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Fome de que? Compulsão Alimentar como Manifestação do Falso Self e Intervenção Terapêutica Breve - Um estudo de caso em uma clinica de obesidade em salvador Fernanda Teixeira Carneiro 1 1 Psicóloga.

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Fome de que?

Compulsão Alimentar como Manifestação do Falso Self e Intervenção

Terapêutica Breve - Um estudo de caso em uma clinica de obesidade em salvador

Fernanda Teixeira Carneiro1

1 Psicóloga.

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Resumo:

Este artigo partiu da inquietação de uma prática clínica que tem tido um grande

crescimento nos últimos anos, as compulsões. O artigo trata das compulsões

alimentares, através de casos clínicos atendidos em uma clínica de obesidade, avaliando

as suas causas e incluindo uma possível manifestação do falso self. Serão abordados

também os fatores biopsicossociais que envolvem esse comportamento patológico e os

benefícios do tratamento com a técnica da Psicoterapia Breve Operacionalizada de

abordagem psicanalítica. Buscando uma reflexão em autores como Freud, Winnicott, e

outros. Para pensar principalmente os mecanismos psíquicos envolvidos na compulsão

alimentar.

Palavras chave: psicoterapia breve operacionalizada, falso self, obesidade, compulsão.

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INTRODUÇÃO

Este artigo propõe a reflexão sobre a compulsão alimentar por intermédio de um

estudo de caso em uma Clínica de Obesidade utilizando a técnica da psicoterapia breve.

Pretende-se compreender a compulsão alimentar, principalmente no que se refere as

questões subjetivas que envolvem o ato de comer. Busca-se pensar a obesidade não

somente como uma doença de etiologia genética, orgânica, mas como um problema de

raízes sociais e principalmente psíquica.

A partir de toda essa lógica social que vivemos hoje, dos sujeitos que temos nos

deparado na clínica e nas instituições, precisamos nos ater aos “novos” sintomas que

surgem e as organizações psíquicas que os pacientes têm apresentado. O presente artigo

busca entender melhor a compulsão, o significado da “fome” e dessa “voracidade”

percebida nos quadros de obesidade.

O artigo terá como base a psicanálise de Freud, onde se pretende pensar na

formação desses sintomas, os impulsos, a finalidade das pulsões, a dificuldade para lidar

com a frustração e com o limite nas sensações de prazer e alivio imediato. Será feito

um contraponto com as questões sociais e as idéias de Winnicott. A psicoterapia Breve

será apresentada como técnica auxiliar no tratamento. Para tanto, iremos aplicar a teoria

na prática clínica buscando apresentar no artigo vinhetas clínicas que ilustram bem a

teoria dos autores citados.

A Obesidade é hoje um dos maiores problemas de saúde pública no mundo.

Profissionais de diversas áreas estudam essa doença que a cada dia cresce mais. Não

podemos mais restringir a obesidade como um problema de países mais ricos ou uma

doença que acomete somente o adulto. No Brasil ela já é considerada uma epidemia. De

acordo com o site da revista VEJA (WWW.veja.abril.com.br), o IBGE pautado na

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Organização Mundial de Saúde que tem como referencia o calculo do peso através do

IMC (Índice de Massa Corporal) constatou que:

“A Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) divulgada nesta sexta-feira pelo

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que em todas as

regiões do país, em todas as faixas etárias e em todas as faixas de renda

aumentou contínua e substancialmente o percentual de pessoas com excesso

de peso e obesas. O sobrepeso atinge mais de 30% das crianças entre 5 e 9

anos de idade, cerca de 20% da população entre 10 e 19 anos e nada menos

que 48% das mulheres e 50,1% dos homens acima de 20 anos. Entre os 20%

mais ricos, o excesso de peso chega a 61,8% na população de mais de 20

anos. Também nesse grupo concentra-se o maior percentual de obesos:

16,9%.”

O que torna a situação ainda mais difícil é que a obesidade geralmente não está sozinha,

os indivíduos que estão acima do peso, sofrem de outros males adquiridos em

decorrência dos maus hábitos físicos e alimentares, apresentando freqüentemente co-

morbidades como: Diabetes, hipertensão, apnéia do sono, artrites, artroses e diversos

outros problemas motores e orgânicos, que agravam ainda mais a saúde dos que sofrem

do problema.

Vivemos em um mundo com tendências adoecedoras que primam pelo alto

consumo, pelo ter em detrimento do ser. Os excessos são vistos nas prateleiras dos

supermercados onde as promoções são sempre para o consumo exagerado. Os menores

preços acompanham os produtos maiores e o incentivo é sempre levar dois pelo preço

de um. As possibilidades de lazer oferecidas pela cidade grande são de comidas rápidas,

com alto teor de produtos maléficos à saúde como a gordura trans, açúcar, sal e outros.

Comidas essas, que precisam ser ingeridas tão rapidamente quanto feitas, pois seu

tempo de duração é curto. Em pouco tempo estão “murchas”, “duras” e já não servem

mais para o consumo.

A sociedade que vende “o muito” é a mesma que exige o oposto, “o pouco”. Ela nos

vende excesso, a idéia do ter, do consumir, adquirir, mais nos cobra poucas calorias,

corpos magros, isso tudo com uma tecnologia que não permite as pessoas se

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exercitarem. Em casa, pra cozinhar, o microondas, pra lavar louça e roupas, a máquina

de lavar, pra trocar o canal da TV o controle e para subir até o apartamento, o elevador.

As roupas nas lojas, nas revistas, parecem estar cada vez menores, será que o tamanho

M virou P? Enfim, como se colocar diante de tanta contradição, tantas cobranças

externas e internas que o indivíduo se faz a todo tempo? Como o sujeito tem respondido

a toda essa lógica capitalista e consumista? Como SER diante de tudo isso? Bancar as

individualidades e as diferenças?

Extremamente complexa, a obesidade precisa ser pensada por diversos aspectos.

Sociais, médicos, nutricionais, físicos e psíquicos. Ela demanda olhares diferentes e

com isso, um tratamento com uma equipe multidisciplinar.

A CLÍNICA DA OBESIDADE

A clínica em que as pacientes estão inseridas é na cidade de Camaçari BA. As

pacientes ficam internadas no período médio de cinco meses. A Clínica da Obesidade

conta com o trabalho de uma equipe multidisciplinar, tratando da obesidade com o

cuidado de avaliar os fatores genéticos, nutricionais, as co-morbidades adquiridas, as

condições físicas e os fatores psicológicos. Os serviços oferecidos buscam contribuir na

mudança de posicionamento do paciente diante da comida e conseqüentemente na

manutenção após a alta.

Através do acompanhamento psicoterápico dessas pacientes na clínica de

obesidade busca-se entender o sentido dessa compulsão alimentar fazendo referencia a

algumas vinhetas clínicas de casos atendidos individualmente e em grupo na clínica de

obesidade. Os casos e as vinhetas foram escolhidos a partir da seleção dos que

possuíam histórico de compulsão alimentar como manifestação do falso self.

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A Clínica utiliza-se para além de outros procedimentos essenciais de

acompanhamento multidisciplinar para obesidade, de acompanhamento

Psicoterapêutico Individual e grupal. Nas vinhetas que serão apresentadas utilizou-se a

técnica da psicoterapia breve operacionalizada apoiando-se no método da psicanálise.

Nesta técnica, o terapeuta deixa claro o numero de sessões, geralmente sendo uma por

semana, é ativo, cria condições para que o paciente possa manifestar-se

espontaneamente, coloca-se na posição daquele que procurará, a partir da empatia,

conhecer, compreender o paciente e com ele construir o foco terapêutico. A analise dos

dados busca privilegiar o estudo dos conteúdos das falas das pacientes.

Grande parte dos pacientes acometidos pela obesidade apresentam um quadro

complexo com as co-morbidades advindas principalmente de um mal estar psíquico. Os

transtornos mentais associados à obesidade são diversos, agravam o quadro e o

tratamento. As discussões dos casos clínicos deste trabalho serão pensados a partir da

compulsão alimentar, a manifestação do falso self e algumas de suas conseqüências que

são a obesidade, a anulação de si mesmo e de seus desejos.

A ESCUTA DA CLÍNICA: OBESIDADE COMO MANIFESTAÇÃO DE UMA

SOCIEDADE VORAZ.

Nos atendimentos aqui apresentados percebe-se um discurso de mal estar e

insatisfação constante. O que pode ser inicialmente avaliado no seu aspecto social em

um mercado capitalista, consumista que hoje vivemos, onde presenciamos a

incompletude e insatisfação como aliadas, sendo munições para o ataque da compulsão.

Diante da insatisfação, do sentimento de incompletude e da distancia do alcance dos

ideais impostos pela sociedade, a repetição do comportamento se torna cada vez maior e

mais intenso. A sociedade também com a sua insatisfação constante exige cada vez

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mais, muda os seus ideais constantemente e o individuo imerso nela sofre respondendo

a essas exigências sem se questionar. Barbosa (2005) comenta:

“Quando a dona de casa insegura, entediada, e isolada abandonou o lar pelo

local de trabalho, houve uma grande mudança no mercado, muitos

anunciantes se defrontaram com a perda de seu principal consumidor. Agora

o desafio era outro: Como garantir que as mulheres trabalhadoras ocupadas e

estimuladas continuassem a consumir os mesmos níveis de quando

dispunham de dias inteiros para isso? A resposta veio logo: as mulheres

comprarão mais se forem mantidas em um estado de rejeição a si mesmas, de

frustrações constantes, de fome e insegurança sexual em que vivem como

“aspirantes” à beleza. É por isso que a heroína contemporânea não pode parar

de ser linda.”

QUAL O SENTIDO DA COMPULSÃO ALIMENTAR?

Ouvindo o discurso das pacientes na clinica de obesidade coloca-se uma

questão, seria a compulsão alimentar uma manifestação subjetiva dessa realidade

histórica e social?

É possível perceber nas pacientes a dificuldade de se permitir viver, lidar com as

frustrações, ser quem verdadeiramente é, assumir seus desejos e lutar por eles. Onde

percebemos um afastamento do self verdadeiro e uma vida construída pelo outro, para o

outro, com uma anulação completa de si, com a prevalência absoluta do falso self e os

sofrimentos advindos desse funcionamento.

Para tanto, primeiro, vamos entender de que forma a psiquiatria entende a compulsão

alimentar. Barros (2005) cita o TCAP que é o Transtorno da Compulsão Alimentar

Periódica. Nesse transtorno:

“Ocorre com o paciente episódios de descontrole alimentar, nos quais

constatamos uma ingestão pesada e desenfreada de alimentos, seguida por

uma “ressaca moral” dominada por grandes doses de auto-reprovação e

inundada de sentimentos de culpa de primeira grandeza. É necessário que

esse padrão alimentar ocorra pelo menos duas vezes por semana, por um

período mínimo de seis meses” (pg. 89)

É possível também encontrarmos pacientes com níveis de ansiedade altos que

correspondem a um Transtorno de ansiedade generalizada, Depressão, transtorno

afetivo bipolar e pacientes com TOC Transtorno Obsessivo compulsivo que favorecem

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imensamente os comportamentos compulsivos do comer, por diversas vezes ao dia, mas

sem um excesso em um período curto de tempo como ocorre no TCAP. É de extrema

importância compreender a natureza desses impulsos incontroláveis. Hoje tem sido

feitas no país, diversas cirurgias bariátricas de forma aleatória e grave, pois se o

paciente não toma consciência do seu comportamento, compreende, elabora melhor a

razão de seus impulsos, podendo assim construir limites para eles, ele simplesmente

substitui o seu objeto comida, por outro como jogo, compras ou drogas. Por isso a

importância de compreender com clareza do que se trata para conduzir cada caso com

cuidado, e não acabar por “reduzir” a possibilidade de comer enquanto ainda existe uma

imensa “vontade” de comer.

Buscando compreender melhor o sentido dos atos impulsivos do comer, da

voracidade e formação dos sintomas nos quadros de obesidade, recorreremos

inicialmente a Freud (1856/1939) que salienta que o sintoma gradativamente vem a ser

representado de interesses importantes; verifica-se útil na afirmação da posição do eu

(self) e se funde cada vez mais estreitamente com o ego, tornando-se cada vez mais

indispensável a ele.

O mesmo autor fala também sobre a compulsão como uma falha do ego na repressão de

um impulso instintual indesejável em “Um estudo Autobiográfico Inibições, Sintomas e

Ansiedade” (1856/1939, p.98):

“o impulso instintual encontrou um substituto apesar da repressão, mas um

substituto muito mais reduzido, descolado e inibido, e que não é mais

reconhecível como uma satisfação. E, quando o impulso substitutivo é levado

a efeito, não há qualquer sensação de prazer, sua realização apresenta, ao

contrário, a qualidade de uma compulsão.”

Os sintomas criados pelo sujeito mantêm de alguma forma a sustentação do falso self e

do mal estar. Isso explica em parte as reincidências constantes dos pacientes obesos, a

resistência e negação do tratamento. Apresentando dificuldade de se manter em um peso

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saudável, de se implicar no tratamento, se responsabilizar pelos seus atos, repensar seus

comportamentos e principalmente diferenciar a fome da vontade de comer. Freud

(1856/1939, p.102) diz que:

“Tudo isso nos resulta no que nos é familiar como o „ganho (secundário)

proveniente da doença‟ que se segue a uma neurose. Essa recuperação vem

em ajuda do ego no seu esforço para incorporar o sintoma, e aumenta a

fixação deste ultimo. Quando o analista tenta subseqüentemente ajudar o ego

em sua luta contra o sintoma, verifica-se que esses laços conciliatórios entre

o ego e o sintoma atuam do lado das resistências e que não são fáceis de

afrouxar.”

Muitas das pacientes que não apresentam um transtorno alimentar

característicos, vão ganhando peso ao longo dos anos até chegarem a obesidade.

Geralmente com grande dificuldade de adaptação as situações de conflito, de elaborar

ou pensar sobre seus atos. Nesses casos a conseqüência da maneira como essa paciente

vinha vivendo, fazendo suas escolhas, se adaptando as situações de conflito, a forma

como vinha se posicionando diante do outro e da sua própria vida, ou seja, vivendo

através do falso self, acabam por favorecer uma fome por algo que ao longo de alguns

anos a comida teve a função de saciar.

Winnicott no seu livro “O Ambiente e os Processos de Maturação” (1983, p. 128)

explica a denominação de self da seguinte forma:

“Particularmente, relaciono o que divido em self verdadeiro e falso com a

divisão de Freud do self em uma parte que é central e controlada pelos

instintos (ou pelo que Freud chamou de sexualidade, pré-genital e genital), e

a parte orientada para o exterior e relacionada com o mundo.”

A base inicial para a formação do self verdadeiro encontra-se nas primeiras relações do

individuo com a mãe que Winnicott chamou de suficientemente boa, onde a criança

consegue passar pelas etapas do seu desenvolvimento natural, sem invasões do externo,

principalmente por quem tem a função de cuidar dela. Essa relação mãe-filho está

diretamente associada com o nível de integração que o sujeito irá alcançar. Para tanto

Winnicot ressalta a importância da primeira fase da vida da criança ser vivida por uma

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simbiose que acomete a mãe e o bebê, tendo a mãe uma identificação com o bebê e o

bebê uma dependência da mãe. O autor nomeou esse estado como preocupação materna

primaria, adotando o significante “devotada” para essa mãe. Uma mãe que a seu ver

passa por um período de “adoecimento”, um estado em que a mãe esta completamente

envolvida em sua função de “maternar”, atendendo as necessidades do seu bebê e

suportando as dificuldades vivenciadas por ele nos seus primeiros contatos com o

mundo externo. Winnicott em sua obra Da Pediatria à Psicanálise diz que:

“Não acredito que seja possível compreender o funcionamento da mãe no

inicio mesmo da vida do bebê sem perceber que ela deve alcançar esse estado

de sensibilidade exacerbada, quase uma doença, e recuperar-se dele.

(introduzo aqui a palavra “doença” porque a mulher deve ter saúde suficiente

tanto para desenvolver esse estado quanto para recuperar-se dele à medida

que o bebê a libera. Caso o bebê morra, o estado da mãe repentinamente

revela-se uma doença. A mãe corre esse risco.” (1956/2000, p. 401)

Suportar, adaptar-se, estar devotada, possibilitará a sua prole um desenvolvimento

natural, sem invasões ou retaliações. Comportamento esse, difícil, muitas vezes

impossível dependendo do nível de saúde mental da mãe. Muitas não conseguem se

preocupar com o seu bebê a ponto de excluírem quaisquer outros interesses, de forma

normal e temporária. Muitas mães depois de algum tempo querem “correr atrás” do

tempo perdido, buscando compensar algo que já passou, muitas vezes acompanhada de

sentimentos de culpa, comportamentos de super-proteção e essas tentativas de

adaptação não garantem que elas conseguirão dar conta do que falhou naquela fase. A

adaptação do ambiente as demandas do bebê nesse primeiro momento dá inicio a

constituição psíquica desse sujeito, dando a ele a possibilidade de prosseguir no seu

desenvolvimento, começando a experimentar movimentos espontâneos, criativos,

podendo fazer uso do seu ambiente, explorando-o de forma saudável. Para Winnicott:

“o ego do lactante está criando forças e, como conseqüência, está a caminho

de um estado em que as exigências do ID serão sentidas como parte do self,

não como ambientais. Quando esse desenvolvimento ocorre, a satisfação do

ID se torna um importante fortificante do EGO, ou do self verdadeiro, mas as

excitações do ID podem ser traumáticas quando o EGO não é capaz de

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incorporá-las, e ainda é incapaz de sustentar os riscos envolvidos e as

frustrações experimentadas até o ponto em que a satisfação do ID se torne um

fato.” (1983, p.129)

Esse “continuar a ser” que a mãe suficientemente boa proporciona ao seu filho,

possibilita a base para o estabelecimento do ego e conseqüentemente a manifestação do

self verdadeiro. Winnicott afirma que:

“Conforme a tese ora apresentada, o fornecimento de um ambiente

suficientemente bom na fase mais primitiva capacita o bebê a começar a

existir, a ter experiências, a constituir um ego pessoal, a dominar os instintos

e a defrontar-se com todas as dificuldades inerentes a vida. Tudo isso é

sentido como real pelo bebê que se torna capaz de ter um eu, o qual. Por sua

vez, pode em algum momento vir até mesmo a sacrificar a espontaneidade, e

até mesmo morrer” (1956/2008, p.404)

No futuro, as falhas de integração podem ser percebidas através da formação dos

sintomas, dos mecanismos de defesa como a manifestação do falso self, do seu

posicionamento diante do outro, dos recursos e dificuldades de adaptação vivenciada

diante das situações de conflito durante toda a sua história de vida. Para Winnicott:

“os fatores constitucionais terão mais probabilidade de manifestar-se na

normalidade, quando o ambiente da primeira fase for adaptativo. Por

contraste, tendo ocorrido uma falha nesse primeiro estágio, o bebê será

apanhado por mecanismos de defesa primitivos (falso self etc.), que

pertencem a ameaça de aniquilação, e os elementos constitucionais tenderão

a ficar anulados.” (1956/2008, p.404,405)

A maneira como o individuo vai possibilitar o surgimento do self verdadeiro está

diretamente relacionado a sua história de vida, as possibilidades que teve e que

permitiram que ele pudesse ser ele mesmo ou o oposto quando ele precisou utilizar

constantemente o falso self como defesa diante de retaliações, punições e anulações de

si mesmo. A dificuldade de constituir um ego pessoal, vivenciar o self verdadeiro acaba

por favorecer uma imensa limitação em dominar os instintos e a defrontar-se com todos

os desafios inerentes a vida.

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Para Winnicott, o potencial inato de crescimento num bebê se expressava em gestos

espontâneos. Se a mãe responde apropriadamente a esses gestos, a qualidade da

adaptação proporciona um núcleo crescente de experiência para o bebê, o qual resulta

num senso de completude, força e confiança, que ele chama de “verdadeiro self”. A sua

crescente força permite ao bebê lidar com posteriores frustrações e fracassos relativos

por parte da mãe, sem perder sua vivacidade. Se a mãe é incapaz de responder

adequadamente aos gestos do bebê, este desenvolve a capacidade de adaptar-se e

submeter-se às “invasões” da mãe, isto é, às iniciativas e exigências dela, e sua

espontaneidade é gradualmente perdida ou nunca se estabelece. Winnicott chamou este

desenvolvimento defensivo de “falso self”. Quanto maior o “desajuste” entre mãe e o

bebê, maior a distorção e interrupção no desenvolvimento da personalidade deste.

Quando nos deparamos com as compulsões percebemos grande dificuldade das

pacientes em conseguir pensar antes de agir. Escutam-se nos discursos falas

desesperadas como “eu tento, mas não consigo, quando eu vejo, já comi” ou “eu não

consigo pensar em nada, vem a vontade, eu como, mas depois o arrependimento

aparece, porque comi tanto? Estou muito cheia”.

Por favorecer a simbiose inicialmente na relação com o seu filho é que essa mãe

“suficientemente boa” poderá dar continuidade ao processo de amadurecimento e

desenvolvimento da sua prole. Dando permissão a separação, possibilitando o processo

de individuação, a entrada do objeto transicional e a função simbólica. A partir daí

buscamos compreender as limitações simbólicas dos sujeitos e suas conseqüências

possíveis como o imperativo do agir em detrimento do pensar. Winnicott (1975) diz

que: “A transicionalidade é a matriz da simbolização, pois tem a ver com a

simbolização da ausência/presença da mãe. Representa a relação do bebê de um estado

em que está fundido com a mãe para um estado em que está em relação com ela, como

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algo externo e separado dela”. Essa dificuldade do “pensar” se dá pelo fato de haver

uma falha no simbólico, como se a conexão significante falhasse e o ato, o

comportamento prevalecesse. No Artigo Obesidade, Compulsão Alimentar e

Emagrecimento - álbum de Família, a autora Perez (2005) cita Gurfinkel dizendo que a

relação estabelecida com a comida se dá sobre um modo primitivo de uma fantasia de

fusão, com fracasso na passagem de um estágio de dependência absoluta para

dependência relativa. Assim ela cita ainda que McDougall denomina este objeto como

“objeto transicional patológico”, já que se trata de um objeto que nunca completa a

transição para o registro da linguagem ou pensamento, não havendo nunca a introjeção

da função materna.

No referido artigo Perez (2005) continua citando Gurfinkel que diz: “O impulso para comer é reflexo de uma necessidade psíquica do indivíduo

de fusão total com a mãe, numa desesperada tentativa de resolver assim a

tensão e a depressão daí advindas. A dependência do objeto alimento que

procura substituir a mãe ausente, para aplacar o vazio, vazio de não ser,

resulta em fracasso. A meta dos comportamentos aditivos é obscurecer e

manter afastadas da consciência experiências psíquicas impensáveis.

Funciona no registro da necessidade e não do desejo.” (Perez, p.108)

Essa repetição desenfreada, apesar de vir para tentar aliviar um sofrimento interno

maior que é a dificuldade para lidar com a separação e a frustração, é também causadora

de grande sofrimento, principalmente pela angustia vivenciada de anulação do self

verdadeiro e pelas pacientes que demonstram grande dificuldade para lidar com a

repetição desse comportamento, portando-se como objetos de um imperativo que não as

permite em muitos casos, negar.

“Quando falamos em realização pelo caminho mais curto, somos remetidos à

pulsão de morte ou, mais exatamente à prática de um gozo destrutivo. O

psicanalista que trabalha com compulsivos não demora a notar o quão

fortemente se apresenta, nesses pacientes, a aliança entre o supereu e a pulsão

de morte, redundando numa forma cruel de injunção superegóica: ao invés de

funcionar como barreira a um gozo mortífero, o supereu o exigiria,

desprezando por completo a esfera das inclinações subjetivas singulares.”

(GONDAR, 2001)

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Um funcionamento psíquico gerador de grande sofrimento, como se o mundo interno do

sujeito fosse regido por uma lei ambígua onde ao mesmo tempo em que impera no

social o imediatismo e o consumismo exige-se também a magreza e a beleza. Opostos

difíceis do sujeito adoecido, obeso, compreender. Uma das falas que escutamos é:

“como é possível ser feliz sendo gorda? Hoje o mundo é das magrinhas”, “eu vou a

uma loja de roupa e não consigo encontrar roupas do meu tamanho, isso me deixa pra

baixo, triste, mas eu saio de lá e vou comer”.

Essas são algumas falas que demonstram na prática o que os diversos autores

anteriormente citaram. Percebe-se conteúdos depressivos, de baixa auto-estima,

insegurança, ansiedade, anulação de si mesma, dificuldades de adaptação, baixo limiar a

frustração e principalmente conteúdo de uma vida conduzida pela pulsão de morte,

possível funcionamento de falso self, sem até o momento ter conseguido ter a

possibilidade de compreender e entrar em contato com esse modo de viver.

Seria o desenvolvimento de sintomas como a obesidade, a compulsão alimentar

possíveis formas que o sujeito tem de tentar fazer surgir o self verdadeiro, em um grito

sofrido de libertação dessa vida falsamente polida e amável de doação incondicional?

Ao mesmo tempo poderá o sintoma falar de uma dificuldade do contato com o self

verdadeiro, suas emoções, sentimentos, até então, escondidas nos quilos adquiridos?

O DISCURSO APONTANDO A OBESIDADE COMO MANIFESTAÇÃO DO

FALSO SELF ATRAVÉS DAS VINHETAS CLINICAS

Uma das pacientes no grupo terapêutico afirma que: “A perda de peso está me deixando

mais triste, parece que tinha algo escondido por trás desses pesos. À medida que vou

ficando mais magra, vou entrando em contato com algumas coisas que não estou

suportando”. Outra paciente diz: “preciso saber quando fico com raiva, pois já percebi

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que esse sentimento me faz querer comer, quero descontar na comida algo que não sei

controlar”. Mais um possível relato de manifestação do falso self em que a paciente diz:

“eu vivi a minha vida para o outro, cuidei do meu marido que tem diabetes, ele já

emagreceu 09 quilos, cuidei da minha filha, sai da minha cidade para morar na capital

e ajudá-la com a minha neta. Parei de fazer os meus esportes, as coisas que gostava e

quando vi já estava na casa dos 100 quilos, fiquei deprimida e com vergonha.” Outra

paciente diz: “meu marido sempre foi meu pai e meu marido, cuidou de mim desde os

treze anos, quando sai de casa. Parei de trabalhar por que ele pediu que eu ficasse em

casa, cuidava dos seus filhos e dos filhos que tive com ele. Incomodava-me a

necessidade e quantidade de sexo que ele exigia, agüentei muito tempo, até quando ele

teve uma doença cardíaca grave e não podia mais ter relação (faleceu). Fui ganhando

peso e cada vez com mais vergonha de sair de casa e me cuidar. Acho que todos estão

olhando para mim, não consigo passar na roleta do ônibus, sou diferente de todo

mundo, me acho muito feia e tenho medo de tudo”.

Podemos perceber nas vinhetas apresentadas as limitações de auto-percepção e

as dificuldades de compreensão dos atos repetidos para lidar com as situações de

angustia, mal estar ou frustração ao longo de muitos anos de suas vidas. Fica claro que a

algo para além de uma simples reeducação alimentar. Existe um funcionamento

psíquico, uma maneira de viver que prima pela formação de sintomas e pelo sofrimento.

A PSICOTERAPIA BREVE OPERACIONALIZADA

Através da teoria de Simon podemos compreender melhor a técnica da

psicoterapia breve. Ele nos apresenta que o intuito da PBO é compreender, através da

teoria da adaptação, acompanhada de teorias psicanalíticas, as condições de início,

evolução e tendência à repetição na escolha de soluções inadequadas às situações

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problema que o paciente encontra ao longo da vida, bem como as razões para essa

propensão. Compreendendo que o terapeuta tem a função de colaborar com o paciente

no processo terapêutico para se descobrir formas de impedir a propagação de problemas

atuais.

O mesmo autor fala das razões que podem fazer com que o paciente resista a utilizar de

soluções mais adequadas e deixar de repetir as que vêm lhe causando sofrimento. Ele

diz que:

“as soluções adequadas não são cogitadas e executadas, devido À equivocada

identificação inconsciente da situação presente com outras do passado. Se

essa confusão puder ser desfeita com o trabalho da PBO a percepção mais

clara permitirá vislumbrar soluções mais realistas” (Simon, 2008 p.176)

Através das falas encontradas nas vinhetas clínicas fica claro o quanto essas pacientes

enfrentam dificuldades para encontrar soluções adaptativas saudáveis nas situações de

conflito. São claras as dificuldades de encontrar novas estratégias de enfretamento, as

pacientes conseguem aparentemente “resolver” seu problema “comendo”, não existe

gratificação, momentaneamente pode até ser satisfatório, mas gera diversos conflitos

intrapsíquicos e/ou ambientais. A adaptação do sujeito diante da realidade de vida que

lhe é apresentada, representa o conjunto de respostas possíveis para aquele indivíduo a

situações que a cada momento o modificam permitindo a manutenção da sua

organização.

Com o aparato apresentado pela teoria da adaptação, fica fácil avaliar a maneira

como o sujeito se adéqua as situações de conflito. Simon (2008) situa três tipos de

adequações encontradas pelos sujeitos diante das situações problemas.

“Adequado: Quando atende os três critérios: resolve, gratifica e sem

conflitos. O Pouco Adequado: Que atende dois dos três critérios a) resolve,

insatisfatório, mas sem conflitos ou b) resolve, satisfatório, mas com conflito

e Pouquíssimo Adequado: resolve, mas não é satisfatório, e gera conflito

intrapsíquico e/ou ambiental. (p.24)

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Para diagnosticar dentro da psicoterapia Breve Operacionalizada utiliza-se o SISDAO –

que é o Sistema Diagnóstico Adaptativo Operacionalizado, pelo qual se aplica a EDAO

– Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada no intuito de compreender em que

posição na escala se encontra o paciente de acordo com a sua adaptação em quatro áreas

que são Afetivo Relacional, Produtividade, Social e Orgânico, sendo que para o autor o

Afetivo Relacional e Produtividade são áreas tidas como de maior peso na vida do

sujeito. A partir dessa avaliação com a ajuda da EDAO é possível construir o foco a

partir do diagnostico da situação problema.

O diagnostico cuidadoso é fundamental para compreender entender se o paciente

tem falhas graves de integração e se ele se encontra amplamente fixado nas fases

iniciais do desenvolvimento. Ele afirma que a PBO pode ser muito útil nesses casos,

mas apenas para auxiliar o sujeito a encontrar soluções mais adequadas as situações-

problema atuais. Porém, sem pretensão a transformações estruturais da personalidade. O

objetivo é possibilitar ao paciente um maior nível de elaboração, compreensão sobre os

seus atos impulsivos e principalmente de si mesmo. Colaborando para o aumento do

nível de integração desse individuo, e conseqüentemente diminuição da sua compulsão

e uma maior adaptação as situações de conflito.

Os casos clínicos atendidos na clínica da obesidade têm seguido esses critérios.

Os pacientes ficam um curto período de tempo e o foco do tratamento se torna essencial.

A postura do psicoterapeuta é ativa, procurando fazer surgir uma demanda, uma relação

empática e positiva. Motivando o paciente a não se perder do foco proposto.

As vinhetas clínicas que serão citadas posteriormente demonstram de forma

clara a mudança de posição dessas pacientes, já citadas anteriormente, diante dos seus

conflitos, uma maior compreensão do seu funcionamento psíquico, os mecanismos de

defesa utilizados, seus comportamentos e escolhas. “estou percebendo que a medida

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que vou emagrecendo é como se estivesse perdendo a minha capa de proteção e preciso

agora aprender a lidar com essa realidade.”, em outra vinheta a paciente faz referencia

a forma como responde hoje as demandas do marido: “esse é o meu momento, já

esperei por você diversas vezes em suas viagens a trabalho, mas agora estou cuidando

de mim”. Em outras falas elas trazem a sua percepção de mudança na relação com a

comida, o seu posicionamento nas relações com os outros e consigo mesmas. “sai para

passear esse final de semana e percebi que a minha relação com a comida é outra, não

preciso mais comer muito, estou me contentando com pouco”. “antes eu malhava só

para poder comer o que quisesse, poderia estar até pior hoje, mas agora já penso

diferente, sei que um não pode se sustentar sem o outro, preciso malhar, mas também

mudar a forma de comer”. “o único lugar que me sentia segura era no meu quarto,

vivia nele e todos os dias precisava comer um doce. Parecia um analgésico para

dormir, hoje vejo outros lugares, não só o meu quarto e acho que não preciso mais de

analgésicos para dormir”. “permitia que os outros me tratassem mal, achava que era

aquilo que eu merecia, que aquela pessoa já estava muito boa pra mim, hoje já não me

permito mais isso. Me gosto, me acho bonita”. “trabalhava com o meu pai a vinte anos

sem gostar do que fazia, era infeliz no meu trabalho e sempre achei que era preciso

amar o que se faz. Hoje percebo que não vivia, estava sempre infeliz. Vou sair daqui e

ir direto para chapada diamantina. Quero voltar a investir no curso que já fiz de guia

turístico. Com a perda de peso e melhora das dores, poderei voltar a fazer o que

gosto’.(sic...) “antes tinha medo de tudo, não conseguia dizer o que queria e falar.

Estou saindo mais segura, com menos medo, outro dia estive em uma loja com uma

amiga e ela disse que a sandália que eu queria comprar era feia, se fosse em outra

época, não compraria, mas dessa vez disse que eu tinha gostado, que era confortável e

comprei.”(sic...).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos casos e vinhetas clínicas apresentadas foi possível perceber a

obesidade como manifestação do falso self e a importância de utilizar mecanismos

possíveis para dar tratamento a essa realidade. Vimos que a obesidade é um transtorno

que vem afetando cada vez mais indivíduos no mundo e que a compulsão tem se

tornado hoje um sintoma grave da contemporaneidade. Receber pacientes que não

conseguem suportar frustrações, angustias e apresentam limitações de elaboração, ou

seja, um funcionamento psíquico pouco integrado tem sido cada vez mais freqüente.

Pacientes que não tiveram a possibilidade de vivenciar uma infância com uma

maternagem suficientemente boa, passaram por traumas psíquicos significativos e

chegam apresentando limitações adaptativas graves ao longo da sua historia de vida. A

obesidade e a compulsão alimentar aparecem como atuações e formações sintomáticas

principais a serem avaliadas. Mostrando-nos o quando a clínica do ato, do agir em

detrimento do pensar, do elaborar tem se feito presente. A obesidade aparece como

manifestação do falso self, defesa psíquica construída diante da dificuldade de lidar e

vivenciar o self verdadeiro. As pacientes se perdem, vivem a vida do outro, não sabem

quem são, não conhecem suas limitações, sentimentos, emoções e principalmente não

sabem como lidar com elas. Chegam imersas em muitos quilos e perdidas no meio do

mundo gigantesco da obesidade com suas dietas milagrosas e punitivas. Diante dessa

realidade apresentada na clínica não temos a pretensão de pensar em uma psicoterapia

que vá integrar esse individuo, mas fazê-lo entrar em contato com a sua realidade de

vida, quem sabe, com o seu self verdadeiro, dando a possibilidade de uma maior

compreensão das suas limitações e falhas na integração. Colaborando com o

desenvolvimento de condições para que esse paciente possa sair da clínica mais

consciente de seus comportamentos, atuações, repetições, estratégias falhas de

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adaptação e as soluções pouquíssimo adequadas encontradas por esses indivíduos para a

resolução dos seus problemas. A psicoterapia breve operacionalizada nos permite

conduzir os casos nessa linha e dar a esses pacientes a possibilidade de um

fortalecimento do ego, repensar algumas estratégias de enfrentamento, retificar algumas

certezas construídas e motivar para a busca de uma manutenção do tratamento fora da

internação.

As pacientes internadas, implicadas em seu tratamento, tem tido a possibilidade

de passar por esse processo psicoterapêutico e iniciar uma maior compreensão sobre si,

entrar em contato o seu self verdadeiro e repensar as soluções encontradas até então para

dar conta de suas questões. Principalmente a comida, como solução falha e pouquíssimo

adequada para resolução de conflitos.

Muito gratifica perceber que há instrumentos terapêuticos que, sendo bem

utilizados, podem favorecer o encontro de novos caminhos. Principalmente com sujeitos

que buscam compreender melhor sua história de vida, a forma como vem se colocando

diante do outro e das dificuldades enfrentadas, achando para isso soluções adaptativas

mais eficazes.

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REFERÊNCIAS:

Revista Veja encontrada em: http://veja.abril.com.br/noticia/saude/pesquisa-do-ibge-mostra-que-

obesidade-e-epidemia-no-brasil

FREUD. Um estudo Autobiográfico Inibições, Sintomas e Ansiedade A Questão da

Analise Leiga e Outros Trabalhos. In: Edição Standard Brasileira das Obras

Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1969. V.

XX. Texto Original: (1925 [1926]).

WINNICOTT, D. O Ambiente e os Processos de Maturação. Porto Alegre: Artmed,

2008. (Original publicado em 1983).

WINNICOTT, D. Objetos Transicionais e Fenômenos Transicionais. In: O Brincar e a

Realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.

SIMON, R. Psicoterapia Breve Operacionalizada: Teoria e Técnica. São Paulo: Casa

do Psicólogo, 2005.

SILVA, A.B.B. Mentes Insaciáveis. Anorexia, Bulimia e Compulsão Alimentar: Saiba

como Identificar e superar esses transtornos. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005.

GODAR, J. Sobre as compulsões e o dispositivo psicanalítico. Ágora (Rio

J.) vol.4 no.2 Rio de Janeiro July/Dec. 2001

PEREZ, G. Obesidade, Compulsão Alimentar e Emagrecimento – Álbum de Família.

In: Outeiral J, Hisada S, Gabriades R, Ferreira A. Winnicott - Seminários

Brasileiros. Rio de Janeiro: Revinter, 2005.