folio

17
36 Design Traço A Laranja Mecânica nunca pareceu tão simples Texto: Pedro Cristino Fotos: Viktor Hertz

Upload: pedro-cristino

Post on 20-Mar-2016

213 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Some of the articles I wrote for the architecture magazine Traço

TRANSCRIPT

36 Design Traço

A Laranja Mecânicanunca pareceu tão simplesTexto: Pedro Cristino Fotos: Viktor Hertz

36-41 design:design 28-06-2011 15:55 Página 36

Viktor Hertz é um fotógrafo e designer free-lancer de Uppsala, na Suécia, e um ávidoapreciador da Sétima Arte, cujo olhar éatento ao ponto de tornar exequível a jun-ção entre pictograma e cartaz de cinema.Esta ideia teve a sua primeira materializa-ção com o cartaz para o filme de terror TheShining, realizado por Stanley Kubrik em1980. “Utilizei dois símbolos que represen-tam as mulheres”, traduzindo, desta forma,a figura das assustadoras gémeas que mar-cam este filme. A sua segunda incursãonesta odisseia levou-o a outro clássico – Psy-cho. Para esta obra da autoria de AlfredHitchcock, o designer utilizou o “mais básicopictograma de sempre: o símbolo do WC”.“Limitei-me a acrescentar um chuveiro euma faca e foi isso”, descreve, desta forma,este trabalho “muito simples”, mas que, nasua opinião, “funciona bem em conjuntocom o título”.

Universalmente minimalistaO facto de não se considerar talentoso naelaboração de ilustrações detalhadas levouViktor Hertz a desenvolver um conceito decartazes de longas (e curtas) metragens queassenta no minimalismo expresso pelos pic-togramas desenhados nos sinais de trânsitoque vigiam silenciosamente as ruas. “Souum fã de pictogramas desde que me lembro.

37DesignTraço

Adoro a sua simplicidade e o facto de amaioria das pessoas saber, universalmente,o que significam”, explica este designer àTraço, referindo que utiliza frequentementeesta ideia na generalidade do seu trabalho.“Na realidade, integrou-se, de alguma forma,em tudo o que faço actualmente”, reforça,esboçando um sorriso, para depois confes-sar que sabe que, eventualmente, terá dedeixar este conceito. Contudo, este não seráo momento certo para mudar de rumo.“Tenho algumas ideias que ainda necessitode executar”, contrapõe.

Um certo “twist”Um dia, surgiu a Viktor Hertz a ideia de fazeruma série de cartazes de filmes utilizandoapenas pictogramas, recorrendo a uma “gre-lha muito simples, sem cores, com a mesmatipografia neutra e fazendo com que eles te-nham uma aparência semelhante, comoparte de um projecto”. O artista confessaque foi “muito libertador não ter de tomardecisões relativamente a cores e a tipos deletra”, para focar-se somente “nas imagense nos símbolos”. A génese de cada obra con-siste em “tentar pensar em algo inteligenteque se encaixa no filme”. “Percebi que de-veria dedicar-me a coisas simples e lo-fi[baixa fidelidade, utilizada para designar,neste caso, obras de cariz minimalista], ba-

seadas, todavia, numa ideia inteligente quecompõe o cartaz ou a ilustração em si”, ex-plica, reconhecendo que é “mau a escolhercores”, apesar de se achar detentor de “bomgosto”. “Sei do que gosto e penso que sousuficientemente autocrítico para tomar asdecisões correctas, na maioria das vezes”,

O artista confessa quefoi “muito libertador nãoter de tomardecisões relativamentea cores e atipos de letra”

36-41 design:design 28-06-2011 15:55 Página 37

38 Design Traço

“Tentar ser consistente e directo,sem perder a ideia de base, commuitos detalhes e distracções”

36-41 design:design 28-06-2011 15:55 Página 38

39DesignTraço

remata. Na altura de elaborar um destes car-tazes, Viktor Hertz concentra-se em “tentarser consistente e directo, sem perder a ideiade base, com muitos detalhes e distrac-ções”. “Basicamente, quero que as pessoasreconheçam o tema e pensem que faz jus-tiça ao filme”, conclui. Será assim tão sim-ples esta pretensão? Claro que não. No seutrabalho, este artista procura introduziraquilo a que chama um “twist” - uma pe-quena distorção. “É apenas um detalhe inte-ligente, que vira toda a imagem de pernaspara o ar, como a utilização de espaço ne-gativo de uma forma divertida e astuta”, ex-plica Hertz sobre este método que culminaem “algo que faz as pessoas exclamarem“aha!” e sorrirem”. Ficará por aqui a de-manda deste artista escandinavo? Dificil-mente. “Tento criar algo que faz com que osoutros designers desejem ter tido esta ideiaantes de mim, porque conheço essa sensa-ção”, responde, num tom asseguradamentejocoso. O supracitado “twist” que ViktorHertz insere nos seus trabalhos pode bemser a ténue linha que separa o interesse doaborrecimento. “Não quero limitar-me apegar num objecto do filme, pô-lo no meiodo cartaz e escrever o título por baixo”,afirma, explicando que é desta forma que “amaioria dos cartazes de filmes são feitos”.“Alguns são obviamente muito bons, mas

frequentemente acho-os com falta de inspi-ração e criatividade. É demasiado fácil e far-tamo-nos deles muito depressa”, justifica,para destacar que pretende que o seu tra-balho “dure um pouco mais, para que aspessoas possam voltar a observá-lo e, comsorte, encontrem novos detalhes e se divir-tam novamente com ele”. “Preferia ter umapessoa a adorar realmente os meus carta-zes, em vez de dez que apenas gostemdeles e pensem que estão bem”, revela,com uma honestidade que se desdobranuma outra declaração: “não estou a dizerque nunca me torno aborrecido. Acho mui-tos dos meus cartazes demasiado simples egostaria de me ter esforçado mais na suaconcepção”. Assim, o factor de diversão de-sempenha um papel indispensável na cria-ção destas peças, “tanto no processo deconcepção como na forma em que o resul-tado irá afectar o observador”. “Eu queroque o meu trabalho tenha um efeito diver-tido nas pessoas que olham para ele, querocolocar-lhes um sorriso na cara”, afirma, ad-mitindo não querer ser “inacessível, pro-fundo ou sério”. “Quero apenas fazer coisasdivertidas, inteligentes e espirituosas. Adoromontar uma imagem que, no fim, me fazsorrir e assim sei que fica bastante aceitá-vel” refere, confessando-se esperançoso quealguém ache o mesmo que ele. “Alguns dos

meus esboços já me fazem rir, porque sãosimplesmente tolos e bizarros.”

Um coleccionador de filmesPerante todos estes cartazes, que ilustram fil-mes que vão desde o clássico – como Dr.Strangelove (traduzido como Dr. EstranhoAmor) ou The Clockwork Orange (Laranja Me-cânica) – até ao que, no futuro será porven-tura considerado clássico – There Will Be Blood(Haverá Sangue) ou Inception (A Origem) –,torna-se desnecessário perguntar se ViktorHertz é um fã incondicional de cinema – ou um“geek”, na terminologia que a cultura norte-americana tornou quase universal. “Adorotodo o tipo de filmes”, assegura e assume queadquire “demasiados filmes”. “Tenho muitosfilmes que ainda não vi e, mesmo assim, estousempre a comprar filmes novos. Provavel-mente não teria de comprar filmes novos du-rante dois anos, mas estou demasiado ansiosopara encher a minha colecção. Já se deu ocaso de comprar um filme que já tenho.” -havia dúvidas? A Laranja Mecânica e o filmefrancês Irréversible são ambos destacados dasua colecção – quem os viu, não se esqueceráfacilmente dos droogs, no primeiro, e da céle-bre cena do extintor, no segundo. Qual é,então, o seu trabalho preferido? “Estou a ficarcada vez mais contente com o meu cartazpara o Up In the Air (Nas Nuvens). Penso que

36-41 design:design 28-06-2011 15:55 Página 39

40 Design Traço

“Preferia ter uma pessoa a adorar realmente os meuscartazes, em vez de dez queapenas gostem deles e pensem que estão bem”

36-41 design:design 28-06-2011 15:55 Página 40

é um dos meus trabalhos mais inteligentes, com uma utilização cor-recta dos pictogramas, sem deixar de ser leal ao tema do filme”, ex-plica. Por sua vez, Hertz considera que o cartaz de Tron foi dos maisdifíceis “de um ponto de vista técnico”. “Continuo a achar que não ficoumuito bem, não estou realmente satisfeito com esse. Não tinha umaboa ideia antes de conhecer e demorou um bom bocado até ter todosos elementos no sítio certo”, admite, acrescentando que este facto sócomprova a teoria de que os melhores trabalhos são feitos “muito de-pressa, sem estarem enterrados em detalhes e questões técnicas”.“Eu adoro ter uma ideia e concretizá-la rapidamente, em poucos mi-nutos. Se a ideia for boa, não interessa mais nada. As pessoas não sequeixam das cores ou dos tipos de letra se a ideia for muito boa e in-teressante. Eu, pelo menos, não me queixo”, esclarece.

Do grande para o mini ecrãPara além das curtas e longas metragens, no pequeno e no grandeecrã, Viktor Hertz é um confesso espectador do canal que quase po-deria ser descrito como o mini ecrã – o Youtube. “Era capaz de pas-sar horas a ver gatos e outros animais a fazerem coisas estúpidas”,declara o designer sueco à Traço, sem deixar de referir também o ca-rácter hilariante dos vídeos dos “piores ladrões do mundo”. “Esperoque eles [os autores] descubram que contribuíram para o mundo daspessoas aborrecidas nos escritórios, que estão sentadas ao compu-tador a rirem-se daqueles erros”, conclui. Como nota final, Hertz deixaum comentário a eventuais apreciadores do seu trabalho: “estejam àvontade para me contactar, se acharem que posso ser útil em qual-quer tipo de ideia divertida, criativa ou louca. Sou, na realidade, bas-tante barato, por isso aproveitem a hipótese de me explorarem, antesde eu ter uma formação adequada e um emprego fixo. Espero eu.”

http://viktorhertz.carbonmade.com/

41DesignTraço

36-41 design:design 28-06-2011 15:55 Página 41

Texto: Pedro CristinoFotos: Hugo Gamboa

Um pedaço de várias artes

72 Arte Traço

72-73 arte:Apresentação 1 28-06-2011 16:16 Página 72

Um verdadeiro multiusos. Esta seria, por-ventura, a expressão mais adequada paradescrever, de forma resumida, o Chapitô,não fosse tão cinzenta e industrial e não fa-lássemos nós de um espaço verdadeira-mente afável e risonho. Na realidade, umlocal situado na Costa do Castelo, em Lisboa,dificilmente poderia ser caracterizado atra-vés de semelhante abordagem. O Chapitô éum sorriso reguila para quem vislumbra Lis-boa de uma perspectiva como a do alto doElevador de Santa Justa. Um piscar de olhopara o experiente observador panorâmico dacidade, que se senta no miradouro da Graça.Está quase escondido, mas deixa um acenoà vista.

Uma partida na Costa do CasteloA experiência neste local é uma verdadeirapartida à percepção e começa logo na en-trada, quando a porta – de um padrão queencontraríamos na divisão interior de umahabitação – nos deslumbra, ao deslizar emostrar os telhados dos edifícios lisboetascapturados e guardados neste pedaço de jar-dim que não esperaríamos encontrar na ci-dade. Aqui, com os permanentesmovimentos ruidosos de Lisboa abafadospelas paredes, encontramos um local que sedivide, primariamente, em restaurante inte-rior – Restô – e esplanada que mais tarde re-vela ser tão mais do que isso. Abriga desde otípico dj-set até às actividades de animaçãoe de teatro e abre as páginas da sua biblio-teca para o leitor incauto, apanhado nas ma-lhas deste espaço de tertúlia e debate, ondepoderá ser encontrado o arquivo “sobre o

mundo do espectáculo em geral e do circoem particular”.

Um convite geralO que torna este espaço tão suis generis? Po-derão ser os sapatos de palhaço gigantes de-senhados numa das paredes, bem como aescada em caracol que liga o espaço exteriorao bar no piso inferior – o Bartô – ou até opróprio ambiente de um local que tantoserve de refúgio para o simples lazer ocioso,como de Escola Profissional de Artes e Ofí-cios do Espectáculo. Poderá até ser este as-pecto rústico-árabe de um jardim que,noutros tempos, poderá ter servido para re-pouso de um qualquer nobre do antigo reino.Ou então, vamos manter-nos fiéis à descri-

ção da mentora do pro-jecto, Teresa Ricou, ejustificar este carácterúnico com o facto de oChapitô ser “uma casasuficientemente grandepara nos receber atodos, ancorados na so-lidariedade da festa, esuficientemente pe-quena para abrigar cadaum de nós”. Neste am-biente, o visitante é con-vidado a fazer parte deum quadro polvilhadopor um lirismo saído dasencostas da cidade, pró-prio de contos de fada,onde só faltam mesmoas personagens-tipo.

73ArteTraço

Quase escondido entre as fileiras de edifícios na zona antiga da cidade, o Chapitô tem a capacidadede maravilhar qualquer visitante através de uma variedade de elementos que começam assim que aporta da rua se abre. Seja um nariz vermelho, o folhear de um livro ou um copo cheio, este local con-

segue ter algo para todos os gostos

72-73 arte:Apresentação 1 28-06-2011 16:16 Página 73

femininas de rosto velado e retratos emplanos de cariz cinematográfico”, napresença das quais lançou “no espaçoum conjunto de letterings evocativosdas suas diferentes assinaturas”, reve-lando as “máscaras que foi vestindo aolongo da sua vasta carreira”. O senhordo segundo piso agracia as viaturas quecirculam no parque com as suas letrasque “surgem calorosas nas palavras, pa-recendo materializadas ora numa subs-tância translúcida e açucarada, de tonsquase gelatinosos, ora numa paisagem

76 Arte Traço

Através da mestria de cinco criadores nacionais, a arte urbana conquistou mais um pedaço de espaçoem Lisboa, desalojando a simplicidade de uma fria cor branca que, de outro modo, poderia assombrar

o interior do parque de estacionamento do Chão do Loureiro. Mar, Nomen, Ram, Miguel Januário ePaulo Arraiano foram os emissários desta ordem de despejo ao vazio que ecoaria pelas paredes de um

antigo mercado que se ergue entre os sopés das colinas da cidade

Cinco olhares de mestreconquistam Chão do Loureiro

Texto: Pedro CristinoFotos: Mariana Paramês

de nuvens rarefeitas e verdes planí-cies”. Mas Nomen é um governante nostál-gico e submerge a sua criação numa“dimensão onírica, envolta em balões desabão que nos transporta para a nossa tãodoce infância”.

O templo de terra materA deusa da Terra, “Tellus”, na mitologiaromana, “Gaia”, na mitologia grega, “ousimplesmente terra mater”, transportouno seu ventre a inspiração de Paulo Ar-raiano que, no terceiro piso, fez brotar

Armados de cor e forma, os cinco percorre-ram a espiral que liga o interior do edifício e,consumada a invasão, partilharam o espó-lio - um piso para cada um, “A César o queé de César”. A inércia reinante foi subju-gada, golpeada com cada traço desferidopelas suas mãos, até sucumbir e dar lugar auma nova paisagem, menos sóbria – e por-que temos de estar sempre sóbrios? - masessencialmente viva e abstracta.

O senhor do segundo pisoNomen orquestrou, no seu feudo, “figuras

76-77 arte:Apresentação 1 28-06-2011 16:20 Página 76

77ArteTraço

as sementes de um espaço de reflexão,“entre a natureza e o meio urbano e,por sua vez, entre o sagrado e o profano”- elementos que, segundo o artista, são es-quecidos perante a “energia absorvente epoluente da urbe”. Para contrariar a deca-dência e corrupção urbana, Paulo Arraianoliderou o rumo das raizes que, percorrendoas paredes que delimitam o seu território,transportam a energia que flui da natureza,cobrindo o espaço e materializando um“templo onde podemos estar, contemplar eparar para retomarmos a consciência danossa ligação à Terra, a nós próprios”.

As faces de uma cidadeOs olhares de quem interagiu com Lisboaforam guardados pela cidade, que os re-flecte agora, dirigidos aos visitantes doquarto piso. Para Miguel Januário, regentedesta parcela do parque, “a alma das cida-des é feita das pessoas que por elas pas-sam, das pessoas que as habitam, das suasligações, das suas histórias e das inúmerasrealidades que se cruzam”. Há uma rela-ção de reciprocidade entre pessoa e ci-dade que este artista reproduz agora eque nasce das “marcas que as pessoasdeixam no espaço”, que são, por suavez, “as marcas que o espaço deixa naspessoas, formando assim, em conjunto,a essência e a alma da cidade”. As facesque surgem entre as ruas e edifícios ur-

l inearmente o universo Pop da Mar-vel e Rua Sésamo, juntamente com omundo crípt ico do graff i t i , com ele-mentos da cultura trash televisio -nada e todo um novo bestiár io decriaturas fantásticas na linha de umsurrealismo Pop, intensamente Low-brow”.

O cosmos de RamO último piso desta galeria de arte éterra de Ram, onde, através da sua co-reografia, foi criado um “cosmos” deharmonia entre cores e formas, onde éevocada a “herança” de Jackson Pollock.Aqui, Ram instalou a continuidade, atra-vés de “uma viagem em ecrãs, para umuniverso paralelo de água e ar”, onde avisão é abraçada por “imagens circun-dadas de dourado e baseadas em cortesde linhas aquosas, onde existem peque-nas bolhas de ar com vestígios de árvo-res, flores e paisagens”. Aqui não hálugar para distopias. Aqui, procura-se o“equilíbrio entre cores e formas, queproporciona uma ambiência confortávele harmoniosa”, da qual é emanada umasensação de “fusão entre o espaço e oconceito de uma ecologia energética”.Neste “cosmos” poderá ser constante-mente descoberta “uma outra realidade,uma mancha de cor distinta, um traçodiverso, um novo sinal”.

banos são a personificação da “históriaindividual de cada personagem”, uma“palavra na descrição total da cidadeque formamos, Lisboa”.

A Pop e tudo o resto“O caçador de origami inicia a sua buscae descobre, finalmente, que é o seu pró-prio origami”, escreve Mar na narrativaque elaborou para o seu reino, no quintopiso. A obra deste criador é o culminarde uma relação constante entre “figurasdo imaginário popular” que se conjugamcom “figuras da mitologia grega”, talcomo “velhos heróis, com novos super-heróis”. Mar jogou com um vasto con-junto de relações, algumas maisprováveis, outras mais inconcebíveis,colocou a “cultura Pop contemporânea”em convívio com “a tradição clássica,numa fusão em que deuses, semi-deu-ses e neo-deuses serão representadossob uma orientação estilística nova, quevai ao encontro de uma linguagem ondepredominam as cores, expressividade eemoção”. No seu trabalho, este artistadirige um “especial ênfase para certoselementos estruturais como as mãos eos corpos volumétricos, na expressão dopróprio acto de desenho”. É um limiarda realidade, um espaço entre várias di-mensões, em que as linhas que as sepa-ram são ténues, e reflecte “clara e

76-77 arte:Apresentação 1 28-06-2011 16:21 Página 77

TRAÇO # Março nº 1316

Internacional

Onovo Education Centre, em Marknagil, situar-se-á numacolina, nos arredores de Torshavn e servirá de base paraa coordenação e para o futuro desenvolvimento de todos

os programas educacionais na região. Como o “maior projecto de constru-ção na história” desta região autónoma da Dinamarca, segundo a informa-ção enviada pelo atelier BIG, esta instituição agregará a escola secundária,a universidade técnica e a universidade de economia e gestão, albergandocerca de 1200 alunos e 300 professores. O projecto vencedor, foi escolhi-do por unanimidade, entre cinco candidaturas, por um júri composto porum arquitecto, representantes do Ministério da Cultura e por reitores decada uma das três escolas. “Desde a primeira apresentação, a equipademonstrou ter um bom controle do que lhe foi incumbido. O projecto foiclaro e pensado desde o início, com uma boa comunicação da sua “funcio-nalidade””, declararam os elementos deste júri.

Uma escola dentro de outra escolaLocalizado ao longo de uma colina, 100 metros acima do nível do mar, comuma vista panorâmica que contempla também as montanhas e o porto deTorshavn, o projecto foi concebido como um vórtice, que irradia em direc-ção à sua envolvente, enquanto mantém o foco na paisagem interior daescola, de forma a “aprender as lições de vida”. Cada instituição está orga-

nizada como uma escola dentro de outra escola, com condições ideais paracada uma delas, enquanto é criada uma consciência de comunidade para aaprendizagem. A generosa envolvente proporciona “oportunidades únicaspara que o centro se molde de dentro para fora”, como uma “escultura fun-cional formada pelas necessidades internas das escolas”.

Escolas feroesasreunidas na ladeira de TorshavnEm conjunto com a equipa de consultores da Fuglark, o atelier de Bjarke Ingels venceu o concurso para

aquela que é, até à data, a “maior encomenda” nas Ilhas Feroe. Esta encomenda consiste no projecto para

uma escola de 19.200 metros quadrados em Torshavn, capital deste território dependente da Dinamarca

Texto de Pedro Cristino Fotos de DR

16-17 big:Traço 13 22-03-2010 15:54 Página 16

TRAÇO # Março nº 1317

PUBLICIDADE

Internacional

Promoção da convergênciaCada centro de ensino funcionará de forma indepen-dente, compreendendo o espaço que necessita, compossibilidade de crescer no futuro. Adicionalmente, acombinação das três escolas sob o mesmo telhadocriará “o efeito sinergético de um campus vertical”. Nocoração da escola situa-se uma rotunda num espaçoaberto, o que cria “pontos de encontro naturais entreos pisos e os interesses académicos”. O interior esca-lonado reflecte “a paisagem ondulante feroesa com osseus planaltos alternos”, servindo as escadarias e osterraços diferentes actividades sociais e académicas.

Necessidades internas vs limitaçõesexternasNas palavras de Bjark Ingels, director criativo do atelierBIG, a escola é um “diagrama pedagógico, transpostopara a forma de um edifício”, situado numa paisagem deladeiras e formado pelas “considerações das necessida-des funcionais internas e não pelas limitações externas”.A expressão arquitectónica do novo Education Centre emMarknagil captura a essência da expressão “a formasegue a função”. Para Jakup Pauli Johannesen, sócio daFuglark Architects, a arquitectura desta obra colocaênfase “na igualdade educacional, com lobbies e umespaço de rotunda central, que promove uma noção decomunidade através das três diferentes escolas”. �

16-17 big:Traço 13 22-03-2010 15:54 Página 17

TRAÇO # Junho nº 148

Na cidade que foi já o centro do Cristianismo nos Países Baixos, a ideia de converter umacapela num espaço habitacional poderá necessitar de alguma coragem. Essa coragemfoi transposta para projecto através do trabalho de Rolf Bruggink e Marnix van der Meer,

do Zecc, o atelier com “raízes profundas”, como se descrevem no seu website, sedeado, ou se o leitor pre-ferir, enraizado, em Utrecht, cidade onde o projecto em causa foi executado.

Manter o contraste“O mezanino perto do órgão é mantido e ampliado na forma de um elemento organizador, livre no espa-ço”, refere a memória descritiva, acrescentando que este elemento “define os diferentes espaços” dacasa, que dispõe de uma superfície de 250 metros quadrados. “Viver, cozinhar e estudar na capela”,referem os arquitectos holandeses, quanto às actividades que podem ser desempenhadas naquele quejá foi um antigo local de culto. É criada uma nova “hierarquia” no que concerne ao espaço, através dadisposição “assimétrica” do “elemento organizador”. Este objecto é mantido de uma forma “muito mini-malista” e é dotado de “formas abstractas”, que conduzem a um contraste com as formas “originais esuaves” da capela. Também o cristal de chumbo sobreviveu à reconversão deste imóvel, “apesar de con-tribuir para o carácter escuro da igreja”, como explica a memória descritiva, referindo que, por estemotivo, foram instaladas janelas no telhado, através das quais a luz do sol se difunde no interior da cape-la, o que, “em combinação com acabamentos completamente brancos” dá “vida” ao cristal de chumbo.

Texto de Pedro Cristino Fotos de Cornbread Works

Internacional

Aqui já não se reúne a congregação há vários anos. A voz ecoadora do sermão eclesiástico

e o coro do rebanho foram substituídos pelos ruídos rotineiros produzidos pela vivência

numa habitação, aos quais se acrescentarão, talvez, os sopros dos tubos do órgão que

testemunhou toda esta transformação de tonalidades claras e expectantes

Nesta capela já não se rezam missas

03-11 Traço 14:03-11 Traço 14 22-06-2010 18:32 Página 8

TRAÇO # Junho nº 14 9

O arrojo e o abstracto“Elementos específicos e caracterizadores, como relíquias, são mantidos e utilizados”, criando um “campo de tensão” entre a “anterior e a nova função dacapela”. A falta de janelas à altura dos olhos causava uma impressão “fechada”,por isso, “era necessário haver contacto com a cidade”, referem os res-ponsáveis do projecto, que resolveram esta situação com a introdução de uma versão nova, “algo arrojada e abstracta”, de armação em cristal de chum-bo. O resultado foi uma fachada em vidro, “quase ao estilo Mondriaan”, o pintor modernista holandês. Criou-se um elemento que “contém referências aocristal de chumbo original, que conta uma história religiosa, de uma forma mais estética”.

Reflexos de corO contraste entre o antigo e o moderno acaba por ter um carácter tão pungente quanto o reflexo das cores dos vitrais transportado para as superfíciesbrancas. A casa de banho acaba por ser um elemento que marca a diferença do resto da casa, na medida em que se reveste de uma cor mais escura. �

Internacional

PUBLICIDADE

03-11 Traço 14:03-11 Traço 14 22-06-2010 18:32 Página 9

TRAÇO # Setembro nº 15 49

Design

Texto de Pedro Cristino # Fotos D.R.

As linhas são italianas,o conceito é japonês

Origami é o nome desta linha de mobiliário de escritóriodesenvolvida pelo arquitecto italiano Paolo Favaretto paraa Guialmi. “É necessário tentar fazer algo novo, diferente e

inovador, sem deixar de seguir a tradição da empresa”, explica Favaretto,referindo-se à filosofia do seu trabalho. A linha Origami nasceu enquanto oarquitecto transalpino “brincava com papel”, ao jeito dos trabalhos de dobra-gem de papel que os japoneses tornaram famosos. “Descobri que este tipode forma era bastante diferente, mas também era simples, em termos decompreensão”, revelou, mencionando que “é fácil entender a utilização doproduto. Contudo, se o virarmos 60 graus, temos uma imagem diferente emcada nível”. “Nada é apenas quadrado, vertical ou horizontal, excepto, claroestá, o topo”, explicou, referindo-se à mesa criada segundo o conceitoOrigami. O objectivo de Favaretto com a Origami era “fazer algo completa-mente diferente do que existe no mercado, mas que não fosse absurdo”,uma vez que este arquitecto acredita que se pode ser “inovador, sem deixarde criar algo que as pessoas possam compreender”.

De Águeda para o mundoCom sede em Águeda, a Guialmi está presente em muitos países, desde Áfri-ca, ao Médio Oriente. Quanto à Origami, o director-geral da Guialmi refereque, quando foi desenvolvido este produto, foi tido em conta que o seu alvoera um conjunto de clientes “selectivo”. Neste sentido, os responsáveis daempresa concluiram que “seria importante desenvolver um produto com umforte grau de diferenciação e que, simultaneamente, apanhasse um lequetão vasto de clientes quanto possível”. “Tivemos alguma preocupação emdefinir os acabamentos por forma a apanharmos um conjunto de clientes domais minimalista ao mais conservador”, revela, esclarecendo que, “de qual-quer maneira foi tido em linha de conta que há algum requinte por parte dequem faz a selecção”, o que o levou a aceitar “algum arrojo estético” porparte de Paolo Favaretto. �

A linha Origami nasceu do know-how do arquitecto

transalpino Paolo Favaretto enquanto este “brinca-

va com papel”, reproduzindo as formas de animais,

ao estilo japonês. Agora a Guialmi leva este concei-

to aos escritórios nos quatro cantos do globo

49 Guialmi:Traço 15.qxd 17-09-2010 21:33 Página 49

TRAÇO # Dezembro nº 1614

Internacional

“Sem estilo. Porque hás-de te restringir?” é um doslemas do atelier dmvA, sedeado na cidade belga deMechelen, ou Malines, um importante pólo artístico

na região da Flandres. Poderá ser esta filosofia arrojada que sustenta aabordagem que culminou no projecto da House S, situada nesta mesmacidade de língua neerlandesa, que alberga quatro construções classificadascomo Património Mundial da UNESCO.

Um vazio agregadorNo seu cerne, a House S é a extensão de uma moradia já existente, que surgedo aumento do número de membros de uma família. “Uma casa é o que tufazes dela e não apenas aquilo que é no momento em que a adquires”, refe-riu o designer norte-americano Ricardo Fernandez, quando se debruçou sobreesta obra, num artigo de sua autoria. “A casa existente foi ampliada de acor-do com os regulamentos de construção, 17 metros de piso térreo, 13

metros no primeiro andar e um telhado de duas águas com 9 metros”, expli-ca a memória descritiva deste projecto. Em resposta à falta de iluminaçãonatural no piso térreo, os arquitectos projectaram um “vazio central”, conce-bido com um “corte através dos três pisos” para que a luz pudesse entrar naresidência pela “enorme clarabóia”. De forma a não se perder espaço, foi colo-cado um vão em vidro, que serve de piso, no lugar do vazio resultante da ideiado atelier dirigido por Tom Verschueren e David Driesen. Este “feixe de luz”materializado em vidro “coordena e liga” todas as diferentes divisões da casa.“O conceito do vazio central com piso em vidro assume igualmente relevânciaem aspectos educacionais, na medida em que é criada uma transparênciaespacial, através da qual são ligados todos os espaços”, explicam os arqui-tectos belgas. Neste âmbito, a memória descritiva esclarece que as criançasdeste agregado familiar são criadas com ênfase na noção de “vivência em con-junto, um dos princípios principais da educação”. Ao mesmo tempo, contudo,“todos têm o seu próprio espaço à disposição”.

A extensão da luz

Texto de Pedro Cristino Fotos de Frederik Vercruysse

08-15 internacional:Traço 16.qxd 10-12-2010 16:15 Página 14

TRAÇO # Dezembro nº 16 15

Internacional

Aproveitar os antagonismosA House S é “articulada à volta de uma série de antagonismos, como rua versus jardim, fechado ver-sus aberto, escuridão versus luz, austero versus escultural”. Por sua vez, cada aspecto da fachadavoltada para a rua é o oposto da fachada traseira, tendo a concepção da primeira “resultado da inten-ção de projectar o sol e de proteger a privacidade, a proximidade e o urbanismo”. Esta fachada é carac-terizada principalmente pela “verticalidade”, sem deixar, contudo, de corporizar “uma interpretação con-temporânea das cortinas de correr, tão tradicionais no passado”. A fachada traseira é, ao invés, “aber-ta, limpa e branca, com grandes aberturas que proporcionam um carácter escultural à composição”.

“A audácia!”O atelier dmvA surge da vontade de David Driesen e Tom Verschueren em exprimirem-se “através daarquitectura” e apresenta-se como um expositor de abordagens e pensamentos nesta disciplina.“Maximalismo minimal”, é um dos slogans com que se apresentam ao público - “arquitectura forte-mente detalhada, na qual o maximalismo é alcançado de uma forma minimalista” - sem deixarem dedemonstrar também a sua audácia, com abordagens em que clamam que “a arquitectura intemporalnão existe”. �

08-15 internacional:Traço 16.qxd 10-12-2010 16:15 Página 15