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TransInformação, Campinas, 22(2):111-121, maio/ago., 2010 Folksonomia: esquema de representação do conhecimento? Folksonomy: knowledge representation system? Mariana BRANDT 1 Marisa Brascher Basílio MEDEIROS 2 R E S U M O O artigo tem como objetivo estudar a folksonomia sob a óptica da representação do conhecimento. Para isso, apoia-se em revisão bibliográfica das abordagens em organização do conhecimento propostas por Hjorland, nas quais a folksonomia encontra bases para ser analisada: abordagem baseada no usuário, cognitiva, social e da recuperação da informação. Traz uma breve discussão sobre organização do conhecimento e organização da informação, definindo como tais conceitos serão tratados no artigo. Ressalta os pontos positivos e negativos da folksonomia como esquema de representação do conhecimento, analisando também como essa estrutura pode ou não refletir conhecimento. Identifica a folksonomia como um sistema construído de forma inversa em relação aos outros sistemas, em que a coleta de termos e estruturação é feita a posteriori. Enquadra a folksonomia nos esquemas de representação, no sentido de ser vista como ferramenta semântica. Propõe novos tipos de estudos que comparem a folksonomia com os esquemas tradicionais de representação do conhecimento, como tesauros, taxonomias e ontologias. Palavras-chave: Folksonomia. Organização do conhecimento. Organização da informação. Representação do conhecimento. Web. A B S T R A C T The article aims to study folksonomy in the view of knowledge representation. A bibliographic review of the approaches to knowledge organization proposed by Hjorland is conducted in order to find out how folksonomy can be matched. The approaches are: user-based, cognitive, social and information retrieval approach. The article also includes a brief discussion about knowledge organization and information organization, defining how those concepts will be addressed in the article. It highlights the positive and negative aspects of folksonomy as a knowledge representation scheme, and it also analyzes how it can reflect or fail to reflect knowledge. In addition, it identifies folksonomy as a system designed differently than other systems, in which term collections and structure is done a posteriori. It sets folksonomy in the representation schemes, in order to be considered a semantic tool. It suggests new studies to compare folksonomy to the traditional knowledge representation schemes, such as thesauri, taxonomies and ontology. Keywords: Folksonomy. Knowledge organization. Knowledge representation. Information organization. Web. 1 Professora, Universidade de Brasília, Faculdade de Ciência da Informação, Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informa- ção. Anexo à Biblioteca Central da UnB, Campus Universitário Darcy Ribeiro, 70919-970, Brasília, DF, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: M. BRANDT. E-mail: <[email protected]>. 2 Professora Doutora, Universidade de Brasília, Faculdade de Ciência da Informação, Departamento de Ciência da Informação e Documentação. Brasília, DF, Brasil. Recebido em 19/4/2010 e aceito para publicação em 7/7/2010. ARTIGO ARTICLE

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Folksonomia: esquema de representação do conhecimento?

Folksonomy: knowledge representation system?

Mariana BRANDT1

Marisa Brascher Basílio MEDEIROS2

R E S U M O

O artigo tem como objetivo estudar a folksonomia sob a óptica da representação do conhecimento. Para isso,apoia-se em revisão bibliográfica das abordagens em organização do conhecimento propostas por Hjorland, nasquais a folksonomia encontra bases para ser analisada: abordagem baseada no usuário, cognitiva, social e darecuperação da informação. Traz uma breve discussão sobre organização do conhecimento e organização dainformação, definindo como tais conceitos serão tratados no artigo. Ressalta os pontos positivos e negativos dafolksonomia como esquema de representação do conhecimento, analisando também como essa estrutura podeou não refletir conhecimento. Identifica a folksonomia como um sistema construído de forma inversa em relaçãoaos outros sistemas, em que a coleta de termos e estruturação é feita a posteriori. Enquadra a folksonomia nosesquemas de representação, no sentido de ser vista como ferramenta semântica. Propõe novos tipos de estudosque comparem a folksonomia com os esquemas tradicionais de representação do conhecimento, como tesauros,taxonomias e ontologias.

Palavras-chave: Folksonomia. Organização do conhecimento. Organização da informação. Representação doconhecimento. Web.

A B S T R A C T

The article aims to study folksonomy in the view of knowledge representation. A bibliographic review of theapproaches to knowledge organization proposed by Hjorland is conducted in order to find out how folksonomycan be matched. The approaches are: user-based, cognitive, social and information retrieval approach. Thearticle also includes a brief discussion about knowledge organization and information organization, defining howthose concepts will be addressed in the article. It highlights the positive and negative aspects of folksonomy as aknowledge representation scheme, and it also analyzes how it can reflect or fail to reflect knowledge. In addition,it identifies folksonomy as a system designed differently than other systems, in which term collections and structureis done a posteriori. It sets folksonomy in the representation schemes, in order to be considered a semantic tool.It suggests new studies to compare folksonomy to the traditional knowledge representation schemes, such asthesauri, taxonomies and ontology.

Keywords: Folksonomy. Knowledge organization. Knowledge representation. Information organization. Web.

1 Professora, Universidade de Brasília, Faculdade de Ciência da Informação, Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informa-ção. Anexo à Biblioteca Central da UnB, Campus Universitário Darcy Ribeiro, 70919-970, Brasília, DF, Brasil. Correspondênciapara/Correspondence to: M. BRANDT. E-mail: <[email protected]>.

2 Professora Doutora, Universidade de Brasília, Faculdade de Ciência da Informação, Departamento de Ciência da Informação eDocumentação. Brasília, DF, Brasil.Recebido em 19/4/2010 e aceito para publicação em 7/7/2010.

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Folksonomia é o resultado do processo deetiquetagem, também chamado de classificação social,de recursos da web. Isso significa dizer que as própriaspessoas, no caso, usuários da informação, classificamos documentos. O termo surgiu em 2004 no contextoda Internet, onde a observação de uma práticacrescente - a atribuição de etiquetas (tags) a conteúdosinformacionais, despertou o interesse de pessoas queacompanham os fenômenos que ocorrem na web. Talinteresse suscitou um tópico sobre o assunto em umalista de discussão e daí uma necessidade dedenominação de tal fenômeno.

A criação do termo folksonomia é atribuída aoarquiteto da informação Thomas Vander Wal, que odefine como:

[...] o resultado da atribuição livre e pessoal deetiquetas a informações ou objetos (qualquercoisa com URL), visando à sua recuperação. Aatribuição de etiquetas é feita num ambientesocial (compartilhado e aberto a outros). Aetiquetagem é feita pelo próprio consumidorda informação (Wal, 2007, online).

Segundo o autor, o termo vem da sugestão deoutro membro da lista, Eric Scheid: folk classification(classificação por pessoas, ou social). O prefixo folk éentão usado por Wal para substituir o ‘tax’, detaxonomia, gerando o termo folksonomia. Considerandoquestões etimológicas, o termo é congruente, já queelimina o tax (regra) da taxonomia: a folksonomia éuma atribuição livre e pessoal de etiquetas, ou seja,livre das regras impostas por uma taxonomia.

Relata-se na literatura que os primeiros sites apermitirem que seus usuários atribuíssem etiquetas aosrecursos informacionais foram o Del.icio.us™ (http://del.icio.us/), em 2003 e posteriormente o Flickr™ (http://www.flickr.com/). Em pouco tempo, vários outrosserviços de informação na web passaram a adotar talprática. Com isso, a folksonomia vem sendo umaaclamada implementação da chamada Web 2.0.Segundo O’Reilly (2005), as taxonomias tradicionais eestruturas em diretório são características da Web 1.0,enquanto a folksonomia se enquadra no contexto decompartilhamento proposto pela Web 2.0.

Este artigo pretende analisar a folksonomia soba óptica dos esquemas de representação do conheci-

mento de acordo com as abordagens indicadas porHjørland (2007a), identificando possíveis característicasque permitam enquadrá-la, ou não, como tal.

O R G A N I Z A Ç Ã O D O C O N H E C I M E N-T O V E R S U S O R G A N I Z A Ç Ã O D A I N-F O R M AÇ Ã O

Para se discutir organização do conhecimento eda informação deve-se, primeiramente, fazer uma brevedistinção dos conceitos “conhecimento” e “informação”.Há muita discussão sobre o tema, mas para fins destaanálise, entende-se conhecimento como o conjunto deconceitos (unidades do conhecimento) presentes emdeterminada área temática, e informação como oregistro físico desse conhecimento. A partir daí, pode--se entender organização do conhecimento eorganização da informação.

Para Dahlberg (2006), citado por Hjørland(2007c, tradução nossa), organização do conhecimento

[…] é a ciência de construir e arranjar sistema-ticamente unidades do conhecimento (concei-tos) de acordo com seus elementos do conhe-cimento (características) inerentes e a aplica-ção de conceitos e classes de conceitos orde-nados por sua forma de atribuição de conteú-dos de referência válidos (objetos/sujeitos/as-suntos) de todos os tipos.

Pode-se entender, então, que a organização doconhecimento está relacionada com um processo deanálise conceitual de um domínio do conhecimento, e,a partir daí, sua estruturação, gerando uma represen-tação do conhecimento de tal domínio. Dessa forma,obtém-se um instrumento - um esquema de representa-ção do conhecimento - que será então usado para aorganização da informação desse domínio de conheci-mento produzida.

Taylor (2003) também faz essa discussão emrelação ao que é organizado. Para a autora, organi-zamos informação quando a organizamos para obenefício de outras pessoas, ou seja, organizamos osobjetos que contém informação. Taylor denomina taisobjetos como objetos informacionais: unidades deinformação organizável. Para este trabalho, optou-sepor utilizar a denominação objeto informacional, comoproposto por Bräscher e Café (2008).

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Dessa forma, tem-se a distinção entreorganização do conhecimento e organização dainformação: a partir da organização do conhecimentode um domínio, como definido por Dalhberg, pode-seorganizar a informação, ou os objetos informacionaisproduzidos neste domínio, como entendido por Taylor.Para tanto, utilizam-se os esquemas de organizaçãoou representação do conhecimento. De forma ampla,podem-se considerar os objetos informacionais comoas unidades de organização do conhecimento. Há,porém, autores como Broughton et al. (2005) queafirmam que para cada abordagem em Organizaçãodo conhecimento, há uma unidade diferente a serorganizada.

Já para Hodge (2000), o termo sistema deorganização do conhecimento pretende englobar todosos tipos de esquemas para organização da informaçãoe promover o gerenciamento do conhecimento. A autorautiliza o termo de acordo com a definição cunhadapela Network Knowledge Organization Work Groupem seu primeiro encontro em 1998.

Hjørland (2007c) discute que a definição deDalhberg (1993) remete a um processo, mas defendeque o estudo da organização do conhecimento se dáem duas vertentes: os processos de organização doconhecimento e os sistemas de organização doconhecimento. Para Broughton et al. (2005), no sentidoestrito, organização do conhecimento se refere aossistemas de organização do conhecimento comoregistros bibliográficos, sistemas de classificação, redessemânticas e tesauros. Já os processos de organizaçãodo conhecimento, segundo os autores, são acatalogação, a classificação, a indexação, e a análisede assunto. Tais processos são entendidos por Taylorcomo organização da informação, e não doconhecimento, conforme citado anteriormente.

Tem-se, então, que o termo “organização doconhecimento” é entendido por alguns autores comoum “processo” (que para outros autores seria or-ganização da informação). Este processo pode utilizarcomo auxílio para sua execução uma ferramentaelaborada para a “representação do conhecimento”,ou seja, um esquema de representação do conhe-cimento - que é a outra vertente da disciplina “Orga-nização do conhecimento”, nessa perspectiva. Destaforma, acredita-se que a denominação “esquema derepresentação do conhecimento” seja mais apropriadae menos ambígua, sendo, portanto, adotada nestetrabalho.

Tal denominação é também utilizada por Sowa(2000). O autor afirma que representação doconhecimento é um assunto multidisciplinar que aplicateorias e técnicas de três outras áreas: lógica, ontologiae computação. A representação do conhecimento, paraeste autor, é a aplicação da lógica e da ontologia nastarefas de construção de modelos computadorizadospara algum domínio. Essa visão é, de certa forma,restrita para a análise proposta neste trabalho.

Muito antes disso, Vickery (1986) também usa otermo “representação do conhecimento”, e fala queessa vem sendo uma questão que preocupa o mundoda documentação desde sua origem. Afirma ainda quea questão passou a ser preocupação também de váriasoutras áreas como computação, linguagem, inteligênciaartificial e psicologia. Em todas essas áreas é necessáriodefinir como o conhecimento vai ser representado paraque as representações permitam sua manipulação. ParaVickery (1986, p.145):

Muitas técnicas diferentes de representação doconhecimento vêm sendo desenvolvidas emcada campo, as variações costumam se dar deacordo com os diferentes tipos de manipula-ção que serão feitas. Mas há algumas conver-gências interessantes e parece que cada campotem algo a aprender com os outros.

Como se pode notar, não há um consenso sobreo conceito de organização do conhecimento(independente do termo utilizado, organização ourepresentação) entre os autores. Em artigo recente,Bräscher e Café (2008), apresentam uma propostaconceitual preliminar para as áreas de organização dainformação, organização do conhecimento,representação da informação e representação doconhecimento. As autoras se baseiam nos conceitos deFogl sobre informação e conhecimento e nas definiçõescitadas anteriormente de Taylor, Svenonius, Hodge eDahlberg, além de outros autores como Shera, Egan eSoergel. Sobre organização e representação dainformação, autoras concluem então que:

A organização da informação é, portanto, umprocesso que envolve a descrição física e deconteúdo dos objetos informacionais. O pro-duto desse processo descritivo é a represen-tação da informação, entendida como umconjunto de elementos descritivos que repre-sentam os atributos de um objeto informacionalespecífico (Brascher; Café, 2008, p.5).

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E em relação à organização e representação doconhecimento:

Delineamos a organização do conhecimentocomo o processo de modelagem do conheci-mento que visa a construção de representaçõesdo conhecimento. […] A representação do co-nhecimento é feita por meio de diferentes tiposde sistemas de organização do conhecimento(SOC) que são sistemas conceituais que repre-sentam determinado domínio por meio da sis-tematização dos conceitos e das relações se-mânticas que se estabelecem entre eles(Bräscher; Café, 2008, p.8).

Para fins desta análise, serão adotadas asabordagens em organização do conhecimento propostaspor Hjørland e a proposta conceitual de Bräscher eCafé, para organização do conhecimento, organizaçãoda informação, representação do conhecimento erepresentação da informação. Apenas a denominaçãodas autoras para Sistemas de organização doconhecimento não será adotada, utilizando-se aqui,conforme explicado anteriormente, a denominaçãoEsquemas de representação do conhecimento.

Abordagens em organização do conheci-mento

A partir da sistematização proposta por Hjørland(2007a), pode-se traçar um pequeno histórico dasabordagens em organização do conhecimento. No finaldo século XIX, surgiram os primeiros sistemas declassificação bibliográfica, os enumerativos, como aCDD, proposta do Melvin Dewey em 1876. Hjørland(2007a) considera as classificações enumerativas comoabordagens tradicionais em organização doconhecimento.

Já no século XX, surgiram outras abordagens,como o modelo facetado (analítico-sintético) deRanganathan, contrapondo os princípios tradicionaisda classificação enumerativa. A partir dos anos 1950,a introdução dos computadores trouxe uma grandemudança: o uso das máquinas para a recuperação dainformação. Hjørland (2007d) considera a recuperaçãoda informação como uma nova abordagem em

organização do conhecimento. A criação do ScienceCitation Index, nos anos 1960, trouxe mais umaabordagem em organização do conhecimento, aabordagem bibliométrica. Já nos anos 1970 e 1980, aênfase dada ao usuário gerou o desenvolvimento deabordagens cognitivas e baseadas nos usuários. Osanos 1990 foram marcados pela influência das novastecnologias, como a possibilidade de buscas em textocompleto e do modelo de Web Semântica. Essa fase éconsiderada por Hjørland (2007a) como umacontinuação da abordagem em recuperação dainformação. Ainda nos anos 1990, cresce o interesseem abordagens sociais, como a análise de domínio.Vale destacar ainda as tendências atuais em organizaçãodo conhecimento, que encontram bases na Arquiteturada Informação.

Entre as diversas abordagens, propõe-se agoraexplorar algumas específicas, nas quais, acredita-se, afolksonomia pode encontrar bases para ser analisadacomo um esquema de representação do conhecimento.

Abordagem baseada no usuário

A abordagem baseada no usuário surge nosanos 1970, auge dos estudos de uso e usuários.Segundo Hjørland (2007g), os sistemas derepresentação do conhecimento e seu processo deelaboração podem envolver, de uma forma ou de outra,dados fornecidos pelos usuários ou sobre os usuários.É importante fazer uma distinção básica entreabordagens baseadas em usuários e abordagensamigáveis (user-friendly): enquanto na primeira osistema de representação é gerado a partir de dadosfornecidos pelos usuários ou sobre eles, a segunda estárelacionada com facilidade de uso, interatividade ecapacidade de intuição do usuário no sistema. Nessesentido, considera-se, por exemplo, que os sistemas declassificação bibliográfica como a CDU ClassificaçãoDecimal Universal (CDU) não são abordagensamigáveis, já que as notações que representam osassuntos não são intuitivas e confundem a maioria dosusuários.

Restringindo-se à abordagem baseada nousuário, apenas as “abordagens em Organização doconhecimento, que são principalmente baseadas nosdados obtidos dos usuários [...]3” (Hjørland, 2007g,

3 Approaches to KO that is mainly based on data obtained from users belong to the user-based approaches to KO.

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tradução nossa), pode-se encontrar uma clara relaçãocom a folksonomia, já que o processo de etiquetagem(tagging), que gera os termos do sistema, é totalmenterealizado pelo usuário.

Outro aspecto considerado básico por Hjørland(2007g) nas abordagens orientadas ao usuário é queestas devem ter como foco a garantia do usuário emdetrimento da garantia literária. Deve-se, entãoprivilegiar, para a inclusão de termos no sistema, aterminologia do usuário e não a dos documentos/objetos informacionais. Neste caso, a folksonomiatambém pode ser considerada: o próprio usuárioadiciona o termo, garantindo seu uso posterior narecuperação da informação. Pode-se questionar oprocesso de escolha dos termos pelo usuário, já queeste pode utilizar termos do próprio documento, comoo título, por exemplo. Mas supõe-se que o usuário sófará desta forma se o termo do documento coincidecom aquele de seu uso habitual.

Desta forma, entende-se que a folksonomiaencontra bases nesta abordagem para ser consideradaum esquema de representação do conhecimento, jáque possui duas das principais características daabordagem baseada no usuário.

Abordagem cognitiva

A abordagem cognitiva em Biblioteconomia eCiência da Informação surgiu como paradigma para aOrganização do conhecimento a partir de 1992,quando a Segunda Conferência Internacional daInternational Society for Knowledge Organization (ISKO)teve essa abordagem como tema. Hjørland (2007b)faz uma crítica ao editorial escrito por Dalhberg sobrea visão cognitiva em Organização do conhecimento,pois o ensaio traz a visão cognitiva como umatautologia: todas as abordagens em Organização doconhecimento devem se preocupar, de uma forma oude outra, com questões conceituais e cognitivas.Segundo Hjørland (2007b), muito pouco é realmentedito sobre a visão cognitiva em Organização doconhecimento nesse artigo. O autor afirma ainda que,apesar de algumas discussões sobre o assunto, não háuma avaliação sobre o que a visão cognitiva podetrazer para o campo da Organização do conhecimento.

Aparentemente, não há um consenso entre os autoresda área.

A visão cognitiva é também relacionada aocomportamento de busca do usuário: “Paradigmascognitivos indicam o comportamento de busca deconhecimento de indivíduos e grupos de indivíduos4“(Hjørland, 2007b, tradução nossa). É sugerido aindaque a análise de tal comportamento de busca possafornecer diretrizes para a organização da informaçãoem base de dados e ambientes similares.

Um conclusão muito citada sobre o significadoda visão cognitiva é a de De Mai, em 1980, citado porHjørland (2007b, tradução nossa): “um sistema derecuperação de informação deve refletir em suasoperações, de uma forma ou de outra, o mundocognitivo do usuário”. Esse mundo cognitivo do usuárionão deve ser melhor representado do que se geradopelo próprio usuário. De forma semelhante, Foskett(1980) afirma que “o serviço de informação mais eficazé aquele que é projetado especificamente para cadausuário, baseado em suas necessidades conhecidas.”Levando-se em conta esses autores, tem-se, então, umaforte base para a folksonomia - acredita-se quenenhuma outra forma de representação do conhe-cimento está tão diretamente ligada ao mundo cognitivoe às necessidades do usuário.

Sobre esse aspecto, Hjørland (2007b) afirmaainda que a representação do conhecimento não ésomente tentar criar representações tão objetivas quantopossíveis, mas otimizá-las em relação a certas tarefas evalores. Neste caso, a folksonomia também pode sercitada: o usuário descreve o objeto de informação deforma a facilitar uma tarefa futura, além de fazer umjulgamento de valor, o que não necessariamentecorresponderia à forma mais objetiva.

Em artigo recente, Sinha (2005) faz uma análisecognitiva de processo de etiquetagem e como seu baixocusto o torna popular. A autora descreve como se dátal processo, além de comparar a etiquetagem com acategorização, em termos cognitivos. A Figura 1 mostracomo ocorre o processo de etiquetagem no nívelcognitivo. O estágio zero corresponde à seleção de umitem (objeto de informação) que vale a pena serrecuperado num momento posterior. O próximo estágioé um processo de comparação de similaridade entre oitem e os conceitos candidatos a virarem etiquetas.

4 Cognitive paradigms indicate the knowledge seeking behaviour of individuals and groups of individuals.

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Nessa fase, conceitos semânticos relacionados sãoativados: tanto conceitos gerais quanto os mais pessoaisa que o objeto remete e ainda características físicaspodem ser lembradas, segundo estudos da psicologiacognitiva. A partir do momento que esses conceitossão ativados, externalizá-los, escrevendo-os na formade etiquetas é bastante simples: não há um processode filtragem ou julgamento nesse estágio, pode-se usartantas associações quanto necessário. Sinha (2005)afirma que é dessa forma que o processo de etiquetagemfunciona do ponto de vista cognitivo.

Segundo a mesma autora, já o processo decategorização, ilustrado pela Figura 2, inclui uma novafase, que é o processo de decisão. As categoriascandidatas devem ser julgadas, e decide-se, então, qualé a correta para descrever dado item. Trata-se de umprocesso cognitivo básico: categorizamos as coisas otempo todo, de forma quase automática.

O estágio que dificulta o processo decategorização, segundo a autora, é por ela denominadopost-activation analysis paralysis, algo como umaparada para análise, que, na figura, corresponde aoestágio 2. Uma das dificuldades se relaciona com aquestão cultural: falta consenso cultural no ambientedigital, e a categorização é com frequência baseadaem conhecimento cultural. Além disso, a autora afirmaque, no ambiente digital, a etiquetagem não só fornecea categorização de um objeto, como também aumentasua recuperabilidade (findability). Dessa forma, deve-se considerar não só a categoria mais adequada, mastambém a categoria com maior probabilidade de seencontrar o item no momento da busca. Essas duasquestões levam a respostas conflitantes e complicam oprocesso de categorização, pois se deve considerarainda o esquema de categorização maior em que seinsere a informação (Sinha, 2005).

O estágio de analysis-paralysis, segundo aautora, corresponde ao temor de se tomar uma decisãoerrada ao se categorizar um objeto, o que implicaria

Figura 1. Processo cognitivo por trás da etiquetagem.

Fonte: Adaptado de Sinha (2005), tradução nossa.

Estágio 0

Objeto que vale a

pena ser lembrado

(antigo, imagem,

livro...)

Estágio 1

Múltiplos conceitos

são ativados

Coloque

etiqueta!

Escreva con-

ceitos ativados

Figura 2. Processo cognitivo por trás da categorização.

Fonte: Adaptado de Sinha (2005), tradução nossa.

Estágio 0

Objeto que vale a pena ser lembrado

(antigo, imagem, livro...)

Estágio 1

Múltiplos conceitos são

ativados

Estágio 2

Escolha UM dos conceitos

ativados

Parada para análise

Categorize!

Anote o conceito escolhido

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na perda do item em termos de recuperabilidade. Éjustamente essa parte da decisão (escolha da categoriacorreta) que é eliminada no processo de etiquetagem.Em suma: o custo cognitivo do processo de etiquetagemé bem mais baixo.

É importante lembrar que, para a organizaçãodo conhecimento, o item teórico mais essencial é o fatode que a organização do conhecimento deve serbaseada em unidades do conhecimento - que são osconceitos (Dahlberg, 1993). Nas folksonomias, asetiquetas (tags) representam termos, mas o que é ativadono processo cognitivo visto nas Figuras 1 e 2 são osconceitos, os seja, a estrutura é construída a partir dosconceitos fornecidos pelos usuários.

A partir desta análise do processo cognitivo,conclui-se que a etiquetagem é relativamente simplessob esse ponto de vista. Tal fato deve contribuir para aexpansão de folksonomias no ambiente digital. Aabordagem cognitiva é, portanto, relevante para aanálise da folksonomia.

Organização social do conhecimento

Segundo Hjørland (2007e) a organização socialdo conhecimento se contrapõe à organização intelectualdo conhecimento. A primeira se refere à organizaçãodo conhecimento - categorização das disciplinas, porexemplo - feita de acordo com interesses institucionaise acadêmicos, enquanto a segunda se refere àorganização do conhecimento com bases mais ine-rentes ao próprio conhecimento, ou seja, à área dosaber em questão. O autor afirma que esta distinção éfundamental para a teoria da organização doconhecimento, e que não está relacionada apenas àorganização das ciências, mas do conhecimento emgeral.

A organização social não chega a ser umaabordagem de Organização do conhecimento, masuma vertente em que se podem apoiar várias abor-dagens, como, por exemplo, a bibliométrica. Nessesentido, a discussão aqui levará em conta a organizaçãosocial do conhecimento como aquela feita pelo homem,com base em seus princípios e diretrizes (e gerada poruma determinada comunidade), e não com base nopróprio conhecimento do domínio. É, portanto, umaforma ainda mais arbitrária de representação do conhe-cimento - já que todas são em algum grau.

Posto isso, tem-se, então, que a folksonomiacomo representação do conhecimento gerada pelousuário, ou por comunidades afins, pode-se ser ditacomo uma forma de organização social do conhe-cimento: arbitrária, baseada nos princípios dos própriosusuários e compartilhada num meio social determinado.Tal visão pode ser analisada a partir do artigo de Sinha(2006), que após uma análise cognitiva do processode etiquetagem, fez uma análise social do mesmo.

Sinha (2006) afirma que a formação socialbásica permitida pela etiquetagem está mais para“multidão” que para um verdadeiro grupo: os usuáriosnão se conhecem e não têm nenhum tipo de contatouns com os outros. O processo de etiquetagem levariaentão a uma “sabedoria das multidões” - conceitodefendido por James Suroweick. Para Sinha (2006), oprocesso de etiquetagem estaria livre dos aspectosnegativos de comportamentos de “multidão”, e osquatro princípios da “sabedoria das multidões” estãopresentes: diversidade de opiniões, independência dosmembros, descentralização e método de agregaropiniões. A Figura 3 ilustra a interação social e atransmissão conceitual com etiquetas.

Pode-se ressaltar ainda que na própria deno-minação do processo que gera a folksonomia estáinserido o conceito “social”: classificação social,etiquetagem social, categorização social. Conclui-seentão que a folksonomia, se considerada como umesquema de representação do conhecimento, estaráinserida nessa vertente da organização social doconhecimento.

Ela coloca etiquetas e

assiste o fluxo de

etiquetas

Você coloca etiquetas e

assiste as etiquetas dela

Figura 3. Interação social e transmissão conceitual de etiquetas.

Fonte: Adaptado de Sinha (2005), tradução nossa.

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Abordagem da recuperação dainformação

Entre as abordagens da Organização doconhecimento discutidas por Hjørland (2007d),encontra-se a abordagem da Recuperação daInformação (RI). Inicialmente, o autor questiona se a RIpode ser caracterizada também como uma abordagemde Organização do conhecimento, já que normalmenteela é considerada como uma sub-disciplina daBiblioteconomia e Ciência da Informação.

A recuperação da informação é baseada nopressuposto fundamental da correspondência entre aquestão do usuário e a representação do documento -que é o princípio dos mecanismos de busca. Háalgumas fraquezas em relação a esse conceito. Pode--se, por exemplo, considerar relevante identificar co--citações em artigos, independentemente dosdocumentos serem ou não similares. Neste caso, umasimples “transformação da pergunta” não resolveria(Hjørland, 2007d).

Sendo assim, de acordo com Hjørland (2007d),deve-se questionar os resultados obtidos por essaabordagem. Caso contrário, não seria mais necessárioo campo de pesquisa em Organização doconhecimento, pois este poderia ser substituído porRecuperação da informação. Por esta razão, o autorconsidera importante considerar a RI entre asabordagens em Organização do conhecimento, paraque se possam identificar assim seus pontos fortes efracos.

Considerando-se então a RI como uma aborda-gem em Organização do conhecimento, pode-seidentificar como a folksonomia se encaixaria nessaabordagem.

O que se pode considerar da folksonomia paraa abordagem de RI é a chamada etiquetagem implícita.Trata-se de usar as próprias questões de busca (queries)como etiquetas para os documentos recuperados. Emartigo recente, Morisson (2007) faz uma análise dasrazões que levam os usuários a etiquetarem. Entre asencontradas pelo autor está a etiquetagem implícita:“os usuários colocam etiquetas incidentalmenteenquanto executam outras tarefas de recuperação dainformação” (Morisson, 2007, p.14), ou seja, osusuários colocam etiquetas sem nem saber que estãofazendo isso. Tal processo ocorre quando um sistemade informação utiliza o texto da busca e o associa aodocumento recuperado escolhido pelo usuário. O

problema encontrado nesse método é quando umdocumento não foi descrito por um termo que é usadopelo usuário para buscá-lo. Assim, a interseção entrepergunta e resultado não ocorrerá, e a etiqueta usadanunca será aplicada a determinado documento. Asolução encontrada pelo autor para este caso éadicionar ele mesmo a etiqueta manualmente nosistema.

Como a abordagem da RI se baseia na relaçãoentre a pergunta do usuário e a resposta do sistema, aetiquetagem implícita seria utilizada da mesma forma:a pergunta do usuário seria aproveitada como etiquetapara um objeto informacional.

Pode-se dizer então que, quando desta forma,a etiquetagem - processo que gera a folksonomia,guarda relações estreitas com abordagem de RI. Nesteprocesso, o usuário participa da categorização dosrecursos indiretamente e sem saber que o está fazendo,o que, acredita-se, afastaria a folksonomia da visãocognitiva.

Folksonomia como esquema derepresentação

Após a análise das características da folksonomiacomuns às abordagens da organização doconhecimento, pode-se agora analisar seus aspectospositivos e negativos para, então, chegar-se a umadefinição da questão proposta inicialmente.

Dentro das características que permitem incluir afolksonomia nas abordagens em Organização doconhecimento, podem ser encontrados pontos positivose negativos. O fato de a folksonomia ser construída apartir de dados obtidos dos próprios usuários é algopositivo no sentido da garantia do uso, ou seja, o termousado para representar o documento será o mesmo usadopara recuperá-lo posteriormente, por determinado usuário.Neste caso, a garantia de uso do termo na literatura(garantia literária), parece não importar muito, já que afolksonomia é construída a posteriori - não há uma etapade análise dos documentos do domínio para então secoletar termos e criar posteriormente a base para oesquema de representação, como no caso dos tesauros,por exemplo.

Dentro das abordagens orientadas aos usuários,é interessante a discussão feita por Broughton et al.(2005) sobre o que é organizado em cada abordagem,

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ou seja, o que é considerada como unidade a serorganizada. Para esses autores, nas abordagenscognitivas e orientadas a usuários, a unidadeorganizável é a estrutura cognitiva, o individual. Nessaperspectiva, a folksonomia poderia certamente serconsiderada uma estrutura de representação doconhecimento.

Apesar disso, o uso da estrutura cognitiva comounidade organizável pode ser questionada. Naabordagem cognitiva, a mesma característica pode serconsiderada positiva e negativa: o mundo cognitivodo usuário. Representar o mundo cognitivo do usuárioé algo que nenhum outro tipo de representação podefazer tão bem quanto a folksonomia - ninguém melhorque o próprio usuário para representar seu mundocognitivo. É sabido que um esquema de representaçãodo conhecimento tão mais preciso será quanto maisrestrito e específico for o domínio representado. Levando--se essa especificação ao extremo, deve-se chegar aousuário, a uma única pessoa - seu mundo cognitivo écertamente o extremo de uma especificação deconhecimento. Sendo assim, a representação doconhecimento gerada numa folksonomia teria umagrande vantagem. Porém, para apenas um usuário:

Pessoas colocando etiquetas para seu própriouso (ou reuso) selecionam palavras que usam eacreditam que entendem. Essa perspectiva sig-nifica que as etiquetas estão corretas para pelomenos uma pessoa e nem sempre para umacomunidade ou disciplina a que pertence (Wal,2005, online).

A representação do conhecimento fica destaforma, atomizada, o que suscita a questão da utilidadedessa representação. Além disso, a grande vantagemdo mundo cognitivo do usuário é diluída à medidaque mais e mais usuários colaboram com suas tags emum serviço que vai gerar uma folksonomia.

De qualquer forma, acredita-se que arepresentação gerada em cada serviço deverá trazer,em algum grau, algo válido para determinadacomunidade de usuários que a gerou. Os usuários dedeterminados serviços de informação na web podemter interesses comuns e até mesmo formar essascomunidades dentro dos serviços: “a web se auto--organiza de tal forma que a estrutura de links permiteuma identificação eficiente de comunidades” (Flake et

al., 2002, p.66). Acredita-se que a etiquetagem é umprocesso que contribui nessa auto-organização da web.

Em todo caso, haverá sempre um trade off nosesquemas de representação do conhecimento: quantomais específicos e próximos da cognição, menor suautilidade para um grande número de usuários.

A característica de classificação socialencontrada no modelo de organização social doconhecimento traz os mesmos problemas dos outrossistemas gerados nesta mesma vertente: a arbitrariedadenas decisões. Apesar disso, a folksonomia tem avantagem de ser um esquema botton-up, em que ostermos são gerados a partir do mais específico, nãopassando pela fase da categorização, como vistoanteriormente. Além disso, apesar dos termos seremgerados pelos próprios usuários, estes o fazem de umaforma um pouco mais independente que umdeterminado grupo social escolhido para organizar umdomínio, como no exemplo de Hjørland (2007e) dacategorização de disciplinas em uma universidade. Osusuários que geram as folksonomias podem serinfluenciados pelas tags de outros usuários, masacredita-se que o grau de parcialidade e as questõespolíticas são menores que num grupo que, de fato, seconhece e se reúne para elaborar uma categorizaçãode um domínio.

Por fim, a etiquetagem implícita encontrada naabordagem da Recuperação da informação apresentacomo vantagem o uso das próprias perguntas de busca(queries) como tags para os objetos informacionais,sem que o usuário mesmo saiba. Isso por um lado ébom, pois muitas vezes o usuário de um sistema deinformação que disponibiliza a ferramenta deetiquetagem não usa o recurso, ou seja, não contribuipara gerar a folksonomia naquele sistema. Já naetiquetagem implícita, o usuário executa uma tarefacomum de busca da qual necessita e nem fica sabendoque está colaborando para o sistema de etiquetagem -dispensa-se assim a “boa vontade” do usuário. A partefalha é que nem todo objeto de informação poderá seretiquetado dessa forma, pois alguns tipos de rótulosusados pelos usuários não serão encontrados norecurso.

Como esse esquema reflete ou falha emrefletir conhecimento

A partir do exposto anteriormente, tem-se entãoque o processo de etiquetagem gera uma folksonomia,

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e esta pode ser considerada uma representação doconhecimento, no sentido de, no mínimo, refletir oconhecimento de determinada comunidade. Assim, arepresentação gráfica usual das folksonomias - a tagcloud (Figura 4), reflete os assuntos mais recorrentesem determinado momento e em determinado sistema.Dessa forma, pode-se dizer que a folksonomia podeser usada como forma de descoberta de conhecimento:a partir da análise das tags mais frequentes é possíveldeterminar tendências e interesses de comunidadeanalisada.

As falhas mais citadas do processo de etique-tagem são as de falta de padronização: na maioriados casos, não há regras para a aplicação de etiquetas.Desta forma, o vocabulário é totalmente livre, gerandoos conhecidos problemas que costumam ser resolvidospor um vocabulário controlado.

Entende-se que a folksonomia, comparada aosoutros esquemas de representação do conhecimento, égerada de forma inversa: primeiro se classificam osobjetos informacionais, e, posteriormente, surge umafolksonomia, representada visualmente pela tag cloud.Já nas outras ferramentas como as taxonomias e ostesauros, os objetos informacionais são classificadossomente quando elas já existem: um tesauro, porexemplo, é usado para a escolha dos termos que irãodescrever o conteúdo de um documento (Figura 5).

Ou seja, a folksonomia é construída a posterioriem relação aos outros esquemas. Isso traz algumasfalhas para a representação do conhecimento, comoobservado por Sinha (2006), o surgimento de termossem conceito, já que não há uma formalização ou umconsenso explícito da comunidade envolvida.

Assim, pode-se entender que a folksonomiaestaria inserida nas duas vertentes de Organização do

conhecimento propostas por Broughton et al. (2005):a dos processos de organização e a dos sistemas deorganização do conhecimento. Sobre esse aspecto,alguns autores como Trant (2006) fazem uma claradistinção entre folksonomia e social tagging(etiquetagem). Neste caso, a etiquetagem estaria navertente dos processos de organização (como forma deindexação colaborativa) e a folksonomia na dossistemas de organização do conhecimento.

C O N S I D E R A Ç Õ E S F I N A I S

A proposta deste artigo foi analisar a folksonomiaem cada uma das abordagens propostas e seus pontosfortes e fracos como esquema de representação doconhecimento. Feito isso, tem-se então uma base quepermite enquadrar a folksonomia nos esquemas derepresentação do conhecimento, ao menos em certosentido. Acredita-se, assim, que as características dafolksonomia encontradas nas abordagens propostaspossam levar a tal conclusão.

Para uma definição formal maior, propõe-se umestudo que identifique o que faz com que um modeloseja considerado um esquema de representação doconhecimento, ou seja, quais os requisitos formaisbásicos que permitem tal definição. Sugere-se que seidentifiquem esses requisitos nos esquemas tradicionais,como tesauros, taxonomias e ontologias, e, a partirdaí, se faça uma comparação com as característicasda folksonomia.

De qualquer forma, acredita-se que esta análisepode servir como contribuição para o entendimentodas folksonomias e sua contextualização na teoria daOrganização do conhecimento.

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Figura 4. Exemplo de tag cloud: Flickr em 15/6/2008. Figura 5. Processo inverso: folksonomia x instrumentos tradicionais.

Processo de

classificação

Folksonomia

Tesauro

Gera

É utilizado

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