forma e narrativa- uma reflexao sobre a … · trabalho na uilla romana e temas semelhantes que...
TRANSCRIPT
203
FORMA E NARRATIVA- UMA REFLEXAO SOBRE A
PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOES PARA A
ESCRITA DE UMA HISTOacuteRIA DOS CELTAS
Dominique Vieira Coelho dos Santos80
RESUMO Este artigo apresenta uma reflexatildeo acerca do modo pelo qual os historiadores produzem suas narrativas sobre os celtas a partir da construccedilatildeo de formas e periodizaccedilotildees Palavras-chave Narrativa ndash Periodizaccedilatildeo ndash Celtas
ABSTRACT This paper presents a discussion on the way historians produce their narratives about the Celts by building frames and periodization Keywords Narrative Frames ndash Periodization ndash Celts
1 DENTRE OUTRAS COISAS O HISTORIADOR NARRA
Aprendemos com Roland Barthes que o discurso histoacuterico trabalha em cima de um
esquema semacircntico de dois termos referente e significante Apesar do fato nunca ter
mais do que uma existecircncia linguiacutestica o historiador o apresenta como se ele fosse o real
Assim o discurso histoacuterico visa preencher o sentido da histoacuteria O historiador reuacutene
80
Professor titular em Histoacuteria Antiga e Medieval da Universidade de Blumenau- FURB Coordenador do
Laboratoacuterio Blumenauense de Estudos Antigos e Medievais (wwwfurbbrlabeam)
204
menos fatos do que significantes e aiacute os relata organiza-os com a finalidade de
estabelecer um sentido positivo Todo enunciado histoacuterico comporta existentes e
ocorrentes Satildeo seres unidades e predicados reunidos de forma a produzir unidades de
conteuacutedo Eles natildeo satildeo nem o referente puro e nem o discurso completo satildeo coleccedilotildees
usadas pelos historiadores A coleccedilatildeo de Heroacutedoto por exemplo eacute a da guerra Barthes
diz que os existentes da obra do historiador grego satildeo dinastias priacutencipes generais
soldados povos e lugares seus ocorrentes satildeo devastar submeter aliar-se reinar
consultar um oraacuteculo fazer um estratagema etc Da mesma forma Patriacutecio que escreveu
duas cartas em latim na Irlanda em algum momento do seacuteculo V da Era Comum tambeacutem
apresenta sua proacutepria coleccedilatildeo que gira em torno do leacutexico do evangelizador cristatildeo
Ainda eacute sobre agricultura escravidatildeo administraccedilatildeo da propriedade organizaccedilatildeo do
trabalho na uilla romana e temas semelhantes que podemos ler nas obras de Catatildeo
Varratildeo e Columela Desta maneira o problema do discurso histoacuterico eacute a organizaccedilatildeo da
coexistecircncia do atrito entre dois tempos o da enunciaccedilatildeo e o da mateacuteria enunciada
Barthes afirma que apesar do efeito gerado este tipo de discurso natildeo acompanha o real
ele o dota de significado A narraccedilatildeo se torna um significante privilegiado do real O gosto
por este efeito de real eacute o que mais podemos encontrar nos discursos historiograacuteficos
(BARTHES1988)
Os fragmentos do passado que possuiacutemos precisam ser ordenados Como nos
chegaram estes vestiacutegios satildeo caoacuteticos por isso a necessidade do fator narrativo Em sua
obra A Aguarraacutes do Tempo Luiacutes Costa Lima define narrativa como o estabelecimento de
uma organizaccedilatildeo temporal atraveacutes da qual o diverso irregular e acidental entram em
uma ordem Eacute isso que os historiadores fazem quando fazem histoacuteria agrupam diversos
indiacutecios do passado que nos chegaram por meio de documentos fazendo surgir um
sistema coerente que considere a si mesmo como verdadeiro Ou seja estas narrativas
apresentadas pelos historiadores se qualificam como representaccedilotildees adequadas do
passado e assim sendo elas tecircm pretensotildees de validade (COSTA LIMA 1989 17)
205
Outro fator importante a ser levado em consideraccedilatildeo eacute a interpretaccedilatildeo
Aprendemos com Hayden White que o ato de interpretar eacute algo inerente a qualquer obra
de histoacuteria e que eacute por causa dele que o historiador ao construir uma narrativa sobre seu
objeto precisa fazer juiacutezos esteacuteticos (escolhendo uma forma de narrar) epistemoloacutegicos
(definindo um paradiacutegma explicativo) e eacuteticos (selecionando estrateacutegias que permitam
que as implicaccedilotildees ideoloacutegicas de uma representaccedilatildeo possam ser deduzidas para
compreensatildeo de problemas sociais do presente) Porque ocorre uma falha neste processo
de reconhecimento dos limites internos da narrativa histoacuterica eacute que muitos historiadores
continuam a tratar os seus fatos como se fossem dados e se recusam a reconhecer que
estes mais do que descobertos satildeo elaborados (WHITE 2001 56)
O mesmo White jaacute nos alertava para o fato de que os historiadores natildeo possuem
uma boa relaccedilatildeo com a ficccedilatildeo pois eles acreditam que suas obras natildeo apresentam
relaccedilotildees desta natureza Desta maneira o historiador acredita ser diferente do
romancista jaacute que diferentemente deste uacuteltimo se ocupa de acontecimentos reais e natildeo
inventados ou imaginados O autor entatildeo nos mostra que natildeo importa se o mundo eacute
concebido como real ou imaginado a maneira de lhe atribuir sentido eacute a mesma e o fato
do historiador ter em suas matildeos documentos que satildeo considerados fragmentos indiacutecios
de um passado existente natildeo muda isso Quando escrevemos histoacuterias estamos
conferindo sentido ao mundo impondo-lhe uma coerecircncia formal Os historiadores
acreditam ter encontrado a forma da sua narrativa nos proacuteprios eventos diz White no
entanto o que na verdade eles fizeram foi impocirc-la a eles Ou seja as obras
historiograacuteficas satildeo traduccedilotildees dos fatos em ficccedilotildees ou pelo menos podemos dizer que
este eacute um dos efeitos das narrativas elaboradas pelos historiadores para representar
fenocircmenos ocorridos no passado humano As histoacuterias nunca devem ser lidas como signos
inequiacutevocos dos acontecimentos e sim como estruturas simboacutelicas metaacuteforas de longo
alcance A narrativa histoacuterica eacute uma mediadora entre os acontecimentos relatados e as
estruturas disponiacuteveis em nossa cultura para dotar de sentido estes acontecimentos
206
(WHITE 2001 105-115)81 Tendo em vista estas consideraccedilotildees iniciais acerca de
problemas relacionados agrave narrativa passemos agrave mateacuteria ceacuteltica
2 MAPEAMENTO UMA NOMENCLATURA IMPRECISA
Devido agrave imprecisatildeo da nomenclatura ldquoceltardquo eacute necessaacuterio primeiro uma discussatildeo
sobre a mesma para que entatildeo se fale sobre qualquer outra coisa uma vez que todas as
decisotildees posteriores estatildeo imediatamente vinculadas agrave compreensatildeo deste termo e agraves
escolhas feitas quando de seus usos narrativos Conveacutem adiantar ao leitor que porque os
estudos ceacutelticos dependem profundamente destas querelas eles tem como caracteriacutestica
intriacutenseca a interdisciplinaridade e abrangem um imenso arco cronoloacutegico que se extende
desde a assim chamada ldquopreacute-histoacuteriardquo ateacute o mundo contemporacircneo claro mais uma vez
dependendo da compreensatildeo que se tem do que eacute ou natildeo eacute celta Assim antes de falar
sobre periodizaccedilatildeo no caso da escrita de uma histoacuteria que se concentre nas sociedades
chamadas de ldquoceacutelticasrdquo eacute preciso tecer algumas consideraccedilotildees sobre esta nomenclatura
Por isso apresenta-se a seguinte discussatildeo A) uma reflexatildeo que tendo em vista uma
anaacutelise lexical tem por objetivo mostrar que independentemente das teorias escolhidas e
defendidas e dos argumentos que seus autores apresentem o termo ldquoceltardquo aparece em
textos que cobrem um periacuteodo que abrange da preacute-histoacuteria ao contemporacircneo B) uma
81
As referecircncias acerca da obra de Hayden White no Brasil satildeo abundantes mas em diversos casos satildeo leituras de traduccedilotildees ou de outros autores que citam White Ou seja citaccedilotildees que natildeo apontam para o original em liacutengua inglesa Hayden White eacute um autor menos estudado do que deveria e talvez pouco compreendido Natildeo raro encontram-se historiadores que insistem em classificar White como ldquopoacutes-modernordquo e situaacute-lo ao lado das sentenccedilas ldquoHistoacuteria natildeo eacute ciecircnciardquo e ldquoNatildeo haacute diferenccedila entre Histoacuteria e Literatura ambas satildeo narrativas produtoras de ficccedilotildeesrdquo reduzindo a amplitude e o alcance de sua obra Para uma discussatildeo mais aprofundada sobre o autor talvez fosse importante a leitura dos livros de Hayden White em idioma original bem como uma seacuterie de discussotildees em torno dos mesmos Recomenda-se por exemplo a apreciaccedilatildeo de uma esclarecedora entrevista concedida pelo proacuteprio White para o perioacutedico Diacritics (DOMANSKA KELLNER WHITE 1994) na qual aborda diversas temaacuteticas de interesse do historiador Em portuguecircs pode ser interessante a leitura do bom artigo escrito por Rodrigo Oliveira Marquez ldquotrecircs polecircmicas com Hayden Whiterdquo (2011) Cf Localizaccedilatildeo completa na sessatildeo de referecircncias bibliograacuteficas
207
anaacutelise do termo (celta) que daacute nome a esta mateacuteria tendo em vista seu aparecimento
em liacutengua grega e posterior uso em latim C) Soacute depois de ter a certeza que o leitor estaacute
ciente da existecircncia destas querelas falamos sobre periodizaccedilatildeo de forma mais especiacutefica
enfatizando a divisatildeo preferida pela maioria dos arqueoacutelogos e muitos historiadores a
saber a sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt La Tegravene e
periacuteodo de grandes migraccedilotildees mas sem esquecer que haacute outras possibilidades de
dataccedilatildeo principalmente quando a mateacuteria ceacuteltica eacute estudada por por outros campos do
saber
21 CELTAS- DO SEacuteCULO XIV A C AO TEMPO PRESENTE
Aceitando a sugestatildeo feita por Roland Barthes vimos que eacute possiacutevel ao historiador
perceber analisar e sistematizar os leacutexicos discursivos que estruturam um texto de
histoacuteria Satildeo ldquoenunciadosrdquo ldquocoleccedilotildeesrdquo que organizados de modo a estabelecer coerecircncia
e ordem preenchem de sentido a histoacuteria Quando olhamos para os escritos que de uma
forma ou de outra possuem relaccedilatildeo com os celtas eacute possiacutevel perceber que
cronologicamente o termo habita as narrativas relacionando-se com um tempo que
engloba do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute os dias atuais dezembro de 2012 quando
este artigo foi escrito No entanto natildeo existe concordacircncia dos estudiosos da mateacuteria
ceacuteltica sobre desde quando e nem ateacute que periacuteodo podemos usar esta nomenclatura O
uso do termo pode variar se a ecircnfase for dada agrave etnicidade indiacutecios linguiacutesticos ou cultura
material Ainda em alguns momentos as discussotildees parecem ter muito mais a ver com os
usos poliacuteticos do passado para a criaccedilatildeo manutenccedilatildeo ou ostentaccedilatildeo de identidades
eacutetnicas e interesses ideoloacutegicos do que com querelas e disputas cientiacuteficas
Ana Donnard por exemplo escreveu um artigo que contempla a questatildeo no qual
vemos surgir estas disputas identitaacuterias Segundo ela em 1991 na cidade italiana de
Veneza ocorreu uma grande exposiccedilatildeo sobre os celtas iniciativa promovida e patrocinada
208
pelo governo italiano A principal documentaccedilatildeo que serviu como sustentaacuteculo da mostra
foi composta de vaacuterios itens da cultura material encontrados a partir dos esforccedilos de
arqueoacutelogos do mundo inteiro e que fazem parte do acervo de museus europeus A
exposiccedilatildeo foi chamada de ldquoCeltas- a primeira Europardquo Donnard mostra o quanto esta
ideacuteia irritou profundamente o arqueoacutelogo britacircnico John Collins que criticou severamente
o fato de que houvesse qualquer relaccedilatildeo intercultural que distinguisse algumas etnias
como sendo ceacutelticas e outras natildeo dentro do Impeacuterio Britacircnico A autora seleciona um
trecho especiacutefico de Collins em que ele diz que ldquonunca houve arte religiatildeo ou sociedade
celta nas Ilhas Britacircnicasrdquo para ilustrar o argumento do arqueoacutelogo (DONNARD 2006) Um
debate sem duacutevida importante dentro da arqueologia pois independente de qualquer
interesse poliacutetico uma anaacutelise que enfatize a materialidade parece impor severas
dificuldades com relaccedilatildeo ao mapeamento desta celticidade no que diz respeito agraves Ilhas
Britacircnicas ateacute mesmo para o caso da Irlanda considerado um paiacutes ldquoceacuteltico par excellencerdquo
(RAFTERY 1996 651)
Do ponto de vista da folcloriacutestica por outro lado a problemaacutetica eacute expressa de
maneira distinta Podemos observar na obra de Joseph Jacobs por exemplo que natildeo haacute
qualquer dificuldade quanto ao emprego do termo ldquoceltardquo para se referir agrave etnias das
Ilhas Britacircnicas sobretudo os irlandeses muito menos em periacuteodos recentes da Histoacuteria
O autor nos diz resignificando uma frase do poeta romano Horaacutecio que ldquoa sina dos
celtasrdquo (aqui Jacobs fala dos irlandeses) no Impeacuterio Britacircnico (a referecircncia aqui diz
respeito aos ingleses) ldquoparece-se com a dos gregos entre os romanos eles iam agrave luta nas
batalhas mas sempre eram derrotados No entanto o celta cativo escravizou seu captor
no reino da imaginaccedilatildeordquo82 (JACOBS 2000 13) Eacute notaacutevel a atraccedilatildeo de Jacobs por este
imaginaacuterio irlandecircs e que ele o classifica de ldquoceltardquo estabelecendo uma relaccedilatildeo de
comparaccedilatildeo com os gregos e no contexto da obra a habilidade destes para elaboraccedilatildeo de
82
A frase de Horaacutecio eacute ldquoGraecia capta ferum victorem cepitrdquo Epiacutestolas Livro II 1 156-157
209
narrativas miacuteticas capazes de encantar ateacute mesmo os que a princiacutepio natildeo
compartilhavam da mesma cultura O periacuteodo analisado por Jacobs que viveu de 1854 a
1916 eacute recente diz respeito agraves histoacuterias contadas de forma oral de pai (matildee) para filho
(filha) na Escoacutecia em Gales na Inglaterra e na Irlanda moderna As implicaccedilotildees desta
concepccedilatildeo satildeo evidentes 1) Diferentemente da opiniatildeo do arqueoacutelogo John Collins haacute
sim celtas nas Ilhas Britacircnicas 2) a Irlanda eacute um paiacutes celta 3) existe uma continuidade
ldquoceacutelticardquo percebida na linguagem no mito e no folclore desde a chamada preacute-histoacuteria aos
dias atuais
Miranda J Green por sua vez em sua obra The Celtic World restringe
cronologicamente o uso do termo A autora reuniu especialistas do mundo inteiro para
abarcar a histoacuteria e a cultura destas sociedades que ela classificou como pertencentes a
um ldquomundo ceacutelticordquo em um tempo histoacuterico preciso ldquobetween 600 BC and AD 600rdquo Pelo
menos nesta eacutepoca podemos falar de celtas pois segundo ela neste periacuteodo especiacutefico
ldquoCelts existed in some manner whether self-defined or as a group of peoples who were
classified as such by communities who belonged to a separate cultural- and literate-
traditionrdquo (GREEN 1996 03) Nem todos os autores concordam com esta definiccedilatildeo ou
entatildeo acrescentam termos como ldquoos celtas histoacutericosrdquo ldquoo periacuteodo de formaccedilatildeo da
cultura e sociedade ceacutelticardquo etc Mas claro eacute uma interpretaccedilatildeo possiacutevel sustentada por
um dos grandes nomes dos estudos ceacutelticos no mundo
Na obra Celtic Culture- A historical Encyclopedia de John C Kock por exemplo
embora o autor ressalte as dificuldades arqueoloacutegicas que giram em torno do termo
ldquoceltardquo principalmente na literatura arqueoloacutegica inglesa dos seacuteculos XX e XXI e ainda
que o termo ldquoceltardquo muitas vezes devido a interesses poliacuteticos soacute foi aplicado agrave Repuacuteblica
da Irlanda e outros paiacuteses jaacute na modernidade haacute grande preocupaccedilatildeo com toda esta
abrangecircncia cronoloacutegica e geograacutefica Lecirc-se por exemplo quando satildeo traccedilados os
objetivos e a metodologia da obra de Kock que ldquoThe Encyclopedia covers subjects from the
Hallstat and La Teacutene periods of the later pre-Roman Iron Age to the beginning of the 21st
210
centuryrdquo E tambeacutem que ldquoGeographically as well as including the Celtic civilizations of
Ireland Britain and Britanny (Armorica) from ancient times to the present De igual modo
a obra cobre ldquothe ancient Continental Celts of Gaul the Iberian Peninsula and central and
eastern Europe together with the Galatians of present-day Turkeyrdquo lecirc-se ainda que ldquoit
also follows the Celtic diaspora into the Americas and Australia (KOCH 2006 XX-XXI)
Um exame detalhado dos programas cadernos de resumos e inscriccedilotildees de
trabalhos em diversos congressos dedicados agrave temaacutetica ceacuteltica espalhados pelo mundo da
Argentina ao Japatildeo da Islacircndia agrave Inglaterra eacute capaz de revelar esta pluralidade de
dinacircmicas temporais e de temas Para se concentrar em um caso particular o XIV
International Congress of Celtic StudiesComhdhaacuteil Idirnaacuteisiuacutenta sa Leacuteann Ceilteach por
exemplo que ocorreu na cidade irlandesa de Maynooth englobou tanto temaacuteticas
antigas ldquoCelt and Non-Celt in Britain and Ireland A Survey of Ptolemyrsquos Place- and Polity-
Names in His Geographiardquo ldquoCeltic From The Westrdquo A Critiquerdquo ldquoLate Celtic Coin Types in
Austria and Some Relationship to Britanniardquo e ainda ldquoReligion and Political Resistance in
Gaul in the First Century ADrdquo quanto relacionadas a periacuteodos histoacutericos mais recentes tais
como ldquoThe Lady was for Turning The Thatcher Governmentrsquos U-Turn(s) over Welsh
Language Television C 1979-84rdquo ldquoOverview of the Tense System in Literary Modern Irishrdquo
ldquoA Struggle Against Indifference A Revisionist Study into the Cultural Relationship
Between England and Wales in the Second Half of the Twentieth Centuryrdquo ou mesmo
ldquoWho Were the Supposed Audience of the ldquoMedieval Welsh Juvenile Talesrdquo A
Consideration of the 19th Century Receptions of the ldquoMabinogionrdquordquo Como se percebe
uma questatildeo de perspectiva teoacuterica metodoloacutegica epistemoloacutegica e claro sem estar
ausente de viacutenculos poliacutetico-ideoloacutegicos e com tradiccedilotildees nacionalistas embora seja
notoacuterio e sintomaacutetico que trabalhos de histoacuteria e de arqueologia apresentem uma
tendecircncia de concentraccedilatildeo em periacuteodos mais antigos se desdobrando ateacute a Idade Meacutedia
enquanto que os realizados em outras aacutereas do saber se extendam por uma duraccedilatildeo
211
temporal bem maior Mas como jaacute mencionamos eacute importante lembrar os estudos
ceacutelticos natildeo se restringem agrave Histoacuteria e Arqueologia
No que diz respeito agraves publicaccedilotildees sobre a temaacutetica ceacuteltica em portuguecircs
brasileiro tambeacutem eacute possiacutevel detectar as mesmas ocorrecircncias uma grande multiplicidade
de temporalidades histoacutericas de temas e uma pluralidade de disciplinas abordando a
questatildeo A tiacutetulo de exemplo termos como ldquoceltardquo ldquoceltismordquo aparecem proacuteximos de
vocaacutebulos como ldquopoacutes-modernidaderdquo em um artigo da mesma Ana Donnard jaacute
mencionada ldquoAs origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidaderdquo
(2006) Da mesma autora tambeacutem eacute possiacutevel ler que ldquoAs culturas ceacutelticas e suas
literaturas representam desde a Alta Idade Meacutedia ateacute os dias de hoje ()rdquo e ldquonos paiacuteses
de culturas ceacutelticas identidade eacute uma questatildeo cotidianardquo ou ainda que ldquoesse mundo
ceacuteltico tatildeo antigo atravessou eras se expandiu nas navegaccedilotildees e chega ateacute hoje nas
literaturas modernasrdquo (DONNARD 2011 179 183) Eacute importante ressaltar que natildeo
afirma-se aqui qualquer afinidade ou apoio agraves teorias da continuidade paleoliacutetica ou
outras compartilhadas pela autora apenas quer-se enfatizar os empregos do termo
ldquoceltardquo em diversos sentidos e contextos uma tarefa de sistematizaccedilatildeo de leacutexicos e
anaacutelise de discursos
Quando observamos as reflexotildees de Adriene Baron Tacla em seu capiacutetulo de livro
sobre a ldquoDamardquo de Vix escrito para integrar uma obra sobre mulheres na Antiguidade
organizada por Maria Regina Cacircndido (2012) as periodizaccedilotildees satildeo outras teorias
diferentes satildeo mencionadas bem como a documentaccedilatildeo e a historiografia elencada
tambeacutem satildeo distintas talvez devido ao fato de que a autora possui formaccedilatildeo
arqueoloacutegica Jaacute Elaine Pereira Farell por exemplo escreveu um artigo sobre a Irlanda
Medieval (2011) e natildeo mencionou uma uacutenica vez o termo ldquoceltardquo ou seus relativos
embora algumas referecircncias assim apareccedilam na bibliografia mencionada pela autora
fazendo surgir termos como ldquoCeltic Theologyrdquo ou ldquoWomen in a Celtic Churchrdquo o que no
entanto de forma alguma significa que a autora concorde com a ideacuteia de uma teologia ou
212
uma Igreja ldquoceacutelticardquo muito menos para o caso da histoacuteria irlandesa Uma breve consulta
aos artigos publicados na revista do Brathair- Grupo de Estudos Celtas e Germacircnicos
(httpppgrevistasuemabrindexphpbrathair) ou no Brazilian Journal of Irish Studies
uma publicaccedilatildeo da ABEI-associaccedilatildeo Brasileira de Estudos Irlandeses pode elucidar mais
exemplos acerca desta multiplicidade de usos e abusos do termo ldquoceltardquo e seus afins bem
como as diversas temporalidades que circundam a questatildeo
Para uma anaacutelise destes discursos pouco importa quem estaacute com a razatildeo (se eacute que
isso eacute possiacutevel diante de um caso tatildeo complexo e plural) se a eleiccedilatildeo seraacute pela teoria A ou
B se a escolha seraacute por abordar tempos tatildeo longiacutenquos quanto o XIV a EC falando em
ldquoprimeiros celtasrdquo ldquoproto-celtasrdquo ou mesmo ldquoantecessores dos celtasrdquo se tal definiccedilatildeo
seraacute feita com base em estudos empreendidos por arqueoacutelogos83 utilizando meios de
dataccedilatildeo e classificaccedilatildeo como a termoluminiscecircncia e o Carbono 14 por exemplo em
parceria com vaacuterias ciecircncias como a paleobotacircnica paleozoologia etc ou se privilegiar-
se-aacute investigaccedilotildees sobre tempos mais recentes tais como as referecircncias aos ldquoceltasrdquo que
aparecerem na obra de linguistas filoacutelogos antropoacutelogos socioacutelogos folcloristas etc
Tambeacutem eacute importante lembrar que para alguns como eacute o caso de MA Morse ldquothe Celts
are and always were a creation of human mindrdquo (MORSE 2005 185) A historiografia
estaacute repleta de embates desta natureza Para aleacutem de qualquer discussatildeo de ldquoniacuteveisrdquo ou
ldquograurdquo de celticidade de ateacute quando se pode ou natildeo falar sobre celtas ou mesmo levando
em consideraccedilatildeo autores que acreditam que nunca houve qualquer celta em lugar algum
importa o fato de que o termo mesmo que seja para figurar apoacutes a palavra ldquoprotordquo
ldquopseudordquo ldquoliteraacuteriordquo (e dezenas de outros) estaacute presente jaacute existe no campo discursivo
integra o leacutexico destas narrativas Ou seja importa o aparecimento usos (e abusos) e
controles da forma ldquoceltardquo nos discursos cientiacuteficos e acadecircmicos
83
Cf A obra ldquoOs Celtasrdquo de Venceslas Kruta por exemplo traduzida no Brasil pela Martins Fontes (1989)
213
Desta forma apesar das escolhas teoacuterico-metodoloacutegicas e das circunscriccedilotildees
cronoloacutegicas impostas agrave temaacutetica como fez-se saber paraacutegrafos acima Miranda Green
reconhece este problema que envolve a nomenclatura ldquoceltardquo e sistematizou uma das
definiccedilotildees mais precisas sobre este assunto no que diz respeito a esta dificuldade de
limitaccedilotildees e escolhas por periodizaccedilotildees e formas A professora de Arqueologia da Cardiff
University afirma que falar sobre celtas implica em estar pronto a discutir a relaccedilatildeo entre
cultura material etinicidade e linguagem E tambeacutem que apesar do fato de que a ldquoCeltic
culture per se is generally considered to come to an end around the end of the first century
BCrdquo e depois disso o termo ldquoRomano-Celticrdquo entatildeo seria mais apropriado denotando
trocas culturais eacute difiacutecil definir quem satildeo os celtas e o que eacute a celticidade Esta dificuldade
se daacute pelo fato de que ldquoldquoCeltsrdquo and ldquoCelticrdquo are terms which mean different things to
different peoplerdquo e mais ainda que ldquoThe only way to deal with this conflict of approaches
is to recognize that they are to an extent irreconcilablerdquo (GREEN 1996 06) Vamos ver
como o termo aparece nos documentos antigos
CELTAECELTAS
O conjunto de povos que podem ou natildeo ser considerados ldquoceltasrdquo parece natildeo ter dado
tanta importacircncia agrave escrita antes dava preferecircncia agrave oralidade enfatizando a memoacuteria
transmitida por atos de fala Aqueles que eram responsaacuteveis pela transmissatildeo dos saberes
tradicionais deviam estudar durante muito tempo Assim investigar os documentos
escritos sobre os ldquoceltasrdquo significa ver o que os outros como gregos e romanos narraram
acerca deles o que por si soacute jaacute pressupotildee um grande problema de caraacuteter identitaacuterio uma
vez que apesar das evidecircncias linguiacutesticas e arqueoloacutegicas a histoacuteria dos ldquoceltasrdquo eacute
geralmente escrita com base no relato elaborado por terceiros
214
Entre os gregos haacute referecircncias sobre estes povos por exemplo em Hecateu de
Mileto que menciona o mar ceacuteltico (ηὸ δὲ εἰρ ηὴν Κελτικὴν θάλαζζαν84
) localiza Nirax
como uma cidade ceacuteltica (Νύπαξ πόλιρ Κελτική85
) e diz que Massalia ficava na terra dos
liacutegures perto do paiacutes dos celtas (Μαζζαλία πόλιρ ηῆρ Λιγςζηικῆρ καηὰ ηὴν Κελτικήν86
)
Da mesma maneira sabe-se que em Heroacutedoto temos a evidecircncia mais antiga do etnocircnimo
Κελτοί Em suas Histoacuterias ele diz que o rio Danuacutebio comeccedilava no territoacuterio dos celtas e na
cidade de Pirene e no mesmo trecho fala sobre onde os celtas estariam ldquoagorardquo
localizados (Ἴζηπορ ηε γὰπ ποηαμὸρ ἀπξάμενορ ἐκ Κελτῶν καὶ Πςπήνηρ πόλιορ ῥέει μέζην
ζσίζων ηὴν Εὐπώπην (οἱ δὲ Κελτοί εἰζι ἔξω Ἡπακλέων Σηηλέων ὁμοςπέοςζι δὲ
Κςνηζίοιζι οἳ ἔζσαηοι ππὸρ δςζμέων οἰκέοςζι ηῶν ἐν ηῇ Εὐπώπῃ καηοικημένων87
) Uma
sistematizaccedilatildeo de todas as vezes que os gregos mencionam os Celtas acompanhada de
uma anaacutelise miacutenima ocuparia o espaccedilo de alguns livros A tiacutetulo de exemplo aleacutem dos
mencionados Hecateu de Mileto e Heroacutedoto podemos lembrar tambeacutem de Estrabatildeo
Diodoro Dioniacutesio Ptolomeu Xenofonte Platatildeo Aristoacuteteles Possidocircnio Plutarco
Pausacircnias entre outros Ateacute mesmo o Apoacutestolo Paulo escreveu uma carta aos Gaacutelatas um
termo grego tambeacutem relacionado com os ldquoCeltasrdquo Paremos por aqui as referecircncias
ocorrem em vaacuterios autores satildeo centenas de fragmentos
Entre os romanos tambeacutem satildeo inuacutemeras referecircncias Tito Liacutevio Justino Pliacutenio Ceacutesar e
Taacutecito satildeo alguns dos que escrevem sobre os ldquoceltasrdquo Juacutelio Ceacutesar por exemplo em sua
obra Comentarii de Bello Gallico diz que ldquoGallia est omnis divisa in partes tres quarum
unam incolunt Belgae aliam Aquitani tertiam qui ipsorum lingua Celtae nostra Galli
appellantur88 Ou seja ele divide a Gaacutelia em trecircs regiotildees tendo em vista etnicidade
84
Hecataeus Hist Fragmenta 18a 12-13
85 Hecataeus Hist Fragmenta 56 1
86 Hecataeus Hist Fragmenta 551
87 Herodotus Hist Historiae Livro II 33 10-14
88 Juacutelio Ceacutesar Comentarii de Bello Gallico I1
215
cultura e liacutengua Celtae Aquitani e Belgae Segundo lecirc-se na descriccedilatildeo de Ceacutesar em latim
os romanos chamavam os povos mencionados de ldquogaulesesrdquo mas no idioma do proacuteprio
povo eles utilizavam a nomenclatura ldquoceltardquo segundo nos diz o autor do De Bello Gallico
Para Tiacuteto Liacutevio os Celtas apareceram em contato com os romanos durante o periacutedo de
Tarquiacutenio (o antigo) ou seja 658-578 antes da Era Comum Provavelmente Liacutevio
equivocou-se uma vez que estes eventos parecem ter ocorrido em data posterior tavez
no seacuteculo V ou IV aEC Problemaacutetica esta que natildeo nos interessa no momento importa a
menccedilatildeo aos Celtas independente de quando estes fatos ocorreram Alguns autores
romanos como o proacuteprio Ceacutesar Ciacutecero dentre outros fornecem informaccedilotildees sobre os
druiacutedas uma espeacutecie de sacerdote tambeacutem relacionados agrave cultura ceacuteltica Ceacutesar nos
informa por exemplo que o tempo de estudo de um druiacuteda podia alcanccedilar os 20 anos
Sabe-se ainda que os Celtas tambeacutem estavam envolvidos em um ataque agrave cidade de Roma
no ano de 390 aEC fato que eacute mencionado por exemplo por Q Claudius Quadrigarius
Liacutevio mais uma vez refere-se a estes eventos como tendo ocorrido em outro ano 361
Interessa a menccedilatildeo aos Celtas independente da data ldquocorretardquo Lucano e Apiano tambeacutem
fazem referecircncias aos chamados ldquoCeltiberosrdquo ou seja Celtas da Peniacutensula Ibeacuterica que
migraram para este local a partir da Gaacutelia por causa de uma fome em sua terra de origem
Desta maneira percebe-se que houve um conjunto de povos que preocupou tanto
autores gregos como romanos que escreveram sobre estes ldquoinvasoresrdquo e ldquobaacuterbarosrdquo Fica
evidente que o termo ldquoceltardquo aparece para noacutes a partir deste corpus documental antigo e
que tem origem no grego Κελτοί (mesmo que se trate de uma traduccedilatildeo de alguma liacutengua
ceacuteltica para o idioma dos helenos) quando aparece em textos claacutessicos pela primeira vez
daiacute surgindo o vocaacutebulo Celta-ae em latim de onde se origina o nome que usamos em
portuguecircs para se referir a este conjunto de povos Celtas David Rankin em sua obra
Celts and the Classical World nos lembra que embora noacutes devamos fazer uso do termo
ldquoCeltardquo como um nome mais geral para se referir a este determinado conjunto de povos
outras palavras tambeacutem aparecem com frequecircncia Gauleses Galli Galatai Goideacutelicos
216
Britocircnicos Britanii Picti (Cruithni) Eacuterainn e outros nomes especiacuteficos que segundo o
autor ocorrem ldquode tempos em temposrdquo (Rankin 1996)
A imagem dos Celtas tal qual aparece nestes relatos pelo menos em alguns deles eacute
problemaacutetica pois os povos agrupados sob esta alcunha satildeo vistos sob o prisma do outro
como uma ameaccedila o diferente ou no miacutenimo como o exoacutetico Taacutecito Diatildeo Caacutessio e
Herodiano por exemplo nos datildeo referecircncias significativas no que diz respeito a esta
questatildeo principalmente na abordagem dos bretotildees do Norte frequentemente
mencionados como ldquobritannirdquo povos que depois do panegiacuterico de Constacircncio Cloro
passaratildeo a ser chamados de ldquopictosrdquo o que pode ser verificado na obra de Amiano
Marcelino e Claudiano89 Na obra de vaacuterios autores claacutessicos os ldquoceltasrdquo aparecem como
beberrotildees dados agrave guerra na qual lutavam nus baacuterbaros que natildeo temiam nem mesmo a
morte e faziam sacrifiacutecios humanos Apesar destes problemas que natildeo seratildeo explorados
aqui Barry CunlifFe explica que sem estas narrativas claacutessicas haveria muita coisa que
jamais saberiacuteamos pois a arqueologia sozinha natildeo seria capaz de elucidar Segundo o
autor ldquowe would not be able to appreciate the long period of conflict between the Celtic
communities of the Po Valley and the Roman World ldquowe would be entirely ignorant of
violent raids of the Celts deep into Greece in the third centuryrdquo Para ele ldquoThe classical
sources provide a story-line and colourrdquo ldquoThe greek and Roman authors have provided us
with their own vision of the Celts- a vision born of contemporary or near contemporary
experience that cannot be ignoredrdquo (CUNLIFFE 1997 01-02)
Eacute importante ressaltar que estaacute sendo explicitado aqui eacute a problemaacutetica em torno da
definiccedilatildeo do que eacute e o que natildeo eacute ldquoceacutelticordquo bem como de que maneira o termo passou a
ser usado na historiografia e chegou ateacute noacutes dando origem aos estudos ceacutelticos
presentes em todos os cantos do mundo e jaacute em algumas universidades brasileiras Ou
seja natildeo estaacute sendo defendida aqui a aboliccedilatildeo da forma ldquoceltardquo mas uma criticidade da
89
Agradeccedilo pelas contribuiccedilotildees de Juliet Schuster (UFRGS) orientanda de Anderson Zalewski Vargas Juliet eacute a uacutenica pesquisadora brasileira que estuda os Pictos me indicou bibliografia de referecircncia neste sentido
217
mesma afinal como Norberto Luiz Guarinello bem sugeriu ldquoas formas natildeo satildeo inocentes
e em alguns casos nem totalmente inofensivasrdquo (GUARINELLO 2003) Sobre este
aspecto eacute bastante interessante o que fez o tradutor da frase ldquoRoma natildeo foi construiacuteda
em um uacutenico diardquo para o idioma Esperanto Natildeo conseguindo produzir uma rima sonora
com o exemplo romano acabou invertendo o ditado dizendo ldquoEn unu Tago ne elkreskis
Kartagordquo Um raciociacutenio assim se aplicado agrave Histoacuteria certamente causaria certos
embaraccedilos produziria algumas mudanccedilas levando as atenccedilotildees para o Norte da Aacutefrica
substituindo Roma por Cartago Eacute preciso refletir sobre as formas natildeo somente usaacute-las
Desde que estas referecircncias foram feitas tanto por gregos quanto por romanos o
termo ldquoceltardquo foi pouco a pouco se transformando em mais uma consolidada forma
histoacuterica usada por inuacutemeros historiadores modernos para agrupar povos de eacutepocas
culturas e lugares diferentes Desta maneira sob a alcunha ldquoceltardquo e suas variantes
dezenas de etnias distintas satildeo reunidas com o argumento de que estes povos falavam um
idioma descendente do mesmo tronco apresentavam semelhanccedilas religiosas e tambeacutem
culturais Outro efeito do uso desta forma eacute falar de uma localidade ou etnia especiacutefica
substituindo seus nomes pelo termo geral tomando assim o todo pela parte
Na praacutetica o que literalmente se faz e eacute bastante comum ateacute mesmo entre os
especialistas sendo praticamente uma regra entre aqueles que natildeo satildeo familiarizados
com os estudos ceacutelticos eacute falar de Bretotildees Escotos Gaacutelatas Trinovantes Caledocircnios
Helveacutecios Braacutecaros Galaicos Pictos Eacuteduos Allobroges Ambiani Atrebates Arveni
Baiocasses Boii Bellovaci Bituriges Carnutes Cenomani Centrones Curiosolitae Nervii
Medulii Menapii Morini Parisii Redones Remi Satones Senones Sequani Suessiones
Treveri Turones Vellavi Veneti Viducasses Viromandui Turini Insubres Vertamocorii
Cenomani Lingones Cotini Eravisci Scordisci Latobici Albiones Astures Bletonesii
Bracari Cantabri Carpetani Celtiberos Celtici Coelerni Cynetes Equaesi Grovii
Interamici Leuni Limici Luanqui Lusitanii Lusones Narbasi Nemetati Oretani Paesuri
Tamagani Tapoli Turduli Turodi Vaccaei Vettones Zoeale Ancalites Attacotti
218
Brigantes Cantii Carvetii Cassi Catuvellauni Cornavii Damnonii Epidii Ordovices
Regnenses Silures Trinovantes Venicones e tantos outros povos a partir de uma uacutenica
forma ldquoceltasrdquo Desta maneira perde-se todas as especificidades e tantas identidades
distintas satildeo agrupadas em um uacutenico vocaacutebulo em favor de um gosto exagerado ou
mesmo uma necessidade pela unidade Categoria esta que natildeo se adequa ao mundo
ldquoceltardquo uma vez que estes natildeo formavam um grupo comum natildeo tinham um Estado
organizado e nem uma consciecircncia identitaacuteria uma ldquocelticidaderdquo Miranda Green
percebeu isso muito bem ela escreveu que ldquoRomans identified themselves as such Ciuis
Romanus sum We cannot tell whether a comparable Celtic consciousness ever existedrdquo
(GREEN 1996 03) Talvez o exemplo mais generalizante deste modus operandi seja
chamar os diversos povos mencionados por Juacutelio Ceacutesar no De Bello Gallico de ldquoceltasrdquo ou
de ldquogaulesesrdquo sendo que como vimos agora pouco o proacuteprio autor da obra a inicia
dizendo que toda a Gaacutelia estava dividida em trecircs partes somente uma delas
correspondendo aos Celtas e quando se adentra na leitura do texto cesarino percebe-se
que a pluralidade de povos e a multiplicidade de etnias eacute tatildeo vasta que natildeo cabe nem
mesmo dentro do vocaacutebulo ldquoceltardquo
Quando o tema do cristianismo irlandecircs por exemplo eacute mencionado nos livros de
histoacuteria geralmente ele aparece na categoria de Histoacuteria Medieval e frequentemente
relacionado com a forma ldquoceltardquo ou ceacutelticordquo Foi necessaacuterio que Kathleen Hughes
escrevesse seu artigo The Celtic church is this a valid concept (1981) para que os
historiadores comeccedilassem a parar de falar em uma ldquoIgreja Ceacutelticardquo90 Todavia ainda natildeo
90
Duas observaccedilotildees devem ser feitas Primeiro se por um lado o artigo de Hughes resolve um problema o cristianismo irlandecircs deve ser compreendido como vinculado ao cristianismo romano e natildeo como um fenocircmeno isolado por outro direciona os olhares dos pesquisadores aos viacutenculos entre o cristianismo irlandecircs e o continental abrindo o flanco para a cristalizaccedilatildeo de outras formas histoacutericas como se estas natildeo apresentassem problemas semelhantes a forma combatida Por fim a discussatildeo central de Hughes natildeo eacute a forma ldquoceacutelticardquo com relaccedilatildeo ao que vinha sendo descrito pelos historiadores como ldquoCeltic Churchrdquo mas a funcionalidade explicativa deste conceito pois segundo a autora (HUGHES 1981) o termo natildeo era suficiente para abarcar a realidade da sociedade irlandesa do periacuteodo em questatildeo Ao contraacuterio fazia-nos crer em uma Igreja ceacuteltica separada da romana uma ideacuteia equivocada
219
de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the
Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The
Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns
historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do
Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e
OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian
Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES
2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas
narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas
estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma
seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a
mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo
3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA
HISTOacuteRIA DOS CELTAS
Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que
a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das
Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem
chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com
Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia
Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo
impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal
divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas
91
Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977
220
poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia
de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo
que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que
compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a
histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo
motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB
Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um
fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos
Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar
acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os
dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo
vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV
aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria
isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E
claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram
aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar
preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas
mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma
das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo
arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt
La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir
A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se
extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da
ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute
relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O
autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas
este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de
221
urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria
linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute
difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta
possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada
civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA
1989 59)
A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos
encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na
Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica
ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar
alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma
vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo
usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo
relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando
o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos
como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo
que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da
Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por
exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-
c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob
a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo
especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo
(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o
periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados
deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal
localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt
222
como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os
Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)
A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados
arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos
(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este
nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um
Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos
como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma
forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo
de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt
(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma
que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with
their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic
art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de
localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as
obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida
(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos
materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou
exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as
aos celtas
Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes
migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de
fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de
Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem
que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que
frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees
destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate
223
sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha
desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta
data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos
documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na
Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua
obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado
The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)
Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos
campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na
maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a
conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir
se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade
memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser
religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)
da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais
caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se
necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando
responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre
estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees
e com tal divisatildeo encerramos este artigo
Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja
representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas
outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da
Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma
aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados
por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma
representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os
224
pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos
mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo
que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o
autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo
destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas
liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic
populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da
lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna
dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo
ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho
identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo
ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu
delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos
etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a
questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se
trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in
the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups
of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles
ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone
associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos
que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer
grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem
apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da
Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo
225
ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly
Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma
mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da
historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria
da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo
nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e
ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como
Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita
de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de
palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e
poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos
baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos
Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de
uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi
um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem
sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais
elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees
e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a
principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir
da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos
compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso
de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-
se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a
nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com
propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico
como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas
vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo
226
historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de
ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um
periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas
ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar
apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se
direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as
classificaccedilotildees satildeo outras
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988
CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio
de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012
CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997
DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000
DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the
West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992
DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-
Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994
DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas
Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011
DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade
Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006
FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9
Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987
FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade
Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15
GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996
227
GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia
hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003
HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp
2001
HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic
Studies Nordm 1 p 1-20 1981
HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press
1966
HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New
history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p
301-329
JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003
JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006
KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989
LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989
MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da
Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011
MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of
Archaeology Stroud
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic
World Londres Routledge 1996 p 636-653
RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New
York Thames and Hudson 1994
RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996
TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press
2000
228
TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO
Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro
UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925
WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History
John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298
204
menos fatos do que significantes e aiacute os relata organiza-os com a finalidade de
estabelecer um sentido positivo Todo enunciado histoacuterico comporta existentes e
ocorrentes Satildeo seres unidades e predicados reunidos de forma a produzir unidades de
conteuacutedo Eles natildeo satildeo nem o referente puro e nem o discurso completo satildeo coleccedilotildees
usadas pelos historiadores A coleccedilatildeo de Heroacutedoto por exemplo eacute a da guerra Barthes
diz que os existentes da obra do historiador grego satildeo dinastias priacutencipes generais
soldados povos e lugares seus ocorrentes satildeo devastar submeter aliar-se reinar
consultar um oraacuteculo fazer um estratagema etc Da mesma forma Patriacutecio que escreveu
duas cartas em latim na Irlanda em algum momento do seacuteculo V da Era Comum tambeacutem
apresenta sua proacutepria coleccedilatildeo que gira em torno do leacutexico do evangelizador cristatildeo
Ainda eacute sobre agricultura escravidatildeo administraccedilatildeo da propriedade organizaccedilatildeo do
trabalho na uilla romana e temas semelhantes que podemos ler nas obras de Catatildeo
Varratildeo e Columela Desta maneira o problema do discurso histoacuterico eacute a organizaccedilatildeo da
coexistecircncia do atrito entre dois tempos o da enunciaccedilatildeo e o da mateacuteria enunciada
Barthes afirma que apesar do efeito gerado este tipo de discurso natildeo acompanha o real
ele o dota de significado A narraccedilatildeo se torna um significante privilegiado do real O gosto
por este efeito de real eacute o que mais podemos encontrar nos discursos historiograacuteficos
(BARTHES1988)
Os fragmentos do passado que possuiacutemos precisam ser ordenados Como nos
chegaram estes vestiacutegios satildeo caoacuteticos por isso a necessidade do fator narrativo Em sua
obra A Aguarraacutes do Tempo Luiacutes Costa Lima define narrativa como o estabelecimento de
uma organizaccedilatildeo temporal atraveacutes da qual o diverso irregular e acidental entram em
uma ordem Eacute isso que os historiadores fazem quando fazem histoacuteria agrupam diversos
indiacutecios do passado que nos chegaram por meio de documentos fazendo surgir um
sistema coerente que considere a si mesmo como verdadeiro Ou seja estas narrativas
apresentadas pelos historiadores se qualificam como representaccedilotildees adequadas do
passado e assim sendo elas tecircm pretensotildees de validade (COSTA LIMA 1989 17)
205
Outro fator importante a ser levado em consideraccedilatildeo eacute a interpretaccedilatildeo
Aprendemos com Hayden White que o ato de interpretar eacute algo inerente a qualquer obra
de histoacuteria e que eacute por causa dele que o historiador ao construir uma narrativa sobre seu
objeto precisa fazer juiacutezos esteacuteticos (escolhendo uma forma de narrar) epistemoloacutegicos
(definindo um paradiacutegma explicativo) e eacuteticos (selecionando estrateacutegias que permitam
que as implicaccedilotildees ideoloacutegicas de uma representaccedilatildeo possam ser deduzidas para
compreensatildeo de problemas sociais do presente) Porque ocorre uma falha neste processo
de reconhecimento dos limites internos da narrativa histoacuterica eacute que muitos historiadores
continuam a tratar os seus fatos como se fossem dados e se recusam a reconhecer que
estes mais do que descobertos satildeo elaborados (WHITE 2001 56)
O mesmo White jaacute nos alertava para o fato de que os historiadores natildeo possuem
uma boa relaccedilatildeo com a ficccedilatildeo pois eles acreditam que suas obras natildeo apresentam
relaccedilotildees desta natureza Desta maneira o historiador acredita ser diferente do
romancista jaacute que diferentemente deste uacuteltimo se ocupa de acontecimentos reais e natildeo
inventados ou imaginados O autor entatildeo nos mostra que natildeo importa se o mundo eacute
concebido como real ou imaginado a maneira de lhe atribuir sentido eacute a mesma e o fato
do historiador ter em suas matildeos documentos que satildeo considerados fragmentos indiacutecios
de um passado existente natildeo muda isso Quando escrevemos histoacuterias estamos
conferindo sentido ao mundo impondo-lhe uma coerecircncia formal Os historiadores
acreditam ter encontrado a forma da sua narrativa nos proacuteprios eventos diz White no
entanto o que na verdade eles fizeram foi impocirc-la a eles Ou seja as obras
historiograacuteficas satildeo traduccedilotildees dos fatos em ficccedilotildees ou pelo menos podemos dizer que
este eacute um dos efeitos das narrativas elaboradas pelos historiadores para representar
fenocircmenos ocorridos no passado humano As histoacuterias nunca devem ser lidas como signos
inequiacutevocos dos acontecimentos e sim como estruturas simboacutelicas metaacuteforas de longo
alcance A narrativa histoacuterica eacute uma mediadora entre os acontecimentos relatados e as
estruturas disponiacuteveis em nossa cultura para dotar de sentido estes acontecimentos
206
(WHITE 2001 105-115)81 Tendo em vista estas consideraccedilotildees iniciais acerca de
problemas relacionados agrave narrativa passemos agrave mateacuteria ceacuteltica
2 MAPEAMENTO UMA NOMENCLATURA IMPRECISA
Devido agrave imprecisatildeo da nomenclatura ldquoceltardquo eacute necessaacuterio primeiro uma discussatildeo
sobre a mesma para que entatildeo se fale sobre qualquer outra coisa uma vez que todas as
decisotildees posteriores estatildeo imediatamente vinculadas agrave compreensatildeo deste termo e agraves
escolhas feitas quando de seus usos narrativos Conveacutem adiantar ao leitor que porque os
estudos ceacutelticos dependem profundamente destas querelas eles tem como caracteriacutestica
intriacutenseca a interdisciplinaridade e abrangem um imenso arco cronoloacutegico que se extende
desde a assim chamada ldquopreacute-histoacuteriardquo ateacute o mundo contemporacircneo claro mais uma vez
dependendo da compreensatildeo que se tem do que eacute ou natildeo eacute celta Assim antes de falar
sobre periodizaccedilatildeo no caso da escrita de uma histoacuteria que se concentre nas sociedades
chamadas de ldquoceacutelticasrdquo eacute preciso tecer algumas consideraccedilotildees sobre esta nomenclatura
Por isso apresenta-se a seguinte discussatildeo A) uma reflexatildeo que tendo em vista uma
anaacutelise lexical tem por objetivo mostrar que independentemente das teorias escolhidas e
defendidas e dos argumentos que seus autores apresentem o termo ldquoceltardquo aparece em
textos que cobrem um periacuteodo que abrange da preacute-histoacuteria ao contemporacircneo B) uma
81
As referecircncias acerca da obra de Hayden White no Brasil satildeo abundantes mas em diversos casos satildeo leituras de traduccedilotildees ou de outros autores que citam White Ou seja citaccedilotildees que natildeo apontam para o original em liacutengua inglesa Hayden White eacute um autor menos estudado do que deveria e talvez pouco compreendido Natildeo raro encontram-se historiadores que insistem em classificar White como ldquopoacutes-modernordquo e situaacute-lo ao lado das sentenccedilas ldquoHistoacuteria natildeo eacute ciecircnciardquo e ldquoNatildeo haacute diferenccedila entre Histoacuteria e Literatura ambas satildeo narrativas produtoras de ficccedilotildeesrdquo reduzindo a amplitude e o alcance de sua obra Para uma discussatildeo mais aprofundada sobre o autor talvez fosse importante a leitura dos livros de Hayden White em idioma original bem como uma seacuterie de discussotildees em torno dos mesmos Recomenda-se por exemplo a apreciaccedilatildeo de uma esclarecedora entrevista concedida pelo proacuteprio White para o perioacutedico Diacritics (DOMANSKA KELLNER WHITE 1994) na qual aborda diversas temaacuteticas de interesse do historiador Em portuguecircs pode ser interessante a leitura do bom artigo escrito por Rodrigo Oliveira Marquez ldquotrecircs polecircmicas com Hayden Whiterdquo (2011) Cf Localizaccedilatildeo completa na sessatildeo de referecircncias bibliograacuteficas
207
anaacutelise do termo (celta) que daacute nome a esta mateacuteria tendo em vista seu aparecimento
em liacutengua grega e posterior uso em latim C) Soacute depois de ter a certeza que o leitor estaacute
ciente da existecircncia destas querelas falamos sobre periodizaccedilatildeo de forma mais especiacutefica
enfatizando a divisatildeo preferida pela maioria dos arqueoacutelogos e muitos historiadores a
saber a sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt La Tegravene e
periacuteodo de grandes migraccedilotildees mas sem esquecer que haacute outras possibilidades de
dataccedilatildeo principalmente quando a mateacuteria ceacuteltica eacute estudada por por outros campos do
saber
21 CELTAS- DO SEacuteCULO XIV A C AO TEMPO PRESENTE
Aceitando a sugestatildeo feita por Roland Barthes vimos que eacute possiacutevel ao historiador
perceber analisar e sistematizar os leacutexicos discursivos que estruturam um texto de
histoacuteria Satildeo ldquoenunciadosrdquo ldquocoleccedilotildeesrdquo que organizados de modo a estabelecer coerecircncia
e ordem preenchem de sentido a histoacuteria Quando olhamos para os escritos que de uma
forma ou de outra possuem relaccedilatildeo com os celtas eacute possiacutevel perceber que
cronologicamente o termo habita as narrativas relacionando-se com um tempo que
engloba do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute os dias atuais dezembro de 2012 quando
este artigo foi escrito No entanto natildeo existe concordacircncia dos estudiosos da mateacuteria
ceacuteltica sobre desde quando e nem ateacute que periacuteodo podemos usar esta nomenclatura O
uso do termo pode variar se a ecircnfase for dada agrave etnicidade indiacutecios linguiacutesticos ou cultura
material Ainda em alguns momentos as discussotildees parecem ter muito mais a ver com os
usos poliacuteticos do passado para a criaccedilatildeo manutenccedilatildeo ou ostentaccedilatildeo de identidades
eacutetnicas e interesses ideoloacutegicos do que com querelas e disputas cientiacuteficas
Ana Donnard por exemplo escreveu um artigo que contempla a questatildeo no qual
vemos surgir estas disputas identitaacuterias Segundo ela em 1991 na cidade italiana de
Veneza ocorreu uma grande exposiccedilatildeo sobre os celtas iniciativa promovida e patrocinada
208
pelo governo italiano A principal documentaccedilatildeo que serviu como sustentaacuteculo da mostra
foi composta de vaacuterios itens da cultura material encontrados a partir dos esforccedilos de
arqueoacutelogos do mundo inteiro e que fazem parte do acervo de museus europeus A
exposiccedilatildeo foi chamada de ldquoCeltas- a primeira Europardquo Donnard mostra o quanto esta
ideacuteia irritou profundamente o arqueoacutelogo britacircnico John Collins que criticou severamente
o fato de que houvesse qualquer relaccedilatildeo intercultural que distinguisse algumas etnias
como sendo ceacutelticas e outras natildeo dentro do Impeacuterio Britacircnico A autora seleciona um
trecho especiacutefico de Collins em que ele diz que ldquonunca houve arte religiatildeo ou sociedade
celta nas Ilhas Britacircnicasrdquo para ilustrar o argumento do arqueoacutelogo (DONNARD 2006) Um
debate sem duacutevida importante dentro da arqueologia pois independente de qualquer
interesse poliacutetico uma anaacutelise que enfatize a materialidade parece impor severas
dificuldades com relaccedilatildeo ao mapeamento desta celticidade no que diz respeito agraves Ilhas
Britacircnicas ateacute mesmo para o caso da Irlanda considerado um paiacutes ldquoceacuteltico par excellencerdquo
(RAFTERY 1996 651)
Do ponto de vista da folcloriacutestica por outro lado a problemaacutetica eacute expressa de
maneira distinta Podemos observar na obra de Joseph Jacobs por exemplo que natildeo haacute
qualquer dificuldade quanto ao emprego do termo ldquoceltardquo para se referir agrave etnias das
Ilhas Britacircnicas sobretudo os irlandeses muito menos em periacuteodos recentes da Histoacuteria
O autor nos diz resignificando uma frase do poeta romano Horaacutecio que ldquoa sina dos
celtasrdquo (aqui Jacobs fala dos irlandeses) no Impeacuterio Britacircnico (a referecircncia aqui diz
respeito aos ingleses) ldquoparece-se com a dos gregos entre os romanos eles iam agrave luta nas
batalhas mas sempre eram derrotados No entanto o celta cativo escravizou seu captor
no reino da imaginaccedilatildeordquo82 (JACOBS 2000 13) Eacute notaacutevel a atraccedilatildeo de Jacobs por este
imaginaacuterio irlandecircs e que ele o classifica de ldquoceltardquo estabelecendo uma relaccedilatildeo de
comparaccedilatildeo com os gregos e no contexto da obra a habilidade destes para elaboraccedilatildeo de
82
A frase de Horaacutecio eacute ldquoGraecia capta ferum victorem cepitrdquo Epiacutestolas Livro II 1 156-157
209
narrativas miacuteticas capazes de encantar ateacute mesmo os que a princiacutepio natildeo
compartilhavam da mesma cultura O periacuteodo analisado por Jacobs que viveu de 1854 a
1916 eacute recente diz respeito agraves histoacuterias contadas de forma oral de pai (matildee) para filho
(filha) na Escoacutecia em Gales na Inglaterra e na Irlanda moderna As implicaccedilotildees desta
concepccedilatildeo satildeo evidentes 1) Diferentemente da opiniatildeo do arqueoacutelogo John Collins haacute
sim celtas nas Ilhas Britacircnicas 2) a Irlanda eacute um paiacutes celta 3) existe uma continuidade
ldquoceacutelticardquo percebida na linguagem no mito e no folclore desde a chamada preacute-histoacuteria aos
dias atuais
Miranda J Green por sua vez em sua obra The Celtic World restringe
cronologicamente o uso do termo A autora reuniu especialistas do mundo inteiro para
abarcar a histoacuteria e a cultura destas sociedades que ela classificou como pertencentes a
um ldquomundo ceacutelticordquo em um tempo histoacuterico preciso ldquobetween 600 BC and AD 600rdquo Pelo
menos nesta eacutepoca podemos falar de celtas pois segundo ela neste periacuteodo especiacutefico
ldquoCelts existed in some manner whether self-defined or as a group of peoples who were
classified as such by communities who belonged to a separate cultural- and literate-
traditionrdquo (GREEN 1996 03) Nem todos os autores concordam com esta definiccedilatildeo ou
entatildeo acrescentam termos como ldquoos celtas histoacutericosrdquo ldquoo periacuteodo de formaccedilatildeo da
cultura e sociedade ceacutelticardquo etc Mas claro eacute uma interpretaccedilatildeo possiacutevel sustentada por
um dos grandes nomes dos estudos ceacutelticos no mundo
Na obra Celtic Culture- A historical Encyclopedia de John C Kock por exemplo
embora o autor ressalte as dificuldades arqueoloacutegicas que giram em torno do termo
ldquoceltardquo principalmente na literatura arqueoloacutegica inglesa dos seacuteculos XX e XXI e ainda
que o termo ldquoceltardquo muitas vezes devido a interesses poliacuteticos soacute foi aplicado agrave Repuacuteblica
da Irlanda e outros paiacuteses jaacute na modernidade haacute grande preocupaccedilatildeo com toda esta
abrangecircncia cronoloacutegica e geograacutefica Lecirc-se por exemplo quando satildeo traccedilados os
objetivos e a metodologia da obra de Kock que ldquoThe Encyclopedia covers subjects from the
Hallstat and La Teacutene periods of the later pre-Roman Iron Age to the beginning of the 21st
210
centuryrdquo E tambeacutem que ldquoGeographically as well as including the Celtic civilizations of
Ireland Britain and Britanny (Armorica) from ancient times to the present De igual modo
a obra cobre ldquothe ancient Continental Celts of Gaul the Iberian Peninsula and central and
eastern Europe together with the Galatians of present-day Turkeyrdquo lecirc-se ainda que ldquoit
also follows the Celtic diaspora into the Americas and Australia (KOCH 2006 XX-XXI)
Um exame detalhado dos programas cadernos de resumos e inscriccedilotildees de
trabalhos em diversos congressos dedicados agrave temaacutetica ceacuteltica espalhados pelo mundo da
Argentina ao Japatildeo da Islacircndia agrave Inglaterra eacute capaz de revelar esta pluralidade de
dinacircmicas temporais e de temas Para se concentrar em um caso particular o XIV
International Congress of Celtic StudiesComhdhaacuteil Idirnaacuteisiuacutenta sa Leacuteann Ceilteach por
exemplo que ocorreu na cidade irlandesa de Maynooth englobou tanto temaacuteticas
antigas ldquoCelt and Non-Celt in Britain and Ireland A Survey of Ptolemyrsquos Place- and Polity-
Names in His Geographiardquo ldquoCeltic From The Westrdquo A Critiquerdquo ldquoLate Celtic Coin Types in
Austria and Some Relationship to Britanniardquo e ainda ldquoReligion and Political Resistance in
Gaul in the First Century ADrdquo quanto relacionadas a periacuteodos histoacutericos mais recentes tais
como ldquoThe Lady was for Turning The Thatcher Governmentrsquos U-Turn(s) over Welsh
Language Television C 1979-84rdquo ldquoOverview of the Tense System in Literary Modern Irishrdquo
ldquoA Struggle Against Indifference A Revisionist Study into the Cultural Relationship
Between England and Wales in the Second Half of the Twentieth Centuryrdquo ou mesmo
ldquoWho Were the Supposed Audience of the ldquoMedieval Welsh Juvenile Talesrdquo A
Consideration of the 19th Century Receptions of the ldquoMabinogionrdquordquo Como se percebe
uma questatildeo de perspectiva teoacuterica metodoloacutegica epistemoloacutegica e claro sem estar
ausente de viacutenculos poliacutetico-ideoloacutegicos e com tradiccedilotildees nacionalistas embora seja
notoacuterio e sintomaacutetico que trabalhos de histoacuteria e de arqueologia apresentem uma
tendecircncia de concentraccedilatildeo em periacuteodos mais antigos se desdobrando ateacute a Idade Meacutedia
enquanto que os realizados em outras aacutereas do saber se extendam por uma duraccedilatildeo
211
temporal bem maior Mas como jaacute mencionamos eacute importante lembrar os estudos
ceacutelticos natildeo se restringem agrave Histoacuteria e Arqueologia
No que diz respeito agraves publicaccedilotildees sobre a temaacutetica ceacuteltica em portuguecircs
brasileiro tambeacutem eacute possiacutevel detectar as mesmas ocorrecircncias uma grande multiplicidade
de temporalidades histoacutericas de temas e uma pluralidade de disciplinas abordando a
questatildeo A tiacutetulo de exemplo termos como ldquoceltardquo ldquoceltismordquo aparecem proacuteximos de
vocaacutebulos como ldquopoacutes-modernidaderdquo em um artigo da mesma Ana Donnard jaacute
mencionada ldquoAs origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidaderdquo
(2006) Da mesma autora tambeacutem eacute possiacutevel ler que ldquoAs culturas ceacutelticas e suas
literaturas representam desde a Alta Idade Meacutedia ateacute os dias de hoje ()rdquo e ldquonos paiacuteses
de culturas ceacutelticas identidade eacute uma questatildeo cotidianardquo ou ainda que ldquoesse mundo
ceacuteltico tatildeo antigo atravessou eras se expandiu nas navegaccedilotildees e chega ateacute hoje nas
literaturas modernasrdquo (DONNARD 2011 179 183) Eacute importante ressaltar que natildeo
afirma-se aqui qualquer afinidade ou apoio agraves teorias da continuidade paleoliacutetica ou
outras compartilhadas pela autora apenas quer-se enfatizar os empregos do termo
ldquoceltardquo em diversos sentidos e contextos uma tarefa de sistematizaccedilatildeo de leacutexicos e
anaacutelise de discursos
Quando observamos as reflexotildees de Adriene Baron Tacla em seu capiacutetulo de livro
sobre a ldquoDamardquo de Vix escrito para integrar uma obra sobre mulheres na Antiguidade
organizada por Maria Regina Cacircndido (2012) as periodizaccedilotildees satildeo outras teorias
diferentes satildeo mencionadas bem como a documentaccedilatildeo e a historiografia elencada
tambeacutem satildeo distintas talvez devido ao fato de que a autora possui formaccedilatildeo
arqueoloacutegica Jaacute Elaine Pereira Farell por exemplo escreveu um artigo sobre a Irlanda
Medieval (2011) e natildeo mencionou uma uacutenica vez o termo ldquoceltardquo ou seus relativos
embora algumas referecircncias assim apareccedilam na bibliografia mencionada pela autora
fazendo surgir termos como ldquoCeltic Theologyrdquo ou ldquoWomen in a Celtic Churchrdquo o que no
entanto de forma alguma significa que a autora concorde com a ideacuteia de uma teologia ou
212
uma Igreja ldquoceacutelticardquo muito menos para o caso da histoacuteria irlandesa Uma breve consulta
aos artigos publicados na revista do Brathair- Grupo de Estudos Celtas e Germacircnicos
(httpppgrevistasuemabrindexphpbrathair) ou no Brazilian Journal of Irish Studies
uma publicaccedilatildeo da ABEI-associaccedilatildeo Brasileira de Estudos Irlandeses pode elucidar mais
exemplos acerca desta multiplicidade de usos e abusos do termo ldquoceltardquo e seus afins bem
como as diversas temporalidades que circundam a questatildeo
Para uma anaacutelise destes discursos pouco importa quem estaacute com a razatildeo (se eacute que
isso eacute possiacutevel diante de um caso tatildeo complexo e plural) se a eleiccedilatildeo seraacute pela teoria A ou
B se a escolha seraacute por abordar tempos tatildeo longiacutenquos quanto o XIV a EC falando em
ldquoprimeiros celtasrdquo ldquoproto-celtasrdquo ou mesmo ldquoantecessores dos celtasrdquo se tal definiccedilatildeo
seraacute feita com base em estudos empreendidos por arqueoacutelogos83 utilizando meios de
dataccedilatildeo e classificaccedilatildeo como a termoluminiscecircncia e o Carbono 14 por exemplo em
parceria com vaacuterias ciecircncias como a paleobotacircnica paleozoologia etc ou se privilegiar-
se-aacute investigaccedilotildees sobre tempos mais recentes tais como as referecircncias aos ldquoceltasrdquo que
aparecerem na obra de linguistas filoacutelogos antropoacutelogos socioacutelogos folcloristas etc
Tambeacutem eacute importante lembrar que para alguns como eacute o caso de MA Morse ldquothe Celts
are and always were a creation of human mindrdquo (MORSE 2005 185) A historiografia
estaacute repleta de embates desta natureza Para aleacutem de qualquer discussatildeo de ldquoniacuteveisrdquo ou
ldquograurdquo de celticidade de ateacute quando se pode ou natildeo falar sobre celtas ou mesmo levando
em consideraccedilatildeo autores que acreditam que nunca houve qualquer celta em lugar algum
importa o fato de que o termo mesmo que seja para figurar apoacutes a palavra ldquoprotordquo
ldquopseudordquo ldquoliteraacuteriordquo (e dezenas de outros) estaacute presente jaacute existe no campo discursivo
integra o leacutexico destas narrativas Ou seja importa o aparecimento usos (e abusos) e
controles da forma ldquoceltardquo nos discursos cientiacuteficos e acadecircmicos
83
Cf A obra ldquoOs Celtasrdquo de Venceslas Kruta por exemplo traduzida no Brasil pela Martins Fontes (1989)
213
Desta forma apesar das escolhas teoacuterico-metodoloacutegicas e das circunscriccedilotildees
cronoloacutegicas impostas agrave temaacutetica como fez-se saber paraacutegrafos acima Miranda Green
reconhece este problema que envolve a nomenclatura ldquoceltardquo e sistematizou uma das
definiccedilotildees mais precisas sobre este assunto no que diz respeito a esta dificuldade de
limitaccedilotildees e escolhas por periodizaccedilotildees e formas A professora de Arqueologia da Cardiff
University afirma que falar sobre celtas implica em estar pronto a discutir a relaccedilatildeo entre
cultura material etinicidade e linguagem E tambeacutem que apesar do fato de que a ldquoCeltic
culture per se is generally considered to come to an end around the end of the first century
BCrdquo e depois disso o termo ldquoRomano-Celticrdquo entatildeo seria mais apropriado denotando
trocas culturais eacute difiacutecil definir quem satildeo os celtas e o que eacute a celticidade Esta dificuldade
se daacute pelo fato de que ldquoldquoCeltsrdquo and ldquoCelticrdquo are terms which mean different things to
different peoplerdquo e mais ainda que ldquoThe only way to deal with this conflict of approaches
is to recognize that they are to an extent irreconcilablerdquo (GREEN 1996 06) Vamos ver
como o termo aparece nos documentos antigos
CELTAECELTAS
O conjunto de povos que podem ou natildeo ser considerados ldquoceltasrdquo parece natildeo ter dado
tanta importacircncia agrave escrita antes dava preferecircncia agrave oralidade enfatizando a memoacuteria
transmitida por atos de fala Aqueles que eram responsaacuteveis pela transmissatildeo dos saberes
tradicionais deviam estudar durante muito tempo Assim investigar os documentos
escritos sobre os ldquoceltasrdquo significa ver o que os outros como gregos e romanos narraram
acerca deles o que por si soacute jaacute pressupotildee um grande problema de caraacuteter identitaacuterio uma
vez que apesar das evidecircncias linguiacutesticas e arqueoloacutegicas a histoacuteria dos ldquoceltasrdquo eacute
geralmente escrita com base no relato elaborado por terceiros
214
Entre os gregos haacute referecircncias sobre estes povos por exemplo em Hecateu de
Mileto que menciona o mar ceacuteltico (ηὸ δὲ εἰρ ηὴν Κελτικὴν θάλαζζαν84
) localiza Nirax
como uma cidade ceacuteltica (Νύπαξ πόλιρ Κελτική85
) e diz que Massalia ficava na terra dos
liacutegures perto do paiacutes dos celtas (Μαζζαλία πόλιρ ηῆρ Λιγςζηικῆρ καηὰ ηὴν Κελτικήν86
)
Da mesma maneira sabe-se que em Heroacutedoto temos a evidecircncia mais antiga do etnocircnimo
Κελτοί Em suas Histoacuterias ele diz que o rio Danuacutebio comeccedilava no territoacuterio dos celtas e na
cidade de Pirene e no mesmo trecho fala sobre onde os celtas estariam ldquoagorardquo
localizados (Ἴζηπορ ηε γὰπ ποηαμὸρ ἀπξάμενορ ἐκ Κελτῶν καὶ Πςπήνηρ πόλιορ ῥέει μέζην
ζσίζων ηὴν Εὐπώπην (οἱ δὲ Κελτοί εἰζι ἔξω Ἡπακλέων Σηηλέων ὁμοςπέοςζι δὲ
Κςνηζίοιζι οἳ ἔζσαηοι ππὸρ δςζμέων οἰκέοςζι ηῶν ἐν ηῇ Εὐπώπῃ καηοικημένων87
) Uma
sistematizaccedilatildeo de todas as vezes que os gregos mencionam os Celtas acompanhada de
uma anaacutelise miacutenima ocuparia o espaccedilo de alguns livros A tiacutetulo de exemplo aleacutem dos
mencionados Hecateu de Mileto e Heroacutedoto podemos lembrar tambeacutem de Estrabatildeo
Diodoro Dioniacutesio Ptolomeu Xenofonte Platatildeo Aristoacuteteles Possidocircnio Plutarco
Pausacircnias entre outros Ateacute mesmo o Apoacutestolo Paulo escreveu uma carta aos Gaacutelatas um
termo grego tambeacutem relacionado com os ldquoCeltasrdquo Paremos por aqui as referecircncias
ocorrem em vaacuterios autores satildeo centenas de fragmentos
Entre os romanos tambeacutem satildeo inuacutemeras referecircncias Tito Liacutevio Justino Pliacutenio Ceacutesar e
Taacutecito satildeo alguns dos que escrevem sobre os ldquoceltasrdquo Juacutelio Ceacutesar por exemplo em sua
obra Comentarii de Bello Gallico diz que ldquoGallia est omnis divisa in partes tres quarum
unam incolunt Belgae aliam Aquitani tertiam qui ipsorum lingua Celtae nostra Galli
appellantur88 Ou seja ele divide a Gaacutelia em trecircs regiotildees tendo em vista etnicidade
84
Hecataeus Hist Fragmenta 18a 12-13
85 Hecataeus Hist Fragmenta 56 1
86 Hecataeus Hist Fragmenta 551
87 Herodotus Hist Historiae Livro II 33 10-14
88 Juacutelio Ceacutesar Comentarii de Bello Gallico I1
215
cultura e liacutengua Celtae Aquitani e Belgae Segundo lecirc-se na descriccedilatildeo de Ceacutesar em latim
os romanos chamavam os povos mencionados de ldquogaulesesrdquo mas no idioma do proacuteprio
povo eles utilizavam a nomenclatura ldquoceltardquo segundo nos diz o autor do De Bello Gallico
Para Tiacuteto Liacutevio os Celtas apareceram em contato com os romanos durante o periacutedo de
Tarquiacutenio (o antigo) ou seja 658-578 antes da Era Comum Provavelmente Liacutevio
equivocou-se uma vez que estes eventos parecem ter ocorrido em data posterior tavez
no seacuteculo V ou IV aEC Problemaacutetica esta que natildeo nos interessa no momento importa a
menccedilatildeo aos Celtas independente de quando estes fatos ocorreram Alguns autores
romanos como o proacuteprio Ceacutesar Ciacutecero dentre outros fornecem informaccedilotildees sobre os
druiacutedas uma espeacutecie de sacerdote tambeacutem relacionados agrave cultura ceacuteltica Ceacutesar nos
informa por exemplo que o tempo de estudo de um druiacuteda podia alcanccedilar os 20 anos
Sabe-se ainda que os Celtas tambeacutem estavam envolvidos em um ataque agrave cidade de Roma
no ano de 390 aEC fato que eacute mencionado por exemplo por Q Claudius Quadrigarius
Liacutevio mais uma vez refere-se a estes eventos como tendo ocorrido em outro ano 361
Interessa a menccedilatildeo aos Celtas independente da data ldquocorretardquo Lucano e Apiano tambeacutem
fazem referecircncias aos chamados ldquoCeltiberosrdquo ou seja Celtas da Peniacutensula Ibeacuterica que
migraram para este local a partir da Gaacutelia por causa de uma fome em sua terra de origem
Desta maneira percebe-se que houve um conjunto de povos que preocupou tanto
autores gregos como romanos que escreveram sobre estes ldquoinvasoresrdquo e ldquobaacuterbarosrdquo Fica
evidente que o termo ldquoceltardquo aparece para noacutes a partir deste corpus documental antigo e
que tem origem no grego Κελτοί (mesmo que se trate de uma traduccedilatildeo de alguma liacutengua
ceacuteltica para o idioma dos helenos) quando aparece em textos claacutessicos pela primeira vez
daiacute surgindo o vocaacutebulo Celta-ae em latim de onde se origina o nome que usamos em
portuguecircs para se referir a este conjunto de povos Celtas David Rankin em sua obra
Celts and the Classical World nos lembra que embora noacutes devamos fazer uso do termo
ldquoCeltardquo como um nome mais geral para se referir a este determinado conjunto de povos
outras palavras tambeacutem aparecem com frequecircncia Gauleses Galli Galatai Goideacutelicos
216
Britocircnicos Britanii Picti (Cruithni) Eacuterainn e outros nomes especiacuteficos que segundo o
autor ocorrem ldquode tempos em temposrdquo (Rankin 1996)
A imagem dos Celtas tal qual aparece nestes relatos pelo menos em alguns deles eacute
problemaacutetica pois os povos agrupados sob esta alcunha satildeo vistos sob o prisma do outro
como uma ameaccedila o diferente ou no miacutenimo como o exoacutetico Taacutecito Diatildeo Caacutessio e
Herodiano por exemplo nos datildeo referecircncias significativas no que diz respeito a esta
questatildeo principalmente na abordagem dos bretotildees do Norte frequentemente
mencionados como ldquobritannirdquo povos que depois do panegiacuterico de Constacircncio Cloro
passaratildeo a ser chamados de ldquopictosrdquo o que pode ser verificado na obra de Amiano
Marcelino e Claudiano89 Na obra de vaacuterios autores claacutessicos os ldquoceltasrdquo aparecem como
beberrotildees dados agrave guerra na qual lutavam nus baacuterbaros que natildeo temiam nem mesmo a
morte e faziam sacrifiacutecios humanos Apesar destes problemas que natildeo seratildeo explorados
aqui Barry CunlifFe explica que sem estas narrativas claacutessicas haveria muita coisa que
jamais saberiacuteamos pois a arqueologia sozinha natildeo seria capaz de elucidar Segundo o
autor ldquowe would not be able to appreciate the long period of conflict between the Celtic
communities of the Po Valley and the Roman World ldquowe would be entirely ignorant of
violent raids of the Celts deep into Greece in the third centuryrdquo Para ele ldquoThe classical
sources provide a story-line and colourrdquo ldquoThe greek and Roman authors have provided us
with their own vision of the Celts- a vision born of contemporary or near contemporary
experience that cannot be ignoredrdquo (CUNLIFFE 1997 01-02)
Eacute importante ressaltar que estaacute sendo explicitado aqui eacute a problemaacutetica em torno da
definiccedilatildeo do que eacute e o que natildeo eacute ldquoceacutelticordquo bem como de que maneira o termo passou a
ser usado na historiografia e chegou ateacute noacutes dando origem aos estudos ceacutelticos
presentes em todos os cantos do mundo e jaacute em algumas universidades brasileiras Ou
seja natildeo estaacute sendo defendida aqui a aboliccedilatildeo da forma ldquoceltardquo mas uma criticidade da
89
Agradeccedilo pelas contribuiccedilotildees de Juliet Schuster (UFRGS) orientanda de Anderson Zalewski Vargas Juliet eacute a uacutenica pesquisadora brasileira que estuda os Pictos me indicou bibliografia de referecircncia neste sentido
217
mesma afinal como Norberto Luiz Guarinello bem sugeriu ldquoas formas natildeo satildeo inocentes
e em alguns casos nem totalmente inofensivasrdquo (GUARINELLO 2003) Sobre este
aspecto eacute bastante interessante o que fez o tradutor da frase ldquoRoma natildeo foi construiacuteda
em um uacutenico diardquo para o idioma Esperanto Natildeo conseguindo produzir uma rima sonora
com o exemplo romano acabou invertendo o ditado dizendo ldquoEn unu Tago ne elkreskis
Kartagordquo Um raciociacutenio assim se aplicado agrave Histoacuteria certamente causaria certos
embaraccedilos produziria algumas mudanccedilas levando as atenccedilotildees para o Norte da Aacutefrica
substituindo Roma por Cartago Eacute preciso refletir sobre as formas natildeo somente usaacute-las
Desde que estas referecircncias foram feitas tanto por gregos quanto por romanos o
termo ldquoceltardquo foi pouco a pouco se transformando em mais uma consolidada forma
histoacuterica usada por inuacutemeros historiadores modernos para agrupar povos de eacutepocas
culturas e lugares diferentes Desta maneira sob a alcunha ldquoceltardquo e suas variantes
dezenas de etnias distintas satildeo reunidas com o argumento de que estes povos falavam um
idioma descendente do mesmo tronco apresentavam semelhanccedilas religiosas e tambeacutem
culturais Outro efeito do uso desta forma eacute falar de uma localidade ou etnia especiacutefica
substituindo seus nomes pelo termo geral tomando assim o todo pela parte
Na praacutetica o que literalmente se faz e eacute bastante comum ateacute mesmo entre os
especialistas sendo praticamente uma regra entre aqueles que natildeo satildeo familiarizados
com os estudos ceacutelticos eacute falar de Bretotildees Escotos Gaacutelatas Trinovantes Caledocircnios
Helveacutecios Braacutecaros Galaicos Pictos Eacuteduos Allobroges Ambiani Atrebates Arveni
Baiocasses Boii Bellovaci Bituriges Carnutes Cenomani Centrones Curiosolitae Nervii
Medulii Menapii Morini Parisii Redones Remi Satones Senones Sequani Suessiones
Treveri Turones Vellavi Veneti Viducasses Viromandui Turini Insubres Vertamocorii
Cenomani Lingones Cotini Eravisci Scordisci Latobici Albiones Astures Bletonesii
Bracari Cantabri Carpetani Celtiberos Celtici Coelerni Cynetes Equaesi Grovii
Interamici Leuni Limici Luanqui Lusitanii Lusones Narbasi Nemetati Oretani Paesuri
Tamagani Tapoli Turduli Turodi Vaccaei Vettones Zoeale Ancalites Attacotti
218
Brigantes Cantii Carvetii Cassi Catuvellauni Cornavii Damnonii Epidii Ordovices
Regnenses Silures Trinovantes Venicones e tantos outros povos a partir de uma uacutenica
forma ldquoceltasrdquo Desta maneira perde-se todas as especificidades e tantas identidades
distintas satildeo agrupadas em um uacutenico vocaacutebulo em favor de um gosto exagerado ou
mesmo uma necessidade pela unidade Categoria esta que natildeo se adequa ao mundo
ldquoceltardquo uma vez que estes natildeo formavam um grupo comum natildeo tinham um Estado
organizado e nem uma consciecircncia identitaacuteria uma ldquocelticidaderdquo Miranda Green
percebeu isso muito bem ela escreveu que ldquoRomans identified themselves as such Ciuis
Romanus sum We cannot tell whether a comparable Celtic consciousness ever existedrdquo
(GREEN 1996 03) Talvez o exemplo mais generalizante deste modus operandi seja
chamar os diversos povos mencionados por Juacutelio Ceacutesar no De Bello Gallico de ldquoceltasrdquo ou
de ldquogaulesesrdquo sendo que como vimos agora pouco o proacuteprio autor da obra a inicia
dizendo que toda a Gaacutelia estava dividida em trecircs partes somente uma delas
correspondendo aos Celtas e quando se adentra na leitura do texto cesarino percebe-se
que a pluralidade de povos e a multiplicidade de etnias eacute tatildeo vasta que natildeo cabe nem
mesmo dentro do vocaacutebulo ldquoceltardquo
Quando o tema do cristianismo irlandecircs por exemplo eacute mencionado nos livros de
histoacuteria geralmente ele aparece na categoria de Histoacuteria Medieval e frequentemente
relacionado com a forma ldquoceltardquo ou ceacutelticordquo Foi necessaacuterio que Kathleen Hughes
escrevesse seu artigo The Celtic church is this a valid concept (1981) para que os
historiadores comeccedilassem a parar de falar em uma ldquoIgreja Ceacutelticardquo90 Todavia ainda natildeo
90
Duas observaccedilotildees devem ser feitas Primeiro se por um lado o artigo de Hughes resolve um problema o cristianismo irlandecircs deve ser compreendido como vinculado ao cristianismo romano e natildeo como um fenocircmeno isolado por outro direciona os olhares dos pesquisadores aos viacutenculos entre o cristianismo irlandecircs e o continental abrindo o flanco para a cristalizaccedilatildeo de outras formas histoacutericas como se estas natildeo apresentassem problemas semelhantes a forma combatida Por fim a discussatildeo central de Hughes natildeo eacute a forma ldquoceacutelticardquo com relaccedilatildeo ao que vinha sendo descrito pelos historiadores como ldquoCeltic Churchrdquo mas a funcionalidade explicativa deste conceito pois segundo a autora (HUGHES 1981) o termo natildeo era suficiente para abarcar a realidade da sociedade irlandesa do periacuteodo em questatildeo Ao contraacuterio fazia-nos crer em uma Igreja ceacuteltica separada da romana uma ideacuteia equivocada
219
de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the
Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The
Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns
historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do
Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e
OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian
Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES
2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas
narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas
estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma
seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a
mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo
3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA
HISTOacuteRIA DOS CELTAS
Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que
a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das
Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem
chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com
Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia
Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo
impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal
divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas
91
Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977
220
poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia
de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo
que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que
compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a
histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo
motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB
Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um
fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos
Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar
acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os
dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo
vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV
aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria
isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E
claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram
aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar
preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas
mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma
das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo
arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt
La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir
A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se
extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da
ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute
relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O
autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas
este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de
221
urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria
linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute
difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta
possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada
civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA
1989 59)
A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos
encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na
Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica
ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar
alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma
vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo
usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo
relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando
o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos
como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo
que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da
Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por
exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-
c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob
a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo
especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo
(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o
periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados
deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal
localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt
222
como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os
Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)
A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados
arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos
(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este
nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um
Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos
como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma
forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo
de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt
(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma
que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with
their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic
art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de
localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as
obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida
(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos
materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou
exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as
aos celtas
Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes
migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de
fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de
Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem
que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que
frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees
destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate
223
sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha
desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta
data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos
documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na
Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua
obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado
The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)
Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos
campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na
maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a
conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir
se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade
memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser
religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)
da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais
caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se
necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando
responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre
estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees
e com tal divisatildeo encerramos este artigo
Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja
representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas
outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da
Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma
aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados
por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma
representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os
224
pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos
mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo
que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o
autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo
destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas
liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic
populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da
lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna
dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo
ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho
identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo
ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu
delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos
etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a
questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se
trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in
the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups
of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles
ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone
associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos
que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer
grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem
apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da
Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo
225
ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly
Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma
mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da
historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria
da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo
nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e
ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como
Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita
de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de
palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e
poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos
baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos
Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de
uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi
um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem
sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais
elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees
e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a
principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir
da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos
compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso
de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-
se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a
nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com
propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico
como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas
vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo
226
historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de
ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um
periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas
ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar
apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se
direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as
classificaccedilotildees satildeo outras
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988
CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio
de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012
CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997
DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000
DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the
West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992
DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-
Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994
DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas
Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011
DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade
Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006
FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9
Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987
FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade
Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15
GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996
227
GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia
hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003
HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp
2001
HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic
Studies Nordm 1 p 1-20 1981
HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press
1966
HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New
history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p
301-329
JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003
JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006
KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989
LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989
MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da
Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011
MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of
Archaeology Stroud
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic
World Londres Routledge 1996 p 636-653
RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New
York Thames and Hudson 1994
RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996
TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press
2000
228
TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO
Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro
UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925
WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History
John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298
205
Outro fator importante a ser levado em consideraccedilatildeo eacute a interpretaccedilatildeo
Aprendemos com Hayden White que o ato de interpretar eacute algo inerente a qualquer obra
de histoacuteria e que eacute por causa dele que o historiador ao construir uma narrativa sobre seu
objeto precisa fazer juiacutezos esteacuteticos (escolhendo uma forma de narrar) epistemoloacutegicos
(definindo um paradiacutegma explicativo) e eacuteticos (selecionando estrateacutegias que permitam
que as implicaccedilotildees ideoloacutegicas de uma representaccedilatildeo possam ser deduzidas para
compreensatildeo de problemas sociais do presente) Porque ocorre uma falha neste processo
de reconhecimento dos limites internos da narrativa histoacuterica eacute que muitos historiadores
continuam a tratar os seus fatos como se fossem dados e se recusam a reconhecer que
estes mais do que descobertos satildeo elaborados (WHITE 2001 56)
O mesmo White jaacute nos alertava para o fato de que os historiadores natildeo possuem
uma boa relaccedilatildeo com a ficccedilatildeo pois eles acreditam que suas obras natildeo apresentam
relaccedilotildees desta natureza Desta maneira o historiador acredita ser diferente do
romancista jaacute que diferentemente deste uacuteltimo se ocupa de acontecimentos reais e natildeo
inventados ou imaginados O autor entatildeo nos mostra que natildeo importa se o mundo eacute
concebido como real ou imaginado a maneira de lhe atribuir sentido eacute a mesma e o fato
do historiador ter em suas matildeos documentos que satildeo considerados fragmentos indiacutecios
de um passado existente natildeo muda isso Quando escrevemos histoacuterias estamos
conferindo sentido ao mundo impondo-lhe uma coerecircncia formal Os historiadores
acreditam ter encontrado a forma da sua narrativa nos proacuteprios eventos diz White no
entanto o que na verdade eles fizeram foi impocirc-la a eles Ou seja as obras
historiograacuteficas satildeo traduccedilotildees dos fatos em ficccedilotildees ou pelo menos podemos dizer que
este eacute um dos efeitos das narrativas elaboradas pelos historiadores para representar
fenocircmenos ocorridos no passado humano As histoacuterias nunca devem ser lidas como signos
inequiacutevocos dos acontecimentos e sim como estruturas simboacutelicas metaacuteforas de longo
alcance A narrativa histoacuterica eacute uma mediadora entre os acontecimentos relatados e as
estruturas disponiacuteveis em nossa cultura para dotar de sentido estes acontecimentos
206
(WHITE 2001 105-115)81 Tendo em vista estas consideraccedilotildees iniciais acerca de
problemas relacionados agrave narrativa passemos agrave mateacuteria ceacuteltica
2 MAPEAMENTO UMA NOMENCLATURA IMPRECISA
Devido agrave imprecisatildeo da nomenclatura ldquoceltardquo eacute necessaacuterio primeiro uma discussatildeo
sobre a mesma para que entatildeo se fale sobre qualquer outra coisa uma vez que todas as
decisotildees posteriores estatildeo imediatamente vinculadas agrave compreensatildeo deste termo e agraves
escolhas feitas quando de seus usos narrativos Conveacutem adiantar ao leitor que porque os
estudos ceacutelticos dependem profundamente destas querelas eles tem como caracteriacutestica
intriacutenseca a interdisciplinaridade e abrangem um imenso arco cronoloacutegico que se extende
desde a assim chamada ldquopreacute-histoacuteriardquo ateacute o mundo contemporacircneo claro mais uma vez
dependendo da compreensatildeo que se tem do que eacute ou natildeo eacute celta Assim antes de falar
sobre periodizaccedilatildeo no caso da escrita de uma histoacuteria que se concentre nas sociedades
chamadas de ldquoceacutelticasrdquo eacute preciso tecer algumas consideraccedilotildees sobre esta nomenclatura
Por isso apresenta-se a seguinte discussatildeo A) uma reflexatildeo que tendo em vista uma
anaacutelise lexical tem por objetivo mostrar que independentemente das teorias escolhidas e
defendidas e dos argumentos que seus autores apresentem o termo ldquoceltardquo aparece em
textos que cobrem um periacuteodo que abrange da preacute-histoacuteria ao contemporacircneo B) uma
81
As referecircncias acerca da obra de Hayden White no Brasil satildeo abundantes mas em diversos casos satildeo leituras de traduccedilotildees ou de outros autores que citam White Ou seja citaccedilotildees que natildeo apontam para o original em liacutengua inglesa Hayden White eacute um autor menos estudado do que deveria e talvez pouco compreendido Natildeo raro encontram-se historiadores que insistem em classificar White como ldquopoacutes-modernordquo e situaacute-lo ao lado das sentenccedilas ldquoHistoacuteria natildeo eacute ciecircnciardquo e ldquoNatildeo haacute diferenccedila entre Histoacuteria e Literatura ambas satildeo narrativas produtoras de ficccedilotildeesrdquo reduzindo a amplitude e o alcance de sua obra Para uma discussatildeo mais aprofundada sobre o autor talvez fosse importante a leitura dos livros de Hayden White em idioma original bem como uma seacuterie de discussotildees em torno dos mesmos Recomenda-se por exemplo a apreciaccedilatildeo de uma esclarecedora entrevista concedida pelo proacuteprio White para o perioacutedico Diacritics (DOMANSKA KELLNER WHITE 1994) na qual aborda diversas temaacuteticas de interesse do historiador Em portuguecircs pode ser interessante a leitura do bom artigo escrito por Rodrigo Oliveira Marquez ldquotrecircs polecircmicas com Hayden Whiterdquo (2011) Cf Localizaccedilatildeo completa na sessatildeo de referecircncias bibliograacuteficas
207
anaacutelise do termo (celta) que daacute nome a esta mateacuteria tendo em vista seu aparecimento
em liacutengua grega e posterior uso em latim C) Soacute depois de ter a certeza que o leitor estaacute
ciente da existecircncia destas querelas falamos sobre periodizaccedilatildeo de forma mais especiacutefica
enfatizando a divisatildeo preferida pela maioria dos arqueoacutelogos e muitos historiadores a
saber a sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt La Tegravene e
periacuteodo de grandes migraccedilotildees mas sem esquecer que haacute outras possibilidades de
dataccedilatildeo principalmente quando a mateacuteria ceacuteltica eacute estudada por por outros campos do
saber
21 CELTAS- DO SEacuteCULO XIV A C AO TEMPO PRESENTE
Aceitando a sugestatildeo feita por Roland Barthes vimos que eacute possiacutevel ao historiador
perceber analisar e sistematizar os leacutexicos discursivos que estruturam um texto de
histoacuteria Satildeo ldquoenunciadosrdquo ldquocoleccedilotildeesrdquo que organizados de modo a estabelecer coerecircncia
e ordem preenchem de sentido a histoacuteria Quando olhamos para os escritos que de uma
forma ou de outra possuem relaccedilatildeo com os celtas eacute possiacutevel perceber que
cronologicamente o termo habita as narrativas relacionando-se com um tempo que
engloba do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute os dias atuais dezembro de 2012 quando
este artigo foi escrito No entanto natildeo existe concordacircncia dos estudiosos da mateacuteria
ceacuteltica sobre desde quando e nem ateacute que periacuteodo podemos usar esta nomenclatura O
uso do termo pode variar se a ecircnfase for dada agrave etnicidade indiacutecios linguiacutesticos ou cultura
material Ainda em alguns momentos as discussotildees parecem ter muito mais a ver com os
usos poliacuteticos do passado para a criaccedilatildeo manutenccedilatildeo ou ostentaccedilatildeo de identidades
eacutetnicas e interesses ideoloacutegicos do que com querelas e disputas cientiacuteficas
Ana Donnard por exemplo escreveu um artigo que contempla a questatildeo no qual
vemos surgir estas disputas identitaacuterias Segundo ela em 1991 na cidade italiana de
Veneza ocorreu uma grande exposiccedilatildeo sobre os celtas iniciativa promovida e patrocinada
208
pelo governo italiano A principal documentaccedilatildeo que serviu como sustentaacuteculo da mostra
foi composta de vaacuterios itens da cultura material encontrados a partir dos esforccedilos de
arqueoacutelogos do mundo inteiro e que fazem parte do acervo de museus europeus A
exposiccedilatildeo foi chamada de ldquoCeltas- a primeira Europardquo Donnard mostra o quanto esta
ideacuteia irritou profundamente o arqueoacutelogo britacircnico John Collins que criticou severamente
o fato de que houvesse qualquer relaccedilatildeo intercultural que distinguisse algumas etnias
como sendo ceacutelticas e outras natildeo dentro do Impeacuterio Britacircnico A autora seleciona um
trecho especiacutefico de Collins em que ele diz que ldquonunca houve arte religiatildeo ou sociedade
celta nas Ilhas Britacircnicasrdquo para ilustrar o argumento do arqueoacutelogo (DONNARD 2006) Um
debate sem duacutevida importante dentro da arqueologia pois independente de qualquer
interesse poliacutetico uma anaacutelise que enfatize a materialidade parece impor severas
dificuldades com relaccedilatildeo ao mapeamento desta celticidade no que diz respeito agraves Ilhas
Britacircnicas ateacute mesmo para o caso da Irlanda considerado um paiacutes ldquoceacuteltico par excellencerdquo
(RAFTERY 1996 651)
Do ponto de vista da folcloriacutestica por outro lado a problemaacutetica eacute expressa de
maneira distinta Podemos observar na obra de Joseph Jacobs por exemplo que natildeo haacute
qualquer dificuldade quanto ao emprego do termo ldquoceltardquo para se referir agrave etnias das
Ilhas Britacircnicas sobretudo os irlandeses muito menos em periacuteodos recentes da Histoacuteria
O autor nos diz resignificando uma frase do poeta romano Horaacutecio que ldquoa sina dos
celtasrdquo (aqui Jacobs fala dos irlandeses) no Impeacuterio Britacircnico (a referecircncia aqui diz
respeito aos ingleses) ldquoparece-se com a dos gregos entre os romanos eles iam agrave luta nas
batalhas mas sempre eram derrotados No entanto o celta cativo escravizou seu captor
no reino da imaginaccedilatildeordquo82 (JACOBS 2000 13) Eacute notaacutevel a atraccedilatildeo de Jacobs por este
imaginaacuterio irlandecircs e que ele o classifica de ldquoceltardquo estabelecendo uma relaccedilatildeo de
comparaccedilatildeo com os gregos e no contexto da obra a habilidade destes para elaboraccedilatildeo de
82
A frase de Horaacutecio eacute ldquoGraecia capta ferum victorem cepitrdquo Epiacutestolas Livro II 1 156-157
209
narrativas miacuteticas capazes de encantar ateacute mesmo os que a princiacutepio natildeo
compartilhavam da mesma cultura O periacuteodo analisado por Jacobs que viveu de 1854 a
1916 eacute recente diz respeito agraves histoacuterias contadas de forma oral de pai (matildee) para filho
(filha) na Escoacutecia em Gales na Inglaterra e na Irlanda moderna As implicaccedilotildees desta
concepccedilatildeo satildeo evidentes 1) Diferentemente da opiniatildeo do arqueoacutelogo John Collins haacute
sim celtas nas Ilhas Britacircnicas 2) a Irlanda eacute um paiacutes celta 3) existe uma continuidade
ldquoceacutelticardquo percebida na linguagem no mito e no folclore desde a chamada preacute-histoacuteria aos
dias atuais
Miranda J Green por sua vez em sua obra The Celtic World restringe
cronologicamente o uso do termo A autora reuniu especialistas do mundo inteiro para
abarcar a histoacuteria e a cultura destas sociedades que ela classificou como pertencentes a
um ldquomundo ceacutelticordquo em um tempo histoacuterico preciso ldquobetween 600 BC and AD 600rdquo Pelo
menos nesta eacutepoca podemos falar de celtas pois segundo ela neste periacuteodo especiacutefico
ldquoCelts existed in some manner whether self-defined or as a group of peoples who were
classified as such by communities who belonged to a separate cultural- and literate-
traditionrdquo (GREEN 1996 03) Nem todos os autores concordam com esta definiccedilatildeo ou
entatildeo acrescentam termos como ldquoos celtas histoacutericosrdquo ldquoo periacuteodo de formaccedilatildeo da
cultura e sociedade ceacutelticardquo etc Mas claro eacute uma interpretaccedilatildeo possiacutevel sustentada por
um dos grandes nomes dos estudos ceacutelticos no mundo
Na obra Celtic Culture- A historical Encyclopedia de John C Kock por exemplo
embora o autor ressalte as dificuldades arqueoloacutegicas que giram em torno do termo
ldquoceltardquo principalmente na literatura arqueoloacutegica inglesa dos seacuteculos XX e XXI e ainda
que o termo ldquoceltardquo muitas vezes devido a interesses poliacuteticos soacute foi aplicado agrave Repuacuteblica
da Irlanda e outros paiacuteses jaacute na modernidade haacute grande preocupaccedilatildeo com toda esta
abrangecircncia cronoloacutegica e geograacutefica Lecirc-se por exemplo quando satildeo traccedilados os
objetivos e a metodologia da obra de Kock que ldquoThe Encyclopedia covers subjects from the
Hallstat and La Teacutene periods of the later pre-Roman Iron Age to the beginning of the 21st
210
centuryrdquo E tambeacutem que ldquoGeographically as well as including the Celtic civilizations of
Ireland Britain and Britanny (Armorica) from ancient times to the present De igual modo
a obra cobre ldquothe ancient Continental Celts of Gaul the Iberian Peninsula and central and
eastern Europe together with the Galatians of present-day Turkeyrdquo lecirc-se ainda que ldquoit
also follows the Celtic diaspora into the Americas and Australia (KOCH 2006 XX-XXI)
Um exame detalhado dos programas cadernos de resumos e inscriccedilotildees de
trabalhos em diversos congressos dedicados agrave temaacutetica ceacuteltica espalhados pelo mundo da
Argentina ao Japatildeo da Islacircndia agrave Inglaterra eacute capaz de revelar esta pluralidade de
dinacircmicas temporais e de temas Para se concentrar em um caso particular o XIV
International Congress of Celtic StudiesComhdhaacuteil Idirnaacuteisiuacutenta sa Leacuteann Ceilteach por
exemplo que ocorreu na cidade irlandesa de Maynooth englobou tanto temaacuteticas
antigas ldquoCelt and Non-Celt in Britain and Ireland A Survey of Ptolemyrsquos Place- and Polity-
Names in His Geographiardquo ldquoCeltic From The Westrdquo A Critiquerdquo ldquoLate Celtic Coin Types in
Austria and Some Relationship to Britanniardquo e ainda ldquoReligion and Political Resistance in
Gaul in the First Century ADrdquo quanto relacionadas a periacuteodos histoacutericos mais recentes tais
como ldquoThe Lady was for Turning The Thatcher Governmentrsquos U-Turn(s) over Welsh
Language Television C 1979-84rdquo ldquoOverview of the Tense System in Literary Modern Irishrdquo
ldquoA Struggle Against Indifference A Revisionist Study into the Cultural Relationship
Between England and Wales in the Second Half of the Twentieth Centuryrdquo ou mesmo
ldquoWho Were the Supposed Audience of the ldquoMedieval Welsh Juvenile Talesrdquo A
Consideration of the 19th Century Receptions of the ldquoMabinogionrdquordquo Como se percebe
uma questatildeo de perspectiva teoacuterica metodoloacutegica epistemoloacutegica e claro sem estar
ausente de viacutenculos poliacutetico-ideoloacutegicos e com tradiccedilotildees nacionalistas embora seja
notoacuterio e sintomaacutetico que trabalhos de histoacuteria e de arqueologia apresentem uma
tendecircncia de concentraccedilatildeo em periacuteodos mais antigos se desdobrando ateacute a Idade Meacutedia
enquanto que os realizados em outras aacutereas do saber se extendam por uma duraccedilatildeo
211
temporal bem maior Mas como jaacute mencionamos eacute importante lembrar os estudos
ceacutelticos natildeo se restringem agrave Histoacuteria e Arqueologia
No que diz respeito agraves publicaccedilotildees sobre a temaacutetica ceacuteltica em portuguecircs
brasileiro tambeacutem eacute possiacutevel detectar as mesmas ocorrecircncias uma grande multiplicidade
de temporalidades histoacutericas de temas e uma pluralidade de disciplinas abordando a
questatildeo A tiacutetulo de exemplo termos como ldquoceltardquo ldquoceltismordquo aparecem proacuteximos de
vocaacutebulos como ldquopoacutes-modernidaderdquo em um artigo da mesma Ana Donnard jaacute
mencionada ldquoAs origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidaderdquo
(2006) Da mesma autora tambeacutem eacute possiacutevel ler que ldquoAs culturas ceacutelticas e suas
literaturas representam desde a Alta Idade Meacutedia ateacute os dias de hoje ()rdquo e ldquonos paiacuteses
de culturas ceacutelticas identidade eacute uma questatildeo cotidianardquo ou ainda que ldquoesse mundo
ceacuteltico tatildeo antigo atravessou eras se expandiu nas navegaccedilotildees e chega ateacute hoje nas
literaturas modernasrdquo (DONNARD 2011 179 183) Eacute importante ressaltar que natildeo
afirma-se aqui qualquer afinidade ou apoio agraves teorias da continuidade paleoliacutetica ou
outras compartilhadas pela autora apenas quer-se enfatizar os empregos do termo
ldquoceltardquo em diversos sentidos e contextos uma tarefa de sistematizaccedilatildeo de leacutexicos e
anaacutelise de discursos
Quando observamos as reflexotildees de Adriene Baron Tacla em seu capiacutetulo de livro
sobre a ldquoDamardquo de Vix escrito para integrar uma obra sobre mulheres na Antiguidade
organizada por Maria Regina Cacircndido (2012) as periodizaccedilotildees satildeo outras teorias
diferentes satildeo mencionadas bem como a documentaccedilatildeo e a historiografia elencada
tambeacutem satildeo distintas talvez devido ao fato de que a autora possui formaccedilatildeo
arqueoloacutegica Jaacute Elaine Pereira Farell por exemplo escreveu um artigo sobre a Irlanda
Medieval (2011) e natildeo mencionou uma uacutenica vez o termo ldquoceltardquo ou seus relativos
embora algumas referecircncias assim apareccedilam na bibliografia mencionada pela autora
fazendo surgir termos como ldquoCeltic Theologyrdquo ou ldquoWomen in a Celtic Churchrdquo o que no
entanto de forma alguma significa que a autora concorde com a ideacuteia de uma teologia ou
212
uma Igreja ldquoceacutelticardquo muito menos para o caso da histoacuteria irlandesa Uma breve consulta
aos artigos publicados na revista do Brathair- Grupo de Estudos Celtas e Germacircnicos
(httpppgrevistasuemabrindexphpbrathair) ou no Brazilian Journal of Irish Studies
uma publicaccedilatildeo da ABEI-associaccedilatildeo Brasileira de Estudos Irlandeses pode elucidar mais
exemplos acerca desta multiplicidade de usos e abusos do termo ldquoceltardquo e seus afins bem
como as diversas temporalidades que circundam a questatildeo
Para uma anaacutelise destes discursos pouco importa quem estaacute com a razatildeo (se eacute que
isso eacute possiacutevel diante de um caso tatildeo complexo e plural) se a eleiccedilatildeo seraacute pela teoria A ou
B se a escolha seraacute por abordar tempos tatildeo longiacutenquos quanto o XIV a EC falando em
ldquoprimeiros celtasrdquo ldquoproto-celtasrdquo ou mesmo ldquoantecessores dos celtasrdquo se tal definiccedilatildeo
seraacute feita com base em estudos empreendidos por arqueoacutelogos83 utilizando meios de
dataccedilatildeo e classificaccedilatildeo como a termoluminiscecircncia e o Carbono 14 por exemplo em
parceria com vaacuterias ciecircncias como a paleobotacircnica paleozoologia etc ou se privilegiar-
se-aacute investigaccedilotildees sobre tempos mais recentes tais como as referecircncias aos ldquoceltasrdquo que
aparecerem na obra de linguistas filoacutelogos antropoacutelogos socioacutelogos folcloristas etc
Tambeacutem eacute importante lembrar que para alguns como eacute o caso de MA Morse ldquothe Celts
are and always were a creation of human mindrdquo (MORSE 2005 185) A historiografia
estaacute repleta de embates desta natureza Para aleacutem de qualquer discussatildeo de ldquoniacuteveisrdquo ou
ldquograurdquo de celticidade de ateacute quando se pode ou natildeo falar sobre celtas ou mesmo levando
em consideraccedilatildeo autores que acreditam que nunca houve qualquer celta em lugar algum
importa o fato de que o termo mesmo que seja para figurar apoacutes a palavra ldquoprotordquo
ldquopseudordquo ldquoliteraacuteriordquo (e dezenas de outros) estaacute presente jaacute existe no campo discursivo
integra o leacutexico destas narrativas Ou seja importa o aparecimento usos (e abusos) e
controles da forma ldquoceltardquo nos discursos cientiacuteficos e acadecircmicos
83
Cf A obra ldquoOs Celtasrdquo de Venceslas Kruta por exemplo traduzida no Brasil pela Martins Fontes (1989)
213
Desta forma apesar das escolhas teoacuterico-metodoloacutegicas e das circunscriccedilotildees
cronoloacutegicas impostas agrave temaacutetica como fez-se saber paraacutegrafos acima Miranda Green
reconhece este problema que envolve a nomenclatura ldquoceltardquo e sistematizou uma das
definiccedilotildees mais precisas sobre este assunto no que diz respeito a esta dificuldade de
limitaccedilotildees e escolhas por periodizaccedilotildees e formas A professora de Arqueologia da Cardiff
University afirma que falar sobre celtas implica em estar pronto a discutir a relaccedilatildeo entre
cultura material etinicidade e linguagem E tambeacutem que apesar do fato de que a ldquoCeltic
culture per se is generally considered to come to an end around the end of the first century
BCrdquo e depois disso o termo ldquoRomano-Celticrdquo entatildeo seria mais apropriado denotando
trocas culturais eacute difiacutecil definir quem satildeo os celtas e o que eacute a celticidade Esta dificuldade
se daacute pelo fato de que ldquoldquoCeltsrdquo and ldquoCelticrdquo are terms which mean different things to
different peoplerdquo e mais ainda que ldquoThe only way to deal with this conflict of approaches
is to recognize that they are to an extent irreconcilablerdquo (GREEN 1996 06) Vamos ver
como o termo aparece nos documentos antigos
CELTAECELTAS
O conjunto de povos que podem ou natildeo ser considerados ldquoceltasrdquo parece natildeo ter dado
tanta importacircncia agrave escrita antes dava preferecircncia agrave oralidade enfatizando a memoacuteria
transmitida por atos de fala Aqueles que eram responsaacuteveis pela transmissatildeo dos saberes
tradicionais deviam estudar durante muito tempo Assim investigar os documentos
escritos sobre os ldquoceltasrdquo significa ver o que os outros como gregos e romanos narraram
acerca deles o que por si soacute jaacute pressupotildee um grande problema de caraacuteter identitaacuterio uma
vez que apesar das evidecircncias linguiacutesticas e arqueoloacutegicas a histoacuteria dos ldquoceltasrdquo eacute
geralmente escrita com base no relato elaborado por terceiros
214
Entre os gregos haacute referecircncias sobre estes povos por exemplo em Hecateu de
Mileto que menciona o mar ceacuteltico (ηὸ δὲ εἰρ ηὴν Κελτικὴν θάλαζζαν84
) localiza Nirax
como uma cidade ceacuteltica (Νύπαξ πόλιρ Κελτική85
) e diz que Massalia ficava na terra dos
liacutegures perto do paiacutes dos celtas (Μαζζαλία πόλιρ ηῆρ Λιγςζηικῆρ καηὰ ηὴν Κελτικήν86
)
Da mesma maneira sabe-se que em Heroacutedoto temos a evidecircncia mais antiga do etnocircnimo
Κελτοί Em suas Histoacuterias ele diz que o rio Danuacutebio comeccedilava no territoacuterio dos celtas e na
cidade de Pirene e no mesmo trecho fala sobre onde os celtas estariam ldquoagorardquo
localizados (Ἴζηπορ ηε γὰπ ποηαμὸρ ἀπξάμενορ ἐκ Κελτῶν καὶ Πςπήνηρ πόλιορ ῥέει μέζην
ζσίζων ηὴν Εὐπώπην (οἱ δὲ Κελτοί εἰζι ἔξω Ἡπακλέων Σηηλέων ὁμοςπέοςζι δὲ
Κςνηζίοιζι οἳ ἔζσαηοι ππὸρ δςζμέων οἰκέοςζι ηῶν ἐν ηῇ Εὐπώπῃ καηοικημένων87
) Uma
sistematizaccedilatildeo de todas as vezes que os gregos mencionam os Celtas acompanhada de
uma anaacutelise miacutenima ocuparia o espaccedilo de alguns livros A tiacutetulo de exemplo aleacutem dos
mencionados Hecateu de Mileto e Heroacutedoto podemos lembrar tambeacutem de Estrabatildeo
Diodoro Dioniacutesio Ptolomeu Xenofonte Platatildeo Aristoacuteteles Possidocircnio Plutarco
Pausacircnias entre outros Ateacute mesmo o Apoacutestolo Paulo escreveu uma carta aos Gaacutelatas um
termo grego tambeacutem relacionado com os ldquoCeltasrdquo Paremos por aqui as referecircncias
ocorrem em vaacuterios autores satildeo centenas de fragmentos
Entre os romanos tambeacutem satildeo inuacutemeras referecircncias Tito Liacutevio Justino Pliacutenio Ceacutesar e
Taacutecito satildeo alguns dos que escrevem sobre os ldquoceltasrdquo Juacutelio Ceacutesar por exemplo em sua
obra Comentarii de Bello Gallico diz que ldquoGallia est omnis divisa in partes tres quarum
unam incolunt Belgae aliam Aquitani tertiam qui ipsorum lingua Celtae nostra Galli
appellantur88 Ou seja ele divide a Gaacutelia em trecircs regiotildees tendo em vista etnicidade
84
Hecataeus Hist Fragmenta 18a 12-13
85 Hecataeus Hist Fragmenta 56 1
86 Hecataeus Hist Fragmenta 551
87 Herodotus Hist Historiae Livro II 33 10-14
88 Juacutelio Ceacutesar Comentarii de Bello Gallico I1
215
cultura e liacutengua Celtae Aquitani e Belgae Segundo lecirc-se na descriccedilatildeo de Ceacutesar em latim
os romanos chamavam os povos mencionados de ldquogaulesesrdquo mas no idioma do proacuteprio
povo eles utilizavam a nomenclatura ldquoceltardquo segundo nos diz o autor do De Bello Gallico
Para Tiacuteto Liacutevio os Celtas apareceram em contato com os romanos durante o periacutedo de
Tarquiacutenio (o antigo) ou seja 658-578 antes da Era Comum Provavelmente Liacutevio
equivocou-se uma vez que estes eventos parecem ter ocorrido em data posterior tavez
no seacuteculo V ou IV aEC Problemaacutetica esta que natildeo nos interessa no momento importa a
menccedilatildeo aos Celtas independente de quando estes fatos ocorreram Alguns autores
romanos como o proacuteprio Ceacutesar Ciacutecero dentre outros fornecem informaccedilotildees sobre os
druiacutedas uma espeacutecie de sacerdote tambeacutem relacionados agrave cultura ceacuteltica Ceacutesar nos
informa por exemplo que o tempo de estudo de um druiacuteda podia alcanccedilar os 20 anos
Sabe-se ainda que os Celtas tambeacutem estavam envolvidos em um ataque agrave cidade de Roma
no ano de 390 aEC fato que eacute mencionado por exemplo por Q Claudius Quadrigarius
Liacutevio mais uma vez refere-se a estes eventos como tendo ocorrido em outro ano 361
Interessa a menccedilatildeo aos Celtas independente da data ldquocorretardquo Lucano e Apiano tambeacutem
fazem referecircncias aos chamados ldquoCeltiberosrdquo ou seja Celtas da Peniacutensula Ibeacuterica que
migraram para este local a partir da Gaacutelia por causa de uma fome em sua terra de origem
Desta maneira percebe-se que houve um conjunto de povos que preocupou tanto
autores gregos como romanos que escreveram sobre estes ldquoinvasoresrdquo e ldquobaacuterbarosrdquo Fica
evidente que o termo ldquoceltardquo aparece para noacutes a partir deste corpus documental antigo e
que tem origem no grego Κελτοί (mesmo que se trate de uma traduccedilatildeo de alguma liacutengua
ceacuteltica para o idioma dos helenos) quando aparece em textos claacutessicos pela primeira vez
daiacute surgindo o vocaacutebulo Celta-ae em latim de onde se origina o nome que usamos em
portuguecircs para se referir a este conjunto de povos Celtas David Rankin em sua obra
Celts and the Classical World nos lembra que embora noacutes devamos fazer uso do termo
ldquoCeltardquo como um nome mais geral para se referir a este determinado conjunto de povos
outras palavras tambeacutem aparecem com frequecircncia Gauleses Galli Galatai Goideacutelicos
216
Britocircnicos Britanii Picti (Cruithni) Eacuterainn e outros nomes especiacuteficos que segundo o
autor ocorrem ldquode tempos em temposrdquo (Rankin 1996)
A imagem dos Celtas tal qual aparece nestes relatos pelo menos em alguns deles eacute
problemaacutetica pois os povos agrupados sob esta alcunha satildeo vistos sob o prisma do outro
como uma ameaccedila o diferente ou no miacutenimo como o exoacutetico Taacutecito Diatildeo Caacutessio e
Herodiano por exemplo nos datildeo referecircncias significativas no que diz respeito a esta
questatildeo principalmente na abordagem dos bretotildees do Norte frequentemente
mencionados como ldquobritannirdquo povos que depois do panegiacuterico de Constacircncio Cloro
passaratildeo a ser chamados de ldquopictosrdquo o que pode ser verificado na obra de Amiano
Marcelino e Claudiano89 Na obra de vaacuterios autores claacutessicos os ldquoceltasrdquo aparecem como
beberrotildees dados agrave guerra na qual lutavam nus baacuterbaros que natildeo temiam nem mesmo a
morte e faziam sacrifiacutecios humanos Apesar destes problemas que natildeo seratildeo explorados
aqui Barry CunlifFe explica que sem estas narrativas claacutessicas haveria muita coisa que
jamais saberiacuteamos pois a arqueologia sozinha natildeo seria capaz de elucidar Segundo o
autor ldquowe would not be able to appreciate the long period of conflict between the Celtic
communities of the Po Valley and the Roman World ldquowe would be entirely ignorant of
violent raids of the Celts deep into Greece in the third centuryrdquo Para ele ldquoThe classical
sources provide a story-line and colourrdquo ldquoThe greek and Roman authors have provided us
with their own vision of the Celts- a vision born of contemporary or near contemporary
experience that cannot be ignoredrdquo (CUNLIFFE 1997 01-02)
Eacute importante ressaltar que estaacute sendo explicitado aqui eacute a problemaacutetica em torno da
definiccedilatildeo do que eacute e o que natildeo eacute ldquoceacutelticordquo bem como de que maneira o termo passou a
ser usado na historiografia e chegou ateacute noacutes dando origem aos estudos ceacutelticos
presentes em todos os cantos do mundo e jaacute em algumas universidades brasileiras Ou
seja natildeo estaacute sendo defendida aqui a aboliccedilatildeo da forma ldquoceltardquo mas uma criticidade da
89
Agradeccedilo pelas contribuiccedilotildees de Juliet Schuster (UFRGS) orientanda de Anderson Zalewski Vargas Juliet eacute a uacutenica pesquisadora brasileira que estuda os Pictos me indicou bibliografia de referecircncia neste sentido
217
mesma afinal como Norberto Luiz Guarinello bem sugeriu ldquoas formas natildeo satildeo inocentes
e em alguns casos nem totalmente inofensivasrdquo (GUARINELLO 2003) Sobre este
aspecto eacute bastante interessante o que fez o tradutor da frase ldquoRoma natildeo foi construiacuteda
em um uacutenico diardquo para o idioma Esperanto Natildeo conseguindo produzir uma rima sonora
com o exemplo romano acabou invertendo o ditado dizendo ldquoEn unu Tago ne elkreskis
Kartagordquo Um raciociacutenio assim se aplicado agrave Histoacuteria certamente causaria certos
embaraccedilos produziria algumas mudanccedilas levando as atenccedilotildees para o Norte da Aacutefrica
substituindo Roma por Cartago Eacute preciso refletir sobre as formas natildeo somente usaacute-las
Desde que estas referecircncias foram feitas tanto por gregos quanto por romanos o
termo ldquoceltardquo foi pouco a pouco se transformando em mais uma consolidada forma
histoacuterica usada por inuacutemeros historiadores modernos para agrupar povos de eacutepocas
culturas e lugares diferentes Desta maneira sob a alcunha ldquoceltardquo e suas variantes
dezenas de etnias distintas satildeo reunidas com o argumento de que estes povos falavam um
idioma descendente do mesmo tronco apresentavam semelhanccedilas religiosas e tambeacutem
culturais Outro efeito do uso desta forma eacute falar de uma localidade ou etnia especiacutefica
substituindo seus nomes pelo termo geral tomando assim o todo pela parte
Na praacutetica o que literalmente se faz e eacute bastante comum ateacute mesmo entre os
especialistas sendo praticamente uma regra entre aqueles que natildeo satildeo familiarizados
com os estudos ceacutelticos eacute falar de Bretotildees Escotos Gaacutelatas Trinovantes Caledocircnios
Helveacutecios Braacutecaros Galaicos Pictos Eacuteduos Allobroges Ambiani Atrebates Arveni
Baiocasses Boii Bellovaci Bituriges Carnutes Cenomani Centrones Curiosolitae Nervii
Medulii Menapii Morini Parisii Redones Remi Satones Senones Sequani Suessiones
Treveri Turones Vellavi Veneti Viducasses Viromandui Turini Insubres Vertamocorii
Cenomani Lingones Cotini Eravisci Scordisci Latobici Albiones Astures Bletonesii
Bracari Cantabri Carpetani Celtiberos Celtici Coelerni Cynetes Equaesi Grovii
Interamici Leuni Limici Luanqui Lusitanii Lusones Narbasi Nemetati Oretani Paesuri
Tamagani Tapoli Turduli Turodi Vaccaei Vettones Zoeale Ancalites Attacotti
218
Brigantes Cantii Carvetii Cassi Catuvellauni Cornavii Damnonii Epidii Ordovices
Regnenses Silures Trinovantes Venicones e tantos outros povos a partir de uma uacutenica
forma ldquoceltasrdquo Desta maneira perde-se todas as especificidades e tantas identidades
distintas satildeo agrupadas em um uacutenico vocaacutebulo em favor de um gosto exagerado ou
mesmo uma necessidade pela unidade Categoria esta que natildeo se adequa ao mundo
ldquoceltardquo uma vez que estes natildeo formavam um grupo comum natildeo tinham um Estado
organizado e nem uma consciecircncia identitaacuteria uma ldquocelticidaderdquo Miranda Green
percebeu isso muito bem ela escreveu que ldquoRomans identified themselves as such Ciuis
Romanus sum We cannot tell whether a comparable Celtic consciousness ever existedrdquo
(GREEN 1996 03) Talvez o exemplo mais generalizante deste modus operandi seja
chamar os diversos povos mencionados por Juacutelio Ceacutesar no De Bello Gallico de ldquoceltasrdquo ou
de ldquogaulesesrdquo sendo que como vimos agora pouco o proacuteprio autor da obra a inicia
dizendo que toda a Gaacutelia estava dividida em trecircs partes somente uma delas
correspondendo aos Celtas e quando se adentra na leitura do texto cesarino percebe-se
que a pluralidade de povos e a multiplicidade de etnias eacute tatildeo vasta que natildeo cabe nem
mesmo dentro do vocaacutebulo ldquoceltardquo
Quando o tema do cristianismo irlandecircs por exemplo eacute mencionado nos livros de
histoacuteria geralmente ele aparece na categoria de Histoacuteria Medieval e frequentemente
relacionado com a forma ldquoceltardquo ou ceacutelticordquo Foi necessaacuterio que Kathleen Hughes
escrevesse seu artigo The Celtic church is this a valid concept (1981) para que os
historiadores comeccedilassem a parar de falar em uma ldquoIgreja Ceacutelticardquo90 Todavia ainda natildeo
90
Duas observaccedilotildees devem ser feitas Primeiro se por um lado o artigo de Hughes resolve um problema o cristianismo irlandecircs deve ser compreendido como vinculado ao cristianismo romano e natildeo como um fenocircmeno isolado por outro direciona os olhares dos pesquisadores aos viacutenculos entre o cristianismo irlandecircs e o continental abrindo o flanco para a cristalizaccedilatildeo de outras formas histoacutericas como se estas natildeo apresentassem problemas semelhantes a forma combatida Por fim a discussatildeo central de Hughes natildeo eacute a forma ldquoceacutelticardquo com relaccedilatildeo ao que vinha sendo descrito pelos historiadores como ldquoCeltic Churchrdquo mas a funcionalidade explicativa deste conceito pois segundo a autora (HUGHES 1981) o termo natildeo era suficiente para abarcar a realidade da sociedade irlandesa do periacuteodo em questatildeo Ao contraacuterio fazia-nos crer em uma Igreja ceacuteltica separada da romana uma ideacuteia equivocada
219
de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the
Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The
Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns
historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do
Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e
OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian
Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES
2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas
narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas
estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma
seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a
mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo
3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA
HISTOacuteRIA DOS CELTAS
Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que
a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das
Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem
chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com
Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia
Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo
impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal
divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas
91
Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977
220
poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia
de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo
que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que
compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a
histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo
motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB
Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um
fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos
Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar
acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os
dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo
vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV
aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria
isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E
claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram
aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar
preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas
mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma
das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo
arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt
La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir
A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se
extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da
ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute
relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O
autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas
este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de
221
urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria
linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute
difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta
possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada
civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA
1989 59)
A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos
encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na
Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica
ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar
alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma
vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo
usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo
relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando
o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos
como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo
que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da
Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por
exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-
c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob
a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo
especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo
(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o
periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados
deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal
localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt
222
como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os
Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)
A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados
arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos
(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este
nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um
Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos
como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma
forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo
de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt
(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma
que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with
their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic
art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de
localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as
obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida
(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos
materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou
exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as
aos celtas
Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes
migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de
fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de
Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem
que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que
frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees
destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate
223
sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha
desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta
data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos
documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na
Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua
obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado
The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)
Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos
campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na
maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a
conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir
se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade
memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser
religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)
da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais
caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se
necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando
responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre
estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees
e com tal divisatildeo encerramos este artigo
Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja
representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas
outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da
Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma
aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados
por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma
representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os
224
pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos
mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo
que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o
autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo
destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas
liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic
populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da
lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna
dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo
ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho
identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo
ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu
delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos
etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a
questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se
trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in
the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups
of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles
ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone
associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos
que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer
grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem
apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da
Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo
225
ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly
Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma
mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da
historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria
da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo
nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e
ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como
Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita
de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de
palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e
poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos
baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos
Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de
uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi
um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem
sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais
elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees
e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a
principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir
da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos
compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso
de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-
se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a
nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com
propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico
como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas
vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo
226
historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de
ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um
periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas
ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar
apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se
direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as
classificaccedilotildees satildeo outras
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988
CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio
de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012
CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997
DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000
DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the
West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992
DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-
Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994
DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas
Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011
DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade
Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006
FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9
Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987
FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade
Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15
GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996
227
GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia
hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003
HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp
2001
HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic
Studies Nordm 1 p 1-20 1981
HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press
1966
HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New
history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p
301-329
JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003
JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006
KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989
LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989
MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da
Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011
MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of
Archaeology Stroud
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic
World Londres Routledge 1996 p 636-653
RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New
York Thames and Hudson 1994
RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996
TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press
2000
228
TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO
Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro
UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925
WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History
John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298
206
(WHITE 2001 105-115)81 Tendo em vista estas consideraccedilotildees iniciais acerca de
problemas relacionados agrave narrativa passemos agrave mateacuteria ceacuteltica
2 MAPEAMENTO UMA NOMENCLATURA IMPRECISA
Devido agrave imprecisatildeo da nomenclatura ldquoceltardquo eacute necessaacuterio primeiro uma discussatildeo
sobre a mesma para que entatildeo se fale sobre qualquer outra coisa uma vez que todas as
decisotildees posteriores estatildeo imediatamente vinculadas agrave compreensatildeo deste termo e agraves
escolhas feitas quando de seus usos narrativos Conveacutem adiantar ao leitor que porque os
estudos ceacutelticos dependem profundamente destas querelas eles tem como caracteriacutestica
intriacutenseca a interdisciplinaridade e abrangem um imenso arco cronoloacutegico que se extende
desde a assim chamada ldquopreacute-histoacuteriardquo ateacute o mundo contemporacircneo claro mais uma vez
dependendo da compreensatildeo que se tem do que eacute ou natildeo eacute celta Assim antes de falar
sobre periodizaccedilatildeo no caso da escrita de uma histoacuteria que se concentre nas sociedades
chamadas de ldquoceacutelticasrdquo eacute preciso tecer algumas consideraccedilotildees sobre esta nomenclatura
Por isso apresenta-se a seguinte discussatildeo A) uma reflexatildeo que tendo em vista uma
anaacutelise lexical tem por objetivo mostrar que independentemente das teorias escolhidas e
defendidas e dos argumentos que seus autores apresentem o termo ldquoceltardquo aparece em
textos que cobrem um periacuteodo que abrange da preacute-histoacuteria ao contemporacircneo B) uma
81
As referecircncias acerca da obra de Hayden White no Brasil satildeo abundantes mas em diversos casos satildeo leituras de traduccedilotildees ou de outros autores que citam White Ou seja citaccedilotildees que natildeo apontam para o original em liacutengua inglesa Hayden White eacute um autor menos estudado do que deveria e talvez pouco compreendido Natildeo raro encontram-se historiadores que insistem em classificar White como ldquopoacutes-modernordquo e situaacute-lo ao lado das sentenccedilas ldquoHistoacuteria natildeo eacute ciecircnciardquo e ldquoNatildeo haacute diferenccedila entre Histoacuteria e Literatura ambas satildeo narrativas produtoras de ficccedilotildeesrdquo reduzindo a amplitude e o alcance de sua obra Para uma discussatildeo mais aprofundada sobre o autor talvez fosse importante a leitura dos livros de Hayden White em idioma original bem como uma seacuterie de discussotildees em torno dos mesmos Recomenda-se por exemplo a apreciaccedilatildeo de uma esclarecedora entrevista concedida pelo proacuteprio White para o perioacutedico Diacritics (DOMANSKA KELLNER WHITE 1994) na qual aborda diversas temaacuteticas de interesse do historiador Em portuguecircs pode ser interessante a leitura do bom artigo escrito por Rodrigo Oliveira Marquez ldquotrecircs polecircmicas com Hayden Whiterdquo (2011) Cf Localizaccedilatildeo completa na sessatildeo de referecircncias bibliograacuteficas
207
anaacutelise do termo (celta) que daacute nome a esta mateacuteria tendo em vista seu aparecimento
em liacutengua grega e posterior uso em latim C) Soacute depois de ter a certeza que o leitor estaacute
ciente da existecircncia destas querelas falamos sobre periodizaccedilatildeo de forma mais especiacutefica
enfatizando a divisatildeo preferida pela maioria dos arqueoacutelogos e muitos historiadores a
saber a sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt La Tegravene e
periacuteodo de grandes migraccedilotildees mas sem esquecer que haacute outras possibilidades de
dataccedilatildeo principalmente quando a mateacuteria ceacuteltica eacute estudada por por outros campos do
saber
21 CELTAS- DO SEacuteCULO XIV A C AO TEMPO PRESENTE
Aceitando a sugestatildeo feita por Roland Barthes vimos que eacute possiacutevel ao historiador
perceber analisar e sistematizar os leacutexicos discursivos que estruturam um texto de
histoacuteria Satildeo ldquoenunciadosrdquo ldquocoleccedilotildeesrdquo que organizados de modo a estabelecer coerecircncia
e ordem preenchem de sentido a histoacuteria Quando olhamos para os escritos que de uma
forma ou de outra possuem relaccedilatildeo com os celtas eacute possiacutevel perceber que
cronologicamente o termo habita as narrativas relacionando-se com um tempo que
engloba do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute os dias atuais dezembro de 2012 quando
este artigo foi escrito No entanto natildeo existe concordacircncia dos estudiosos da mateacuteria
ceacuteltica sobre desde quando e nem ateacute que periacuteodo podemos usar esta nomenclatura O
uso do termo pode variar se a ecircnfase for dada agrave etnicidade indiacutecios linguiacutesticos ou cultura
material Ainda em alguns momentos as discussotildees parecem ter muito mais a ver com os
usos poliacuteticos do passado para a criaccedilatildeo manutenccedilatildeo ou ostentaccedilatildeo de identidades
eacutetnicas e interesses ideoloacutegicos do que com querelas e disputas cientiacuteficas
Ana Donnard por exemplo escreveu um artigo que contempla a questatildeo no qual
vemos surgir estas disputas identitaacuterias Segundo ela em 1991 na cidade italiana de
Veneza ocorreu uma grande exposiccedilatildeo sobre os celtas iniciativa promovida e patrocinada
208
pelo governo italiano A principal documentaccedilatildeo que serviu como sustentaacuteculo da mostra
foi composta de vaacuterios itens da cultura material encontrados a partir dos esforccedilos de
arqueoacutelogos do mundo inteiro e que fazem parte do acervo de museus europeus A
exposiccedilatildeo foi chamada de ldquoCeltas- a primeira Europardquo Donnard mostra o quanto esta
ideacuteia irritou profundamente o arqueoacutelogo britacircnico John Collins que criticou severamente
o fato de que houvesse qualquer relaccedilatildeo intercultural que distinguisse algumas etnias
como sendo ceacutelticas e outras natildeo dentro do Impeacuterio Britacircnico A autora seleciona um
trecho especiacutefico de Collins em que ele diz que ldquonunca houve arte religiatildeo ou sociedade
celta nas Ilhas Britacircnicasrdquo para ilustrar o argumento do arqueoacutelogo (DONNARD 2006) Um
debate sem duacutevida importante dentro da arqueologia pois independente de qualquer
interesse poliacutetico uma anaacutelise que enfatize a materialidade parece impor severas
dificuldades com relaccedilatildeo ao mapeamento desta celticidade no que diz respeito agraves Ilhas
Britacircnicas ateacute mesmo para o caso da Irlanda considerado um paiacutes ldquoceacuteltico par excellencerdquo
(RAFTERY 1996 651)
Do ponto de vista da folcloriacutestica por outro lado a problemaacutetica eacute expressa de
maneira distinta Podemos observar na obra de Joseph Jacobs por exemplo que natildeo haacute
qualquer dificuldade quanto ao emprego do termo ldquoceltardquo para se referir agrave etnias das
Ilhas Britacircnicas sobretudo os irlandeses muito menos em periacuteodos recentes da Histoacuteria
O autor nos diz resignificando uma frase do poeta romano Horaacutecio que ldquoa sina dos
celtasrdquo (aqui Jacobs fala dos irlandeses) no Impeacuterio Britacircnico (a referecircncia aqui diz
respeito aos ingleses) ldquoparece-se com a dos gregos entre os romanos eles iam agrave luta nas
batalhas mas sempre eram derrotados No entanto o celta cativo escravizou seu captor
no reino da imaginaccedilatildeordquo82 (JACOBS 2000 13) Eacute notaacutevel a atraccedilatildeo de Jacobs por este
imaginaacuterio irlandecircs e que ele o classifica de ldquoceltardquo estabelecendo uma relaccedilatildeo de
comparaccedilatildeo com os gregos e no contexto da obra a habilidade destes para elaboraccedilatildeo de
82
A frase de Horaacutecio eacute ldquoGraecia capta ferum victorem cepitrdquo Epiacutestolas Livro II 1 156-157
209
narrativas miacuteticas capazes de encantar ateacute mesmo os que a princiacutepio natildeo
compartilhavam da mesma cultura O periacuteodo analisado por Jacobs que viveu de 1854 a
1916 eacute recente diz respeito agraves histoacuterias contadas de forma oral de pai (matildee) para filho
(filha) na Escoacutecia em Gales na Inglaterra e na Irlanda moderna As implicaccedilotildees desta
concepccedilatildeo satildeo evidentes 1) Diferentemente da opiniatildeo do arqueoacutelogo John Collins haacute
sim celtas nas Ilhas Britacircnicas 2) a Irlanda eacute um paiacutes celta 3) existe uma continuidade
ldquoceacutelticardquo percebida na linguagem no mito e no folclore desde a chamada preacute-histoacuteria aos
dias atuais
Miranda J Green por sua vez em sua obra The Celtic World restringe
cronologicamente o uso do termo A autora reuniu especialistas do mundo inteiro para
abarcar a histoacuteria e a cultura destas sociedades que ela classificou como pertencentes a
um ldquomundo ceacutelticordquo em um tempo histoacuterico preciso ldquobetween 600 BC and AD 600rdquo Pelo
menos nesta eacutepoca podemos falar de celtas pois segundo ela neste periacuteodo especiacutefico
ldquoCelts existed in some manner whether self-defined or as a group of peoples who were
classified as such by communities who belonged to a separate cultural- and literate-
traditionrdquo (GREEN 1996 03) Nem todos os autores concordam com esta definiccedilatildeo ou
entatildeo acrescentam termos como ldquoos celtas histoacutericosrdquo ldquoo periacuteodo de formaccedilatildeo da
cultura e sociedade ceacutelticardquo etc Mas claro eacute uma interpretaccedilatildeo possiacutevel sustentada por
um dos grandes nomes dos estudos ceacutelticos no mundo
Na obra Celtic Culture- A historical Encyclopedia de John C Kock por exemplo
embora o autor ressalte as dificuldades arqueoloacutegicas que giram em torno do termo
ldquoceltardquo principalmente na literatura arqueoloacutegica inglesa dos seacuteculos XX e XXI e ainda
que o termo ldquoceltardquo muitas vezes devido a interesses poliacuteticos soacute foi aplicado agrave Repuacuteblica
da Irlanda e outros paiacuteses jaacute na modernidade haacute grande preocupaccedilatildeo com toda esta
abrangecircncia cronoloacutegica e geograacutefica Lecirc-se por exemplo quando satildeo traccedilados os
objetivos e a metodologia da obra de Kock que ldquoThe Encyclopedia covers subjects from the
Hallstat and La Teacutene periods of the later pre-Roman Iron Age to the beginning of the 21st
210
centuryrdquo E tambeacutem que ldquoGeographically as well as including the Celtic civilizations of
Ireland Britain and Britanny (Armorica) from ancient times to the present De igual modo
a obra cobre ldquothe ancient Continental Celts of Gaul the Iberian Peninsula and central and
eastern Europe together with the Galatians of present-day Turkeyrdquo lecirc-se ainda que ldquoit
also follows the Celtic diaspora into the Americas and Australia (KOCH 2006 XX-XXI)
Um exame detalhado dos programas cadernos de resumos e inscriccedilotildees de
trabalhos em diversos congressos dedicados agrave temaacutetica ceacuteltica espalhados pelo mundo da
Argentina ao Japatildeo da Islacircndia agrave Inglaterra eacute capaz de revelar esta pluralidade de
dinacircmicas temporais e de temas Para se concentrar em um caso particular o XIV
International Congress of Celtic StudiesComhdhaacuteil Idirnaacuteisiuacutenta sa Leacuteann Ceilteach por
exemplo que ocorreu na cidade irlandesa de Maynooth englobou tanto temaacuteticas
antigas ldquoCelt and Non-Celt in Britain and Ireland A Survey of Ptolemyrsquos Place- and Polity-
Names in His Geographiardquo ldquoCeltic From The Westrdquo A Critiquerdquo ldquoLate Celtic Coin Types in
Austria and Some Relationship to Britanniardquo e ainda ldquoReligion and Political Resistance in
Gaul in the First Century ADrdquo quanto relacionadas a periacuteodos histoacutericos mais recentes tais
como ldquoThe Lady was for Turning The Thatcher Governmentrsquos U-Turn(s) over Welsh
Language Television C 1979-84rdquo ldquoOverview of the Tense System in Literary Modern Irishrdquo
ldquoA Struggle Against Indifference A Revisionist Study into the Cultural Relationship
Between England and Wales in the Second Half of the Twentieth Centuryrdquo ou mesmo
ldquoWho Were the Supposed Audience of the ldquoMedieval Welsh Juvenile Talesrdquo A
Consideration of the 19th Century Receptions of the ldquoMabinogionrdquordquo Como se percebe
uma questatildeo de perspectiva teoacuterica metodoloacutegica epistemoloacutegica e claro sem estar
ausente de viacutenculos poliacutetico-ideoloacutegicos e com tradiccedilotildees nacionalistas embora seja
notoacuterio e sintomaacutetico que trabalhos de histoacuteria e de arqueologia apresentem uma
tendecircncia de concentraccedilatildeo em periacuteodos mais antigos se desdobrando ateacute a Idade Meacutedia
enquanto que os realizados em outras aacutereas do saber se extendam por uma duraccedilatildeo
211
temporal bem maior Mas como jaacute mencionamos eacute importante lembrar os estudos
ceacutelticos natildeo se restringem agrave Histoacuteria e Arqueologia
No que diz respeito agraves publicaccedilotildees sobre a temaacutetica ceacuteltica em portuguecircs
brasileiro tambeacutem eacute possiacutevel detectar as mesmas ocorrecircncias uma grande multiplicidade
de temporalidades histoacutericas de temas e uma pluralidade de disciplinas abordando a
questatildeo A tiacutetulo de exemplo termos como ldquoceltardquo ldquoceltismordquo aparecem proacuteximos de
vocaacutebulos como ldquopoacutes-modernidaderdquo em um artigo da mesma Ana Donnard jaacute
mencionada ldquoAs origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidaderdquo
(2006) Da mesma autora tambeacutem eacute possiacutevel ler que ldquoAs culturas ceacutelticas e suas
literaturas representam desde a Alta Idade Meacutedia ateacute os dias de hoje ()rdquo e ldquonos paiacuteses
de culturas ceacutelticas identidade eacute uma questatildeo cotidianardquo ou ainda que ldquoesse mundo
ceacuteltico tatildeo antigo atravessou eras se expandiu nas navegaccedilotildees e chega ateacute hoje nas
literaturas modernasrdquo (DONNARD 2011 179 183) Eacute importante ressaltar que natildeo
afirma-se aqui qualquer afinidade ou apoio agraves teorias da continuidade paleoliacutetica ou
outras compartilhadas pela autora apenas quer-se enfatizar os empregos do termo
ldquoceltardquo em diversos sentidos e contextos uma tarefa de sistematizaccedilatildeo de leacutexicos e
anaacutelise de discursos
Quando observamos as reflexotildees de Adriene Baron Tacla em seu capiacutetulo de livro
sobre a ldquoDamardquo de Vix escrito para integrar uma obra sobre mulheres na Antiguidade
organizada por Maria Regina Cacircndido (2012) as periodizaccedilotildees satildeo outras teorias
diferentes satildeo mencionadas bem como a documentaccedilatildeo e a historiografia elencada
tambeacutem satildeo distintas talvez devido ao fato de que a autora possui formaccedilatildeo
arqueoloacutegica Jaacute Elaine Pereira Farell por exemplo escreveu um artigo sobre a Irlanda
Medieval (2011) e natildeo mencionou uma uacutenica vez o termo ldquoceltardquo ou seus relativos
embora algumas referecircncias assim apareccedilam na bibliografia mencionada pela autora
fazendo surgir termos como ldquoCeltic Theologyrdquo ou ldquoWomen in a Celtic Churchrdquo o que no
entanto de forma alguma significa que a autora concorde com a ideacuteia de uma teologia ou
212
uma Igreja ldquoceacutelticardquo muito menos para o caso da histoacuteria irlandesa Uma breve consulta
aos artigos publicados na revista do Brathair- Grupo de Estudos Celtas e Germacircnicos
(httpppgrevistasuemabrindexphpbrathair) ou no Brazilian Journal of Irish Studies
uma publicaccedilatildeo da ABEI-associaccedilatildeo Brasileira de Estudos Irlandeses pode elucidar mais
exemplos acerca desta multiplicidade de usos e abusos do termo ldquoceltardquo e seus afins bem
como as diversas temporalidades que circundam a questatildeo
Para uma anaacutelise destes discursos pouco importa quem estaacute com a razatildeo (se eacute que
isso eacute possiacutevel diante de um caso tatildeo complexo e plural) se a eleiccedilatildeo seraacute pela teoria A ou
B se a escolha seraacute por abordar tempos tatildeo longiacutenquos quanto o XIV a EC falando em
ldquoprimeiros celtasrdquo ldquoproto-celtasrdquo ou mesmo ldquoantecessores dos celtasrdquo se tal definiccedilatildeo
seraacute feita com base em estudos empreendidos por arqueoacutelogos83 utilizando meios de
dataccedilatildeo e classificaccedilatildeo como a termoluminiscecircncia e o Carbono 14 por exemplo em
parceria com vaacuterias ciecircncias como a paleobotacircnica paleozoologia etc ou se privilegiar-
se-aacute investigaccedilotildees sobre tempos mais recentes tais como as referecircncias aos ldquoceltasrdquo que
aparecerem na obra de linguistas filoacutelogos antropoacutelogos socioacutelogos folcloristas etc
Tambeacutem eacute importante lembrar que para alguns como eacute o caso de MA Morse ldquothe Celts
are and always were a creation of human mindrdquo (MORSE 2005 185) A historiografia
estaacute repleta de embates desta natureza Para aleacutem de qualquer discussatildeo de ldquoniacuteveisrdquo ou
ldquograurdquo de celticidade de ateacute quando se pode ou natildeo falar sobre celtas ou mesmo levando
em consideraccedilatildeo autores que acreditam que nunca houve qualquer celta em lugar algum
importa o fato de que o termo mesmo que seja para figurar apoacutes a palavra ldquoprotordquo
ldquopseudordquo ldquoliteraacuteriordquo (e dezenas de outros) estaacute presente jaacute existe no campo discursivo
integra o leacutexico destas narrativas Ou seja importa o aparecimento usos (e abusos) e
controles da forma ldquoceltardquo nos discursos cientiacuteficos e acadecircmicos
83
Cf A obra ldquoOs Celtasrdquo de Venceslas Kruta por exemplo traduzida no Brasil pela Martins Fontes (1989)
213
Desta forma apesar das escolhas teoacuterico-metodoloacutegicas e das circunscriccedilotildees
cronoloacutegicas impostas agrave temaacutetica como fez-se saber paraacutegrafos acima Miranda Green
reconhece este problema que envolve a nomenclatura ldquoceltardquo e sistematizou uma das
definiccedilotildees mais precisas sobre este assunto no que diz respeito a esta dificuldade de
limitaccedilotildees e escolhas por periodizaccedilotildees e formas A professora de Arqueologia da Cardiff
University afirma que falar sobre celtas implica em estar pronto a discutir a relaccedilatildeo entre
cultura material etinicidade e linguagem E tambeacutem que apesar do fato de que a ldquoCeltic
culture per se is generally considered to come to an end around the end of the first century
BCrdquo e depois disso o termo ldquoRomano-Celticrdquo entatildeo seria mais apropriado denotando
trocas culturais eacute difiacutecil definir quem satildeo os celtas e o que eacute a celticidade Esta dificuldade
se daacute pelo fato de que ldquoldquoCeltsrdquo and ldquoCelticrdquo are terms which mean different things to
different peoplerdquo e mais ainda que ldquoThe only way to deal with this conflict of approaches
is to recognize that they are to an extent irreconcilablerdquo (GREEN 1996 06) Vamos ver
como o termo aparece nos documentos antigos
CELTAECELTAS
O conjunto de povos que podem ou natildeo ser considerados ldquoceltasrdquo parece natildeo ter dado
tanta importacircncia agrave escrita antes dava preferecircncia agrave oralidade enfatizando a memoacuteria
transmitida por atos de fala Aqueles que eram responsaacuteveis pela transmissatildeo dos saberes
tradicionais deviam estudar durante muito tempo Assim investigar os documentos
escritos sobre os ldquoceltasrdquo significa ver o que os outros como gregos e romanos narraram
acerca deles o que por si soacute jaacute pressupotildee um grande problema de caraacuteter identitaacuterio uma
vez que apesar das evidecircncias linguiacutesticas e arqueoloacutegicas a histoacuteria dos ldquoceltasrdquo eacute
geralmente escrita com base no relato elaborado por terceiros
214
Entre os gregos haacute referecircncias sobre estes povos por exemplo em Hecateu de
Mileto que menciona o mar ceacuteltico (ηὸ δὲ εἰρ ηὴν Κελτικὴν θάλαζζαν84
) localiza Nirax
como uma cidade ceacuteltica (Νύπαξ πόλιρ Κελτική85
) e diz que Massalia ficava na terra dos
liacutegures perto do paiacutes dos celtas (Μαζζαλία πόλιρ ηῆρ Λιγςζηικῆρ καηὰ ηὴν Κελτικήν86
)
Da mesma maneira sabe-se que em Heroacutedoto temos a evidecircncia mais antiga do etnocircnimo
Κελτοί Em suas Histoacuterias ele diz que o rio Danuacutebio comeccedilava no territoacuterio dos celtas e na
cidade de Pirene e no mesmo trecho fala sobre onde os celtas estariam ldquoagorardquo
localizados (Ἴζηπορ ηε γὰπ ποηαμὸρ ἀπξάμενορ ἐκ Κελτῶν καὶ Πςπήνηρ πόλιορ ῥέει μέζην
ζσίζων ηὴν Εὐπώπην (οἱ δὲ Κελτοί εἰζι ἔξω Ἡπακλέων Σηηλέων ὁμοςπέοςζι δὲ
Κςνηζίοιζι οἳ ἔζσαηοι ππὸρ δςζμέων οἰκέοςζι ηῶν ἐν ηῇ Εὐπώπῃ καηοικημένων87
) Uma
sistematizaccedilatildeo de todas as vezes que os gregos mencionam os Celtas acompanhada de
uma anaacutelise miacutenima ocuparia o espaccedilo de alguns livros A tiacutetulo de exemplo aleacutem dos
mencionados Hecateu de Mileto e Heroacutedoto podemos lembrar tambeacutem de Estrabatildeo
Diodoro Dioniacutesio Ptolomeu Xenofonte Platatildeo Aristoacuteteles Possidocircnio Plutarco
Pausacircnias entre outros Ateacute mesmo o Apoacutestolo Paulo escreveu uma carta aos Gaacutelatas um
termo grego tambeacutem relacionado com os ldquoCeltasrdquo Paremos por aqui as referecircncias
ocorrem em vaacuterios autores satildeo centenas de fragmentos
Entre os romanos tambeacutem satildeo inuacutemeras referecircncias Tito Liacutevio Justino Pliacutenio Ceacutesar e
Taacutecito satildeo alguns dos que escrevem sobre os ldquoceltasrdquo Juacutelio Ceacutesar por exemplo em sua
obra Comentarii de Bello Gallico diz que ldquoGallia est omnis divisa in partes tres quarum
unam incolunt Belgae aliam Aquitani tertiam qui ipsorum lingua Celtae nostra Galli
appellantur88 Ou seja ele divide a Gaacutelia em trecircs regiotildees tendo em vista etnicidade
84
Hecataeus Hist Fragmenta 18a 12-13
85 Hecataeus Hist Fragmenta 56 1
86 Hecataeus Hist Fragmenta 551
87 Herodotus Hist Historiae Livro II 33 10-14
88 Juacutelio Ceacutesar Comentarii de Bello Gallico I1
215
cultura e liacutengua Celtae Aquitani e Belgae Segundo lecirc-se na descriccedilatildeo de Ceacutesar em latim
os romanos chamavam os povos mencionados de ldquogaulesesrdquo mas no idioma do proacuteprio
povo eles utilizavam a nomenclatura ldquoceltardquo segundo nos diz o autor do De Bello Gallico
Para Tiacuteto Liacutevio os Celtas apareceram em contato com os romanos durante o periacutedo de
Tarquiacutenio (o antigo) ou seja 658-578 antes da Era Comum Provavelmente Liacutevio
equivocou-se uma vez que estes eventos parecem ter ocorrido em data posterior tavez
no seacuteculo V ou IV aEC Problemaacutetica esta que natildeo nos interessa no momento importa a
menccedilatildeo aos Celtas independente de quando estes fatos ocorreram Alguns autores
romanos como o proacuteprio Ceacutesar Ciacutecero dentre outros fornecem informaccedilotildees sobre os
druiacutedas uma espeacutecie de sacerdote tambeacutem relacionados agrave cultura ceacuteltica Ceacutesar nos
informa por exemplo que o tempo de estudo de um druiacuteda podia alcanccedilar os 20 anos
Sabe-se ainda que os Celtas tambeacutem estavam envolvidos em um ataque agrave cidade de Roma
no ano de 390 aEC fato que eacute mencionado por exemplo por Q Claudius Quadrigarius
Liacutevio mais uma vez refere-se a estes eventos como tendo ocorrido em outro ano 361
Interessa a menccedilatildeo aos Celtas independente da data ldquocorretardquo Lucano e Apiano tambeacutem
fazem referecircncias aos chamados ldquoCeltiberosrdquo ou seja Celtas da Peniacutensula Ibeacuterica que
migraram para este local a partir da Gaacutelia por causa de uma fome em sua terra de origem
Desta maneira percebe-se que houve um conjunto de povos que preocupou tanto
autores gregos como romanos que escreveram sobre estes ldquoinvasoresrdquo e ldquobaacuterbarosrdquo Fica
evidente que o termo ldquoceltardquo aparece para noacutes a partir deste corpus documental antigo e
que tem origem no grego Κελτοί (mesmo que se trate de uma traduccedilatildeo de alguma liacutengua
ceacuteltica para o idioma dos helenos) quando aparece em textos claacutessicos pela primeira vez
daiacute surgindo o vocaacutebulo Celta-ae em latim de onde se origina o nome que usamos em
portuguecircs para se referir a este conjunto de povos Celtas David Rankin em sua obra
Celts and the Classical World nos lembra que embora noacutes devamos fazer uso do termo
ldquoCeltardquo como um nome mais geral para se referir a este determinado conjunto de povos
outras palavras tambeacutem aparecem com frequecircncia Gauleses Galli Galatai Goideacutelicos
216
Britocircnicos Britanii Picti (Cruithni) Eacuterainn e outros nomes especiacuteficos que segundo o
autor ocorrem ldquode tempos em temposrdquo (Rankin 1996)
A imagem dos Celtas tal qual aparece nestes relatos pelo menos em alguns deles eacute
problemaacutetica pois os povos agrupados sob esta alcunha satildeo vistos sob o prisma do outro
como uma ameaccedila o diferente ou no miacutenimo como o exoacutetico Taacutecito Diatildeo Caacutessio e
Herodiano por exemplo nos datildeo referecircncias significativas no que diz respeito a esta
questatildeo principalmente na abordagem dos bretotildees do Norte frequentemente
mencionados como ldquobritannirdquo povos que depois do panegiacuterico de Constacircncio Cloro
passaratildeo a ser chamados de ldquopictosrdquo o que pode ser verificado na obra de Amiano
Marcelino e Claudiano89 Na obra de vaacuterios autores claacutessicos os ldquoceltasrdquo aparecem como
beberrotildees dados agrave guerra na qual lutavam nus baacuterbaros que natildeo temiam nem mesmo a
morte e faziam sacrifiacutecios humanos Apesar destes problemas que natildeo seratildeo explorados
aqui Barry CunlifFe explica que sem estas narrativas claacutessicas haveria muita coisa que
jamais saberiacuteamos pois a arqueologia sozinha natildeo seria capaz de elucidar Segundo o
autor ldquowe would not be able to appreciate the long period of conflict between the Celtic
communities of the Po Valley and the Roman World ldquowe would be entirely ignorant of
violent raids of the Celts deep into Greece in the third centuryrdquo Para ele ldquoThe classical
sources provide a story-line and colourrdquo ldquoThe greek and Roman authors have provided us
with their own vision of the Celts- a vision born of contemporary or near contemporary
experience that cannot be ignoredrdquo (CUNLIFFE 1997 01-02)
Eacute importante ressaltar que estaacute sendo explicitado aqui eacute a problemaacutetica em torno da
definiccedilatildeo do que eacute e o que natildeo eacute ldquoceacutelticordquo bem como de que maneira o termo passou a
ser usado na historiografia e chegou ateacute noacutes dando origem aos estudos ceacutelticos
presentes em todos os cantos do mundo e jaacute em algumas universidades brasileiras Ou
seja natildeo estaacute sendo defendida aqui a aboliccedilatildeo da forma ldquoceltardquo mas uma criticidade da
89
Agradeccedilo pelas contribuiccedilotildees de Juliet Schuster (UFRGS) orientanda de Anderson Zalewski Vargas Juliet eacute a uacutenica pesquisadora brasileira que estuda os Pictos me indicou bibliografia de referecircncia neste sentido
217
mesma afinal como Norberto Luiz Guarinello bem sugeriu ldquoas formas natildeo satildeo inocentes
e em alguns casos nem totalmente inofensivasrdquo (GUARINELLO 2003) Sobre este
aspecto eacute bastante interessante o que fez o tradutor da frase ldquoRoma natildeo foi construiacuteda
em um uacutenico diardquo para o idioma Esperanto Natildeo conseguindo produzir uma rima sonora
com o exemplo romano acabou invertendo o ditado dizendo ldquoEn unu Tago ne elkreskis
Kartagordquo Um raciociacutenio assim se aplicado agrave Histoacuteria certamente causaria certos
embaraccedilos produziria algumas mudanccedilas levando as atenccedilotildees para o Norte da Aacutefrica
substituindo Roma por Cartago Eacute preciso refletir sobre as formas natildeo somente usaacute-las
Desde que estas referecircncias foram feitas tanto por gregos quanto por romanos o
termo ldquoceltardquo foi pouco a pouco se transformando em mais uma consolidada forma
histoacuterica usada por inuacutemeros historiadores modernos para agrupar povos de eacutepocas
culturas e lugares diferentes Desta maneira sob a alcunha ldquoceltardquo e suas variantes
dezenas de etnias distintas satildeo reunidas com o argumento de que estes povos falavam um
idioma descendente do mesmo tronco apresentavam semelhanccedilas religiosas e tambeacutem
culturais Outro efeito do uso desta forma eacute falar de uma localidade ou etnia especiacutefica
substituindo seus nomes pelo termo geral tomando assim o todo pela parte
Na praacutetica o que literalmente se faz e eacute bastante comum ateacute mesmo entre os
especialistas sendo praticamente uma regra entre aqueles que natildeo satildeo familiarizados
com os estudos ceacutelticos eacute falar de Bretotildees Escotos Gaacutelatas Trinovantes Caledocircnios
Helveacutecios Braacutecaros Galaicos Pictos Eacuteduos Allobroges Ambiani Atrebates Arveni
Baiocasses Boii Bellovaci Bituriges Carnutes Cenomani Centrones Curiosolitae Nervii
Medulii Menapii Morini Parisii Redones Remi Satones Senones Sequani Suessiones
Treveri Turones Vellavi Veneti Viducasses Viromandui Turini Insubres Vertamocorii
Cenomani Lingones Cotini Eravisci Scordisci Latobici Albiones Astures Bletonesii
Bracari Cantabri Carpetani Celtiberos Celtici Coelerni Cynetes Equaesi Grovii
Interamici Leuni Limici Luanqui Lusitanii Lusones Narbasi Nemetati Oretani Paesuri
Tamagani Tapoli Turduli Turodi Vaccaei Vettones Zoeale Ancalites Attacotti
218
Brigantes Cantii Carvetii Cassi Catuvellauni Cornavii Damnonii Epidii Ordovices
Regnenses Silures Trinovantes Venicones e tantos outros povos a partir de uma uacutenica
forma ldquoceltasrdquo Desta maneira perde-se todas as especificidades e tantas identidades
distintas satildeo agrupadas em um uacutenico vocaacutebulo em favor de um gosto exagerado ou
mesmo uma necessidade pela unidade Categoria esta que natildeo se adequa ao mundo
ldquoceltardquo uma vez que estes natildeo formavam um grupo comum natildeo tinham um Estado
organizado e nem uma consciecircncia identitaacuteria uma ldquocelticidaderdquo Miranda Green
percebeu isso muito bem ela escreveu que ldquoRomans identified themselves as such Ciuis
Romanus sum We cannot tell whether a comparable Celtic consciousness ever existedrdquo
(GREEN 1996 03) Talvez o exemplo mais generalizante deste modus operandi seja
chamar os diversos povos mencionados por Juacutelio Ceacutesar no De Bello Gallico de ldquoceltasrdquo ou
de ldquogaulesesrdquo sendo que como vimos agora pouco o proacuteprio autor da obra a inicia
dizendo que toda a Gaacutelia estava dividida em trecircs partes somente uma delas
correspondendo aos Celtas e quando se adentra na leitura do texto cesarino percebe-se
que a pluralidade de povos e a multiplicidade de etnias eacute tatildeo vasta que natildeo cabe nem
mesmo dentro do vocaacutebulo ldquoceltardquo
Quando o tema do cristianismo irlandecircs por exemplo eacute mencionado nos livros de
histoacuteria geralmente ele aparece na categoria de Histoacuteria Medieval e frequentemente
relacionado com a forma ldquoceltardquo ou ceacutelticordquo Foi necessaacuterio que Kathleen Hughes
escrevesse seu artigo The Celtic church is this a valid concept (1981) para que os
historiadores comeccedilassem a parar de falar em uma ldquoIgreja Ceacutelticardquo90 Todavia ainda natildeo
90
Duas observaccedilotildees devem ser feitas Primeiro se por um lado o artigo de Hughes resolve um problema o cristianismo irlandecircs deve ser compreendido como vinculado ao cristianismo romano e natildeo como um fenocircmeno isolado por outro direciona os olhares dos pesquisadores aos viacutenculos entre o cristianismo irlandecircs e o continental abrindo o flanco para a cristalizaccedilatildeo de outras formas histoacutericas como se estas natildeo apresentassem problemas semelhantes a forma combatida Por fim a discussatildeo central de Hughes natildeo eacute a forma ldquoceacutelticardquo com relaccedilatildeo ao que vinha sendo descrito pelos historiadores como ldquoCeltic Churchrdquo mas a funcionalidade explicativa deste conceito pois segundo a autora (HUGHES 1981) o termo natildeo era suficiente para abarcar a realidade da sociedade irlandesa do periacuteodo em questatildeo Ao contraacuterio fazia-nos crer em uma Igreja ceacuteltica separada da romana uma ideacuteia equivocada
219
de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the
Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The
Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns
historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do
Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e
OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian
Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES
2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas
narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas
estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma
seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a
mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo
3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA
HISTOacuteRIA DOS CELTAS
Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que
a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das
Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem
chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com
Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia
Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo
impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal
divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas
91
Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977
220
poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia
de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo
que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que
compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a
histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo
motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB
Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um
fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos
Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar
acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os
dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo
vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV
aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria
isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E
claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram
aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar
preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas
mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma
das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo
arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt
La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir
A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se
extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da
ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute
relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O
autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas
este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de
221
urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria
linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute
difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta
possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada
civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA
1989 59)
A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos
encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na
Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica
ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar
alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma
vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo
usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo
relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando
o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos
como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo
que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da
Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por
exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-
c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob
a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo
especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo
(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o
periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados
deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal
localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt
222
como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os
Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)
A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados
arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos
(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este
nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um
Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos
como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma
forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo
de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt
(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma
que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with
their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic
art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de
localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as
obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida
(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos
materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou
exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as
aos celtas
Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes
migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de
fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de
Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem
que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que
frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees
destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate
223
sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha
desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta
data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos
documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na
Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua
obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado
The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)
Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos
campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na
maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a
conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir
se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade
memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser
religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)
da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais
caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se
necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando
responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre
estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees
e com tal divisatildeo encerramos este artigo
Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja
representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas
outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da
Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma
aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados
por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma
representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os
224
pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos
mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo
que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o
autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo
destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas
liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic
populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da
lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna
dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo
ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho
identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo
ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu
delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos
etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a
questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se
trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in
the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups
of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles
ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone
associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos
que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer
grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem
apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da
Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo
225
ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly
Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma
mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da
historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria
da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo
nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e
ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como
Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita
de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de
palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e
poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos
baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos
Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de
uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi
um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem
sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais
elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees
e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a
principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir
da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos
compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso
de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-
se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a
nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com
propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico
como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas
vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo
226
historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de
ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um
periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas
ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar
apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se
direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as
classificaccedilotildees satildeo outras
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988
CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio
de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012
CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997
DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000
DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the
West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992
DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-
Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994
DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas
Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011
DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade
Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006
FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9
Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987
FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade
Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15
GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996
227
GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia
hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003
HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp
2001
HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic
Studies Nordm 1 p 1-20 1981
HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press
1966
HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New
history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p
301-329
JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003
JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006
KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989
LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989
MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da
Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011
MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of
Archaeology Stroud
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic
World Londres Routledge 1996 p 636-653
RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New
York Thames and Hudson 1994
RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996
TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press
2000
228
TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO
Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro
UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925
WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History
John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298
207
anaacutelise do termo (celta) que daacute nome a esta mateacuteria tendo em vista seu aparecimento
em liacutengua grega e posterior uso em latim C) Soacute depois de ter a certeza que o leitor estaacute
ciente da existecircncia destas querelas falamos sobre periodizaccedilatildeo de forma mais especiacutefica
enfatizando a divisatildeo preferida pela maioria dos arqueoacutelogos e muitos historiadores a
saber a sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt La Tegravene e
periacuteodo de grandes migraccedilotildees mas sem esquecer que haacute outras possibilidades de
dataccedilatildeo principalmente quando a mateacuteria ceacuteltica eacute estudada por por outros campos do
saber
21 CELTAS- DO SEacuteCULO XIV A C AO TEMPO PRESENTE
Aceitando a sugestatildeo feita por Roland Barthes vimos que eacute possiacutevel ao historiador
perceber analisar e sistematizar os leacutexicos discursivos que estruturam um texto de
histoacuteria Satildeo ldquoenunciadosrdquo ldquocoleccedilotildeesrdquo que organizados de modo a estabelecer coerecircncia
e ordem preenchem de sentido a histoacuteria Quando olhamos para os escritos que de uma
forma ou de outra possuem relaccedilatildeo com os celtas eacute possiacutevel perceber que
cronologicamente o termo habita as narrativas relacionando-se com um tempo que
engloba do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute os dias atuais dezembro de 2012 quando
este artigo foi escrito No entanto natildeo existe concordacircncia dos estudiosos da mateacuteria
ceacuteltica sobre desde quando e nem ateacute que periacuteodo podemos usar esta nomenclatura O
uso do termo pode variar se a ecircnfase for dada agrave etnicidade indiacutecios linguiacutesticos ou cultura
material Ainda em alguns momentos as discussotildees parecem ter muito mais a ver com os
usos poliacuteticos do passado para a criaccedilatildeo manutenccedilatildeo ou ostentaccedilatildeo de identidades
eacutetnicas e interesses ideoloacutegicos do que com querelas e disputas cientiacuteficas
Ana Donnard por exemplo escreveu um artigo que contempla a questatildeo no qual
vemos surgir estas disputas identitaacuterias Segundo ela em 1991 na cidade italiana de
Veneza ocorreu uma grande exposiccedilatildeo sobre os celtas iniciativa promovida e patrocinada
208
pelo governo italiano A principal documentaccedilatildeo que serviu como sustentaacuteculo da mostra
foi composta de vaacuterios itens da cultura material encontrados a partir dos esforccedilos de
arqueoacutelogos do mundo inteiro e que fazem parte do acervo de museus europeus A
exposiccedilatildeo foi chamada de ldquoCeltas- a primeira Europardquo Donnard mostra o quanto esta
ideacuteia irritou profundamente o arqueoacutelogo britacircnico John Collins que criticou severamente
o fato de que houvesse qualquer relaccedilatildeo intercultural que distinguisse algumas etnias
como sendo ceacutelticas e outras natildeo dentro do Impeacuterio Britacircnico A autora seleciona um
trecho especiacutefico de Collins em que ele diz que ldquonunca houve arte religiatildeo ou sociedade
celta nas Ilhas Britacircnicasrdquo para ilustrar o argumento do arqueoacutelogo (DONNARD 2006) Um
debate sem duacutevida importante dentro da arqueologia pois independente de qualquer
interesse poliacutetico uma anaacutelise que enfatize a materialidade parece impor severas
dificuldades com relaccedilatildeo ao mapeamento desta celticidade no que diz respeito agraves Ilhas
Britacircnicas ateacute mesmo para o caso da Irlanda considerado um paiacutes ldquoceacuteltico par excellencerdquo
(RAFTERY 1996 651)
Do ponto de vista da folcloriacutestica por outro lado a problemaacutetica eacute expressa de
maneira distinta Podemos observar na obra de Joseph Jacobs por exemplo que natildeo haacute
qualquer dificuldade quanto ao emprego do termo ldquoceltardquo para se referir agrave etnias das
Ilhas Britacircnicas sobretudo os irlandeses muito menos em periacuteodos recentes da Histoacuteria
O autor nos diz resignificando uma frase do poeta romano Horaacutecio que ldquoa sina dos
celtasrdquo (aqui Jacobs fala dos irlandeses) no Impeacuterio Britacircnico (a referecircncia aqui diz
respeito aos ingleses) ldquoparece-se com a dos gregos entre os romanos eles iam agrave luta nas
batalhas mas sempre eram derrotados No entanto o celta cativo escravizou seu captor
no reino da imaginaccedilatildeordquo82 (JACOBS 2000 13) Eacute notaacutevel a atraccedilatildeo de Jacobs por este
imaginaacuterio irlandecircs e que ele o classifica de ldquoceltardquo estabelecendo uma relaccedilatildeo de
comparaccedilatildeo com os gregos e no contexto da obra a habilidade destes para elaboraccedilatildeo de
82
A frase de Horaacutecio eacute ldquoGraecia capta ferum victorem cepitrdquo Epiacutestolas Livro II 1 156-157
209
narrativas miacuteticas capazes de encantar ateacute mesmo os que a princiacutepio natildeo
compartilhavam da mesma cultura O periacuteodo analisado por Jacobs que viveu de 1854 a
1916 eacute recente diz respeito agraves histoacuterias contadas de forma oral de pai (matildee) para filho
(filha) na Escoacutecia em Gales na Inglaterra e na Irlanda moderna As implicaccedilotildees desta
concepccedilatildeo satildeo evidentes 1) Diferentemente da opiniatildeo do arqueoacutelogo John Collins haacute
sim celtas nas Ilhas Britacircnicas 2) a Irlanda eacute um paiacutes celta 3) existe uma continuidade
ldquoceacutelticardquo percebida na linguagem no mito e no folclore desde a chamada preacute-histoacuteria aos
dias atuais
Miranda J Green por sua vez em sua obra The Celtic World restringe
cronologicamente o uso do termo A autora reuniu especialistas do mundo inteiro para
abarcar a histoacuteria e a cultura destas sociedades que ela classificou como pertencentes a
um ldquomundo ceacutelticordquo em um tempo histoacuterico preciso ldquobetween 600 BC and AD 600rdquo Pelo
menos nesta eacutepoca podemos falar de celtas pois segundo ela neste periacuteodo especiacutefico
ldquoCelts existed in some manner whether self-defined or as a group of peoples who were
classified as such by communities who belonged to a separate cultural- and literate-
traditionrdquo (GREEN 1996 03) Nem todos os autores concordam com esta definiccedilatildeo ou
entatildeo acrescentam termos como ldquoos celtas histoacutericosrdquo ldquoo periacuteodo de formaccedilatildeo da
cultura e sociedade ceacutelticardquo etc Mas claro eacute uma interpretaccedilatildeo possiacutevel sustentada por
um dos grandes nomes dos estudos ceacutelticos no mundo
Na obra Celtic Culture- A historical Encyclopedia de John C Kock por exemplo
embora o autor ressalte as dificuldades arqueoloacutegicas que giram em torno do termo
ldquoceltardquo principalmente na literatura arqueoloacutegica inglesa dos seacuteculos XX e XXI e ainda
que o termo ldquoceltardquo muitas vezes devido a interesses poliacuteticos soacute foi aplicado agrave Repuacuteblica
da Irlanda e outros paiacuteses jaacute na modernidade haacute grande preocupaccedilatildeo com toda esta
abrangecircncia cronoloacutegica e geograacutefica Lecirc-se por exemplo quando satildeo traccedilados os
objetivos e a metodologia da obra de Kock que ldquoThe Encyclopedia covers subjects from the
Hallstat and La Teacutene periods of the later pre-Roman Iron Age to the beginning of the 21st
210
centuryrdquo E tambeacutem que ldquoGeographically as well as including the Celtic civilizations of
Ireland Britain and Britanny (Armorica) from ancient times to the present De igual modo
a obra cobre ldquothe ancient Continental Celts of Gaul the Iberian Peninsula and central and
eastern Europe together with the Galatians of present-day Turkeyrdquo lecirc-se ainda que ldquoit
also follows the Celtic diaspora into the Americas and Australia (KOCH 2006 XX-XXI)
Um exame detalhado dos programas cadernos de resumos e inscriccedilotildees de
trabalhos em diversos congressos dedicados agrave temaacutetica ceacuteltica espalhados pelo mundo da
Argentina ao Japatildeo da Islacircndia agrave Inglaterra eacute capaz de revelar esta pluralidade de
dinacircmicas temporais e de temas Para se concentrar em um caso particular o XIV
International Congress of Celtic StudiesComhdhaacuteil Idirnaacuteisiuacutenta sa Leacuteann Ceilteach por
exemplo que ocorreu na cidade irlandesa de Maynooth englobou tanto temaacuteticas
antigas ldquoCelt and Non-Celt in Britain and Ireland A Survey of Ptolemyrsquos Place- and Polity-
Names in His Geographiardquo ldquoCeltic From The Westrdquo A Critiquerdquo ldquoLate Celtic Coin Types in
Austria and Some Relationship to Britanniardquo e ainda ldquoReligion and Political Resistance in
Gaul in the First Century ADrdquo quanto relacionadas a periacuteodos histoacutericos mais recentes tais
como ldquoThe Lady was for Turning The Thatcher Governmentrsquos U-Turn(s) over Welsh
Language Television C 1979-84rdquo ldquoOverview of the Tense System in Literary Modern Irishrdquo
ldquoA Struggle Against Indifference A Revisionist Study into the Cultural Relationship
Between England and Wales in the Second Half of the Twentieth Centuryrdquo ou mesmo
ldquoWho Were the Supposed Audience of the ldquoMedieval Welsh Juvenile Talesrdquo A
Consideration of the 19th Century Receptions of the ldquoMabinogionrdquordquo Como se percebe
uma questatildeo de perspectiva teoacuterica metodoloacutegica epistemoloacutegica e claro sem estar
ausente de viacutenculos poliacutetico-ideoloacutegicos e com tradiccedilotildees nacionalistas embora seja
notoacuterio e sintomaacutetico que trabalhos de histoacuteria e de arqueologia apresentem uma
tendecircncia de concentraccedilatildeo em periacuteodos mais antigos se desdobrando ateacute a Idade Meacutedia
enquanto que os realizados em outras aacutereas do saber se extendam por uma duraccedilatildeo
211
temporal bem maior Mas como jaacute mencionamos eacute importante lembrar os estudos
ceacutelticos natildeo se restringem agrave Histoacuteria e Arqueologia
No que diz respeito agraves publicaccedilotildees sobre a temaacutetica ceacuteltica em portuguecircs
brasileiro tambeacutem eacute possiacutevel detectar as mesmas ocorrecircncias uma grande multiplicidade
de temporalidades histoacutericas de temas e uma pluralidade de disciplinas abordando a
questatildeo A tiacutetulo de exemplo termos como ldquoceltardquo ldquoceltismordquo aparecem proacuteximos de
vocaacutebulos como ldquopoacutes-modernidaderdquo em um artigo da mesma Ana Donnard jaacute
mencionada ldquoAs origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidaderdquo
(2006) Da mesma autora tambeacutem eacute possiacutevel ler que ldquoAs culturas ceacutelticas e suas
literaturas representam desde a Alta Idade Meacutedia ateacute os dias de hoje ()rdquo e ldquonos paiacuteses
de culturas ceacutelticas identidade eacute uma questatildeo cotidianardquo ou ainda que ldquoesse mundo
ceacuteltico tatildeo antigo atravessou eras se expandiu nas navegaccedilotildees e chega ateacute hoje nas
literaturas modernasrdquo (DONNARD 2011 179 183) Eacute importante ressaltar que natildeo
afirma-se aqui qualquer afinidade ou apoio agraves teorias da continuidade paleoliacutetica ou
outras compartilhadas pela autora apenas quer-se enfatizar os empregos do termo
ldquoceltardquo em diversos sentidos e contextos uma tarefa de sistematizaccedilatildeo de leacutexicos e
anaacutelise de discursos
Quando observamos as reflexotildees de Adriene Baron Tacla em seu capiacutetulo de livro
sobre a ldquoDamardquo de Vix escrito para integrar uma obra sobre mulheres na Antiguidade
organizada por Maria Regina Cacircndido (2012) as periodizaccedilotildees satildeo outras teorias
diferentes satildeo mencionadas bem como a documentaccedilatildeo e a historiografia elencada
tambeacutem satildeo distintas talvez devido ao fato de que a autora possui formaccedilatildeo
arqueoloacutegica Jaacute Elaine Pereira Farell por exemplo escreveu um artigo sobre a Irlanda
Medieval (2011) e natildeo mencionou uma uacutenica vez o termo ldquoceltardquo ou seus relativos
embora algumas referecircncias assim apareccedilam na bibliografia mencionada pela autora
fazendo surgir termos como ldquoCeltic Theologyrdquo ou ldquoWomen in a Celtic Churchrdquo o que no
entanto de forma alguma significa que a autora concorde com a ideacuteia de uma teologia ou
212
uma Igreja ldquoceacutelticardquo muito menos para o caso da histoacuteria irlandesa Uma breve consulta
aos artigos publicados na revista do Brathair- Grupo de Estudos Celtas e Germacircnicos
(httpppgrevistasuemabrindexphpbrathair) ou no Brazilian Journal of Irish Studies
uma publicaccedilatildeo da ABEI-associaccedilatildeo Brasileira de Estudos Irlandeses pode elucidar mais
exemplos acerca desta multiplicidade de usos e abusos do termo ldquoceltardquo e seus afins bem
como as diversas temporalidades que circundam a questatildeo
Para uma anaacutelise destes discursos pouco importa quem estaacute com a razatildeo (se eacute que
isso eacute possiacutevel diante de um caso tatildeo complexo e plural) se a eleiccedilatildeo seraacute pela teoria A ou
B se a escolha seraacute por abordar tempos tatildeo longiacutenquos quanto o XIV a EC falando em
ldquoprimeiros celtasrdquo ldquoproto-celtasrdquo ou mesmo ldquoantecessores dos celtasrdquo se tal definiccedilatildeo
seraacute feita com base em estudos empreendidos por arqueoacutelogos83 utilizando meios de
dataccedilatildeo e classificaccedilatildeo como a termoluminiscecircncia e o Carbono 14 por exemplo em
parceria com vaacuterias ciecircncias como a paleobotacircnica paleozoologia etc ou se privilegiar-
se-aacute investigaccedilotildees sobre tempos mais recentes tais como as referecircncias aos ldquoceltasrdquo que
aparecerem na obra de linguistas filoacutelogos antropoacutelogos socioacutelogos folcloristas etc
Tambeacutem eacute importante lembrar que para alguns como eacute o caso de MA Morse ldquothe Celts
are and always were a creation of human mindrdquo (MORSE 2005 185) A historiografia
estaacute repleta de embates desta natureza Para aleacutem de qualquer discussatildeo de ldquoniacuteveisrdquo ou
ldquograurdquo de celticidade de ateacute quando se pode ou natildeo falar sobre celtas ou mesmo levando
em consideraccedilatildeo autores que acreditam que nunca houve qualquer celta em lugar algum
importa o fato de que o termo mesmo que seja para figurar apoacutes a palavra ldquoprotordquo
ldquopseudordquo ldquoliteraacuteriordquo (e dezenas de outros) estaacute presente jaacute existe no campo discursivo
integra o leacutexico destas narrativas Ou seja importa o aparecimento usos (e abusos) e
controles da forma ldquoceltardquo nos discursos cientiacuteficos e acadecircmicos
83
Cf A obra ldquoOs Celtasrdquo de Venceslas Kruta por exemplo traduzida no Brasil pela Martins Fontes (1989)
213
Desta forma apesar das escolhas teoacuterico-metodoloacutegicas e das circunscriccedilotildees
cronoloacutegicas impostas agrave temaacutetica como fez-se saber paraacutegrafos acima Miranda Green
reconhece este problema que envolve a nomenclatura ldquoceltardquo e sistematizou uma das
definiccedilotildees mais precisas sobre este assunto no que diz respeito a esta dificuldade de
limitaccedilotildees e escolhas por periodizaccedilotildees e formas A professora de Arqueologia da Cardiff
University afirma que falar sobre celtas implica em estar pronto a discutir a relaccedilatildeo entre
cultura material etinicidade e linguagem E tambeacutem que apesar do fato de que a ldquoCeltic
culture per se is generally considered to come to an end around the end of the first century
BCrdquo e depois disso o termo ldquoRomano-Celticrdquo entatildeo seria mais apropriado denotando
trocas culturais eacute difiacutecil definir quem satildeo os celtas e o que eacute a celticidade Esta dificuldade
se daacute pelo fato de que ldquoldquoCeltsrdquo and ldquoCelticrdquo are terms which mean different things to
different peoplerdquo e mais ainda que ldquoThe only way to deal with this conflict of approaches
is to recognize that they are to an extent irreconcilablerdquo (GREEN 1996 06) Vamos ver
como o termo aparece nos documentos antigos
CELTAECELTAS
O conjunto de povos que podem ou natildeo ser considerados ldquoceltasrdquo parece natildeo ter dado
tanta importacircncia agrave escrita antes dava preferecircncia agrave oralidade enfatizando a memoacuteria
transmitida por atos de fala Aqueles que eram responsaacuteveis pela transmissatildeo dos saberes
tradicionais deviam estudar durante muito tempo Assim investigar os documentos
escritos sobre os ldquoceltasrdquo significa ver o que os outros como gregos e romanos narraram
acerca deles o que por si soacute jaacute pressupotildee um grande problema de caraacuteter identitaacuterio uma
vez que apesar das evidecircncias linguiacutesticas e arqueoloacutegicas a histoacuteria dos ldquoceltasrdquo eacute
geralmente escrita com base no relato elaborado por terceiros
214
Entre os gregos haacute referecircncias sobre estes povos por exemplo em Hecateu de
Mileto que menciona o mar ceacuteltico (ηὸ δὲ εἰρ ηὴν Κελτικὴν θάλαζζαν84
) localiza Nirax
como uma cidade ceacuteltica (Νύπαξ πόλιρ Κελτική85
) e diz que Massalia ficava na terra dos
liacutegures perto do paiacutes dos celtas (Μαζζαλία πόλιρ ηῆρ Λιγςζηικῆρ καηὰ ηὴν Κελτικήν86
)
Da mesma maneira sabe-se que em Heroacutedoto temos a evidecircncia mais antiga do etnocircnimo
Κελτοί Em suas Histoacuterias ele diz que o rio Danuacutebio comeccedilava no territoacuterio dos celtas e na
cidade de Pirene e no mesmo trecho fala sobre onde os celtas estariam ldquoagorardquo
localizados (Ἴζηπορ ηε γὰπ ποηαμὸρ ἀπξάμενορ ἐκ Κελτῶν καὶ Πςπήνηρ πόλιορ ῥέει μέζην
ζσίζων ηὴν Εὐπώπην (οἱ δὲ Κελτοί εἰζι ἔξω Ἡπακλέων Σηηλέων ὁμοςπέοςζι δὲ
Κςνηζίοιζι οἳ ἔζσαηοι ππὸρ δςζμέων οἰκέοςζι ηῶν ἐν ηῇ Εὐπώπῃ καηοικημένων87
) Uma
sistematizaccedilatildeo de todas as vezes que os gregos mencionam os Celtas acompanhada de
uma anaacutelise miacutenima ocuparia o espaccedilo de alguns livros A tiacutetulo de exemplo aleacutem dos
mencionados Hecateu de Mileto e Heroacutedoto podemos lembrar tambeacutem de Estrabatildeo
Diodoro Dioniacutesio Ptolomeu Xenofonte Platatildeo Aristoacuteteles Possidocircnio Plutarco
Pausacircnias entre outros Ateacute mesmo o Apoacutestolo Paulo escreveu uma carta aos Gaacutelatas um
termo grego tambeacutem relacionado com os ldquoCeltasrdquo Paremos por aqui as referecircncias
ocorrem em vaacuterios autores satildeo centenas de fragmentos
Entre os romanos tambeacutem satildeo inuacutemeras referecircncias Tito Liacutevio Justino Pliacutenio Ceacutesar e
Taacutecito satildeo alguns dos que escrevem sobre os ldquoceltasrdquo Juacutelio Ceacutesar por exemplo em sua
obra Comentarii de Bello Gallico diz que ldquoGallia est omnis divisa in partes tres quarum
unam incolunt Belgae aliam Aquitani tertiam qui ipsorum lingua Celtae nostra Galli
appellantur88 Ou seja ele divide a Gaacutelia em trecircs regiotildees tendo em vista etnicidade
84
Hecataeus Hist Fragmenta 18a 12-13
85 Hecataeus Hist Fragmenta 56 1
86 Hecataeus Hist Fragmenta 551
87 Herodotus Hist Historiae Livro II 33 10-14
88 Juacutelio Ceacutesar Comentarii de Bello Gallico I1
215
cultura e liacutengua Celtae Aquitani e Belgae Segundo lecirc-se na descriccedilatildeo de Ceacutesar em latim
os romanos chamavam os povos mencionados de ldquogaulesesrdquo mas no idioma do proacuteprio
povo eles utilizavam a nomenclatura ldquoceltardquo segundo nos diz o autor do De Bello Gallico
Para Tiacuteto Liacutevio os Celtas apareceram em contato com os romanos durante o periacutedo de
Tarquiacutenio (o antigo) ou seja 658-578 antes da Era Comum Provavelmente Liacutevio
equivocou-se uma vez que estes eventos parecem ter ocorrido em data posterior tavez
no seacuteculo V ou IV aEC Problemaacutetica esta que natildeo nos interessa no momento importa a
menccedilatildeo aos Celtas independente de quando estes fatos ocorreram Alguns autores
romanos como o proacuteprio Ceacutesar Ciacutecero dentre outros fornecem informaccedilotildees sobre os
druiacutedas uma espeacutecie de sacerdote tambeacutem relacionados agrave cultura ceacuteltica Ceacutesar nos
informa por exemplo que o tempo de estudo de um druiacuteda podia alcanccedilar os 20 anos
Sabe-se ainda que os Celtas tambeacutem estavam envolvidos em um ataque agrave cidade de Roma
no ano de 390 aEC fato que eacute mencionado por exemplo por Q Claudius Quadrigarius
Liacutevio mais uma vez refere-se a estes eventos como tendo ocorrido em outro ano 361
Interessa a menccedilatildeo aos Celtas independente da data ldquocorretardquo Lucano e Apiano tambeacutem
fazem referecircncias aos chamados ldquoCeltiberosrdquo ou seja Celtas da Peniacutensula Ibeacuterica que
migraram para este local a partir da Gaacutelia por causa de uma fome em sua terra de origem
Desta maneira percebe-se que houve um conjunto de povos que preocupou tanto
autores gregos como romanos que escreveram sobre estes ldquoinvasoresrdquo e ldquobaacuterbarosrdquo Fica
evidente que o termo ldquoceltardquo aparece para noacutes a partir deste corpus documental antigo e
que tem origem no grego Κελτοί (mesmo que se trate de uma traduccedilatildeo de alguma liacutengua
ceacuteltica para o idioma dos helenos) quando aparece em textos claacutessicos pela primeira vez
daiacute surgindo o vocaacutebulo Celta-ae em latim de onde se origina o nome que usamos em
portuguecircs para se referir a este conjunto de povos Celtas David Rankin em sua obra
Celts and the Classical World nos lembra que embora noacutes devamos fazer uso do termo
ldquoCeltardquo como um nome mais geral para se referir a este determinado conjunto de povos
outras palavras tambeacutem aparecem com frequecircncia Gauleses Galli Galatai Goideacutelicos
216
Britocircnicos Britanii Picti (Cruithni) Eacuterainn e outros nomes especiacuteficos que segundo o
autor ocorrem ldquode tempos em temposrdquo (Rankin 1996)
A imagem dos Celtas tal qual aparece nestes relatos pelo menos em alguns deles eacute
problemaacutetica pois os povos agrupados sob esta alcunha satildeo vistos sob o prisma do outro
como uma ameaccedila o diferente ou no miacutenimo como o exoacutetico Taacutecito Diatildeo Caacutessio e
Herodiano por exemplo nos datildeo referecircncias significativas no que diz respeito a esta
questatildeo principalmente na abordagem dos bretotildees do Norte frequentemente
mencionados como ldquobritannirdquo povos que depois do panegiacuterico de Constacircncio Cloro
passaratildeo a ser chamados de ldquopictosrdquo o que pode ser verificado na obra de Amiano
Marcelino e Claudiano89 Na obra de vaacuterios autores claacutessicos os ldquoceltasrdquo aparecem como
beberrotildees dados agrave guerra na qual lutavam nus baacuterbaros que natildeo temiam nem mesmo a
morte e faziam sacrifiacutecios humanos Apesar destes problemas que natildeo seratildeo explorados
aqui Barry CunlifFe explica que sem estas narrativas claacutessicas haveria muita coisa que
jamais saberiacuteamos pois a arqueologia sozinha natildeo seria capaz de elucidar Segundo o
autor ldquowe would not be able to appreciate the long period of conflict between the Celtic
communities of the Po Valley and the Roman World ldquowe would be entirely ignorant of
violent raids of the Celts deep into Greece in the third centuryrdquo Para ele ldquoThe classical
sources provide a story-line and colourrdquo ldquoThe greek and Roman authors have provided us
with their own vision of the Celts- a vision born of contemporary or near contemporary
experience that cannot be ignoredrdquo (CUNLIFFE 1997 01-02)
Eacute importante ressaltar que estaacute sendo explicitado aqui eacute a problemaacutetica em torno da
definiccedilatildeo do que eacute e o que natildeo eacute ldquoceacutelticordquo bem como de que maneira o termo passou a
ser usado na historiografia e chegou ateacute noacutes dando origem aos estudos ceacutelticos
presentes em todos os cantos do mundo e jaacute em algumas universidades brasileiras Ou
seja natildeo estaacute sendo defendida aqui a aboliccedilatildeo da forma ldquoceltardquo mas uma criticidade da
89
Agradeccedilo pelas contribuiccedilotildees de Juliet Schuster (UFRGS) orientanda de Anderson Zalewski Vargas Juliet eacute a uacutenica pesquisadora brasileira que estuda os Pictos me indicou bibliografia de referecircncia neste sentido
217
mesma afinal como Norberto Luiz Guarinello bem sugeriu ldquoas formas natildeo satildeo inocentes
e em alguns casos nem totalmente inofensivasrdquo (GUARINELLO 2003) Sobre este
aspecto eacute bastante interessante o que fez o tradutor da frase ldquoRoma natildeo foi construiacuteda
em um uacutenico diardquo para o idioma Esperanto Natildeo conseguindo produzir uma rima sonora
com o exemplo romano acabou invertendo o ditado dizendo ldquoEn unu Tago ne elkreskis
Kartagordquo Um raciociacutenio assim se aplicado agrave Histoacuteria certamente causaria certos
embaraccedilos produziria algumas mudanccedilas levando as atenccedilotildees para o Norte da Aacutefrica
substituindo Roma por Cartago Eacute preciso refletir sobre as formas natildeo somente usaacute-las
Desde que estas referecircncias foram feitas tanto por gregos quanto por romanos o
termo ldquoceltardquo foi pouco a pouco se transformando em mais uma consolidada forma
histoacuterica usada por inuacutemeros historiadores modernos para agrupar povos de eacutepocas
culturas e lugares diferentes Desta maneira sob a alcunha ldquoceltardquo e suas variantes
dezenas de etnias distintas satildeo reunidas com o argumento de que estes povos falavam um
idioma descendente do mesmo tronco apresentavam semelhanccedilas religiosas e tambeacutem
culturais Outro efeito do uso desta forma eacute falar de uma localidade ou etnia especiacutefica
substituindo seus nomes pelo termo geral tomando assim o todo pela parte
Na praacutetica o que literalmente se faz e eacute bastante comum ateacute mesmo entre os
especialistas sendo praticamente uma regra entre aqueles que natildeo satildeo familiarizados
com os estudos ceacutelticos eacute falar de Bretotildees Escotos Gaacutelatas Trinovantes Caledocircnios
Helveacutecios Braacutecaros Galaicos Pictos Eacuteduos Allobroges Ambiani Atrebates Arveni
Baiocasses Boii Bellovaci Bituriges Carnutes Cenomani Centrones Curiosolitae Nervii
Medulii Menapii Morini Parisii Redones Remi Satones Senones Sequani Suessiones
Treveri Turones Vellavi Veneti Viducasses Viromandui Turini Insubres Vertamocorii
Cenomani Lingones Cotini Eravisci Scordisci Latobici Albiones Astures Bletonesii
Bracari Cantabri Carpetani Celtiberos Celtici Coelerni Cynetes Equaesi Grovii
Interamici Leuni Limici Luanqui Lusitanii Lusones Narbasi Nemetati Oretani Paesuri
Tamagani Tapoli Turduli Turodi Vaccaei Vettones Zoeale Ancalites Attacotti
218
Brigantes Cantii Carvetii Cassi Catuvellauni Cornavii Damnonii Epidii Ordovices
Regnenses Silures Trinovantes Venicones e tantos outros povos a partir de uma uacutenica
forma ldquoceltasrdquo Desta maneira perde-se todas as especificidades e tantas identidades
distintas satildeo agrupadas em um uacutenico vocaacutebulo em favor de um gosto exagerado ou
mesmo uma necessidade pela unidade Categoria esta que natildeo se adequa ao mundo
ldquoceltardquo uma vez que estes natildeo formavam um grupo comum natildeo tinham um Estado
organizado e nem uma consciecircncia identitaacuteria uma ldquocelticidaderdquo Miranda Green
percebeu isso muito bem ela escreveu que ldquoRomans identified themselves as such Ciuis
Romanus sum We cannot tell whether a comparable Celtic consciousness ever existedrdquo
(GREEN 1996 03) Talvez o exemplo mais generalizante deste modus operandi seja
chamar os diversos povos mencionados por Juacutelio Ceacutesar no De Bello Gallico de ldquoceltasrdquo ou
de ldquogaulesesrdquo sendo que como vimos agora pouco o proacuteprio autor da obra a inicia
dizendo que toda a Gaacutelia estava dividida em trecircs partes somente uma delas
correspondendo aos Celtas e quando se adentra na leitura do texto cesarino percebe-se
que a pluralidade de povos e a multiplicidade de etnias eacute tatildeo vasta que natildeo cabe nem
mesmo dentro do vocaacutebulo ldquoceltardquo
Quando o tema do cristianismo irlandecircs por exemplo eacute mencionado nos livros de
histoacuteria geralmente ele aparece na categoria de Histoacuteria Medieval e frequentemente
relacionado com a forma ldquoceltardquo ou ceacutelticordquo Foi necessaacuterio que Kathleen Hughes
escrevesse seu artigo The Celtic church is this a valid concept (1981) para que os
historiadores comeccedilassem a parar de falar em uma ldquoIgreja Ceacutelticardquo90 Todavia ainda natildeo
90
Duas observaccedilotildees devem ser feitas Primeiro se por um lado o artigo de Hughes resolve um problema o cristianismo irlandecircs deve ser compreendido como vinculado ao cristianismo romano e natildeo como um fenocircmeno isolado por outro direciona os olhares dos pesquisadores aos viacutenculos entre o cristianismo irlandecircs e o continental abrindo o flanco para a cristalizaccedilatildeo de outras formas histoacutericas como se estas natildeo apresentassem problemas semelhantes a forma combatida Por fim a discussatildeo central de Hughes natildeo eacute a forma ldquoceacutelticardquo com relaccedilatildeo ao que vinha sendo descrito pelos historiadores como ldquoCeltic Churchrdquo mas a funcionalidade explicativa deste conceito pois segundo a autora (HUGHES 1981) o termo natildeo era suficiente para abarcar a realidade da sociedade irlandesa do periacuteodo em questatildeo Ao contraacuterio fazia-nos crer em uma Igreja ceacuteltica separada da romana uma ideacuteia equivocada
219
de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the
Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The
Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns
historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do
Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e
OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian
Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES
2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas
narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas
estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma
seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a
mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo
3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA
HISTOacuteRIA DOS CELTAS
Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que
a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das
Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem
chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com
Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia
Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo
impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal
divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas
91
Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977
220
poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia
de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo
que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que
compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a
histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo
motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB
Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um
fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos
Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar
acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os
dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo
vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV
aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria
isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E
claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram
aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar
preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas
mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma
das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo
arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt
La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir
A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se
extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da
ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute
relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O
autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas
este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de
221
urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria
linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute
difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta
possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada
civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA
1989 59)
A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos
encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na
Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica
ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar
alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma
vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo
usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo
relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando
o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos
como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo
que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da
Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por
exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-
c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob
a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo
especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo
(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o
periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados
deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal
localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt
222
como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os
Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)
A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados
arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos
(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este
nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um
Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos
como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma
forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo
de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt
(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma
que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with
their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic
art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de
localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as
obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida
(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos
materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou
exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as
aos celtas
Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes
migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de
fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de
Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem
que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que
frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees
destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate
223
sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha
desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta
data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos
documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na
Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua
obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado
The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)
Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos
campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na
maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a
conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir
se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade
memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser
religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)
da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais
caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se
necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando
responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre
estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees
e com tal divisatildeo encerramos este artigo
Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja
representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas
outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da
Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma
aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados
por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma
representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os
224
pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos
mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo
que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o
autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo
destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas
liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic
populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da
lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna
dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo
ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho
identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo
ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu
delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos
etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a
questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se
trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in
the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups
of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles
ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone
associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos
que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer
grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem
apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da
Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo
225
ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly
Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma
mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da
historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria
da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo
nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e
ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como
Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita
de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de
palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e
poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos
baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos
Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de
uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi
um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem
sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais
elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees
e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a
principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir
da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos
compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso
de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-
se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a
nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com
propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico
como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas
vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo
226
historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de
ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um
periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas
ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar
apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se
direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as
classificaccedilotildees satildeo outras
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988
CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio
de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012
CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997
DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000
DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the
West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992
DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-
Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994
DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas
Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011
DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade
Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006
FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9
Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987
FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade
Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15
GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996
227
GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia
hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003
HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp
2001
HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic
Studies Nordm 1 p 1-20 1981
HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press
1966
HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New
history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p
301-329
JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003
JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006
KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989
LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989
MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da
Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011
MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of
Archaeology Stroud
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic
World Londres Routledge 1996 p 636-653
RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New
York Thames and Hudson 1994
RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996
TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press
2000
228
TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO
Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro
UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925
WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History
John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298
208
pelo governo italiano A principal documentaccedilatildeo que serviu como sustentaacuteculo da mostra
foi composta de vaacuterios itens da cultura material encontrados a partir dos esforccedilos de
arqueoacutelogos do mundo inteiro e que fazem parte do acervo de museus europeus A
exposiccedilatildeo foi chamada de ldquoCeltas- a primeira Europardquo Donnard mostra o quanto esta
ideacuteia irritou profundamente o arqueoacutelogo britacircnico John Collins que criticou severamente
o fato de que houvesse qualquer relaccedilatildeo intercultural que distinguisse algumas etnias
como sendo ceacutelticas e outras natildeo dentro do Impeacuterio Britacircnico A autora seleciona um
trecho especiacutefico de Collins em que ele diz que ldquonunca houve arte religiatildeo ou sociedade
celta nas Ilhas Britacircnicasrdquo para ilustrar o argumento do arqueoacutelogo (DONNARD 2006) Um
debate sem duacutevida importante dentro da arqueologia pois independente de qualquer
interesse poliacutetico uma anaacutelise que enfatize a materialidade parece impor severas
dificuldades com relaccedilatildeo ao mapeamento desta celticidade no que diz respeito agraves Ilhas
Britacircnicas ateacute mesmo para o caso da Irlanda considerado um paiacutes ldquoceacuteltico par excellencerdquo
(RAFTERY 1996 651)
Do ponto de vista da folcloriacutestica por outro lado a problemaacutetica eacute expressa de
maneira distinta Podemos observar na obra de Joseph Jacobs por exemplo que natildeo haacute
qualquer dificuldade quanto ao emprego do termo ldquoceltardquo para se referir agrave etnias das
Ilhas Britacircnicas sobretudo os irlandeses muito menos em periacuteodos recentes da Histoacuteria
O autor nos diz resignificando uma frase do poeta romano Horaacutecio que ldquoa sina dos
celtasrdquo (aqui Jacobs fala dos irlandeses) no Impeacuterio Britacircnico (a referecircncia aqui diz
respeito aos ingleses) ldquoparece-se com a dos gregos entre os romanos eles iam agrave luta nas
batalhas mas sempre eram derrotados No entanto o celta cativo escravizou seu captor
no reino da imaginaccedilatildeordquo82 (JACOBS 2000 13) Eacute notaacutevel a atraccedilatildeo de Jacobs por este
imaginaacuterio irlandecircs e que ele o classifica de ldquoceltardquo estabelecendo uma relaccedilatildeo de
comparaccedilatildeo com os gregos e no contexto da obra a habilidade destes para elaboraccedilatildeo de
82
A frase de Horaacutecio eacute ldquoGraecia capta ferum victorem cepitrdquo Epiacutestolas Livro II 1 156-157
209
narrativas miacuteticas capazes de encantar ateacute mesmo os que a princiacutepio natildeo
compartilhavam da mesma cultura O periacuteodo analisado por Jacobs que viveu de 1854 a
1916 eacute recente diz respeito agraves histoacuterias contadas de forma oral de pai (matildee) para filho
(filha) na Escoacutecia em Gales na Inglaterra e na Irlanda moderna As implicaccedilotildees desta
concepccedilatildeo satildeo evidentes 1) Diferentemente da opiniatildeo do arqueoacutelogo John Collins haacute
sim celtas nas Ilhas Britacircnicas 2) a Irlanda eacute um paiacutes celta 3) existe uma continuidade
ldquoceacutelticardquo percebida na linguagem no mito e no folclore desde a chamada preacute-histoacuteria aos
dias atuais
Miranda J Green por sua vez em sua obra The Celtic World restringe
cronologicamente o uso do termo A autora reuniu especialistas do mundo inteiro para
abarcar a histoacuteria e a cultura destas sociedades que ela classificou como pertencentes a
um ldquomundo ceacutelticordquo em um tempo histoacuterico preciso ldquobetween 600 BC and AD 600rdquo Pelo
menos nesta eacutepoca podemos falar de celtas pois segundo ela neste periacuteodo especiacutefico
ldquoCelts existed in some manner whether self-defined or as a group of peoples who were
classified as such by communities who belonged to a separate cultural- and literate-
traditionrdquo (GREEN 1996 03) Nem todos os autores concordam com esta definiccedilatildeo ou
entatildeo acrescentam termos como ldquoos celtas histoacutericosrdquo ldquoo periacuteodo de formaccedilatildeo da
cultura e sociedade ceacutelticardquo etc Mas claro eacute uma interpretaccedilatildeo possiacutevel sustentada por
um dos grandes nomes dos estudos ceacutelticos no mundo
Na obra Celtic Culture- A historical Encyclopedia de John C Kock por exemplo
embora o autor ressalte as dificuldades arqueoloacutegicas que giram em torno do termo
ldquoceltardquo principalmente na literatura arqueoloacutegica inglesa dos seacuteculos XX e XXI e ainda
que o termo ldquoceltardquo muitas vezes devido a interesses poliacuteticos soacute foi aplicado agrave Repuacuteblica
da Irlanda e outros paiacuteses jaacute na modernidade haacute grande preocupaccedilatildeo com toda esta
abrangecircncia cronoloacutegica e geograacutefica Lecirc-se por exemplo quando satildeo traccedilados os
objetivos e a metodologia da obra de Kock que ldquoThe Encyclopedia covers subjects from the
Hallstat and La Teacutene periods of the later pre-Roman Iron Age to the beginning of the 21st
210
centuryrdquo E tambeacutem que ldquoGeographically as well as including the Celtic civilizations of
Ireland Britain and Britanny (Armorica) from ancient times to the present De igual modo
a obra cobre ldquothe ancient Continental Celts of Gaul the Iberian Peninsula and central and
eastern Europe together with the Galatians of present-day Turkeyrdquo lecirc-se ainda que ldquoit
also follows the Celtic diaspora into the Americas and Australia (KOCH 2006 XX-XXI)
Um exame detalhado dos programas cadernos de resumos e inscriccedilotildees de
trabalhos em diversos congressos dedicados agrave temaacutetica ceacuteltica espalhados pelo mundo da
Argentina ao Japatildeo da Islacircndia agrave Inglaterra eacute capaz de revelar esta pluralidade de
dinacircmicas temporais e de temas Para se concentrar em um caso particular o XIV
International Congress of Celtic StudiesComhdhaacuteil Idirnaacuteisiuacutenta sa Leacuteann Ceilteach por
exemplo que ocorreu na cidade irlandesa de Maynooth englobou tanto temaacuteticas
antigas ldquoCelt and Non-Celt in Britain and Ireland A Survey of Ptolemyrsquos Place- and Polity-
Names in His Geographiardquo ldquoCeltic From The Westrdquo A Critiquerdquo ldquoLate Celtic Coin Types in
Austria and Some Relationship to Britanniardquo e ainda ldquoReligion and Political Resistance in
Gaul in the First Century ADrdquo quanto relacionadas a periacuteodos histoacutericos mais recentes tais
como ldquoThe Lady was for Turning The Thatcher Governmentrsquos U-Turn(s) over Welsh
Language Television C 1979-84rdquo ldquoOverview of the Tense System in Literary Modern Irishrdquo
ldquoA Struggle Against Indifference A Revisionist Study into the Cultural Relationship
Between England and Wales in the Second Half of the Twentieth Centuryrdquo ou mesmo
ldquoWho Were the Supposed Audience of the ldquoMedieval Welsh Juvenile Talesrdquo A
Consideration of the 19th Century Receptions of the ldquoMabinogionrdquordquo Como se percebe
uma questatildeo de perspectiva teoacuterica metodoloacutegica epistemoloacutegica e claro sem estar
ausente de viacutenculos poliacutetico-ideoloacutegicos e com tradiccedilotildees nacionalistas embora seja
notoacuterio e sintomaacutetico que trabalhos de histoacuteria e de arqueologia apresentem uma
tendecircncia de concentraccedilatildeo em periacuteodos mais antigos se desdobrando ateacute a Idade Meacutedia
enquanto que os realizados em outras aacutereas do saber se extendam por uma duraccedilatildeo
211
temporal bem maior Mas como jaacute mencionamos eacute importante lembrar os estudos
ceacutelticos natildeo se restringem agrave Histoacuteria e Arqueologia
No que diz respeito agraves publicaccedilotildees sobre a temaacutetica ceacuteltica em portuguecircs
brasileiro tambeacutem eacute possiacutevel detectar as mesmas ocorrecircncias uma grande multiplicidade
de temporalidades histoacutericas de temas e uma pluralidade de disciplinas abordando a
questatildeo A tiacutetulo de exemplo termos como ldquoceltardquo ldquoceltismordquo aparecem proacuteximos de
vocaacutebulos como ldquopoacutes-modernidaderdquo em um artigo da mesma Ana Donnard jaacute
mencionada ldquoAs origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidaderdquo
(2006) Da mesma autora tambeacutem eacute possiacutevel ler que ldquoAs culturas ceacutelticas e suas
literaturas representam desde a Alta Idade Meacutedia ateacute os dias de hoje ()rdquo e ldquonos paiacuteses
de culturas ceacutelticas identidade eacute uma questatildeo cotidianardquo ou ainda que ldquoesse mundo
ceacuteltico tatildeo antigo atravessou eras se expandiu nas navegaccedilotildees e chega ateacute hoje nas
literaturas modernasrdquo (DONNARD 2011 179 183) Eacute importante ressaltar que natildeo
afirma-se aqui qualquer afinidade ou apoio agraves teorias da continuidade paleoliacutetica ou
outras compartilhadas pela autora apenas quer-se enfatizar os empregos do termo
ldquoceltardquo em diversos sentidos e contextos uma tarefa de sistematizaccedilatildeo de leacutexicos e
anaacutelise de discursos
Quando observamos as reflexotildees de Adriene Baron Tacla em seu capiacutetulo de livro
sobre a ldquoDamardquo de Vix escrito para integrar uma obra sobre mulheres na Antiguidade
organizada por Maria Regina Cacircndido (2012) as periodizaccedilotildees satildeo outras teorias
diferentes satildeo mencionadas bem como a documentaccedilatildeo e a historiografia elencada
tambeacutem satildeo distintas talvez devido ao fato de que a autora possui formaccedilatildeo
arqueoloacutegica Jaacute Elaine Pereira Farell por exemplo escreveu um artigo sobre a Irlanda
Medieval (2011) e natildeo mencionou uma uacutenica vez o termo ldquoceltardquo ou seus relativos
embora algumas referecircncias assim apareccedilam na bibliografia mencionada pela autora
fazendo surgir termos como ldquoCeltic Theologyrdquo ou ldquoWomen in a Celtic Churchrdquo o que no
entanto de forma alguma significa que a autora concorde com a ideacuteia de uma teologia ou
212
uma Igreja ldquoceacutelticardquo muito menos para o caso da histoacuteria irlandesa Uma breve consulta
aos artigos publicados na revista do Brathair- Grupo de Estudos Celtas e Germacircnicos
(httpppgrevistasuemabrindexphpbrathair) ou no Brazilian Journal of Irish Studies
uma publicaccedilatildeo da ABEI-associaccedilatildeo Brasileira de Estudos Irlandeses pode elucidar mais
exemplos acerca desta multiplicidade de usos e abusos do termo ldquoceltardquo e seus afins bem
como as diversas temporalidades que circundam a questatildeo
Para uma anaacutelise destes discursos pouco importa quem estaacute com a razatildeo (se eacute que
isso eacute possiacutevel diante de um caso tatildeo complexo e plural) se a eleiccedilatildeo seraacute pela teoria A ou
B se a escolha seraacute por abordar tempos tatildeo longiacutenquos quanto o XIV a EC falando em
ldquoprimeiros celtasrdquo ldquoproto-celtasrdquo ou mesmo ldquoantecessores dos celtasrdquo se tal definiccedilatildeo
seraacute feita com base em estudos empreendidos por arqueoacutelogos83 utilizando meios de
dataccedilatildeo e classificaccedilatildeo como a termoluminiscecircncia e o Carbono 14 por exemplo em
parceria com vaacuterias ciecircncias como a paleobotacircnica paleozoologia etc ou se privilegiar-
se-aacute investigaccedilotildees sobre tempos mais recentes tais como as referecircncias aos ldquoceltasrdquo que
aparecerem na obra de linguistas filoacutelogos antropoacutelogos socioacutelogos folcloristas etc
Tambeacutem eacute importante lembrar que para alguns como eacute o caso de MA Morse ldquothe Celts
are and always were a creation of human mindrdquo (MORSE 2005 185) A historiografia
estaacute repleta de embates desta natureza Para aleacutem de qualquer discussatildeo de ldquoniacuteveisrdquo ou
ldquograurdquo de celticidade de ateacute quando se pode ou natildeo falar sobre celtas ou mesmo levando
em consideraccedilatildeo autores que acreditam que nunca houve qualquer celta em lugar algum
importa o fato de que o termo mesmo que seja para figurar apoacutes a palavra ldquoprotordquo
ldquopseudordquo ldquoliteraacuteriordquo (e dezenas de outros) estaacute presente jaacute existe no campo discursivo
integra o leacutexico destas narrativas Ou seja importa o aparecimento usos (e abusos) e
controles da forma ldquoceltardquo nos discursos cientiacuteficos e acadecircmicos
83
Cf A obra ldquoOs Celtasrdquo de Venceslas Kruta por exemplo traduzida no Brasil pela Martins Fontes (1989)
213
Desta forma apesar das escolhas teoacuterico-metodoloacutegicas e das circunscriccedilotildees
cronoloacutegicas impostas agrave temaacutetica como fez-se saber paraacutegrafos acima Miranda Green
reconhece este problema que envolve a nomenclatura ldquoceltardquo e sistematizou uma das
definiccedilotildees mais precisas sobre este assunto no que diz respeito a esta dificuldade de
limitaccedilotildees e escolhas por periodizaccedilotildees e formas A professora de Arqueologia da Cardiff
University afirma que falar sobre celtas implica em estar pronto a discutir a relaccedilatildeo entre
cultura material etinicidade e linguagem E tambeacutem que apesar do fato de que a ldquoCeltic
culture per se is generally considered to come to an end around the end of the first century
BCrdquo e depois disso o termo ldquoRomano-Celticrdquo entatildeo seria mais apropriado denotando
trocas culturais eacute difiacutecil definir quem satildeo os celtas e o que eacute a celticidade Esta dificuldade
se daacute pelo fato de que ldquoldquoCeltsrdquo and ldquoCelticrdquo are terms which mean different things to
different peoplerdquo e mais ainda que ldquoThe only way to deal with this conflict of approaches
is to recognize that they are to an extent irreconcilablerdquo (GREEN 1996 06) Vamos ver
como o termo aparece nos documentos antigos
CELTAECELTAS
O conjunto de povos que podem ou natildeo ser considerados ldquoceltasrdquo parece natildeo ter dado
tanta importacircncia agrave escrita antes dava preferecircncia agrave oralidade enfatizando a memoacuteria
transmitida por atos de fala Aqueles que eram responsaacuteveis pela transmissatildeo dos saberes
tradicionais deviam estudar durante muito tempo Assim investigar os documentos
escritos sobre os ldquoceltasrdquo significa ver o que os outros como gregos e romanos narraram
acerca deles o que por si soacute jaacute pressupotildee um grande problema de caraacuteter identitaacuterio uma
vez que apesar das evidecircncias linguiacutesticas e arqueoloacutegicas a histoacuteria dos ldquoceltasrdquo eacute
geralmente escrita com base no relato elaborado por terceiros
214
Entre os gregos haacute referecircncias sobre estes povos por exemplo em Hecateu de
Mileto que menciona o mar ceacuteltico (ηὸ δὲ εἰρ ηὴν Κελτικὴν θάλαζζαν84
) localiza Nirax
como uma cidade ceacuteltica (Νύπαξ πόλιρ Κελτική85
) e diz que Massalia ficava na terra dos
liacutegures perto do paiacutes dos celtas (Μαζζαλία πόλιρ ηῆρ Λιγςζηικῆρ καηὰ ηὴν Κελτικήν86
)
Da mesma maneira sabe-se que em Heroacutedoto temos a evidecircncia mais antiga do etnocircnimo
Κελτοί Em suas Histoacuterias ele diz que o rio Danuacutebio comeccedilava no territoacuterio dos celtas e na
cidade de Pirene e no mesmo trecho fala sobre onde os celtas estariam ldquoagorardquo
localizados (Ἴζηπορ ηε γὰπ ποηαμὸρ ἀπξάμενορ ἐκ Κελτῶν καὶ Πςπήνηρ πόλιορ ῥέει μέζην
ζσίζων ηὴν Εὐπώπην (οἱ δὲ Κελτοί εἰζι ἔξω Ἡπακλέων Σηηλέων ὁμοςπέοςζι δὲ
Κςνηζίοιζι οἳ ἔζσαηοι ππὸρ δςζμέων οἰκέοςζι ηῶν ἐν ηῇ Εὐπώπῃ καηοικημένων87
) Uma
sistematizaccedilatildeo de todas as vezes que os gregos mencionam os Celtas acompanhada de
uma anaacutelise miacutenima ocuparia o espaccedilo de alguns livros A tiacutetulo de exemplo aleacutem dos
mencionados Hecateu de Mileto e Heroacutedoto podemos lembrar tambeacutem de Estrabatildeo
Diodoro Dioniacutesio Ptolomeu Xenofonte Platatildeo Aristoacuteteles Possidocircnio Plutarco
Pausacircnias entre outros Ateacute mesmo o Apoacutestolo Paulo escreveu uma carta aos Gaacutelatas um
termo grego tambeacutem relacionado com os ldquoCeltasrdquo Paremos por aqui as referecircncias
ocorrem em vaacuterios autores satildeo centenas de fragmentos
Entre os romanos tambeacutem satildeo inuacutemeras referecircncias Tito Liacutevio Justino Pliacutenio Ceacutesar e
Taacutecito satildeo alguns dos que escrevem sobre os ldquoceltasrdquo Juacutelio Ceacutesar por exemplo em sua
obra Comentarii de Bello Gallico diz que ldquoGallia est omnis divisa in partes tres quarum
unam incolunt Belgae aliam Aquitani tertiam qui ipsorum lingua Celtae nostra Galli
appellantur88 Ou seja ele divide a Gaacutelia em trecircs regiotildees tendo em vista etnicidade
84
Hecataeus Hist Fragmenta 18a 12-13
85 Hecataeus Hist Fragmenta 56 1
86 Hecataeus Hist Fragmenta 551
87 Herodotus Hist Historiae Livro II 33 10-14
88 Juacutelio Ceacutesar Comentarii de Bello Gallico I1
215
cultura e liacutengua Celtae Aquitani e Belgae Segundo lecirc-se na descriccedilatildeo de Ceacutesar em latim
os romanos chamavam os povos mencionados de ldquogaulesesrdquo mas no idioma do proacuteprio
povo eles utilizavam a nomenclatura ldquoceltardquo segundo nos diz o autor do De Bello Gallico
Para Tiacuteto Liacutevio os Celtas apareceram em contato com os romanos durante o periacutedo de
Tarquiacutenio (o antigo) ou seja 658-578 antes da Era Comum Provavelmente Liacutevio
equivocou-se uma vez que estes eventos parecem ter ocorrido em data posterior tavez
no seacuteculo V ou IV aEC Problemaacutetica esta que natildeo nos interessa no momento importa a
menccedilatildeo aos Celtas independente de quando estes fatos ocorreram Alguns autores
romanos como o proacuteprio Ceacutesar Ciacutecero dentre outros fornecem informaccedilotildees sobre os
druiacutedas uma espeacutecie de sacerdote tambeacutem relacionados agrave cultura ceacuteltica Ceacutesar nos
informa por exemplo que o tempo de estudo de um druiacuteda podia alcanccedilar os 20 anos
Sabe-se ainda que os Celtas tambeacutem estavam envolvidos em um ataque agrave cidade de Roma
no ano de 390 aEC fato que eacute mencionado por exemplo por Q Claudius Quadrigarius
Liacutevio mais uma vez refere-se a estes eventos como tendo ocorrido em outro ano 361
Interessa a menccedilatildeo aos Celtas independente da data ldquocorretardquo Lucano e Apiano tambeacutem
fazem referecircncias aos chamados ldquoCeltiberosrdquo ou seja Celtas da Peniacutensula Ibeacuterica que
migraram para este local a partir da Gaacutelia por causa de uma fome em sua terra de origem
Desta maneira percebe-se que houve um conjunto de povos que preocupou tanto
autores gregos como romanos que escreveram sobre estes ldquoinvasoresrdquo e ldquobaacuterbarosrdquo Fica
evidente que o termo ldquoceltardquo aparece para noacutes a partir deste corpus documental antigo e
que tem origem no grego Κελτοί (mesmo que se trate de uma traduccedilatildeo de alguma liacutengua
ceacuteltica para o idioma dos helenos) quando aparece em textos claacutessicos pela primeira vez
daiacute surgindo o vocaacutebulo Celta-ae em latim de onde se origina o nome que usamos em
portuguecircs para se referir a este conjunto de povos Celtas David Rankin em sua obra
Celts and the Classical World nos lembra que embora noacutes devamos fazer uso do termo
ldquoCeltardquo como um nome mais geral para se referir a este determinado conjunto de povos
outras palavras tambeacutem aparecem com frequecircncia Gauleses Galli Galatai Goideacutelicos
216
Britocircnicos Britanii Picti (Cruithni) Eacuterainn e outros nomes especiacuteficos que segundo o
autor ocorrem ldquode tempos em temposrdquo (Rankin 1996)
A imagem dos Celtas tal qual aparece nestes relatos pelo menos em alguns deles eacute
problemaacutetica pois os povos agrupados sob esta alcunha satildeo vistos sob o prisma do outro
como uma ameaccedila o diferente ou no miacutenimo como o exoacutetico Taacutecito Diatildeo Caacutessio e
Herodiano por exemplo nos datildeo referecircncias significativas no que diz respeito a esta
questatildeo principalmente na abordagem dos bretotildees do Norte frequentemente
mencionados como ldquobritannirdquo povos que depois do panegiacuterico de Constacircncio Cloro
passaratildeo a ser chamados de ldquopictosrdquo o que pode ser verificado na obra de Amiano
Marcelino e Claudiano89 Na obra de vaacuterios autores claacutessicos os ldquoceltasrdquo aparecem como
beberrotildees dados agrave guerra na qual lutavam nus baacuterbaros que natildeo temiam nem mesmo a
morte e faziam sacrifiacutecios humanos Apesar destes problemas que natildeo seratildeo explorados
aqui Barry CunlifFe explica que sem estas narrativas claacutessicas haveria muita coisa que
jamais saberiacuteamos pois a arqueologia sozinha natildeo seria capaz de elucidar Segundo o
autor ldquowe would not be able to appreciate the long period of conflict between the Celtic
communities of the Po Valley and the Roman World ldquowe would be entirely ignorant of
violent raids of the Celts deep into Greece in the third centuryrdquo Para ele ldquoThe classical
sources provide a story-line and colourrdquo ldquoThe greek and Roman authors have provided us
with their own vision of the Celts- a vision born of contemporary or near contemporary
experience that cannot be ignoredrdquo (CUNLIFFE 1997 01-02)
Eacute importante ressaltar que estaacute sendo explicitado aqui eacute a problemaacutetica em torno da
definiccedilatildeo do que eacute e o que natildeo eacute ldquoceacutelticordquo bem como de que maneira o termo passou a
ser usado na historiografia e chegou ateacute noacutes dando origem aos estudos ceacutelticos
presentes em todos os cantos do mundo e jaacute em algumas universidades brasileiras Ou
seja natildeo estaacute sendo defendida aqui a aboliccedilatildeo da forma ldquoceltardquo mas uma criticidade da
89
Agradeccedilo pelas contribuiccedilotildees de Juliet Schuster (UFRGS) orientanda de Anderson Zalewski Vargas Juliet eacute a uacutenica pesquisadora brasileira que estuda os Pictos me indicou bibliografia de referecircncia neste sentido
217
mesma afinal como Norberto Luiz Guarinello bem sugeriu ldquoas formas natildeo satildeo inocentes
e em alguns casos nem totalmente inofensivasrdquo (GUARINELLO 2003) Sobre este
aspecto eacute bastante interessante o que fez o tradutor da frase ldquoRoma natildeo foi construiacuteda
em um uacutenico diardquo para o idioma Esperanto Natildeo conseguindo produzir uma rima sonora
com o exemplo romano acabou invertendo o ditado dizendo ldquoEn unu Tago ne elkreskis
Kartagordquo Um raciociacutenio assim se aplicado agrave Histoacuteria certamente causaria certos
embaraccedilos produziria algumas mudanccedilas levando as atenccedilotildees para o Norte da Aacutefrica
substituindo Roma por Cartago Eacute preciso refletir sobre as formas natildeo somente usaacute-las
Desde que estas referecircncias foram feitas tanto por gregos quanto por romanos o
termo ldquoceltardquo foi pouco a pouco se transformando em mais uma consolidada forma
histoacuterica usada por inuacutemeros historiadores modernos para agrupar povos de eacutepocas
culturas e lugares diferentes Desta maneira sob a alcunha ldquoceltardquo e suas variantes
dezenas de etnias distintas satildeo reunidas com o argumento de que estes povos falavam um
idioma descendente do mesmo tronco apresentavam semelhanccedilas religiosas e tambeacutem
culturais Outro efeito do uso desta forma eacute falar de uma localidade ou etnia especiacutefica
substituindo seus nomes pelo termo geral tomando assim o todo pela parte
Na praacutetica o que literalmente se faz e eacute bastante comum ateacute mesmo entre os
especialistas sendo praticamente uma regra entre aqueles que natildeo satildeo familiarizados
com os estudos ceacutelticos eacute falar de Bretotildees Escotos Gaacutelatas Trinovantes Caledocircnios
Helveacutecios Braacutecaros Galaicos Pictos Eacuteduos Allobroges Ambiani Atrebates Arveni
Baiocasses Boii Bellovaci Bituriges Carnutes Cenomani Centrones Curiosolitae Nervii
Medulii Menapii Morini Parisii Redones Remi Satones Senones Sequani Suessiones
Treveri Turones Vellavi Veneti Viducasses Viromandui Turini Insubres Vertamocorii
Cenomani Lingones Cotini Eravisci Scordisci Latobici Albiones Astures Bletonesii
Bracari Cantabri Carpetani Celtiberos Celtici Coelerni Cynetes Equaesi Grovii
Interamici Leuni Limici Luanqui Lusitanii Lusones Narbasi Nemetati Oretani Paesuri
Tamagani Tapoli Turduli Turodi Vaccaei Vettones Zoeale Ancalites Attacotti
218
Brigantes Cantii Carvetii Cassi Catuvellauni Cornavii Damnonii Epidii Ordovices
Regnenses Silures Trinovantes Venicones e tantos outros povos a partir de uma uacutenica
forma ldquoceltasrdquo Desta maneira perde-se todas as especificidades e tantas identidades
distintas satildeo agrupadas em um uacutenico vocaacutebulo em favor de um gosto exagerado ou
mesmo uma necessidade pela unidade Categoria esta que natildeo se adequa ao mundo
ldquoceltardquo uma vez que estes natildeo formavam um grupo comum natildeo tinham um Estado
organizado e nem uma consciecircncia identitaacuteria uma ldquocelticidaderdquo Miranda Green
percebeu isso muito bem ela escreveu que ldquoRomans identified themselves as such Ciuis
Romanus sum We cannot tell whether a comparable Celtic consciousness ever existedrdquo
(GREEN 1996 03) Talvez o exemplo mais generalizante deste modus operandi seja
chamar os diversos povos mencionados por Juacutelio Ceacutesar no De Bello Gallico de ldquoceltasrdquo ou
de ldquogaulesesrdquo sendo que como vimos agora pouco o proacuteprio autor da obra a inicia
dizendo que toda a Gaacutelia estava dividida em trecircs partes somente uma delas
correspondendo aos Celtas e quando se adentra na leitura do texto cesarino percebe-se
que a pluralidade de povos e a multiplicidade de etnias eacute tatildeo vasta que natildeo cabe nem
mesmo dentro do vocaacutebulo ldquoceltardquo
Quando o tema do cristianismo irlandecircs por exemplo eacute mencionado nos livros de
histoacuteria geralmente ele aparece na categoria de Histoacuteria Medieval e frequentemente
relacionado com a forma ldquoceltardquo ou ceacutelticordquo Foi necessaacuterio que Kathleen Hughes
escrevesse seu artigo The Celtic church is this a valid concept (1981) para que os
historiadores comeccedilassem a parar de falar em uma ldquoIgreja Ceacutelticardquo90 Todavia ainda natildeo
90
Duas observaccedilotildees devem ser feitas Primeiro se por um lado o artigo de Hughes resolve um problema o cristianismo irlandecircs deve ser compreendido como vinculado ao cristianismo romano e natildeo como um fenocircmeno isolado por outro direciona os olhares dos pesquisadores aos viacutenculos entre o cristianismo irlandecircs e o continental abrindo o flanco para a cristalizaccedilatildeo de outras formas histoacutericas como se estas natildeo apresentassem problemas semelhantes a forma combatida Por fim a discussatildeo central de Hughes natildeo eacute a forma ldquoceacutelticardquo com relaccedilatildeo ao que vinha sendo descrito pelos historiadores como ldquoCeltic Churchrdquo mas a funcionalidade explicativa deste conceito pois segundo a autora (HUGHES 1981) o termo natildeo era suficiente para abarcar a realidade da sociedade irlandesa do periacuteodo em questatildeo Ao contraacuterio fazia-nos crer em uma Igreja ceacuteltica separada da romana uma ideacuteia equivocada
219
de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the
Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The
Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns
historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do
Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e
OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian
Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES
2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas
narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas
estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma
seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a
mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo
3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA
HISTOacuteRIA DOS CELTAS
Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que
a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das
Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem
chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com
Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia
Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo
impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal
divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas
91
Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977
220
poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia
de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo
que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que
compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a
histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo
motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB
Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um
fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos
Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar
acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os
dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo
vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV
aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria
isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E
claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram
aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar
preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas
mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma
das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo
arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt
La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir
A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se
extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da
ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute
relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O
autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas
este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de
221
urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria
linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute
difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta
possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada
civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA
1989 59)
A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos
encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na
Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica
ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar
alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma
vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo
usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo
relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando
o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos
como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo
que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da
Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por
exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-
c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob
a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo
especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo
(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o
periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados
deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal
localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt
222
como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os
Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)
A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados
arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos
(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este
nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um
Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos
como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma
forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo
de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt
(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma
que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with
their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic
art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de
localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as
obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida
(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos
materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou
exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as
aos celtas
Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes
migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de
fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de
Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem
que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que
frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees
destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate
223
sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha
desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta
data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos
documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na
Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua
obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado
The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)
Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos
campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na
maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a
conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir
se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade
memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser
religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)
da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais
caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se
necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando
responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre
estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees
e com tal divisatildeo encerramos este artigo
Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja
representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas
outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da
Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma
aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados
por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma
representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os
224
pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos
mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo
que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o
autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo
destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas
liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic
populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da
lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna
dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo
ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho
identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo
ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu
delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos
etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a
questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se
trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in
the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups
of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles
ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone
associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos
que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer
grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem
apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da
Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo
225
ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly
Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma
mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da
historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria
da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo
nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e
ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como
Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita
de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de
palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e
poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos
baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos
Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de
uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi
um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem
sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais
elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees
e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a
principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir
da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos
compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso
de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-
se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a
nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com
propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico
como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas
vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo
226
historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de
ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um
periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas
ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar
apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se
direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as
classificaccedilotildees satildeo outras
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988
CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio
de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012
CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997
DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000
DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the
West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992
DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-
Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994
DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas
Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011
DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade
Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006
FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9
Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987
FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade
Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15
GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996
227
GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia
hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003
HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp
2001
HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic
Studies Nordm 1 p 1-20 1981
HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press
1966
HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New
history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p
301-329
JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003
JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006
KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989
LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989
MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da
Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011
MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of
Archaeology Stroud
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic
World Londres Routledge 1996 p 636-653
RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New
York Thames and Hudson 1994
RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996
TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press
2000
228
TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO
Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro
UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925
WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History
John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298
209
narrativas miacuteticas capazes de encantar ateacute mesmo os que a princiacutepio natildeo
compartilhavam da mesma cultura O periacuteodo analisado por Jacobs que viveu de 1854 a
1916 eacute recente diz respeito agraves histoacuterias contadas de forma oral de pai (matildee) para filho
(filha) na Escoacutecia em Gales na Inglaterra e na Irlanda moderna As implicaccedilotildees desta
concepccedilatildeo satildeo evidentes 1) Diferentemente da opiniatildeo do arqueoacutelogo John Collins haacute
sim celtas nas Ilhas Britacircnicas 2) a Irlanda eacute um paiacutes celta 3) existe uma continuidade
ldquoceacutelticardquo percebida na linguagem no mito e no folclore desde a chamada preacute-histoacuteria aos
dias atuais
Miranda J Green por sua vez em sua obra The Celtic World restringe
cronologicamente o uso do termo A autora reuniu especialistas do mundo inteiro para
abarcar a histoacuteria e a cultura destas sociedades que ela classificou como pertencentes a
um ldquomundo ceacutelticordquo em um tempo histoacuterico preciso ldquobetween 600 BC and AD 600rdquo Pelo
menos nesta eacutepoca podemos falar de celtas pois segundo ela neste periacuteodo especiacutefico
ldquoCelts existed in some manner whether self-defined or as a group of peoples who were
classified as such by communities who belonged to a separate cultural- and literate-
traditionrdquo (GREEN 1996 03) Nem todos os autores concordam com esta definiccedilatildeo ou
entatildeo acrescentam termos como ldquoos celtas histoacutericosrdquo ldquoo periacuteodo de formaccedilatildeo da
cultura e sociedade ceacutelticardquo etc Mas claro eacute uma interpretaccedilatildeo possiacutevel sustentada por
um dos grandes nomes dos estudos ceacutelticos no mundo
Na obra Celtic Culture- A historical Encyclopedia de John C Kock por exemplo
embora o autor ressalte as dificuldades arqueoloacutegicas que giram em torno do termo
ldquoceltardquo principalmente na literatura arqueoloacutegica inglesa dos seacuteculos XX e XXI e ainda
que o termo ldquoceltardquo muitas vezes devido a interesses poliacuteticos soacute foi aplicado agrave Repuacuteblica
da Irlanda e outros paiacuteses jaacute na modernidade haacute grande preocupaccedilatildeo com toda esta
abrangecircncia cronoloacutegica e geograacutefica Lecirc-se por exemplo quando satildeo traccedilados os
objetivos e a metodologia da obra de Kock que ldquoThe Encyclopedia covers subjects from the
Hallstat and La Teacutene periods of the later pre-Roman Iron Age to the beginning of the 21st
210
centuryrdquo E tambeacutem que ldquoGeographically as well as including the Celtic civilizations of
Ireland Britain and Britanny (Armorica) from ancient times to the present De igual modo
a obra cobre ldquothe ancient Continental Celts of Gaul the Iberian Peninsula and central and
eastern Europe together with the Galatians of present-day Turkeyrdquo lecirc-se ainda que ldquoit
also follows the Celtic diaspora into the Americas and Australia (KOCH 2006 XX-XXI)
Um exame detalhado dos programas cadernos de resumos e inscriccedilotildees de
trabalhos em diversos congressos dedicados agrave temaacutetica ceacuteltica espalhados pelo mundo da
Argentina ao Japatildeo da Islacircndia agrave Inglaterra eacute capaz de revelar esta pluralidade de
dinacircmicas temporais e de temas Para se concentrar em um caso particular o XIV
International Congress of Celtic StudiesComhdhaacuteil Idirnaacuteisiuacutenta sa Leacuteann Ceilteach por
exemplo que ocorreu na cidade irlandesa de Maynooth englobou tanto temaacuteticas
antigas ldquoCelt and Non-Celt in Britain and Ireland A Survey of Ptolemyrsquos Place- and Polity-
Names in His Geographiardquo ldquoCeltic From The Westrdquo A Critiquerdquo ldquoLate Celtic Coin Types in
Austria and Some Relationship to Britanniardquo e ainda ldquoReligion and Political Resistance in
Gaul in the First Century ADrdquo quanto relacionadas a periacuteodos histoacutericos mais recentes tais
como ldquoThe Lady was for Turning The Thatcher Governmentrsquos U-Turn(s) over Welsh
Language Television C 1979-84rdquo ldquoOverview of the Tense System in Literary Modern Irishrdquo
ldquoA Struggle Against Indifference A Revisionist Study into the Cultural Relationship
Between England and Wales in the Second Half of the Twentieth Centuryrdquo ou mesmo
ldquoWho Were the Supposed Audience of the ldquoMedieval Welsh Juvenile Talesrdquo A
Consideration of the 19th Century Receptions of the ldquoMabinogionrdquordquo Como se percebe
uma questatildeo de perspectiva teoacuterica metodoloacutegica epistemoloacutegica e claro sem estar
ausente de viacutenculos poliacutetico-ideoloacutegicos e com tradiccedilotildees nacionalistas embora seja
notoacuterio e sintomaacutetico que trabalhos de histoacuteria e de arqueologia apresentem uma
tendecircncia de concentraccedilatildeo em periacuteodos mais antigos se desdobrando ateacute a Idade Meacutedia
enquanto que os realizados em outras aacutereas do saber se extendam por uma duraccedilatildeo
211
temporal bem maior Mas como jaacute mencionamos eacute importante lembrar os estudos
ceacutelticos natildeo se restringem agrave Histoacuteria e Arqueologia
No que diz respeito agraves publicaccedilotildees sobre a temaacutetica ceacuteltica em portuguecircs
brasileiro tambeacutem eacute possiacutevel detectar as mesmas ocorrecircncias uma grande multiplicidade
de temporalidades histoacutericas de temas e uma pluralidade de disciplinas abordando a
questatildeo A tiacutetulo de exemplo termos como ldquoceltardquo ldquoceltismordquo aparecem proacuteximos de
vocaacutebulos como ldquopoacutes-modernidaderdquo em um artigo da mesma Ana Donnard jaacute
mencionada ldquoAs origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidaderdquo
(2006) Da mesma autora tambeacutem eacute possiacutevel ler que ldquoAs culturas ceacutelticas e suas
literaturas representam desde a Alta Idade Meacutedia ateacute os dias de hoje ()rdquo e ldquonos paiacuteses
de culturas ceacutelticas identidade eacute uma questatildeo cotidianardquo ou ainda que ldquoesse mundo
ceacuteltico tatildeo antigo atravessou eras se expandiu nas navegaccedilotildees e chega ateacute hoje nas
literaturas modernasrdquo (DONNARD 2011 179 183) Eacute importante ressaltar que natildeo
afirma-se aqui qualquer afinidade ou apoio agraves teorias da continuidade paleoliacutetica ou
outras compartilhadas pela autora apenas quer-se enfatizar os empregos do termo
ldquoceltardquo em diversos sentidos e contextos uma tarefa de sistematizaccedilatildeo de leacutexicos e
anaacutelise de discursos
Quando observamos as reflexotildees de Adriene Baron Tacla em seu capiacutetulo de livro
sobre a ldquoDamardquo de Vix escrito para integrar uma obra sobre mulheres na Antiguidade
organizada por Maria Regina Cacircndido (2012) as periodizaccedilotildees satildeo outras teorias
diferentes satildeo mencionadas bem como a documentaccedilatildeo e a historiografia elencada
tambeacutem satildeo distintas talvez devido ao fato de que a autora possui formaccedilatildeo
arqueoloacutegica Jaacute Elaine Pereira Farell por exemplo escreveu um artigo sobre a Irlanda
Medieval (2011) e natildeo mencionou uma uacutenica vez o termo ldquoceltardquo ou seus relativos
embora algumas referecircncias assim apareccedilam na bibliografia mencionada pela autora
fazendo surgir termos como ldquoCeltic Theologyrdquo ou ldquoWomen in a Celtic Churchrdquo o que no
entanto de forma alguma significa que a autora concorde com a ideacuteia de uma teologia ou
212
uma Igreja ldquoceacutelticardquo muito menos para o caso da histoacuteria irlandesa Uma breve consulta
aos artigos publicados na revista do Brathair- Grupo de Estudos Celtas e Germacircnicos
(httpppgrevistasuemabrindexphpbrathair) ou no Brazilian Journal of Irish Studies
uma publicaccedilatildeo da ABEI-associaccedilatildeo Brasileira de Estudos Irlandeses pode elucidar mais
exemplos acerca desta multiplicidade de usos e abusos do termo ldquoceltardquo e seus afins bem
como as diversas temporalidades que circundam a questatildeo
Para uma anaacutelise destes discursos pouco importa quem estaacute com a razatildeo (se eacute que
isso eacute possiacutevel diante de um caso tatildeo complexo e plural) se a eleiccedilatildeo seraacute pela teoria A ou
B se a escolha seraacute por abordar tempos tatildeo longiacutenquos quanto o XIV a EC falando em
ldquoprimeiros celtasrdquo ldquoproto-celtasrdquo ou mesmo ldquoantecessores dos celtasrdquo se tal definiccedilatildeo
seraacute feita com base em estudos empreendidos por arqueoacutelogos83 utilizando meios de
dataccedilatildeo e classificaccedilatildeo como a termoluminiscecircncia e o Carbono 14 por exemplo em
parceria com vaacuterias ciecircncias como a paleobotacircnica paleozoologia etc ou se privilegiar-
se-aacute investigaccedilotildees sobre tempos mais recentes tais como as referecircncias aos ldquoceltasrdquo que
aparecerem na obra de linguistas filoacutelogos antropoacutelogos socioacutelogos folcloristas etc
Tambeacutem eacute importante lembrar que para alguns como eacute o caso de MA Morse ldquothe Celts
are and always were a creation of human mindrdquo (MORSE 2005 185) A historiografia
estaacute repleta de embates desta natureza Para aleacutem de qualquer discussatildeo de ldquoniacuteveisrdquo ou
ldquograurdquo de celticidade de ateacute quando se pode ou natildeo falar sobre celtas ou mesmo levando
em consideraccedilatildeo autores que acreditam que nunca houve qualquer celta em lugar algum
importa o fato de que o termo mesmo que seja para figurar apoacutes a palavra ldquoprotordquo
ldquopseudordquo ldquoliteraacuteriordquo (e dezenas de outros) estaacute presente jaacute existe no campo discursivo
integra o leacutexico destas narrativas Ou seja importa o aparecimento usos (e abusos) e
controles da forma ldquoceltardquo nos discursos cientiacuteficos e acadecircmicos
83
Cf A obra ldquoOs Celtasrdquo de Venceslas Kruta por exemplo traduzida no Brasil pela Martins Fontes (1989)
213
Desta forma apesar das escolhas teoacuterico-metodoloacutegicas e das circunscriccedilotildees
cronoloacutegicas impostas agrave temaacutetica como fez-se saber paraacutegrafos acima Miranda Green
reconhece este problema que envolve a nomenclatura ldquoceltardquo e sistematizou uma das
definiccedilotildees mais precisas sobre este assunto no que diz respeito a esta dificuldade de
limitaccedilotildees e escolhas por periodizaccedilotildees e formas A professora de Arqueologia da Cardiff
University afirma que falar sobre celtas implica em estar pronto a discutir a relaccedilatildeo entre
cultura material etinicidade e linguagem E tambeacutem que apesar do fato de que a ldquoCeltic
culture per se is generally considered to come to an end around the end of the first century
BCrdquo e depois disso o termo ldquoRomano-Celticrdquo entatildeo seria mais apropriado denotando
trocas culturais eacute difiacutecil definir quem satildeo os celtas e o que eacute a celticidade Esta dificuldade
se daacute pelo fato de que ldquoldquoCeltsrdquo and ldquoCelticrdquo are terms which mean different things to
different peoplerdquo e mais ainda que ldquoThe only way to deal with this conflict of approaches
is to recognize that they are to an extent irreconcilablerdquo (GREEN 1996 06) Vamos ver
como o termo aparece nos documentos antigos
CELTAECELTAS
O conjunto de povos que podem ou natildeo ser considerados ldquoceltasrdquo parece natildeo ter dado
tanta importacircncia agrave escrita antes dava preferecircncia agrave oralidade enfatizando a memoacuteria
transmitida por atos de fala Aqueles que eram responsaacuteveis pela transmissatildeo dos saberes
tradicionais deviam estudar durante muito tempo Assim investigar os documentos
escritos sobre os ldquoceltasrdquo significa ver o que os outros como gregos e romanos narraram
acerca deles o que por si soacute jaacute pressupotildee um grande problema de caraacuteter identitaacuterio uma
vez que apesar das evidecircncias linguiacutesticas e arqueoloacutegicas a histoacuteria dos ldquoceltasrdquo eacute
geralmente escrita com base no relato elaborado por terceiros
214
Entre os gregos haacute referecircncias sobre estes povos por exemplo em Hecateu de
Mileto que menciona o mar ceacuteltico (ηὸ δὲ εἰρ ηὴν Κελτικὴν θάλαζζαν84
) localiza Nirax
como uma cidade ceacuteltica (Νύπαξ πόλιρ Κελτική85
) e diz que Massalia ficava na terra dos
liacutegures perto do paiacutes dos celtas (Μαζζαλία πόλιρ ηῆρ Λιγςζηικῆρ καηὰ ηὴν Κελτικήν86
)
Da mesma maneira sabe-se que em Heroacutedoto temos a evidecircncia mais antiga do etnocircnimo
Κελτοί Em suas Histoacuterias ele diz que o rio Danuacutebio comeccedilava no territoacuterio dos celtas e na
cidade de Pirene e no mesmo trecho fala sobre onde os celtas estariam ldquoagorardquo
localizados (Ἴζηπορ ηε γὰπ ποηαμὸρ ἀπξάμενορ ἐκ Κελτῶν καὶ Πςπήνηρ πόλιορ ῥέει μέζην
ζσίζων ηὴν Εὐπώπην (οἱ δὲ Κελτοί εἰζι ἔξω Ἡπακλέων Σηηλέων ὁμοςπέοςζι δὲ
Κςνηζίοιζι οἳ ἔζσαηοι ππὸρ δςζμέων οἰκέοςζι ηῶν ἐν ηῇ Εὐπώπῃ καηοικημένων87
) Uma
sistematizaccedilatildeo de todas as vezes que os gregos mencionam os Celtas acompanhada de
uma anaacutelise miacutenima ocuparia o espaccedilo de alguns livros A tiacutetulo de exemplo aleacutem dos
mencionados Hecateu de Mileto e Heroacutedoto podemos lembrar tambeacutem de Estrabatildeo
Diodoro Dioniacutesio Ptolomeu Xenofonte Platatildeo Aristoacuteteles Possidocircnio Plutarco
Pausacircnias entre outros Ateacute mesmo o Apoacutestolo Paulo escreveu uma carta aos Gaacutelatas um
termo grego tambeacutem relacionado com os ldquoCeltasrdquo Paremos por aqui as referecircncias
ocorrem em vaacuterios autores satildeo centenas de fragmentos
Entre os romanos tambeacutem satildeo inuacutemeras referecircncias Tito Liacutevio Justino Pliacutenio Ceacutesar e
Taacutecito satildeo alguns dos que escrevem sobre os ldquoceltasrdquo Juacutelio Ceacutesar por exemplo em sua
obra Comentarii de Bello Gallico diz que ldquoGallia est omnis divisa in partes tres quarum
unam incolunt Belgae aliam Aquitani tertiam qui ipsorum lingua Celtae nostra Galli
appellantur88 Ou seja ele divide a Gaacutelia em trecircs regiotildees tendo em vista etnicidade
84
Hecataeus Hist Fragmenta 18a 12-13
85 Hecataeus Hist Fragmenta 56 1
86 Hecataeus Hist Fragmenta 551
87 Herodotus Hist Historiae Livro II 33 10-14
88 Juacutelio Ceacutesar Comentarii de Bello Gallico I1
215
cultura e liacutengua Celtae Aquitani e Belgae Segundo lecirc-se na descriccedilatildeo de Ceacutesar em latim
os romanos chamavam os povos mencionados de ldquogaulesesrdquo mas no idioma do proacuteprio
povo eles utilizavam a nomenclatura ldquoceltardquo segundo nos diz o autor do De Bello Gallico
Para Tiacuteto Liacutevio os Celtas apareceram em contato com os romanos durante o periacutedo de
Tarquiacutenio (o antigo) ou seja 658-578 antes da Era Comum Provavelmente Liacutevio
equivocou-se uma vez que estes eventos parecem ter ocorrido em data posterior tavez
no seacuteculo V ou IV aEC Problemaacutetica esta que natildeo nos interessa no momento importa a
menccedilatildeo aos Celtas independente de quando estes fatos ocorreram Alguns autores
romanos como o proacuteprio Ceacutesar Ciacutecero dentre outros fornecem informaccedilotildees sobre os
druiacutedas uma espeacutecie de sacerdote tambeacutem relacionados agrave cultura ceacuteltica Ceacutesar nos
informa por exemplo que o tempo de estudo de um druiacuteda podia alcanccedilar os 20 anos
Sabe-se ainda que os Celtas tambeacutem estavam envolvidos em um ataque agrave cidade de Roma
no ano de 390 aEC fato que eacute mencionado por exemplo por Q Claudius Quadrigarius
Liacutevio mais uma vez refere-se a estes eventos como tendo ocorrido em outro ano 361
Interessa a menccedilatildeo aos Celtas independente da data ldquocorretardquo Lucano e Apiano tambeacutem
fazem referecircncias aos chamados ldquoCeltiberosrdquo ou seja Celtas da Peniacutensula Ibeacuterica que
migraram para este local a partir da Gaacutelia por causa de uma fome em sua terra de origem
Desta maneira percebe-se que houve um conjunto de povos que preocupou tanto
autores gregos como romanos que escreveram sobre estes ldquoinvasoresrdquo e ldquobaacuterbarosrdquo Fica
evidente que o termo ldquoceltardquo aparece para noacutes a partir deste corpus documental antigo e
que tem origem no grego Κελτοί (mesmo que se trate de uma traduccedilatildeo de alguma liacutengua
ceacuteltica para o idioma dos helenos) quando aparece em textos claacutessicos pela primeira vez
daiacute surgindo o vocaacutebulo Celta-ae em latim de onde se origina o nome que usamos em
portuguecircs para se referir a este conjunto de povos Celtas David Rankin em sua obra
Celts and the Classical World nos lembra que embora noacutes devamos fazer uso do termo
ldquoCeltardquo como um nome mais geral para se referir a este determinado conjunto de povos
outras palavras tambeacutem aparecem com frequecircncia Gauleses Galli Galatai Goideacutelicos
216
Britocircnicos Britanii Picti (Cruithni) Eacuterainn e outros nomes especiacuteficos que segundo o
autor ocorrem ldquode tempos em temposrdquo (Rankin 1996)
A imagem dos Celtas tal qual aparece nestes relatos pelo menos em alguns deles eacute
problemaacutetica pois os povos agrupados sob esta alcunha satildeo vistos sob o prisma do outro
como uma ameaccedila o diferente ou no miacutenimo como o exoacutetico Taacutecito Diatildeo Caacutessio e
Herodiano por exemplo nos datildeo referecircncias significativas no que diz respeito a esta
questatildeo principalmente na abordagem dos bretotildees do Norte frequentemente
mencionados como ldquobritannirdquo povos que depois do panegiacuterico de Constacircncio Cloro
passaratildeo a ser chamados de ldquopictosrdquo o que pode ser verificado na obra de Amiano
Marcelino e Claudiano89 Na obra de vaacuterios autores claacutessicos os ldquoceltasrdquo aparecem como
beberrotildees dados agrave guerra na qual lutavam nus baacuterbaros que natildeo temiam nem mesmo a
morte e faziam sacrifiacutecios humanos Apesar destes problemas que natildeo seratildeo explorados
aqui Barry CunlifFe explica que sem estas narrativas claacutessicas haveria muita coisa que
jamais saberiacuteamos pois a arqueologia sozinha natildeo seria capaz de elucidar Segundo o
autor ldquowe would not be able to appreciate the long period of conflict between the Celtic
communities of the Po Valley and the Roman World ldquowe would be entirely ignorant of
violent raids of the Celts deep into Greece in the third centuryrdquo Para ele ldquoThe classical
sources provide a story-line and colourrdquo ldquoThe greek and Roman authors have provided us
with their own vision of the Celts- a vision born of contemporary or near contemporary
experience that cannot be ignoredrdquo (CUNLIFFE 1997 01-02)
Eacute importante ressaltar que estaacute sendo explicitado aqui eacute a problemaacutetica em torno da
definiccedilatildeo do que eacute e o que natildeo eacute ldquoceacutelticordquo bem como de que maneira o termo passou a
ser usado na historiografia e chegou ateacute noacutes dando origem aos estudos ceacutelticos
presentes em todos os cantos do mundo e jaacute em algumas universidades brasileiras Ou
seja natildeo estaacute sendo defendida aqui a aboliccedilatildeo da forma ldquoceltardquo mas uma criticidade da
89
Agradeccedilo pelas contribuiccedilotildees de Juliet Schuster (UFRGS) orientanda de Anderson Zalewski Vargas Juliet eacute a uacutenica pesquisadora brasileira que estuda os Pictos me indicou bibliografia de referecircncia neste sentido
217
mesma afinal como Norberto Luiz Guarinello bem sugeriu ldquoas formas natildeo satildeo inocentes
e em alguns casos nem totalmente inofensivasrdquo (GUARINELLO 2003) Sobre este
aspecto eacute bastante interessante o que fez o tradutor da frase ldquoRoma natildeo foi construiacuteda
em um uacutenico diardquo para o idioma Esperanto Natildeo conseguindo produzir uma rima sonora
com o exemplo romano acabou invertendo o ditado dizendo ldquoEn unu Tago ne elkreskis
Kartagordquo Um raciociacutenio assim se aplicado agrave Histoacuteria certamente causaria certos
embaraccedilos produziria algumas mudanccedilas levando as atenccedilotildees para o Norte da Aacutefrica
substituindo Roma por Cartago Eacute preciso refletir sobre as formas natildeo somente usaacute-las
Desde que estas referecircncias foram feitas tanto por gregos quanto por romanos o
termo ldquoceltardquo foi pouco a pouco se transformando em mais uma consolidada forma
histoacuterica usada por inuacutemeros historiadores modernos para agrupar povos de eacutepocas
culturas e lugares diferentes Desta maneira sob a alcunha ldquoceltardquo e suas variantes
dezenas de etnias distintas satildeo reunidas com o argumento de que estes povos falavam um
idioma descendente do mesmo tronco apresentavam semelhanccedilas religiosas e tambeacutem
culturais Outro efeito do uso desta forma eacute falar de uma localidade ou etnia especiacutefica
substituindo seus nomes pelo termo geral tomando assim o todo pela parte
Na praacutetica o que literalmente se faz e eacute bastante comum ateacute mesmo entre os
especialistas sendo praticamente uma regra entre aqueles que natildeo satildeo familiarizados
com os estudos ceacutelticos eacute falar de Bretotildees Escotos Gaacutelatas Trinovantes Caledocircnios
Helveacutecios Braacutecaros Galaicos Pictos Eacuteduos Allobroges Ambiani Atrebates Arveni
Baiocasses Boii Bellovaci Bituriges Carnutes Cenomani Centrones Curiosolitae Nervii
Medulii Menapii Morini Parisii Redones Remi Satones Senones Sequani Suessiones
Treveri Turones Vellavi Veneti Viducasses Viromandui Turini Insubres Vertamocorii
Cenomani Lingones Cotini Eravisci Scordisci Latobici Albiones Astures Bletonesii
Bracari Cantabri Carpetani Celtiberos Celtici Coelerni Cynetes Equaesi Grovii
Interamici Leuni Limici Luanqui Lusitanii Lusones Narbasi Nemetati Oretani Paesuri
Tamagani Tapoli Turduli Turodi Vaccaei Vettones Zoeale Ancalites Attacotti
218
Brigantes Cantii Carvetii Cassi Catuvellauni Cornavii Damnonii Epidii Ordovices
Regnenses Silures Trinovantes Venicones e tantos outros povos a partir de uma uacutenica
forma ldquoceltasrdquo Desta maneira perde-se todas as especificidades e tantas identidades
distintas satildeo agrupadas em um uacutenico vocaacutebulo em favor de um gosto exagerado ou
mesmo uma necessidade pela unidade Categoria esta que natildeo se adequa ao mundo
ldquoceltardquo uma vez que estes natildeo formavam um grupo comum natildeo tinham um Estado
organizado e nem uma consciecircncia identitaacuteria uma ldquocelticidaderdquo Miranda Green
percebeu isso muito bem ela escreveu que ldquoRomans identified themselves as such Ciuis
Romanus sum We cannot tell whether a comparable Celtic consciousness ever existedrdquo
(GREEN 1996 03) Talvez o exemplo mais generalizante deste modus operandi seja
chamar os diversos povos mencionados por Juacutelio Ceacutesar no De Bello Gallico de ldquoceltasrdquo ou
de ldquogaulesesrdquo sendo que como vimos agora pouco o proacuteprio autor da obra a inicia
dizendo que toda a Gaacutelia estava dividida em trecircs partes somente uma delas
correspondendo aos Celtas e quando se adentra na leitura do texto cesarino percebe-se
que a pluralidade de povos e a multiplicidade de etnias eacute tatildeo vasta que natildeo cabe nem
mesmo dentro do vocaacutebulo ldquoceltardquo
Quando o tema do cristianismo irlandecircs por exemplo eacute mencionado nos livros de
histoacuteria geralmente ele aparece na categoria de Histoacuteria Medieval e frequentemente
relacionado com a forma ldquoceltardquo ou ceacutelticordquo Foi necessaacuterio que Kathleen Hughes
escrevesse seu artigo The Celtic church is this a valid concept (1981) para que os
historiadores comeccedilassem a parar de falar em uma ldquoIgreja Ceacutelticardquo90 Todavia ainda natildeo
90
Duas observaccedilotildees devem ser feitas Primeiro se por um lado o artigo de Hughes resolve um problema o cristianismo irlandecircs deve ser compreendido como vinculado ao cristianismo romano e natildeo como um fenocircmeno isolado por outro direciona os olhares dos pesquisadores aos viacutenculos entre o cristianismo irlandecircs e o continental abrindo o flanco para a cristalizaccedilatildeo de outras formas histoacutericas como se estas natildeo apresentassem problemas semelhantes a forma combatida Por fim a discussatildeo central de Hughes natildeo eacute a forma ldquoceacutelticardquo com relaccedilatildeo ao que vinha sendo descrito pelos historiadores como ldquoCeltic Churchrdquo mas a funcionalidade explicativa deste conceito pois segundo a autora (HUGHES 1981) o termo natildeo era suficiente para abarcar a realidade da sociedade irlandesa do periacuteodo em questatildeo Ao contraacuterio fazia-nos crer em uma Igreja ceacuteltica separada da romana uma ideacuteia equivocada
219
de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the
Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The
Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns
historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do
Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e
OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian
Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES
2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas
narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas
estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma
seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a
mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo
3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA
HISTOacuteRIA DOS CELTAS
Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que
a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das
Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem
chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com
Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia
Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo
impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal
divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas
91
Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977
220
poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia
de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo
que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que
compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a
histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo
motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB
Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um
fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos
Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar
acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os
dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo
vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV
aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria
isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E
claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram
aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar
preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas
mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma
das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo
arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt
La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir
A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se
extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da
ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute
relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O
autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas
este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de
221
urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria
linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute
difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta
possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada
civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA
1989 59)
A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos
encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na
Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica
ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar
alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma
vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo
usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo
relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando
o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos
como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo
que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da
Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por
exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-
c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob
a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo
especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo
(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o
periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados
deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal
localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt
222
como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os
Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)
A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados
arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos
(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este
nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um
Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos
como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma
forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo
de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt
(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma
que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with
their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic
art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de
localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as
obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida
(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos
materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou
exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as
aos celtas
Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes
migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de
fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de
Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem
que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que
frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees
destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate
223
sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha
desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta
data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos
documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na
Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua
obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado
The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)
Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos
campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na
maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a
conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir
se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade
memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser
religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)
da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais
caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se
necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando
responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre
estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees
e com tal divisatildeo encerramos este artigo
Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja
representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas
outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da
Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma
aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados
por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma
representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os
224
pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos
mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo
que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o
autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo
destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas
liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic
populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da
lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna
dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo
ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho
identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo
ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu
delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos
etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a
questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se
trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in
the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups
of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles
ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone
associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos
que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer
grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem
apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da
Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo
225
ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly
Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma
mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da
historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria
da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo
nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e
ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como
Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita
de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de
palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e
poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos
baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos
Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de
uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi
um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem
sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais
elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees
e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a
principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir
da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos
compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso
de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-
se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a
nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com
propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico
como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas
vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo
226
historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de
ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um
periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas
ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar
apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se
direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as
classificaccedilotildees satildeo outras
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988
CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio
de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012
CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997
DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000
DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the
West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992
DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-
Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994
DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas
Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011
DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade
Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006
FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9
Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987
FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade
Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15
GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996
227
GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia
hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003
HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp
2001
HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic
Studies Nordm 1 p 1-20 1981
HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press
1966
HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New
history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p
301-329
JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003
JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006
KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989
LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989
MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da
Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011
MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of
Archaeology Stroud
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic
World Londres Routledge 1996 p 636-653
RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New
York Thames and Hudson 1994
RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996
TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press
2000
228
TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO
Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro
UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925
WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History
John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298
210
centuryrdquo E tambeacutem que ldquoGeographically as well as including the Celtic civilizations of
Ireland Britain and Britanny (Armorica) from ancient times to the present De igual modo
a obra cobre ldquothe ancient Continental Celts of Gaul the Iberian Peninsula and central and
eastern Europe together with the Galatians of present-day Turkeyrdquo lecirc-se ainda que ldquoit
also follows the Celtic diaspora into the Americas and Australia (KOCH 2006 XX-XXI)
Um exame detalhado dos programas cadernos de resumos e inscriccedilotildees de
trabalhos em diversos congressos dedicados agrave temaacutetica ceacuteltica espalhados pelo mundo da
Argentina ao Japatildeo da Islacircndia agrave Inglaterra eacute capaz de revelar esta pluralidade de
dinacircmicas temporais e de temas Para se concentrar em um caso particular o XIV
International Congress of Celtic StudiesComhdhaacuteil Idirnaacuteisiuacutenta sa Leacuteann Ceilteach por
exemplo que ocorreu na cidade irlandesa de Maynooth englobou tanto temaacuteticas
antigas ldquoCelt and Non-Celt in Britain and Ireland A Survey of Ptolemyrsquos Place- and Polity-
Names in His Geographiardquo ldquoCeltic From The Westrdquo A Critiquerdquo ldquoLate Celtic Coin Types in
Austria and Some Relationship to Britanniardquo e ainda ldquoReligion and Political Resistance in
Gaul in the First Century ADrdquo quanto relacionadas a periacuteodos histoacutericos mais recentes tais
como ldquoThe Lady was for Turning The Thatcher Governmentrsquos U-Turn(s) over Welsh
Language Television C 1979-84rdquo ldquoOverview of the Tense System in Literary Modern Irishrdquo
ldquoA Struggle Against Indifference A Revisionist Study into the Cultural Relationship
Between England and Wales in the Second Half of the Twentieth Centuryrdquo ou mesmo
ldquoWho Were the Supposed Audience of the ldquoMedieval Welsh Juvenile Talesrdquo A
Consideration of the 19th Century Receptions of the ldquoMabinogionrdquordquo Como se percebe
uma questatildeo de perspectiva teoacuterica metodoloacutegica epistemoloacutegica e claro sem estar
ausente de viacutenculos poliacutetico-ideoloacutegicos e com tradiccedilotildees nacionalistas embora seja
notoacuterio e sintomaacutetico que trabalhos de histoacuteria e de arqueologia apresentem uma
tendecircncia de concentraccedilatildeo em periacuteodos mais antigos se desdobrando ateacute a Idade Meacutedia
enquanto que os realizados em outras aacutereas do saber se extendam por uma duraccedilatildeo
211
temporal bem maior Mas como jaacute mencionamos eacute importante lembrar os estudos
ceacutelticos natildeo se restringem agrave Histoacuteria e Arqueologia
No que diz respeito agraves publicaccedilotildees sobre a temaacutetica ceacuteltica em portuguecircs
brasileiro tambeacutem eacute possiacutevel detectar as mesmas ocorrecircncias uma grande multiplicidade
de temporalidades histoacutericas de temas e uma pluralidade de disciplinas abordando a
questatildeo A tiacutetulo de exemplo termos como ldquoceltardquo ldquoceltismordquo aparecem proacuteximos de
vocaacutebulos como ldquopoacutes-modernidaderdquo em um artigo da mesma Ana Donnard jaacute
mencionada ldquoAs origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidaderdquo
(2006) Da mesma autora tambeacutem eacute possiacutevel ler que ldquoAs culturas ceacutelticas e suas
literaturas representam desde a Alta Idade Meacutedia ateacute os dias de hoje ()rdquo e ldquonos paiacuteses
de culturas ceacutelticas identidade eacute uma questatildeo cotidianardquo ou ainda que ldquoesse mundo
ceacuteltico tatildeo antigo atravessou eras se expandiu nas navegaccedilotildees e chega ateacute hoje nas
literaturas modernasrdquo (DONNARD 2011 179 183) Eacute importante ressaltar que natildeo
afirma-se aqui qualquer afinidade ou apoio agraves teorias da continuidade paleoliacutetica ou
outras compartilhadas pela autora apenas quer-se enfatizar os empregos do termo
ldquoceltardquo em diversos sentidos e contextos uma tarefa de sistematizaccedilatildeo de leacutexicos e
anaacutelise de discursos
Quando observamos as reflexotildees de Adriene Baron Tacla em seu capiacutetulo de livro
sobre a ldquoDamardquo de Vix escrito para integrar uma obra sobre mulheres na Antiguidade
organizada por Maria Regina Cacircndido (2012) as periodizaccedilotildees satildeo outras teorias
diferentes satildeo mencionadas bem como a documentaccedilatildeo e a historiografia elencada
tambeacutem satildeo distintas talvez devido ao fato de que a autora possui formaccedilatildeo
arqueoloacutegica Jaacute Elaine Pereira Farell por exemplo escreveu um artigo sobre a Irlanda
Medieval (2011) e natildeo mencionou uma uacutenica vez o termo ldquoceltardquo ou seus relativos
embora algumas referecircncias assim apareccedilam na bibliografia mencionada pela autora
fazendo surgir termos como ldquoCeltic Theologyrdquo ou ldquoWomen in a Celtic Churchrdquo o que no
entanto de forma alguma significa que a autora concorde com a ideacuteia de uma teologia ou
212
uma Igreja ldquoceacutelticardquo muito menos para o caso da histoacuteria irlandesa Uma breve consulta
aos artigos publicados na revista do Brathair- Grupo de Estudos Celtas e Germacircnicos
(httpppgrevistasuemabrindexphpbrathair) ou no Brazilian Journal of Irish Studies
uma publicaccedilatildeo da ABEI-associaccedilatildeo Brasileira de Estudos Irlandeses pode elucidar mais
exemplos acerca desta multiplicidade de usos e abusos do termo ldquoceltardquo e seus afins bem
como as diversas temporalidades que circundam a questatildeo
Para uma anaacutelise destes discursos pouco importa quem estaacute com a razatildeo (se eacute que
isso eacute possiacutevel diante de um caso tatildeo complexo e plural) se a eleiccedilatildeo seraacute pela teoria A ou
B se a escolha seraacute por abordar tempos tatildeo longiacutenquos quanto o XIV a EC falando em
ldquoprimeiros celtasrdquo ldquoproto-celtasrdquo ou mesmo ldquoantecessores dos celtasrdquo se tal definiccedilatildeo
seraacute feita com base em estudos empreendidos por arqueoacutelogos83 utilizando meios de
dataccedilatildeo e classificaccedilatildeo como a termoluminiscecircncia e o Carbono 14 por exemplo em
parceria com vaacuterias ciecircncias como a paleobotacircnica paleozoologia etc ou se privilegiar-
se-aacute investigaccedilotildees sobre tempos mais recentes tais como as referecircncias aos ldquoceltasrdquo que
aparecerem na obra de linguistas filoacutelogos antropoacutelogos socioacutelogos folcloristas etc
Tambeacutem eacute importante lembrar que para alguns como eacute o caso de MA Morse ldquothe Celts
are and always were a creation of human mindrdquo (MORSE 2005 185) A historiografia
estaacute repleta de embates desta natureza Para aleacutem de qualquer discussatildeo de ldquoniacuteveisrdquo ou
ldquograurdquo de celticidade de ateacute quando se pode ou natildeo falar sobre celtas ou mesmo levando
em consideraccedilatildeo autores que acreditam que nunca houve qualquer celta em lugar algum
importa o fato de que o termo mesmo que seja para figurar apoacutes a palavra ldquoprotordquo
ldquopseudordquo ldquoliteraacuteriordquo (e dezenas de outros) estaacute presente jaacute existe no campo discursivo
integra o leacutexico destas narrativas Ou seja importa o aparecimento usos (e abusos) e
controles da forma ldquoceltardquo nos discursos cientiacuteficos e acadecircmicos
83
Cf A obra ldquoOs Celtasrdquo de Venceslas Kruta por exemplo traduzida no Brasil pela Martins Fontes (1989)
213
Desta forma apesar das escolhas teoacuterico-metodoloacutegicas e das circunscriccedilotildees
cronoloacutegicas impostas agrave temaacutetica como fez-se saber paraacutegrafos acima Miranda Green
reconhece este problema que envolve a nomenclatura ldquoceltardquo e sistematizou uma das
definiccedilotildees mais precisas sobre este assunto no que diz respeito a esta dificuldade de
limitaccedilotildees e escolhas por periodizaccedilotildees e formas A professora de Arqueologia da Cardiff
University afirma que falar sobre celtas implica em estar pronto a discutir a relaccedilatildeo entre
cultura material etinicidade e linguagem E tambeacutem que apesar do fato de que a ldquoCeltic
culture per se is generally considered to come to an end around the end of the first century
BCrdquo e depois disso o termo ldquoRomano-Celticrdquo entatildeo seria mais apropriado denotando
trocas culturais eacute difiacutecil definir quem satildeo os celtas e o que eacute a celticidade Esta dificuldade
se daacute pelo fato de que ldquoldquoCeltsrdquo and ldquoCelticrdquo are terms which mean different things to
different peoplerdquo e mais ainda que ldquoThe only way to deal with this conflict of approaches
is to recognize that they are to an extent irreconcilablerdquo (GREEN 1996 06) Vamos ver
como o termo aparece nos documentos antigos
CELTAECELTAS
O conjunto de povos que podem ou natildeo ser considerados ldquoceltasrdquo parece natildeo ter dado
tanta importacircncia agrave escrita antes dava preferecircncia agrave oralidade enfatizando a memoacuteria
transmitida por atos de fala Aqueles que eram responsaacuteveis pela transmissatildeo dos saberes
tradicionais deviam estudar durante muito tempo Assim investigar os documentos
escritos sobre os ldquoceltasrdquo significa ver o que os outros como gregos e romanos narraram
acerca deles o que por si soacute jaacute pressupotildee um grande problema de caraacuteter identitaacuterio uma
vez que apesar das evidecircncias linguiacutesticas e arqueoloacutegicas a histoacuteria dos ldquoceltasrdquo eacute
geralmente escrita com base no relato elaborado por terceiros
214
Entre os gregos haacute referecircncias sobre estes povos por exemplo em Hecateu de
Mileto que menciona o mar ceacuteltico (ηὸ δὲ εἰρ ηὴν Κελτικὴν θάλαζζαν84
) localiza Nirax
como uma cidade ceacuteltica (Νύπαξ πόλιρ Κελτική85
) e diz que Massalia ficava na terra dos
liacutegures perto do paiacutes dos celtas (Μαζζαλία πόλιρ ηῆρ Λιγςζηικῆρ καηὰ ηὴν Κελτικήν86
)
Da mesma maneira sabe-se que em Heroacutedoto temos a evidecircncia mais antiga do etnocircnimo
Κελτοί Em suas Histoacuterias ele diz que o rio Danuacutebio comeccedilava no territoacuterio dos celtas e na
cidade de Pirene e no mesmo trecho fala sobre onde os celtas estariam ldquoagorardquo
localizados (Ἴζηπορ ηε γὰπ ποηαμὸρ ἀπξάμενορ ἐκ Κελτῶν καὶ Πςπήνηρ πόλιορ ῥέει μέζην
ζσίζων ηὴν Εὐπώπην (οἱ δὲ Κελτοί εἰζι ἔξω Ἡπακλέων Σηηλέων ὁμοςπέοςζι δὲ
Κςνηζίοιζι οἳ ἔζσαηοι ππὸρ δςζμέων οἰκέοςζι ηῶν ἐν ηῇ Εὐπώπῃ καηοικημένων87
) Uma
sistematizaccedilatildeo de todas as vezes que os gregos mencionam os Celtas acompanhada de
uma anaacutelise miacutenima ocuparia o espaccedilo de alguns livros A tiacutetulo de exemplo aleacutem dos
mencionados Hecateu de Mileto e Heroacutedoto podemos lembrar tambeacutem de Estrabatildeo
Diodoro Dioniacutesio Ptolomeu Xenofonte Platatildeo Aristoacuteteles Possidocircnio Plutarco
Pausacircnias entre outros Ateacute mesmo o Apoacutestolo Paulo escreveu uma carta aos Gaacutelatas um
termo grego tambeacutem relacionado com os ldquoCeltasrdquo Paremos por aqui as referecircncias
ocorrem em vaacuterios autores satildeo centenas de fragmentos
Entre os romanos tambeacutem satildeo inuacutemeras referecircncias Tito Liacutevio Justino Pliacutenio Ceacutesar e
Taacutecito satildeo alguns dos que escrevem sobre os ldquoceltasrdquo Juacutelio Ceacutesar por exemplo em sua
obra Comentarii de Bello Gallico diz que ldquoGallia est omnis divisa in partes tres quarum
unam incolunt Belgae aliam Aquitani tertiam qui ipsorum lingua Celtae nostra Galli
appellantur88 Ou seja ele divide a Gaacutelia em trecircs regiotildees tendo em vista etnicidade
84
Hecataeus Hist Fragmenta 18a 12-13
85 Hecataeus Hist Fragmenta 56 1
86 Hecataeus Hist Fragmenta 551
87 Herodotus Hist Historiae Livro II 33 10-14
88 Juacutelio Ceacutesar Comentarii de Bello Gallico I1
215
cultura e liacutengua Celtae Aquitani e Belgae Segundo lecirc-se na descriccedilatildeo de Ceacutesar em latim
os romanos chamavam os povos mencionados de ldquogaulesesrdquo mas no idioma do proacuteprio
povo eles utilizavam a nomenclatura ldquoceltardquo segundo nos diz o autor do De Bello Gallico
Para Tiacuteto Liacutevio os Celtas apareceram em contato com os romanos durante o periacutedo de
Tarquiacutenio (o antigo) ou seja 658-578 antes da Era Comum Provavelmente Liacutevio
equivocou-se uma vez que estes eventos parecem ter ocorrido em data posterior tavez
no seacuteculo V ou IV aEC Problemaacutetica esta que natildeo nos interessa no momento importa a
menccedilatildeo aos Celtas independente de quando estes fatos ocorreram Alguns autores
romanos como o proacuteprio Ceacutesar Ciacutecero dentre outros fornecem informaccedilotildees sobre os
druiacutedas uma espeacutecie de sacerdote tambeacutem relacionados agrave cultura ceacuteltica Ceacutesar nos
informa por exemplo que o tempo de estudo de um druiacuteda podia alcanccedilar os 20 anos
Sabe-se ainda que os Celtas tambeacutem estavam envolvidos em um ataque agrave cidade de Roma
no ano de 390 aEC fato que eacute mencionado por exemplo por Q Claudius Quadrigarius
Liacutevio mais uma vez refere-se a estes eventos como tendo ocorrido em outro ano 361
Interessa a menccedilatildeo aos Celtas independente da data ldquocorretardquo Lucano e Apiano tambeacutem
fazem referecircncias aos chamados ldquoCeltiberosrdquo ou seja Celtas da Peniacutensula Ibeacuterica que
migraram para este local a partir da Gaacutelia por causa de uma fome em sua terra de origem
Desta maneira percebe-se que houve um conjunto de povos que preocupou tanto
autores gregos como romanos que escreveram sobre estes ldquoinvasoresrdquo e ldquobaacuterbarosrdquo Fica
evidente que o termo ldquoceltardquo aparece para noacutes a partir deste corpus documental antigo e
que tem origem no grego Κελτοί (mesmo que se trate de uma traduccedilatildeo de alguma liacutengua
ceacuteltica para o idioma dos helenos) quando aparece em textos claacutessicos pela primeira vez
daiacute surgindo o vocaacutebulo Celta-ae em latim de onde se origina o nome que usamos em
portuguecircs para se referir a este conjunto de povos Celtas David Rankin em sua obra
Celts and the Classical World nos lembra que embora noacutes devamos fazer uso do termo
ldquoCeltardquo como um nome mais geral para se referir a este determinado conjunto de povos
outras palavras tambeacutem aparecem com frequecircncia Gauleses Galli Galatai Goideacutelicos
216
Britocircnicos Britanii Picti (Cruithni) Eacuterainn e outros nomes especiacuteficos que segundo o
autor ocorrem ldquode tempos em temposrdquo (Rankin 1996)
A imagem dos Celtas tal qual aparece nestes relatos pelo menos em alguns deles eacute
problemaacutetica pois os povos agrupados sob esta alcunha satildeo vistos sob o prisma do outro
como uma ameaccedila o diferente ou no miacutenimo como o exoacutetico Taacutecito Diatildeo Caacutessio e
Herodiano por exemplo nos datildeo referecircncias significativas no que diz respeito a esta
questatildeo principalmente na abordagem dos bretotildees do Norte frequentemente
mencionados como ldquobritannirdquo povos que depois do panegiacuterico de Constacircncio Cloro
passaratildeo a ser chamados de ldquopictosrdquo o que pode ser verificado na obra de Amiano
Marcelino e Claudiano89 Na obra de vaacuterios autores claacutessicos os ldquoceltasrdquo aparecem como
beberrotildees dados agrave guerra na qual lutavam nus baacuterbaros que natildeo temiam nem mesmo a
morte e faziam sacrifiacutecios humanos Apesar destes problemas que natildeo seratildeo explorados
aqui Barry CunlifFe explica que sem estas narrativas claacutessicas haveria muita coisa que
jamais saberiacuteamos pois a arqueologia sozinha natildeo seria capaz de elucidar Segundo o
autor ldquowe would not be able to appreciate the long period of conflict between the Celtic
communities of the Po Valley and the Roman World ldquowe would be entirely ignorant of
violent raids of the Celts deep into Greece in the third centuryrdquo Para ele ldquoThe classical
sources provide a story-line and colourrdquo ldquoThe greek and Roman authors have provided us
with their own vision of the Celts- a vision born of contemporary or near contemporary
experience that cannot be ignoredrdquo (CUNLIFFE 1997 01-02)
Eacute importante ressaltar que estaacute sendo explicitado aqui eacute a problemaacutetica em torno da
definiccedilatildeo do que eacute e o que natildeo eacute ldquoceacutelticordquo bem como de que maneira o termo passou a
ser usado na historiografia e chegou ateacute noacutes dando origem aos estudos ceacutelticos
presentes em todos os cantos do mundo e jaacute em algumas universidades brasileiras Ou
seja natildeo estaacute sendo defendida aqui a aboliccedilatildeo da forma ldquoceltardquo mas uma criticidade da
89
Agradeccedilo pelas contribuiccedilotildees de Juliet Schuster (UFRGS) orientanda de Anderson Zalewski Vargas Juliet eacute a uacutenica pesquisadora brasileira que estuda os Pictos me indicou bibliografia de referecircncia neste sentido
217
mesma afinal como Norberto Luiz Guarinello bem sugeriu ldquoas formas natildeo satildeo inocentes
e em alguns casos nem totalmente inofensivasrdquo (GUARINELLO 2003) Sobre este
aspecto eacute bastante interessante o que fez o tradutor da frase ldquoRoma natildeo foi construiacuteda
em um uacutenico diardquo para o idioma Esperanto Natildeo conseguindo produzir uma rima sonora
com o exemplo romano acabou invertendo o ditado dizendo ldquoEn unu Tago ne elkreskis
Kartagordquo Um raciociacutenio assim se aplicado agrave Histoacuteria certamente causaria certos
embaraccedilos produziria algumas mudanccedilas levando as atenccedilotildees para o Norte da Aacutefrica
substituindo Roma por Cartago Eacute preciso refletir sobre as formas natildeo somente usaacute-las
Desde que estas referecircncias foram feitas tanto por gregos quanto por romanos o
termo ldquoceltardquo foi pouco a pouco se transformando em mais uma consolidada forma
histoacuterica usada por inuacutemeros historiadores modernos para agrupar povos de eacutepocas
culturas e lugares diferentes Desta maneira sob a alcunha ldquoceltardquo e suas variantes
dezenas de etnias distintas satildeo reunidas com o argumento de que estes povos falavam um
idioma descendente do mesmo tronco apresentavam semelhanccedilas religiosas e tambeacutem
culturais Outro efeito do uso desta forma eacute falar de uma localidade ou etnia especiacutefica
substituindo seus nomes pelo termo geral tomando assim o todo pela parte
Na praacutetica o que literalmente se faz e eacute bastante comum ateacute mesmo entre os
especialistas sendo praticamente uma regra entre aqueles que natildeo satildeo familiarizados
com os estudos ceacutelticos eacute falar de Bretotildees Escotos Gaacutelatas Trinovantes Caledocircnios
Helveacutecios Braacutecaros Galaicos Pictos Eacuteduos Allobroges Ambiani Atrebates Arveni
Baiocasses Boii Bellovaci Bituriges Carnutes Cenomani Centrones Curiosolitae Nervii
Medulii Menapii Morini Parisii Redones Remi Satones Senones Sequani Suessiones
Treveri Turones Vellavi Veneti Viducasses Viromandui Turini Insubres Vertamocorii
Cenomani Lingones Cotini Eravisci Scordisci Latobici Albiones Astures Bletonesii
Bracari Cantabri Carpetani Celtiberos Celtici Coelerni Cynetes Equaesi Grovii
Interamici Leuni Limici Luanqui Lusitanii Lusones Narbasi Nemetati Oretani Paesuri
Tamagani Tapoli Turduli Turodi Vaccaei Vettones Zoeale Ancalites Attacotti
218
Brigantes Cantii Carvetii Cassi Catuvellauni Cornavii Damnonii Epidii Ordovices
Regnenses Silures Trinovantes Venicones e tantos outros povos a partir de uma uacutenica
forma ldquoceltasrdquo Desta maneira perde-se todas as especificidades e tantas identidades
distintas satildeo agrupadas em um uacutenico vocaacutebulo em favor de um gosto exagerado ou
mesmo uma necessidade pela unidade Categoria esta que natildeo se adequa ao mundo
ldquoceltardquo uma vez que estes natildeo formavam um grupo comum natildeo tinham um Estado
organizado e nem uma consciecircncia identitaacuteria uma ldquocelticidaderdquo Miranda Green
percebeu isso muito bem ela escreveu que ldquoRomans identified themselves as such Ciuis
Romanus sum We cannot tell whether a comparable Celtic consciousness ever existedrdquo
(GREEN 1996 03) Talvez o exemplo mais generalizante deste modus operandi seja
chamar os diversos povos mencionados por Juacutelio Ceacutesar no De Bello Gallico de ldquoceltasrdquo ou
de ldquogaulesesrdquo sendo que como vimos agora pouco o proacuteprio autor da obra a inicia
dizendo que toda a Gaacutelia estava dividida em trecircs partes somente uma delas
correspondendo aos Celtas e quando se adentra na leitura do texto cesarino percebe-se
que a pluralidade de povos e a multiplicidade de etnias eacute tatildeo vasta que natildeo cabe nem
mesmo dentro do vocaacutebulo ldquoceltardquo
Quando o tema do cristianismo irlandecircs por exemplo eacute mencionado nos livros de
histoacuteria geralmente ele aparece na categoria de Histoacuteria Medieval e frequentemente
relacionado com a forma ldquoceltardquo ou ceacutelticordquo Foi necessaacuterio que Kathleen Hughes
escrevesse seu artigo The Celtic church is this a valid concept (1981) para que os
historiadores comeccedilassem a parar de falar em uma ldquoIgreja Ceacutelticardquo90 Todavia ainda natildeo
90
Duas observaccedilotildees devem ser feitas Primeiro se por um lado o artigo de Hughes resolve um problema o cristianismo irlandecircs deve ser compreendido como vinculado ao cristianismo romano e natildeo como um fenocircmeno isolado por outro direciona os olhares dos pesquisadores aos viacutenculos entre o cristianismo irlandecircs e o continental abrindo o flanco para a cristalizaccedilatildeo de outras formas histoacutericas como se estas natildeo apresentassem problemas semelhantes a forma combatida Por fim a discussatildeo central de Hughes natildeo eacute a forma ldquoceacutelticardquo com relaccedilatildeo ao que vinha sendo descrito pelos historiadores como ldquoCeltic Churchrdquo mas a funcionalidade explicativa deste conceito pois segundo a autora (HUGHES 1981) o termo natildeo era suficiente para abarcar a realidade da sociedade irlandesa do periacuteodo em questatildeo Ao contraacuterio fazia-nos crer em uma Igreja ceacuteltica separada da romana uma ideacuteia equivocada
219
de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the
Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The
Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns
historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do
Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e
OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian
Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES
2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas
narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas
estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma
seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a
mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo
3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA
HISTOacuteRIA DOS CELTAS
Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que
a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das
Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem
chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com
Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia
Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo
impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal
divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas
91
Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977
220
poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia
de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo
que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que
compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a
histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo
motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB
Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um
fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos
Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar
acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os
dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo
vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV
aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria
isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E
claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram
aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar
preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas
mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma
das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo
arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt
La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir
A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se
extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da
ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute
relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O
autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas
este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de
221
urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria
linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute
difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta
possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada
civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA
1989 59)
A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos
encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na
Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica
ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar
alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma
vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo
usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo
relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando
o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos
como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo
que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da
Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por
exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-
c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob
a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo
especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo
(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o
periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados
deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal
localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt
222
como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os
Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)
A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados
arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos
(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este
nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um
Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos
como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma
forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo
de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt
(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma
que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with
their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic
art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de
localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as
obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida
(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos
materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou
exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as
aos celtas
Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes
migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de
fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de
Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem
que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que
frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees
destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate
223
sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha
desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta
data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos
documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na
Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua
obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado
The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)
Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos
campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na
maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a
conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir
se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade
memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser
religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)
da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais
caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se
necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando
responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre
estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees
e com tal divisatildeo encerramos este artigo
Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja
representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas
outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da
Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma
aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados
por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma
representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os
224
pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos
mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo
que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o
autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo
destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas
liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic
populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da
lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna
dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo
ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho
identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo
ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu
delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos
etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a
questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se
trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in
the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups
of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles
ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone
associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos
que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer
grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem
apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da
Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo
225
ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly
Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma
mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da
historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria
da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo
nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e
ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como
Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita
de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de
palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e
poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos
baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos
Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de
uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi
um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem
sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais
elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees
e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a
principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir
da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos
compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso
de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-
se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a
nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com
propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico
como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas
vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo
226
historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de
ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um
periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas
ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar
apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se
direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as
classificaccedilotildees satildeo outras
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988
CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio
de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012
CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997
DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000
DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the
West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992
DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-
Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994
DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas
Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011
DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade
Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006
FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9
Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987
FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade
Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15
GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996
227
GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia
hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003
HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp
2001
HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic
Studies Nordm 1 p 1-20 1981
HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press
1966
HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New
history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p
301-329
JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003
JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006
KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989
LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989
MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da
Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011
MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of
Archaeology Stroud
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic
World Londres Routledge 1996 p 636-653
RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New
York Thames and Hudson 1994
RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996
TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press
2000
228
TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO
Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro
UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925
WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History
John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298
211
temporal bem maior Mas como jaacute mencionamos eacute importante lembrar os estudos
ceacutelticos natildeo se restringem agrave Histoacuteria e Arqueologia
No que diz respeito agraves publicaccedilotildees sobre a temaacutetica ceacuteltica em portuguecircs
brasileiro tambeacutem eacute possiacutevel detectar as mesmas ocorrecircncias uma grande multiplicidade
de temporalidades histoacutericas de temas e uma pluralidade de disciplinas abordando a
questatildeo A tiacutetulo de exemplo termos como ldquoceltardquo ldquoceltismordquo aparecem proacuteximos de
vocaacutebulos como ldquopoacutes-modernidaderdquo em um artigo da mesma Ana Donnard jaacute
mencionada ldquoAs origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidaderdquo
(2006) Da mesma autora tambeacutem eacute possiacutevel ler que ldquoAs culturas ceacutelticas e suas
literaturas representam desde a Alta Idade Meacutedia ateacute os dias de hoje ()rdquo e ldquonos paiacuteses
de culturas ceacutelticas identidade eacute uma questatildeo cotidianardquo ou ainda que ldquoesse mundo
ceacuteltico tatildeo antigo atravessou eras se expandiu nas navegaccedilotildees e chega ateacute hoje nas
literaturas modernasrdquo (DONNARD 2011 179 183) Eacute importante ressaltar que natildeo
afirma-se aqui qualquer afinidade ou apoio agraves teorias da continuidade paleoliacutetica ou
outras compartilhadas pela autora apenas quer-se enfatizar os empregos do termo
ldquoceltardquo em diversos sentidos e contextos uma tarefa de sistematizaccedilatildeo de leacutexicos e
anaacutelise de discursos
Quando observamos as reflexotildees de Adriene Baron Tacla em seu capiacutetulo de livro
sobre a ldquoDamardquo de Vix escrito para integrar uma obra sobre mulheres na Antiguidade
organizada por Maria Regina Cacircndido (2012) as periodizaccedilotildees satildeo outras teorias
diferentes satildeo mencionadas bem como a documentaccedilatildeo e a historiografia elencada
tambeacutem satildeo distintas talvez devido ao fato de que a autora possui formaccedilatildeo
arqueoloacutegica Jaacute Elaine Pereira Farell por exemplo escreveu um artigo sobre a Irlanda
Medieval (2011) e natildeo mencionou uma uacutenica vez o termo ldquoceltardquo ou seus relativos
embora algumas referecircncias assim apareccedilam na bibliografia mencionada pela autora
fazendo surgir termos como ldquoCeltic Theologyrdquo ou ldquoWomen in a Celtic Churchrdquo o que no
entanto de forma alguma significa que a autora concorde com a ideacuteia de uma teologia ou
212
uma Igreja ldquoceacutelticardquo muito menos para o caso da histoacuteria irlandesa Uma breve consulta
aos artigos publicados na revista do Brathair- Grupo de Estudos Celtas e Germacircnicos
(httpppgrevistasuemabrindexphpbrathair) ou no Brazilian Journal of Irish Studies
uma publicaccedilatildeo da ABEI-associaccedilatildeo Brasileira de Estudos Irlandeses pode elucidar mais
exemplos acerca desta multiplicidade de usos e abusos do termo ldquoceltardquo e seus afins bem
como as diversas temporalidades que circundam a questatildeo
Para uma anaacutelise destes discursos pouco importa quem estaacute com a razatildeo (se eacute que
isso eacute possiacutevel diante de um caso tatildeo complexo e plural) se a eleiccedilatildeo seraacute pela teoria A ou
B se a escolha seraacute por abordar tempos tatildeo longiacutenquos quanto o XIV a EC falando em
ldquoprimeiros celtasrdquo ldquoproto-celtasrdquo ou mesmo ldquoantecessores dos celtasrdquo se tal definiccedilatildeo
seraacute feita com base em estudos empreendidos por arqueoacutelogos83 utilizando meios de
dataccedilatildeo e classificaccedilatildeo como a termoluminiscecircncia e o Carbono 14 por exemplo em
parceria com vaacuterias ciecircncias como a paleobotacircnica paleozoologia etc ou se privilegiar-
se-aacute investigaccedilotildees sobre tempos mais recentes tais como as referecircncias aos ldquoceltasrdquo que
aparecerem na obra de linguistas filoacutelogos antropoacutelogos socioacutelogos folcloristas etc
Tambeacutem eacute importante lembrar que para alguns como eacute o caso de MA Morse ldquothe Celts
are and always were a creation of human mindrdquo (MORSE 2005 185) A historiografia
estaacute repleta de embates desta natureza Para aleacutem de qualquer discussatildeo de ldquoniacuteveisrdquo ou
ldquograurdquo de celticidade de ateacute quando se pode ou natildeo falar sobre celtas ou mesmo levando
em consideraccedilatildeo autores que acreditam que nunca houve qualquer celta em lugar algum
importa o fato de que o termo mesmo que seja para figurar apoacutes a palavra ldquoprotordquo
ldquopseudordquo ldquoliteraacuteriordquo (e dezenas de outros) estaacute presente jaacute existe no campo discursivo
integra o leacutexico destas narrativas Ou seja importa o aparecimento usos (e abusos) e
controles da forma ldquoceltardquo nos discursos cientiacuteficos e acadecircmicos
83
Cf A obra ldquoOs Celtasrdquo de Venceslas Kruta por exemplo traduzida no Brasil pela Martins Fontes (1989)
213
Desta forma apesar das escolhas teoacuterico-metodoloacutegicas e das circunscriccedilotildees
cronoloacutegicas impostas agrave temaacutetica como fez-se saber paraacutegrafos acima Miranda Green
reconhece este problema que envolve a nomenclatura ldquoceltardquo e sistematizou uma das
definiccedilotildees mais precisas sobre este assunto no que diz respeito a esta dificuldade de
limitaccedilotildees e escolhas por periodizaccedilotildees e formas A professora de Arqueologia da Cardiff
University afirma que falar sobre celtas implica em estar pronto a discutir a relaccedilatildeo entre
cultura material etinicidade e linguagem E tambeacutem que apesar do fato de que a ldquoCeltic
culture per se is generally considered to come to an end around the end of the first century
BCrdquo e depois disso o termo ldquoRomano-Celticrdquo entatildeo seria mais apropriado denotando
trocas culturais eacute difiacutecil definir quem satildeo os celtas e o que eacute a celticidade Esta dificuldade
se daacute pelo fato de que ldquoldquoCeltsrdquo and ldquoCelticrdquo are terms which mean different things to
different peoplerdquo e mais ainda que ldquoThe only way to deal with this conflict of approaches
is to recognize that they are to an extent irreconcilablerdquo (GREEN 1996 06) Vamos ver
como o termo aparece nos documentos antigos
CELTAECELTAS
O conjunto de povos que podem ou natildeo ser considerados ldquoceltasrdquo parece natildeo ter dado
tanta importacircncia agrave escrita antes dava preferecircncia agrave oralidade enfatizando a memoacuteria
transmitida por atos de fala Aqueles que eram responsaacuteveis pela transmissatildeo dos saberes
tradicionais deviam estudar durante muito tempo Assim investigar os documentos
escritos sobre os ldquoceltasrdquo significa ver o que os outros como gregos e romanos narraram
acerca deles o que por si soacute jaacute pressupotildee um grande problema de caraacuteter identitaacuterio uma
vez que apesar das evidecircncias linguiacutesticas e arqueoloacutegicas a histoacuteria dos ldquoceltasrdquo eacute
geralmente escrita com base no relato elaborado por terceiros
214
Entre os gregos haacute referecircncias sobre estes povos por exemplo em Hecateu de
Mileto que menciona o mar ceacuteltico (ηὸ δὲ εἰρ ηὴν Κελτικὴν θάλαζζαν84
) localiza Nirax
como uma cidade ceacuteltica (Νύπαξ πόλιρ Κελτική85
) e diz que Massalia ficava na terra dos
liacutegures perto do paiacutes dos celtas (Μαζζαλία πόλιρ ηῆρ Λιγςζηικῆρ καηὰ ηὴν Κελτικήν86
)
Da mesma maneira sabe-se que em Heroacutedoto temos a evidecircncia mais antiga do etnocircnimo
Κελτοί Em suas Histoacuterias ele diz que o rio Danuacutebio comeccedilava no territoacuterio dos celtas e na
cidade de Pirene e no mesmo trecho fala sobre onde os celtas estariam ldquoagorardquo
localizados (Ἴζηπορ ηε γὰπ ποηαμὸρ ἀπξάμενορ ἐκ Κελτῶν καὶ Πςπήνηρ πόλιορ ῥέει μέζην
ζσίζων ηὴν Εὐπώπην (οἱ δὲ Κελτοί εἰζι ἔξω Ἡπακλέων Σηηλέων ὁμοςπέοςζι δὲ
Κςνηζίοιζι οἳ ἔζσαηοι ππὸρ δςζμέων οἰκέοςζι ηῶν ἐν ηῇ Εὐπώπῃ καηοικημένων87
) Uma
sistematizaccedilatildeo de todas as vezes que os gregos mencionam os Celtas acompanhada de
uma anaacutelise miacutenima ocuparia o espaccedilo de alguns livros A tiacutetulo de exemplo aleacutem dos
mencionados Hecateu de Mileto e Heroacutedoto podemos lembrar tambeacutem de Estrabatildeo
Diodoro Dioniacutesio Ptolomeu Xenofonte Platatildeo Aristoacuteteles Possidocircnio Plutarco
Pausacircnias entre outros Ateacute mesmo o Apoacutestolo Paulo escreveu uma carta aos Gaacutelatas um
termo grego tambeacutem relacionado com os ldquoCeltasrdquo Paremos por aqui as referecircncias
ocorrem em vaacuterios autores satildeo centenas de fragmentos
Entre os romanos tambeacutem satildeo inuacutemeras referecircncias Tito Liacutevio Justino Pliacutenio Ceacutesar e
Taacutecito satildeo alguns dos que escrevem sobre os ldquoceltasrdquo Juacutelio Ceacutesar por exemplo em sua
obra Comentarii de Bello Gallico diz que ldquoGallia est omnis divisa in partes tres quarum
unam incolunt Belgae aliam Aquitani tertiam qui ipsorum lingua Celtae nostra Galli
appellantur88 Ou seja ele divide a Gaacutelia em trecircs regiotildees tendo em vista etnicidade
84
Hecataeus Hist Fragmenta 18a 12-13
85 Hecataeus Hist Fragmenta 56 1
86 Hecataeus Hist Fragmenta 551
87 Herodotus Hist Historiae Livro II 33 10-14
88 Juacutelio Ceacutesar Comentarii de Bello Gallico I1
215
cultura e liacutengua Celtae Aquitani e Belgae Segundo lecirc-se na descriccedilatildeo de Ceacutesar em latim
os romanos chamavam os povos mencionados de ldquogaulesesrdquo mas no idioma do proacuteprio
povo eles utilizavam a nomenclatura ldquoceltardquo segundo nos diz o autor do De Bello Gallico
Para Tiacuteto Liacutevio os Celtas apareceram em contato com os romanos durante o periacutedo de
Tarquiacutenio (o antigo) ou seja 658-578 antes da Era Comum Provavelmente Liacutevio
equivocou-se uma vez que estes eventos parecem ter ocorrido em data posterior tavez
no seacuteculo V ou IV aEC Problemaacutetica esta que natildeo nos interessa no momento importa a
menccedilatildeo aos Celtas independente de quando estes fatos ocorreram Alguns autores
romanos como o proacuteprio Ceacutesar Ciacutecero dentre outros fornecem informaccedilotildees sobre os
druiacutedas uma espeacutecie de sacerdote tambeacutem relacionados agrave cultura ceacuteltica Ceacutesar nos
informa por exemplo que o tempo de estudo de um druiacuteda podia alcanccedilar os 20 anos
Sabe-se ainda que os Celtas tambeacutem estavam envolvidos em um ataque agrave cidade de Roma
no ano de 390 aEC fato que eacute mencionado por exemplo por Q Claudius Quadrigarius
Liacutevio mais uma vez refere-se a estes eventos como tendo ocorrido em outro ano 361
Interessa a menccedilatildeo aos Celtas independente da data ldquocorretardquo Lucano e Apiano tambeacutem
fazem referecircncias aos chamados ldquoCeltiberosrdquo ou seja Celtas da Peniacutensula Ibeacuterica que
migraram para este local a partir da Gaacutelia por causa de uma fome em sua terra de origem
Desta maneira percebe-se que houve um conjunto de povos que preocupou tanto
autores gregos como romanos que escreveram sobre estes ldquoinvasoresrdquo e ldquobaacuterbarosrdquo Fica
evidente que o termo ldquoceltardquo aparece para noacutes a partir deste corpus documental antigo e
que tem origem no grego Κελτοί (mesmo que se trate de uma traduccedilatildeo de alguma liacutengua
ceacuteltica para o idioma dos helenos) quando aparece em textos claacutessicos pela primeira vez
daiacute surgindo o vocaacutebulo Celta-ae em latim de onde se origina o nome que usamos em
portuguecircs para se referir a este conjunto de povos Celtas David Rankin em sua obra
Celts and the Classical World nos lembra que embora noacutes devamos fazer uso do termo
ldquoCeltardquo como um nome mais geral para se referir a este determinado conjunto de povos
outras palavras tambeacutem aparecem com frequecircncia Gauleses Galli Galatai Goideacutelicos
216
Britocircnicos Britanii Picti (Cruithni) Eacuterainn e outros nomes especiacuteficos que segundo o
autor ocorrem ldquode tempos em temposrdquo (Rankin 1996)
A imagem dos Celtas tal qual aparece nestes relatos pelo menos em alguns deles eacute
problemaacutetica pois os povos agrupados sob esta alcunha satildeo vistos sob o prisma do outro
como uma ameaccedila o diferente ou no miacutenimo como o exoacutetico Taacutecito Diatildeo Caacutessio e
Herodiano por exemplo nos datildeo referecircncias significativas no que diz respeito a esta
questatildeo principalmente na abordagem dos bretotildees do Norte frequentemente
mencionados como ldquobritannirdquo povos que depois do panegiacuterico de Constacircncio Cloro
passaratildeo a ser chamados de ldquopictosrdquo o que pode ser verificado na obra de Amiano
Marcelino e Claudiano89 Na obra de vaacuterios autores claacutessicos os ldquoceltasrdquo aparecem como
beberrotildees dados agrave guerra na qual lutavam nus baacuterbaros que natildeo temiam nem mesmo a
morte e faziam sacrifiacutecios humanos Apesar destes problemas que natildeo seratildeo explorados
aqui Barry CunlifFe explica que sem estas narrativas claacutessicas haveria muita coisa que
jamais saberiacuteamos pois a arqueologia sozinha natildeo seria capaz de elucidar Segundo o
autor ldquowe would not be able to appreciate the long period of conflict between the Celtic
communities of the Po Valley and the Roman World ldquowe would be entirely ignorant of
violent raids of the Celts deep into Greece in the third centuryrdquo Para ele ldquoThe classical
sources provide a story-line and colourrdquo ldquoThe greek and Roman authors have provided us
with their own vision of the Celts- a vision born of contemporary or near contemporary
experience that cannot be ignoredrdquo (CUNLIFFE 1997 01-02)
Eacute importante ressaltar que estaacute sendo explicitado aqui eacute a problemaacutetica em torno da
definiccedilatildeo do que eacute e o que natildeo eacute ldquoceacutelticordquo bem como de que maneira o termo passou a
ser usado na historiografia e chegou ateacute noacutes dando origem aos estudos ceacutelticos
presentes em todos os cantos do mundo e jaacute em algumas universidades brasileiras Ou
seja natildeo estaacute sendo defendida aqui a aboliccedilatildeo da forma ldquoceltardquo mas uma criticidade da
89
Agradeccedilo pelas contribuiccedilotildees de Juliet Schuster (UFRGS) orientanda de Anderson Zalewski Vargas Juliet eacute a uacutenica pesquisadora brasileira que estuda os Pictos me indicou bibliografia de referecircncia neste sentido
217
mesma afinal como Norberto Luiz Guarinello bem sugeriu ldquoas formas natildeo satildeo inocentes
e em alguns casos nem totalmente inofensivasrdquo (GUARINELLO 2003) Sobre este
aspecto eacute bastante interessante o que fez o tradutor da frase ldquoRoma natildeo foi construiacuteda
em um uacutenico diardquo para o idioma Esperanto Natildeo conseguindo produzir uma rima sonora
com o exemplo romano acabou invertendo o ditado dizendo ldquoEn unu Tago ne elkreskis
Kartagordquo Um raciociacutenio assim se aplicado agrave Histoacuteria certamente causaria certos
embaraccedilos produziria algumas mudanccedilas levando as atenccedilotildees para o Norte da Aacutefrica
substituindo Roma por Cartago Eacute preciso refletir sobre as formas natildeo somente usaacute-las
Desde que estas referecircncias foram feitas tanto por gregos quanto por romanos o
termo ldquoceltardquo foi pouco a pouco se transformando em mais uma consolidada forma
histoacuterica usada por inuacutemeros historiadores modernos para agrupar povos de eacutepocas
culturas e lugares diferentes Desta maneira sob a alcunha ldquoceltardquo e suas variantes
dezenas de etnias distintas satildeo reunidas com o argumento de que estes povos falavam um
idioma descendente do mesmo tronco apresentavam semelhanccedilas religiosas e tambeacutem
culturais Outro efeito do uso desta forma eacute falar de uma localidade ou etnia especiacutefica
substituindo seus nomes pelo termo geral tomando assim o todo pela parte
Na praacutetica o que literalmente se faz e eacute bastante comum ateacute mesmo entre os
especialistas sendo praticamente uma regra entre aqueles que natildeo satildeo familiarizados
com os estudos ceacutelticos eacute falar de Bretotildees Escotos Gaacutelatas Trinovantes Caledocircnios
Helveacutecios Braacutecaros Galaicos Pictos Eacuteduos Allobroges Ambiani Atrebates Arveni
Baiocasses Boii Bellovaci Bituriges Carnutes Cenomani Centrones Curiosolitae Nervii
Medulii Menapii Morini Parisii Redones Remi Satones Senones Sequani Suessiones
Treveri Turones Vellavi Veneti Viducasses Viromandui Turini Insubres Vertamocorii
Cenomani Lingones Cotini Eravisci Scordisci Latobici Albiones Astures Bletonesii
Bracari Cantabri Carpetani Celtiberos Celtici Coelerni Cynetes Equaesi Grovii
Interamici Leuni Limici Luanqui Lusitanii Lusones Narbasi Nemetati Oretani Paesuri
Tamagani Tapoli Turduli Turodi Vaccaei Vettones Zoeale Ancalites Attacotti
218
Brigantes Cantii Carvetii Cassi Catuvellauni Cornavii Damnonii Epidii Ordovices
Regnenses Silures Trinovantes Venicones e tantos outros povos a partir de uma uacutenica
forma ldquoceltasrdquo Desta maneira perde-se todas as especificidades e tantas identidades
distintas satildeo agrupadas em um uacutenico vocaacutebulo em favor de um gosto exagerado ou
mesmo uma necessidade pela unidade Categoria esta que natildeo se adequa ao mundo
ldquoceltardquo uma vez que estes natildeo formavam um grupo comum natildeo tinham um Estado
organizado e nem uma consciecircncia identitaacuteria uma ldquocelticidaderdquo Miranda Green
percebeu isso muito bem ela escreveu que ldquoRomans identified themselves as such Ciuis
Romanus sum We cannot tell whether a comparable Celtic consciousness ever existedrdquo
(GREEN 1996 03) Talvez o exemplo mais generalizante deste modus operandi seja
chamar os diversos povos mencionados por Juacutelio Ceacutesar no De Bello Gallico de ldquoceltasrdquo ou
de ldquogaulesesrdquo sendo que como vimos agora pouco o proacuteprio autor da obra a inicia
dizendo que toda a Gaacutelia estava dividida em trecircs partes somente uma delas
correspondendo aos Celtas e quando se adentra na leitura do texto cesarino percebe-se
que a pluralidade de povos e a multiplicidade de etnias eacute tatildeo vasta que natildeo cabe nem
mesmo dentro do vocaacutebulo ldquoceltardquo
Quando o tema do cristianismo irlandecircs por exemplo eacute mencionado nos livros de
histoacuteria geralmente ele aparece na categoria de Histoacuteria Medieval e frequentemente
relacionado com a forma ldquoceltardquo ou ceacutelticordquo Foi necessaacuterio que Kathleen Hughes
escrevesse seu artigo The Celtic church is this a valid concept (1981) para que os
historiadores comeccedilassem a parar de falar em uma ldquoIgreja Ceacutelticardquo90 Todavia ainda natildeo
90
Duas observaccedilotildees devem ser feitas Primeiro se por um lado o artigo de Hughes resolve um problema o cristianismo irlandecircs deve ser compreendido como vinculado ao cristianismo romano e natildeo como um fenocircmeno isolado por outro direciona os olhares dos pesquisadores aos viacutenculos entre o cristianismo irlandecircs e o continental abrindo o flanco para a cristalizaccedilatildeo de outras formas histoacutericas como se estas natildeo apresentassem problemas semelhantes a forma combatida Por fim a discussatildeo central de Hughes natildeo eacute a forma ldquoceacutelticardquo com relaccedilatildeo ao que vinha sendo descrito pelos historiadores como ldquoCeltic Churchrdquo mas a funcionalidade explicativa deste conceito pois segundo a autora (HUGHES 1981) o termo natildeo era suficiente para abarcar a realidade da sociedade irlandesa do periacuteodo em questatildeo Ao contraacuterio fazia-nos crer em uma Igreja ceacuteltica separada da romana uma ideacuteia equivocada
219
de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the
Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The
Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns
historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do
Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e
OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian
Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES
2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas
narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas
estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma
seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a
mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo
3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA
HISTOacuteRIA DOS CELTAS
Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que
a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das
Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem
chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com
Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia
Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo
impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal
divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas
91
Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977
220
poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia
de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo
que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que
compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a
histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo
motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB
Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um
fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos
Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar
acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os
dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo
vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV
aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria
isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E
claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram
aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar
preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas
mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma
das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo
arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt
La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir
A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se
extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da
ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute
relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O
autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas
este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de
221
urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria
linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute
difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta
possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada
civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA
1989 59)
A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos
encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na
Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica
ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar
alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma
vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo
usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo
relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando
o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos
como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo
que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da
Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por
exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-
c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob
a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo
especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo
(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o
periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados
deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal
localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt
222
como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os
Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)
A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados
arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos
(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este
nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um
Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos
como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma
forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo
de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt
(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma
que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with
their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic
art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de
localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as
obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida
(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos
materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou
exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as
aos celtas
Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes
migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de
fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de
Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem
que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que
frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees
destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate
223
sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha
desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta
data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos
documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na
Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua
obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado
The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)
Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos
campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na
maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a
conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir
se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade
memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser
religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)
da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais
caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se
necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando
responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre
estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees
e com tal divisatildeo encerramos este artigo
Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja
representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas
outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da
Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma
aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados
por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma
representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os
224
pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos
mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo
que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o
autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo
destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas
liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic
populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da
lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna
dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo
ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho
identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo
ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu
delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos
etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a
questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se
trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in
the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups
of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles
ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone
associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos
que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer
grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem
apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da
Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo
225
ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly
Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma
mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da
historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria
da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo
nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e
ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como
Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita
de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de
palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e
poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos
baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos
Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de
uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi
um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem
sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais
elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees
e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a
principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir
da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos
compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso
de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-
se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a
nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com
propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico
como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas
vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo
226
historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de
ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um
periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas
ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar
apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se
direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as
classificaccedilotildees satildeo outras
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988
CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio
de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012
CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997
DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000
DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the
West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992
DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-
Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994
DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas
Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011
DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade
Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006
FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9
Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987
FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade
Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15
GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996
227
GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia
hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003
HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp
2001
HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic
Studies Nordm 1 p 1-20 1981
HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press
1966
HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New
history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p
301-329
JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003
JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006
KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989
LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989
MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da
Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011
MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of
Archaeology Stroud
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic
World Londres Routledge 1996 p 636-653
RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New
York Thames and Hudson 1994
RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996
TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press
2000
228
TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO
Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro
UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925
WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History
John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298
212
uma Igreja ldquoceacutelticardquo muito menos para o caso da histoacuteria irlandesa Uma breve consulta
aos artigos publicados na revista do Brathair- Grupo de Estudos Celtas e Germacircnicos
(httpppgrevistasuemabrindexphpbrathair) ou no Brazilian Journal of Irish Studies
uma publicaccedilatildeo da ABEI-associaccedilatildeo Brasileira de Estudos Irlandeses pode elucidar mais
exemplos acerca desta multiplicidade de usos e abusos do termo ldquoceltardquo e seus afins bem
como as diversas temporalidades que circundam a questatildeo
Para uma anaacutelise destes discursos pouco importa quem estaacute com a razatildeo (se eacute que
isso eacute possiacutevel diante de um caso tatildeo complexo e plural) se a eleiccedilatildeo seraacute pela teoria A ou
B se a escolha seraacute por abordar tempos tatildeo longiacutenquos quanto o XIV a EC falando em
ldquoprimeiros celtasrdquo ldquoproto-celtasrdquo ou mesmo ldquoantecessores dos celtasrdquo se tal definiccedilatildeo
seraacute feita com base em estudos empreendidos por arqueoacutelogos83 utilizando meios de
dataccedilatildeo e classificaccedilatildeo como a termoluminiscecircncia e o Carbono 14 por exemplo em
parceria com vaacuterias ciecircncias como a paleobotacircnica paleozoologia etc ou se privilegiar-
se-aacute investigaccedilotildees sobre tempos mais recentes tais como as referecircncias aos ldquoceltasrdquo que
aparecerem na obra de linguistas filoacutelogos antropoacutelogos socioacutelogos folcloristas etc
Tambeacutem eacute importante lembrar que para alguns como eacute o caso de MA Morse ldquothe Celts
are and always were a creation of human mindrdquo (MORSE 2005 185) A historiografia
estaacute repleta de embates desta natureza Para aleacutem de qualquer discussatildeo de ldquoniacuteveisrdquo ou
ldquograurdquo de celticidade de ateacute quando se pode ou natildeo falar sobre celtas ou mesmo levando
em consideraccedilatildeo autores que acreditam que nunca houve qualquer celta em lugar algum
importa o fato de que o termo mesmo que seja para figurar apoacutes a palavra ldquoprotordquo
ldquopseudordquo ldquoliteraacuteriordquo (e dezenas de outros) estaacute presente jaacute existe no campo discursivo
integra o leacutexico destas narrativas Ou seja importa o aparecimento usos (e abusos) e
controles da forma ldquoceltardquo nos discursos cientiacuteficos e acadecircmicos
83
Cf A obra ldquoOs Celtasrdquo de Venceslas Kruta por exemplo traduzida no Brasil pela Martins Fontes (1989)
213
Desta forma apesar das escolhas teoacuterico-metodoloacutegicas e das circunscriccedilotildees
cronoloacutegicas impostas agrave temaacutetica como fez-se saber paraacutegrafos acima Miranda Green
reconhece este problema que envolve a nomenclatura ldquoceltardquo e sistematizou uma das
definiccedilotildees mais precisas sobre este assunto no que diz respeito a esta dificuldade de
limitaccedilotildees e escolhas por periodizaccedilotildees e formas A professora de Arqueologia da Cardiff
University afirma que falar sobre celtas implica em estar pronto a discutir a relaccedilatildeo entre
cultura material etinicidade e linguagem E tambeacutem que apesar do fato de que a ldquoCeltic
culture per se is generally considered to come to an end around the end of the first century
BCrdquo e depois disso o termo ldquoRomano-Celticrdquo entatildeo seria mais apropriado denotando
trocas culturais eacute difiacutecil definir quem satildeo os celtas e o que eacute a celticidade Esta dificuldade
se daacute pelo fato de que ldquoldquoCeltsrdquo and ldquoCelticrdquo are terms which mean different things to
different peoplerdquo e mais ainda que ldquoThe only way to deal with this conflict of approaches
is to recognize that they are to an extent irreconcilablerdquo (GREEN 1996 06) Vamos ver
como o termo aparece nos documentos antigos
CELTAECELTAS
O conjunto de povos que podem ou natildeo ser considerados ldquoceltasrdquo parece natildeo ter dado
tanta importacircncia agrave escrita antes dava preferecircncia agrave oralidade enfatizando a memoacuteria
transmitida por atos de fala Aqueles que eram responsaacuteveis pela transmissatildeo dos saberes
tradicionais deviam estudar durante muito tempo Assim investigar os documentos
escritos sobre os ldquoceltasrdquo significa ver o que os outros como gregos e romanos narraram
acerca deles o que por si soacute jaacute pressupotildee um grande problema de caraacuteter identitaacuterio uma
vez que apesar das evidecircncias linguiacutesticas e arqueoloacutegicas a histoacuteria dos ldquoceltasrdquo eacute
geralmente escrita com base no relato elaborado por terceiros
214
Entre os gregos haacute referecircncias sobre estes povos por exemplo em Hecateu de
Mileto que menciona o mar ceacuteltico (ηὸ δὲ εἰρ ηὴν Κελτικὴν θάλαζζαν84
) localiza Nirax
como uma cidade ceacuteltica (Νύπαξ πόλιρ Κελτική85
) e diz que Massalia ficava na terra dos
liacutegures perto do paiacutes dos celtas (Μαζζαλία πόλιρ ηῆρ Λιγςζηικῆρ καηὰ ηὴν Κελτικήν86
)
Da mesma maneira sabe-se que em Heroacutedoto temos a evidecircncia mais antiga do etnocircnimo
Κελτοί Em suas Histoacuterias ele diz que o rio Danuacutebio comeccedilava no territoacuterio dos celtas e na
cidade de Pirene e no mesmo trecho fala sobre onde os celtas estariam ldquoagorardquo
localizados (Ἴζηπορ ηε γὰπ ποηαμὸρ ἀπξάμενορ ἐκ Κελτῶν καὶ Πςπήνηρ πόλιορ ῥέει μέζην
ζσίζων ηὴν Εὐπώπην (οἱ δὲ Κελτοί εἰζι ἔξω Ἡπακλέων Σηηλέων ὁμοςπέοςζι δὲ
Κςνηζίοιζι οἳ ἔζσαηοι ππὸρ δςζμέων οἰκέοςζι ηῶν ἐν ηῇ Εὐπώπῃ καηοικημένων87
) Uma
sistematizaccedilatildeo de todas as vezes que os gregos mencionam os Celtas acompanhada de
uma anaacutelise miacutenima ocuparia o espaccedilo de alguns livros A tiacutetulo de exemplo aleacutem dos
mencionados Hecateu de Mileto e Heroacutedoto podemos lembrar tambeacutem de Estrabatildeo
Diodoro Dioniacutesio Ptolomeu Xenofonte Platatildeo Aristoacuteteles Possidocircnio Plutarco
Pausacircnias entre outros Ateacute mesmo o Apoacutestolo Paulo escreveu uma carta aos Gaacutelatas um
termo grego tambeacutem relacionado com os ldquoCeltasrdquo Paremos por aqui as referecircncias
ocorrem em vaacuterios autores satildeo centenas de fragmentos
Entre os romanos tambeacutem satildeo inuacutemeras referecircncias Tito Liacutevio Justino Pliacutenio Ceacutesar e
Taacutecito satildeo alguns dos que escrevem sobre os ldquoceltasrdquo Juacutelio Ceacutesar por exemplo em sua
obra Comentarii de Bello Gallico diz que ldquoGallia est omnis divisa in partes tres quarum
unam incolunt Belgae aliam Aquitani tertiam qui ipsorum lingua Celtae nostra Galli
appellantur88 Ou seja ele divide a Gaacutelia em trecircs regiotildees tendo em vista etnicidade
84
Hecataeus Hist Fragmenta 18a 12-13
85 Hecataeus Hist Fragmenta 56 1
86 Hecataeus Hist Fragmenta 551
87 Herodotus Hist Historiae Livro II 33 10-14
88 Juacutelio Ceacutesar Comentarii de Bello Gallico I1
215
cultura e liacutengua Celtae Aquitani e Belgae Segundo lecirc-se na descriccedilatildeo de Ceacutesar em latim
os romanos chamavam os povos mencionados de ldquogaulesesrdquo mas no idioma do proacuteprio
povo eles utilizavam a nomenclatura ldquoceltardquo segundo nos diz o autor do De Bello Gallico
Para Tiacuteto Liacutevio os Celtas apareceram em contato com os romanos durante o periacutedo de
Tarquiacutenio (o antigo) ou seja 658-578 antes da Era Comum Provavelmente Liacutevio
equivocou-se uma vez que estes eventos parecem ter ocorrido em data posterior tavez
no seacuteculo V ou IV aEC Problemaacutetica esta que natildeo nos interessa no momento importa a
menccedilatildeo aos Celtas independente de quando estes fatos ocorreram Alguns autores
romanos como o proacuteprio Ceacutesar Ciacutecero dentre outros fornecem informaccedilotildees sobre os
druiacutedas uma espeacutecie de sacerdote tambeacutem relacionados agrave cultura ceacuteltica Ceacutesar nos
informa por exemplo que o tempo de estudo de um druiacuteda podia alcanccedilar os 20 anos
Sabe-se ainda que os Celtas tambeacutem estavam envolvidos em um ataque agrave cidade de Roma
no ano de 390 aEC fato que eacute mencionado por exemplo por Q Claudius Quadrigarius
Liacutevio mais uma vez refere-se a estes eventos como tendo ocorrido em outro ano 361
Interessa a menccedilatildeo aos Celtas independente da data ldquocorretardquo Lucano e Apiano tambeacutem
fazem referecircncias aos chamados ldquoCeltiberosrdquo ou seja Celtas da Peniacutensula Ibeacuterica que
migraram para este local a partir da Gaacutelia por causa de uma fome em sua terra de origem
Desta maneira percebe-se que houve um conjunto de povos que preocupou tanto
autores gregos como romanos que escreveram sobre estes ldquoinvasoresrdquo e ldquobaacuterbarosrdquo Fica
evidente que o termo ldquoceltardquo aparece para noacutes a partir deste corpus documental antigo e
que tem origem no grego Κελτοί (mesmo que se trate de uma traduccedilatildeo de alguma liacutengua
ceacuteltica para o idioma dos helenos) quando aparece em textos claacutessicos pela primeira vez
daiacute surgindo o vocaacutebulo Celta-ae em latim de onde se origina o nome que usamos em
portuguecircs para se referir a este conjunto de povos Celtas David Rankin em sua obra
Celts and the Classical World nos lembra que embora noacutes devamos fazer uso do termo
ldquoCeltardquo como um nome mais geral para se referir a este determinado conjunto de povos
outras palavras tambeacutem aparecem com frequecircncia Gauleses Galli Galatai Goideacutelicos
216
Britocircnicos Britanii Picti (Cruithni) Eacuterainn e outros nomes especiacuteficos que segundo o
autor ocorrem ldquode tempos em temposrdquo (Rankin 1996)
A imagem dos Celtas tal qual aparece nestes relatos pelo menos em alguns deles eacute
problemaacutetica pois os povos agrupados sob esta alcunha satildeo vistos sob o prisma do outro
como uma ameaccedila o diferente ou no miacutenimo como o exoacutetico Taacutecito Diatildeo Caacutessio e
Herodiano por exemplo nos datildeo referecircncias significativas no que diz respeito a esta
questatildeo principalmente na abordagem dos bretotildees do Norte frequentemente
mencionados como ldquobritannirdquo povos que depois do panegiacuterico de Constacircncio Cloro
passaratildeo a ser chamados de ldquopictosrdquo o que pode ser verificado na obra de Amiano
Marcelino e Claudiano89 Na obra de vaacuterios autores claacutessicos os ldquoceltasrdquo aparecem como
beberrotildees dados agrave guerra na qual lutavam nus baacuterbaros que natildeo temiam nem mesmo a
morte e faziam sacrifiacutecios humanos Apesar destes problemas que natildeo seratildeo explorados
aqui Barry CunlifFe explica que sem estas narrativas claacutessicas haveria muita coisa que
jamais saberiacuteamos pois a arqueologia sozinha natildeo seria capaz de elucidar Segundo o
autor ldquowe would not be able to appreciate the long period of conflict between the Celtic
communities of the Po Valley and the Roman World ldquowe would be entirely ignorant of
violent raids of the Celts deep into Greece in the third centuryrdquo Para ele ldquoThe classical
sources provide a story-line and colourrdquo ldquoThe greek and Roman authors have provided us
with their own vision of the Celts- a vision born of contemporary or near contemporary
experience that cannot be ignoredrdquo (CUNLIFFE 1997 01-02)
Eacute importante ressaltar que estaacute sendo explicitado aqui eacute a problemaacutetica em torno da
definiccedilatildeo do que eacute e o que natildeo eacute ldquoceacutelticordquo bem como de que maneira o termo passou a
ser usado na historiografia e chegou ateacute noacutes dando origem aos estudos ceacutelticos
presentes em todos os cantos do mundo e jaacute em algumas universidades brasileiras Ou
seja natildeo estaacute sendo defendida aqui a aboliccedilatildeo da forma ldquoceltardquo mas uma criticidade da
89
Agradeccedilo pelas contribuiccedilotildees de Juliet Schuster (UFRGS) orientanda de Anderson Zalewski Vargas Juliet eacute a uacutenica pesquisadora brasileira que estuda os Pictos me indicou bibliografia de referecircncia neste sentido
217
mesma afinal como Norberto Luiz Guarinello bem sugeriu ldquoas formas natildeo satildeo inocentes
e em alguns casos nem totalmente inofensivasrdquo (GUARINELLO 2003) Sobre este
aspecto eacute bastante interessante o que fez o tradutor da frase ldquoRoma natildeo foi construiacuteda
em um uacutenico diardquo para o idioma Esperanto Natildeo conseguindo produzir uma rima sonora
com o exemplo romano acabou invertendo o ditado dizendo ldquoEn unu Tago ne elkreskis
Kartagordquo Um raciociacutenio assim se aplicado agrave Histoacuteria certamente causaria certos
embaraccedilos produziria algumas mudanccedilas levando as atenccedilotildees para o Norte da Aacutefrica
substituindo Roma por Cartago Eacute preciso refletir sobre as formas natildeo somente usaacute-las
Desde que estas referecircncias foram feitas tanto por gregos quanto por romanos o
termo ldquoceltardquo foi pouco a pouco se transformando em mais uma consolidada forma
histoacuterica usada por inuacutemeros historiadores modernos para agrupar povos de eacutepocas
culturas e lugares diferentes Desta maneira sob a alcunha ldquoceltardquo e suas variantes
dezenas de etnias distintas satildeo reunidas com o argumento de que estes povos falavam um
idioma descendente do mesmo tronco apresentavam semelhanccedilas religiosas e tambeacutem
culturais Outro efeito do uso desta forma eacute falar de uma localidade ou etnia especiacutefica
substituindo seus nomes pelo termo geral tomando assim o todo pela parte
Na praacutetica o que literalmente se faz e eacute bastante comum ateacute mesmo entre os
especialistas sendo praticamente uma regra entre aqueles que natildeo satildeo familiarizados
com os estudos ceacutelticos eacute falar de Bretotildees Escotos Gaacutelatas Trinovantes Caledocircnios
Helveacutecios Braacutecaros Galaicos Pictos Eacuteduos Allobroges Ambiani Atrebates Arveni
Baiocasses Boii Bellovaci Bituriges Carnutes Cenomani Centrones Curiosolitae Nervii
Medulii Menapii Morini Parisii Redones Remi Satones Senones Sequani Suessiones
Treveri Turones Vellavi Veneti Viducasses Viromandui Turini Insubres Vertamocorii
Cenomani Lingones Cotini Eravisci Scordisci Latobici Albiones Astures Bletonesii
Bracari Cantabri Carpetani Celtiberos Celtici Coelerni Cynetes Equaesi Grovii
Interamici Leuni Limici Luanqui Lusitanii Lusones Narbasi Nemetati Oretani Paesuri
Tamagani Tapoli Turduli Turodi Vaccaei Vettones Zoeale Ancalites Attacotti
218
Brigantes Cantii Carvetii Cassi Catuvellauni Cornavii Damnonii Epidii Ordovices
Regnenses Silures Trinovantes Venicones e tantos outros povos a partir de uma uacutenica
forma ldquoceltasrdquo Desta maneira perde-se todas as especificidades e tantas identidades
distintas satildeo agrupadas em um uacutenico vocaacutebulo em favor de um gosto exagerado ou
mesmo uma necessidade pela unidade Categoria esta que natildeo se adequa ao mundo
ldquoceltardquo uma vez que estes natildeo formavam um grupo comum natildeo tinham um Estado
organizado e nem uma consciecircncia identitaacuteria uma ldquocelticidaderdquo Miranda Green
percebeu isso muito bem ela escreveu que ldquoRomans identified themselves as such Ciuis
Romanus sum We cannot tell whether a comparable Celtic consciousness ever existedrdquo
(GREEN 1996 03) Talvez o exemplo mais generalizante deste modus operandi seja
chamar os diversos povos mencionados por Juacutelio Ceacutesar no De Bello Gallico de ldquoceltasrdquo ou
de ldquogaulesesrdquo sendo que como vimos agora pouco o proacuteprio autor da obra a inicia
dizendo que toda a Gaacutelia estava dividida em trecircs partes somente uma delas
correspondendo aos Celtas e quando se adentra na leitura do texto cesarino percebe-se
que a pluralidade de povos e a multiplicidade de etnias eacute tatildeo vasta que natildeo cabe nem
mesmo dentro do vocaacutebulo ldquoceltardquo
Quando o tema do cristianismo irlandecircs por exemplo eacute mencionado nos livros de
histoacuteria geralmente ele aparece na categoria de Histoacuteria Medieval e frequentemente
relacionado com a forma ldquoceltardquo ou ceacutelticordquo Foi necessaacuterio que Kathleen Hughes
escrevesse seu artigo The Celtic church is this a valid concept (1981) para que os
historiadores comeccedilassem a parar de falar em uma ldquoIgreja Ceacutelticardquo90 Todavia ainda natildeo
90
Duas observaccedilotildees devem ser feitas Primeiro se por um lado o artigo de Hughes resolve um problema o cristianismo irlandecircs deve ser compreendido como vinculado ao cristianismo romano e natildeo como um fenocircmeno isolado por outro direciona os olhares dos pesquisadores aos viacutenculos entre o cristianismo irlandecircs e o continental abrindo o flanco para a cristalizaccedilatildeo de outras formas histoacutericas como se estas natildeo apresentassem problemas semelhantes a forma combatida Por fim a discussatildeo central de Hughes natildeo eacute a forma ldquoceacutelticardquo com relaccedilatildeo ao que vinha sendo descrito pelos historiadores como ldquoCeltic Churchrdquo mas a funcionalidade explicativa deste conceito pois segundo a autora (HUGHES 1981) o termo natildeo era suficiente para abarcar a realidade da sociedade irlandesa do periacuteodo em questatildeo Ao contraacuterio fazia-nos crer em uma Igreja ceacuteltica separada da romana uma ideacuteia equivocada
219
de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the
Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The
Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns
historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do
Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e
OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian
Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES
2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas
narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas
estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma
seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a
mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo
3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA
HISTOacuteRIA DOS CELTAS
Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que
a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das
Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem
chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com
Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia
Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo
impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal
divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas
91
Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977
220
poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia
de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo
que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que
compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a
histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo
motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB
Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um
fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos
Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar
acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os
dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo
vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV
aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria
isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E
claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram
aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar
preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas
mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma
das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo
arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt
La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir
A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se
extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da
ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute
relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O
autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas
este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de
221
urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria
linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute
difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta
possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada
civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA
1989 59)
A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos
encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na
Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica
ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar
alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma
vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo
usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo
relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando
o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos
como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo
que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da
Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por
exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-
c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob
a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo
especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo
(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o
periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados
deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal
localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt
222
como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os
Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)
A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados
arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos
(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este
nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um
Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos
como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma
forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo
de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt
(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma
que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with
their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic
art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de
localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as
obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida
(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos
materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou
exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as
aos celtas
Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes
migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de
fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de
Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem
que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que
frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees
destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate
223
sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha
desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta
data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos
documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na
Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua
obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado
The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)
Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos
campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na
maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a
conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir
se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade
memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser
religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)
da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais
caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se
necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando
responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre
estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees
e com tal divisatildeo encerramos este artigo
Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja
representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas
outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da
Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma
aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados
por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma
representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os
224
pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos
mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo
que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o
autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo
destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas
liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic
populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da
lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna
dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo
ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho
identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo
ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu
delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos
etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a
questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se
trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in
the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups
of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles
ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone
associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos
que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer
grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem
apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da
Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo
225
ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly
Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma
mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da
historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria
da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo
nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e
ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como
Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita
de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de
palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e
poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos
baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos
Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de
uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi
um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem
sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais
elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees
e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a
principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir
da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos
compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso
de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-
se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a
nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com
propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico
como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas
vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo
226
historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de
ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um
periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas
ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar
apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se
direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as
classificaccedilotildees satildeo outras
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988
CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio
de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012
CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997
DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000
DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the
West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992
DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-
Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994
DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas
Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011
DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade
Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006
FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9
Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987
FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade
Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15
GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996
227
GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia
hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003
HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp
2001
HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic
Studies Nordm 1 p 1-20 1981
HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press
1966
HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New
history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p
301-329
JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003
JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006
KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989
LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989
MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da
Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011
MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of
Archaeology Stroud
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic
World Londres Routledge 1996 p 636-653
RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New
York Thames and Hudson 1994
RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996
TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press
2000
228
TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO
Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro
UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925
WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History
John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298
213
Desta forma apesar das escolhas teoacuterico-metodoloacutegicas e das circunscriccedilotildees
cronoloacutegicas impostas agrave temaacutetica como fez-se saber paraacutegrafos acima Miranda Green
reconhece este problema que envolve a nomenclatura ldquoceltardquo e sistematizou uma das
definiccedilotildees mais precisas sobre este assunto no que diz respeito a esta dificuldade de
limitaccedilotildees e escolhas por periodizaccedilotildees e formas A professora de Arqueologia da Cardiff
University afirma que falar sobre celtas implica em estar pronto a discutir a relaccedilatildeo entre
cultura material etinicidade e linguagem E tambeacutem que apesar do fato de que a ldquoCeltic
culture per se is generally considered to come to an end around the end of the first century
BCrdquo e depois disso o termo ldquoRomano-Celticrdquo entatildeo seria mais apropriado denotando
trocas culturais eacute difiacutecil definir quem satildeo os celtas e o que eacute a celticidade Esta dificuldade
se daacute pelo fato de que ldquoldquoCeltsrdquo and ldquoCelticrdquo are terms which mean different things to
different peoplerdquo e mais ainda que ldquoThe only way to deal with this conflict of approaches
is to recognize that they are to an extent irreconcilablerdquo (GREEN 1996 06) Vamos ver
como o termo aparece nos documentos antigos
CELTAECELTAS
O conjunto de povos que podem ou natildeo ser considerados ldquoceltasrdquo parece natildeo ter dado
tanta importacircncia agrave escrita antes dava preferecircncia agrave oralidade enfatizando a memoacuteria
transmitida por atos de fala Aqueles que eram responsaacuteveis pela transmissatildeo dos saberes
tradicionais deviam estudar durante muito tempo Assim investigar os documentos
escritos sobre os ldquoceltasrdquo significa ver o que os outros como gregos e romanos narraram
acerca deles o que por si soacute jaacute pressupotildee um grande problema de caraacuteter identitaacuterio uma
vez que apesar das evidecircncias linguiacutesticas e arqueoloacutegicas a histoacuteria dos ldquoceltasrdquo eacute
geralmente escrita com base no relato elaborado por terceiros
214
Entre os gregos haacute referecircncias sobre estes povos por exemplo em Hecateu de
Mileto que menciona o mar ceacuteltico (ηὸ δὲ εἰρ ηὴν Κελτικὴν θάλαζζαν84
) localiza Nirax
como uma cidade ceacuteltica (Νύπαξ πόλιρ Κελτική85
) e diz que Massalia ficava na terra dos
liacutegures perto do paiacutes dos celtas (Μαζζαλία πόλιρ ηῆρ Λιγςζηικῆρ καηὰ ηὴν Κελτικήν86
)
Da mesma maneira sabe-se que em Heroacutedoto temos a evidecircncia mais antiga do etnocircnimo
Κελτοί Em suas Histoacuterias ele diz que o rio Danuacutebio comeccedilava no territoacuterio dos celtas e na
cidade de Pirene e no mesmo trecho fala sobre onde os celtas estariam ldquoagorardquo
localizados (Ἴζηπορ ηε γὰπ ποηαμὸρ ἀπξάμενορ ἐκ Κελτῶν καὶ Πςπήνηρ πόλιορ ῥέει μέζην
ζσίζων ηὴν Εὐπώπην (οἱ δὲ Κελτοί εἰζι ἔξω Ἡπακλέων Σηηλέων ὁμοςπέοςζι δὲ
Κςνηζίοιζι οἳ ἔζσαηοι ππὸρ δςζμέων οἰκέοςζι ηῶν ἐν ηῇ Εὐπώπῃ καηοικημένων87
) Uma
sistematizaccedilatildeo de todas as vezes que os gregos mencionam os Celtas acompanhada de
uma anaacutelise miacutenima ocuparia o espaccedilo de alguns livros A tiacutetulo de exemplo aleacutem dos
mencionados Hecateu de Mileto e Heroacutedoto podemos lembrar tambeacutem de Estrabatildeo
Diodoro Dioniacutesio Ptolomeu Xenofonte Platatildeo Aristoacuteteles Possidocircnio Plutarco
Pausacircnias entre outros Ateacute mesmo o Apoacutestolo Paulo escreveu uma carta aos Gaacutelatas um
termo grego tambeacutem relacionado com os ldquoCeltasrdquo Paremos por aqui as referecircncias
ocorrem em vaacuterios autores satildeo centenas de fragmentos
Entre os romanos tambeacutem satildeo inuacutemeras referecircncias Tito Liacutevio Justino Pliacutenio Ceacutesar e
Taacutecito satildeo alguns dos que escrevem sobre os ldquoceltasrdquo Juacutelio Ceacutesar por exemplo em sua
obra Comentarii de Bello Gallico diz que ldquoGallia est omnis divisa in partes tres quarum
unam incolunt Belgae aliam Aquitani tertiam qui ipsorum lingua Celtae nostra Galli
appellantur88 Ou seja ele divide a Gaacutelia em trecircs regiotildees tendo em vista etnicidade
84
Hecataeus Hist Fragmenta 18a 12-13
85 Hecataeus Hist Fragmenta 56 1
86 Hecataeus Hist Fragmenta 551
87 Herodotus Hist Historiae Livro II 33 10-14
88 Juacutelio Ceacutesar Comentarii de Bello Gallico I1
215
cultura e liacutengua Celtae Aquitani e Belgae Segundo lecirc-se na descriccedilatildeo de Ceacutesar em latim
os romanos chamavam os povos mencionados de ldquogaulesesrdquo mas no idioma do proacuteprio
povo eles utilizavam a nomenclatura ldquoceltardquo segundo nos diz o autor do De Bello Gallico
Para Tiacuteto Liacutevio os Celtas apareceram em contato com os romanos durante o periacutedo de
Tarquiacutenio (o antigo) ou seja 658-578 antes da Era Comum Provavelmente Liacutevio
equivocou-se uma vez que estes eventos parecem ter ocorrido em data posterior tavez
no seacuteculo V ou IV aEC Problemaacutetica esta que natildeo nos interessa no momento importa a
menccedilatildeo aos Celtas independente de quando estes fatos ocorreram Alguns autores
romanos como o proacuteprio Ceacutesar Ciacutecero dentre outros fornecem informaccedilotildees sobre os
druiacutedas uma espeacutecie de sacerdote tambeacutem relacionados agrave cultura ceacuteltica Ceacutesar nos
informa por exemplo que o tempo de estudo de um druiacuteda podia alcanccedilar os 20 anos
Sabe-se ainda que os Celtas tambeacutem estavam envolvidos em um ataque agrave cidade de Roma
no ano de 390 aEC fato que eacute mencionado por exemplo por Q Claudius Quadrigarius
Liacutevio mais uma vez refere-se a estes eventos como tendo ocorrido em outro ano 361
Interessa a menccedilatildeo aos Celtas independente da data ldquocorretardquo Lucano e Apiano tambeacutem
fazem referecircncias aos chamados ldquoCeltiberosrdquo ou seja Celtas da Peniacutensula Ibeacuterica que
migraram para este local a partir da Gaacutelia por causa de uma fome em sua terra de origem
Desta maneira percebe-se que houve um conjunto de povos que preocupou tanto
autores gregos como romanos que escreveram sobre estes ldquoinvasoresrdquo e ldquobaacuterbarosrdquo Fica
evidente que o termo ldquoceltardquo aparece para noacutes a partir deste corpus documental antigo e
que tem origem no grego Κελτοί (mesmo que se trate de uma traduccedilatildeo de alguma liacutengua
ceacuteltica para o idioma dos helenos) quando aparece em textos claacutessicos pela primeira vez
daiacute surgindo o vocaacutebulo Celta-ae em latim de onde se origina o nome que usamos em
portuguecircs para se referir a este conjunto de povos Celtas David Rankin em sua obra
Celts and the Classical World nos lembra que embora noacutes devamos fazer uso do termo
ldquoCeltardquo como um nome mais geral para se referir a este determinado conjunto de povos
outras palavras tambeacutem aparecem com frequecircncia Gauleses Galli Galatai Goideacutelicos
216
Britocircnicos Britanii Picti (Cruithni) Eacuterainn e outros nomes especiacuteficos que segundo o
autor ocorrem ldquode tempos em temposrdquo (Rankin 1996)
A imagem dos Celtas tal qual aparece nestes relatos pelo menos em alguns deles eacute
problemaacutetica pois os povos agrupados sob esta alcunha satildeo vistos sob o prisma do outro
como uma ameaccedila o diferente ou no miacutenimo como o exoacutetico Taacutecito Diatildeo Caacutessio e
Herodiano por exemplo nos datildeo referecircncias significativas no que diz respeito a esta
questatildeo principalmente na abordagem dos bretotildees do Norte frequentemente
mencionados como ldquobritannirdquo povos que depois do panegiacuterico de Constacircncio Cloro
passaratildeo a ser chamados de ldquopictosrdquo o que pode ser verificado na obra de Amiano
Marcelino e Claudiano89 Na obra de vaacuterios autores claacutessicos os ldquoceltasrdquo aparecem como
beberrotildees dados agrave guerra na qual lutavam nus baacuterbaros que natildeo temiam nem mesmo a
morte e faziam sacrifiacutecios humanos Apesar destes problemas que natildeo seratildeo explorados
aqui Barry CunlifFe explica que sem estas narrativas claacutessicas haveria muita coisa que
jamais saberiacuteamos pois a arqueologia sozinha natildeo seria capaz de elucidar Segundo o
autor ldquowe would not be able to appreciate the long period of conflict between the Celtic
communities of the Po Valley and the Roman World ldquowe would be entirely ignorant of
violent raids of the Celts deep into Greece in the third centuryrdquo Para ele ldquoThe classical
sources provide a story-line and colourrdquo ldquoThe greek and Roman authors have provided us
with their own vision of the Celts- a vision born of contemporary or near contemporary
experience that cannot be ignoredrdquo (CUNLIFFE 1997 01-02)
Eacute importante ressaltar que estaacute sendo explicitado aqui eacute a problemaacutetica em torno da
definiccedilatildeo do que eacute e o que natildeo eacute ldquoceacutelticordquo bem como de que maneira o termo passou a
ser usado na historiografia e chegou ateacute noacutes dando origem aos estudos ceacutelticos
presentes em todos os cantos do mundo e jaacute em algumas universidades brasileiras Ou
seja natildeo estaacute sendo defendida aqui a aboliccedilatildeo da forma ldquoceltardquo mas uma criticidade da
89
Agradeccedilo pelas contribuiccedilotildees de Juliet Schuster (UFRGS) orientanda de Anderson Zalewski Vargas Juliet eacute a uacutenica pesquisadora brasileira que estuda os Pictos me indicou bibliografia de referecircncia neste sentido
217
mesma afinal como Norberto Luiz Guarinello bem sugeriu ldquoas formas natildeo satildeo inocentes
e em alguns casos nem totalmente inofensivasrdquo (GUARINELLO 2003) Sobre este
aspecto eacute bastante interessante o que fez o tradutor da frase ldquoRoma natildeo foi construiacuteda
em um uacutenico diardquo para o idioma Esperanto Natildeo conseguindo produzir uma rima sonora
com o exemplo romano acabou invertendo o ditado dizendo ldquoEn unu Tago ne elkreskis
Kartagordquo Um raciociacutenio assim se aplicado agrave Histoacuteria certamente causaria certos
embaraccedilos produziria algumas mudanccedilas levando as atenccedilotildees para o Norte da Aacutefrica
substituindo Roma por Cartago Eacute preciso refletir sobre as formas natildeo somente usaacute-las
Desde que estas referecircncias foram feitas tanto por gregos quanto por romanos o
termo ldquoceltardquo foi pouco a pouco se transformando em mais uma consolidada forma
histoacuterica usada por inuacutemeros historiadores modernos para agrupar povos de eacutepocas
culturas e lugares diferentes Desta maneira sob a alcunha ldquoceltardquo e suas variantes
dezenas de etnias distintas satildeo reunidas com o argumento de que estes povos falavam um
idioma descendente do mesmo tronco apresentavam semelhanccedilas religiosas e tambeacutem
culturais Outro efeito do uso desta forma eacute falar de uma localidade ou etnia especiacutefica
substituindo seus nomes pelo termo geral tomando assim o todo pela parte
Na praacutetica o que literalmente se faz e eacute bastante comum ateacute mesmo entre os
especialistas sendo praticamente uma regra entre aqueles que natildeo satildeo familiarizados
com os estudos ceacutelticos eacute falar de Bretotildees Escotos Gaacutelatas Trinovantes Caledocircnios
Helveacutecios Braacutecaros Galaicos Pictos Eacuteduos Allobroges Ambiani Atrebates Arveni
Baiocasses Boii Bellovaci Bituriges Carnutes Cenomani Centrones Curiosolitae Nervii
Medulii Menapii Morini Parisii Redones Remi Satones Senones Sequani Suessiones
Treveri Turones Vellavi Veneti Viducasses Viromandui Turini Insubres Vertamocorii
Cenomani Lingones Cotini Eravisci Scordisci Latobici Albiones Astures Bletonesii
Bracari Cantabri Carpetani Celtiberos Celtici Coelerni Cynetes Equaesi Grovii
Interamici Leuni Limici Luanqui Lusitanii Lusones Narbasi Nemetati Oretani Paesuri
Tamagani Tapoli Turduli Turodi Vaccaei Vettones Zoeale Ancalites Attacotti
218
Brigantes Cantii Carvetii Cassi Catuvellauni Cornavii Damnonii Epidii Ordovices
Regnenses Silures Trinovantes Venicones e tantos outros povos a partir de uma uacutenica
forma ldquoceltasrdquo Desta maneira perde-se todas as especificidades e tantas identidades
distintas satildeo agrupadas em um uacutenico vocaacutebulo em favor de um gosto exagerado ou
mesmo uma necessidade pela unidade Categoria esta que natildeo se adequa ao mundo
ldquoceltardquo uma vez que estes natildeo formavam um grupo comum natildeo tinham um Estado
organizado e nem uma consciecircncia identitaacuteria uma ldquocelticidaderdquo Miranda Green
percebeu isso muito bem ela escreveu que ldquoRomans identified themselves as such Ciuis
Romanus sum We cannot tell whether a comparable Celtic consciousness ever existedrdquo
(GREEN 1996 03) Talvez o exemplo mais generalizante deste modus operandi seja
chamar os diversos povos mencionados por Juacutelio Ceacutesar no De Bello Gallico de ldquoceltasrdquo ou
de ldquogaulesesrdquo sendo que como vimos agora pouco o proacuteprio autor da obra a inicia
dizendo que toda a Gaacutelia estava dividida em trecircs partes somente uma delas
correspondendo aos Celtas e quando se adentra na leitura do texto cesarino percebe-se
que a pluralidade de povos e a multiplicidade de etnias eacute tatildeo vasta que natildeo cabe nem
mesmo dentro do vocaacutebulo ldquoceltardquo
Quando o tema do cristianismo irlandecircs por exemplo eacute mencionado nos livros de
histoacuteria geralmente ele aparece na categoria de Histoacuteria Medieval e frequentemente
relacionado com a forma ldquoceltardquo ou ceacutelticordquo Foi necessaacuterio que Kathleen Hughes
escrevesse seu artigo The Celtic church is this a valid concept (1981) para que os
historiadores comeccedilassem a parar de falar em uma ldquoIgreja Ceacutelticardquo90 Todavia ainda natildeo
90
Duas observaccedilotildees devem ser feitas Primeiro se por um lado o artigo de Hughes resolve um problema o cristianismo irlandecircs deve ser compreendido como vinculado ao cristianismo romano e natildeo como um fenocircmeno isolado por outro direciona os olhares dos pesquisadores aos viacutenculos entre o cristianismo irlandecircs e o continental abrindo o flanco para a cristalizaccedilatildeo de outras formas histoacutericas como se estas natildeo apresentassem problemas semelhantes a forma combatida Por fim a discussatildeo central de Hughes natildeo eacute a forma ldquoceacutelticardquo com relaccedilatildeo ao que vinha sendo descrito pelos historiadores como ldquoCeltic Churchrdquo mas a funcionalidade explicativa deste conceito pois segundo a autora (HUGHES 1981) o termo natildeo era suficiente para abarcar a realidade da sociedade irlandesa do periacuteodo em questatildeo Ao contraacuterio fazia-nos crer em uma Igreja ceacuteltica separada da romana uma ideacuteia equivocada
219
de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the
Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The
Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns
historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do
Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e
OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian
Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES
2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas
narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas
estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma
seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a
mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo
3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA
HISTOacuteRIA DOS CELTAS
Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que
a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das
Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem
chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com
Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia
Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo
impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal
divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas
91
Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977
220
poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia
de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo
que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que
compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a
histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo
motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB
Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um
fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos
Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar
acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os
dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo
vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV
aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria
isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E
claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram
aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar
preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas
mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma
das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo
arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt
La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir
A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se
extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da
ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute
relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O
autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas
este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de
221
urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria
linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute
difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta
possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada
civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA
1989 59)
A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos
encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na
Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica
ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar
alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma
vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo
usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo
relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando
o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos
como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo
que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da
Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por
exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-
c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob
a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo
especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo
(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o
periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados
deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal
localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt
222
como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os
Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)
A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados
arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos
(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este
nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um
Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos
como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma
forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo
de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt
(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma
que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with
their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic
art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de
localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as
obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida
(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos
materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou
exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as
aos celtas
Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes
migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de
fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de
Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem
que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que
frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees
destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate
223
sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha
desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta
data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos
documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na
Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua
obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado
The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)
Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos
campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na
maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a
conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir
se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade
memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser
religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)
da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais
caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se
necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando
responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre
estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees
e com tal divisatildeo encerramos este artigo
Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja
representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas
outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da
Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma
aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados
por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma
representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os
224
pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos
mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo
que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o
autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo
destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas
liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic
populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da
lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna
dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo
ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho
identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo
ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu
delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos
etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a
questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se
trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in
the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups
of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles
ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone
associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos
que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer
grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem
apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da
Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo
225
ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly
Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma
mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da
historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria
da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo
nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e
ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como
Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita
de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de
palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e
poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos
baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos
Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de
uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi
um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem
sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais
elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees
e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a
principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir
da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos
compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso
de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-
se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a
nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com
propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico
como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas
vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo
226
historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de
ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um
periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas
ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar
apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se
direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as
classificaccedilotildees satildeo outras
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988
CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio
de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012
CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997
DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000
DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the
West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992
DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-
Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994
DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas
Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011
DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade
Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006
FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9
Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987
FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade
Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15
GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996
227
GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia
hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003
HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp
2001
HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic
Studies Nordm 1 p 1-20 1981
HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press
1966
HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New
history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p
301-329
JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003
JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006
KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989
LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989
MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da
Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011
MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of
Archaeology Stroud
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic
World Londres Routledge 1996 p 636-653
RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New
York Thames and Hudson 1994
RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996
TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press
2000
228
TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO
Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro
UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925
WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History
John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298
214
Entre os gregos haacute referecircncias sobre estes povos por exemplo em Hecateu de
Mileto que menciona o mar ceacuteltico (ηὸ δὲ εἰρ ηὴν Κελτικὴν θάλαζζαν84
) localiza Nirax
como uma cidade ceacuteltica (Νύπαξ πόλιρ Κελτική85
) e diz que Massalia ficava na terra dos
liacutegures perto do paiacutes dos celtas (Μαζζαλία πόλιρ ηῆρ Λιγςζηικῆρ καηὰ ηὴν Κελτικήν86
)
Da mesma maneira sabe-se que em Heroacutedoto temos a evidecircncia mais antiga do etnocircnimo
Κελτοί Em suas Histoacuterias ele diz que o rio Danuacutebio comeccedilava no territoacuterio dos celtas e na
cidade de Pirene e no mesmo trecho fala sobre onde os celtas estariam ldquoagorardquo
localizados (Ἴζηπορ ηε γὰπ ποηαμὸρ ἀπξάμενορ ἐκ Κελτῶν καὶ Πςπήνηρ πόλιορ ῥέει μέζην
ζσίζων ηὴν Εὐπώπην (οἱ δὲ Κελτοί εἰζι ἔξω Ἡπακλέων Σηηλέων ὁμοςπέοςζι δὲ
Κςνηζίοιζι οἳ ἔζσαηοι ππὸρ δςζμέων οἰκέοςζι ηῶν ἐν ηῇ Εὐπώπῃ καηοικημένων87
) Uma
sistematizaccedilatildeo de todas as vezes que os gregos mencionam os Celtas acompanhada de
uma anaacutelise miacutenima ocuparia o espaccedilo de alguns livros A tiacutetulo de exemplo aleacutem dos
mencionados Hecateu de Mileto e Heroacutedoto podemos lembrar tambeacutem de Estrabatildeo
Diodoro Dioniacutesio Ptolomeu Xenofonte Platatildeo Aristoacuteteles Possidocircnio Plutarco
Pausacircnias entre outros Ateacute mesmo o Apoacutestolo Paulo escreveu uma carta aos Gaacutelatas um
termo grego tambeacutem relacionado com os ldquoCeltasrdquo Paremos por aqui as referecircncias
ocorrem em vaacuterios autores satildeo centenas de fragmentos
Entre os romanos tambeacutem satildeo inuacutemeras referecircncias Tito Liacutevio Justino Pliacutenio Ceacutesar e
Taacutecito satildeo alguns dos que escrevem sobre os ldquoceltasrdquo Juacutelio Ceacutesar por exemplo em sua
obra Comentarii de Bello Gallico diz que ldquoGallia est omnis divisa in partes tres quarum
unam incolunt Belgae aliam Aquitani tertiam qui ipsorum lingua Celtae nostra Galli
appellantur88 Ou seja ele divide a Gaacutelia em trecircs regiotildees tendo em vista etnicidade
84
Hecataeus Hist Fragmenta 18a 12-13
85 Hecataeus Hist Fragmenta 56 1
86 Hecataeus Hist Fragmenta 551
87 Herodotus Hist Historiae Livro II 33 10-14
88 Juacutelio Ceacutesar Comentarii de Bello Gallico I1
215
cultura e liacutengua Celtae Aquitani e Belgae Segundo lecirc-se na descriccedilatildeo de Ceacutesar em latim
os romanos chamavam os povos mencionados de ldquogaulesesrdquo mas no idioma do proacuteprio
povo eles utilizavam a nomenclatura ldquoceltardquo segundo nos diz o autor do De Bello Gallico
Para Tiacuteto Liacutevio os Celtas apareceram em contato com os romanos durante o periacutedo de
Tarquiacutenio (o antigo) ou seja 658-578 antes da Era Comum Provavelmente Liacutevio
equivocou-se uma vez que estes eventos parecem ter ocorrido em data posterior tavez
no seacuteculo V ou IV aEC Problemaacutetica esta que natildeo nos interessa no momento importa a
menccedilatildeo aos Celtas independente de quando estes fatos ocorreram Alguns autores
romanos como o proacuteprio Ceacutesar Ciacutecero dentre outros fornecem informaccedilotildees sobre os
druiacutedas uma espeacutecie de sacerdote tambeacutem relacionados agrave cultura ceacuteltica Ceacutesar nos
informa por exemplo que o tempo de estudo de um druiacuteda podia alcanccedilar os 20 anos
Sabe-se ainda que os Celtas tambeacutem estavam envolvidos em um ataque agrave cidade de Roma
no ano de 390 aEC fato que eacute mencionado por exemplo por Q Claudius Quadrigarius
Liacutevio mais uma vez refere-se a estes eventos como tendo ocorrido em outro ano 361
Interessa a menccedilatildeo aos Celtas independente da data ldquocorretardquo Lucano e Apiano tambeacutem
fazem referecircncias aos chamados ldquoCeltiberosrdquo ou seja Celtas da Peniacutensula Ibeacuterica que
migraram para este local a partir da Gaacutelia por causa de uma fome em sua terra de origem
Desta maneira percebe-se que houve um conjunto de povos que preocupou tanto
autores gregos como romanos que escreveram sobre estes ldquoinvasoresrdquo e ldquobaacuterbarosrdquo Fica
evidente que o termo ldquoceltardquo aparece para noacutes a partir deste corpus documental antigo e
que tem origem no grego Κελτοί (mesmo que se trate de uma traduccedilatildeo de alguma liacutengua
ceacuteltica para o idioma dos helenos) quando aparece em textos claacutessicos pela primeira vez
daiacute surgindo o vocaacutebulo Celta-ae em latim de onde se origina o nome que usamos em
portuguecircs para se referir a este conjunto de povos Celtas David Rankin em sua obra
Celts and the Classical World nos lembra que embora noacutes devamos fazer uso do termo
ldquoCeltardquo como um nome mais geral para se referir a este determinado conjunto de povos
outras palavras tambeacutem aparecem com frequecircncia Gauleses Galli Galatai Goideacutelicos
216
Britocircnicos Britanii Picti (Cruithni) Eacuterainn e outros nomes especiacuteficos que segundo o
autor ocorrem ldquode tempos em temposrdquo (Rankin 1996)
A imagem dos Celtas tal qual aparece nestes relatos pelo menos em alguns deles eacute
problemaacutetica pois os povos agrupados sob esta alcunha satildeo vistos sob o prisma do outro
como uma ameaccedila o diferente ou no miacutenimo como o exoacutetico Taacutecito Diatildeo Caacutessio e
Herodiano por exemplo nos datildeo referecircncias significativas no que diz respeito a esta
questatildeo principalmente na abordagem dos bretotildees do Norte frequentemente
mencionados como ldquobritannirdquo povos que depois do panegiacuterico de Constacircncio Cloro
passaratildeo a ser chamados de ldquopictosrdquo o que pode ser verificado na obra de Amiano
Marcelino e Claudiano89 Na obra de vaacuterios autores claacutessicos os ldquoceltasrdquo aparecem como
beberrotildees dados agrave guerra na qual lutavam nus baacuterbaros que natildeo temiam nem mesmo a
morte e faziam sacrifiacutecios humanos Apesar destes problemas que natildeo seratildeo explorados
aqui Barry CunlifFe explica que sem estas narrativas claacutessicas haveria muita coisa que
jamais saberiacuteamos pois a arqueologia sozinha natildeo seria capaz de elucidar Segundo o
autor ldquowe would not be able to appreciate the long period of conflict between the Celtic
communities of the Po Valley and the Roman World ldquowe would be entirely ignorant of
violent raids of the Celts deep into Greece in the third centuryrdquo Para ele ldquoThe classical
sources provide a story-line and colourrdquo ldquoThe greek and Roman authors have provided us
with their own vision of the Celts- a vision born of contemporary or near contemporary
experience that cannot be ignoredrdquo (CUNLIFFE 1997 01-02)
Eacute importante ressaltar que estaacute sendo explicitado aqui eacute a problemaacutetica em torno da
definiccedilatildeo do que eacute e o que natildeo eacute ldquoceacutelticordquo bem como de que maneira o termo passou a
ser usado na historiografia e chegou ateacute noacutes dando origem aos estudos ceacutelticos
presentes em todos os cantos do mundo e jaacute em algumas universidades brasileiras Ou
seja natildeo estaacute sendo defendida aqui a aboliccedilatildeo da forma ldquoceltardquo mas uma criticidade da
89
Agradeccedilo pelas contribuiccedilotildees de Juliet Schuster (UFRGS) orientanda de Anderson Zalewski Vargas Juliet eacute a uacutenica pesquisadora brasileira que estuda os Pictos me indicou bibliografia de referecircncia neste sentido
217
mesma afinal como Norberto Luiz Guarinello bem sugeriu ldquoas formas natildeo satildeo inocentes
e em alguns casos nem totalmente inofensivasrdquo (GUARINELLO 2003) Sobre este
aspecto eacute bastante interessante o que fez o tradutor da frase ldquoRoma natildeo foi construiacuteda
em um uacutenico diardquo para o idioma Esperanto Natildeo conseguindo produzir uma rima sonora
com o exemplo romano acabou invertendo o ditado dizendo ldquoEn unu Tago ne elkreskis
Kartagordquo Um raciociacutenio assim se aplicado agrave Histoacuteria certamente causaria certos
embaraccedilos produziria algumas mudanccedilas levando as atenccedilotildees para o Norte da Aacutefrica
substituindo Roma por Cartago Eacute preciso refletir sobre as formas natildeo somente usaacute-las
Desde que estas referecircncias foram feitas tanto por gregos quanto por romanos o
termo ldquoceltardquo foi pouco a pouco se transformando em mais uma consolidada forma
histoacuterica usada por inuacutemeros historiadores modernos para agrupar povos de eacutepocas
culturas e lugares diferentes Desta maneira sob a alcunha ldquoceltardquo e suas variantes
dezenas de etnias distintas satildeo reunidas com o argumento de que estes povos falavam um
idioma descendente do mesmo tronco apresentavam semelhanccedilas religiosas e tambeacutem
culturais Outro efeito do uso desta forma eacute falar de uma localidade ou etnia especiacutefica
substituindo seus nomes pelo termo geral tomando assim o todo pela parte
Na praacutetica o que literalmente se faz e eacute bastante comum ateacute mesmo entre os
especialistas sendo praticamente uma regra entre aqueles que natildeo satildeo familiarizados
com os estudos ceacutelticos eacute falar de Bretotildees Escotos Gaacutelatas Trinovantes Caledocircnios
Helveacutecios Braacutecaros Galaicos Pictos Eacuteduos Allobroges Ambiani Atrebates Arveni
Baiocasses Boii Bellovaci Bituriges Carnutes Cenomani Centrones Curiosolitae Nervii
Medulii Menapii Morini Parisii Redones Remi Satones Senones Sequani Suessiones
Treveri Turones Vellavi Veneti Viducasses Viromandui Turini Insubres Vertamocorii
Cenomani Lingones Cotini Eravisci Scordisci Latobici Albiones Astures Bletonesii
Bracari Cantabri Carpetani Celtiberos Celtici Coelerni Cynetes Equaesi Grovii
Interamici Leuni Limici Luanqui Lusitanii Lusones Narbasi Nemetati Oretani Paesuri
Tamagani Tapoli Turduli Turodi Vaccaei Vettones Zoeale Ancalites Attacotti
218
Brigantes Cantii Carvetii Cassi Catuvellauni Cornavii Damnonii Epidii Ordovices
Regnenses Silures Trinovantes Venicones e tantos outros povos a partir de uma uacutenica
forma ldquoceltasrdquo Desta maneira perde-se todas as especificidades e tantas identidades
distintas satildeo agrupadas em um uacutenico vocaacutebulo em favor de um gosto exagerado ou
mesmo uma necessidade pela unidade Categoria esta que natildeo se adequa ao mundo
ldquoceltardquo uma vez que estes natildeo formavam um grupo comum natildeo tinham um Estado
organizado e nem uma consciecircncia identitaacuteria uma ldquocelticidaderdquo Miranda Green
percebeu isso muito bem ela escreveu que ldquoRomans identified themselves as such Ciuis
Romanus sum We cannot tell whether a comparable Celtic consciousness ever existedrdquo
(GREEN 1996 03) Talvez o exemplo mais generalizante deste modus operandi seja
chamar os diversos povos mencionados por Juacutelio Ceacutesar no De Bello Gallico de ldquoceltasrdquo ou
de ldquogaulesesrdquo sendo que como vimos agora pouco o proacuteprio autor da obra a inicia
dizendo que toda a Gaacutelia estava dividida em trecircs partes somente uma delas
correspondendo aos Celtas e quando se adentra na leitura do texto cesarino percebe-se
que a pluralidade de povos e a multiplicidade de etnias eacute tatildeo vasta que natildeo cabe nem
mesmo dentro do vocaacutebulo ldquoceltardquo
Quando o tema do cristianismo irlandecircs por exemplo eacute mencionado nos livros de
histoacuteria geralmente ele aparece na categoria de Histoacuteria Medieval e frequentemente
relacionado com a forma ldquoceltardquo ou ceacutelticordquo Foi necessaacuterio que Kathleen Hughes
escrevesse seu artigo The Celtic church is this a valid concept (1981) para que os
historiadores comeccedilassem a parar de falar em uma ldquoIgreja Ceacutelticardquo90 Todavia ainda natildeo
90
Duas observaccedilotildees devem ser feitas Primeiro se por um lado o artigo de Hughes resolve um problema o cristianismo irlandecircs deve ser compreendido como vinculado ao cristianismo romano e natildeo como um fenocircmeno isolado por outro direciona os olhares dos pesquisadores aos viacutenculos entre o cristianismo irlandecircs e o continental abrindo o flanco para a cristalizaccedilatildeo de outras formas histoacutericas como se estas natildeo apresentassem problemas semelhantes a forma combatida Por fim a discussatildeo central de Hughes natildeo eacute a forma ldquoceacutelticardquo com relaccedilatildeo ao que vinha sendo descrito pelos historiadores como ldquoCeltic Churchrdquo mas a funcionalidade explicativa deste conceito pois segundo a autora (HUGHES 1981) o termo natildeo era suficiente para abarcar a realidade da sociedade irlandesa do periacuteodo em questatildeo Ao contraacuterio fazia-nos crer em uma Igreja ceacuteltica separada da romana uma ideacuteia equivocada
219
de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the
Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The
Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns
historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do
Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e
OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian
Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES
2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas
narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas
estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma
seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a
mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo
3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA
HISTOacuteRIA DOS CELTAS
Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que
a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das
Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem
chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com
Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia
Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo
impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal
divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas
91
Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977
220
poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia
de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo
que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que
compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a
histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo
motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB
Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um
fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos
Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar
acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os
dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo
vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV
aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria
isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E
claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram
aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar
preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas
mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma
das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo
arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt
La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir
A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se
extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da
ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute
relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O
autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas
este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de
221
urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria
linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute
difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta
possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada
civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA
1989 59)
A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos
encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na
Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica
ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar
alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma
vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo
usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo
relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando
o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos
como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo
que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da
Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por
exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-
c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob
a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo
especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo
(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o
periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados
deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal
localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt
222
como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os
Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)
A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados
arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos
(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este
nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um
Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos
como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma
forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo
de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt
(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma
que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with
their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic
art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de
localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as
obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida
(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos
materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou
exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as
aos celtas
Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes
migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de
fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de
Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem
que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que
frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees
destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate
223
sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha
desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta
data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos
documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na
Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua
obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado
The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)
Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos
campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na
maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a
conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir
se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade
memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser
religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)
da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais
caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se
necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando
responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre
estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees
e com tal divisatildeo encerramos este artigo
Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja
representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas
outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da
Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma
aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados
por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma
representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os
224
pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos
mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo
que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o
autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo
destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas
liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic
populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da
lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna
dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo
ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho
identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo
ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu
delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos
etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a
questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se
trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in
the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups
of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles
ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone
associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos
que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer
grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem
apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da
Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo
225
ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly
Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma
mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da
historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria
da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo
nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e
ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como
Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita
de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de
palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e
poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos
baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos
Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de
uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi
um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem
sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais
elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees
e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a
principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir
da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos
compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso
de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-
se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a
nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com
propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico
como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas
vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo
226
historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de
ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um
periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas
ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar
apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se
direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as
classificaccedilotildees satildeo outras
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988
CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio
de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012
CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997
DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000
DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the
West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992
DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-
Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994
DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas
Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011
DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade
Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006
FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9
Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987
FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade
Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15
GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996
227
GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia
hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003
HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp
2001
HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic
Studies Nordm 1 p 1-20 1981
HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press
1966
HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New
history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p
301-329
JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003
JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006
KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989
LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989
MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da
Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011
MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of
Archaeology Stroud
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic
World Londres Routledge 1996 p 636-653
RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New
York Thames and Hudson 1994
RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996
TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press
2000
228
TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO
Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro
UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925
WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History
John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298
215
cultura e liacutengua Celtae Aquitani e Belgae Segundo lecirc-se na descriccedilatildeo de Ceacutesar em latim
os romanos chamavam os povos mencionados de ldquogaulesesrdquo mas no idioma do proacuteprio
povo eles utilizavam a nomenclatura ldquoceltardquo segundo nos diz o autor do De Bello Gallico
Para Tiacuteto Liacutevio os Celtas apareceram em contato com os romanos durante o periacutedo de
Tarquiacutenio (o antigo) ou seja 658-578 antes da Era Comum Provavelmente Liacutevio
equivocou-se uma vez que estes eventos parecem ter ocorrido em data posterior tavez
no seacuteculo V ou IV aEC Problemaacutetica esta que natildeo nos interessa no momento importa a
menccedilatildeo aos Celtas independente de quando estes fatos ocorreram Alguns autores
romanos como o proacuteprio Ceacutesar Ciacutecero dentre outros fornecem informaccedilotildees sobre os
druiacutedas uma espeacutecie de sacerdote tambeacutem relacionados agrave cultura ceacuteltica Ceacutesar nos
informa por exemplo que o tempo de estudo de um druiacuteda podia alcanccedilar os 20 anos
Sabe-se ainda que os Celtas tambeacutem estavam envolvidos em um ataque agrave cidade de Roma
no ano de 390 aEC fato que eacute mencionado por exemplo por Q Claudius Quadrigarius
Liacutevio mais uma vez refere-se a estes eventos como tendo ocorrido em outro ano 361
Interessa a menccedilatildeo aos Celtas independente da data ldquocorretardquo Lucano e Apiano tambeacutem
fazem referecircncias aos chamados ldquoCeltiberosrdquo ou seja Celtas da Peniacutensula Ibeacuterica que
migraram para este local a partir da Gaacutelia por causa de uma fome em sua terra de origem
Desta maneira percebe-se que houve um conjunto de povos que preocupou tanto
autores gregos como romanos que escreveram sobre estes ldquoinvasoresrdquo e ldquobaacuterbarosrdquo Fica
evidente que o termo ldquoceltardquo aparece para noacutes a partir deste corpus documental antigo e
que tem origem no grego Κελτοί (mesmo que se trate de uma traduccedilatildeo de alguma liacutengua
ceacuteltica para o idioma dos helenos) quando aparece em textos claacutessicos pela primeira vez
daiacute surgindo o vocaacutebulo Celta-ae em latim de onde se origina o nome que usamos em
portuguecircs para se referir a este conjunto de povos Celtas David Rankin em sua obra
Celts and the Classical World nos lembra que embora noacutes devamos fazer uso do termo
ldquoCeltardquo como um nome mais geral para se referir a este determinado conjunto de povos
outras palavras tambeacutem aparecem com frequecircncia Gauleses Galli Galatai Goideacutelicos
216
Britocircnicos Britanii Picti (Cruithni) Eacuterainn e outros nomes especiacuteficos que segundo o
autor ocorrem ldquode tempos em temposrdquo (Rankin 1996)
A imagem dos Celtas tal qual aparece nestes relatos pelo menos em alguns deles eacute
problemaacutetica pois os povos agrupados sob esta alcunha satildeo vistos sob o prisma do outro
como uma ameaccedila o diferente ou no miacutenimo como o exoacutetico Taacutecito Diatildeo Caacutessio e
Herodiano por exemplo nos datildeo referecircncias significativas no que diz respeito a esta
questatildeo principalmente na abordagem dos bretotildees do Norte frequentemente
mencionados como ldquobritannirdquo povos que depois do panegiacuterico de Constacircncio Cloro
passaratildeo a ser chamados de ldquopictosrdquo o que pode ser verificado na obra de Amiano
Marcelino e Claudiano89 Na obra de vaacuterios autores claacutessicos os ldquoceltasrdquo aparecem como
beberrotildees dados agrave guerra na qual lutavam nus baacuterbaros que natildeo temiam nem mesmo a
morte e faziam sacrifiacutecios humanos Apesar destes problemas que natildeo seratildeo explorados
aqui Barry CunlifFe explica que sem estas narrativas claacutessicas haveria muita coisa que
jamais saberiacuteamos pois a arqueologia sozinha natildeo seria capaz de elucidar Segundo o
autor ldquowe would not be able to appreciate the long period of conflict between the Celtic
communities of the Po Valley and the Roman World ldquowe would be entirely ignorant of
violent raids of the Celts deep into Greece in the third centuryrdquo Para ele ldquoThe classical
sources provide a story-line and colourrdquo ldquoThe greek and Roman authors have provided us
with their own vision of the Celts- a vision born of contemporary or near contemporary
experience that cannot be ignoredrdquo (CUNLIFFE 1997 01-02)
Eacute importante ressaltar que estaacute sendo explicitado aqui eacute a problemaacutetica em torno da
definiccedilatildeo do que eacute e o que natildeo eacute ldquoceacutelticordquo bem como de que maneira o termo passou a
ser usado na historiografia e chegou ateacute noacutes dando origem aos estudos ceacutelticos
presentes em todos os cantos do mundo e jaacute em algumas universidades brasileiras Ou
seja natildeo estaacute sendo defendida aqui a aboliccedilatildeo da forma ldquoceltardquo mas uma criticidade da
89
Agradeccedilo pelas contribuiccedilotildees de Juliet Schuster (UFRGS) orientanda de Anderson Zalewski Vargas Juliet eacute a uacutenica pesquisadora brasileira que estuda os Pictos me indicou bibliografia de referecircncia neste sentido
217
mesma afinal como Norberto Luiz Guarinello bem sugeriu ldquoas formas natildeo satildeo inocentes
e em alguns casos nem totalmente inofensivasrdquo (GUARINELLO 2003) Sobre este
aspecto eacute bastante interessante o que fez o tradutor da frase ldquoRoma natildeo foi construiacuteda
em um uacutenico diardquo para o idioma Esperanto Natildeo conseguindo produzir uma rima sonora
com o exemplo romano acabou invertendo o ditado dizendo ldquoEn unu Tago ne elkreskis
Kartagordquo Um raciociacutenio assim se aplicado agrave Histoacuteria certamente causaria certos
embaraccedilos produziria algumas mudanccedilas levando as atenccedilotildees para o Norte da Aacutefrica
substituindo Roma por Cartago Eacute preciso refletir sobre as formas natildeo somente usaacute-las
Desde que estas referecircncias foram feitas tanto por gregos quanto por romanos o
termo ldquoceltardquo foi pouco a pouco se transformando em mais uma consolidada forma
histoacuterica usada por inuacutemeros historiadores modernos para agrupar povos de eacutepocas
culturas e lugares diferentes Desta maneira sob a alcunha ldquoceltardquo e suas variantes
dezenas de etnias distintas satildeo reunidas com o argumento de que estes povos falavam um
idioma descendente do mesmo tronco apresentavam semelhanccedilas religiosas e tambeacutem
culturais Outro efeito do uso desta forma eacute falar de uma localidade ou etnia especiacutefica
substituindo seus nomes pelo termo geral tomando assim o todo pela parte
Na praacutetica o que literalmente se faz e eacute bastante comum ateacute mesmo entre os
especialistas sendo praticamente uma regra entre aqueles que natildeo satildeo familiarizados
com os estudos ceacutelticos eacute falar de Bretotildees Escotos Gaacutelatas Trinovantes Caledocircnios
Helveacutecios Braacutecaros Galaicos Pictos Eacuteduos Allobroges Ambiani Atrebates Arveni
Baiocasses Boii Bellovaci Bituriges Carnutes Cenomani Centrones Curiosolitae Nervii
Medulii Menapii Morini Parisii Redones Remi Satones Senones Sequani Suessiones
Treveri Turones Vellavi Veneti Viducasses Viromandui Turini Insubres Vertamocorii
Cenomani Lingones Cotini Eravisci Scordisci Latobici Albiones Astures Bletonesii
Bracari Cantabri Carpetani Celtiberos Celtici Coelerni Cynetes Equaesi Grovii
Interamici Leuni Limici Luanqui Lusitanii Lusones Narbasi Nemetati Oretani Paesuri
Tamagani Tapoli Turduli Turodi Vaccaei Vettones Zoeale Ancalites Attacotti
218
Brigantes Cantii Carvetii Cassi Catuvellauni Cornavii Damnonii Epidii Ordovices
Regnenses Silures Trinovantes Venicones e tantos outros povos a partir de uma uacutenica
forma ldquoceltasrdquo Desta maneira perde-se todas as especificidades e tantas identidades
distintas satildeo agrupadas em um uacutenico vocaacutebulo em favor de um gosto exagerado ou
mesmo uma necessidade pela unidade Categoria esta que natildeo se adequa ao mundo
ldquoceltardquo uma vez que estes natildeo formavam um grupo comum natildeo tinham um Estado
organizado e nem uma consciecircncia identitaacuteria uma ldquocelticidaderdquo Miranda Green
percebeu isso muito bem ela escreveu que ldquoRomans identified themselves as such Ciuis
Romanus sum We cannot tell whether a comparable Celtic consciousness ever existedrdquo
(GREEN 1996 03) Talvez o exemplo mais generalizante deste modus operandi seja
chamar os diversos povos mencionados por Juacutelio Ceacutesar no De Bello Gallico de ldquoceltasrdquo ou
de ldquogaulesesrdquo sendo que como vimos agora pouco o proacuteprio autor da obra a inicia
dizendo que toda a Gaacutelia estava dividida em trecircs partes somente uma delas
correspondendo aos Celtas e quando se adentra na leitura do texto cesarino percebe-se
que a pluralidade de povos e a multiplicidade de etnias eacute tatildeo vasta que natildeo cabe nem
mesmo dentro do vocaacutebulo ldquoceltardquo
Quando o tema do cristianismo irlandecircs por exemplo eacute mencionado nos livros de
histoacuteria geralmente ele aparece na categoria de Histoacuteria Medieval e frequentemente
relacionado com a forma ldquoceltardquo ou ceacutelticordquo Foi necessaacuterio que Kathleen Hughes
escrevesse seu artigo The Celtic church is this a valid concept (1981) para que os
historiadores comeccedilassem a parar de falar em uma ldquoIgreja Ceacutelticardquo90 Todavia ainda natildeo
90
Duas observaccedilotildees devem ser feitas Primeiro se por um lado o artigo de Hughes resolve um problema o cristianismo irlandecircs deve ser compreendido como vinculado ao cristianismo romano e natildeo como um fenocircmeno isolado por outro direciona os olhares dos pesquisadores aos viacutenculos entre o cristianismo irlandecircs e o continental abrindo o flanco para a cristalizaccedilatildeo de outras formas histoacutericas como se estas natildeo apresentassem problemas semelhantes a forma combatida Por fim a discussatildeo central de Hughes natildeo eacute a forma ldquoceacutelticardquo com relaccedilatildeo ao que vinha sendo descrito pelos historiadores como ldquoCeltic Churchrdquo mas a funcionalidade explicativa deste conceito pois segundo a autora (HUGHES 1981) o termo natildeo era suficiente para abarcar a realidade da sociedade irlandesa do periacuteodo em questatildeo Ao contraacuterio fazia-nos crer em uma Igreja ceacuteltica separada da romana uma ideacuteia equivocada
219
de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the
Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The
Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns
historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do
Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e
OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian
Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES
2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas
narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas
estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma
seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a
mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo
3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA
HISTOacuteRIA DOS CELTAS
Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que
a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das
Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem
chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com
Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia
Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo
impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal
divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas
91
Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977
220
poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia
de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo
que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que
compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a
histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo
motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB
Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um
fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos
Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar
acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os
dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo
vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV
aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria
isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E
claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram
aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar
preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas
mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma
das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo
arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt
La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir
A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se
extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da
ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute
relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O
autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas
este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de
221
urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria
linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute
difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta
possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada
civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA
1989 59)
A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos
encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na
Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica
ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar
alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma
vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo
usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo
relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando
o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos
como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo
que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da
Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por
exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-
c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob
a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo
especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo
(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o
periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados
deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal
localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt
222
como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os
Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)
A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados
arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos
(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este
nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um
Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos
como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma
forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo
de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt
(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma
que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with
their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic
art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de
localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as
obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida
(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos
materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou
exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as
aos celtas
Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes
migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de
fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de
Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem
que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que
frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees
destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate
223
sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha
desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta
data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos
documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na
Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua
obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado
The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)
Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos
campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na
maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a
conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir
se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade
memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser
religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)
da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais
caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se
necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando
responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre
estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees
e com tal divisatildeo encerramos este artigo
Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja
representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas
outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da
Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma
aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados
por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma
representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os
224
pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos
mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo
que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o
autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo
destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas
liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic
populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da
lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna
dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo
ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho
identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo
ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu
delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos
etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a
questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se
trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in
the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups
of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles
ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone
associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos
que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer
grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem
apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da
Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo
225
ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly
Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma
mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da
historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria
da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo
nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e
ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como
Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita
de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de
palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e
poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos
baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos
Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de
uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi
um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem
sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais
elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees
e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a
principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir
da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos
compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso
de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-
se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a
nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com
propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico
como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas
vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo
226
historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de
ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um
periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas
ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar
apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se
direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as
classificaccedilotildees satildeo outras
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988
CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio
de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012
CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997
DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000
DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the
West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992
DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-
Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994
DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas
Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011
DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade
Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006
FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9
Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987
FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade
Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15
GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996
227
GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia
hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003
HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp
2001
HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic
Studies Nordm 1 p 1-20 1981
HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press
1966
HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New
history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p
301-329
JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003
JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006
KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989
LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989
MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da
Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011
MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of
Archaeology Stroud
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic
World Londres Routledge 1996 p 636-653
RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New
York Thames and Hudson 1994
RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996
TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press
2000
228
TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO
Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro
UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925
WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History
John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298
216
Britocircnicos Britanii Picti (Cruithni) Eacuterainn e outros nomes especiacuteficos que segundo o
autor ocorrem ldquode tempos em temposrdquo (Rankin 1996)
A imagem dos Celtas tal qual aparece nestes relatos pelo menos em alguns deles eacute
problemaacutetica pois os povos agrupados sob esta alcunha satildeo vistos sob o prisma do outro
como uma ameaccedila o diferente ou no miacutenimo como o exoacutetico Taacutecito Diatildeo Caacutessio e
Herodiano por exemplo nos datildeo referecircncias significativas no que diz respeito a esta
questatildeo principalmente na abordagem dos bretotildees do Norte frequentemente
mencionados como ldquobritannirdquo povos que depois do panegiacuterico de Constacircncio Cloro
passaratildeo a ser chamados de ldquopictosrdquo o que pode ser verificado na obra de Amiano
Marcelino e Claudiano89 Na obra de vaacuterios autores claacutessicos os ldquoceltasrdquo aparecem como
beberrotildees dados agrave guerra na qual lutavam nus baacuterbaros que natildeo temiam nem mesmo a
morte e faziam sacrifiacutecios humanos Apesar destes problemas que natildeo seratildeo explorados
aqui Barry CunlifFe explica que sem estas narrativas claacutessicas haveria muita coisa que
jamais saberiacuteamos pois a arqueologia sozinha natildeo seria capaz de elucidar Segundo o
autor ldquowe would not be able to appreciate the long period of conflict between the Celtic
communities of the Po Valley and the Roman World ldquowe would be entirely ignorant of
violent raids of the Celts deep into Greece in the third centuryrdquo Para ele ldquoThe classical
sources provide a story-line and colourrdquo ldquoThe greek and Roman authors have provided us
with their own vision of the Celts- a vision born of contemporary or near contemporary
experience that cannot be ignoredrdquo (CUNLIFFE 1997 01-02)
Eacute importante ressaltar que estaacute sendo explicitado aqui eacute a problemaacutetica em torno da
definiccedilatildeo do que eacute e o que natildeo eacute ldquoceacutelticordquo bem como de que maneira o termo passou a
ser usado na historiografia e chegou ateacute noacutes dando origem aos estudos ceacutelticos
presentes em todos os cantos do mundo e jaacute em algumas universidades brasileiras Ou
seja natildeo estaacute sendo defendida aqui a aboliccedilatildeo da forma ldquoceltardquo mas uma criticidade da
89
Agradeccedilo pelas contribuiccedilotildees de Juliet Schuster (UFRGS) orientanda de Anderson Zalewski Vargas Juliet eacute a uacutenica pesquisadora brasileira que estuda os Pictos me indicou bibliografia de referecircncia neste sentido
217
mesma afinal como Norberto Luiz Guarinello bem sugeriu ldquoas formas natildeo satildeo inocentes
e em alguns casos nem totalmente inofensivasrdquo (GUARINELLO 2003) Sobre este
aspecto eacute bastante interessante o que fez o tradutor da frase ldquoRoma natildeo foi construiacuteda
em um uacutenico diardquo para o idioma Esperanto Natildeo conseguindo produzir uma rima sonora
com o exemplo romano acabou invertendo o ditado dizendo ldquoEn unu Tago ne elkreskis
Kartagordquo Um raciociacutenio assim se aplicado agrave Histoacuteria certamente causaria certos
embaraccedilos produziria algumas mudanccedilas levando as atenccedilotildees para o Norte da Aacutefrica
substituindo Roma por Cartago Eacute preciso refletir sobre as formas natildeo somente usaacute-las
Desde que estas referecircncias foram feitas tanto por gregos quanto por romanos o
termo ldquoceltardquo foi pouco a pouco se transformando em mais uma consolidada forma
histoacuterica usada por inuacutemeros historiadores modernos para agrupar povos de eacutepocas
culturas e lugares diferentes Desta maneira sob a alcunha ldquoceltardquo e suas variantes
dezenas de etnias distintas satildeo reunidas com o argumento de que estes povos falavam um
idioma descendente do mesmo tronco apresentavam semelhanccedilas religiosas e tambeacutem
culturais Outro efeito do uso desta forma eacute falar de uma localidade ou etnia especiacutefica
substituindo seus nomes pelo termo geral tomando assim o todo pela parte
Na praacutetica o que literalmente se faz e eacute bastante comum ateacute mesmo entre os
especialistas sendo praticamente uma regra entre aqueles que natildeo satildeo familiarizados
com os estudos ceacutelticos eacute falar de Bretotildees Escotos Gaacutelatas Trinovantes Caledocircnios
Helveacutecios Braacutecaros Galaicos Pictos Eacuteduos Allobroges Ambiani Atrebates Arveni
Baiocasses Boii Bellovaci Bituriges Carnutes Cenomani Centrones Curiosolitae Nervii
Medulii Menapii Morini Parisii Redones Remi Satones Senones Sequani Suessiones
Treveri Turones Vellavi Veneti Viducasses Viromandui Turini Insubres Vertamocorii
Cenomani Lingones Cotini Eravisci Scordisci Latobici Albiones Astures Bletonesii
Bracari Cantabri Carpetani Celtiberos Celtici Coelerni Cynetes Equaesi Grovii
Interamici Leuni Limici Luanqui Lusitanii Lusones Narbasi Nemetati Oretani Paesuri
Tamagani Tapoli Turduli Turodi Vaccaei Vettones Zoeale Ancalites Attacotti
218
Brigantes Cantii Carvetii Cassi Catuvellauni Cornavii Damnonii Epidii Ordovices
Regnenses Silures Trinovantes Venicones e tantos outros povos a partir de uma uacutenica
forma ldquoceltasrdquo Desta maneira perde-se todas as especificidades e tantas identidades
distintas satildeo agrupadas em um uacutenico vocaacutebulo em favor de um gosto exagerado ou
mesmo uma necessidade pela unidade Categoria esta que natildeo se adequa ao mundo
ldquoceltardquo uma vez que estes natildeo formavam um grupo comum natildeo tinham um Estado
organizado e nem uma consciecircncia identitaacuteria uma ldquocelticidaderdquo Miranda Green
percebeu isso muito bem ela escreveu que ldquoRomans identified themselves as such Ciuis
Romanus sum We cannot tell whether a comparable Celtic consciousness ever existedrdquo
(GREEN 1996 03) Talvez o exemplo mais generalizante deste modus operandi seja
chamar os diversos povos mencionados por Juacutelio Ceacutesar no De Bello Gallico de ldquoceltasrdquo ou
de ldquogaulesesrdquo sendo que como vimos agora pouco o proacuteprio autor da obra a inicia
dizendo que toda a Gaacutelia estava dividida em trecircs partes somente uma delas
correspondendo aos Celtas e quando se adentra na leitura do texto cesarino percebe-se
que a pluralidade de povos e a multiplicidade de etnias eacute tatildeo vasta que natildeo cabe nem
mesmo dentro do vocaacutebulo ldquoceltardquo
Quando o tema do cristianismo irlandecircs por exemplo eacute mencionado nos livros de
histoacuteria geralmente ele aparece na categoria de Histoacuteria Medieval e frequentemente
relacionado com a forma ldquoceltardquo ou ceacutelticordquo Foi necessaacuterio que Kathleen Hughes
escrevesse seu artigo The Celtic church is this a valid concept (1981) para que os
historiadores comeccedilassem a parar de falar em uma ldquoIgreja Ceacutelticardquo90 Todavia ainda natildeo
90
Duas observaccedilotildees devem ser feitas Primeiro se por um lado o artigo de Hughes resolve um problema o cristianismo irlandecircs deve ser compreendido como vinculado ao cristianismo romano e natildeo como um fenocircmeno isolado por outro direciona os olhares dos pesquisadores aos viacutenculos entre o cristianismo irlandecircs e o continental abrindo o flanco para a cristalizaccedilatildeo de outras formas histoacutericas como se estas natildeo apresentassem problemas semelhantes a forma combatida Por fim a discussatildeo central de Hughes natildeo eacute a forma ldquoceacutelticardquo com relaccedilatildeo ao que vinha sendo descrito pelos historiadores como ldquoCeltic Churchrdquo mas a funcionalidade explicativa deste conceito pois segundo a autora (HUGHES 1981) o termo natildeo era suficiente para abarcar a realidade da sociedade irlandesa do periacuteodo em questatildeo Ao contraacuterio fazia-nos crer em uma Igreja ceacuteltica separada da romana uma ideacuteia equivocada
219
de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the
Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The
Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns
historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do
Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e
OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian
Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES
2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas
narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas
estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma
seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a
mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo
3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA
HISTOacuteRIA DOS CELTAS
Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que
a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das
Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem
chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com
Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia
Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo
impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal
divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas
91
Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977
220
poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia
de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo
que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que
compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a
histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo
motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB
Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um
fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos
Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar
acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os
dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo
vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV
aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria
isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E
claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram
aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar
preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas
mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma
das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo
arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt
La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir
A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se
extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da
ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute
relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O
autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas
este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de
221
urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria
linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute
difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta
possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada
civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA
1989 59)
A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos
encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na
Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica
ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar
alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma
vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo
usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo
relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando
o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos
como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo
que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da
Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por
exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-
c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob
a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo
especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo
(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o
periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados
deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal
localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt
222
como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os
Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)
A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados
arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos
(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este
nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um
Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos
como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma
forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo
de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt
(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma
que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with
their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic
art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de
localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as
obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida
(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos
materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou
exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as
aos celtas
Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes
migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de
fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de
Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem
que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que
frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees
destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate
223
sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha
desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta
data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos
documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na
Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua
obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado
The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)
Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos
campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na
maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a
conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir
se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade
memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser
religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)
da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais
caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se
necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando
responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre
estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees
e com tal divisatildeo encerramos este artigo
Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja
representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas
outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da
Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma
aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados
por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma
representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os
224
pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos
mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo
que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o
autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo
destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas
liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic
populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da
lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna
dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo
ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho
identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo
ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu
delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos
etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a
questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se
trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in
the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups
of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles
ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone
associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos
que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer
grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem
apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da
Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo
225
ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly
Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma
mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da
historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria
da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo
nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e
ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como
Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita
de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de
palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e
poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos
baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos
Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de
uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi
um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem
sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais
elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees
e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a
principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir
da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos
compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso
de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-
se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a
nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com
propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico
como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas
vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo
226
historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de
ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um
periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas
ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar
apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se
direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as
classificaccedilotildees satildeo outras
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988
CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio
de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012
CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997
DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000
DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the
West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992
DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-
Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994
DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas
Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011
DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade
Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006
FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9
Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987
FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade
Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15
GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996
227
GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia
hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003
HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp
2001
HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic
Studies Nordm 1 p 1-20 1981
HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press
1966
HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New
history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p
301-329
JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003
JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006
KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989
LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989
MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da
Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011
MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of
Archaeology Stroud
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic
World Londres Routledge 1996 p 636-653
RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New
York Thames and Hudson 1994
RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996
TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press
2000
228
TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO
Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro
UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925
WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History
John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298
217
mesma afinal como Norberto Luiz Guarinello bem sugeriu ldquoas formas natildeo satildeo inocentes
e em alguns casos nem totalmente inofensivasrdquo (GUARINELLO 2003) Sobre este
aspecto eacute bastante interessante o que fez o tradutor da frase ldquoRoma natildeo foi construiacuteda
em um uacutenico diardquo para o idioma Esperanto Natildeo conseguindo produzir uma rima sonora
com o exemplo romano acabou invertendo o ditado dizendo ldquoEn unu Tago ne elkreskis
Kartagordquo Um raciociacutenio assim se aplicado agrave Histoacuteria certamente causaria certos
embaraccedilos produziria algumas mudanccedilas levando as atenccedilotildees para o Norte da Aacutefrica
substituindo Roma por Cartago Eacute preciso refletir sobre as formas natildeo somente usaacute-las
Desde que estas referecircncias foram feitas tanto por gregos quanto por romanos o
termo ldquoceltardquo foi pouco a pouco se transformando em mais uma consolidada forma
histoacuterica usada por inuacutemeros historiadores modernos para agrupar povos de eacutepocas
culturas e lugares diferentes Desta maneira sob a alcunha ldquoceltardquo e suas variantes
dezenas de etnias distintas satildeo reunidas com o argumento de que estes povos falavam um
idioma descendente do mesmo tronco apresentavam semelhanccedilas religiosas e tambeacutem
culturais Outro efeito do uso desta forma eacute falar de uma localidade ou etnia especiacutefica
substituindo seus nomes pelo termo geral tomando assim o todo pela parte
Na praacutetica o que literalmente se faz e eacute bastante comum ateacute mesmo entre os
especialistas sendo praticamente uma regra entre aqueles que natildeo satildeo familiarizados
com os estudos ceacutelticos eacute falar de Bretotildees Escotos Gaacutelatas Trinovantes Caledocircnios
Helveacutecios Braacutecaros Galaicos Pictos Eacuteduos Allobroges Ambiani Atrebates Arveni
Baiocasses Boii Bellovaci Bituriges Carnutes Cenomani Centrones Curiosolitae Nervii
Medulii Menapii Morini Parisii Redones Remi Satones Senones Sequani Suessiones
Treveri Turones Vellavi Veneti Viducasses Viromandui Turini Insubres Vertamocorii
Cenomani Lingones Cotini Eravisci Scordisci Latobici Albiones Astures Bletonesii
Bracari Cantabri Carpetani Celtiberos Celtici Coelerni Cynetes Equaesi Grovii
Interamici Leuni Limici Luanqui Lusitanii Lusones Narbasi Nemetati Oretani Paesuri
Tamagani Tapoli Turduli Turodi Vaccaei Vettones Zoeale Ancalites Attacotti
218
Brigantes Cantii Carvetii Cassi Catuvellauni Cornavii Damnonii Epidii Ordovices
Regnenses Silures Trinovantes Venicones e tantos outros povos a partir de uma uacutenica
forma ldquoceltasrdquo Desta maneira perde-se todas as especificidades e tantas identidades
distintas satildeo agrupadas em um uacutenico vocaacutebulo em favor de um gosto exagerado ou
mesmo uma necessidade pela unidade Categoria esta que natildeo se adequa ao mundo
ldquoceltardquo uma vez que estes natildeo formavam um grupo comum natildeo tinham um Estado
organizado e nem uma consciecircncia identitaacuteria uma ldquocelticidaderdquo Miranda Green
percebeu isso muito bem ela escreveu que ldquoRomans identified themselves as such Ciuis
Romanus sum We cannot tell whether a comparable Celtic consciousness ever existedrdquo
(GREEN 1996 03) Talvez o exemplo mais generalizante deste modus operandi seja
chamar os diversos povos mencionados por Juacutelio Ceacutesar no De Bello Gallico de ldquoceltasrdquo ou
de ldquogaulesesrdquo sendo que como vimos agora pouco o proacuteprio autor da obra a inicia
dizendo que toda a Gaacutelia estava dividida em trecircs partes somente uma delas
correspondendo aos Celtas e quando se adentra na leitura do texto cesarino percebe-se
que a pluralidade de povos e a multiplicidade de etnias eacute tatildeo vasta que natildeo cabe nem
mesmo dentro do vocaacutebulo ldquoceltardquo
Quando o tema do cristianismo irlandecircs por exemplo eacute mencionado nos livros de
histoacuteria geralmente ele aparece na categoria de Histoacuteria Medieval e frequentemente
relacionado com a forma ldquoceltardquo ou ceacutelticordquo Foi necessaacuterio que Kathleen Hughes
escrevesse seu artigo The Celtic church is this a valid concept (1981) para que os
historiadores comeccedilassem a parar de falar em uma ldquoIgreja Ceacutelticardquo90 Todavia ainda natildeo
90
Duas observaccedilotildees devem ser feitas Primeiro se por um lado o artigo de Hughes resolve um problema o cristianismo irlandecircs deve ser compreendido como vinculado ao cristianismo romano e natildeo como um fenocircmeno isolado por outro direciona os olhares dos pesquisadores aos viacutenculos entre o cristianismo irlandecircs e o continental abrindo o flanco para a cristalizaccedilatildeo de outras formas histoacutericas como se estas natildeo apresentassem problemas semelhantes a forma combatida Por fim a discussatildeo central de Hughes natildeo eacute a forma ldquoceacutelticardquo com relaccedilatildeo ao que vinha sendo descrito pelos historiadores como ldquoCeltic Churchrdquo mas a funcionalidade explicativa deste conceito pois segundo a autora (HUGHES 1981) o termo natildeo era suficiente para abarcar a realidade da sociedade irlandesa do periacuteodo em questatildeo Ao contraacuterio fazia-nos crer em uma Igreja ceacuteltica separada da romana uma ideacuteia equivocada
219
de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the
Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The
Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns
historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do
Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e
OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian
Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES
2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas
narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas
estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma
seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a
mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo
3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA
HISTOacuteRIA DOS CELTAS
Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que
a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das
Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem
chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com
Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia
Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo
impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal
divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas
91
Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977
220
poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia
de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo
que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que
compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a
histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo
motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB
Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um
fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos
Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar
acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os
dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo
vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV
aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria
isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E
claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram
aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar
preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas
mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma
das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo
arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt
La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir
A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se
extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da
ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute
relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O
autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas
este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de
221
urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria
linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute
difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta
possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada
civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA
1989 59)
A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos
encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na
Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica
ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar
alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma
vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo
usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo
relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando
o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos
como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo
que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da
Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por
exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-
c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob
a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo
especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo
(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o
periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados
deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal
localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt
222
como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os
Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)
A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados
arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos
(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este
nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um
Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos
como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma
forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo
de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt
(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma
que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with
their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic
art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de
localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as
obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida
(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos
materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou
exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as
aos celtas
Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes
migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de
fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de
Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem
que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que
frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees
destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate
223
sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha
desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta
data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos
documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na
Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua
obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado
The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)
Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos
campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na
maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a
conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir
se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade
memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser
religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)
da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais
caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se
necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando
responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre
estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees
e com tal divisatildeo encerramos este artigo
Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja
representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas
outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da
Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma
aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados
por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma
representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os
224
pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos
mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo
que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o
autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo
destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas
liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic
populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da
lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna
dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo
ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho
identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo
ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu
delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos
etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a
questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se
trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in
the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups
of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles
ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone
associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos
que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer
grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem
apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da
Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo
225
ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly
Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma
mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da
historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria
da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo
nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e
ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como
Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita
de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de
palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e
poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos
baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos
Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de
uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi
um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem
sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais
elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees
e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a
principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir
da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos
compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso
de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-
se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a
nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com
propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico
como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas
vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo
226
historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de
ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um
periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas
ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar
apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se
direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as
classificaccedilotildees satildeo outras
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988
CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio
de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012
CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997
DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000
DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the
West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992
DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-
Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994
DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas
Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011
DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade
Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006
FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9
Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987
FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade
Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15
GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996
227
GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia
hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003
HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp
2001
HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic
Studies Nordm 1 p 1-20 1981
HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press
1966
HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New
history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p
301-329
JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003
JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006
KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989
LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989
MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da
Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011
MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of
Archaeology Stroud
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic
World Londres Routledge 1996 p 636-653
RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New
York Thames and Hudson 1994
RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996
TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press
2000
228
TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO
Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro
UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925
WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History
John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298
218
Brigantes Cantii Carvetii Cassi Catuvellauni Cornavii Damnonii Epidii Ordovices
Regnenses Silures Trinovantes Venicones e tantos outros povos a partir de uma uacutenica
forma ldquoceltasrdquo Desta maneira perde-se todas as especificidades e tantas identidades
distintas satildeo agrupadas em um uacutenico vocaacutebulo em favor de um gosto exagerado ou
mesmo uma necessidade pela unidade Categoria esta que natildeo se adequa ao mundo
ldquoceltardquo uma vez que estes natildeo formavam um grupo comum natildeo tinham um Estado
organizado e nem uma consciecircncia identitaacuteria uma ldquocelticidaderdquo Miranda Green
percebeu isso muito bem ela escreveu que ldquoRomans identified themselves as such Ciuis
Romanus sum We cannot tell whether a comparable Celtic consciousness ever existedrdquo
(GREEN 1996 03) Talvez o exemplo mais generalizante deste modus operandi seja
chamar os diversos povos mencionados por Juacutelio Ceacutesar no De Bello Gallico de ldquoceltasrdquo ou
de ldquogaulesesrdquo sendo que como vimos agora pouco o proacuteprio autor da obra a inicia
dizendo que toda a Gaacutelia estava dividida em trecircs partes somente uma delas
correspondendo aos Celtas e quando se adentra na leitura do texto cesarino percebe-se
que a pluralidade de povos e a multiplicidade de etnias eacute tatildeo vasta que natildeo cabe nem
mesmo dentro do vocaacutebulo ldquoceltardquo
Quando o tema do cristianismo irlandecircs por exemplo eacute mencionado nos livros de
histoacuteria geralmente ele aparece na categoria de Histoacuteria Medieval e frequentemente
relacionado com a forma ldquoceltardquo ou ceacutelticordquo Foi necessaacuterio que Kathleen Hughes
escrevesse seu artigo The Celtic church is this a valid concept (1981) para que os
historiadores comeccedilassem a parar de falar em uma ldquoIgreja Ceacutelticardquo90 Todavia ainda natildeo
90
Duas observaccedilotildees devem ser feitas Primeiro se por um lado o artigo de Hughes resolve um problema o cristianismo irlandecircs deve ser compreendido como vinculado ao cristianismo romano e natildeo como um fenocircmeno isolado por outro direciona os olhares dos pesquisadores aos viacutenculos entre o cristianismo irlandecircs e o continental abrindo o flanco para a cristalizaccedilatildeo de outras formas histoacutericas como se estas natildeo apresentassem problemas semelhantes a forma combatida Por fim a discussatildeo central de Hughes natildeo eacute a forma ldquoceacutelticardquo com relaccedilatildeo ao que vinha sendo descrito pelos historiadores como ldquoCeltic Churchrdquo mas a funcionalidade explicativa deste conceito pois segundo a autora (HUGHES 1981) o termo natildeo era suficiente para abarcar a realidade da sociedade irlandesa do periacuteodo em questatildeo Ao contraacuterio fazia-nos crer em uma Igreja ceacuteltica separada da romana uma ideacuteia equivocada
219
de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the
Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The
Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns
historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do
Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e
OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian
Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES
2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas
narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas
estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma
seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a
mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo
3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA
HISTOacuteRIA DOS CELTAS
Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que
a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das
Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem
chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com
Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia
Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo
impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal
divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas
91
Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977
220
poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia
de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo
que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que
compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a
histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo
motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB
Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um
fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos
Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar
acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os
dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo
vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV
aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria
isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E
claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram
aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar
preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas
mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma
das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo
arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt
La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir
A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se
extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da
ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute
relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O
autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas
este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de
221
urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria
linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute
difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta
possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada
civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA
1989 59)
A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos
encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na
Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica
ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar
alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma
vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo
usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo
relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando
o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos
como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo
que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da
Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por
exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-
c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob
a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo
especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo
(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o
periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados
deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal
localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt
222
como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os
Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)
A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados
arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos
(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este
nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um
Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos
como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma
forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo
de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt
(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma
que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with
their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic
art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de
localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as
obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida
(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos
materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou
exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as
aos celtas
Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes
migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de
fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de
Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem
que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que
frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees
destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate
223
sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha
desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta
data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos
documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na
Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua
obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado
The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)
Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos
campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na
maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a
conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir
se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade
memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser
religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)
da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais
caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se
necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando
responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre
estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees
e com tal divisatildeo encerramos este artigo
Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja
representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas
outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da
Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma
aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados
por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma
representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os
224
pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos
mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo
que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o
autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo
destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas
liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic
populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da
lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna
dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo
ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho
identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo
ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu
delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos
etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a
questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se
trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in
the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups
of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles
ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone
associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos
que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer
grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem
apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da
Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo
225
ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly
Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma
mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da
historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria
da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo
nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e
ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como
Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita
de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de
palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e
poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos
baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos
Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de
uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi
um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem
sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais
elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees
e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a
principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir
da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos
compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso
de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-
se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a
nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com
propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico
como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas
vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo
226
historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de
ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um
periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas
ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar
apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se
direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as
classificaccedilotildees satildeo outras
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988
CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio
de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012
CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997
DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000
DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the
West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992
DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-
Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994
DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas
Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011
DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade
Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006
FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9
Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987
FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade
Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15
GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996
227
GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia
hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003
HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp
2001
HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic
Studies Nordm 1 p 1-20 1981
HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press
1966
HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New
history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p
301-329
JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003
JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006
KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989
LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989
MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da
Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011
MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of
Archaeology Stroud
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic
World Londres Routledge 1996 p 636-653
RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New
York Thames and Hudson 1994
RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996
TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press
2000
228
TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO
Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro
UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925
WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History
John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298
219
de forma definitiva como podemos perceber com a publicaccedilatildeo de Liturgy and ritual in the
Celtic churchy em 1988 por FEWarren O que justifica tambeacutem o aparecimento de The
Myth of the Celtic Church (1992) de autoria de Wendy Davies Enquanto alguns
historiadores preferem falar em uma ldquoIrlanda ceacuteltica pagatilderdquo e dos enigmas da ldquoIdade do
Ferro irlandesardquo (RAFTERY 1994) ou de uma ldquoespiritualidade ceacutelticardquo (DAVIS e
OrsquoLOUGHLIN 2000) outros pesquisadores preferem termos como ldquoEarly Christian
Irelandrdquo (CHARLES-EDWARDS 2000 ) ou ldquoThe Church in Irish society 400-800rdquo (HUGHES
2005)91 Cada uma destas obras de acordo com os enredos que constroacuteem em suas
narrativas fazem opccedilatildeo por uma forma ou por outra No entanto como vimos todas
estas formas podem ser localizadas e estudadas natildeo satildeo inocentes e apresentam uma
seacuterie de opccedilotildees impliacutecitas Agora jaacute bem mais ambientados agrave problemaacutetica que envolve a
mateacuteria ceacuteltica podemos falar de periodizaccedilatildeo
3 A PROBLEMAacuteTICA DAS PERIODIZACcedilOtildeES PARA A ESCRITA DE UMA
HISTOacuteRIA DOS CELTAS
Apesar de vaacuterios questionamentos e debates eacute frequente encontrar em livros que
a Histoacuteria da ldquoGreacuteciardquo se divide nos seguintes periacuteodos ldquoMinoacuteico Micecircnico Idade das
Trevas ou Periacuteodo Intermediaacuterio Periacuteodo Arcaico Periacuteodo Claacutessico as vezes tambeacutem
chamado como ldquoseacuteculo de Peacutericlesrdquo e Periacuteodo Heleniacutesticordquo de igual modo ocorre com
Roma sendo para este caso as seguintes categorizaccedilotildees ldquoFundaccedilatildeo de Roma Monarquia
Repuacuteblica Impeacuterio que dependendo da obra tambeacutem eacute dividido entre alto e baixo
impeacuterio por vezes tambeacutem aparecem os termos principado e dominatordquo Claro que tal
divisatildeo tanto para Greacutecia quanto para Roma eacute apenas uma tentativa de representaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo da histoacuteria de ambos sendo portanto artificial Inuacutemeros problemas
91
Escrito por Kathleen Hughes em 1974 todavia publicado apenas 31 anos depois o longo atraso foi devido agrave morte da autora em 1977
220
poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia
de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo
que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que
compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a
histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo
motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB
Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um
fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos
Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar
acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os
dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo
vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV
aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria
isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E
claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram
aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar
preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas
mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma
das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo
arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt
La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir
A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se
extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da
ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute
relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O
autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas
este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de
221
urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria
linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute
difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta
possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada
civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA
1989 59)
A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos
encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na
Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica
ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar
alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma
vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo
usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo
relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando
o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos
como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo
que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da
Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por
exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-
c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob
a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo
especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo
(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o
periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados
deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal
localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt
222
como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os
Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)
A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados
arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos
(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este
nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um
Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos
como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma
forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo
de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt
(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma
que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with
their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic
art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de
localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as
obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida
(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos
materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou
exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as
aos celtas
Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes
migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de
fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de
Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem
que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que
frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees
destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate
223
sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha
desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta
data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos
documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na
Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua
obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado
The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)
Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos
campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na
maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a
conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir
se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade
memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser
religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)
da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais
caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se
necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando
responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre
estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees
e com tal divisatildeo encerramos este artigo
Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja
representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas
outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da
Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma
aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados
por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma
representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os
224
pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos
mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo
que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o
autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo
destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas
liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic
populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da
lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna
dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo
ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho
identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo
ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu
delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos
etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a
questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se
trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in
the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups
of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles
ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone
associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos
que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer
grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem
apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da
Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo
225
ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly
Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma
mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da
historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria
da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo
nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e
ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como
Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita
de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de
palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e
poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos
baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos
Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de
uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi
um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem
sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais
elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees
e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a
principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir
da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos
compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso
de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-
se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a
nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com
propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico
como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas
vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo
226
historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de
ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um
periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas
ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar
apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se
direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as
classificaccedilotildees satildeo outras
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988
CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio
de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012
CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997
DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000
DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the
West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992
DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-
Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994
DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas
Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011
DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade
Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006
FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9
Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987
FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade
Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15
GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996
227
GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia
hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003
HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp
2001
HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic
Studies Nordm 1 p 1-20 1981
HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press
1966
HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New
history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p
301-329
JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003
JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006
KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989
LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989
MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da
Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011
MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of
Archaeology Stroud
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic
World Londres Routledge 1996 p 636-653
RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New
York Thames and Hudson 1994
RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996
TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press
2000
228
TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO
Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro
UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925
WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History
John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298
220
poderiam ser considerados como por exemplo o fato de que natildeo havia uma consciecircncia
de unidade geograacutefica que se pudesse chamar ldquoGreacuteciardquo na Antiguidade ou no miacutenimo
que qualquer noccedilatildeo que se aproximasse desta ideacuteia natildeo corresponde ao que
compreendemos por Greacutecia nos dias atuais Da mesma forma de maneira alguma a
histoacuteria da cidade de Roma coincide com aquela do Impeacuterio Romano tambeacutem sendo
motivo de debate Aleacutem do que para alguns historiadores como eacute o caso do irlandecircs JB
Bury natildeo haacute Impeacuterio Bizantino mas sim Impeacuterio Romano do Oriente que natildeo teve um
fim ateacute a tomada de Constantinopla pelos turcos
Para uma escrita da histoacuteria dos celtas tais problemas tambeacutem se fazem notar
acrescentando o fato de que o arco cronoloacutegico cobre do XIV antes da Era Comum ateacute os
dias atuais dependendo da escolha que se faccedila Assim qualquer tentativa de periodizaccedilatildeo
vai esbarrar no geral em duas possibilidades 1) ou se aceita a periodizaccedilatildeo do seacuteculo XIV
aEC ateacute os dias atuais 2) ou entatildeo se define o que eacute ceacuteltico a qual periacuteodo da histoacuteria
isto pertence e a partir daiacute elabora-se a periodizaccedilatildeo somente desta parcela de tempo E
claro em ambas as escolhas estaacute impliacutecito que deve-se concordar que celtas existiram
aceitar classificar povos diferentes (como scotus e helvecius) sob esta alcunha e estar
preparado para debates de caraacuteter identitaacuterio nacionalista relacionados agrave disputas
mnemocircnicas e representacionais Tendo em vista estas questotildees faz-se saber que uma
das periodizaccedilotildees mais frequentes nos livros sobre esta temaacutetica eacute uma contribuiccedilatildeo
arqueoloacutegica Trata-se da sequecircncia La Lusacecivilizaccedilatildeo dos campos de urnas Hallstatt
La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees que passamos a mencionar a seguir
A chamada Civilizaccedilatildeo dos Campos de Urnas compreende o periacuteodo que se
extende do seacuteculo XIV ateacute o IX antes da nossa era corresponde assim ao periacuteodo da
ldquoIdade do Bronzerdquo europeacuteia Venceslas Kruta diz que o termo ldquoCampos de Urnasrdquo estaacute
relacionado com as praacuteticas rituais desta civilizaccedilatildeo ligadas agrave incineraccedilatildeo dos corpos O
autor lembra no entanto que natildeo podemos pensar que havia exclusividade de apenas
este rito funeraacuterio Segundo Kruta alguns reconhecem nesta civilizaccedilatildeo dos campos de
221
urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria
linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute
difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta
possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada
civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA
1989 59)
A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos
encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na
Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica
ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar
alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma
vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo
usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo
relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando
o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos
como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo
que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da
Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por
exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-
c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob
a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo
especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo
(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o
periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados
deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal
localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt
222
como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os
Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)
A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados
arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos
(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este
nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um
Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos
como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma
forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo
de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt
(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma
que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with
their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic
art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de
localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as
obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida
(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos
materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou
exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as
aos celtas
Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes
migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de
fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de
Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem
que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que
frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees
destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate
223
sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha
desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta
data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos
documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na
Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua
obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado
The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)
Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos
campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na
maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a
conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir
se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade
memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser
religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)
da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais
caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se
necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando
responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre
estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees
e com tal divisatildeo encerramos este artigo
Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja
representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas
outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da
Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma
aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados
por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma
representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os
224
pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos
mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo
que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o
autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo
destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas
liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic
populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da
lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna
dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo
ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho
identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo
ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu
delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos
etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a
questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se
trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in
the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups
of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles
ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone
associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos
que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer
grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem
apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da
Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo
225
ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly
Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma
mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da
historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria
da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo
nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e
ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como
Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita
de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de
palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e
poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos
baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos
Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de
uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi
um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem
sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais
elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees
e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a
principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir
da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos
compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso
de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-
se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a
nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com
propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico
como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas
vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo
226
historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de
ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um
periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas
ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar
apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se
direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as
classificaccedilotildees satildeo outras
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988
CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio
de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012
CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997
DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000
DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the
West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992
DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-
Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994
DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas
Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011
DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade
Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006
FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9
Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987
FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade
Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15
GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996
227
GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia
hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003
HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp
2001
HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic
Studies Nordm 1 p 1-20 1981
HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press
1966
HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New
history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p
301-329
JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003
JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006
KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989
LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989
MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da
Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011
MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of
Archaeology Stroud
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic
World Londres Routledge 1996 p 636-653
RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New
York Thames and Hudson 1994
RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996
TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press
2000
228
TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO
Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro
UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925
WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History
John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298
221
urnas uma primeira expansatildeo ceacuteltica No passado jaacute houve ateacute mesmo uma teoria
linguiacutestica que tentava comprovar esta hipoacutetese O autor salienta que se por um lado eacute
difiacutecil comprovar estes viacutenculos por outro tambeacutem natildeo devemos duvidar desta
possibilidade Ele lembra ainda que natildeo podemos deixar de considerar que a chamada
civilizaccedilatildeo dos campos de urnas engloba tambeacutem outros agrupamentos eacutetnicos (KRUTA
1989 59)
A cultura de Hallstatt assim chamada por conta de uma seacuterie de artefatos
encontrados em uma localidade que leva este nome perto da cidade de Salzburgo na
Aacuteustria eacute frequentemente associada aos celtas Dificilmente um estudo sobre a temaacutetica
ceacuteltica deixa de fazer referecircncia a este fenocircmeno e eacute praticamente impossiacutevel encontrar
alguma obra sobre os Celtas em que a palavra ldquoHallstattrdquo natildeo apareccedila pelo menos uma
vez A ldquocultura de Hallstattrdquo eacute dividida em fases cada uma representando um periacuteodo
usando para esta finalidade letras do alfabeto A B C e D Estas divisotildees estatildeo
relacionadas com as camadas de artefatos que foram retiradas pelos arqueoacutelogos usando
o meacutetodo Estratigraacutefico Assim em obras de arqueologia eacute corrente encontrar termos
como ldquoHaArdquo ou ldquoHaBrdquo ou seja ldquoHallstatt Ardquo e ldquoHallstatt Brdquo respectivamente O periacuteodo
que costuma aparecer relacionado ao termo ldquoHallstattrdquo varia de 1200 ateacute 475 antes da
Era Comum Por vezes alguns destes periacuteodos satildeo enfatizados Barry Cunliffe por
exemplo aborda com maior detalhe ldquoHallstatt C- c 750-c 600 BCrdquo ldquoHallstatt D1- c 600-
c530520 BCrdquo e ldquoHallstatt D2-3 c 530520- c 450440 BCrdquo cuja reuniatildeo ele classifica sob
a forma ldquoThe Hallstatt World 650-450 BCrdquo Uma questatildeo de concentraccedilatildeo em um periodo
especiacutefico uma vez que como o leitor pode perceber Cunliffe comeccedila em ldquoHallstatt Crdquo
(750-600) natildeo fazendo referecircncia a ldquoHaArdquo e ldquoHaBrdquo e chamando de ldquoHallstatt Worldrdquo o
periacuteodo de 650 ateacute 450 antes da Era Comum (CUNLIFFE 1997 51) Com base nos achados
deste siacutetio arqueoloacutegico (Hallstatt) passou-se a falar entatildeo dos povos que viveram em tal
localidade como sendo celtas Kruta por exemplo considera a civilizaccedilatildeo de Hallstatt
222
como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os
Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)
A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados
arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos
(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este
nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um
Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos
como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma
forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo
de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt
(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma
que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with
their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic
art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de
localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as
obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida
(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos
materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou
exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as
aos celtas
Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes
migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de
fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de
Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem
que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que
frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees
destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate
223
sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha
desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta
data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos
documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na
Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua
obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado
The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)
Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos
campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na
maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a
conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir
se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade
memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser
religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)
da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais
caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se
necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando
responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre
estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees
e com tal divisatildeo encerramos este artigo
Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja
representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas
outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da
Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma
aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados
por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma
representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os
224
pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos
mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo
que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o
autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo
destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas
liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic
populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da
lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna
dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo
ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho
identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo
ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu
delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos
etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a
questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se
trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in
the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups
of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles
ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone
associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos
que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer
grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem
apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da
Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo
225
ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly
Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma
mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da
historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria
da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo
nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e
ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como
Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita
de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de
palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e
poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos
baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos
Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de
uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi
um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem
sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais
elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees
e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a
principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir
da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos
compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso
de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-
se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a
nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com
propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico
como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas
vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo
226
historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de
ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um
periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas
ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar
apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se
direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as
classificaccedilotildees satildeo outras
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988
CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio
de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012
CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997
DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000
DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the
West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992
DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-
Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994
DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas
Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011
DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade
Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006
FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9
Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987
FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade
Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15
GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996
227
GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia
hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003
HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp
2001
HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic
Studies Nordm 1 p 1-20 1981
HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press
1966
HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New
history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p
301-329
JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003
JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006
KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989
LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989
MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da
Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011
MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of
Archaeology Stroud
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic
World Londres Routledge 1996 p 636-653
RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New
York Thames and Hudson 1994
RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996
TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press
2000
228
TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO
Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro
UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925
WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History
John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298
222
como o ldquonuacutecleordquo de desenvolvimento das culturas ceacutelticas e que se queremos procurar os
Celtas ocidentais devemos procuraacute-los em Hallstatt (KRUTA 1989 60)
A sequecircncia cronoloacutegica das periodizaccedilotildees ceacutelticas tendo por base os achados
arqueoloacutegicos nos conduz agrave cultura de La Tegravene que relaciona-se a vaacuterios artefatos
(espadas fiacutebulas armas de defesa etc) encontrados em um siacutetio arqueoloacutegico com este
nome as margens do lago Neuchacirctel na Suiccedila descoberto em 1857 Descobriu-se aiacute um
Opiddum fortificaccedilatildeo celta que talvez pode ser a ideacuteia mais proacutexima do que pensamos
como sendo uma cidade vila ou povoado jaacute que estes povos natildeo apresentaram uma
forma de organizaccedilatildeo semelhante a Poacutelis ou a Urbs Cunliffe classifica La Tegravene no periacuteodo
de 450440-380370 antes da Era Comum Trata-se de uma fase posterior a Hallstatt
(imediatamente posterior ou com intervalo de uma ou duas geraccediloes) O autor afirma
que La Tegravene eacute um periacuteodo em que ldquoa warrior aristocracy frequently burried its dead with
their spears and swordsrdquo Segundo ele ldquoIt was in this zone that the highly distinctive Celtic
art style developedrdquo (CUNLIFFE 1997 63) Para os propoacutesitos deste artigo que eacute de
localizar periodizaccedilotildees para a escrita de uma histoacuteria dos celtas importa o fato de que as
obras que pretendem tecer tais narrativas fazem uso das formas ldquoHallstattrdquo e em seguida
(imediatamente apoacutes ou com algum intervalo) ldquoLa Tegravenerdquo contrastando-as a partir dos
materiais encontrados (por exemplo na primeira Hallstatt as armas eram para caccedila ou
exibiccedilatildeo jaacute em Laacute Tegravene o enterro de armas de guerra eram frequentes) e associando-as
aos celtas
Um importante momento neste quadro cronoloacutegico eacute o periacuteodo das grandes
migraccedilotildees destes povos considerados ldquoceltasrdquo o que pode ser percebido a partir de
fontes escritas ou por meio da cultura material Eacute neste contexto que insere-se o dia 18 de
Julho de 390 antes da Era Comum quando Roma foi atacada pelos celtas uma imagem
que perduraraacute na memoacuteria romana por longo tempo O seacuteculo IV a EC eacute a data que
frequentemente aparece no centro das polecircmicas relacionadas com as movimentaccedilotildees
destes povos por toda a Europa tanto continental quanto insular Eacute o cerne do debate
223
sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha
desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta
data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos
documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na
Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua
obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado
The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)
Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos
campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na
maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a
conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir
se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade
memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser
religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)
da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais
caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se
necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando
responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre
estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees
e com tal divisatildeo encerramos este artigo
Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja
representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas
outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da
Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma
aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados
por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma
representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os
224
pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos
mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo
que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o
autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo
destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas
liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic
populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da
lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna
dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo
ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho
identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo
ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu
delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos
etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a
questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se
trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in
the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups
of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles
ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone
associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos
que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer
grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem
apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da
Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo
225
ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly
Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma
mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da
historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria
da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo
nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e
ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como
Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita
de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de
palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e
poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos
baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos
Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de
uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi
um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem
sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais
elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees
e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a
principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir
da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos
compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso
de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-
se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a
nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com
propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico
como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas
vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo
226
historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de
ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um
periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas
ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar
apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se
direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as
classificaccedilotildees satildeo outras
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988
CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio
de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012
CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997
DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000
DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the
West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992
DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-
Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994
DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas
Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011
DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade
Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006
FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9
Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987
FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade
Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15
GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996
227
GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia
hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003
HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp
2001
HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic
Studies Nordm 1 p 1-20 1981
HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press
1966
HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New
history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p
301-329
JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003
JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006
KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989
LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989
MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da
Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011
MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of
Archaeology Stroud
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic
World Londres Routledge 1996 p 636-653
RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New
York Thames and Hudson 1994
RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996
TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press
2000
228
TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO
Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro
UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925
WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History
John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298
223
sobre se havia celtas na Irlanda e caso a resposta seja afirmativa se eles habitavam a Ilha
desde tempos mais longiacutenquos ou se houve uma grande invasatildeo celta agrave Irlanda nesta
data assunto retratado por exemplo na obra de TGE Powell (1965) Em termos
documentais haacute referecircncias a estas migraccedilotildees nas Histoacuterias de Tito Liacutevio e Poliacutebio e na
Geografia de Estrabatildeo por exemplo O tema eacute interessante o suficiente para que em sua
obra The Ancient Celts Barry Cunliffe tenha dedicado um capiacutetulo detalhado intitulado
The Migrations sobre este periacuteodo (CUNLIFFE 1997 68-90)
Geralmente esta sequecircncia que acabamos de mencionar La Lusacecivilizaccedilatildeo dos
campos de urnas Hallstatt La Tegravene periacuteodo de grandes migraccedilotildees estaacute presente na
maior parte das obras sobre celtas Todavia eacute importante lembrar que apoacutes Ceacutesar e a
conquista da Gaacutelia e logo a seguir depois do advento do Cristianismo passa-se a discutir
se ainda eacute possiacutevel falar de celtas Trata-se certamente de uma questatildeo de identidade
memoacuteria e representaccedilatildeo O cerne do debate migra para outras aacutereas passa a ser
religioso linguiacutestico poliacutetico folcloriacutestico etc Constanze Witt no capiacutetulo 26 (The Celts)
da obra A Companion to Ancient History fez uma boa sistematizaccedilatildeo sobre as principais
caracterizaccedilotildees dos ldquoceltasrdquo tendo em vista esta questatildeo accedilatildeo que como jaacute vimos faz-se
necessaacuteria para qualquer discussatildeo sobre periodizaccedilatildeo que envolva estes povos Tentando
responder agrave pergunta houve celtas antigos O autor considerou importante pensar sobre
estas diversas formas de representaccedilatildeo Vamos ver como Witt dividiu estas classificaccedilotildees
e com tal divisatildeo encerramos este artigo
Primeiramente aparece o que Witt chama de Popular Celts Ou seja
representaccedilotildees dos celtas na arte na muacutesica no neo-paganismo druidismo e diversas
outras filosofias que o autor classifica como ldquonew agerdquo Satildeo abordagens ficionais da
Antiguidade No Brasil esta temaacutetica dos usos e abusos do passado antigo costuma
aparecer sob o termo ldquoHistoacuteria Antiga e Usos do Passadordquo Eacute um dos temas explorados
por exemplo por Renata Senna Garraffoni da UFPR Witt lembra que em uma
representaccedilatildeo assim os celtas satildeo facilmente reconhecidos Assim se por um lado os
224
pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos
mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo
que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o
autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo
destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas
liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic
populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da
lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna
dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo
ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho
identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo
ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu
delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos
etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a
questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se
trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in
the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups
of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles
ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone
associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos
que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer
grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem
apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da
Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo
225
ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly
Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma
mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da
historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria
da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo
nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e
ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como
Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita
de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de
palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e
poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos
baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos
Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de
uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi
um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem
sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais
elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees
e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a
principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir
da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos
compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso
de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-
se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a
nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com
propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico
como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas
vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo
226
historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de
ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um
periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas
ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar
apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se
direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as
classificaccedilotildees satildeo outras
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988
CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio
de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012
CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997
DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000
DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the
West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992
DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-
Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994
DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas
Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011
DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade
Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006
FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9
Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987
FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade
Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15
GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996
227
GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia
hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003
HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp
2001
HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic
Studies Nordm 1 p 1-20 1981
HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press
1966
HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New
history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p
301-329
JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003
JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006
KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989
LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989
MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da
Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011
MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of
Archaeology Stroud
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic
World Londres Routledge 1996 p 636-653
RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New
York Thames and Hudson 1994
RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996
TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press
2000
228
TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO
Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro
UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925
WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History
John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298
224
pesquisadores acadecircmicos natildeo satildeo capazes de fornecer uma imagem definida dos
mesmos por outro o puacuteblico geral natildeo tem qualquer dificuldade para fazer isso mesmo
que estes ldquoceltasrdquo tenham pouco em comum com as evidecircncias arqueoloacutegicas A seguir o
autor destaca o que ele chama de Linguistic Celts Ou seja trata-se de uma definiccedilatildeo
destes grupos a partir dos idiomas que falam Witt lembra que a preservaccedilatildeo destas
liacutenguas ldquoceacutelticasrdquo ldquoplay a central role in the self-identification of modern Celtic
populationsrdquo (WITT 2009 285) Ethnic and ldquoculturalrdquo Celts eacute a proacutexima classificaccedilatildeo da
lista do autor e segundo ele estaacute diretamente relacionada com a ldquoinvenccedilatildeordquo moderna
dos celtas Uma temaacutetica complexa que envolve as noccedilotildees de uma cultura ou ldquoespiacuteritordquo
ceacuteltico comum e ateacute mesmo o uso da ciecircncia para responder questotildees de cunho
identitaacuterio como por exemplo as tentativas de mapeamento de um DNA ldquoceacutelticordquo
ligando povos antigos e modernos continentais e insulares Witt conclui seu
delineamento mencionando os celtas a partir da arqueologia e dos documentos antigos
etapas sobre as quais jaacute falamos Assim vamos agrave tese do autor Para ele o debate sobre a
questatildeo da ldquocelticidaderdquo vai continuar dificilmente isto seraacute resolvido uma vez que se
trata de um grande constructo Witt diz que a questatildeo da Celticidade estaacute ldquoVery much in
the eye of the beholderrdquo Ou seja ldquoIt is a construct imposed by outside observers on groups
of ancient peoplerdquo E ainda que noacutes natildeo temos com saber como estes povos se viam eles
ldquomay or may not have perceived themselves as having anything in common let alone
associated themselves with any form of the term ldquoCelticrdquordquo (Witt 2009 286)
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Esta eacute a grande questatildeo para uma problemaacutetica das periodizaccedilotildees destes povos
que chamamos de ldquoCeltasrdquo natildeo podemos afirmar que um dia tenha havido qualquer
grupo que se definisse assim Cada vez mais estudiosos da mateacuteria ceacuteltica parecem
apresentar uma maior consciecircncia criacutetica acerca desta forma Para o estudo da Histoacuteria da
Irlanda por exemplo fala-se com mais frequecircncia em ldquoPre-historic and Early Irelandrdquo
225
ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly
Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma
mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da
historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria
da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo
nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e
ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como
Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita
de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de
palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e
poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos
baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos
Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de
uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi
um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem
sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais
elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees
e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a
principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir
da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos
compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso
de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-
se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a
nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com
propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico
como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas
vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo
226
historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de
ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um
periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas
ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar
apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se
direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as
classificaccedilotildees satildeo outras
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988
CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio
de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012
CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997
DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000
DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the
West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992
DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-
Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994
DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas
Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011
DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade
Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006
FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9
Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987
FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade
Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15
GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996
227
GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia
hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003
HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp
2001
HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic
Studies Nordm 1 p 1-20 1981
HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press
1966
HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New
history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p
301-329
JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003
JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006
KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989
LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989
MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da
Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011
MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of
Archaeology Stroud
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic
World Londres Routledge 1996 p 636-653
RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New
York Thames and Hudson 1994
RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996
TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press
2000
228
TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO
Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro
UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925
WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History
John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298
225
ldquoIreland under the Vikingsrdquo ldquoIreland under the Normansrdquo ldquoMedieval Irelandrdquo ldquoEarly
Christian Irelandrdquo ldquoGaelic Irelandrdquo ldquoRoman Irelandrdquo etc Ou seja parece haver uma
mudanccedila nos usos da terminologia e das formas histoacutericas em periacuteodos mais recentes da
historiografia irlandesa aparecendo nomenclaturas que se concentram em uma ldquohistoacuteria
da Irlandardquo e natildeo em uma ldquohistoacuteria dos celtasrdquo Talvez esta seja uma referecircncia agrave questatildeo
nacional presente nos debates entre o que convencionou-se chamar de ldquonacionalismordquo e
ldquorevisionismordquo A mesma querela acompanha outros paiacuteses considerados ldquoceacutelticosrdquo como
Paiacutes de Gales Escoacutecia Ilha de Man etc Ou seja parece que as periodizaccedilotildees para a escrita
de uma histoacuteria dos ldquoCeltasrdquo se resumem mais a uma questatildeo que gira em torno de
palavras e natildeo de nuacutemeros Trata-se muito mais uma definiccedilatildeo identitaacuteria ideoloacutegica e
poliacutetica do que uma classificaccedilatildeo numeacuterica definindo eacutepocas ou periacuteodos histoacutericos
baseados em datas inferidas de documentos escritos ou achados arqueoloacutegicos
Trata-se de uma questatildeo bastante complexa falar de periodizaccedilatildeo para a escrita de
uma histoacuteria dos celtas pelo simples fato de que desde o iniacutecio o termo CeltaeCeltas foi
um termo generalizante que fazia referecircncia a um enorme conjunto de povos que nem
sempre compartilhavam interesses Basta lembrarmos que este foi um dos principais
elementos a favor de Juacutelio Ceacutesar quando de suas intervenccedilotildees na Gaacutelia as fragmentaccedilotildees
e divisotildees internas da mesma que facilitaram suas conquistas beacutelicas Assim talvez a
principal tarefa de algueacutem que queira aventurar-se pela mateacuteria ceacuteltica seja a de a partir
da leitura criteriosa da bibliografia acadecircmica especializada no assunto e de documentos
compreender um pouco destas discussotildees de caraacuteter identitaacuterio e relacionadas com o uso
de formas nas narrativas sobre o passado Haacute muita coisa escrita sobre o tema mas deve-
se sempre mapear de onde procedem os conjuntos de enunciados que mencionam a
nomenclatura ldquoceltardquo e seus derivados pois o termo aparece com inuacutemeros sentidos com
propoacutesitos divergentes e eacute utilizado para os mais variados fins em um arco cronoloacutegico
como vimos que vai do seacuteculo XIV antes da Era Comum ateacute o tempo presente e muitas
vezes sem qualquer base nas evidecircncias documentais e desprovido de uma diaacutelogo
226
historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de
ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um
periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas
ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar
apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se
direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as
classificaccedilotildees satildeo outras
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988
CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio
de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012
CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997
DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000
DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the
West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992
DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-
Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994
DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas
Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011
DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade
Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006
FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9
Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987
FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade
Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15
GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996
227
GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia
hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003
HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp
2001
HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic
Studies Nordm 1 p 1-20 1981
HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press
1966
HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New
history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p
301-329
JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003
JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006
KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989
LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989
MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da
Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011
MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of
Archaeology Stroud
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic
World Londres Routledge 1996 p 636-653
RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New
York Thames and Hudson 1994
RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996
TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press
2000
228
TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO
Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro
UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925
WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History
John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298
226
historiograacutefico consistente Ainda eacute importante ressaltar que talvez seja melhor falar de
ldquoEstudos Ceacutelticosrdquo do que relacionar os celtas a uma disciplina especiacutefica eou um
periacuteodo determinado como ldquoHistoacuteria Antigardquo ou ldquoHistoacuteria Medievalrdquo pois em diversas
ocasiotildees o pesquisador pode encontrar dificuldade se fizer questatildeo de insistir em usar
apenas estas definiccedilotildees que estamos habituados no Brasil principalmente quando se
direitir a uma biblioteca no exterior e perceber que nas estantes da mesma as
classificaccedilotildees satildeo outras
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
BARTHES Roland O Rumor da Liacutengua Satildeo Paulo Brasiliense 1988
CAcircNDIDO Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio
de Janeiro UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012
CUNLIFFE Barry The Ancient Celts Oxford Oxford University Press 1997
DAVIES Oliver OLOUGHLIN Thomas Celtic spirituality Paulist Press Eua 2000
DAVIES Wendy ldquoThe myth of the Celtic Churchrdquo IN The Early Church in Wales and the
West ed Nancy Edwards and Alan Lane Oxbow 1992
DOMANSKA Ewa KELLNER Hans WHITE Hayden Hayden White The Image of Self-
Presentation Diacritics Vol 24 Nordm 1 p 91-100 Spring 1994
DONNARD Ana Estudos Ceacutelticos em Resenha antigas identidades novos paradigmas
Extensatildeo e Cultura (UFG) v 10 p 160-165 2011
DONNARD Ana As Origens do Neo-Druidismo Entre Tradiccedilatildeo Ceacuteltica e Poacutes-Modernidade
Revista de Estudos da Religiatildeo-REVER (PUCSP) Satildeo Paulo v 2 p 88-108-2006
FE WARREN The Liturgy and Ritual of the Celtic Church Studies in Celtic History 9
Wolfeboro New Hampshire Boydell Press 1987
FARELL Elaine Serviccedilo Pastoral e dependentes eclesiaacutesticos na Irlanda na Alta Idade
Meacutedia Brathair 11 (2) 2011 3-15
GREEN Miranda J The Celtic World Londres Routledge 1996
227
GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia
hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003
HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp
2001
HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic
Studies Nordm 1 p 1-20 1981
HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press
1966
HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New
history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p
301-329
JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003
JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006
KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989
LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989
MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da
Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011
MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of
Archaeology Stroud
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic
World Londres Routledge 1996 p 636-653
RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New
York Thames and Hudson 1994
RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996
TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press
2000
228
TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO
Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro
UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925
WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History
John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298
227
GUARINELLO Norberto Uma morfologia da histoacuteria as formas da Histoacuteria Antiga Politeia
hist e soc Vitoacuteria da Conquista Vol 3 nordm 1 p 41-61 2003
HAYDEN WHITE Troacutepicos do Discurso Ensaios sobre a criacutetica da cultura Satildeo Paulo Edusp
2001
HUGHES Kathleen The Celtic Church Is This a Valid Concept Cambridge Medieval Celtic
Studies Nordm 1 p 1-20 1981
HUGHES Kathleen The Church in Early Irish Society New York Cornell University Press
1966
HUGHES Kathleen The Church in Irish society 400-800 In Oacute CROacuteINIacuteN Daacuteibhi A New
history of Ireland Prehistoric and Early Ireland New York Oxford University Press 2005 p
301-329
JACOBS Joseph Contos de fadas Celtas Satildeo Paulo Landy 2003
JOHN C Koch Celtic Culture- A Historical Encyclopedia CALIFORNIA ABC-CLIO 2006
KRUTA Venceslas Os Celtas Satildeo Paulo Martins Fontes1989
LUIacuteS COSTA LIMA A Aguarraacutes do tempo Rio de Janeiro Rocco 1989
MARQUEZ Rodrigo Oliveira Trecircs polecircmicas com Hayden White Revista de Teoria da
Histoacuteria Goiacircnia Ano 2 Nordm 5 p 54-82 Junho 2011
MORSE M A 2005 How the Celts Came to Britain Druids Ancient Skulls and the Birth of
Archaeology Stroud
POWELL TGE Os Celtas Lisboa Verbo 1965
RAFTERY Barry Ireland a world without the Romans In GREEN Miranda J The Celtic
World Londres Routledge 1996 p 636-653
RAFTERY Barry Pagan Celtic Ireland The Enigma of the Irish Iron Age London and New
York Thames and Hudson 1994
RANKIN David Celts and the Classical World London and New York Routledge 1996
TM CHARLES-EDWARDS Early Christian Ireland Cambridge Cambridge University Press
2000
228
TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO
Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro
UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925
WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History
John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298
228
TACLA Adriene Baron A ldquoDamardquo de Vix poder e prestiacutegio da Mulher Celta In CAcircNDIDO
Maria Regina Mulheres na Antiguidade- Novas perpectivas e abordagens Rio de Janeiro
UERJ-NEAGraacutefica e Editora-DG ltda 2012 p 925
WITT Constanze The ldquoCeltsrdquo In ERSKINE Andrew (org) A Companion to Ancient History
John Wiley amp Sons Ltd UK 2009 p 284-298