formação de filosofia

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0 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MARIA DULCINEA DA SILVA LOUREIRO A institucionalização e profissionalização da formação em Filosofia em Universidades do Nordeste São Paulo 2008

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    UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE EDUCAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    MARIA DULCINEA DA SILVA LOUREIRO

    A institucionalizao e profissionalizao da formao em Filosofia em Universidades do Nordeste

    So Paulo 2008

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    MARIA DULCINEA DA SILVA LOUREIRO

    A institucionalizao e profissionalizao da formao em Filosofia em Universidades do Nordeste

    Tese apresentada na Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo para a obteno do ttulo de Doutor em Educao.

    rea de concentrao: Filosofia e educao Orientador Prof. Dr. Antonio Joaquim Severino

    So Paulo 2008

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    Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

    Catalogao na Publicao Servio de Biblioteca e Documentao

    Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo

    378.301 Loureiro, Maria Dulcinea da Silva L892i A institucionalizao e profissionalizao da formao em filosofia em universidades no Nordeste / Maria Dulcinea da Silva Loureiro; orientao Antonio Joaquim Severino. So Paulo: s.n., 2008. 200 p.

    Tese (Doutorado Programa de Ps-Graduao em Educao. rea de Concentrao: Filosofia e Educao Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo

    1. Ensino superior - Filosofia 2. Filosofia - Histria 3. Formao de professores Filosofia 4. professores de ensino superior - Filosofia 5. Filsofos I. Severino, Antonio Joaquim, orient

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    FOLHA DE APROVAO

    Maria Dulcinea da Silva Loureiro A Institucionalizao e profissionalizao da formao em Filosofia em Universidades do Nordeste

    Tese apresentada na Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo para a obteno do ttulo de Doutor em Educao. rea de concentrao: Filosofia e educao Orientador Prof. Dr. Antonio Joaquim Severino

    Aprovado em: __________________

    BANCA EXAMINADORA

    Prof. Dr ____________________________________________________________________

    Instituio_________________ Assinatura______________________________________

    Prof. Dr ____________________________________________________________________

    Instituio_________________ Assinatura______________________________________

    Prof. Dr ____________________________________________________________________

    Instituio_________________ Assinatura______________________________________

    Prof. Dr ____________________________________________________________________

    Instituio_________________ Assinatura______________________________________

    Prof. Dr ____________________________________________________________________

    Instituio_________________ Assinatura______________________________________

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    Dedicatria

    A minha me (em memria), pelo carinho, amor e dedicao

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    Agradecimentos

    Agradeo a todos os meus amigos e amigas que durante estes quatro anos me acompanharam, ajudaram e me suportaram. A todos o meu mais sincero agradecimento. A minha famlia que esteve presente e me apoiou nesses ltimos anos. Agradeo tambm aos professores, coordenadores e funcionrios que me receberam nas instituies pesquisadas e, gentilmente se dispuseram a me auxiliar na procura dos documentos, nas conversas tirando dvidas e nas entrevistas, sem vocs este trabalho no seria possvel. Ao meu orientador, pela convivncia, com quem muito aprendi. Muito obrigada. A Universidade Regional do Cariri que pela liberao das atividades acadmicas. A FUNCAP pelo apoio financeiro. A todos que direta ou indiretamente contriburam para a realizao desta pesquisa.

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    "Que ningum hesite em se dedicar filosofia enquanto jovem, nem se canse de faz-lo depois de velho, porque ningum demasiado velho para alcanar a sade do esprito. Quem afirma que a hora de dedicar-se filosofia ainda no chegou, ou que ela j passou, como se dissesse que ainda no chegou, ou que j passou a hora de ser feliz." Epicuro, Carta sobre a felicidade

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    RESUMO

    LOUREIRO, Maria Dulcinea da Silva. A institucionalizao e a profissionalizao da formao em Filosofia em Universidades do Nordeste. 2008. Tese de Doutorado, Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo, 2008.

    Esta tese tem como objeto o processo de institucionalizao e profissionalizao da Filosofia em Universidades do Nordeste, a partir da anlise dos documentos que regulamentam os cursos de graduao em Filosofia no pas e das trajetrias dos cursos de Filosofia das seguintes instituies: Universidade Estadual do Cear UECE, Universidade Federal da Paraba - UFPB, Universidade Federal da Bahia - UFBA e Universidade Federal de Pernambuco UFPE. O objetivo deste trabalho compreender a estruturao, a concepo de filosofia e o processo de formao nesses cursos. Foram realizadas visitas s instituies para consulta aos documentos dos cursos (decretos, pareceres, propostas de reformulao, grades curriculares, projetos pedaggicos, artigos, etc.) e realizao de entrevistas com coordenadores e professores. Objetivamos problematizar a concepo de formao que se consolidou no Brasil tendo como eixo a histria da filosofia; para tanto refletimos sobre a origem da filosofia no Brasil a fim de melhor compreender como assimilada e re-significada. Em seguida discutimos o processo de profissionalizao, ou seja, a formao do filsofo e do professor de filosofia. A compreenso desta problemtica conduziu-nos a uma reflexo a respeito do pensamento de Kant, Hegel, Shopenhauer, Nietzsche, Severino, Vaz, Paim, Sousa, Ribeiro, Leopoldo e Silva, Cerqueira, dentre outros. Conclumos que, medida que se consolida o processo de institucionalizao e profissionalizao da filosofia, com a tradio historiogrfica, h um arrefecimento do discurso de formao do filsofo, que passa a ser substitudo pelo discurso da formao do profissional de filosofia, do pesquisador em filosofia, aquele que domina a histria da filosofia, capaz de ler e explicar os clssicos. O profissional que deve se adequar s necessidades do mercado de trabalho. Neste sentido, assume-se de forma subliminar a dificuldade de se formar o filsofo num curso de graduao, evidenciando uma crise no Bacharelado. Na trajetria destes cursos a formao do professor de filosofia no enfrentada filosoficamente. Entretanto, mesmo que no possamos dizer que esta realidade esteja efetivamente mudando, podemos afirmar que, pelo menos no plano do discurso, materializado nas Diretrizes para a Licenciatura e nos projetos de reformulao dos cursos pesquisados, h a preocupao em defender a indissociabilidade entre a pesquisa e a docncia e a necessidade da formao de um professor crtico. Neste sentido, conclumos que j se delineia um espao de reflexo que poder suscitar novas formas de se pensar e organizar a docncia em Filosofia, embora a formao em Filosofia, tanto do filsofo quanto do professor em Filosofia, ainda precisa ser repensada.

    Palavras-chave: Histria da Filosofia, Profissionalizao, Filsofo, Professor de Filosofia.

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    ABSTRACT

    LOUREIRO, Maria Dulcinea da Silva. The institutionalization and processes in professional improvement in undergraduate degrees of philosophy at universities located in the Northeast of Brazil. 2008. Doctoral thesis, College of Education of the So Paulo State University, 2008.

    This thesis analyzes the institutionalization and the formation process in undergraduate degrees in philosophy taking place in universities located in the Northeast region of Brazil, through the study of documents which regulate these courses as well as the analysis of the trajectory of the Philosophy courses at the following institutions: Cear State University UECE, Federal University of the State of Paraba - UFPB, Federal University of the State of Bahia - UFBA and Federal University of the State of Pernambuco UFPE. The objective of the present research is understanding the structure and concept of philosophy in the graduating process at these Universities. To this end, visits were conducted to the universities above with the objective of consulting course documents (decrees, written decisions, reformulation proposals, course requirements, pedagogical projects, articles, etc) and interviewing coordinators and professors. This work discusses the origin of philosophy in Brazil in order to better understand its assimilation and redefinition, and problem poses the concept of higher education which has consolidated itself in Brazil, taking as an axis the history of philosophy. After that, the learning process of the philosopher and the teacher of philosophy are discussed in the light of Kant, Hagel, Shopenhauer, Nietzche, Severino, Vaz, Paim, Souza, Ribeiro, Leopoldo e Silva, Cerqueira, among others. It became clear that as the processes of institutionalization and academic formation in philosophy solidify, there is a cooling down of the idea which defends the academic formation of philosophers. This position is starting to be substituted by another which defends the formation of professionals in philosophy, or researchers in philosophy, as the individual who is in command of the history of philosophy, and capable of reading and explaining the classics and well adapted to the needs of the marketplace. This change in positions exposes a crisis in the undergraduate courses of philosophy, shown by the need to hide difficulties in the process of graduating philosophers. The learning and teaching processes in theses courses are not undertaken philosophically. Although not being able to clearly state that this reality is in a process of change, it is possible to affirm that at least rhetorically there is change as seen in the document Diretrizes para a Licenciatura and in the projects defending course changes. One can see a move toward defending the need to unite research and pedagogy, and the need to educate critical professors. Finally, it is also clear that a new way of thinking and organizing the pedagogy of philosophy is in process, although the learning and teaching processes in philosophy, be it for the formation of philosophers of teachers of philosophy, still needs to be improved.

    Keywords: History of Philosophy, Processes in Professional Improvement, Philosopher, Teacher of Philosophy.

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    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ADS Ao Docente supervisionada ANFOP Associao Nacional de Formao de Professores ANPED Associao Nacional de Ps-Graduao em Educao ANPOF Associao Nacional de Ps-Graduao em Filosofia CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal do Ensino Superior CNE Conselho Nacional de Educao CNE Cmara de Educao Superior DCN Diretrizes Curriculares Nacionais ENDIPE Encontro Nacional de Didtica e Prtica de Ensino FAFI Faculdade de Filosofia FAFICE Faculdade de Filosofia do Cear FAFIFOR Faculdade de Filosofia de Fortaleza FFLCH Faculdade de Filosofia Letras e Cincias Humanas IBF Instituto Brasileiro de Filosofia MEC Ministrio da Educao e Cultura ONGs Organizaes No Governamentais PCNs Parmetros Curriculares Nacionais PSU Philosophie Scolaire et Universitaire RCNs Referenciais Curriculares Nacionais SEAF Sociedade de Estudos e Atividades Filosficas UECE Universidade Estadual do Cear UFBA Universidade Federal da Bahia UFC Universidade Federal do Cear UFPB Universidade Federal da Paraba UFPE Universidade Federal de Pernambuco USP Universidade de So Paulo

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    SUMRIO

    Introduo ................................................................................................................................11

    1- A Filosofia em Universidades do Nordeste..........................................................................19 1.1 Contexto do surgimento das Universidades e das Faculdades de Filosofia, Cincias e Letras........................................................................................................................................ 20 1.2. A regulamentao oficial dos cursos de graduao em Filosofia. ....................................24

    1.2.1 Parecer 277/62......................................................................................................31 1.2.2 Diretrizes Curriculares de 2001............................................................................36

    1.3 O que muda e o que permanece na organizao dos cursos a partir das legislaes..........46 1.3.1 A filosofia no se ensina, mas a filosofar: a ensinabilidade da filosofia .........51 1.3.2 O princpio da flexibilidade..................................................................................57 1.3.3. As mudanas ......................................................................................................59

    2- Filosofia no Nordeste, uma trajetria: UECE, UFPB, UFPE e UFBA ................................61 2.1 O curso de Filosofia no Estado do Cear o caso da UECE..............................................64

    2.1.1. O projeto pedaggico do curso de Filosofia da UECE.......................................74 2.2. O curso de Filosofia na Universidade Federal da Paraba UFPB...................................82

    2.2.1. O projeto poltico pedaggico do curso ........................................................89 2.3 O curso de Filosofia da Universidade Federal de Pernambuco UFPE............................96 2.3.1 A nova proposta de reforma curricular do curso................................................105 2.4. O curso de Filosofia da UFBA.........................................................................................111

    2.4.1. A pesquisa como princpio para a formao: o curso de Filosofia da UFBA...118 2.5 Algumas consideraes.....................................................................................................127

    3 - A filosofia no Brasil e a institucionalizao da formao.................................................134 3.1. A filosofia no Brasil: assimilao do modelo europeu?..................................................146 3.2. Formao: filsofo e/ou historiador da filosofia. ............................................................157 3.3. Formao: Professor de filosofia ....................................................................................170

    3.3.1 De que professor se fala? ..................................................................................173

    Algumas consideraes: encontrando a sada ou se perdendo outra vez no labirinto............186

    Referncias Bibliogrficas.....................................................................................................191

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    Introduo

    Conforme a mitologia Teseu, um jovem heri ateniense, sabendo que a sua cidade deveria pagar a Creta um tributo anual, sete rapazes e sete moas, para serem entregues ao insacivel Minotauro que se alimentava de carne humana, solicitou ser includo entre eles. Em Creta, encontrando-se com Ariadne, a filha do rei Minos, recebeu dela um novelo que deveria desenrolar ao entrar no labirinto, onde o Minotauro vivia encerrado, para encontrar a sada. Teseu adentrou o labirinto, matou o Minotauro e, com a ajuda do fio que desenrolara, encontrou o caminho de volta. Retornando a Atenas levou consigo a princesa.

    Pode parecer intrigante, iniciar a escrita de uma tese com o mito de Teseu e o Minotauro. Nosso interesse, no entanto, se desloca mais para o fio de Ariadne, por

    compreendermos que sem ele Teseu poderia, mesmo matando o minotauro, nunca sair do labirinto. Nesse sentido, o fio que conduz Teseu por entre as encruzilhadas do labirinto, o

    guiou em sua sada. Mas sair do labirinto algo que no est dado somente pela posse do fio que pode nos conduzir a trajetos sem sada, a encruzilhadas e nos tornar prisioneiros neles, enovelados. Mas ento por que esta metfora para iniciar a tese? Talvez pelo fato da imagem do labirinto ter se feito presente nestes quatro anos, sempre que nos voltvamos para o objeto de estudo e pela busca de um fio que nos conduzisse neste trajeto, cheio de possibilidades e de encruzilhadas.

    Para alm da idia de fio condutor, sua imagem tambm nos remete a tecer, transformar, fazer. O fio tanto no sentido de guiar quanto no de tecer ir nos acompanhar no

    intento de pensar a formao em Filosofia em Universidades do Nordeste. Tomando por base os textos oficiais que regulamentam estes cursos de formao e suas trajetrias, pretendemos discutir como, a partir da criao dos cursos superiores de Filosofia, se consolida o processo de institucionalizao e profissionalizao da Filosofia nestas universidades.

    A Filosofia no Brasil nos chega com os colonizadores, vinda nos navios, sob a guarda dos padres Jesutas e profundamente marcada pela tradio tomista desenvolvida na

    Idade Mdia europia. Sob a perspectiva jesutica, a orientao escolstica marcar este

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    processo de implantao da filosofia em terras indgenas, num clima tropical e que ter a miscigenao com a marca de um povo que se constituiu a partir da influncia das culturas indgenas, africanas, europias.

    A filosofia nos chega como disciplina escolar, com contedo, horrio e espao

    definido para se realizar, e tambm, restrita a um pblico que poderia ter acesso a esse tipo de saber. Durante muito tempo ficou praticamente reduzida Lgica, Metafsica e Teologia,

    ensinada nos Colgios (principalmente para os futuros padres). E enquanto disciplina teve sempre uma existncia ambgua, algumas vezes festejada e defendida como primordial para a formao dos jovens e, em outras, considerada desnecessria. surpreendente, para no dizer trgico, que esta ambigidade perdure at os dias de hoje. Se durante o perodo colonial a disciplina estava presente nas escolas de nvel secundrio, com a criao dos cursos superiores (Faculdades de Direito, Medicina e Engenharia) durante o Imprio, a Filosofia encontrou um lcus de reflexo nas Faculdades de Direito, que se constituram como o reduto de formao dos intelectuais do pas.

    Esta realidade comeou a se transformar com a criao das universidades na terceira dcada do sculo vinte. Com a implantao da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras da Universidade de So Paulo, em 1934 que se consolida o processo de institucionalizao da Filosofia. Assim, a Filosofia j surge entre ns sob os auspcios da Igreja e do Estado, antes como disciplina (matria, cadeira) e depois resguardada pela instituio universitria. Toda a nossa experincia de filosofia se deu a partir dos limites do institucional. Poderamos nos questionar se este no seria o espao ideal para o florescimento

    do pensamento filosfico, ou, melhor ainda, o nico espao onde a filosofia poderia se desenvolver! No entanto, basta um rpido olhar para a origem da filosofia que nasce nas

    praas pblicas, na gora, na democracia ateniense para percebermos que a via institucional no a nica e talvez no seja a que melhor permita o florescimento do pensamento filosfico. Contudo o nascimento no deve ser tomado como condio determinante do seu desenvolvimento ou dos rumos que a partir da tomou, como afirma, Bossi (1992) mesmo porque origem no determinao (p.47). Como no acreditamos que o sujeito seja determinado pela sua origem, o que caracterizaria uma viso determinista, tampouco podemos

    fazer esta inferncia sobre o desenvolvimento de qualquer rea do conhecimento humano, muito menos da filosofia. O fato que, mesmo no determinando, a forma como a filosofia surge no Brasil deixar marcas profundas no desenvolvimento do pensamento filosfico entre ns.

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    O carter institucionalizado de que se revestiu a filosofia no Brasil a primeira hiptese da qual partimos para tecer os fios desta tese, e que nos levou a pesquisar os cursos de graduao em Filosofia para compreendermos, a partir da forma como as estruturas curriculares foram definidas, se pensou a formao do filsofo e dos professores de filosofia.

    Este trabalho tem uma delimitao espacial que no pode ser desconsiderada; no objetivamos pesquisar todos os cursos de graduao em Filosofia que existem no territrio nacional. Portanto, restringimos a pesquisa regio Nordeste, por qu? A escolha por essa regio se d, primeiro, por uma questo de pertencimento, de residirmos e termos cursado a graduao em Filosofia na Universidade Estadual do Cear UECE, segundo, por que no encontramos pesquisas sobre estes cursos, apesar de terem sido criados nos anos 40 e

    50 do sculo XX. E terceiro, por uma questo de tempo e possibilidade de realizar a pesquisa de campo a contento, pois, segundo Alves (2005), tomando por base os dados do INEP1 existem no Brasil 114 cursos de graduao em Filosofia, 46 na regio Sudeste, 30 na regio Sul, 23 na regio Nordeste, 10 na regio Centro-Oeste e 05 na regio Norte (p.93). Os 23 cursos oferecidos no Nordeste se encontram assim distribudos: 02 em Alagoas, 05 na Bahia, 04 no Cear, 02 no Maranho, 02 na Paraba, 05 em Pernambuco, 01 no Piau, 01 no Rio Grande do Norte, 01 em Sergipe.

    O segundo passo foi delimitar quais os cursos da regio Nordeste seriam pesquisados, e para tanto definimos alguns critrios: i. instituies que oferecessem a Licenciatura e o Bacharelado em Filosofia e j tivessem formado mais de 05 (cinco) turmas; ii. Os cursos mais tradicionais e que ofertassem alm da graduao uma ps-graduao em

    Filosofia, iii. Cursos ofertados por Universidades Pblicas, sejam estaduais ou federais. A partir destes critrios selecionamos quatro estados: Cear, Pernambuco, Paraba e Bahia, e

    dentro deles quatro instituies: Universidade Estadual do Cear UECE, Universidade Federal de Pernambuco UFPE, Universidade Federal da Paraba UFPB e Universidade Federal da Bahia UFBA. Do total dos 23 cursos superiores de Filosofia da regio Nordeste, segundo Alves (2005), 04 ofereciam somente o Bacharelado, 06 o Bacharelado e a Licenciatura e 13 somente a Licenciatura (p.107). A estes critrios poderia se objetar o fato de termos propositalmente excludo as instituies religiosas da pesquisa2, j que, como afirmamos anteriormente, a filosofia chega ao Brasil trazida pelos Jesutas e, posteriormente,

    1 Este dados correspondem ao Cadastro por Curso de Filosofia - Planilha Bsica (1999-2004). Sabemos que

    foram criados novos cursos na Regio Nordeste que ainda no aparecem neste cadastro do INEP. 2 A pesquisa de Alves (2005) demonstra que 65% dos cursos superiores de Filosofia esto no setor privado,

    destes, 70% so confessionais, e 81% deste total so mantidos pela Igreja Catlicas. (p.102).

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    pelos Franciscanos, Beneditinos..., dentre outras ordens religiosas. E , exatamente por sua gnese entre ns ser marcada por uma tradio no secular que preferimos estudar as instituies oficialmente laicas. Com isso, no negamos a importncia e influncia que as instituies religiosas, principalmente catlicas, tiveram no desenvolvimento da filosofia no

    pas, mas no nos deteremos nesta questo.

    A segunda hiptese deste estudo, se refere predominncia da Histria da

    Filosofia na formao dada nos cursos de graduao. Esta predominncia no se restringe somente s disciplinas de Histria da Filosofia que, como veremos, a carga horria modifica-se de acordo com as estruturas curriculares e a compreenso de como deve se dar a formao dos estudantes em momentos e em configuraes diferenciadas nas instituies pesquisadas.

    A nfase na Histria da Filosofia est entranhada em quase todas as disciplinas. Disciplinas como tica, lgica, epistemologia, esttica so abordadas a partir da sua histria, a abordagem

    curricular historiogrfica o que nos leva a questionar se os cursos ao invs de formar o filsofo no estariam formando o historiador de Filosofia. Esta hiptese ser discutida ao longo da tese, seja nas regulamentaes legais para a organizao dos cursos, que sero discutidas no primeiro captulo, na busca de compreenso da trajetria dos cursos, como tambm nos novos projetos de reformulao, objeto do segundo captulo.

    Podemos afirmar que a influncia francesa nestes cursos um fato incontestvel, ainda que seja possvel identificar a influncia germnica e anglo-saxnica na estruturao deles. No entanto, no podemos afirmar que o mtodo estruturalista tenha conseguido se impor com o mesmo rigor que ocorreu, por exemplo, na USP. Arantes (1994) faz uma reflexo sobre a origem e os desdobramentos do que ele denomina de cultura filosfica uspiana (um modo de pensar e fazer filosofia). Entrecruzando vrios elementos que vo desde a sua experincia como aluno e professor da instituio at a anlise de obras filosficas e literrias, Arantes analisa criticamente o mtodo estruturalista historiogrfico que se instaura com a chegada da "misso francesa", derivado da mxima kantiana de que a filosofia no se ensina, quando muito, ensina-se a filosofar. Este mtodo se torna hegemnico,

    sedimentando uma cultura filosfica que, se por um lado, tem a vantagem de ser uma espcie de "vacina" contra os modismos, por outro, acaba se tornando uma camisa de fora. Arantes

    apresenta a tese de que a graduao em filosofia vive o paradoxo de formar o "filsofo que estuda filosofia", ou ainda, forma o leitor de textos filosficos (fillogo) e no o filsofo. Questiona ainda: pode-se falar em filosofia brasileira? O que significa filosofia no Brasil?

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    Outra hiptese que levantamos a de que os cursos de filosofia ao dicotomizarem a formao do bacharel e do licenciado de filosofia hierarquizando-os, contribuem para estigmatizar ainda mais a viso, na maioria das vezes, negativa da profisso de professor e mais, acabam no investindo muito nesta formao. Aos professores caberia

    repassar teorias e conceitos filosficos produzidos por "filsofos". Esta postura se reflete na construo da identidade do professor de filosofia e na ausncia de articulao entre as

    disciplinas ditas pedaggicas e as disciplinas filosficas. Como tentaremos demonstrar, esta questo toma corpo a partir da criao das Faculdades de Filosofia e persiste at os dias de hoje, o que, no nosso entendimento, demonstra a ausncia e a necessidade de se pensar com mais sistematicidade esta problemtica.

    A reflexo sobre a formao dada nos cursos de graduao em Filosofia nos conduz a uma discusso sobre a tessitura das estruturas curriculares que, tomando por

    referencia as legislaes, se materializaram nas instituies pesquisadas. Neste sentido, faz-se necessrio que definamos de qual lugar falamos quando analisamos o currculo proposto para os cursos de graduao em Filosofia. Faremos, portanto, uma reflexo sobre teoria do currculo3, de forma a dar suporte s reflexes que sero desenvolvidas ao longo do trabalho.

    Nos documentos no h nenhuma discusso sobre currculo, a concepo implcita de que currculo corresponde definio de um conjunto de disciplinas obrigatrias para a graduao em Filosofia. No podemos esquecer que a reflexo sobre currculo no Brasil demora, segundo Berticelli (2005), a alcanar um nvel de discusso sociolgica. Somente na dcada de 80 do sculo XX que se configurou um debate

    abrangente sobre a questo do currculo, tomando como base a Nova Sociologia da Educao (NSE). Anteriormente a matriz terica era de Tyler. A partir dos anos 90, a reflexo sobre currculo ser marcada por estudos no campo dos Estudos Culturais.

    Partiremos da compreenso do currculo como uma construo social que orienta as prticas educativas. Neste sentido, tanto os contedos quanto a forma na qual ele se materializa, revela uma opo historicamente configurada, seja culturalmente, socialmente e politicamente. Segundo Sacristan: "O currculo uma (...) prtica, expresso da funo socializadora e cultural que determinada instituio tem, que reagrupa em torno dele uma

    srie de subsistemas ou prticas diversas (...)" (1998, p.15-6). Segundo Moreira e Silva (1994, p.28) o currculo

    3 Para aprofundamento ver: Moreira ( 1995), Apple (1999), Costa (2005), Silva (2004), Goodson (1995),

    Moreira e Silva (1994, 1995), Sacristan (1998)

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    no o veculo de algo a ser transmitido e passivamente absorvido, mas o terreno em que ativamente se criar e produzir cultura. O currculo , assim, um terreno de produo e de poltica cultural, nos quais os materiais existentes funcionam como matria-prima de criao, recriao e, sobretudo, de contestao e transgresso.

    Ao optar por traar a trajetria dos cursos de Filosofia, tomando por base os documentos, principalmente, as estruturas curriculares, o fizemos, por acreditar que estas

    estruturas, mais que a enumerao de disciplinas e crditos, revelavam a concepo de filosofia e de formao de seus atores/protagonistas. Neste sentido nos filiamos a teoria crtica

    de currculo por compreendermos que a definio de disciplinas, reas e contedos trabalhados so filamentos de uma seleo contextualizada, de uma construo sociopoltica. Estas definies no esto dadas de uma vez para sempre, mas tem a marca daqueles que, em determinado momento histrico, sob determinadas condies formavam o colegiado do curso

    e se propuseram a pensar, propor, elaborar, redefinir seu desenho.

    A discusso do currculo pressupe o conceito de formao e de filosofia.

    Etimologicamente o termo formao vem do latim formatione e, segundo o dicionrio Aurlio pode se referir tanto a constituio do carter como a forma como se constitui uma mentalidade ou um conhecimento profissional, sendo a um s tempo constitudo e constituinte. O termo envolve aspectos que se referem ao mbito individual, ou seja, a formao da subjetividade, e aos aspectos coletivos, se aproximando de ideologia e cosmoviso, ou diretamente relacionados formao de um conjunto de saberes de uma categoria profissional.

    Quando nos referimos a formao no pretendemos contrapor as dimenses individual e coletiva, pois partimos da compreenso de que elas compem uma mesma e indissolvel teia. O conceito de formao pressupe as idias de homem, natureza e cultura. Definir qual formao requer pensar: para qu? Por qu? Para quem? Neste sentido formao passa a se configurar como meta, objetivo, integra o conceito de cultura, portanto, de processo, de devir.

    Formao um conceito histrico, desse modo, procuramos nos afastar das concepes que a tomam como cultivo de aptides inatas, de algo dado, j existente e nos aproximamos do conceito como paidia, como emancipao. Quando nos referimos a um processo de formao devemos levar em conta os aspectos sociais, polticos, ticos e

    estticos, relacionando-os ao contexto histrico-cultural. Compreendemos a formao como algo processual, que ocorre durante toda a vida. Neste texto nos interessa compreender

  • 17

    formao relacionado formao profissional e, mais especificamente, em filosofia. O aspecto formador da filosofia segundo Severino (2003), se revela quando assumimos a filosofia como paidia. Em outras palavras, a filosofia se torna uma paidia, na medida em que, necessariamente se destina a formar toda a coletividade humana (p.51). O que significa pensar no filsofo como o educador da cidade. Este sentido mais geral diferencia-se e est diretamente relacionado concepo de formao mais especializada, que ocorre no interior

    de uma instituio, nos cursos que se propem a formar os filsofos. Neste sentido,

    O Curso de Filosofia no pode voltar-se para a reproduo de uma categoria tcnica de alta especialidade, que girasse em torno de si mesma, ou para a sustentao de setores igualmente especializados da sociedade. por isso mesmo que a formao filosfica deveria perpassar, impregnar capilarmente, todo o organismo societrio e universitrio. Trata-se de um tipo de formao que diz respeito a todo mundo. (Idem, p.52)

    Esta tese est estruturada em trs captulos. No primeiro captulo objetivamos compreender, a partir da legislao, a forma como historicamente foi pensada a formao em

    Filosofia no pas. Para isto, faremos uma contextualizao do surgimento das Universidades e das Faculdades de Filosofia, Cincias e Letras para em seguida discutirmos as regulamentaes dos cursos de graduao em Filosofia baseada nos documentos: Diretrizes Para o Curso de Filosofia de Jean Maugue de 1934, Decreto n 1.109/39, Parecer 277/62 e as Diretrizes Curriculares para os Cursos de Graduao em Filosofia de 2001. A anlise destes documentos apontar o que muda e o que permanece na organizao dos cursos a partir destas legislaes. Como pontos comuns, encontramos a discusso acerca da ensinabilidade

    da filosofia, que se expressa na mxima kantiana de que A filosofia no se ensina, mas a filosofar; e a hegemonia da histria da filosofia, como base para a formao. Nos dois

    ltimos documentos a flexibilidade e a liberdade so princpios que norteiam estes textos legais. Para finalizar este captulo buscamos apontar as mudanas que ocorreram na forma de pensar e estruturar os cursos.

    Tomando por base a trajetria dos cursos de Filosofia de quatro instituies pblicas do Nordeste, nos deteremos, no segundo captulo, na anlise de como estas legislaes se objetivaram nas estruturas curriculares e projetos dos cursos de graduao desde seu surgimento. Finalizaremos este captulo com a analise dos projetos de reformulao curricular que estes cursos elaboraram, procurando se adequar s Diretrizes Curriculares de

    2001.

    Para realizarmos esta incurso na trajetria dos cursos utilizamos os documentos que tivemos acesso nas visitas feitas as instituies: UECE, UFPB, UFPE,

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    UFBA, e as entrevistas e conversas com professores, coordenadores e funcionrios. importante ressaltar que obtivemos documentos diferentes; na UECE tivemos acesso alm das estruturas curriculares a textos elaborados por professores e alunos que foram discutidos em encontros para a elaborao de mudanas curriculares, j na UFPB, tivemos acesso aos decretos que regulamentavam as mudanas curriculares. Portanto, a forma de apresentar cada curso/instituio est de acordo com o tipo de documento a que tivemos acesso.

    A discusso sobre o processo de institucionalizao e profissionalizao da filosofia no Brasil, ser realizada no terceiro captulo. Objetivamos problematizar a concepo de formao que se consolidou no Brasil tendo como eixo a histria da filosofia, para tanto faremos uma discusso sobre a forma como a filosofia nos chega, assimilada e re-

    significada para ento discutir o processo de profissionalizao, ou seja, a formao do filsofo e do professor de filosofia.

    A discusso sobre a formao do professor de filosofia levar em conta a trajetria destes cursos e as propostas de reformulao curricular. Nosso olhar ser pautado pelas concepes tericas relativas formao do professor e de desenvolvimento profissional que esto em foco, procurando relacion-las a estas trajetrias e a concepo de professor presentes nestes projetos.

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    1. A filosofia em Universidades do Nordeste

    Neste texto objetivamos compreender como se deu o processo de criao dos cursos de Filosofia a partir das Faculdades de Filosofia, Cincias e Letras. Para isso, faremos uma discusso sobre o contexto histrico, enfatizando os aspectos sociais, polticos e

    econmicos que possibilitaram a estruturao da Universidade no Brasil e das Faculdades de Filosofia. Em seguida, tendo por base os documentos que regulamentam os cursos de

    graduao em Filosofia, discutimos sobre o processo de institucionalizao da filosofia via cursos de ensino superior de Filosofia.

    Por meio da anlise dos documentos: 1. Diretrizes para o Curso de Filosofia de Jean Maugue de 1934, 2. Decreto n. 1.109/39, 3. Parecer 277/62 e as 4. Diretrizes Curriculares para os Cursos de Graduao em Filosofia de 2001, que regulamentam os cursos de graduao em Filosofia, buscamos explicitar a forma como determinada a estruturao

    dos cursos de graduao em Filosofia, assim como, a concepo de filosofia e de formao vinculada por eles.

    Nos documentos no verificamos uma discusso aprofundada sobre currculo. possvel constatar apenas uma concepo implcita de que currculo corresponde definio de um conjunto de disciplinas obrigatrias para a graduao em Filosofia. Partiremos da compreenso do currculo4 como uma construo social que orienta as prticas educativas.

    Neste sentido, tanto os contedos quanto a forma na qual ele se materializa, revela uma opo historicamente configurada, seja cultural, social e politicamente. Segundo Sacristan (1998): "O currculo uma (...) prtica, expresso da funo socializadora e cultural que determinada instituio tem, que reagrupa em torno dele uma srie de subsistemas ou prticas diversas (...)" (p.15-16).

    4 A anlise que ser feita baseia-se nas reflexes realizadas anteriormente na introduo.

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    1.1 Contexto do surgimento das Universidades e das Faculdades de Filosofia, Cincias e Letras.

    Os anos 30 do sculo XX, poca em que se d a criao da Universidade no Brasil, so marcados por profundas transformaes na sociedade brasileira, tanto no mbito

    econmico, como no poltico e social. No mbito poltico, a Revoluo de Outubro revela uma crise da hegemonia poltica que se consubstancia com a instalao do Governo Provisrio. Em 1932 ocorre a Revoluo Constitucionalista em So Paulo, que resulta da perda de poder poltico pelas oligarquias paulistas. Em 1933, instala-se a Assemblia Constituinte e, em 1934, promulgada a nova constituio o pas. Esses acontecimentos culminam com o golpe de Estado em 1937. , neste contexto dos anos 30, que, segundo Fvero (1989), no mbito das polticas educacionais

    o Governo d origem ao prprio empreendimento universitrio, articulando medidas que vo desde a o projeto de Reforma do Ensino Superior, do Ministro Francisco Campos (1931), passando pelo projeto de reorganizao do Ministrio da Educao e Sade em 1935, pela institucionalizao da Universidade do Brasil (1937), at chegar a criao da Faculdade Nacional de Filosofia, em 1939 (p.09 v.3).

    Segundo Cunha (1986), o perodo Vargas se caracteriza no campo econmico pelo processo de substituio das importaes e uma crescente interveno do Estado, o que promove maior desenvolvimento da industrializao no Brasil. No campo poltico, h uma reduo do poder das oligarquias agrrias, o enfraquecimento das lutas sindicais com a sujeio, em razo da legislao trabalhista, das classes trabalhadoras, o aumento do poder da burguesia industrial que se desenvolvia em So Paulo, a centralizao do Estado e do autoritarismo com a represso das manifestaes da sociedade civil. Nessa conjuntura aparecem, no campo educacional, duas polticas educacionais: a liberal e a autoritria.

    Em 1931, promulgado o Estatuto das Universidades Brasileiras, o qual fazia parte do Projeto de Reforma do ensino superior. Segundo Fvero (1989) ao ser instalada, em 1935, a Universidade surge como divisor de guas, em meio agitao que marca o pas naquele momento e as disputas pelo controle dos rumos da educao nacional" (p.22). Essa instituio nasce com a misso de constituir-se em ncleo de formao do quadro intelectual

    do pas, at aquele momento formado ao sabor do mais abandonado e mais precrio autodidatismo (Idem, p.26). A Universidade no Brasil, segundo Tobias (1968), influenciada pela Universidade de Coimbra, de Paris e pelos Jesutas, constituindo, portanto, a

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    sntese da educao crist, cujas bases encontram-se nas tradies da Universidade de Paris e de Coimbra.

    No podemos esquecer que a criao da Universidade no Brasil se deu, formalmente, nos anos 205 do sculo XX, ao ser criada a Universidade do Rio de Janeiro,

    oriunda da agregao de Escolas Superiores isoladas. Entretanto, somente com a criao do Ministrio de Educao e Sade no governo de Getlio Vargas que, nos anos 30 do sculo

    XX, veremos efetivar-se o projeto da construo da Universidade no Brasil, com a Reforma Francisco Campos. J havia em outros estados, como em Minas Gerais e Paran6, esta mesma estrutura de Universidade, respaldada por legislaes estaduais nem sempre reconhecidas pelo governo federal.

    O Decreto n. 19.851 de 1931 institui o Estatuto da Universidade Brasileira, que ter como inovao a criao da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras, que deveria

    compor juntamente com a Faculdade de Medicina e a Faculdade de Engenharia a nova estrutura (dentre essas faculdades, duas deveriam estar sempre presentes na sua composio) (TOMAZETTI, 2003, p.111). A Faculdade de Filosofia se apresenta como o lcus privilegiado de formao dos intelectuais, assim, a Universidade assume o papel de escola da classe dirigente, como mecanismo atravs do qual se faz a seleo dos indivduos das outras classes sociais a serem incorporados no quadro governante, administrativo e de direo. Nas palavras de Vaz (1978)

    as Faculdades de Filosofia que sucessivamente se criam vm a ser, desta sorte, os instrumentos normais de elaborao de uma cultura superior de carter puro, em continuidade orgnica com os outros planos estruturais da vida intelectual da nao. Elas devem proporcionar assim as condies ideais para a atividade filosfica como manifestao mais alta desta cultura pura em que iro exprimir-se as tendncias profundas e as exigncias histricas autnticas da vida nacional (In: FRANCA, p.348).

    O Projeto universitrio tratar de duas questes essenciais: a autonomia e a organizao universitria. Nessa perspectiva, a autonomia se v marcada pelo modelo autoritrio e discricionrio do Estado Novo e a organizao universitria ser pensada tendo como pressuposto "a organizao da nacionalidade e da sociedade em direo ao

    5 Para aprofundamento desta questo, ver: CUNHA, Luiz Antonio. A universidade tempor. Rio de Janeiro:

    Livraria Francisco Alves Editora, 1986; FVERO, M. de Lourdes (coord.). Faculdade Nacional de Filosofia - Projeto ou trama universitria? Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, INEP, 1989. (v.1). 6 Em 1912, com a criao da Universidade do Paran, surge a primeira universidade do Brasil. Durante todo o

    perodo colonial e mesmo no Imprio, Portugal no permitiu a criao de Universidades, opondo-se a "qualquer cultura superior na Colnia" (TOBIAS, 1968, p.16)

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    desenvolvimento como garantida pela elevao do nvel cultural da populao" (FVERO, 1989, p.09, v.3). O Governo impe, assim, um modelo nico de universidade, padronizado para todo o pas, fato que reflete o forte centralismo presente na educao escolar do perodo, bem como na Reforma Francisco Campos, acentuada mormente por Gustavo Capanema.

    Segundo Fvero (1989) somente aps a primeira metade dos anos 30 do sculo XX se torna explcita, por parte dos detentores do poder, a compreenso do carter ideolgico

    da educao no sentido de consolidar as mudanas estruturais. Esse fato que leva o Governo no s a ampliar os espaos educacionais, mas tambm a regulament-los, submetendo-os, assim, ao seu incisivo controle, o que torna o sistema de ensino um eficaz instrumento de manipulao.

    Com o Decreto-lei n. 1190, de 4 de abril de 1939, cria-se a Faculdade Nacional de Filosofia, a qual se imbuia das seguintes finalidades: a) preparar trabalhadores intelectuais para o exerccio das altas atividades culturais de ordem desinteressada ou tcnica; b) preparar candidatos ao magistrio secundrio e normal; c) realizar pesquisas nos vrios domnios da cultura, constituidores de objeto de seu ensino (FVERO, 1989, p.30).

    A Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras, desde sua criao, traz, em sua concepo, a dicotomia que ir acompanh-la em toda a sua trajetria: ser, ao mesmo tempo, responsvel pela formao da elite intelectual do pas e pela formao profissional de professores. Nesse sentido, ela passa a ser, simultaneamente, guardi da sabedoria e do estudo contemplativo e desinteressado, lcus da pesquisa pura e da intelectualidade e, por outro lado, responsvel pela formao dos professores para o ensino mdio. Devido a estas funes to

    diferenciadas, a formao dos professores passou a ter um tratamento diferenciado, sendo relegada a um segundo plano. Pode-se afirmar que embora de nvel superior, a formao de

    professores secundrios constitui, desde o incio, dentro e fora da universidade, uma formao de segunda categoria, face aos demais cursos superiores (FETIZON In: TOMAZETTI, 2003, p.122).

    Somente com a criao da USP, em 1934, teremos uma Universidade que se baseia na estrutura do Decreto de 1931, o qual tinha como crebro a Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras. Apesar de ter, como uma das suas funes, a formao de professores, esta

    tarefa ficar a cargo do Instituto de Educao, posteriormente denominada de Faculdade de Educao, aps a reforma universitria.

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    Com a criao, em 1937, da Universidade do Brasil, que tinha por princpios fixar o padro do ensino superior de todo o pas e constituir-se em uma instituio nacional, com estudantes recrutados em todo pas com critrios rigorosos de seleo (TOMAZETTI, 2003, p.123), institui-se, a partir de 1939, como modelo para todo o pas, a estrutura da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. Ainda, segundo Tomazetti (2003), neste contexto que a Faculdade de Filosofia Cincias e Letras relegava a sua finalidade cultural e desinteressada a segundo plano e assumia carter profissional, com o objetivo maior de formar professores para o ensino secundrio (p.121). Neste momento, cabe questionarmos sobre se este objetivo foi realmente concretizado ou se, na prtica, o que ocorreu foi a continuao da contradio entre uma formao desinteressada, humanstica de

    cultura geral, espao da formao dos pesquisadores, e a formao dos professores. No pretendemos responder a esta questo, mas vale ressaltar que, at os dias de hoje, essa problemtica est na ordem do dia, e, na maioria das instituies de ensino superior, ainda dada pouca importncia formao de professores.

    Toda esta efervescncia que marca a criao das Universidades ir tomar corpo na regio Nordeste nos anos 40 e incio dos 50 do sculo XX, fato que se consolida ainda sob o impacto das transformaes de 1930 e respalda-se na legislao criadora das universidades, a qual vem favorecendo o surgimento de universidades em diferentes estados. Nesse contexto, em 1946, criada a Universidade Federal da Paraba e, em 1949, a Universidade Federal da Bahia; no ano seguinte criada a Universidade Federal de Pernambuco e, somente em 1954, a Universidade Federal do Cear.

    Neste espao de tempo, dos anos 30 at os anos 60 do sculo XX, nenhuma modificao legal foi feita na estrutura curricular dos cursos de graduao em filosofia. No

    entanto, surgiram cursos de graduao em todo o pas7, tendo em 1959, Moraes Filho (1959) relacionado as 50 (cinqenta) Faculdades de Filosofia existentes no Brasil com 1.010 (um mil e dez) alunos matriculados nos cursos, contando com 272 (duzentos e setenta e dois) professores. Somente em 1962, teremos uma reformulao dos currculos dos cursos com a elaborao do Currculo Mnimo.

    7 Para aprofundamento ver: MORAES FILHO, Evaristo de. O Ensino da Filosofia no Brasil. Revista Brasileira

    de Filosofia. Vol. IX fasc. I p.19-45, jan./ mar.,1959; TOBIAS, Jos A. O ensino da Filosofia nas universidades brasileiras. Washington, D.C.: Unio Pan-Americana (Secretaria Geral, Organizao dos Estudos Americanos), 1968 (A filosofia e a universidade, 3)

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    No podemos esquecer que o Brasil estava passando por um processo acelerado de industrializao, acompanhado, desde os anos 50 do sculo XX, de uma euforia desenvolvimentista com uma expanso do ensino em todos os nveis. Os anos sessenta sero marcados por transformaes que, desencadearo o golpe militar em 1964. Em 1968, seis anos depois de elaborado o Parecer 277/62 que define o Currculo Mnimo para o curso de filosofia em todo o pas, a reforma universitria levada a efeito, respaldada pelo Ato

    Institucional n. 5 e do Decreto n477, segundo Chau (2001)

    O primeiro preconizava a necessidade de encarar a educao como um fenmeno quantitativo que precisa ser resolvido com o mximo rendimento e mnima inverso, sendo o caminho adequado para tal fim a implantao de um sistema universitrio baseado no modelo administrativo das grandes empresas (...). O segundo preocupava-se com a falta de disciplinas e autoridade, exigindo a reconduo das escolas superiores ao regime de nova ordem administrativa e disciplinar (...) (p.46).

    Com a reforma universitria8 no ocorreu nenhuma alterao oficial, no que se refere as definies do Parecer 277/62. No entanto, as instituies necessitavam se adequar ao que determinava a reforma, como por exemplo, a implantao do sistema semestral por crditos com a matrcula por disciplinas, em substituio ao sistema anual, alm da criao do

    curso bsico.

    1.2. A regulamentao oficial dos cursos de graduao em Filosofia.

    O trabalho de anlise dos documentos oficiais que regulamentam a graduao em filosofia a partir de 1939 se dar conjuntamente com a leitura dos documentos que tinham por finalidade regulamentar os cursos nas instituies de educao superior, como a grade curricular do curso de Filosofia do Largo de So Bento criado em 1908, e o texto elaborado por Maugu de 1934 com as Diretrizes para o curso de Filosofia da Faculdade de So Paulo. Acreditamos que estes documentos fornecem elementos para melhor compreendermos os

    documentos oficiais que regulamentam a graduao em Filosofia a partir de 1939. Somente em 1939, teremos uma regulamentao oficial que define a

    estruturao curricular dos cursos superiores de Filosofia, com o Decreto-Lei n. 1.190 de 04 de abril de 1939 D organizao da Faculdade Nacional de Filosofia, o qual regulamentava a Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil, e que se estendeu para todos os cursos

    8 Para um maior esclarecimento sobre a reforma ver: CHAU, M. Escritos sobre a universidade. So Paulo: Ed.

    UNESP, 2001

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    criados a partir desse momento. Este Decreto-Lei foi substitudo somente em 1962 pelo Parecer 277/62. A partir de 2001, esse Parecer ser substitudo, quando passam a vigorar as Diretrizes Curriculares para os Cursos de Filosofia no pas. Nessa perspectiva, buscamos analisar essas leis relacionando-a e apontando seus pontos de interseo e de ruptura.

    importante ressaltar que desde 1908 j havia cursos superiores de Filosofia em territrio nacional. Em 13 de julho de 1908, instala-se o primeiro curso superior de filosofia no Brasil, localizado no Largo de So Bento em So Paulo. A criao da Faculdade ocorre numa situao que, segundo o Muchail, defeituosa e singular (1992, p.128), pois no havia no Brasil, at aquele momento, cursos de Filosofia, os quais se restringiam a aulas no curso de Direito e no sexto ano do colegial. Segundo o abade D. Miguel Kruse, seu

    fundador, a Faculdade destinava-se a conduzir o esprito dos estudantes da escravido exclusivista do a posteriori do positivismo e dos mtodos experimentais liberdade do esprito que se distingue pelo a priori, bem entendido, em busca dos princpios da verdade, a fim de estabelecer equilbrio entre o a posteriori e o a priori do conhecimento humano (III Kriterion, 1953, p.383, In: CAMPOS, 1998, p.55).

    A Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de So Bento tem como primeiro programa de estudos:

    1) Lgica, chamada tambm Lgica Formal; 2) Criteriologia, ou tratado da certeza; 3) Psycologia, ou tratado da alma humana, podendo-se agregar-lhe o tratado do bello; 4) Cosmologia, ou explicao philosiphica das sciencias naturaes; 5) Theodicea, ou theoria racional de Deus, com abstraco daquillo que se sabe pela f revelada; 6) Methapysica, ou exposio dos princpios mais geraes do saber; 7) Philosophia moral (individual, familiar ou social); 8) Histria da Philosophia (Annuario, 1 ano, 1908, p. 32 In: MUCHAIL, 1992, p.129).

    Aps a criao da Faculdade era necessrio conseguir o reconhecimento e, no

    tendo resultado positivo, a Faculdade passou a ser agregada da Universidade de Louvain. Em 1911, funda uma sociedade denominada de Centro de Philosophia e Lettras. Em 1917, a Faculdade fechada reabrindo somente em 1922. A Faculdade, a partir de 1936, passa por uma reforma pleiteando reconhecimento oficial que ocorre em 1937 e 1940. Em 1946 incorporada a Universidade Catlica de So Paulo PUC.

    Com a criao da USP em 1934, e da Faculdade de Filosofia Cincias e Letras, o curso de Filosofia ter suas bases diretivas no texto de Maugu O ensino da Filosofia suas diretrizes, publicado no Anurio da Faculdade de Filosofia Cincias e Letras - 1934-1935, no qual h um conjunto de formulaes que objetivam orientar a organizao do curso.

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    O texto em questo no tem a preocupao de fixar um currculo para os cursos e divide-se em duas partes. Na primeira, Maugu apresenta uma reflexo sobre a filosofia e sua relao com as outras cincias, mostrando sua natureza e especificidades e, na segunda, elabora proposies que devem orientar o ensino da filosofia.

    Dessa forma, o autor se prope a "fixar as condies do ensino filosfico" (Idem, p.25) na Faculdade, e enfatiza que o teor das reflexes que se seguiro podem ser resumidas numa "formula" kantiana: "a filosofia no se ensina. Ensina-se a filosofar". Esta afirmao se centra na perspectiva de que a "filosofia o filsofo", ou seja, no tocante ao ensino a filosofia vale o que o professor de filosofia valer, assim se expressa "o ensino vale o que vale o pensamento daquele que a ensina" (Idem, p. 25). Esta perspectiva se entrelaa com a afirmao de que o ensino da filosofia deve ser primeiramente histrico, assim, a estruturao curricular do curso deve ter por base a histria da filosofia. Esses dois

    pressupostos que norteiam as diretrizes elaboradas por Maugu formam um suporte terico que estar presente nos textos legais que iro regulamentar os cursos de Filosofia a partir de ento.

    Aps discorrer longamente sobre como deve se organizar o cursos de Filosofia, Maugu, tomando para si a responsabilidade sobre as anlises baseadas em suas experincias, resume suas reflexes em cinco proposies:

    1) O ensino da filosofia deve ser pessoal, tanto da parte do professor, como da parte dos estudantes. Pedem-se ao professor reflexes que empenhem a sua responsabilidade intelectual. Seria de desejar que se pedisse aos estudantes um mais de personalidade. 2) A personalidade do estudante forma-se na ateno dada s lies, sobretudo na reflexo, e mais ainda, pela leitura, lenta, contnua e meditada. 3) A leitura deve ser uma regra de vida para o estudante. Este no deve ler naturalmente se no os bons autores. mais seguro ler aqueles que o tempo j consagrou. A filosofia comea com o conhecimento dos clssicos. 4) A histria da filosofia deve ter, no Brasil, um lugar primordial. Ela pode ser ensinada, seguindo mtodos rigorosos e perfeitamente modernos. No h vida presente sem o conhecimento da vida passada. 5) Enfim, o futuro da filosofia no Brasil depende da cultura que o estudante tiver adquirido anteriormente. A filosofia, segundo uma das concepes da "Repblica" de Plato, nada mais do que o coroamento dialtico de um ensino harmnico e completo. Estes cinco pontos resumem o contedo das diretrizes (1934, p.33).

    Maugu elabora as trs primeiras proposies tendo como fim mostrar que a

    formao deve ser via de mo dupla, tanto da parte do professor como do aluno. O professor, nesse contexto, tem um papel fundamental, no entanto, de nada vale o esforo do professor se

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    no houver da parte do estudante a leitura, o estudo, a reflexo, que deve comear pela leitura dos clssicos assegurada pela histria da filosofia.

    A afirmativa elaborada na proposio 04 tem, no corpo do texto, uma longa justificativa que procura levar em considerao as causas histricas, que vo desde a juventude e rapidez do desenvolvimento do pas (Idem, p.29) a uma dupla tendncia observada por Maugu, que aproxima o Brasil da Amrica do Norte, parece que leva a julgar a filosofia, ou melhor, as correntes filosficas, segundo a sua novidade ou segundo a sua utilidade prtica (Idem, p.29). Enfatiza ainda que h no Brasil, diferente da Frana, uma tendncia a dar-se

    de boa vontade a data do aparecimento de uma doutrina, um valor fenomenolgico, esquecendo-se o valor intrnseco dessa contribuio e mesmo a data verdadeira da idia, a idade da sua inteligncia.(...) um prazer para quem chega ao Brasil observar como aqui so acolhidas as idias novas, como so incorporadas com um arrojo que no existe nos velhos pases. Mas parece tambm que j chegou a hora, para o Brasil, de filtrar a sua imigrao espiritual. E eis a razo pelo qual consideramos que a base do ensino da filosofia no Brasil a histria da filosofia (Idem, p.29).

    O fato de defender que o ensino da filosofia no Brasil a histria da

    Filosofia (Idem, p.30), no significa que Maugu defenda a histria como

    uma recapitulao de doutrinas, uma espcie de lista de nomes ilustres aos quais se distribuiria, segundo uma justia universitria, o elogio ou a censura. A histria da filosofia consiste na retomada de contato, na comunho com os grandes espritos do passado, Plato, Santo Toms de Aquino, Descartes, Spinoza ainda so vivos nos seus textos causa, surpresa, e at indignao observar como quase em toda parte se ensina a filosofia, sem que se leiam os filsofos (p.29).

    A leitura dos textos filosficos, para Maugu, condio imprescindvel para o

    filosofar e, nesse sentido, a leitura que deve ser disciplinada, continuada, em que se exercita o ato do filosofar. Enfatiza ainda que a histria no pode ser compreendida como simplesmente erudio. A atualizao da obra filosfica deve ser feita no somente por sua contemporaneidade, mas, sobretudo, pela capacidade do professor de o traduzir o sentido da

    obra em termos atuais (...) Esta espcie de comentrio particularmente importante e significativa, mas a primeira necessidade do estudante brasileiro adquirir o sentido, o tacto

    histrico (Idem, p.30). Segundo Maugu, necessrio

    no ter medo de passar por clssico, ou por elementar. preciso que nos recusemos esse prazer de parecer renovadores, de ser ultra modernos. O que necessrio suscitar, avivar, no estudante, o senso da reflexo, das idias gerais: em suma, criar o discernimento. O benefcio das idias gerais consiste em evitar que se generaliza as idias particulares (Idem, p.31).

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    Na ltima proposio se estabelece uma relao entre a filosofia no Brasil com a cultura que o estudante adquiriu antes do ingresso na universidade, ou seja, mostra que faz-se necessrio que o aluno tenha uma base slida de cultura geral, sendo a filosofia o coroamento dialtico de um ensino harmnico e completo (Idem, p.33). Nessa tica, o autor encontra respaldo na Repblica de Plato, e podemos acrescentar tambm nas idias defendidas por Hegel e organizadas na obra Escritos Pedaggicos. Neste ponto, Maugu chama a ateno para a necessidade de se repensar o ensino secundrio e fundamental, pois o aluno, ao ingressar na universidade j deve estar munido de uma cultura geral humanstica ampla que possa dar suporte a reflexo filosfica, reflexo que tambm encontra respaldo em Hegel.

    A concepo de filosofia defendida por Maugu neste texto de cunho idealista, sendo clara a influncia de Plato, Toms de Aquino, Kant e Hegel. Maugu

    defende a metafsica, no entanto, j est presente a preocupao de fundamentar o conhecimento filosfico tendo a cincia por parmetro. Assim, ao mesmo tempo em que a filosofia colocada como o conhecimento da totalidade e da se deduz suas especificidades e diferenas do saber cientfico, busca-se uma fundamentao lgica capaz de validar este saber. Encontramos essa mesma discusso, embora bem mais sistematizada, no Parecer 277/62.

    Nestas diretrizes no h a definio de disciplinas que possam nortear a estruturao curricular do curso, entretanto, nelas encontramos delineados os pilares dos cursos de filosofia no pas, quais sejam: a mxima kantiana de que no se ensina a filosofia e sim a filosofar e a Histria da Filosofia como espinha dorsal do curso de Filosofia, de orientao hegeliana. Podemos afirmar ainda que se consolida a influncia francesa na

    estruturao da filosofia no Brasil, o que, vale ressaltar, no ocorreu somente no campo da filosofia, mas tambm de outras cincias, como as Cincias Sociais e a Histria.

    Tivemos acesso as fichas dos alunos que ingressaram no curso entre 1934 e 1940. Identificamos que, neste breve perodo, o curso teve duas estruturas curriculares: uma de 1934, que foi modificada em 1938, portanto, anteriores ao Decreto 1.190/39. No 1 ano (1934) eram ofertadas as disciplinas Filosofia (Geral e Psicologia); Histria da Civilizao; no 2 ano (1935), o aluno deveria cursar Filosofia (Geral, Histria da Filosofia); Sociologia; no 3 ano (1936) as disciplinas Filosofia (Geral e Histria da Filosofia); Sociologia. Para a turma que ingressou em 1938, no 1 ano Filosofia; Sociologia; Psicologia, no 2 ano (1939),

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    Filosofia; Moral; Sociologia e no 3 ano (1940), Filosofia Geral (Histria da Filosofia); Lgica e Filosofia da Cincia; Sociologia.

    O Decreto n. 1.190/39 que trata da Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil est dividido em XI captulos, tratando das finalidades, da constituio, organizao

    dos cursos ordinrios e extraordinrios, das cadeiras e pessoal docente e administrativo, do regime escolar, dos diplomas e certificados, das regalias conferidas pelos diplomas, das

    publicaes, das taxas e disposies gerais e transitrias.

    No constatamos no decreto fundamentao filosfica sobre a natureza e objetivos dos cursos de graduao em Filosofia. O Artigo 1 j determina logo as finalidades da Faculdade Nacional de Filosofia:

    a) preparar trabalhadores intelectuais para o exerccio das altas atividades culturais de ordem desinteressada ou tcnica; b) preparar candidatos ao magistrio do ensino secundrio e normal; c) realizar pesquisas nos vrios domnios que constituam objeto do seu ensino.

    Como podemos comprovar a seguir, sero estas finalidades que nortearo as Faculdades de Filosofia e os cursos de filosofia pesquisados. A Faculdade ser composta de quatro seces fundamentais: filosofia (curso de Filosofia), cincias (cursos de Matemtica, Fsica, Qumica, Histria Natural, Geografia e Histria e de Cincias Sociais), letras (cursos de Letras Clssicas, Letras Neo-Latinas e Anglo-Germnicas) e pedagogia (curso de Pedagogia). Foi acrescentada, ainda, uma seco especial de didtica (curso de Didtica), em que sero ministrados os cursos ordinrios e extraordinrios, sendo que, os cursos ordinrios se caracterizam por um conjunto harmnico de disciplinas, cujo estudo seja necessrio obteno de um diploma (art. 3, 1), Os cursos extraordinrios englobam os de aperfeioamento e os avulsos.

    Na seo I do Captulo III, o Art. 9 trata da organizao do curso de Filosofia, cuja durao de trs anos e conta com a seguinte seriao de disciplinas:

    Primeira srie. 1. Introduo filosofia. 2. Psicologia. 3. Lgica. 4. Histria da filosofia. Segunda srie. 1. Psicologia 2. Sociologia 3. Historia da filosofia. Terceira srie.

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    1. Psicologia 2. tica 3. Esttica 4. Filosofia geral

    Se compararmos as disciplinas que organizavam o currculo proposto pelo decreto de 1939 com os currculos trabalhados pelos cursos de Filosofia da Faculdade de So Bento e da Faculdade de Filosofia da USP, podemos perceber que, apesar da forte influncia

    do ecletismo, h algumas diferenas na concepo e estruturao dos cursos de graduao. O curso de Filosofia da Faculdade de So Bento tem uma organizao curricular pautada pela

    escolstica tomista, com forte apelo a Metafsica.

    A estrutura adotada pela Faculdade de Filosofia da USP, fundamentadas nas Diretrizes elaboradas por Maugu, tem uma forte influncia francesa, pautada na Histria da Filosofia e na Metafsica (filosofia Geral). Tambm importante ressaltar a presena da Sociologia no 2 e 3 anos. Nesta estrutura curricular, a Psicologia no tem lugar de destaque constando como disciplina somente no 2 ano. Com as mudanas de 1938, a Sociologia passa a constar em todo o curso, a Lgica e Filosofia da Cincia aparecem como disciplinas. Continua com importncia significativa a Histria da Filosofia e a Filosofia Geral (Metafsica). A Esttica excluda do currculo nas duas estruturas curriculares.

    Com a definio do Currculo Mnimo no Decreto de 1938, identificam-se mudanas na estrutura curricular, no entanto, h mais continuidades que rupturas. A Histria da Filosofia continua a ser o eixo articulador do currculo. Podemos falar de uma mudana

    significativa com a substituio da Sociologia para a Psicologia, muda-se o foco do social para o individual, da cultura para a subjetividade. O que demonstra uma influncia do espiritualismo francs9, segundo Cerqueira (2002) o fato que a idia de filosofia brasileira est intimamente associada ao espiritualismo francs, cujas teses essenciais radicam numa certa concepo de filosofia como psicologia devida a Maine de Biran (p.125-126). Nas palavras de Mercadante (1980), o ecletismo no Brasil se orienta, pelo psicologismo, a Psicologia se torna, assim, a base da Ontologia e o fundamento de toda a certeza (p.212).

    Se, nas organizaes anteriores, a Sociologia tinha um peso significativo no

    currculo, o que, por sua vez, demonstra uma preocupao com o estudo da sociedade e da cultura, ao se inverter o foco para a Psicologia, a preocupao em relacionar o conhecimento

    filosfico com as reas afins se restringe a nfase ao indivduo e s preocupaes subjetivas. No podemos esquecer que a Psicologia era uma rea da Filosofia que ganha autonomia e se

    9 Para aprofundar ver: CERQUEIRA (2002)

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    constitui como campo independente do conhecimento, como a cincia dos fenmenos psquicos e do comportamento. A Sociologia aparece no 2 ano, e a Esttica est presente no 3 ano.

    Na justificativa do Parecer 277/62 h uma crtica a esta organizao curricular no que tange ausncia de flexibilidade, bem como na nfase dada Psicologia, presente, ao longo dos trs anos do curso, em detrimento da Histria da Filosofia presente somente no

    primeiro e segundo anos. importante ressaltar a presena da Esttica e da tica, no terceiro ano, com a mesma carga horria da Lgica e Filosofia Geral. Por mais que possamos criticar esta estruturao curricular, possvel perceber que, excluindo-se a psicologia, encontra-se um equilbrio nas reas da filosofia contempladas. Dentre essas reas, a Esttica apresenta um

    percurso mais ambivalente, perdendo o status de disciplina obrigatria nas regulamentaes posteriores, na maioria dos cursos tornando-se disciplina optativa (quando ofertada) do currculo.

    Na Faculdade, os alunos podiam ser regulares e ouvintes, os cursos ordinrios proporcionavam o diploma de Bacharel aos alunos regulares, sendo acrescido a esse ttulo o de Licenciatura aos alunos que cursarem o curso de Didtica.

    Esse Decreto acerca da Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil regulamentou oficialmente a organizao curricular em todas as Faculdades de Filosofia que foram criadas a partir do surgimento das Universidades. importante ressaltar o papel atribudo a essa Faculdade em relao estruturao das Universidades. Cabendo-lhe promover o ensino, a pesquisa e atividades de extenso. A Faculdade tem na sua origem a

    ambigidade de, ao mesmo tempo, ser responsvel por preparar trabalhadores intelectuais para o exerccio das altas atividades culturais de ordem desinteressada ou tcnica como

    tambm, por formar os professores do ensino secundrio e normal. Aliar a formao desinteressada com a formao profissional est na raiz de problemas que as Faculdades de Filosofia e, mais especificamente, os cursos de graduao em Filosofia se defrontam desde seu surgimento.

    1.2.1 Parecer 277/62

    O Parecer 277/62, elaborado por Newton Sucupira (relator), Ansio Teixeira, D. Cndido Padin, O. S. B, Valnir Chagas e Pe. Jos Vasconcelos, tem por objetivo definir o Currculo Mnimo do Curso de Filosofia, substituindo o decreto n. 1.190/39. Os pareceristas

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    concluem o documento, afirmando: "Parece-nos que desta forma atingimos o objetivo que nos propusemos: elaborar um currculo que no estivesse vinculado a uma ortodoxia, ou corrente doutrinria, mas que se colocasse acima dos prejuzos de escola ou injunes ideolgicas" (BRASIL, 1962, p.06). Esta afirmao resume o esprito que subjaz ao contedo do texto do Parecer e, que , em enfatizado vrios trechos.

    O documento, na sua estrutura interna, compe-se de trs partes: primeiro,

    procura definir os critrios e os conceitos norteadores do texto e as dificuldades inerentes a essas definies no campo da filosofia; em seguida, apresenta e faz uma crtica ao currculo existente para os cursos de graduao em filosofia; e, por fim, discute a concepo de filosofia e defende os princpios e disciplinas do novo currculo mnimo em filosofia.

    importante observar ainda que algumas premissas postas no texto tm razes na tradio filosfica, ou melhor, no ensino de filosofia que se instaura no Brasil quando da

    chegada da misso francesa para estruturar o curso de filosofia da USP. Assim, a nfase na histria da filosofia como o caminho necessrio e indiscutvel para estruturar os cursos de filosofia se amlgama mxima kantiana de que no se ensina filosofia, mas to somente a filosofar, passando pela afirmao, tambm kantiana, de que a filosofia no tem objeto prprio como as cincias naturais e sociais. Essas premissas j se encontram nas Diretrizes elaboradas por Maugu em 1934.

    O Parecer 277/62 enfatiza a necessidade de elaborar um currculo de Filosofia que no esteja ligado a nenhuma "ortodoxia" ou a algum dogmatismo, fato que exige a escolha de um critrio objetivo. No entanto, afirma que, ao pensar numa organizao curricular, j se tem uma idia de filosofia, de sua natureza e objetivos, pois, "a filosofia se instaura em cada filosofar autntico e, por isso mesmo, defini-la significa, ao mesmo tempo,

    enunciar uma filosofia" (BRASIL, 1962, p.01). Nesse sentido, no se pode referir a fatos filosficos propriamente ditos e nem tampouco num fim em geral, mas numa multiplicidade de questes que o filsofo se prope a investigar, tornando difcil a tarefa de determinar o contedo e o campo de sua problemtica. O texto demonstra uma excessiva preocupao com

    a neutralidade e objetividade, evidenciando a "impossibilidade", no caso da filosofia, j que no h consenso quanto a sua natureza e conceito, e aponta para uma dificuldade que o texto

    ir chamar de "inerente ao essencial problemtico da reflexo filosfica" (Idem, p.01).

    Para contornar as dificuldades postas, diferencia-se a "filosofia como atividade, o ato de filosofar e a filosofia feita, a filosofia objetivada em categorias e doutrinas ao longo da histria, poderemos falar de um saber filosfico objetivo, que pode tornar-se matria de

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    ensinamento" (BRASIL, 1962, p.01). O texto fala de "corpus philosophicum" constitudo de grupos especficos de problemas sistematicamente articulados em disciplinas reconhecidas por toda a tradio filosfica" (Idem, p.01). Retoma o pensamento de Kant e afirma que o filosofar "se aprende a partir de categorias objetivas que so o produto e a cristalizao do pensamento filosfico" (Idem, p.01,). Essas categorias devem ser apreendidas por meio das disciplinas e, principalmente, a partir do estudo da histria da filosofia, a qual deve ser

    compreendida na sua problematicidade.

    O Parecer defende ainda a organizao curricular por disciplinas que possam atender s exigncias didticas do ensino. Disciplinas, estas, que precisam de critrios objetivos e no qual possam estar contempladas as vrias correntes do pensamento. O Parecer destaca a seguinte problemtica: Toda questo est em que se algumas disciplinas so tradicionalmente admitidas sem discrepncia de orientao doutrinria, outras existem que

    tm sua legitimidade contestada por certas escolas" (Idem, p.02). Esse questionamento remete a uma reflexo sobre quem, ou o qu, legitima determinados contedos e/ou disciplinas deverem ser ensinados em detrimento de outros. A quem interessa esta "escolha", e mais, quais os conflitos, as tenses e os compromissos que se encontram subjacentes nas definies curriculares e a qual viso de mundo e de filosofia, atende.

    Para justificar a organizao curricular proposta, os autores do documento passam a analisar o currculo em vigor, orientador dos cursos de graduao em Filosofia no pas, composto por quatro ctedras: "Filosofia (Introduo Filosofia, Lgica, tica, Esttica e Filosofia Geral - (Metafsica, Teoria do Conhecimento, Cosmologia e Teodicia), Histria da Filosofia, Psicologia (Psicologia cientfica e Psicologia Filosfica), Sociologia" (Idem, p.02).

    No documento h uma crtica ao modelo do currculo existente por sua rigidez e uniformidade. Caractersticas que segundo esse documento, so do ensino superior no Brasil e no somente dos cursos de filosofia. Junta-se, a isso, as falhas na organizao das Faculdades de Filosofia, em que no h uma articulao orgnica entre as seces de estudo.

    O documento critica a presena da psicologia ministrada em todas as sries, em detrimento das disciplinas filosficas, exceto da histria da filosofia. Finaliza as crticas ao currculo,

    ento em vigor, evidenciando a viso enciclopdica, que o estudo em profundidade em benefcio de uma vista panormica, superficial, da problemtica geral da filosofia (Idem, p.03).

    Depois de demonstrada a necessidade de uma reformulao dos cursos de

    filosofia, so elencados os princpios que devem nortear o "currculo mnimo": a flexibilidade

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    e a liberdade. A estrutura curricular dos cursos deve permitir a flexibilidade tanto aos alunos como escola pautando-se pela diversificao que objetive atender s orientaes de cada Faculdade, a fim de preservar a liberdade. Para tanto, o currculo deve ser mnimo, cabendo ao Conselho fornecer os elementos bsicos.

    Os contedos e nveis devem estar definidos em relao aos fins a que se destinam; as licenciaturas, que visam a preparao do professor da escola secundria. Ressalta

    ainda, que a formao dever ser a mesma para o professor e o pesquisador. Assim do

    professor da escola secundria certamente no se requer que seja um filsofo consumado. Mas, sem dvida, possuir um conhecimento aprofundado do essencial de sua matria, num domnio relativo das categorias do pensamento filosfico, estar provido dos instrumentos conceituais imprescindveis para compreender, expor e criticar os problemas e doutrinas filosficas que vai ensinar (BRASIL, 1962, p.03).

    O currculo mnimo deve comportar uma parte histrica e outra sistemtica. Reconhece-se, todavia, a inconsistncia desta separao uma "vez que no se pode fazer

    histria da filosofia sem sistema nem desenvolver uma reflexo sistemtica sem referncia histria" (Idem, p.03). Lembrando Hegel, afirma-se que a histria da filosofia o "prprio rgo da filosofia" (Idem, p.04), assim, conclui-se que compreender que a histria da filosofia imprescindvel ao currculo " uma afirmao que no deveria sofrer a mais leve

    contestao" (Idem, p.04).

    Na perspectiva do documento em questo, as disciplinas sistemticas so inferidas dos objetivos essenciais da reflexo filosfica. A filosofia se apresenta, ao longo da sua histria, como "um saber universal das coisas, mtodo de pensamento e forma de vida ou atitude espiritual diante da existncia" (Idem, p.04). Exigindo, portanto, uma reflexo crtica sobre o saber, o conhecer; os valores e normas e sobre o ser, o existir. Neste sentido, a filosofia exige uma reflexo crtica sobre o conhecimento humano suas possibilidades e alcance (Idem, p.04) e tambm uma indagao sobre a significao e valor da existncia. Ela no dirige seu interrogar apenas sobre o mundo, mas pergunta, alm disso, a posio e destino do homem no mundo (Idem, p.04). A filosofia realiza "trs atividades ou funes essenciais: especulativa, analtica-crtica e normativo-valorativa. Os problemas se referem aos

    problemas do conhecer, do valor e da realidade ou do ser" (Idem, p.04). Assim, tem-se como conseqncia lgica que o currculo deve ser organizado com as seguintes disciplinas:

    Duas matrias optativas versando sobre Cincias (um ano para cada uma e devendo ser pelo menos uma cincia humana); Histria da Filosofia;

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    Lgica; Teoria do Conhecimento Filosofia Geral: Problemas Metafsicos; tica. (BRASIL, 1962)

    Essas disciplinas esto relacionadas ordem dos problemas elencados. As disciplinas que poderiam subsidiar a compreenso das questes relacionadas realidade e ao ser apresentam dificuldades que o documento enquadra como doutrinrias, j que a disciplina indicada seria a metafsica, objeto de diferentes objees e crticas. Mas apesar disso, no concebemos uma formao filosfica completa sem um estudo dos grandes problemas

    metafsicos. A verdade que a metafsica compreende um ncleo de questes que em todos os tempos tem caracterizado a filosofia em sua mais alta expresso (Idem, p.05)

    O documento apresenta uma defesa da necessidade da metafsica no currculo o que, por si, revela o embate que deve ter ocorrido, quando da formulao do documento, entre

    as vrias correntes filosficas e a predominncia do positivismo, que se encontra nas constantes afirmaes de objetividade e imparcialidade, as quais, o contedo do parecer deve preservar, fugindo de concepes dogmticas e ortodoxas. O Documento conclui este ponto, afirmando no ser este o espao adequado para uma defesa da Metafsica e que, a sua ausncia, implicaria o esvaziamento da reflexo filosfica.

    O documento revela ainda que a sua elaborao contou com a anlise de mais

    de vinte currculos e projetos de currculos de diferentes instituies, mas no revela de quais sejam. E enfatiza:

    Este currculo compreende, realmente as disciplinas nucleares da filosofia e que so indispensveis para uma formao filosfica bsica. Foi assegurada a diversificao, por que se deu margem a que as Faculdades acrescentem novas matrias segundo suas possibilidades e orientao; garantida a flexibilidade, porque podem ser oferecidos cursos A opo dos alunos; finalmente resguardada a exigncia fundamental de liberdade do ensino filosfico, porque lcito ao Departamento desdobrar estas matrias em cursos diversos (Idem, p.06).

    Diferente das Diretrizes de 2001, o Parecer 277/62 no peca pela ausncia de argumentos e de discusso filosfica e procura, no decorrer do texto, no s apresentar um

    currculo mnimo, mas tambm discutir a concepo de filosofia defendida, demonstrando um posicionamento que pode ser questionado e debatido.

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    1.2.2 Diretrizes Curriculares de 2001

    As Diretrizes Curriculares para os Cursos de Graduao em Filosofia de 2001, juntamente com o conjunto das diretrizes curriculares para os cursos de nvel superior, esto para a reforma educacional no mesmo patamar que estas se encontram em relao s reformas sociais, polticas e econmicas em curso na sociedade brasileira. Esse processo de

    reorganizao que vm ocorrendo desde a dcada de 80 do sculo XX no Brasil; e que foi implementado no decorrer dos anos 90, objetivando adequar o pas ao modelo neoliberal e ao processo de globalizao em curso; tem realizado as reformas que se configuram como uma das exigncias dos rgos internacionais de financiamento como o Banco Mundial, o BIRD e

    o FMI.

    As reformas econmicas e polticas que buscam ajustar o Estado e a economia no Brasil aos desideratos do neoliberalismo resultaram numa reorganizao do Estado concebido no mais como o Estado provedor, interventor e do bem-estar social, do modelo keynesiano, mas como Estado mnimo, com um processo amplo de privatizaes.

    As mudanas no mundo do trabalho com a substituio da concepo taylorista-fordista para a acumulao flexvel, num processo de reestruturao do trabalho, criam novas demandas para a formao e a insero das novas geraes neste universo. Em outras palavras, exige-se um trabalhador que seja criativo, inovador e com ampla capacidade de se adaptar as mais diferentes funes e lhe exigido uma formao polivalente em que deve prevalecer a capacidade de trabalhar em grupos, a capacidade de raciocnio e de resolver

    problemas. Nesse processo, a idia de emprego pleno substituda pela de empregabilidade. Segundo Oliveira e Dourado (1999), por essa via, o campo educacional assume um lugar central posto que as mudanas no mbito da produo articuladas ao desenvolvimento da cincia e da tcnica tm

    gerado uma intensificao dos processos de competio no mercado global. Instala-se, nas realidade, um novo paradigma produtivo em nvel mundial, que implica profundas mudanas na produo, nas formas de aprendizagem, na produo e difuso do conhecimento e na qualificao dos recursos humanos (p.10).

    Alves (2005) defende que , no processo de elaborao e aprovao da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB), que se d o pice das reformas no campo da educao, com a definio de objetivos e metas que atendam aos desideratos neoliberais. Assim, a LDB, uma lei minimalista. Com a aprovao da LDB em 21/12/1996, abre-se

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    espao para um conjunto de reformulaes na educao em todos os nveis. Essas reformas iniciam-se com os Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e os Referenciais Curriculares Nacionais (RCNs), do Ensino Fundamental, acompanhadas pelas Diretrizes do Ensino Mdio (DCNs). Essas diretrizes so objeto de estudo em que se procura analisar, compreender e estabelecer um dilogo crtico com o objetivo de situar e propor alternativas no s aos modelos propostos, mas, principalmente, ao ensino/educao no pas.

    Apesar de no haver discordncias quanto necessidade de reformulaes na organizao e regulamentao da educao em seus vrios nveis, questiona-se no s a forma como foram conduzidas as reformas e a elaborao dos documentos, como tambm, ao resultado deste processo. As crticas mais contundentes se referem ao descaso dos organismos

    e comisses nomeadas pelo Ministrio da Educao, com as discusses e propostas que as instituies e associaes (ANPED, ANFOP, ENDIPE etc...) j vinham realizando. Nesse sentido, questiona-se a composio das comisses de especialistas para a elaborao destes documentos e denuncia-se a vinculao com as determinaes neoliberais e com as prescries dos rgos internacionais de financiamentos, determinadas nas agendas de negociao econmica.

    Outra crtica se refere fundamentao terica, ou ausncia de clareza terica nos documentos que, na sua maioria, revestem-se de um ecletismo, tentando abarcar concepes diferentes que esto em curso nos campos tericos das varias reas do conhecimento, ou, ao contrrio dessa tendncia, uma ausncia de discusso terica que fundamente o conjunto de proposies elaboradas.

    As Diretrizes para os cursos de Graduao em Filosofia foram elaboradas por uma comisso10 nomeada em 10 de maro de 1998, pela Portaria n. 146/98, composta pelos professores Nelson Gonalves Gomes (UnB/DF), Osvaldo Giacoia Junior (UNICAMP/SP) e lvaro L. M. Valls (UNISINOS/RJ). No constando no documento referncia sobre os critrios utilizados na escolha dos professores que compem a comisso. Chama a ateno tambm o fato de, na comisso, estarem presentes professores de duas instituies pblicas e

    um de instituio particular, vinculados aos Estados So Paulo, Rio de Janeiro e Braslia.

    O texto final das Diretrizes enxuto, objetivo, Alves faz uma reflexo sobre o texto das diretrizes, alertando que

    10 Segundo Martins (2004) e Alves (2005) o SESu -MEC lana o edital n. 2/97 em que esto definidas as

    condies para que as instituies de ensino superior que tenham curso de graduao reconhecido e ps-graduao na rea de indicao, possam indicar nomes para comporem as Comisses de Especialistas.

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    devemos ter presente que as supostas ausncias nos textos das comisses de especialistas ou o tratamento superficial de determinados aspectos do curso sobre o qual deveriam legislar, poder no ter ocorrido por desconhecimento ou descaso de seus autores, mas sim, devido prpria estrutura do documento e s exigncias que o acompanham (2005, p.68).

    No entanto, questionamos, se o fato de haver uma estrutura prvia de como deveria se organizar o texto, determina o contedo do documento ou melhor, se mesmo com a

    estrutura definida a priori, no poderia conter o documento uma reflexo mais consistente sobre as questes que deveria legislar.

    Antes de iniciar a anlise do teor do documento, refletimos sobre os termos diretriz curricular e currculo mnimo, por compreendermos que no se trata somente de uma diferena semntica mas reveladora das intenes que norteiam a formulao dos mesmos. O termo diretrizes pretende dar uma outra conotao para as prescries que o documento

    elabora. Segundo o dicionrio Aurlio, diretriz significa: "Conjunto de instrues ou indicaes para se tratar e levar a termo um plano, uma ao, um negcio, etc.; diretiva"

    (Verso Eletrnica). Assim, o documento ao mesmo tempo em que normaliza, mascara seus objetivos com a terminologia; prescreve, mas no determina. As diretrizes se propem, formalmente, a garantir mais flexibilidade. Nesse sentido, feita uma crtica s estruturas fechadas e defasadas dos currculos mnimos, dando maior liberdade as IES de pensarem e

    organizarem seus currculos a partir de suas especificidades e projeto pedaggico, tendo como respaldo legal as orientaes das diretrizes. Diante desse contexto, visamos interrogar at que

    ponto as diretrizes dos cursos de graduao em Filosofia conseguiram garantir esta liberdade e flexibilidade, ou se, ao contrrio, na prtica, revelam-se mais fechadas do que os currculos mnimos.

    O texto final das Diretrizes (2001) est dividida em sete partes, assim denominadas: 1. Perfil dos Formandos; 2. Competncias e Habilidades; 3. Contedos Curriculares; 4. Organizao do Curso; 5. Estruturao do Curso; 6. Estgios e Atividades Complementares; 7. Conexo com a Avaliao Institucional. Analisamos o texto das Diretrizes juntamente com o texto produzido pela comisso de Especialistas (1999), o qual serviu de base para a formulao das Diretrizes e est dividido tambm em sete partes:

    Histrico; Perfil dos Egressos dos Cursos de Graduao em Filosofia; Contedos Curriculares; Durao dos Cursos; Corpo docente; Metodologia. Esses itens correspondem

    aos parmetros formais exigidos no Parecer 4/97. No Texto das Diretrizes (2001) no consta os itens Durao do curso e Corpo Docentee Metodologia. Estas questes esto

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    contempladas nos itens: Estruturao do Curso; Organizao do Curso; Estgios e Atividades Complementares e Conexo com a Avaliao Institucional. No restante dos itens o texto final das Diretrizes11 representa uma sntese do texto elaborado pela comisso de especialistas, o que est enfatizado no relatrio que acompanha o texto das Diretrizes.

    A comisso constituda pelas Conselheiras Eunice Ribeiro Durhan, Vilma de Mendona Figueiredo e Silke Weber analisou as propostas provindas da SESu referentes aos

    cursos mencionados, e procedeu a algumas alteraes com o objetivo da adequ-las ao Parecer 776/97 da cmara de Educao Superior, respeitando, no entanto, o formato adotado pelas respectivas Comisses de Especialistas que as elaboraram. A Comisso retirou de cada uma das propostas, o item relativo durao do curso, considerando que o mesmo no

    constitui propriamente uma diretriz e, posteriormente objeto de uma Resoluo especfica da Cmara de Educao Superior (Parecer CNE/CES 583/2001).

    No primeiro item h um breve histrico das discusses que antecederam a formulao final do documento, onde enfatiza que os aspectos consensuais expressariam o pensamento das instituies brasileiras12, no sendo encontrado nestas propostas13 nenhuma discordncia significativa. Lembra ainda, que os cursos de Filosofia j gozavam de uma situao diferenciada em termos curriculares, pois o Parecer de 277/62 j tinha como princpios a flexibilidade e liberdade na organizao curricular.

    Seja por concordar com as premissas expressas no Parecer quanto concepo de filosofia e a organizao curricular, o texto das Diretrizes (2001) quase no apresenta inovaes, rupturas em relao a organizao curricular de 1962, por isto no podemos falar de rupturas, mas de continuidades e algumas mudanas. Esse fato, nos leva a questionar: no teria a Graduao em Filosofia a necessidade de uma reestruturao curricular?

    O texto da Comisso de Especialistas define qual o perfil dos formandos em Filosofia, ou seja, os cursos devero formar bacharis e/ou licenciados em Filosofia. O

    11 O texto traa as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de Filosofia, Histria, Geografia, Servio Social,

    Comunicao Social, Cincias Sociais, Letras, Biblioteconomia, Arquivologia e Museologia. 12

    A Secretria de Educao Superior SESu - MEC lana em dezembr