para o exercício da

cidadania. A frustração deste aspecto aliadas às dificuldades financeiras e inclusive a

herança do déficit educacional fizeram com que este ingresso fosse um tanto quanto

penoso e frustrante para tais estudantes. Ao contrário dos egressos da escola particular que

estavam mais satisfeitos, até deslumbrados, voltados mais para questões de afetividade.

III. As percepções sobre os últimos anos da graduação

Os últimos anos da graduação foram vivenciados de modo muito peculiar a cada um.

Os participantes relataram, em sua maioria aspectos positivos com relação a estas

vivências: o segregação e aprofundamentos dos vínculos pessoais, a queda dos

deslumbramentos, o aprofundamento na área de interesse profissional, a adaptação ao

“funcionamento acadêmico” e a oportunidade e importância do trabalho prático, de acordo

com o relatos a seguir:

Cíntia: ...acho que os vínculos só aprofundaram e hoje eu posso falar que aqui em Ribeirão eles são a minha família... (...) no final eu fui selecionando também o que eu estudava, mas eu fui me aprofundando mais no que eu gostava e assim, tem umas matérias que eu penso, do começo da graduação, que eu penso que eu queria fazer de novo, hoje e daí eu acho que...que isso em relação à graduação e daí que eu fui percebendo as coisas que eu gostava, me encontrando, tendo contato com professores... Sara: ...o pessoal começo a fica mais individualista, tal, aquela turma que era tão unida, já não era tanto (....) cada um foi tentando mais ou menos seguir seus interesses, mudou bem a cara do pessoal da sala, assim, mas eu acho que, assim, apesar de eu num estar tão deslumbrada quanto eu estava, eu continuo gostando do curso... Marcela: ...então você já conhece os professores, você sabe o que você tem que estudar, você já sabe o quê que vai cair na prova, aí você consegue aproveitar um pouco mais, mas no início sempre um pouco mais difícil.

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Débora: ...eu aprendi realmente o esquema, acho que eu entrei no esquema da faculdade aqui, não tive mais reprovas... Daniel: Os últimos anos foram um pouco melhor porque agente pôde ter uma idéia mais clara do trabalho prático que a gente ia ter nos estágios; os docentes também eu acho, depois do quarto ano têm um trabalho bastante diferente (...) e foi muito bom nesses últimos anos ver como é que pode ser um trabalho prático, com gente que pode te orientar para te ensinar alguma coisa que pode ser usada em algum trabalho, um trabalho de verdade.

A partir da fala de uma participante egressa da escola pública é possível perceber a

instalação de um preconceito velado, segregador, dentro da universidade em relação

àqueles que possuem um nível social mais ou menos elevado. Ela afirma:

Juliana: na minha turma, tinha uma grande discrepância, então, assim, tinha... apesar que eu acho que dinheiro, num, num... Quando você está em posição de iguais, dentro de uma sala de aula eu acho que não tem, não deveria ter distinção, mas a minha turma, especialmente, sempre foi uma turma que teve muita discrepância, então, na mesma sala tinha gente com muito dinheiro, gente com muito pouco, gente paupérrima. Dinheiro e isso eu percebia que interferia diretamente, tipo formação, assim, mesmo de panelas, era uma coisa muito chata, coisa que eu nunca tinha presenciado, então, num sei, vários momentos eu me senti isolada, tanto é que agora que terminou a faculdade, sobraram muito poucos amigos, infelizmente. Ah, isso, de cara, qualquer pessoa que entrava na sala, inclusive professor, já era visível, era visível a separação, é isso, acho que a maior era dinheiro, e a outra, interesses comuns, típicos, afinidade, normal.

Ela relata exemplo de uma segregação socioeconômica que mais uma vez se reflete

em uma segregação dentro do âmbito educacional, tendo em vista a força da herança

destes aspectos sócio-históricos, que deixa marcas mesmo em igualdades de condições de

ensino.

Por fim, a fala a seguir aborda um tema bastante importante dentro das discussões no

âmbito educacional, inclusive acerca das discussões das “cotas” dentro da universidade. A

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aluna do curso de Química relata que devido à defasagem no ensino e a falta de hábito de

estudo, ela sentiu bastante dificuldade quanto à adaptação no âmbito universitário em

função das exigências deste. No entanto, a cada ano da graduação ela pode “compensar”

tal defasagem vindo a se tornar uma aluna de destaque. Isso pode sugerir que um aluno

ingressante na universidade por meio das cotas ou outras ações afirmativas talvez

precisasse de um “tempo” maior de adaptação, mas que seria possível certa equivalência

acadêmica ou mesmo superação ao final do curso. A fala de duas participantes caminha

neste sentido:

Sara: ...muita gente da minha sala estudou em escola pública, pelo menos uma parte dela estudou em escola pública, uma parte do ensino só em escola pública e todo mundo mais ou menos teve o mesmo, a mesma nota e assim, todo mundo mais ou menos tá em pé de igualdade e até assim, a menina que mais tira nota sabe? A campeã ali da sala, ela estudou acho que não sei se quase toda ou a maior parte em escola pública (...) Débora: ...os professores têm me elogiado, viram o meu esforço e realmente agora eu até estou conseguindo me destacar nas disciplinas que eu estou cursando. Agora, fico ao máximo, me dedico tempo... Eu fico: ‘gente como eu podia estudar tão pouco no começo da graduação?’ Mas eu acho, eu não tinha o hábito, eu não tinha incentivo, sabe? Não tive onde procurar apoio, acontece muito isso, muitos alunos que ingressam aqui, ficam perdidos, não sabem aonde procurar apoio, talvez até exista, mas não tem uma orientação, nem ‘ olha, você não tá indo bem’, ninguém procura saber o por quê não está indo bem, eles não querem saber. Eles acham que é porque você é vagabundo, é burro, mesmo (...) Agora, esses últimos anos eu estou terminando a minha graduação muito bem, eu falo se eu pudesse voltar no tempo da graduação eu tenho certeza que seria diferente, se eu tivesse a maturidade que eu tenho agora no começo da graduação, teria me formado com certeza em três anos e meio, não teria sido em quatro, teria sido em três e meio.

Débora também levantou um ponto bastante pertinente neste relato que diz respeito à

questão de um “apoio pedagógico” ou psicopedagógico – orientações ou

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acompanhamentos dos alunos que apresentam dificuldades tais como as dificuldades

acadêmicas em função dos déficits no ensino ou mesmo dificuldades emocionais frente as

condições de estudo. Pode-se dizer que existe uma minoria carente deste tipo de apoio e

mesmo sendo minoria, existe. Este serviço realmente ainda não se estabeleceu de uma

forma eficaz dentro da USP.

O fato é que existe alguns centros de apoio dentro do campus, tais como o Serviço

Social (SISUSP), o Centro de Orientação Psicológica (COPI) e o Centro de Apoio

Educacional e Psicológico da Faculdade de Medicina (CAEP-FMRP), que poderiam

coabitar de uma maneira mais articulada ou se estender a todos os alunos do campus,

tendo em vista que o CAEP realiza um importante trabalho de apoio psicopedagógico mas

voltado apenas aos estudantes do curso de Medicina. Tais serviços não conseguem atender

a toda população uspiana estudantil, tendo em vista a escassez de profissionais, estagiários

e recursos financeiros para bolsas-auxílio.

IV. Questões de Manutenção financeira

O tema Manutenção financeira foi um tema emergente visto que nenhuma questão do

roteiro de entrevista abordava diretamente este assunto. Somente os alunos egressos do

ensino público fizeram apontamentos explícitos acerca desta temática. Subentendeu-se que a

manutenção financeira de todos os estudantes de escola particulares era garantida pelos pais,

visto que nenhum deles fez referências a problemas enfrentados. Já os alunos provenientes

de escola públicas, todos disseram ter dificuldades para se manter financeiramente na

faculdade. Apenas Débora contava com o apoio financeiro dos pais, embora por vezes

sofrera problemas financeiros, conforme relato:

Débora: eu também tive alguns problemas particulares, financeiros, minha família teve que mudar pra Tocantins (...) ficou eu e um outro irmão em Batatais, eu tinha que viajar

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todo dia, tinha que cuidar da casa que meu irmão trabalhava e estudava à noite, fazia faculdade à noite, então eu tinha que lavar, passar e cozinhar e limpar a casa...

Os outros dois tinham que trabalhar para conseguirem cursar a faculdade, uma vez que

os recursos assistenciais da universidade não estavam sendo suficientes. Juliana fez menção

às bolsas-auxílio oferecidas pela universidade dizendo:

Juliana: ...muita coisa me deixou revoltada por causa dos critérios de seleção para bolsistas, porque eles fazem uma seleção socioeconômica, só que ela não vale nada porque eu passei em primeiro lugar na seleção socioeconômica... só que eles escolheram o 14º colocado... então que critério é esse? Aí briguei com a assistente social, foi o maior quebra pau e aí para ameniza me arrumaram bolsa-bandejão, que durou um ano e eu fiquei com tanta raiva que eu não voltei mais lá porque eu acabei participando da seleção da Pró-aluno e como eu sabia informática, deu certo, só que no último ano, a bolsa acabou e aquele desespero que você tinha que se formar, que tinha que fazer tudo, entregar monografia e terminar a licenciatura, sem trabalho, fazendo bico, então foi horrível, mas acabou. Daniel: ...continuo dando aulas [de inglês], se não estivesse dando aulas eu não poderia ter vindo pra Ribeirão.

Tal situação nos remete aos questionamentos a cerca do alcance das políticas

públicas dentro da universidade, sobretudo para aquela minoria ingressante que possui uma

carência estrutural de recursos, ou seja, aquelas famílias que não têm condições nenhuma de

garantir o estudo do filho. É possível visualizar, diante disso, a forma como a herança

educacional dos pais e os atributos socioeconômicos da família ainda se manifestam como

determinantes sociais, barreiras adversas à manutenção destes estudantes na graduação. Fica

evidente também quão penosa se configura a alternação histórica, quão difícil é intervir nos

condicionantes sociais, pelas próprias mãos. Daí a importância das políticas públicas

eficazes, enquanto recursos aliados para o enfrentamento destas adversidades. Bock

(conforme citado por Bastos, 2005) destaca a partir da perspectiva sócio-histórica que os

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indivíduos seriam capazes de intervir sobre as condições sociais por meio de ações pessoais

ou coletivas.

V. Implicações da natureza do ensino no desempenho acadêmico: vantagens e

desvantagens

A cerca do ensino público, todos os integrantes mostraram grande satisfação em

terem cursado a escola pública. As vantagens relacionadas e as implicações destas para o

desempenho acadêmico foram apontadas não só pelos egressos das escolas públicas, como

os da particular também. Surgiram temas como: o material didático utilizado sob a forma de

livros; o ócio criativo contemplando as atividades culturais que eles puderam realizar

enquanto não estavam na escola; o comportamento autodidata de ir em busca do

conhecimento por si mesmos e diversificação dos relacionamentos interpessoais no sentido

da convivência com pessoas de classes sociais diversas. Os trechos que seguem explicitam

tais itens:

Juliana: ...uma das vantagens, é que não há apostila, como eu odiava o uso de apostilas, é horrível, eu não me adaptei na faculdade quando eu tive que usar, eu acho que a apostila fragmenta a visão do todo, como eu me apaixonei por livro e como eles eram difíceis de comprar, eu nunca tive livros, então, quando eu conseguia um livro, as vezes no ano todo, eu conseguia um livro, então aquilo fazia a diferença (...) acho que usando apostila, nunca ia dá certo, acho que essa é a vantagem da escola pública, usar livro e não apostila. Daniel: ...eu gosto muito de ter feito a escola pública... alguns professores em particular, algumas experiências foram muito significativas mesmo para mim dentro da escola pública. Eu gostava muito do espaço dela também né? Pra mim um tempo de engendrar alguma coisa, de começa a criar o que eu sempre..., eu pude ler muito por interesse meu, não porque fosse indicação de professor e poder despertar o interesse, depois com disciplinas de Filosofia que eu pude ter, como era currículo da pública, acho que isso foi vital... eu gostei muito

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de terminar, cursei meu colegial bastante pensante, podendo escrever bem, falar bem... Sara: ...o aluno da escola pública, é complicado, né? Ele não tem muito uma estrutura pronta para ele seguir que a escola particular dá, então, o aluno da escola pública, ele meio que é um tanto autodidata, sabe? Isso a gente vê mesmo, muitos amigos meus, pessoal da minha sala (...) eles têm uma possibilidade de se virar muito melhor e aprender de uma forma realmente efetiva do que... sabe? Virar escravo de uma apostila, que tá tudo mastigandinho ali pra você... Débora: eu acho assim, eu pude ter contato com todo tipo de gente né? Muita gente humilde que são meus amigos até hoje e muita gente de classe alta, muitos filhos de médico...

As desvantagens de se ter estudado em uma escola pública reapareceram sob o tema

da defasagem no ensino e as dificuldades com o exame vestibular, descritos anteriormente.

Somente a participante do curso de Química, egressa do ensino público relatou

explicitamente o modo como esta defasagem afetou seu desempenho acadêmico, retardando

em dois anos e meio a conclusão do seu curso universitário:

Débora: ...a desvantagem foi esse ritmo de estudo que eu não adquiri (...) influenciou no meu desempenho acadêmico (...) eu não tinha hábito de estudo, isso eu fui adquirindo ao longo do tempo. Mas eu achava... ‘nossa, como consegue estudar tanto tempo?’ Para mim era difícil por esta parte (...) eu ia, chegava lá, lia o roteiro e ia fazendo, mas nem sabia o que eu estava fazendo, era tipo receita de bolo.

Uma participante egressa do ensino privado também compartilha sua opinião a cerca

das desvantagens de se estudar em uma escola pública. Ela relata:

Marcela: ...quem vem da escola pública normalmente não tem base em matemática, em física, sabe? Você percebe que tem uma dificuldade, mais lenta em raciocínio, por exemplo: inglês. Eu vejo que as pessoas que vêm da escola pública tem uma maior dificuldade também em inglês e a gente exige muitos livros em inglês.

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É interessante notar que o desempenho dos alunos de carreiras como a Química é mais

sensível à defasagem no ensino, sobretudo porque esta carreira pertence à área das Ciências

Exatas que engloba um tipo de treino e raciocínio peculiares, cujas bases são estudadas no

Ensino Básico e Médio. Conforme aponta Paro (2000) a escola pública deixa a desejar

quanto ao seu princípio fundante: o ensino; e isso afeta diretamente não só o ingresso à

universidade, como também pode interferir no rendimento deste aluno na graduação,

sobretudo nas áreas mais sensíveis como Exatas.

As vantagens apontadas pelos estudantes egressos do ensino privado e suas

implicações no desempenho acadêmico foram a aprendizagem de um pensamento crítico e a

base de “conhecimentos” construída nesta etapa. Assim, eles relatam:

Cíntia: ...esse negócio de eu ter aprendido a pensar e não a decorar, da escola ser privada e ter favorecido isso e então eu acho que isso na graduação me ajudou muito...muito e até coisa de Psicologia ser um curso que você questiona muito; que eu tenho essa posição de questionadora que eu acho que essa escola me possibilitou. Marcela: ...eu acho que eu vim com muita base, por exemplo, eu vejo alunos que vieram de escola pública, eles tinham muita dificuldade em matemática, dedução e isso a Química exige muito, muito raciocínio, então acho que estudar numa escola particular me favoreceu muito isso (...) tiveram alunos aqui que vieram de escola pública que nunca tinham mexido num aparelho, sabe? Numa bureta, numa pipeta e tipo, isso tudo eu já tinha vivido (...) tive um prêmio do CRQ (Conselho Regional de Química), então, assim, eu sempre tive uma facilidade muito grande, então, assim, eu sempre ajudei muita gente, dei muita monitoria (...) Além deu, por exemplo, ter sempre tido computador eu já sabia por exemplo se eu não achava nos livros eu já sabia outras formas de pesquisar, sabe? Já tinha uma dinâmica maior do que algumas outras pessoas, tanto é que eu não sei se você sabe: eu fui a melhor aluna da minha turma.

Marcela comentou acerca da possibilidade de ter tido computador em sua casa, de

poder pesquisar com mais facilidade, de ter feito aulas de inglês e de se beneficiar

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academicamente com isto. Parece que a disposição deste capital cultural pode interferir

positivamente, mesmo em igualdade de condições de ensino. Verifica-se que os recursos

materiais adquiridos financeiramente podem colocar os detentores destes recursos um pouco

à frente daqueles que dependem unicamente dos recursos gratuitos da universidade,

sobretudo porque não há livros e nem computadores suficientes para atender a necessidade

acadêmica de todos. Está aí mais um condicionante socioeconômico segregador, divisor de

águas no critério desempenho acadêmico.

4.2.4. Síntese da Análise Qualitativa

A partir do relato dos participantes é possível perceber a forma como os determinantes

sociais interferem em sua trajetória educacional. Tais relatos permitiram verificar o impacto

das variáveis sócio-demográficas, educacionais e acadêmicas na vida dos dois perfis de

estudantes.

As condições de ensino para estes grupos foram bastante delimitadas a partir das

distinções relatadas: qualidade e precariedade da qualidade de ensino para egressos de

escolas privadas e públicas, respectivamente. Com o fim do Ensino Básico e Médio, os

alunos estão submetidos aos graus de liberdade da escolha. O grau de liberdade parece

pautar-se nestas condições de ensino e no acesso aos bens culturais. Assim, é possível

perceber as restrições de escolha para os egressos do ensino público e as dificuldades com a

preparação para o exame vestibular e o acesso ao ensino superior.

Observando a trajetória destes dois perfis de alunos é possível dizer que o perfil dos

egressos da escola pública se destaca em termos da apropriação cultural dos recursos que

encontraram fora do âmbito escolar tais como as atividades de leitura, violão e balé clássico.

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Observa-se que tais alunos já são privilegiados ao poder entrar em contato com estes bens e

ao cursarem o Ensino Superior também ocupam um lugar privilegiado.

A questão é que mesmo estando na graduação a disposição destes bens de capital

cultural parecem ser diferentes para estes dois perfis de aluno. As adversidades enfrentadas

pelos egressos do ensino público durante a graduação e o próprio nível econômico a que

pertencem acabam interferindo no desempenho acadêmico.

É possível enumerar uma série de intempéries enfrentadas por estes alunos: (a)

necessidade de trabalhar, (b) necessidade de cumprir a carga horária de suas bolsas, (c)

cuidar dos serviços domésticos, (d) enfrentar a fila da PRO-ALUNO da faculdade para

fazerem seus trabalhos (sendo que alguns computadores sempre estão quebrados), (e)

restrição das fontes de pesquisa pois o número de livros da biblioteca não são suficientes

para atender a demanda e eles não têm dinheiro para comprar livros e por fim (f) os aspectos

psicológicos envolvidos no enfrentamento destas adversidades.

Esta lista de aspectos adversos logicamente é amenizada ou não existe para muitos

alunos que possam dispor deste capital cultural e econômico. Não se trata somente de uma

distinção de natureza do ensino, visto que na análise quantitativa não houve diferença

significativa entre o desempenho dos dois perfis de aluno, trata-se das condições materiais

da universidade, das condições de tempo do aluno e das condições psicológicas para dispor

de um capital cultural, enfim das condições mesmas de “transmissão” e apropriação deste

capital cultural.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os mecanismos de reprodução social se apresentam sócio-historicamente instalados no

Sistema Educacional brasileiro. A atual configuração deste sistema oculta o aspecto da

historicidade desta reprodução e atribui ao sujeito a responsabilidade por sua posição social.

A configuração do sistema público de ensino, por sua discriminação social a partir do

sucateamento e aligeiramento do ensino, se associa à configuração do ensino privado e suas

relações mercadológicas de comércio. A despeito destas diversidades, o efeito cursinho tem

aumentado e denunciado não só a qualidade do ensino nas duas instituições de ensino, bem

como a incoerência das exigências do vestibular.

Estas configurações, positiva ou negativamente, aumentam sobremaneira a

seletividade social no processo de ingresso à universidade. No entanto além da seletividade

associar-se aos aspectos organizacionais do sistema educacional, ela está intimamente

associada ao poder real e simbólico advindo do acesso aos bens culturais pelos indivíduos.

Assim, o capital cultural está no cerne da reprodução social enquanto uma categoria

que separa e seleciona os ingressantes ao ensino superior e ainda assim pode predizer o grau

de prestígio e elitização de uma carreira universitária.

No Ensino Superior, a variável procedência escolar não influencia significativamente o

desempenho acadêmico. Por outro lado, a força do capital cultural dos pais continua a

interferir nas notas e nas condições financeiras de manutenção do aluno na universidade.

A possibilidade de evasão do ensino superior a partir das dificuldades enfrentadas

pelos egressos do ensino público mostra quão penosa se configura a alternação histórica. O

peso da herança sócio-histórica que cada indivíduo carrega pode se expressar enquanto

aspectos favorecedores ou obstaculizadores das mediações e apropriações feitas no mundo

circundante. Quando estes aspectos interferem negativamente neste processo a ação pessoal

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de luta contra a reprodução social não tem alcance suficiente. A ação coletiva, pensada e

respaldada politicamente exerce um alcance maior.

Isso nos remete aos questionamentos a cerca da efetividade das políticas públicas

dentro da universidade, sobretudo para aquela minoria ingressante que possui uma carência

estrutural de recursos. E nisso a universidade passa a ter um papel muito importante no

sentido de também se adequar às necessidades desta minoria e mesmo otimizar suas

instalações, suas bolsas auxílio, seu material de pesquisa. Logicamente como a maioria do

corpo discente da universidade detém uma maior quantidade de bens culturais é mais fácil

encontrar recursos alternativos àquilo que não é possível dispor dentro da universidade. O mínimo de reflexos causados por tais aspectos seria justamente sobre o desempenho

acadêmico. Assim, tais aspectos podem explicitar a desigualdade do desempenho escolar

dos alunos em função do montante de capital cultural a que usufruem distintamente.

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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Juiz de Fora: A Questão da Escolha Profissional. Dissertação de Mestrado, Universidade

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Comissão Permanente para os Vestibulares - COMVEST. (2004) Em Igualdade de

Condições, alunos de graduação da Unicamp que estudaram na rede pública têm

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econômico-cultural dos ingressantes na UNICAMP (1987-1994): democratização ou

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Núcleo de Pesquisas sobre o Ensino Superior – NUPES. (2002) Acesso à Universidade

de São Paulo: Atributos socioeconômicos dos excluídos e dos ingressantes no exame

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Paro, V. T. (2000). Por dentro da Escola Pública. São Paulo: Xamã.

Pinho, A. G. (2001). Reflexões sobre o Papel do Concurso Vestibular para as

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classificação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília 80 (196), 451-472.

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informal nos segmentos com baixa escolaridade. Educação & Sociedade, 26 (90), 77-105.

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Cultura, 33 (12), 1574-1580.

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imanente. Piracicaba: Universidade Metodista de Piracicaba.

http://www.fuvest.br/vest2006/estat/estat.stm

7. ANEXOS

ANEXO A: Termo de Consentimento livre e esclarecido

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ANEXO B: Ficha de Identificação dos Participantes

ANEXO C: Roteiro da Entrevista

ANEXO A: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Concordo em participar, como voluntário (a), da pesquisa Egressos do ensino

médio público e privado: Algumas trajetórias na carreira universitária. Esta pesquisa será

realizada com alunos dos cursos de Graduação em Química, Ciências Biológicas e

Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto – USP.

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Estou ciente de que minha participação consistirá na autorização para consulta ao

meu prontuário, do qual serão coletados (1) dados referentes à escola na qual cursei o

ensino médio (se pública ou privada), (2) nota da aprovação no exame vestibular da

FUVEST e (3) todas as notas das disciplinas cursadas na graduação, sem expurgo,

objetivando a realização de um estudo comparativo sobre o desempenho acadêmico em

universitários. E, posteriormente se sorteado (a) poderei participar de uma entrevista. Para

a realização da entrevista autorizo a gravação em fita cassete.

Estou ciente de que este estudo possui a finalidade de pesquisa, sendo que os

dados obtidos serão utilizados em publicações científicas sem que as pessoas

participantes sejam identificadas.

Declaro ainda que:

1) estou aceitando voluntariamente a participação nesse estudo, não tendo

sofrido nenhuma forma de pressão para isso; 2) posso deixar de participar do estudo a qualquer momento se assim o desejar;

3) como o assunto refere-se à questão da minha carreira acadêmica e profissional, caso

necessite poderei contar com a assistência da pesquisadora responsável através do

agendamento de entrevista.

Ribeirão Preto, ___ de ____ de 2003 DE ACORDO:

__________________________________________

Assinatura do (a) aluno

__________________________________________ Curso de graduação

__________________________________________ Nome por extenso __________________________________________ Endereço

________________________________________________________________ Profa. Dra. Lucy Leal Melo-Silva – Pesquisadora responsável. Docente do Depto de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - Av. Bandeirantes, 3900. CEP 14040-901. ________________________________________________________________ Melina Del’ Arco de Oliveira – Pesquisadora, iniciação científica.

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ANEXO B: FICHA DE IDENTIFICAÇÃO

NOME:_________________________________________________________

N° USP: ________________________________________________________

CURSO: ________________________________________________________

ANO DE INGRESSO: _____________________________________________

PROVÁVEL ANO DE CONCLUSÃO: _________________________________

Assinale a natureza da escola que cursou cada série, se pública ou particular

Níveis de Ensino Série Escola Pública Escola ParticularEducação infantil Pré- Escola 1ª série 2ª série 3ª série Ensino Fundamental 4ª série 5ª série 6ª série 7ª série 8ª série 1ª série Ensino Médio 2ª série 3ª série Cursinho 1° ano Curso Pré-vestibular Cursinho 2° ano Cursinho 3° ano

ESCOLARIDADE DO PAI: __________________________________________

ESCOLARIDADE DA MÃE: _________________________________________

PROFISSÃO DO PAI: _____________________________________________

PROFISSÃO DA MÃE: ____________________________________________

OCUPAÇÃO ATUAL DO PAI: _______________________________________

OCUPAÇÃO ATUAL DA MÃE: ______________________________________

RENDA FAMILAR : _______________________________________________

BOLSA AUXÍLIO : ________________________________________________

e-mail: _________________________________________________________

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CLASSIFICAÇÃO SOCIOECONÔMICA

1. Quem é o chefe de família na sua casa? ( ) Pai ( ) Mãe ( ) o próprio entrevistado ( ) outrem ______________

2. Número de membros que constituem a sua família ______________________

3. Assinale quantos ................................(CADA ÍTEM ABAIXO) existem em sua casa?

Número de itens possuídos/pontos

Itens 0 1 2 3 4 5 6 ou mais Marca / ano Aparelho de som Aparelho de vídeo cassette Aparelho DVD Aspirador de pó Banheiro Carro Celular Computador Empregada mensalista Fax doméstico Freezer Geladeira Home Theater Máquina de lavar roupa Microondas TV a cores Vídeo Game

4. Assinale a situação de moradia de sua família

Alugada Própria- quitada Própria-financiada Cedida/emprestada. Por quem? Outras. Especificar

5. Se você não reside com sua família assinale também a sua situação de moradia

Alugada (sozinho) Própria- quitada Alugada (república). Quantas pessoas ? Própria-financiada Cedida/emprestada. Por quem? Reside com parentes ou amigos Moradia da USP Outras. Especificar Pensão

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ANEXO C: ROTEIRO DA ENTREVISTA

Dados pessoais: - nome completo - idade - idade de ingresso na universidade Questões: 1) Relate sua experiência como aluno(a) do Ensino Fundamental e Médio em escola pública/particular. 2) Fale-me sobre a sua escolha pela carreira universitária X. O quê foi levado em consideração para que você tomasse essa decisão? 3) Se você pudesse, você escolheria essa carreira hoje, por quê? 4) Como foi o seu processo de ingresso à USP por meio do vestibular? 5) Como foram os primeiros anos da graduação? 6) Como foram os últimos anos da graduação? 7) Fale sobre as vantagens e desvantagens de ter estudado em uma escola pública/particular e as implicações disso em seu desempenho acadêmico.

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MEMORIAL DO CANDIDATO

...Buscando nas entrelinhas...

O objeto de estudo desta pesquisa de iniciação científica, em todo momento, fez me pensar

sobre a realidade social, política e educacional a qual eu estava imersa enquanto estudante

da graduação. Fez me despertar o interesse em investigar a herança e as raízes dos

problemas educacionais e a forma como isso afetava estudantes universitários egressos do

ensino médio público ou particular. Interessava-me saber aquilo da história que é oculto e

que na vida das pessoas aparece nas entrelinhas; entrelinhas que o olhar da ciência almeja

captar e desvelar.

....Chamando o olhar...

O que justificou o meu trabalho foi mesmo a possibilidade de pesquisar algo que rendesse

um fruto, que pudesse questionar e reivindicar maiores olhares sobre esta problemática

educacional, seqüela de tantas heranças. E isso me mostrou o quanto a ciência e o

pesquisar também são muito importantes para embasar as políticas públicas dentro de

qualquer setor e como elas podem direcionar intervenções efetivas.

....Palavras complementando os número....

Eu tive muitos aprendizados enquanto psicóloga e aprendiz de pesquisador. O meu aspecto

“psi” buscava enxergar além dos números, além dos dados; buscava enxergar como esses

dados se apresentavam na vida destes estudantes, mostrando como a herança sócio-cultural,

econômica e histórica é forte na vida de um indivíduo. Mas os números não poderiam

captar tudo, daí a importância em se trabalhar com as entrevistas, poder ouvir a

subjetividade e as particularidades de cada história. Eu pude ir percebendo que os números

poderiam ser os mesmos, mas cada trajetória foi única e vivenciada de maneira muito

diferente.

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...Abrindo o leque...

Trabalhar com este objeto de estudo motivou-me a buscar investigá-lo sobre diversos

âmbitos, certamente, sob o encorajamento e supervisão da minha orientadora. Foram muitas

as aprendizagens: ir a campo aplicar questionários; enfrentar resistência e colaboração ao

mesmo tempo; discutir, mudar estratégias no meio do percurso metodológico; olhar para os

dados sob a ótica quantitativa e reconhecer sua importância; buscar o olhar qualitativo,

desvelador. Tudo isso me proporcionou um leque de aprendizagens e desenvolvimento do

raciocínio da pesquisa científica, que carrego agora comigo e busco ainda aprimorar.

“Caminhante tuas pegadas

são o caminho, nada mais.

Caminhante , não há caminho,

faz-se o caminho ao andar”.

A. Machado

Melina Del’Arco de Oliveira

(Candidata ao prêmio)