formaÇÃo social e mediaÇÃo: a luta pela terra e a ... · brilhante, sr. antônio, sr. expedito...

163
ANDRÉ LUÍS TORRES FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A CONSOLIDAÇÃO DOS ASSENTAMENTOS RURAIS EM UNAÍ-MG Tese apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de Pós- Graduação em Extensão Rural, para obtenção do título de “Magister Scientiae”. VIÇOSA MINAS GERAIS - BRASIL JUNHO - 2000

Upload: lehuong

Post on 22-Nov-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

ANDRÉ LUÍS TORRES

FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A CONSOLIDAÇÃO DOS ASSENTAMENTOS RURAIS EM UNAÍ-MG

Tese apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural, para obtenção do título de “Magister Scientiae”.

VIÇOSA MINAS GERAIS - BRASIL

JUNHO - 2000

Page 2: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

ANDRÉ LUÍS TORRES

FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A CONSOLIDAÇÃO DOS ASSENTAMENTOS RURAIS EM UNAÍ-MG

Tese apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural, para obtenção do título de “Magister Scientiae”.

APROVADA: 07 de dezembro de 1999.

Antônio Luiz de Lima France Maria Gontijo Coelho

Fábio Faria Mendes Geraldo Magela Braga (Conselheiro) (Conselheiro)

José Ambrósio Ferreira Neto (Orientador)

Page 3: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

ii

AGRADECIMENTO

À minha família: Dedego, Marlene, Aninha, Tôca, Cristina, Cássio,

Rafael, Sandra, Samuel e Gabriela, por terem acompanhado de perto a minha

caminhada; somente com o apoio e a compreensão de cada um deles é que foi

possível concluir mais esta etapa da minha vida - a todos eles a minha enorme

gratidão.

À minha família viçosense, aos companheiros e companheiras do dia-

a-dia nos estudos, nas reuniões, nos bares e nas repúblicas, por terem estado

sempre prontos a ajudar-me.

À Mariana, por ter compartilhado comigo boa parte das vitórias e

frustrações durante o curso e por ter estado sempre presente com o seu

companheirismo e a sua amizade.

Aos amigos Marisa e Willer, por terem-me ajudado a encontrar a saída

em momentos difíceis.

Aos colegas e amigos de curso, especialmente Andréia Zulato, Bira,

Geana, Nicolina, Romilda, Silvana e Tatiana, pelo companheirismo nesses três

anos de convivência.

Aos funcionários do Departamento de Economia Rural, por terem

estado sempre a postos para resolver “nossos” problemas, a Rosângela,

Graça, Helena, Luiza, Rita, Carminha, Tedinha, Ariadne, D. Maria, Ruço,

Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade.

Page 4: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

iii

Aos professores, com os quais tive a oportunidade da convivência

nesse período, e, em especial, aos que me acompanharam durante as

disciplinas: Norberto, Fábio, Rosana, Franklin, Lima, Magela e José Geraldo.

À professora France, pelas valiosas observações no seminário.

Aos conselheiros professores Fábio, Franklin e Magela, pelo muito que

contribuíram com críticas e sugestões.

Ao orientador, professor Ambrósio, pela dedicação com que cumpriu

sua tarefa de orientação, pela compreensão, pelo compromisso e pela

amizade.

Aos técnicos da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de

Minas Gerais (EMATER-MG), escritório de Unaí, por sempre estarem de

prontidão para dar sua contribuição a este trabalho, principalmente durante a

pesquisa de campo.

Às lideranças sindicais da região noroeste de Minas e do município de

Unaí, pelas importantes informações.

Em especial aos trabalhadores assentados no município de Unaí,

particularmente aqueles dos projetos visitados, pela paciência com que me

receberam em suas casas; fica registrado o meu grande respeito por eles, que

buscam, através da luta pela terra, construir uma sociedade melhor, com mais

dignidade e justiça.

À minha companheira Andréia Zulato, com carinho.

Page 5: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

iv

BIOGRAFIA

ANDRÉ LUIS TORRES, filho de Jacy Torres Sobrinho e Marlene de

Jesus Torres, nasceu em 23 de abril de 1973, em Unaí, MG.

Em 1983, concluiu o curso primário no Colégio Comercial Rio Preto,

em Unaí, MG; em 1987, concluiu o primeiro grau no Colégio Anglo, em

Uberlândia, MG, e, em 1990, o segundo grau no Colégio Objetivo, em

Uberlândia, MG.

Em 1991, ingressou no Curso de Agronomia da Universidade Federal

de Viçosa (UFV), em Viçosa-MG, colando grau em fevereiro de 1997.

Em março de 1997, ingressou no Curso de Mestrado em Extensão

Rural do Departamento de Economia Rural da UFV, submetendo-se à defesa

de tese em 7 de dezembro de 1999.

Page 6: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

v

CONTEÚDO

Página LISTA DE SIGLAS ................................................................................ viii EXTRATO ............................................................................................. x ABSTRACT ........................................................................................... xii 1. INTRODUÇÃO .................................................................................. 1

1.1. O problema de pesquisa e sua importância .............................. 1 1.2. Objetivo geral ............................................................................. 12 1.3. Objetivos específicos ................................................................. 12

2. REFERENCIAL TEÓRICO ............................................................... 14

2.1. A atualidade da reforma agrária no Brasil ................................. 14 2.2. Os assentamentos rurais no Brasil ............................................ 21

3. METODOLOGIA ............................................................................... 29

3.1. Delimitação da unidade de análise ............................................ 29 3.2. Operacionalização da pesquisa e coleta de dados ................... 32

4. O PROCESSO HISTÓRICO DE OCUPAÇÃO E A LUTA PELA TERRA NA REGIÃO NOROESTE DE MINAS GERAIS .................

35

Page 7: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

vi

Página

4.1. O sertão Noroeste de Minas ...................................................... 35 4.2. O fim do isolamento e os programas de desenvolvimento agrí-

cola ............................................................................................

39 4.3. A luta pela terra na região noroeste de Minas Gerais ............... 46

5. OS ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA NO MUNICÍPIO DE UNAÍ-MG ....................................................................................

55

5.1. A atualidade do processo de implementação dos assentamen-

tos .............................................................................................

55 5.2. Projeto de assentamento Palmeirinha ....................................... 59

5.2.1. Antecedentes históricos ...................................................... 59 5.2.2. A formação social do assentamento ................................... 63 5.2.3. Atividades produtivas e relação com o mercado ................. 69 5.2.4. Relação com o poder público municipal e as demandas

por políticas públicas ..........................................................

80 5.3. Projeto de assentamento Boa União ......................................... 83

5.3.1. Antecedentes históricos ...................................................... 83 5.3.2. A formação social do assentamento ................................... 90 5.3.3. Atividades produtivas e relação com o mercado ................. 93 5.3.4. Relação com o poder público municipal e as demandas

por políticas públicas ..........................................................

101 5.4. Projeto de assentamento Renascer .......................................... 104

5.4.1. Antecedentes históricos ...................................................... 104 5.4.2. A formação social do assentamento ................................... 110 5.4.3. Atividades produtivas e relação com o mercado ................. 113 5.4.4. Relação com o poder público municipal e as demandas

por políticas públicas ..........................................................

119

Page 8: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

vii

Página

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS: AS CONTRADIÇÕES POLÍTICAS DA

LUTA PELA TERRA E A CONSOLIDAÇÃO DOS ASSENTAMEN-TOS RURAIS NO MUNICÍPIO DE UNAÍ ..........................................

123 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................... 134 APÊNDICE ............................................................................................ 141

Page 9: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

viii

LISTA DE SIGLAS

BDMG - Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais.

BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento.

BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.

CAMPO - Companhia de Promoção Agrícola.

CAPUL - Cooperativa Agropecuária de Unaí.

CEB's - Comunidades Eclesiais de Base.

CNA - Confederação Nacional da Agricultura.

CNS - Conselho Nacional dos Seringueiros.

CODEVASF - Companhia de Desenvolvimento do Vale do São

Francisco.

CONTAG - Confederação dos Trabalhadores da Agricultura.

CORA - Comissão Estadual de Reforma Agrária do Estado de Minas

Gerais.

CPT - Comissão Pastoral da Terra.

CRUB - Conselho dos Reitores das Universidades Brasileiras.

DNOCS - Departamento Nacional de Obras Contra as Secas.

DNTR-CUT - Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais -

Central Única dos Trabalhadores.

EMATER - Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural.

FAO - Organização das Nações Unidas para a Agricultura e

Alimentação.

Page 10: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

ix

FETAEMG - Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de

Minas Gerais.

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

IEF - Instituto Estadual de Florestas.

IICA - Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura.

INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.

LUMIAR - Programa de Assistência Técnica nos Assentamentos

Rurais.

MEPF - Ministério Extraordinário de Política Fundiária.

MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra.

MSTR - Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais.

ONG - Organização Não-Governamental.

PADAP - Programa de Assentamento Dirigido do Alto Paranaíba.

PCB - Partido Comunista Brasileiro.

PLANOROESTE - Programa Integrado de Desenvolvimento da Região

Noroeste de Minas.

PNRA - Plano Nacional de Reforma Agrária.

POLOAMAZÔNIA - Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais

da Amazônia.

POLOCENTRO - Programa de Desenvolvimento dos Cerrados.

POLONORDESTE - Programa de Desenvolvimento Integrado do

Nordeste do Brasil.

POLONOROESTE - Programa de Desenvolvimento Integrado do

Noroeste do Brasil.

PROCERA - Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária.

PRODECER - Programa de Desenvolvimento dos Cerrados.

PRONAF - Programa de Incentivo a Agricultura Familiar.

PRONERA - Programa de Educação para a Reforma Agrária.

RURALMINAS - Fundação Rural Mineira - Colonização e

Desenvolvimento Agrário.

SNCR - Sistema Nacional de Crédito Rural.

STR - Sindicato dos Trabalhadores Rurais.

SUPRA - Superintendência da Política Agrária.

UDR - União Democrática Ruralista.

Page 11: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

x

EXTRATO

TORRES, André Luís, M.S., Universidade Federal de Viçosa, junho de 2000. Formação social e mediação: a luta pela terra e a consolidação dos assentamentos rurais em Unaí-MG. Orientador: José Ambrósio Ferreira Neto. Conselheiros: Fábio Faria Mendes e Geraldo Magela Braga.

Esta dissertação objetivou o estudo do processo de implementação de

assentamentos rurais e a constituição de novas identidades e relações sociais,

econômicas e políticas entre os diversos atores - públicos e privados -

envolvidos no processo de desenvolvimento local, considerando-se a hipótese

de que os assentamentos são elementos dinamizadores das relações sociais e

podem-se constituir em referência na busca de novos modelos de

desenvolvimento rural. Partiu-se da idéia de que o processo de implementação

de assentamentos rurais é hoje a expressão da luta pela reforma agrária no

Brasil, devendo, assim, ser entendido como uma política que possibilita o

desencadeamento de um processo de transformação social. Dessa forma, está

relacionado não só com o aspecto econômico, mas também com os aspectos

social, político, simbólico e cultural dos beneficiários e da região envolvida.

Estudos como esses, enfocando as relações em níveis local e regional, têm-se

tornado mais interessantes no cenário atual, no contexto do debate sobre as

possibilidades de descentralização dessa política governamental. O objetivo

geral do presente trabalho consistiu na descrição e análise comparativa do

Page 12: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

xi

processo de implementação e consolidação de três projetos de assentamentos

no município de Unaí, MG. Este município se localiza na região noroeste do

Estado de Minas Gerais e apresenta uma realidade polarizada, entre uma

agricultura empresarial, desenvolvida nos moldes do padrão tecnológico da

"Revolução Verde", e um alto índice de conflitos fundiários e de assentamentos

rurais. Atualmente, é o município com o maior número de assentamentos

rurais, implementados pelo INCRA em todo o Estado de Minas: são 16

projetos, abrangendo cerca de 45.569,0864 hectares e beneficiando 1.023

famílias, o que representa cerca de 12% do total de projetos e de famílias

assentadas em Minas Gerais.

Page 13: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

xii

ABSTRACT

TORRES, André Luís, M.S., Universidade Federal de Viçosa, June 2000. Social formation and mediation: the struggle for the land and the consolidation of the rural settlements in Unaí-MG. Adviser: José Ambrósio Ferreira Neto. Committee Members: Fábio Faria Mendes e Geraldo Magela Braga.

The objective of this dissertation is to study the process of implantation

of rural settlements and the establishment of new identities and relations of

social, economical and political nature among the several public and private

parts involved in the process of local development. It has been considered the

hypothesis that the settlements are impelling elements of social relations and

can constitute a reference to the search for new models of rural development. It

started from the idea that the process of implantation of rural settlements is,

presently, the expression of the struggle for agrarian reform in Brazil, thus,

should be understood as a policy which unleashes a process of social

transformation. In this way, it is not only related to the economical aspect, but

also to social, political, symbolical and cultural aspects of the beneficiaries and

the involved region. Studies like these, focusing the relations at local and

regional levels has become more interesting in the present scenario, in the

context of the debate on the possibilities of decentralization of this

governmental policy. The general objective of the present work is the

Page 14: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

xiii

description and comparative analysis of the implantation and consolidation

process of three settlement projects in the municipality of Unaí, in the Northwest

region of the State of Minas Gerais. This district presents a polarized reality,

between a entrepeneurial agriculture, which has followed the “Green

Revolution” technological model, and a high index of land and rural settlement

conflicts. Currently, Unaí is the municipality with the largest number of

settlements established by INCRA in the State: there are 16 projects,

comprising around 45569.0864 hectares and benefiting 1023 families, which

represents approximately 12% of the total number of projects in Minas Gerais.

Page 15: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

1

1. INTRODUÇÃO

1.1. O problema de pesquisa e sua importância

Atualmente, a implementação de assentamentos rurais no Brasil,

expressão dos resultados da luta pela reforma agrária, possui significado

diferente daquele atribuído à luta pela terra em outros contextos da história do

país, particularmente no final dos anos 50 e início da década de 60. Com o

agravamento das conseqüências da modernização agrícola a partir do final da

década de 70 e o contexto sociopolítico caracterizado pelo processo de

redemocratização do país, a reforma agrária assumiu, novamente, posição de

destaque no cenário político brasileiro, num contexto mais amplo do que nas

décadas de 50 e 60, quando era fundamentada numa perspectiva estritamente

econômica. Hoje, a luta pela terra se insere no contexto da luta por direitos,

justiça social, distribuição de renda e dignidade para os trabalhadores rurais.

A ação governamental de implementar assentamentos rurais em áreas

desapropriadas vem sendo posta em prática como resposta à ampliação da

pressão dos movimentos sociais de luta pela terra, principalmente a partir da

década de 80, com a elaboração do Primeiro Plano Nacional de Reforma

Agrária - I PNRA1. Apesar dos tímidos resultados obtidos com a execução

1 Em alguns estados da Federação, como Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraná e São Paulo, a política

de implementação de assentamentos rurais tem início em 1982, a partir da vitória de governadores

oposicionistas ao regime militar em 1982, utilizando-se os mecanismos legais de desapropriação de

terra por utilidade pública.

Page 16: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

2

desse Plano e o refluxo sofrido pela política de implementação de

assentamentos rurais durante o governo de Fernando Collor, pode-se afirmar

que existe hoje um número expressivo de famílias beneficiadas por essa

política no meio rural brasileiro. Isso não significa que o governo tenha uma

política sistemática para realização da reforma agrária; a sua ação se dá

conforme a pressão exercida pelos movimentos dos trabalhadores sem-terra,

como o MST e o Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais - MSTR.

A Figura 1 apresenta a evolução desse processo de criação de

assentamentos rurais no Estado de Minas Gerais, ao longo das décadas de 80

e 90, e se refere apenas aos assentamentos criados pelo INCRA2. Em todo o

Estado de Minas foram implementados, entre 1986 e 1998, 132 projetos de

assentamentos rurais, beneficiando cerca de 8.186 famílias, numa área de

394.477,14 hectares. Desse total de projetos implementados, cerca de 75% (99

projetos) foram criados após 1996, o que evidencia tanto acúmulo maior de

força por parte dos movimentos sociais que lutam pela reforma agrária quanto

maior agilidade por parte do Estado em responder a essas reivindicações

nesse período.

Esse processo de implementação de projetos de assentamentos rurais

não deve, contudo, ser analisado numa ótica em que seu objetivo seja somente

a conquista da posse da terra. Após o assentamento em si, desdobram-se

outras frentes de luta e negociação com o Estado por crédito, assistência

técnica, infra-estrutura, programas de saúde, educação etc. Dessa forma, os

assentamentos rurais são entendidos como ponto de chegada e também como

ponto de partida para novas questões que são postas para as famílias

beneficiadas com o acesso à terra. Para BERGAMASCO e FERRANTE (1994),

a criação do projeto de assentamento significa o início do desencadeamento de

um novo processo conflitivo, "cujos resultados estão em aberto e dependerão

do jogo de interesses e das relações de poder das classes envolvidas". Isso

ocorre num contexto em que a ação dos movimentos sociais, exercendo

pressão sobre o Estado, em suas diferentes instâncias, busca a elaboração de

2 A RURALMINAS também realizou assentamentos rurais a partir de projetos de colonização e de

irrigação, os quais, por se distinguirem da perspectiva de reforma agrária associada aos movimentos

sociais, não foram analisados.

Page 17: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

3

Fonte: Adaptado dos dados do INCRA-MG/SR 06.

Figura 1 - Evolução na implementação de assentamentos rurais em Minas Ge-

rais.

políticas públicas que atendam às necessidades dos assentados, possibilitando

a viabilidade econômica e social dos assentamentos.

A interpretação do termo assentamento é divergente, sobretudo

quando são analisados os papéis do Estado e dos movimentos sociais nesse

processo de implementação dos projetos, como é demonstrado por ESTERCI

et al. (1992). Esses autores afirmam que, em algumas abordagens teóricas, o

termo assentamento se refere às etapas da ação do Estado na ordenação dos

recursos fundiários, prevalecendo a análise técnica e não política, em que os

assentados são vistos somente como beneficiários, sem qualquer participação

ativa no processo, e vinculando a origem do termo aos procedimentos técnicos

da burocracia estatal. No entanto, outra orientação de análise indica que o

ponto de partida para a compreensão desse processo seja o movimento dos

trabalhadores de luta pela terra, que, através de sua ação política, vai

modificando aquilo que antes era visto como meramente técnico em questões

políticas, desde critérios de seleção dos beneficiários até a forma de

exploração da terra - assumindo-se, assim, como atores do processo. Dessa

forma, os trabalhadores reinterpretaram a noção oficial do processo de

constituição dos assentamentos. Não se trata de uma ação final e definitiva,

mas de uma ação que se desdobra em novos conflitos, que ultrapassam a

0

5

10

15

20

25

30

35

40

19

86

19

87

19

88

19

89

19

91

19

92

19

94

19

95

19

96

19

97

19

98

Ano de criação

Pro

jeto

s

Page 18: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

4

questão fundiária, mas que representam a possibilidade de permanência na

área conquistada, envolvendo demandas por crédito, assistência técnica etc.

"A criação de um projeto de assentamento é, por um lado, o produto formal de um ato administrativo, este expresso no decreto de desapropriação de uma determinada área rural sob propriedade privada para fins de reforma agrária. Por outro lado, e na maioria das vezes na história recente da reforma agrária no país, a criação de um assentamento é produto, também e sobretudo, de lutas sociais bastante prolongadas pela redistribuição da posse da terra. Portanto, o assentamento expressa no momento da sua criação um ponto de inflexão histórico entre dois processos políticos e sociais e, portanto, uma transição histórica mais complexa do que o mero ato administrativo da sua criação formal. Nesse momento encerra-se um determinado processo político-social onde o monopólio da terra e o conflito social localizado pela posse da terra são superados e imediatamente inicia-se um outro: a constituição de uma nova organização econômica, política, social e ambiental naquela área, com a posse da terra por uma heterogeneidade social de famílias de trabalhadores rurais sem terra” (CARVALHO, 1999).

Historicamente, no Brasil, todo esse processo de implementação de

assentamentos rurais vem sendo caracterizado pela centralização, em nível de

governos federal e estadual, tanto do poder decisório quanto da execução das

políticas e dos programas destinados a tal questão. O poder desapropriatório,

por interesse social, é um ato privativo da Presidência da República, bem como

os mecanismos legais utilizados para a desapropriação por utilidade pública

estão sob a responsabilidade dos governos estaduais. A própria trajetória do

INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), criado em 1970

e que, ao longo de sua história, sempre esteve vinculado ao poder executivo

federal, tem demonstrado o nível de centralidade com que vem sendo tratadas

a reforma agrária e a implementação de assentamentos rurais no Brasil. Além

da centralização da questão fundiária, outras questões vinculadas à viabilidade

dos assentamentos, como política de crédito e assistência técnica, também

estão centralizadas nos poderes executivos estadual e federal. Nesse contexto,

o poder público municipal desempenha papel periférico, de elaboração e

execução de políticas de apoio, respondendo a demandas pontuais como

conservação de estradas, escolas e assistência à saúde, geralmente em

convênios com os governos estaduais e federal.

Page 19: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

5

Devido a esse alto grau de centralização, os assentamentos estão se

constituindo em verdadeiros territórios do governo federal no interior dos

municípios, uma vez que a maioria das demandas dos assentados é

encaminhada diretamente ao INCRA. Com o crescente número de

assentamentos criados desde o final da década de 80, a estrutura desse órgão

vem-se mostrando insuficiente para atender todas as demandas3. Para

BARROS e FERREIRA (1997), um aspecto importante com relação à atual

possibilidade de realização da reforma agrária no país é a necessidade de se

romper com entraves burocráticos, apontando para a necessidade de

construção de um novo arranjo institucional, como alternativa à forte

centralização, que existe historicamente no Brasil quando se trata dessa

questão.

O debate sobre descentralização é uma questão emergente quando se

analisam estratégias de políticas públicas não só no Brasil, mas como

tendência global4. JACOBI (1990) afirma que, na lógica da descentralização,

está colocada uma questão de sobrevivência econômica: "é um mecanismo

adequado para o uso e redistribuição mais eficiente do escasso orçamento

público"; é o desafio de estabelecer novas regras de convivência entre as

esferas do governo, ampliando a democratização do Estado. Entretanto, esse

mesmo autor alerta para o conjunto de ambigüidades que existe quando se

trata desse tema, com a ressalva de que, sendo uma proposta político-

administrativa e dependendo do espectro ideológico em que esteja localizada,

poderá haver objetivos diferentes e até mesmo opostos.

Nesse sentido, especificamente no que se refere à reforma agrária, a

descentralização tem sido apresentada como instrumento para aumentar a

efetividade política do processo, pela divisão de responsabilidades entre as três

esferas de governo (federal, estadual e municipal)5. Tal situação vem sendo

muito debatida, na perspectiva de construção de um processo descentralizado

de implementação de assentamentos e desenvolvimento rural, sendo

3 Ver INCRA (1999) e INCRA-SR 28 (1998).

4 Sobre descentralização de políticas públicas, ver CASTRO (1991).

5 Sobre descentralização da reforma agrária, ver IICA/INCRA (1998).

Page 20: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

6

fortalecido pela tendência à descentralização de várias políticas públicas em

curso no Brasil6.

Existem, porém, vários argumentos contrários a essa política de

descentralização da reforma agrária, como a forte pressão dos latifundiários

sobre o poder municipal e o esvaziamento dos movimentos organizados em

nível nacional, significando a possibilidade de o governo federal não mais se

responsabilizar pela questão. Em recente estudo, INSTITUTO

INTERAMERICANO DE COOPERAÇÃO PARA A AGRICULTURA/INSTITUTO

NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - IICA/INCRA (1998),

em que foram analisados alguns exemplos da relação entre municípios e

assentamentos rurais, identificaram-se questões relevantes sobre a perspectiva

da descentralização da reforma agrária pelos atores envolvidos em tal

processo. À medida que esses atores são os prefeitos, secretários e outras

pessoas ligadas à administração pública municipal, o discurso predominante

são o temor da desobrigação das outras esferas do governo e a restrição de

parcerias, tendo como base a experiência de descentralização de outras ações

ou políticas públicas, como na área de saúde e educação. Além disso, é

recorrente o problema das dificuldades financeiras em que os municípios se

encontram para assumirem mais essa responsabilidade. Para os

representantes dos assentados, os argumentos são de ordem política e se

referem à falta de prioridade e à resistência que prefeitos de determinadas

regiões têm com relação à reforma agrária. A esse fator somam-se outros,

como a pouca capacidade estrutural, técnica e administrativa dos municípios

para executar a diversidade de ações prioritárias demandadas nos

assentamentos.

Assim, a relação entre assentamentos rurais e os municípios é uma

questão bastante atual, sendo objeto de estudos de órgãos governamentais

como INCRA, universidades e, também, organizações que trabalham direta ou

indiretamente com a reforma agrária. Tais estudos têm enfocado,

principalmente, duas questões centrais: a primeira refere-se à possibilidade de

descentralização e democratização desse processo, ampliando a participação

6 O governo federal, através do Ministério Extraordinário de Política Fundiária, apresentou, no primeiro

semestre de 1999, uma proposta de desenvolvimento rural e de reformulação da reforma agrária, em

que se sintetiza a discussão de descentralização para esse setor, apontando uma estratégia de ação

para implementá-lo.

Page 21: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

7

do poder público municipal e da sociedade como um todo, estabelecendo

mecanismos de planejamento e decisão no próprio município. A segunda

questão aborda a articulação desses projetos com os desenvolvimentos local e

regional, sobretudo a sua integração ao mercado.7

A compreensão do significado dos projetos de assentamentos rurais,

na dinâmica dos desenvolvimentos regional e municipal, deve ser

acompanhada pela necessária consideração dos fatores que caracterizam toda

a heterogeneidade desse processo. Nesse sentido, a história de luta dos

trabalhadores, as diferentes trajetórias das famílias assentadas e suas diversas

experiências anteriores, sejam rurais, sejam urbanas, devem ser analisadas

como variáveis fundamentais, assim como as diferenças físicas do próprio local

do assentamento, como qualidade do solo, disponibilidade dos recursos

hídricos, infra-estrutura, localização e facilidade de acesso, também são

importantes para compreensão de como os assentados organizam a produção,

quais sejam suas demandas, suas expectativas, enfim, como os trabalhadores

se articulam na formação desse novo espaço social denominado

assentamento.

O problema de pesquisa conduzido neste trabalho refere-se, dessa

forma, às inter-relações entre o processo de implementação de projetos de

assentamentos rurais e a construção de novas identidades e de relações

sociais, econômicas e políticas entre os diversos atores, públicos e privados,

envolvidos no processo de desenvolvimento local, considerando-se a atuação

dos movimentos sociais e do Estado como elementos importantes na

implementação e viabilização desses projetos. Parte-se da hipótese de que os

assentamentos são elementos dinamizadores das relações sociais locais e que

podem-se constituir em referência na busca de novos modelos de

desenvolvimento rural. Além disso, a análise da viabilidade dos assentamentos

rurais exige, necessariamente, que se tenha clareza dos objetivos formulados

pelas diferentes concepções de reforma agrária. Para este trabalho, partiu-se

da idéia de que reforma agrária é uma política que possibilita o

desencadeamento de um processo de transformação social, estando, assim,

7 Ver MEDEIROS e LEITE (1998) e GÖRGEM e STÉDILLE (1991).

Page 22: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

8

relacionada não só com o aspecto econômico, mas também com o social,

político, simbólico e cultural dos beneficiários e da região envolvida.

Variáveis como a trajetória de luta dos trabalhadores sem-terra, suas

experiências de vida, a estratégia adotada na luta pela terra e os diferentes

agentes de mediação envolvidos em todo o processo, bem como as

características físicas de cada assentamento, constituíram-se em elementos

analíticos fundamentais para a compreensão dos resultados da política

governamental de implementação de assentamentos rurais. Nesse sentido,

autores como MELUCCI (1996), OFFE (1984), FERREIRA NETO (1999) e

NOVAES (1994), dentre outros, forneceram a base teórica para análise sobre a

importância do papel dos mediadores sociais para constituição da ação coletiva

de luta pela terra, bem como para a construção de identidade social desses

trabalhadores assentados e a sua interação com a sociedade local.

A pesquisa de campo foi realizada no município de Unaí, situado no

noroeste do Estado de Minas Gerais, região que se caracteriza por uma

história de ocupação que originou uma estrutura fundiária muito concentrada,

refletindo relações sociais elitistas e patrimoniais, com forte política

clientelística marcada pela relação entre latifundiários, agregados, meeiros e

vaqueiros (CASTRO, 1997); relações típicas de uma região caracterizada

historicamente pela atividade de pecuária extensiva em latifúndios que

continham, em seu interior, minifúndios destinados às roças de produtos de

subsistência.

A partir da década de 70, a região começou a desenvolver uma

agricultura moderna, mudando as características de ocupação territorial com a

intensificação do processo de modernização da agricultura e a implementação

de programas de ocupação capitalista do cerrado. Isso ocorreu a partir de

vários planos de desenvolvimento regional patrocinados pelo Estado, como

PLANOROESTE, PRODECER, PADAP e outros8, que apontavam para a

criação de infra-estrutura para consolidação de relações capitalistas no campo,

atraindo grande contingente de empresários rurais originários, em sua maioria,

da região sul do país. Através da política nacional de crédito rural e usando

forte aparato tecnológico disponibilizado pela "Revolução Verde", esses

8 Este processo de ocupação capitalista do cerrado e as mudanças na região incentivadas por eles são

abordadas com maior profundidade no capítulo 4.

Page 23: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

9

empresários rurais ocuparam lugar de destaque na economia regional, fazendo

com que alguns municípios do noroeste de Minas, entre eles Unaí, se

tornassem importantes produtores de grãos de Minas Gerais9 e do país.

No final da década de 70, no contexto do processo de

redemocratização do país, com a ação mais contundente dos movimentos

sociais na luta pela reforma agrária e, posteriormente, em meados da década

de 80, com o processo de discussão do I PNRA (Plano Nacional de Reforma

Agrária), o município de Unaí passou a ser um dos principais focos de luta pela

terra em Minas Gerais, tendo, portanto, uma situação em que os elementos

que possibilitaram a modernização da agricultura promoveram, também, o

crescimento dos conflitos agrários. Atualmente, Unaí é o município com maior

número de assentamentos rurais, implementados pelo INCRA em todo o

Estado de Minas. Segundo os dados do INCRA - SR-06 (1998), em todo o

Estado de Minas Gerais foram implementados 132 projetos de assentamentos

entre 1986 e 1998, beneficiando 8.186 famílias. O município de Unaí abrigou

cerca de 12% desses projetos de assentamentos e das famílias assentadas de

todo o Estado. Conforme os dados da Tabela 1, são 16 projetos, abrangendo

45.569,0864 ha10, beneficiando 1.023 famílias e totalizando cerca de 5.115

pessoas11, o que representa 6,9% do total da população e 22,7% da população

rural do município.

O processo de implementação de assentamentos de reforma agrária

vem, assim, proporcionando um aumento significativo no número de

trabalhadores assentados no município de Unaí. As diversas trajetórias e

experiências desses trabalhadores, que protagonizam a luta pela terra, têm

impedido qualquer tentativa de homogeneização na análise desses projetos.

Contudo, os assentamentos devem ser considerados como setor específico,

devido as suas particularidades, sobretudo no que diz respeito à relação com o

Estado e com a sociedade de forma geral. Essas relações, conflituosas e,

muitas vezes, preconceituosas, trazem para debate a disputa de poder entre

9 Unaí é hoje o responsável pelo maior PIB rural do Estado de Minas Gerais, cerca de R$ 6,6 bilhões,

1,7% do total (Gazeta Mercantil, 10/08/1998).

10 Esta área, ocupada pelos projetos de assentamentos, corresponde a cerca de 5% da área total do

município.

11 Considerando uma média de cinco membros por família.

Page 24: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

10

setores sociais, bem como os dilemas que envolvem a construção da ação

coletiva apontados por MELUCCI (1996), sendo fundamentais para se

compreender o significado da inserção desse novo setor em nível municipal.

Dessa forma, o reconhecimento político dos trabalhadores rurais sem-terra no

processo de implementação dos assentamentos, que possui forte carga política

e ideológica, e o acesso a um sistema de crédito próprio, os diferencia dos

pequenos produtores tradicionais.

Tabela 1 - Relação dos projetos de assentamento no município de Unaí até 1998

No

Projeto Famílias Área (ha) Decreto Emissão Criação

01 Bálsamo 63 3.281,00 93.532/86 25/03/87 26/05/87 02 Barreirinho 45 3.941,99 26/07/88 25/09/97 02/09/98 03 Boa União 99 4.667,00 22/10/96 10/12/96 26/12/96 04 Brejinho 104 3.119,00 25/11 e 25/07/98 28/10 e 10/12/98 11/12/98 05 Campo Verde 41 2.330,31 04/09/97 22/10/97 19/12/97 06 Canabrava 16 509,70 04/11/98 15/12/98 17/12/98 07 Jibóia 55 1.648,61 04/11/98 17/12/98 08 Nova Califórnia 46 2.080,00 05/09/97 22/10/97 25/11/97 09 Palmeirinha 183 6.146,00 08/03/84 31/10/84 01/10/86 10 Paraíso 77 3.915,00 27/08/97 22/10/97 25/11/97 11 Renascer 45 1.515,00 18/07/96 25/10/96 02/12/96 12 S. Cl. Furadinho 30 1.293,00 20/12/93 01/12/94 08/02/95 13 Santa Marta 60 2.345,47 29/10/98 17/12/98 14 São Miguel 29 1.193,00 RES.153 09/12/98 23/12/98 15 São Pedro Cipó 80 5.280,00 95.828/88 10/10/89 24/09/92 16 Vazante 50 2.304,00 20/10/97 29/07/98 08/09/98 Total 1.023 45.569,08

Fonte: INCRA SR-28 - Relatório de atividades de 1998.

Na Tabela 2, apresentam-se as linhas de crédito do programa especial

para a reforma agrária - PROCERA, bem como o valor máximo que cada

família pode acessar12. Através dessa política de crédito especial, somente no

ano de 1998 os assentados movimentaram cerca de R$ 1.727.398,34,

conforme os dados da Tabela 3, recursos consideráveis e que, geralmente,

circulam na economia municipal. O acesso a esses recursos é um fator

12

Em que pesem as recentes mudanças, os assentamentos em discussão foram criados antes de tais

mudanças, ainda sendo alvo de uma política de crédito específica - o PROCERA.

Page 25: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

11

importante na definição de novos padrões de relação entre os "sem-terra" e a

população local, particularmente com o setor do comércio. Se no momento do

conflito inicial e da luta pela implementação do assentamento, esses

trabalhadores são, de certa forma, discriminados pelo conjunto da sociedade, a

partir do momento da criação do projeto, e passam a ter direito à política de

crédito, tornam-se um setor cobiçado pelo comércio, principalmente do ramo de

insumos agrícolas e de construção civil.

Tabela 2 - Linhas de crédito por família assentada

Linha de crédito Recurso (R$)

Habitação* 2.500,00

Alimentação* 400,00 Fomento* 1.025,00 PROCERA Investimento 7.500,00 (teto máximo) PROCERA Custeio 2.000,00/ano

Fonte: Internet - site INCRA. www.incra.gov.br.

(*) Créditos de implantação.

Tabela 3 - Recursos liberados para os assentamentos no município de Unaí durante o ano de 1998

P.A. Famílias Custeio Investimento

Total

Palmeirinha 147 260.460,00 260.460,00 Bálsamo 50 91.628,32 91.628,32 Renascer 40 70.616,42 71.345,00 141.961,42 S. Clara Furadinho 40 60.377,50 100.480,50 160.858,00 Paraíso 48 43.800,00 43.800,00 Nova Califórnia 42 40.835,00 27.998,00 68.833,00 São Pedro Cipó 73 113.784,20 113.784,20 Boa União 100 177.650,00 487.500,00 665.150,00 Vazante 50 98.581,00 98.581,00

Page 26: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

12

Campo Verde 32 35.375,20 35.375,20 Total 652 1.040.074,8

4 687.323.50 1.727.398,3

4

Fonte: Comissão Estadual do PROCERA/LUMIAR do Distrito Federal e Entor-no. INCRA (1998).

Page 27: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

13

Enfim, o presente trabalho se refere a uma tentativa de compreensão

do significado dos assentamentos rurais no contexto social, político e

econômico dos municípios, tendo como unidade de análise um município cuja

realidade se mostra polarizada, entre uma agricultura empresarial e um alto

índice de conflitos fundiários e de assentamentos rurais. Nesse sentido, este

trabalho apontou a necessidade de relativizar o resultado estritamente

econômico-produtivista da implementação dos projetos de assentamentos

rurais, uma vez que sua eficiência estritamente econômica poderia ser

"mascarada" se seu desempenho fosse comparado com o dos empresários

rurais. É necessária, portanto, a explicitação dos impactos sociais e políticos

que os assentamentos têm nos municípios13.

1.2. Objetivo geral

O objetivo geral deste trabalho consistiu em descrever e analisar, comparativamente, o

processo de implementação e consolidação de três projetos de assentamentos no município de Unaí,

interpretando o significado da presença dos mediadores sociais, envolvidos na luta pela terra, no

processo de organização social e na definição das trajetórias políticas percorridas pelos assentados.

1.3. Objetivos específicos

O presente trabalho teve os seguintes objetivos específicos:

Analisar e descrever a trajetória de luta pela terra no município, basicamente

através da história dos assentamentos selecionados no conjunto da unidade

de análise.

Analisar a trajetória das famílias assentadas no processo de luta pela terra,

percebendo como esses atores constituem esse novo espaço social, que é o

assentamento.

Analisar como esses trabalhadores, a partir da criação do projeto de

assentamento, se inserem no mercado local, identificando seus potenciais e

limites.

13

Esta é uma das questões salientadas por ZAMBERLAM e FLORÃO (1991) em estudo sobre os

assentamentos na região de Cruz Alta, RS.

Page 28: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

14

Analisar as relações entre os assentados, suas entidades representativas e

o poder público local, percebendo o potencial desse processo de

implementação de assentamentos rurais na ruptura ou manutenção das

relações sociais e políticas tradicionalmente constituídas no município de

Unaí.

Page 29: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

15

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1. A atualidade da reforma agrária no Brasil

A relação entre a questão agrária, a estrutura social e o perfil político e

econômico é um aspecto importante e determinante no desenvolvimento das

relações sociais no Brasil. Essa questão, dependendo das condições

conjunturais e dos atores sociais envolvidos, assume diferentes significados,

sendo, contudo, um tema recorrente ao longo da história.

É a partir do final da década de 50 e início dos anos 60 que a

concentração fundiária e a reforma agrária passam a ser amplamente

debatidos, com disputa de propostas reformistas por diferentes forças sociais.

Naquele contexto, o debate sobre a reforma agrária representava “a tradução

política das lutas por terra que se desenvolviam em diversos pontos do país“

(MEDEIROS, 1994). Para a maioria dos trabalhadores rurais, a luta pela terra

representava uma resistência às mudanças nas regras de contratos

costumeiros, que regulavam a relação entre eles e os proprietários. A

redefinição dos contratos de parceria e arrendamento incidia diretamente na

possibilidade de permanência dos trabalhadores dentro da propriedade como

meeiros, moradores, colonos etc., e o seu rompimento ou modificação

significava a própria expulsão da terra. Em diferentes aspectos ocorriam

conflitos localizados em diversas regiões do país, em regiões de agricultura de

Page 30: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

16

exportação, como na zona da mata pernambucana, com os "moradores" que

trabalhavam nos engenhos de cana-de-açúcar (GARCIA JÚNIOR, 1983) e com

os "colonos" que trabalhavam em São Paulo no cultivo de café (LOUREIRO,

1987). Outros conflitos se davam nas regiões de fronteira, principalmente no

Centro-Oeste e nas áreas de cerrado recém-ocupadas, como é o caso de

Trombas, Goiás, e da Revolta dos Camponeses de 1957 no Sudoeste do

Paraná (MARTINS, 1994). Até 1964, e de forma diferenciada nas diversas

regiões do país, os principais mediadores da luta pela terra eram o Partido

Comunista, as Ligas Camponesas lideradas por Francisco Julião e a Igreja

Católica14, que transformavam esta luta na principal bandeira do movimento

camponês.

A reforma agrária era geralmente apresentada, por aqueles

mediadores, como um dos principais elementos para a construção de um

projeto de desenvolvimento nacional, vinculado à formação de grande

contingente de pequenos proprietários, ao estímulo à industrialização e à

modernização da agricultura, ao fim do latifúndio atrasado e à obtenção de

condições para que o meio rural se constituísse em mercado para as indústrias

emergentes. Dessa forma, a reforma agrária era analisada como importante

política para o desenvolvimento econômico nacional, além de ser uma questão

fundamental para a transformação nas relações socioeconômicas e políticas no

campo brasileiro.

No início da década de 60, com João Goulart assumindo a Presidência

da República, a reforma agrária passa a ser uma das principais bandeiras das

chamadas reformas de base, sendo também apontada como uma das

questões decisivas para que houvesse a movimentação dos militares, que

culminou com o golpe de 1964. A Sociedade Rural Brasileira, entidade

tradicional de defesa dos interesses dos grandes proprietários rurais, creditou

importante apoio ao golpe militar quando organizou a Marcha da Família com

Deus e pela Liberdade, inicialmente realizada em São Paulo, mas que

rapidamente se espalhou pelo país. Ato de cunho conservador, denunciava a

14

José de Souza Martins mostra as diferentes atuações desses atores, chegando a se confrontarem

ideologicamente sobre o papel do camponês no contexto das transformações socioeconômicas e

políticas na época. Para esse autor, "o confronto entre católicos e as esquerdas, para mobilizar e

organizar os camponeses, politizou as lutas rurais e as demandas da população do campo"

(MARTINS, 1994:117).

Page 31: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

17

investida comunista, a desordem e a realização da reforma agrária, exigindo

medidas para o retorno da ordem institucional, tornando-se, dessa forma,

importante referência para o afastamento de João Goulart e a ação golpista

dos militares.

Para IANNI (1979), a adoção de disposições legais de cunho reformista

para a sociedade rural, por parte do governo Goulart, o aumento dos conflitos

no campo e a intensificação do processo de sindicalização do trabalhador rural

foram fundamentais para que a burguesia agrária apoiasse o golpe de 1964. As

disposições legais a que se refere este autor são: Lei Delegada no 11, de 11 de

outubro de 1962 que criava a SUPRA (Superintendência da Política Agrária),

que teria o objetivo de se iniciar uma política agrária no país; e a Lei no 4.914,

de 2 de março de 1963 que criava o Estatuto do Trabalhador Rural, que

garantia aos trabalhadores rurais direitos sindicais, previdenciários, salariais e

outros já existentes para os trabalhadores urbanos.

Assim, a partir da tomada do poder pelos militares, o Estado intervém

de forma autoritária, criando condições econômicas, políticas, legais e

institucionais que possibilitaram a articulação das relações de produção na

agricultura com a expansão capitalista agroindustrial. Com base na aplicação

do Estatuto da Terra15, Lei no 4.504, promulgada em 30 de novembro de 1964,

o Estado inicia um processo de colonização e de modernização do campo,

como alternativa à reforma agrária16. O Estatuto da Terra, mecanismo proposto

pelo primeiro governo militar17, que regulamentava o processo de reforma

agrária, era entendido como instrumento de modernização econômica e não de

transformação social. A política agrária e agrícola adotada pelos governos

militares foi para IANNI (1979) uma grande contradição. O processo de

colonização dirigida, que prevaleceu neste período, efetivou-se, na verdade,

como uma contra-reforma agrária. Apesar de o Estatuto da Terra legislar sobre

reforma agrária e colonização, foi dada prioridade apenas para o

15

Pela nova legislação as terras poderiam ser desapropriadas por não cumprirem sua função social, e o

pagamento seria efetuado por títulos agrários, contraditoriamente mais avançado do que a

constituição de 1946, em que previa indenização prévia e em dinheiro ao proprietário rural, o que

inviabilizava economicamente a reforma agrária.

16 Ver GUEDES PINTO (1996).

17 Marechal Castello Branco foi o primeiro presidente militar, assumindo o poder em 1964.

Page 32: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

18

reassentamento, na região amazônica, de atingidos pela barragem de Itaipu e

de outras áreas de conflito social.

"A despeito das ambigüidades da forma pela qual os governos brasileiros encaminharam a questão agrária nos anos 1964-78, o que ocorreu foi uma espécie de contra-reforma agrária. Tudo o que se realizou, em termos de colonização dirigida - oficial e particular - e de criação e expansão da empresa privada de agropecuária e outras atividades, tem redundado numa ampla e intensa ocupação e apropriação de terra por grandes empresas e latifúndios, nacionais e estrangeiros" (IANNI, 1979:127).

Nesse sentido, a estratégia de desenvolvimento articulada pelos

militares reprimia os movimentos sociais e suas lutas por terra, existentes de

Norte a Sul do país, e criava os mecanismos que possibilitavam a

transformação dos latifúndios em modernas empresas rurais, amparadas por

toda sorte de incentivos fiscais e creditícios, "aprofundando a concentração e

subordinando o trabalho na agricultura às necessidades da acumulação do

capital" (GRZYBOWSKI, 1991).

Dessa forma, a luta pela reforma agrária esteve desarticulada no

período do regime militar, principalmente na década de 70, de um lado pela

forte repressão sofrida pelos atores sociais que a conduzia e, por outro, pelo

fato de que o argumento da necessidade de uma reforma agrária para

desencadear o desenvolvimento da agricultura no país ter sido, ou estava

sendo, superado pelo processo de modernização agrícola ora em

implementação no Brasil. Os mediadores na luta dos trabalhadores rurais

nesse período restringiram-se ao Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais

(MSTR) e à ação de setores da Igreja Católica18. O movimento sindical atuando

na esteira da legalidade tentava garantir direitos estabelecidos pelo Estatuto da

Terra e pelo Estatuto do Trabalhador Rural, dando legitimidade às suas

reivindicações junto ao Estado, não se caracterizava por um movimento de

acirrada luta pela questão da terra, realizando muito mais um trabalho

assistencialista. A CONTAG, criada em 1963, e as várias federações nos

estados, como em Minas Gerais, a FETAEMG, criada em 1968, trabalharam

18

Mediadores como o PCB e as Ligas Camponesas foram desarticulados; com a ação militar, essas

organizações foram consideradas clandestinas e suas principais lideranças sofreram com a violência e

perseguição.

Page 33: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

19

nessa direção até o final da década de 70, quando a conjuntura política do país

começa a mudar19.

A Igreja Católica na década de 70, particularmente o setor pastoral das

comunidades eclesiais de base, muda a sua linha de atuação, a partir da ação

desenvolvida por missionários que trabalhavam com índios e posseiros da

região amazônica, que sofriam os efeitos sociais e econômicos da atuação de

grandes empresários nessa região20. Índios e posseiros sofreram um processo

de expulsão e marginalização, até mesmo de extermínio no caso das tribos

indígenas. A percepção da igreja de que o problema agrário dos anos 50 e

início da década de 60, particularmente no Nordeste, seria resolvido com a

ação do Estado21 se modifica. A igreja passa a se preocupar justamente com

as conseqüências daquela ação em outras áreas do Brasil. Dessa forma, é

constituída a CPT (Comissão Pastoral da Terra) como um dos principais

mediadores dos trabalhadores rurais, apresentando-se também como um canal

de denúncias contra a violência e morte dos trabalhadores ao longo da década

de 7022.

Apesar da repressão política e da consolidação do esforço

modernizante dos governos militares, a luta pela reforma agrária não

desaparece, ao contrário, os efeitos da modernização da agricultura, com

ampliação da concentração fundiária e do trabalho sazonal, a recolocam na

pauta política nacional nos anos 80. A crescente mobilização dos trabalhadores

rurais na luta pela terra e o esgotamento do regime militar fizeram com que a

luta pela reforma agrária readquirisse vigor e se colocasse como uma questão

política central no processo de redemocratização do país. Nessa nova

conjuntura, houve mudança na interpretação dos significados econômico,

político e ideológico da reforma agrária, deixando de ser uma reivindicação do

19

Sobre o aprofundamento da atuação do MSTR em Minas Gerais durante esse período ver FERREIRA

NETO (1999).

20 A ocupação da região amazônica com grandes projetos de desenvolvimento foi uma das prioridades

durante o regime militar. Sobre o processo de colonização na região amazônica no período de 1964 a

78, ver IANNI (1979).

21 "A experiência do Nordeste ensinara à igreja que a questão agrária era produto dos atrasos econômico,

social e político. Esse atraso, aparentemente, podia ser vencido com a intervenção do Estado..."

(MARTINS, 1994:124).

22 A Comissão Pastoral da Terra foi constituída em 1975.

Page 34: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

20

desenvolvimento capitalista, passando a se constituir num verdadeiro

questionamento a forma que tal processo de desenvolvimento assumiu.

Não só as mudanças na condução do movimento sindical23 e a atuação

da CPT, mas também a articulação do movimento dos seringueiros e

posteriormente a criação do CNS (Conselho Nacional dos Seringueiros), a

mobilização dos trabalhadores atingidos por grandes obras públicas como os

atingidos pelas construções de usinas hidrelétricas - como a de Itaipu - e o

surgimento do MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra) no Sul do país,

somados às mobilizações dos trabalhadores urbanos, como as greves do ABC

Paulista, fizeram com que a conjuntura política no final dos anos 70 começasse

a mudar, surgindo novos interlocutores dos trabalhadores, sobretudo os rurais.

Com o processo de redemocratização em curso e a ascensão de uma frente

política ampla com o objetivo de conquistar eleições diretas, esses movimentos

exerceram papel importante na garantia de direitos dos trabalhadores no

contexto da elaboração do pacto político do qual, mais tarde, resultaria na

eleição do primeiro presidente civil após a ditadura militar.24

Segundo GRZYBOWSKI (1994), são os movimentos populares que

possuem papel fundamental como forças sociais de contraposição e que

constroem alternativas ao tradicional poder dos grandes proprietários rurais. A

partir de suas lutas específicas e concretas, na década de 70, pelo

restabelecimento dos direitos sociais, os movimentos populares se constituíram

em forças promotoras da redemocratização do país. No entanto, setores da

agricultura nacional - principalmente os latifundiários -, com interesses

imediatos na posse da terra25, organizaram-se rapidamente através de seus

representantes civis e políticos, articulados em torno da UDR (União

Democrática Ruralista) e da bancada ruralista no congresso nacional (BONIM,

23

Havia uma maior pressão por parte das bases sindicais onde a luta pela terra nunca esteve ausente,

principalmente a expulsão de posseiros em algumas regiões do país. O III Congresso da CONTAG foi

também um marco para a ampliação da luta pela reforma agrária pelo MSTR, além do trabalho das

oposições sindicais feitas por setores cutistas através do DNTR/CUT (Departamento Nacional dos

Trabalhadores Rurais).

24 Já nas eleições para governadores em 1982, esses movimentos foram importantes na implementação

de uma política agrária nos estados onde os candidatos de oposição ao regime militar venceram,

como no caso de São Paulo, no governo de Franco Montoro; a respeito, ver D'INCÃO e ROY (1995).

25 Neste contexto, os principais articuladores da anti-reforma agrária não eram os latifundiários

tradicionais, mas sim os novos donos de terras, empresários do sudeste, agora donos também de

grandes áreas em regiões de fronteira, como na região amazônica. A este respeito, ver

GRZYBOWSKI (1991) e PALMEIRA (1994).

Page 35: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

21

1987). Para SILVA (1988), a UDR teve crescimento extraordinário como

organização rural classista, e seu surgimento se deu num vazio deixado pela

dicotomia entre a representação formal dos ruralistas (CNA - Confederação

Nacional da Agricultura e as Federações Estaduais) e a representação real

(cooperativas e associações de produtores), tendo como objetivo a

contraposição ao movimento de luta pela reforma agrária.

A atuação desses setores foi decisiva no processo de esvaziamento da

elaboração e execução do I PNRA (Plano Nacional de Reforma Agrária),

durante o primeiro governo da Nova República, bem como no processo de

elaboração da Constituição (promulgada em 1988), no que se refere à questão

agrária. Esses dois momentos se conformaram em arena de disputa entre

esses setores contrários à reforma agrária e os representantes dos

movimentos dos trabalhadores rurais, destacando-se a CONTAG, o MST e a

CPT. Como resultado dessa disputa, os trabalhadores obtiveram avanços

pontuais e dependentes da conjuntura política, e a reforma agrária ampla e

massiva defendida por alguns interlocutores dos trabalhadores rurais não foi

implementada.26

As mudanças nas conjunturas política e econômica do país, com a

ampliação do debate social sobre o tema e a sua presença na agenda política

do poder público, associados à constante mobilização e à pressão dos

movimentos sociais, deram grande impulso na luta pela reforma agrária,

principalmente pela implementação de diversos assentamentos rurais na última

década. Essa nova conjuntura possibilitou avanços importantes, tanto no

processo de conquista da posse terra como na criação de programas rurais

específicos para a viabilização dos assentamentos, por exemplo o PROCERA

(programa de crédito)27, o LUMIAR (programa de assistência técnica), o

PRONERA (programa de educação) e outros.

Atualmente, o debate sobre o papel da reforma agrária na sociedade

brasileira é bastante amplo, permitindo a sua vinculação com outros temas

26

Mesmo havendo participação de setores comprometidos com a luta pela reforma agrária no processo

de elaboração do I PNRA, este sequer cumpriu sua meta: elaborado para ser executado entre 1985 -

89, com uma previsão de assentar 1 milhão e 400 mil famílias, numa área de 43 milhões de hectares,

assentou 89 mil famílias (6,4% do previsto) numa área de 4,5 milhões de hectares (1,5% do previsto)

(FERREIRA, 1994).

27 O governo recentemente mudou a política de crédito para a reforma agrária, fundindo o PROCERA no

PRONAF (programa de incentivo à agricultura familiar). A este respeito, ver INCRA (1999).

Page 36: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

22

como a fome, preservação ambiental, cidadania, participação política e

democratização. Porém, isso não significa que os projetos de assentamentos

rurais vêm sendo implementados sem obstáculos políticos. Eles persistem

tanto no nível de conquista da terra quanto no processo de viabilização da

produção e no acesso a serviços essenciais à qualidade de vida dos

assentados. Pode-se afirmar que hoje há apenas uma atuação pontual dos

governos federal, estaduais e municipais na tentativa de solucionar as

situações de conflito, principalmente a partir das ocupações organizadas pelos

movimentos sociais do campo. Assim, não se pode considerar que o Estado

tenha efetiva política nacional de reforma agrária.

Com relação à viabilização dos assentamentos, as regras da política

econômica e o modelo de agricultura vigente, produto da "modernização

conservadora", têm dificultado o desenvolvimento e fortalecimento da

agricultura familiar como um todo. Apesar de os assentamentos se constituírem

em categorias específicas, dotadas de organização própria e demandando

políticas direcionadas para suas especificidades, os assentados se encontram

na mesma situação dos pequenos proprietários, cuja base é o sistema de

produção familiar, isto é, marginalizados no processo de modernização

tecnológica da agricultura.

2.2. Os assentamentos rurais no Brasil

Através de uma política pontual de enfrentamento do problema da

reforma agrária pela implementação de assentamentos rurais, sobretudo em

locais de maior conflito fundiário, o poder público, principalmente nos anos 90,

conseguiu a implementação de um significativo28 número desses projetos nos

diversos estados da Federação. Dados do INCRA revelam que são mais de

1.425 projetos de assentamentos implementados a partir do I PNRA,

beneficiando cerca de 159.778 famílias29.

Importante referência para a análise do caráter geral do

desenvolvimento das experiências de assentamentos rurais é a pesquisa

28

Segundo o MST, a CONTAG e a CPT, estes números são insignificantes perante a demanda potencial

por terra no país.

29 Segundo SCHMIDT et al. (1998), estes dados se referem aos assentamentos implementados até 1996.

Page 37: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

23

realizada pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e

Alimentação), em convênio com o INCRA, em 1992. Essa pesquisa analisou 44

assentamentos distribuídos pelo país, em um universo de 440 projetos

implementados entre 1985 e 1989, através do PNRA. Trata-se de uma

importante fonte de informações para a análise de questões referentes ao

sentido econômico da reforma agrária e a viabilidade dos assentamentos

rurais. Mais recentemente, em convênio celebrado entre o CRUB (Conselho de

Reitores das Universidades Brasileiras) e o MEPF (Ministério Extraordinário de

Política Fundiária), várias universidades se empenharam em realizar um censo

sobre a reforma agrária, obtendo informações dos assentamentos em todos os

estados brasileiros.30

O estudo da FAO e as análises feitas por diversos pesquisadores de

seus resultados31 reforçam a idéia de que os assentamentos devem ser

avaliados no contexto do desenvolvimento da agricultura familiar, com uma

metodologia que não se restrinja a realizar uma análise contábil do processo

produtivo, avaliando somente a renda líquida referente às atividades

agropecuárias. Utilizando a tipologia estabelecida por LAMARCHE (1993), é

possível pensar os assentamentos rurais como um dos vários elementos que

configuram a diversidade da agricultura familiar. Esse autor a define não como

um modelo específico, mas que abrange diversas formas de produção,

correspondendo a uma

"unidade de produção agrícola onde propriedade e trabalho estão intimamente ligados à família. A interdependência desses três fatores no funcionamento da exploração engendra necessariamente noções mais abstratas e complexas, tais como a transmissão do patrimônio e a reprodução da exploração" (LAMARCHE, 1993:15).

Nesse sentido, a reflexão sobre a viabilidade econômica dos

assentamentos deve levar em consideração as especificidades da agricultura

familiar, ou seja, a inter-relação entre a organização da produção e as

necessidades de consumo, não sendo o trabalho familiar avaliado em termos

de lucro, pois o custo objetivo deste trabalho não é quantificável e, finalmente,

os objetivos da produção são os de produzir valores de uso e não de troca.

Esses princípios são a base para as interpretações de diversos autores, que

30

Ver SCHMIDT et al. (1998).

31 Ver ROMEIRO et al. (1994).

Page 38: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

24

procuram analisar também o custo de oportunidade e a renda de autoconsumo,

importantes para a compreensão da realidade dos assentamentos rurais no

Brasil.32

GUANZIROLI (1994b), analisando o relatório da pesquisa realizada

pela FAO, aponta que os assentamentos são viáveis, principalmente pelo seu

potencial de geração de renda, empregos e capitalização, refletindo em uma

melhoria na qualidade de vida de seus beneficiários. A renda média da família

assentada é muito superior à renda familiar do trabalhador assalariado na

agricultura. As famílias assentadas atingem uma média de 3,70 salários

mínimos, aproximando-se da renda média nacional das famílias, que é de

3,8233 e muito superior à linha de pobreza configurada por um salário mínimo

por família. Afirma, ainda, que os assentamentos possuem viabilidade

econômica, se se partir do ponto de vista do custo de oportunidade, ou seja,

comparando a renda total dos assentados com a oferta de emprego e renda

que existiria como alternativa para os mesmos trabalhadores fora dos

assentamentos e não apenas comparando a economia dos assentamentos

com a agricultura comercial praticada pelos empresários rurais. Além do

aumento da capitalização dos trabalhadores assentados em relação à sua

situação anterior, outros indicadores demonstram a melhoria nas condições de

vida, como o baixo índice de mortalidade infantil nos assentamentos, inferior às

médias regionais34.

Segundo GUANZIROLI (1994a, b), os assentamentos são experiências

concretas para os trabalhadores beneficiados e, a princípio, configuram-se em

unidades produtivas, não podendo ser caracterizados apenas como

reservatórios de mão-de-obra, ou meros locais de moradia. Os assentados que

melhor se desenvolvem são aqueles que possuem, como principal atividade, a

própria produção interna e sua comercialização - isto é, uma melhor integração

com o mercado. Esse autor afirma que

32

Estas questões são centrais para entender a divergência entre os trabalhos da FAO, já citado, e a

pesquisa realizada pelo BNDES; apesar de esta última ter trabalhado com assentamentos

implementados antes do I PNRA, a diferença nos resultados sobre a viabilidade econômica se

encontra na metodologia usada, na teoria usada como base para definir assentamentos rurais. Sobre

esta questão, ver ROMEIRO et al. (1994).

33 Estabelecidas através de estudos de Rodolfo Hoffmann com base em dados do IBGE, citado por

GUANZIROLI (1994b).

34 Exceto nos projetos de assentamento localizados na região norte.

Page 39: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

25

“considerando as possibilidades de modernização da pequena produção por um lado, e as perspectivas de emprego no setor urbano industrial por outro, tudo indica que o setor agrícola pode jogar efetivamente um papel importante como fonte de emprego nos próximos anos...” (GUANZIROLI, 1994b).

De outra forma, José Graziano da Silva, citado por PALMEIRA e LEITE

(1997), afirma que os assentamentos são importantes justamente para fixar

mão-de-obra, com um mínimo de condição reprodutiva, para desenvolver

atividades não-agrícolas. Isso, diante da análise de que, no contexto atual, o

crescimento de atividades não-agrícolas no campo é mais acentuado do que as

atividades agrícolas propriamente ditas. Divergências como essas poderiam

ser explicadas por uma análise que levasse em consideração o contexto

regional ou local onde os assentamentos estão inseridos. ZAMBERLAN (1994)

acentua a necessidade de que o processo de elaboração de projetos e

programas de investimentos nos assentamentos rurais seja contextualizado

numa expectativa de desenvolvimento regional.

Nesse sentido, ZAMBERLAN e FLORÃO (1991), em um estudo sobre

impactos de assentamentos de reforma agrária, na região de Cruz Alta, RS,

mostram os avanços econômicos e sociais para os municípios e região onde

ocorre a implementação de tais projetos. Segundo esses autores, os efeitos

econômicos poderiam ser alcançados também por outro tipo de

empreendimento agrícola, como grandes propriedades. Porém, esses avanços

não podem ser analisados somente do ponto de vista econômico-produtivista,

pois os assentamentos propiciam a possibilidade de desconcentração de

riqueza e poder. Portanto, uma análise que considere apenas o aspecto de

desempenho econômico do assentamento pode mascarar seus verdadeiros

impactos, se comparado apenas com a eficiência econômica da empresa rural.

Assim, para analisar o significado da implementação de assentamentos, é

necessário que se busquem também os impactos sociais, culturais e políticos

no município.

Em estudos recentes, MEDEIROS e LEITE (1998, 1999) buscam

maiores informações regionalizadas sobre os impactos dos projetos de

assentamentos rurais em vários estados do Brasil. A partir dessas análises,

nas quais se consideram as diversas realidades das regiões em estudo e mais

a diversidade dos atores envolvidos, as diferentes origens dos assentados,

suas experiências como trabalhadores rurais ou urbanos, constata-se que não

Page 40: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

26

se pode homogeneizar as características deste objeto de estudo. Considerando

todas essas variáveis, pode-se encontrar formas diferenciadas de integração

ao mercado e distintas estratégias de geração de renda e emprego, como o

caso da pluriatividade35 exercida pelos assentados no Estado do Rio de

Janeiro, as atividades extrativistas nos assentamentos do Norte do país,

especificamente no Acre, e a experiência de associativismo e cooperativismo

no Rio Grande do Sul, adotada por boa parte dos assentados como forma de

produzir e comercializar. Além desse aspecto, os mesmos autores afirmam

ainda que, de uma forma ou de outra, os projetos de assentamentos trazem

uma novidade para a região, em termos de novos atores inseridos no mercado,

consumidor e produtor e novas relações políticas que, em determinadas

regiões, são um fator determinante na definição do processo eleitoral.

Dessa forma, a reforma agrária não pode ser tratada como uma política

ou programa social de alcance imediato, mas como alternativa para que os

assentados tenham oportunidade de participar da vida econômica e política do

município, representando, assim, uma alternativa para o seu próprio

desenvolvimento. Levando em consideração a complexa realidade da

agricultura brasileira, com setores capazes de assimilar inovações tecnológicas

e integrar-se aos mercados nacional e internacional, sobretudo os complexos

agroindústrias como da soja, trigo, algodão, fruticulturas e outros, GUANZIROLI

(1994a) e ABRAMOVAY e CARVALHO FILHO (1993) analisam, de forma

convergente, o fato de que a democratização das terras não teria como objetivo

a homogeneização do setor produtivo agrícola, mas admitir a coexistência e a

convivência entre produtores familiares e grandes empresários rurais. A

agricultura familiar seria, nesse processo, o padrão de desenvolvimento

quando analisada do ponto de vista da prioridade do Estado na implementação

de políticas públicas para a agricultura, baseado numa maior desconcentração

fundiária. Reestruturando um processo que, segundo VEIGA (1991), ocorreu

sem a implementação de políticas distributivas - no caso, a distribuição de

poder sobre as terras. Contrapondo aquele momento com a atualidade, esse

autor afirma que, se a redistribuição de terras for encarada como condição

necessária ao desenvolvimento, a reforma agrária é realmente importante,

35

Sobre a pluriatividade nos assentamentos rurais no Estado do Rio de Janeiro, ver ALENTEJANO

(1998).

Page 41: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

27

pois, segundo ele, são poucas as políticas públicas com impactos comparáveis

na distribuição de riquezas. Nessa mesma perspectiva, ABRAMOVAY e

CARVALHO FILHO (1993) consideram que a reforma agrária é caracterizada

pela mudança na base da matriz distributiva, "dotando parte dos pobres rurais

com a condição básica para que se tornem produtores", alterando assim a

qualidade de sua inserção no sistema econômico e na cidadania.

Nesse aspecto, LEITE (1994) afirma ser importante analisar a relação

entre a atuação do Estado e a possibilidade de sucesso/insucesso dos

assentamentos. De uma forma que a abordagem dos condicionantes

estruturais das políticas de implementação desses projetos e do perfil da

intervenção pública, seja complementar às análises das variáveis dependentes

do processo econômico produtivo. Em estudo sobre os assentamentos no

Estado de São Paulo, esse autor mostra a atuação descontínua do Estado, em

suas diversas instâncias, ao implementar políticas que viabilizassem os

assentamentos, como os serviços básicos de infra-estrutura, essenciais para o

seu desenvolvimento. Dessa forma, o referido autor argumenta que a maioria

das críticas aos núcleos de reforma agrária não leva em consideração a

atuação governamental, nas suas fases de implementação, cobrando uma

eficiência econômica semelhante à das empresas agropecuárias constituídas

sobretudo no processo de "modernização conservadora".

Para LEITE e COSTA (1989), uma avaliação dos assentamentos deve

contemplar, no curto prazo, as características políticas, técnicas, econômicas e

sociais que marcaram internamente o projeto e se apresentam como fatores de

peso na avaliação do desempenho imediato. Da mesma forma que a

inadequação ou insuficiência das instituições governamentais com as quais se

vinculam os programas e a falta de articulação entre elas. BERGAMASCO e

CARMO (1991) também identificam a importância de se considerar a forma de

ação do governo nesse processo, afirmando que as perspectivas de evolução

dos assentamentos estão diretamente relacionadas com as definições e a

continuidade das políticas governamentais.

Ainda segundo LEITE (1994), há necessidade de se enfatizar a

dimensão política das análises econômicas sobre os assentamentos, bem

como analisar a intervenção do Estado nas questões agrária e agrícola

(viabilização dos assentamentos), tendo como parâmetro a intervenção deste

Page 42: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

28

em outros setores, como as cadeias agroindustriais. De acordo com MARTINE

(1991), “podemos questionar a eficiência econômica dos setores caificados

oligopólicos se levarmos em conta o papel do Estado”. Isso se refere ao fato de

que a eficiência da empresa capitalista na agricultura é política e não

econômica, ou seja, o que a diferencia é o seu poder em obter auxílio do

Estado. Dessa forma, a reforma agrária pode significar uma ruptura do poder

de setores economicamente superiores, que têm no Estado um grande suporte.

Para MEDEIROS et al. (1994), a reflexão sobre a viabilidade

econômica dos assentamentos e, ou, da produção familiar implica recuperar a

sua dimensão política mais ampla. Passa, necessariamente, por considerar as

possibilidades de uma reconversão das prioridades das políticas públicas,

levando, assim, para o campo das relações de força na sociedade, para

reflexão em torno da complexidade dos mecanismos decisórios do Estado.

Nessa mesma perspectiva, SILVA (1993) aponta que a reforma agrária, além

de reintegrar os excluídos pela "modernização conservadora", busca, também,

novas formas de integração dos diferentes atores sociais numa proposta

"política mais ampla de transformação da sociedade brasileira...".

Para compreender a relação entre reforma agrária e poder político,

tem-se a referência de Vítor Nunes Leal36, que já em 1946 afirmava que a

estrutura agrária concentrada é que fornecia a base de sustentação do

coronelismo, como manifestação de poder privado e de suas relações com o

poder público, que atuava no cenário local, mas com conseqüências na vida

política do país. CARVALHO (1997), analisando a obra de Nunes Leal, afirma

que o coronelismo é um sistema político envolvendo desde o coronel até o

presidente da república numa complexa rede de relações com compromissos

recíprocos, “baseado em barganhas entre o governo e os coronéis”37. Esse

sistema político é datado historicamente, existindo somente durante a primeira

república, de 1889 a 193038.

36

Ver LEAL (1975).

37 Segundo esse autor: “O governo estadual garante, para baixo, o poder local do coronel sobre seus

dependentes e seus rivais, sobretudo cedendo-lhe o controle dos cargos públicos, desde o delegado

de polícia até a professora primária. O coronel hipoteca seu apoio ao governo, sobretudo na forma de

votos. Para cima, os governadores dão seu apoio ao presidente da República em troca do

reconhecimento deste de seu domínio no estado” (CARVALHO, 1997).

38 Este sistema surgiu a partir de mudanças políticas e econômicas da época, com a implantação do

federalismo em substituição ao centralismo imperial e a fragilização do poder dos coronéis pela

Page 43: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

29

Ainda segundo a análise de CARVALHO (1997), o poder dos coronéis,

fundamentado no controle da terra, pode ser entendido como um momento do

mandonismo. O mandonismo não é um sistema, é uma característica da

política tradicional, “existe desde o início da colonização e sobrevive ainda hoje

em regiões isoladas”. É baseado na existência local de estruturas oligárquicas

e personalizadas de poder, em que um coronel, um chefe, exerce domínio

pessoal e arbitrário sobre a população. Esse poder se dá através do controle

de algum recurso estratégico, que em geral é a posse da terra. Esse autor

ainda traça um paralelo entre o mandonismo e o clientelismo. Segundo suas

afirmações, o clientelismo é o mandonismo “visto do ponto de vista bilateral”, e

seu conteúdo varia de acordo com os recursos controlados pelos atores

políticos. A trajetória do clientelismo é oposta ao do mandonismo na história do

Brasil, podendo aumentar ou diminuir na medida em que há a possibilidade de

mudança dos parceiros, enquanto a trajetória do mandonismo percorre um

caminho decrescente; além disso:

“... é possível mesmo dizer que o clientelismo se ampliou com o fim do coronelismo e que aumenta com o decréscimo do mandonismo. À medida que os chefes políticos locais perdem a capacidade de controlar os votos da população, eles deixam de ser parceiros interessantes para o governo, que passa a tratar com os eleitores, transferindo para estes a relação clientelística” (CARVALHO, 1997:4).

A partir dessas considerações, entende-se que o tratamento dado pelo

Estado à política agrária, sobretudo à reforma agrária, ao longo da história do

Brasil, esteve vinculado à implementação de um projeto de desenvolvimento

econômico fundamentado numa estratégia de atuação em que o Estado se

mantinha atrelado aos interesses da elite agrária. Nesse sentido, José de

Souza Martins afirma que

“A propriedade latifundista da terra se propõe como sólida base de uma orientação social e política que freia, firmemente, as possibilidades de transformação social profunda e de democracia no país” (MARTINS, 1994:12).

Tais considerações acentuam, mais uma vez, a necessidade de

incorporar na análise da implementação de uma política de reforma agrária o

seu significado de elemento de alteração nas forças políticas em disputa pelo

controle do poder na sociedade brasileira.

decadência econômica dos fazendeiros. Com a implantação do Estado Novo, este sistema alcança o

seu fim, simbolicamente decretado pela prisão dos coronéis baianos e a derrubada de Flores da

Cunha – o último dos grandes caudilhos gaúchos, em 1937 (ver CARVALHO, 1997).

Page 44: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

30

3. METODOLOGIA

3.1. Delimitação da unidade de análise

O objeto de estudo deste trabalho é o processo de implementação e consolidação de assentamentos rurais e as relações desse novo espaço socioeconômico e político em nível municipal, tomando-se como referência o município de Unaí, na região noroeste do Estado de Minas Gerais. Segundo dados da CORA (Comissão Estadual de Reforma Agrária) e da FETAEMG (Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Minas Gerais), apresentados na Tabela 4, o município possuía nove assentamentos de reforma agrária até o final de 1997, totalizando cerca de 659 famílias numa área de 30.507,31 hectares, sendo o município com o maior número de projetos de assentamentos implementados em Minas Gerais.

Apesar desse número ter aumentado ao longo do ano de 1998 para 16

projetos de assentamentos, com 1.023 famílias assentadas39, este trabalho

delimitou apenas os nove já implementados até o final do ano de 1997. Tal

39

Ver Tabela 1.

Page 45: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

31

opção se justifica pelo fato de que os sete projetos de assentamentos restantes

foram implementados ao longo do ano de 1998, sobretudo no segundo

semestre, período em que esta pesquisa já estava em andamento.

Tabela 4 - Assentamentos rurais no município de Unaí, MG (1997)

Projeto de Assentamento

Ano de criação

Famílias Área Capacidade Apoio

Palmeirinha 1986 183 6.146,00 183 FETAEMG Bálsamo 1987 63 3.281,00 63 FETAEMG São Pedro Cipó 1992 80 5.280,00 80 FETAEMG Santa Clara - Furadinho 1995 30 1.293,00 30 FETAEMG Boa União 1996 99 4.667,00 100 FETAEMG Renascer 1996 45 1.515,00 45 FETAEMG Campo Verde 1997 41 2.330,31 41 FETAEMG Nova Califórnia 1997 41 2.080,00 42 FETAEMG Paraíso 1997 77 3.915,00 85 FETAEMG Total 659 30.507,31 669

Fonte: CORA-MG e FETAEMG (1997).

A amostra de pesquisa foi composta por três projetos de

assentamentos selecionados intencionalmente, a partir da observação e

identificação de variáveis significativas para o problema investigado como:

época de implementação do projeto; situação com relação à assistência técnica

e à política de crédito; presença de órgãos como INCRA, EMATER e outros;

forma de luta pela terra; localização e número de famílias assentadas em cada

um. Assim, foram selecionados para estudos os projetos de assentamentos

Palmeirinha, Boa União e Renascer, apresentados na Tabela 4. A partir dessa

amostra, efetuou-se uma subamostra estratificada composta pelas famílias

assentadas, com as quais foram realizadas as entrevistas e aplicados os

questionários. Cada um dos três projetos de assentamento escolhido na

primeira amostragem correspondeu a um estrato.

Dessa forma, poder-se-á fazer generalizações estatísticas a respeito

dos três assentamentos, bem como análises comparativas entre eles, com

Page 46: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

32

base nos dados e na referência teórica, além de possibilitar algumas análises

gerais sobre o processo de implementação e consolidação dos nove projetos

de assentamentos existentes no município.

A seleção da amostra intencional dos projetos de assentamento foi possível depois da participação no encontro dos assentados e acampados do município, realizado em junho de 1998, e também de uma visita exploratória ocorrida em novembro de 1998. Tais atividades possibilitaram maior conhecimento da realidade a ser estudada, permitindo, assim, a seleção dos seguintes projetos de assentamentos como amostra intencional, seguindo-se as variáveis apresentadas anteriormente.

P.A. Palmeirinha: o projeto foi criado durante o I PNRA (1986), após um

longo conflito entre o proprietário e antigos moradores, constituindo-se em

um marco na história de luta pela terra na região. O assentamento conta

com 183 famílias assentadas, numa área de 6.146 hectares, com os lotes

variando entre 03 e 70 ha. Os assentados já alcançaram o limite de crédito

inicial destinado ao investimento nos lotes e entraram numa etapa de

pagamento do empréstimo e de discussão sobre as possibilidades de sua

emancipação. Esse assentamento não participa do programa LUMIAR40 de

assistência técnica, e a EMATER somente trabalha na elaboração dos

projetos de custeio.

P.A. Boa União: é um assentamento mais recente, implementado em 1996,

onde as 100 famílias assentadas passaram por um processo de ocupação

da área, como forma de luta pela desapropriação. Atualmente, a EMATER

desenvolve um trabalho de assistência técnica no local através do programa

LUMIAR. O assentamento ocupa uma área de 4.667,00 ha, com variação

entre os lotes de 21 a 67 ha.

P.A. Renascer: possui 45 famílias assentadas numa área de 1.515.00 ha,

sendo implementado em 1996; é também fruto de processo de ocupação e

40

LUMIAR: projeto de assistência técnica nos assentamentos. Foi criado em 1997 e tem como objetivo a

descentralização da assistência técnica aos agricultores assentados, envolvendo diretamente três

instituições (atores): INCRA, a organização dos assentados e a prestadora de assistência técnica

(INCRA - SR-28, 1998).

Page 47: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

33

acampamento na área. A variação no tamanho dos lotes fica entre 27 e

48 ha. É o projeto mais próximo da sede do município e de mais fácil

acesso. Este também é um projeto assistido pelos técnicos da EMATER via

programa LUMIAR.

Page 48: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

34

3.2. Operacionalização da pesquisa e coleta de dados

Os dados analisados foram obtidos de fontes primárias e secundárias.

Durante a realização do trabalho, utilizou-se de diversas fontes de informações,

como entrevistas, questionários, observações e documentos. Segundo

ROTHMAN (1996), o uso de diferentes fontes de evidências possui a vantagem

de possibilitar a elaboração de linhas convergentes de investigação, tornando

os resultados e as conclusões mais precisos e convincentes. Através da

aplicação de questionários com os assentados, obteve-se uma caracterização

geral da estrutura organizacional e social dos assentamentos, identificando as

diversas origens, trajetórias e a situação atual de cada família no que diz

respeito ao acesso a serviços básicos como saúde e educação, bem como

informações sobre renda, emprego e sobre o sistema de produção. De modo

complementar à aplicação de questionários, foi possível uma análise qualitativa

através da realização de entrevistas com lideranças dos assentamentos,

membros e representantes de diversos órgãos, como prefeitura municipal,

sindicato dos trabalhadores rurais, FETAEMG, EMATER, sindicato rural,

INCRA e vereadores, ou seja, atores que estão relacionados com o setor rural

no município de Unaí. Isso favoreceu a compreensão e análise da trajetória de

luta pela terra na região e de como se dão os posicionamentos políticos e as

relações entre as diversas instituições, no que se refere aos assentamentos

rurais. Como fontes secundárias foram usados os arquivos e dados disponíveis

em órgãos como IBGE, EMATER, sindicatos, INCRA, FETAEMG, CORA-MG e

outros.

O trabalho de campo iniciou com a participação no I Encontro dos

assentados e acampados do município de Unaí, realizado em junho de 1998 na

sede comunitária do projeto de assentamento Palmeirinha, onde se

estabeleceu o primeiro contato de algumas lideranças dos assentamentos e

acampamentos da região com técnicos da EMATER e lideranças políticas do

município. Foi um momento de apresentação das intenções da pesquisa e de

uma aproximação do pesquisador com seu universo de análise. Na verdade foi

um primeiro contato com os assentados, com o intuito de se fazer um

reconhecimento da área a ser estudada, de pensar quais seriam as melhores

estratégias de ação e também de conhecer genericamente cada projeto, o que

Page 49: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

35

propiciou a escolha daqueles que compuseram a amostra. Após alguns meses

na Universidade, voltou-se a campo com a intenção de visitar os

assentamentos escolhidos com o objetivo de estreitar relações com os

assentados, já começando a entender como seria o funcionamento dos

projetos. Nessa etapa, discutiu-se, juntamente com as lideranças de cada

assentamento, a estratégia de aplicação dos questionários, debatendo o

melhor período para se fazer este trabalho e evitando períodos de pico de

trabalho no campo, como colheita ou plantio, regime de chuvas, etc. Durante a

visita exploratória (novembro de 1998) foi feito também um mapeamento de

pessoas que poderiam funcionar como peças-chave para serem entrevistadas

tanto nos assentamentos como na cidade.

Foram aplicados 151 questionários entre os chefes de famílias

assentadas e 16 entrevistas no período que compreendeu os meses de

fevereiro e março de 1999. A pesquisa foi complementada por mais uma ida ao

campo, dessa vez apenas na cidade de Unaí e em Brasília no mês de maio

desse mesmo ano. Apesar de todo o planejamento para a etapa da aplicação

dos questionários, que demandou do pesquisador bastante tempo percorrendo

os três assentamentos, não foi possível evitar contratempos e imprevistos

como as fortes chuvas que caíram na região, ocasionando transtornos nas

viagens, bem como as visitas em momentos de intensa atividade dos

assentados, como colheita e silagem41, o que impedia uma conversa mais

prolongada com os membros das famílias.

É importante destacar a participação do pesquisador em reuniões em

cada um dos três assentamentos. Com exceção do P.A. Renascer, as reuniões

aconteceram dias antes de se iniciarem os trabalhos de aplicação dos

questionários, o que favoreceu ainda mais a aproximação e a aceitação por

parte das famílias. Essas reuniões foram momentos ricos de debates sobre a

realidade de cada projeto.

Os 151 questionários aplicados foram assim distribuídos:

41

Processo de armazenamento de capim, cana e milho para alimentar o gado no período da seca.

Page 50: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

36

Estrato 1 – P.A. Palmeirinha: representa 55,8% da população42 - 84

questionários.

Estrato 2 – P.A. Boa União: representa 30,5% da população – 46

questionários.

Estrato 3 – P.A. Renascer: representa 13,7% da população – 21

questionários.

Cálculo da amostra estratificada

Cálculo do tamanho da amostra estratificada para população finita segundo Richardson:

n = 2 p q N/E2(N - 1) + 2 p q,

em que n = tamanho da amostra; 2 = nível de confiança (escolhido, em

número de desvios - sigmas); p = proporção da característica pesquisada no

universo, calculado em percentagem; q = 100 - p (em percentagem); N =

tamanho da população; e E2 = erro de estimação permitido.

Obs.: segundo Richardson, o valor de p é muito difícil de estimar quando

se trabalha com ciências sociais. Portanto, o indicado é supor o seu valor igual

a 50%, que é o caso mais desfavorável para a sua estimação, em que se

necessitaria de que a amostra fosse maior. Sobre o erro de estimação, esse

autor afirmou que, nas ciências sociais, é permitido um erro máximo de 6%, o

qual será o erro admitido no cálculo da amostra. O nível de confiança adotado

foi de 95%, que significou = 2.

Cálculo

n = 22 50 50 328 / 62 (328 - 1) + 22 50 50

n = 151

A amostra total seria distribuída entre os estratos, proporcionalmente

ao seu tamanho em relação ao total da população, conforme descrito

42

População aqui se refere ao total de assentados dos três assentamentos que foram selecionados

intencionalmente como amostra.

Page 51: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

37

anteriormente. Para cada estrato foi feita uma escolha aleatória dos indivíduos,

utilizando-se o método do sorteio.

Page 52: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

38

4. O PROCESSO HISTÓRICO DE OCUPAÇÃO E A LUTA PELA TERRA NA REGIÃO NOROESTE DE MINAS GERAIS

4.1. O sertão Noroeste de Minas

O processo de ocupação do noroeste mineiro se intensifica no início do

século XVII, a partir de dois fluxos distintos. O primeiro foi representado pelos

vaqueiros que conduziam gado vindo das províncias de Pernambuco e Bahia,

formando fazendas de criação que, posteriormente, deram origem a vilas e

arraiais; o segundo fluxo, vindo do Sul, foi representado pelas expedições dos

bandeirantes paulistas (FERREIRA NETO, 1993). A história de ocupação e de

exploração da região está profundamente marcada pela presença do rio São

Francisco e de seus afluentes: rios das Velhas, Paracatu, Urucuia e,

particularmente em Unaí, o rio Preto. Assim, a ocupação dessa região foi

marcada pela importância no transporte fluvial e no abastecimento da corte e

da região mineradora, de gêneros alimentícios, principalmente a carne de gado

e peixe, e de produtos agrícolas como a mandioca e o feijão.

O rio São Francisco foi o veículo que permitiu a integração do noroeste com os centros dinâmicos do país como São Paulo, Pernambuco e Bahia. MELLO (1988) afirma que, no século XVII, coube a Pernambuco a penetração por todo o lado esquerdo do São Francisco, e que até 1854 essa província teve amplo domínio

Page 53: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

39

político e eclesiástico numa região que abrangia os atuais municípios de Paracatu e de Unaí, que fizeram parte da Diocese de Olinda.

Ainda segundo MELLO (1988), as primeiras bandeiras a entrarem

nesta região foram as de Domingos Luís Grou, Antônio de Macedo e Domingos

Fernandes, ainda no século XVI. Os bandeirantes Nicolau Barreto e André

Fernandes estiveram na região no início do século XVII, este último, em 1613,

registrou o topônimo do rio Iuna - Rio Preto43. Outro bandeirante de destaque

para esta região foi José Rodrigues Fróis, que no século XVIII, saindo da

Bahia, percorreu grandes áreas até chegar a Paracatu, sendo creditado a ele a

descoberta do ouro naquela localidade.

MATA MACHADO (1991) escreve que os primeiros bandeirantes a

estabelecerem povoados na região foram Matias Cardoso, Januário Cardoso e

Antônio Gonçalves Figueira, que se fixaram nas regiões de São Romão e do

Urucuia. Para esse autor, existe uma polêmica entre alguns historiadores como

Salomão de Vasconcelos, Urbino Viana e Affonso Taunay sobre a primazia de

baianos e paulistas na ocupação do sertão Norte mineiro. Porém, o importante

é que ambas as correntes de colonização, tanto a dos paulistas como também

a dos baianos e pernambucanos, foram importantes no processo de ocupação

da região. Algumas localidades tiveram importância maior na atividade de

transporte de mercadorias, particularmente aquelas na margem do rio São

Francisco, tendo momentos de maior desenvolvimento e períodos de

decadência, como foi o caso do município de Pirapora. Contudo, o fundamental

para a compreensão histórica da realidade agrária do noroeste mineiro e,

particularmente, dos "Chapadões de Paracatu", foi a presença do grande

fazendeiro, com seus vaqueiros e agregados, onde se destacaram a relação de

compadrio44 e o domínio de extensas áreas por agrupamentos de membros de

uma mesma família.

Os municípios foram sendo constituídos entre as grandes fazendas, e

desenvolveram-se reproduzindo características e relações políticas,

43

Estes bandeirantes em seus relatos e inventários identificam as tribos Tupinaês, Temiminós e os

Amoipiras como habitantes desta parte do então sertão.

44 O termo vem da situação na qual os filhos dos vaqueiros e agregados tinham como padrinhos os

fazendeiros; isso proporcionava uma aproximação entre os "compadres", o que garantia mais

proteção àqueles menos favorecidos; isso certamente não acabava com a distinção entre os

detentores de terra e poder e os que nada possuíam.

Page 54: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

40

econômicas e sociais que estão relacionadas com o latifúndio, como o

coronelismo. CASTRO (1997) afirma que a região se caracterizou por uma

civilização do rio e uma civilização sertaneja, cujos dois modos de vida distintos

se cristalizaram a partir de circunstâncias geográficas importantes: a bacia do

rio São Francisco e seus afluentes e a vastidão do cerrado. Particularmente, a

“civilização sertaneja” é a origem da “vocação natural” para a pecuária, que

possibilitou um estilo de ocupação em que era marcante a existência de

latifúndios de criação de gado contendo, em seu interior, lavradores agregados,

meeiros, vaqueiros – os trabalhadores residentes das fazendas. MATA

MACHADO (1991) afirma, também, que o poder dos coronéis não se baseava

somente na propriedade da terra, mas também em atividades comerciais e que

o mais importante nem era a quantidade de terra, mas sim a quantidade de

moradores, vaqueiros e agregados que residiam sob seu domínio e que, em

tempos de guerra, formavam seu exército.

Na região de Unaí vão surgindo fazendas, provenientes de doações de

sesmarias45, constituindo imensas propriedades cuja atividade principal era a

criação de gado, destacando-se a fazenda Capim Branco, cuja sede servia de

importante ponto de ligação entre as demais fazendas da região de Paracatu e

do Alto Sertão do Urucuia.

“Pela privilegiada situação geográfica, aí na fazenda, à beira do

Rio Preto, instalou-se um porto, dando acesso às fazendas

Jardim, Taquaril e outras, à margem esquerda, bem como a

Buritis, Morrinhos e outras localidades do Urucuia, sem se

esquecer das ligações comerciais com a Vila dos Couros

(Formosa), Santa Luzia das Marmeladas (Luziânia) e outras da

Província de Goiás. No começo do século XIX, a Fazenda

Capim Branco já era de propriedade dos irmãos Manoel e

Antônio Pinto Brochado, naturais do Arraial de São Domingos

em Paracatu, e nela passaram a residir, onde continuaram

mantendo o porto no Rio Preto, com um canoeiro de plantão”

(MELLO, 1988:97).

45

A mais antiga sesmaria concedida na região foi a Francisco Álvares de Carvalho, em 1739 (MELLO,

1988).

Page 55: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

41

Já no século XIX, a fazenda Capim Branco se transforma em um local

de destaque perante às outras fazendas que continuam na trajetória de

criação; ela passa a ocupar uma posição de aglutinação, com a instalação de

igreja, cemitério, casas comerciais, rancho público etc. Esse novo núcleo

populacional se constituiu através da união dos proprietários da fazenda com

outros ilustres moradores da região, como padres e membros de famílias

prósperas vindas de Paracatu e do Nordeste do Brasil. A Ribeira do Rio Preto,

nome dado ao porto de passagem, é a origem da cidade de Unaí. Nessa área,

estabeleceu-se o distrito do Rio Preto, tendo como sede o povoado de Capim

Branco, pertencente ao município de Paracatu, cujo distrito levava o nome do

rio, em tupi rio Iuna, e a sede, o nome da antiga fazenda. Em sete de setembro

de 1923, através da Lei no 843, o Governo Estadual muda o nome do distrito

para Unaí. Apesar de ter sido, segundo MELLO (1988), um distrito bastante

populoso e com economia muito forte, baseada na agricultura e pecuária, foi

somente em 1943 que as "idéias emancipacionistas se avolumam e tomam

corpo". Uma comissão formada por membros de famílias importantes foi criada

para tal fim, e seu presidente, o Sr. José Luiz Adjuto, levou ao governador

Benedito Valadares um abaixo assinado com mais de 200 assinaturas

acompanhado de estudos que mostravam a realidade econômica, social e

política do distrito.

O Decreto-Lei no 1.058, de criação do município de Unaí, data de 1943,

cuja instalação ocorreu a 15 de janeiro de 1944, sendo, na época, o maior

município do Estado de Minas Gerais em termos de extensão territorial, com

19.856 km2. Em 1962, com a emancipação de Bonfinópolis de Minas e Buritis,

o município de Unaí passou a ter 9.749 km2, sendo o terceiro maior do Estado.

Atualmente, com o processo emancipatório dos distritos de Cabeceira Grande

e Uruana de Minas, emancipados em 1996, o município conta com

8.492,00 km2 e uma população de 73.664 habitantes, sendo 51.106 na zona

urbana (69,4%) e 22.558 na zona rural (30,6%)46.

Segundo FERREIRA NETO (1993), esta região sempre se caracterizou

pelo isolamento, desempenhando um papel secundário no contexto dos vários

ciclos econômicos vividos pelo Brasil, exceto, no período da mineração,

46

Segundo dados do IBGE - Censo Agropecuário de 1996.

Page 56: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

42

quando a região se destacou após o descobrimento de ouro em Paracatu.

Contudo, com o fim desse ciclo, a região novamente volta a viver um período

de isolamento e estagnação socioeconômica, que só começa a se alterar a

partir do final da década de 50, com a construção de Goiânia e Brasília, bem

como a instalação da Usina Hidrelétrica de Três Marias. É, no entanto, na

década de 70 que a região noroeste de Minas se integra ao processo de

desenvolvimento econômico do país, no contexto da modernização da

agricultura, sobretudo através dos planos de desenvolvimento agrícola e

ocupação capitalista dos cerrados.

4.2. O fim do isolamento e os programas de desenvolvimento agrícola

A partir da década de 30, inicia-se uma mudança na interpretação do

Estado, sobre o papel atribuído ao setor agrícola no contexto do processo de

desenvolvimento do Brasil. Para DELGADO (1985), a inserção desse setor no

processo de desenvolvimento do país passa por duas fases distintas. A

primeira tem início a partir de 1930, com a política de implantação de um

parque industrial e o processo de substituição das importações, em que a

atividade agrícola, particularmente o setor cafeeiro, era percebido apenas como

uma fonte de geração de recursos destinados ao projeto de industrialização em

curso. A segunda fase, a partir de meados da década de 60, é marcada pela

interação entre os setores agrícola e industrial. Busca-se a incorporação da

agricultura ao processo de acumulação capitalista, pela consolidação, nas

décadas seguintes, do complexo agroindustrial, com o capital industrial e

financeiro encontrando novas formas de realização dentro da atividade

agrícola. Para MARTINE (1991), alguns eventos foram importantes para

modificar o perfil e a estrutura de produção agrícola pós-64: a consolidação do

parque industrial, o milagre econômico e a instauração de um estilo de

desenvolvimento visando à modernização. A Revolução Verde e,

principalmente, a ampliação do crédito rural foram os elementos que

proporcionaram a efetivação de um modelo de agricultura em que o destaque

foi para as culturas que visavam às exportações e, ou, estavam vinculadas às

agroindústrias, capazes, portanto, de gerar demanda para as indústrias. Nessa

mesma perspectiva, DELGADO (1985) afirma que, "nos dois momentos

Page 57: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

43

históricos analisados, o papel do setor agrícola estará se definindo a partir das

necessidades do desenvolvimento industrial e urbano".

No contexto da segunda fase, delimitada anteriormente, três questões

são relevantes para a compreensão do desenvolvimento agrícola do país, de

modo geral, e do noroeste de Minas Gerais, em particular: o Sistema Nacional

de Crédito Rural (SNCR) como política de financiamento47, a política

tecnológica definida dentro dos moldes do padrão moderno - Revolução Verde

- e a política fundiária, sobretudo os programas de implementação de pólos de

desenvolvimento rural e de colonização agrícola. Nesse processo, o poder

público teve participação decisiva na implementação do projeto de

modernização da agricultura, pela atuação de órgãos como DNOCS

(Departamento Nacional de Obras Contra as Secas) e a CODEVASF

(Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco) responsáveis

pelos projetos de colonização visando ao desenvolvimento da atividade

agrícola irrigada na região nordeste. A criação dos pólos de desenvolvimento

agrícola foi a estratégia de intervenção direta do Estado no espaço agrícola,

contando com o apoio de agências internacionais como o Banco Mundial e BID

(Banco Interamericano de Desenvolvimento), financiadores de diversos

projetos como: POLONORDESTE (Programa de Desenvolvimento Integrado do

Nordeste do Brasil), POLOCENTRO (Programa de Desenvolvimento dos

Cerrados), POLAMAZÔNIA (Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais

da Amazônia) e POLONOROESTE (Programa de Desenvolvimento Integrado

do Noroeste do Brasil).

A região noroeste de Minas Gerais assumiria posição privilegiada

dentro dos planos e projetos de modernização do setor agrícola brasileiro, no

contexto dos programas de ocupação e integração de novas áreas agrícolas,

finalizando a sua etapa de isolamento.48 Este movimento de ocupação, nas

décadas de 50 e 60, foi incrementado pelo “boom” regional devido à construção

de Brasília e Goiânia, bem como a construção da hidrelétrica de Três Marias,

47

Para DELGADO (1985), o volume de recursos destinados ao sistema de crédito, as taxas de juros

negativas, os prazos de pagamento e as carências foram os principais mecanismos para a

consolidação do novo modelo de agricultura, na consolidação do complexo agroindustrial,

principalmente no período de 1969 a 1976.

48 Esta região, conforme seu histórico de ocupação, apresentava todas as características que definem

uma área como fronteira agrícola: vazio demográfico, organização social e econômica arcaica,

distante e insignificante em termos de contribuição para o desenvolvimento do país.

Page 58: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

44

no rio São Francisco, inaugurada em 1958. Essas vultosas obras

impulsionaram todo o desenvolvimento de uma infra-estrutura básica, até então

inexistente nessa região, com destaque para a rodovia BR 040, que liga

Brasília ao Rio de Janeiro, passando pela capital mineira e se tornando de

grande importância para a interligação do noroeste do Estado com os grandes

centros do país.

Na década de 60 foi realizado um estudo sobre a região noroeste do

Estado de Minas Gerais, pelos técnicos do Governo Estadual, e, com base em

seu resultado, foi proposto o Programa Integrado de Desenvolvimento da

Região Noroeste de Minas (PLANOROESTE). Para a sua implantação foi

criada, em 1966, a RURALMINAS - Fundação Rural Mineira - Colonização e

Desenvolvimento Agrário, inicialmente com o objetivo de desenvolver o

PLANOROESTE; suas atividades foram, posteriormente, ampliadas para todo

o Estado. Este plano foi a primeira iniciativa do governo de Minas Gerais com o

objetivo de promover o desenvolvimento da região noroeste, que abrangia, na

década de 60, 23 municípios, num total de 110 mil quilômetros quadrados com

cerca de 450 mil habitantes. Tratava-se de uma região com grande potencial

econômico, mas deficitária em termos de infra-estrutura, sendo considerada um

vazio econômico e social que deveria ser integrado ao resto do país.

(FUNDAÇÃO RURAL MINEIRA - COLONIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

AGRÁRIO - RURALMINAS, 1973).

O PLANOROESTE foi criado em consonância com o Primeiro Plano

Nacional de Desenvolvimento e o Plano Mineiro de Desenvolvimento

Econômico e Social, ajustando-se à nova política de crédito rural, aos

corredores de exportação e ao Programa Especial para o Vale do São

Francisco, reunindo esforços de diversos órgãos como a SUDENE, SUVALE e

o INCRA. Sua vigência seria de seis anos, de 1970 a 1976, e seu objetivo era a

criação de infra-estrutura capaz de motivar a instalação da atividade particular

em níveis de exploração empresarial, atuando em três programas básicos:

assentamento de colonos, infra-estrutura regional e assistência técnica, com

recursos dos governos Federal e Estadual, além de um financiamento do BID.

Em 1973, a RURALMINAS e a Secretaria Estadual de Agricultura criam

o PADAP (Programa de Assentamento Dirigido do Alto Paranaíba) para, num

prazo de três anos, introduzir nesta região atividades agropecuária e

Page 59: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

45

agroindustrial em bases empresariais, numa associação entre o setor público e

privado, tendo o Banco Central e o BDMG (Banco de Desenvolvimento de

Minas Gerais) como agentes financiadores e a Cooperativa Agrícola de Cotia -

Central e EMATER como responsáveis pela assistência técnica. Apesar de ter

como alvo a região do Alto Paranaíba, este programa refletiu também na região

noroeste do Estado, principalmente pela instalação de um grande perímetro

irrigado no município de Paracatu. O POLOCENTRO - Programa de

Desenvolvimento dos Cerrados foi criado com a proposta de incorporar 3,7

milhões de hectares entre 1975 e 1979, com a finalidade de promover o

desenvolvimento e a modernização das atividades agropecuárias nos Estados

de Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais, mediante a ocupação racional de áreas

com características de cerrado e seu aproveitamento em escala empresarial;

em Minas Gerais foi executado pelo BDMG e pelo Banco do Brasil.

No contexto do POLOCENTRO foram criados programas de caráter

regional, como o Programa Especial da Região Geoeconômica de Brasília,

criado em 1976, que beneficiaria sete municípios do "vão do Paracatu", entre

eles Unaí (Secretaria Agricultura-MG, 1979). Com o objetivo de reforçar a infra-

estrutura das comunidades sob a influência da capital federal, o programa

incluía em suas metas a construção de 695 km de estradas, 468 km de linhas

de transmissão e de distribuição de energia elétrica, escolas, postos de saúde,

ampliação dos serviços de extensão rural e outros. Especificamente para Unaí

estavam incluídos projetos de irrigação para aproveitamento do potencial do rio

Preto, além da implementação de um distrito agro-industrial no município.

No final da década de 70 e início dos anos 80, iniciando uma fase de

crise e retração na economia nacional, há uma mudança na estratégia de

desenvolvimento para o setor agrícola, marcada pela crise do sistema

creditício. Segundo DELGADO (1985:79),"já em 1977 começam a se esboçar,

em nível de governo, as influências contencionistas da política monetária, que

nesse ano se reflete numa primeira inflexão para baixo do volume de crédito

concedido".

Ocorre, assim, a passagem do crédito subsidiado e genérico para o

específico, por produto e produtor, priorizando as culturas de cana-de-açúcar,

trigo, soja, cacau, algodão e laranja. Nesse novo contexto, a região continuou

sendo alvo de ações do poder público, com a implementação do

Page 60: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

46

PLANOROESTE II, de 1981 até 1986, e também do PRODECER (Programa de

Desenvolvimento dos Cerrados). Este programa foi executado pela Companhia

de Promoção Agrícola (CAMPO)49 através de convênios entre os governos

brasileiro e japonês, realizando projetos de colonização nos municípios de

Paracatu, Coromandel e Iraí de Minas. Nesse contexto foram implementados

outros três projetos, a Companhia de Desenvolvimento Agroindustrial Cerrado

(CDAC), numa área de 10.120 ha em Paracatu; e a Curral do Fogo

Agroindustrial com 4.480 ha em Unaí50, e em Coromandel, numa área de

5.878 ha, destinada à própria CAMPO, com o objetivo de produção de

sementes e campo de demonstração51. Com os mesmos subsídios dos

programas anteriores, porém com maior seletividade, e com a incorporação do

crédito fundiário, os recursos destinados ao programa eram provenientes do

governo brasileiro e japonês, via BDMG.

“a existência da vasta região de cerrados – praticamente

inexplorada, com grande potencial produtivo, totalmente

favorável à mecanização e com razoável estrutura de

transportes e energia – surgiu como importante alternativa de

expansão da fronteira agrícola interna, que abriria espaço para

o crescimento de diversos segmentos da economia nacional”

(FRANÇA, 1984:5).

Segundo documentos da Secretaria de Agricultura de Minas Gerais52, ao

governo brasileiro interessavam o aumento da oferta de alimentos para o

mercado interno, a produção de excedentes exportáveis e o aumento da oferta

de emprego na área rural, fixando o homem no campo e interiorizando o

49

A CAMPO foi formada pela junção de capitais de duas "holdings" de grupos empresariais do Brasil e

Japão. Do lado brasileiro foi formada a BRASAGRO (Companhia Brasileira de Participação Agro-

industrial), responsável por 51% do capital, formada por 44 acionistas, dentre eles BDMG, Banco do

Brasil, Brahma, CICA e Manah. E do lado japonês, a JADECO-CIA (Nipo-Brasileira de

Desenvolvimento Agrícola), que reunia empresas como Mitsui e Mitsubishi, além da agência de

Cooperação Internacional do Japão (JICA).

50 Esta área se encontra atualmente ocupada por trabalhadores sem terra, exigindo do INCRA a sua

desapropriação por ser uma propriedade particular improdutiva.

51 No final do ano agrícola 1981/82, terminou a implantação do projeto-piloto da CAMPO, numa área de

60 mil hectares, abrangendo os município de Paracatu, Coromandel e Iraí de Minas (cidades pólos),

bem como, ainda Unaí, Romaria, Nova Ponte e Patos de Minas (Secretaria de Agricultura, MG, s/d).

52 Secretaria de Agricultura - Estado de Minas Gerais. Proposta de aumento da produção agrícola nos

cerrados de Minas Gerais, através de projetos integrados de colonização (s/d).

Page 61: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

47

desenvolvimento. Para isso, a região contava com uma razoável infra-estrutura

de transporte, armazenamento, energia elétrica, etc., possibilitando amplo

suporte para a produção agrícola. Além da disponibilidade de tecnologias

agrícolas modernas e específicas para a região do cerrado, a existência de

importantes centros de pesquisas garantia a "implantação de empreendimentos

econômicos e socialmente viáveis em áreas ainda hoje quase totalmente

vazias". Possibilitava ainda a convergência de diversos interesses em pauta,

como a expansão industrial, pois geraria grande demanda por máquinas e

insumos modernos, com o desenvolvimento de uma agricultura em bases

empresariais e com uso de tecnologias modernas, que, em suma, eram os

principais objetivos da política econômica em vigor no início dos anos 1970.

Assim, a modernização do cerrado se apresentava como mais adequada para

viabilizar as políticas e diretrizes estabelecidas pelo governo.

Segundo FRANÇA (1984), a evolução desse processo modificou os

segmentos de classe e os atores sociais envolvidos na produção agrícola.

Continuaram perdendo posição os pequenos produtores e os segmentos do

capital agrário vinculados à exploração extensiva da terra. Os subsídios

governamentais passam a ser destinados a setores específicos e "ultra-

modernos", ou seja os empresários rurais.

Nesse contexto, grande parte da área rural do município de Unaí foi

incorporada através do processo de modernização da agricultura brasileira.

São as terras situadas nos planaltos, os chamados chapadões, onde os solos

apresentam limitações para o uso agrícola, basicamente a baixa fertilidade,

podendo ser melhorado com o uso de fertilizantes químicos e calcário. As

terras com esse tipo de solo e relevo considerado plano, extremamente positivo

para o avanço do uso das máquinas e implementos agrícolas, representam

cerca de 60% da área total do município, e, até então, eram consideradas

improdutivas e de baixo valor. Essas áreas foram incorporadas em diversos

programas de ocupação e estratégias de desenvolvimento da região, que

tiveram como atores principalmente agricultores vindos do Sul do país, como

Rio Grande do Sul, Paraná e mesmo de São Paulo.

A concentração de terra foi uma das principais conseqüências desse

processo e estimulada por dois fatores principais: a adoção do pacote

tecnológico incentivado pela política agrícola, particularmente o crédito,

Page 62: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

48

favorecendo médios e grandes proprietários em detrimento dos pequenos; e a

especulação fundiária, resultante da escala de produção do novo modelo e

também dos mecanismos creditícios e fiscais que contribuíram para a expulsão

de posseiros e pequenos produtores.

Na mesma linha de importância, outra questão a ser ressaltada como

resultado desse modelo são as mudanças no processo de geração de

empregos no meio rural. A desestruturação da pequena produção levou a uma

significativa redução no volume global de emprego, com o aumento do número

de trabalhadores temporários, além de um processo de êxodo rural bastante

acentuado, particularmente nas décadas de 70 e 8053. Hoje, em Unaí, o fluxo

de mão-de-obra temporária, bóia-fria, é de cerca de 5.000 trabalhadores54, que

se deslocam para o campo diariamente.

CASTRO (1997) afirma que, do ponto de vista dos trabalhadores, o processo de modernização agrícola na região noroeste significou um brutal deslocamento social, provocado pela mudança na pauta produtiva. “Posseiros, agregados, meeiros, vaqueiros experimentam a modernização como uma ruptura no seu modo de viver, algo que se abate sobre eles, contra eles.” Essa autora sumariza da seguinte forma tal processo: primeiramente, a precarização ao acesso à terra devido às mudanças nas regras entre os moradores e os proprietários; a proletarização, ou assalariamento temporário precário, a intensificação da contratação de bóias-frias, substituindo famílias inteiras que residiam por várias gerações na área; e a migração pelos municípios da região em busca de alternativas de trabalho. Especificamente no município de Unaí, esse processo de modernização da agricultura e

53

Na década de 90, esse processo sofre ligeira inversão, com o aumento da população rural e

decréscimo na população urbana.

54 Esta é uma informação fornecida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Unaí durante a etapa de

coleta de dados desta pesquisa, sendo no Censo Agropecuário de 1996 (IBGE) registrados cerca de

2.000 trabalhadores volantes nos meses de maior demanda.

Page 63: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

49

ocupação capitalista do cerrado proporcionou intensa migração campo-cidade, ocorrendo inversão nos percentuais da população residente nos meios rural e urbano durante as décadas de 70 e 80, como indicam os dados da Tabela 5.

Contudo, a análise da Tabela 5 possibilita identificar o início de um processo de reconversão nos percentuais da distribuição da população no município de Unaí. Se o processo descrito anteriormente fez com que a população rural diminuísse a sua participação de 73%, em 1970, para 24% da população total em 1991, a partir desse momento o crescimento

da população rural cresce, acompanhada de decréscimos absoluto e relativo da população urbana entre 1991 e 1996. Somente na primeira

metade da década de 90, a população rural aumentou em 5.565 pessoas, representando um crescimento

Tabela 5 - Distribuição da população no município de Unaí, MG

População Total Zona Urbana Zona Rural

19401 11.932 631 (5,3%) 11.301 (94,7%) 19602 46.306 6.308 (13,6%) 39.998 (86,4%) 1970 53.234 14.391 (27,0%) 38.843 (73,0%) 1980 68.079 29.824 (43,8%) 38.255 (56,2%) 1991 69.612 52.919 (76,0%) 16.693 (24,0%) 1996 73.664 51.106 (69,4%) 22.558 (30,6%)

Fonte: IBGE. 1 População do distrito de Unaí.

2 Incluindo Buritis - emancipado em 30/12/1962.

de 35% em apenas cinco anos. Isso permite a conclusão de que, no contexto do processo de desenvolvimento desse município, a partir da

década de 90, estejam surgindo novos elementos que têm tornado o meio rural um atrativo como alternativa de emprego e moradia, para um

significativo contigente populacional. Nesse sentido, o processo de implementação de assentamentos rurais, como resultado da luta pela

terra, sobretudo nessa década, deve ser analisado como fator de dinamização do meio rural no município de Unaí.

Page 64: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

50

4.3. A luta pela terra na região noroeste de Minas Gerais

No final da década de 70, o agravamento das conseqüências da

modernização da agricultura e o contexto de mobilização social pela

redemocratização, greves, movimento pela anistia etc. possibilitaram uma

conjuntura político-social favorável e decisiva para que os movimentos sociais

retomassem a luta pela terra. No aspecto econômico, é importante ressaltar

também o esgotamento do modelo de desenvolvimento agrícola, baseado no

crédito fácil. Nesse contexto, a diversidade de contradições em que estavam

envolvidos os trabalhadores rurais marcou também a ampliação e extensão

das mobilizações e manifestações, com novos segmentos de trabalhadores em

diversas regiões do país. Além do movimento pela terra - posseiros, sem terra,

atingidos por barragens e as lutas indígenas -, ocorria também o movimento

dos trabalhadores assalariados rurais com suas lutas contra as formas de

exploração e assalariamento, bem como o movimento dos camponeses

integrados, lutando por preços e por política agrícola. Com diferentes

estratégias de luta, esses movimentos avançaram principalmente na forma de

exercer pressão sobre o Estado, recolocando a reforma agrária na agenda

política.

O processo de modernização agrícola causou forte redução no número

do pessoal ocupado no meio rural em suas formas tradicionais, como

parceiros, posseiros, meeiros etc.; segundo CASTRO (1997), os parceiros

representavam cerca de 19,63% em 1950 e 10,18% em 1970, chegando a

3,78% em 1985. Isso evidencia como esses trabalhadores perderam seu

espaço de reprodução social, os quais foram expulsos das terras de trabalho

ao longo do processo de desenvolvimento agrícola patrocinado pelo Estado,

sendo os atores que protagonizaram as primeiras lutas por desapropriação de

terras na região. Representam, numa primeira etapa, a luta de resistência de

moradores ameaçados de expulsão, bem como, numa etapa posterior, que se

estende até os dias atuais, protagonizada por trabalhadores como os diaristas,

bóias-frias e também aqueles com maior experiência em atividades urbanas,

mas que têm origem no meio rural e que se encontram em situação marginal

devido ao processo de modernização da agricultura. Segundo a pesquisa

realizada pelo LUMEN/PUC-MG (1999), os trabalhadores assentados no

Page 65: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

51

noroeste de Minas, em sua maioria, exerciam atividades relacionadas com

meio rural, destacando-se bóia-fria e parceiro/meeiro; apenas 27%

desenvolviam atividades urbanas, sobretudo as mulheres, que eram

empregadas domésticas ou donas de casa, conforme os dados da Tabela 6.

A origem do processo de luta pela terra na região pode ser entendida, num primeiro momento, como

reflexo da crise do regime militar e ascensão dos movimentos sociais, destacando-se a participação da igreja católica, via principalmente os agentes das CEB's, e o momento em que houve maior mobilização dos trabalhadores rurais na criação dos sindicatos, como forma de

Tabela 6 - Atividades exercidas antes da implementação do assentamento

Atividades %

Bóia fria/diarista 24 Parceiro/meeiro 23 Trabalhador rural 15 Carvoeiro 3 Arrendatário 2 Tratorista 1 Proprietário rural 1 Emprego relacionado ao meio urbano 27 Desempregados 4 Outros 1

Fonte: LÚMEN (1999).

organização política. Posteriormente, no contexto da discussão constituinte e na elaboração e implementação do I PNRA, já com atuação dos sindicatos e do pólo regional da FETAEMG, em meados dos anos 80.

Esse processo se deu, paralelamente, em dois locais distintos, em

Unaí e João Pinheiro, sendo o marco de luta dos trabalhadores rurais pela

desapropriação de latifúndios improdutivos na região, que na década de 80, no

contexto de mudança institucional no Brasil, serão impulsionados pelo Primeiro

Plano Nacional de Reforma Agrária, com conseqüente aumento na mobilização

social em torno da questão da reforma agrária.

Em Unaí, esse processo de retomada da luta pela terra se deu pela

ação dos agentes da Igreja Católica, vinculados ao movimento da Teologia da

Libertação e à Comissão Pastoral da Terra, que, com um trabalho de

conscientização e reflexão das CEB's, organizaram diversas atividades

Page 66: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

52

sociopolíticas, evoluindo para a criação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais

de Unaí, em 1981. Nesse contexto, deu-se maior consistência para a luta de

resistência travada pelos antigos moradores da Fazenda Saco Grande, então

ameaçados de expulsão. Tal ameaça era a contra-ofensiva do latifundiário, que

via a cada dia aumentar a organização dos trabalhadores e a possibilidade de

se ter a implantação de um programa de reforma agrária em áreas

improdutivas (CASTRO 1997).

Segundo essa mesma autora, em João Pinheiro a mobilização se deu

a partir do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e do pólo da FETAEMG. Já em

meados dos anos 80, eles foram incentivados pela proposta do I PNRA, no

governo Sarney, e também pelo IV Congresso Nacional dos Trabalhadores

Rurais, organizado pela CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores

Rurais) em maio de 1985. Nesse município tem início a discussão sobre a luta

pela terra, em um patamar que ultrapassava a luta de resistência de antigos

moradores. Nesse contexto, houve ação na periferia da cidade, envolvendo

trabalhadores rurais e urbanos, com o objetivo de discutir as possibilidades de

aplicação do PNRA no município e reunindo, em abaixo-assinado, o pedido de

desapropriação ao INCRA da Fazenda Fruta D'anta, um latifúndio improdutivo

de propriedade de estrangeiros.

As lutas que se seguiram na região foram impulsionadas pelo êxito

desses primeiros processos. O conflito na Fazenda Saco Grande originou o

Projeto de Assentamento Palmeirinha, beneficiando 183 famílias. A área foi

desapropriada pelo INCRA em 1984 e o assentamento, criado em 1986. Em

João Pinheiro, o conflito na Fazenda Fruta D'anta também resultou em projeto

de assentamento. A área foi desapropriada em 1986, sendo assentadas 220

famílias. Em Unaí, outras áreas foram desapropriadas em função de conflitos

entre os moradores e latifundiários, como a área do P.A. Bálsamo

desapropriada em 1986 e os P.A.'s São Pedro Cipó e Barreirinho, cujos

decretos de desapropriação datam de 1988. Há também o conflito na Fazenda

Tabocas, que continua sem solução, mas que se caracteriza pela disputa entre

posseiros e proprietário.

Até o final da década de 80, a mobilização dos trabalhadores rurais,

visando à ocupação de terras improdutivas, ainda não estava caracterizada

Page 67: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

53

como uma forma de luta pela terra na região noroeste de Minas, como afirma

um diretor do pólo da FETAEMG na região,

"as nossas mobilizações começaram pelo lado das ocupações, a partir de 1989, que até então não estavam bem caracterizadas como forma de luta, Saco do Rio Preto e Mamoneiras foram as primeiras e a partir daí nós tivemos vários outros desencadeamentos de ocupações, em Arinos, Riachinho, Lagoa Grande, Presidente Olegário e João Pinheiro" (Entrevista com o diretor do pólo sindical da FETAEMG, Paracatu, março de 1999).

Nos anos de 1988 e 1989, a mobilização dos trabalhadores rurais perante a luta pela terra na região ganha maior visibilidade pública tanto pelo aumento de ocupações como também da luta de resistência de antigos moradores. CASTRO (1997) afirma que, em pouco mais de um ano, ocorreram 18 episódios de ocupações de terras na região, tendo como alvo propriedades particulares e do Estado, além de outros conflitos entre posseiros e supostos donos de terras em vários municípios da região, o que resultou em diversas situações de tensão social. Na Tabela 7 apresentam-se as áreas de conflitos na região noroeste de Minas durante a década de 80.

Tabela 7 - Principais ações de resistência e ocupações na região noroeste de Minas no final da década

de 80

Fazenda Forma de luta Município55

Barreirão/Buenos Aires Ocupação Presidente Olegário Bom Jesus Ocupação Paracatu Saco do Rio Preto Ocupação Bonfinópolis de Minas Mamoneiras Ocupação Bonfinópolis de Minas Assa Peixe Conflito de posse Bonfinópolis de Minas Riacho dos Cavalos Conflito de posse Bonfinópolis de Minas Brejo Verde Ocupação São Romão Reserva Ocupação São Romão São João do Boqueirão Conflito de posse São Romão

55

Devido aos processos emancipatórios de vários distritos nesta última década, algumas dessas áreas

pertencem a novos municípios.

Page 68: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

54

Riacho ou Cavalo Morto Conflito de posse São Romão Mimoso Ocupação Arinos Menino Conflito de posse Arinos Bálsamo Conflito de posse Unaí São Pedro Cipó Conflito de posse Unaí Barreirinho Conflito de posse Unaí Tabocas Conflito de posse Unaí Santa Clara Furadinho Conflito de posse Unaí

Fonte: Adaptado de CASTRO (1997).

Após o fracasso das propostas reformistas do I PNRA e o refluxo dos

movimentos sociais durante o período Collor, quando a conjuntura nacional foi

extremamente desfavorável à reforma agrária, o movimento de luta pela terra

na região passa por um período de desmobilização. Com as maiores

dificuldades políticas no âmbito governamental, em termos legais e

institucionais, os movimentos sociais de modo geral e de luta pela reforma

agrária em especial passam a atuar de forma bastante defensiva. Somente a

partir de 1993, com a transferência do pólo sindical da FETAEMG para

Paracatu e com a mudança na conjuntura política nacional, é que o movimento

volta a se fortalecer na região noroeste de Minas.

A partir de 1995, com ações organizadas pelo Movimento dos

Trabalhadores Sem-Terra (MST), como a marcha que percorreu grande parte

do país com destino a Brasília e a intensificação das ocupações de latifúndios

improdutivos no Pontal do Paranapanema, no Estado de São Paulo, bem como

a ocorrência dos massacres de Corumbiara e de Eldorado dos Carajás56,

fazem com que a luta pela reforma agrária ganhe maior apelo social e

visibilidade através da mídia. Nesse período, na região noroeste de Minas, a

luta se intensifica com a articulação regional dos sindicatos dos trabalhadores

rurais, feita pelo polo da FETAEMG, bem como o acampamento

Palmital/Barriguda, que proporcionou a ampliação das ocupações e também a

capacitação de novas lideranças de trabalhadores rurais.

56

O massacre de Corumbiara, RO, ocorreu no dia 9 de agosto de 1995, sendo registrados 10

trabalhadores sem-terra mortos e dois policiais militares. Eldorado dos Carajás, PA, viveu no dia 17 de

abril de 1996 o maior massacre dos últimos 30 anos, com 19 sem-terra mortos e dezenas de feridos.

Ambos tiveram grandes repercussões nacional e internacional.

Page 69: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

55

O acampamento Palmital/Barriguda organizado pelo MST foi uma

grande oportunidade para se reunirem os trabalhadores para discussão das

questões relacionadas com a reforma agrária; cerca de 600 famílias, de

diversos municípios da região, foram reunidas numa fazenda próxima ao

distrito de Palmital, município de Unaí57. Foi um momento de reunir aqueles

que estavam morando nas periferias das cidades, muitos dos quais

desempregados ou subempregados. Como resultado desse acampamento

houve a ocupação da Fazenda Barriguda, no município de Buritis, fato bastante

propagado na mídia, pois essa fazenda ocupada faz divisa com uma

propriedade do Presidente da República - Fernando Henrique Cardoso -, o que

favoreceu também para o arrefecimento do confronto com a polícia.

Há que se destacar também a ocupação da Fazenda Nova Lagoa Rica,

no município de Paracatu, no ano de 1995, reunindo trabalhadores rurais de

vários outros municípios, dentre eles Unaí. Essa ocupação, coordenada pelo

movimento sindical, foi a primeira na região a se localizar por determinado

período na margem de uma rodovia, após serem despejados da fazenda. Esse

processo teve importância na capacitação de lideranças que assumiram o

trabalho de mobilização para ocupação de novas áreas na região noroeste de

Minas:

"as pessoas que vinham para o acampamento, com o trabalho do polo da FETAEMG e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Paracatu, conseguiram tomar gosto pela luta e empurrou a diretoria do Sindicato de Unaí para trabalhar este processo lá" (Entrevista com o diretor do pólo FETAEMG, março de 1999).

É nesse contexto que se observa o aumento do número de

assentamentos na região. A Figura 2 evidencia que parte significativa dos

projetos de assentamentos rurais implementados no Estado de Minas Gerais, a

partir do I PNRA, está localizada nos municípios da região noroeste. São 52

projetos de assentamentos rurais implementados nessa região, beneficiando

3.201 famílias, o que representa cerca de 39,4% do total de assentamentos do

Estado e 39,1% das famílias assentadas, conforme os dados da Tabela 8.

57

Hoje Palmital pertence ao município de Cabeceira Grande.

Page 70: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

56

Grande parte desses projetos de assentamento foi criada a partir de 1995,

sobretudo em 1997 e 199858.

De forma geral, essa é uma região que não possui muitas

organizações e entidades populares atuando na luta pela terra, sendo esse

espaço ocupado pelo movimento sindical e, em alguns municípios, pelos

agentes da Igreja Católica de orientação mais progressista. O MST, apesar de

ser um dos principais movimentos de luta pela terra em nível nacional, tem, no

noroeste de Minas, atuação restrita. De acordo com os dados apresentados no

Fonte: INCRA-MG - Divisão Regional: Mesorregiões - IBGE. Figura 2 - Distribuição regional dos projetos de assentamentos em Minas Ge-

rais, 1999.

58

A relação de todos os projetos de assentamentos implementados na região, distribuídos por município,

é apresentada no Apêndice A.

Page 71: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

57

Apêndice A, somente em alguns municípios, principalmente Buritis e Arinos59,

há trabalho efetivo das lideranças do MST vinculadas à coordenação do

movimento na região do entorno do Distrito Federal.

59

No início da década de 90, o MST fez tentativa de atuação em Unaí, porém foi com o acampamento do

Palmital que essa organização atuou diretamente nesse município, mas, com a mobilização que se

seguiu com a ocupação da Fazenda Barriguda, a prioridade desse movimento passou a ser Buritis.

Page 72: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

58

Tabela 8 - Evolução do processo de criação de projetos de assentamentos rurais na região noroeste de Minas, durante as décadas de 80 e 90

Ano de criação Total de projetos Total de famílias

assentadas

1986 2 403 1987 1 63 1989 1 59 1991 1 21 1992 2 131 1995 3 131 1996 8 539 1997 15 900 1998 19 954

Total da Região 52 3.201 Total do Estado 132 8.186 Total Relativo 39,4% 39,1%

Fonte: INCRA-MG (SR 06).

Page 73: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

59

5. OS ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA NO MUNICÍPIO DE UNAÍ-MG

5.1. A atualidade do processo de implementação dos assentamentos

A história de luta pela reestruturação fundiária na região noroeste de

Minas, ao longo das últimas duas décadas, tem evidenciado um acúmulo de

forças por parte dos movimentos sociais rurais que lutam pela implementação

de assentamentos de reforma agrária. Como conseqüência desse processo,

especificamente em Unaí, houve aumento no número de conflitos fundiários a

partir de 1995, com novas ocupações impulsionadas, sobretudo, pela

experiência dos trabalhadores que participaram do acampamento

Palmital/Barriguda, bem como da ocupação da Fazenda Nova Lagoa Rica, em

Paracatu. Dessa forma, aumentou a pressão sobre o governo, obrigando-o a

uma ação mais imediata para solução dos conflitos.

A partir da Figura 3, pelo qual se identifica a evolução da criação de

projetos de assentamentos rurais no município de Unaí ao longo das duas

últimas décadas, pode-se perceber que, a partir de 1995, com a configuração

de uma nova conjuntura política, principalmente nos quatro primeiros anos do

governo de Fernando Henrique Cardoso, houve maior agilidade nesse

processo de implementação de assentamentos, tanto na ação em áreas de

conflitos antigos quanto no atendimento de novas e crescentes demandas em

Evolução da Criação de Projetos de Assentamentos -

Unaí MG

0

1

2

3

4

5

6

7

8

Ano de Criação

P

r

o

j

e

t

o

s

C

r

i

a

d

o

s

Page 74: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

60

Fonte: Adaptado do Relatório de Atividades SR-28 (INCRA, 1998).

Figura 3 - Evolução na implementação de projetos de assentamentos - Unaí, MG.

áreas ocupadas pelos trabalhadores rurais sem-terra nesse período. Dos 16 projetos de assentamentos rurais nesse município, 13 foram criados após 1995, dos quais dois não se caracterizavam pelo uso da ocupação

como forma de luta, a saber: Barreirinho, cujo conflito entre moradores e latifundiário se arrastava desde a década de 80; e São Miguel, cuja área

foi desapropriada pelo INCRA antes mesmo de ser ocupada pelos trabalhadores.

Esse expressivo aumento no número de projetos de assentamentos

pode ser interpretado, também, como reflexo da criação da Superintendência

Regional do Entorno do Distrito Federal (SR-28), criada justamente para

atender à grande demanda dessa região60. Conforme se observa na Figura 3,

dos 16 projetos de assentamentos no município de Unaí, cerca de 43,75%

(sete projetos), foram implementados durante o ano de 1998, sob a

coordenação daquela nova superintendência. O município de Unaí, juntamente

com Buritis, Arinos e Formoso, deixou de fazer parte da Superintendência

Regional de Minas Gerais (SR-06) e, com mais 36 municípios do Estado de

Goiás, passou a conformar a região de abrangência dessa nova

superintendência do INCRA, com sede em Brasília.

Essa reestruturação institucional do INCRA impulsionou a criação da

Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Entorno do Distrito Federal,

60

A Superintendência Regional do Entorno do Distrito Federal foi criada em dezembro de 1997.

0

1

2

3

4

5

6

7

19

86

19

87

19

92

19

95

19

96

19

97

19

98

Ano de criação

Pro

jeto

s

Page 75: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

61

que acompanhou a classificação geográfica feita pelo órgão governamental,

tendo como conseqüência a desfiliação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais

de Unaí da FETAEMG61. No plano das relações interinstitucionais, essas

mudanças tiveram como reflexo imediato maior aproximação entre os órgãos

municipais e o INCRA, inclusive do próprio STR.

Paralelamente a esse processo, outro, de ordem política, ocorreu na

condução da direção do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Unaí. Houve

uma renovação dos dirigentes sindicais nesse município, cujo perfil dos novos

líderes, caracterizado pela fragilidade ideológica e política, pela moderação e

pela busca de soluções negociadas com os órgãos públicos, também contribuiu

para o afastamento do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Unaí da

FETAEMG e para a maior aproximação dos técnicos do INCRA. Essa mudança

na condução política do movimento sindical no município aconteceu a partir da

saída do então presidente do STR local, um dos responsáveis pelo crescimento

da luta pela terra na região.

Segundo um ex-presidente do STR de Unaí, historicamente o poder

local não se colocou ao lado dos trabalhadores rurais, "quando houve, foi por

motivos eleitorais". Citando os exemplos das últimas duas campanhas

eleitorais em 1996 e 1998, o sindicalista afirmou que "realmente existe uma

polarização entre os trabalhadores e os poderosos, o poder público de Unaí

sempre favoreceu àqueles que possuem poder tanto político quanto

econômico". Para essa liderança, a mudança na condução política do STR

possibilitou a atuação menos conflituosa entre os trabalhadores, o poder

público local e o INCRA.

A mudança política na condução do movimento sindical em Unaí vem

possibilitando a aproximação entre diversos setores relacionados com a

implementação de assentamentos rurais. Na avaliação de líderes políticos

tradicionais desse município, o relacionamento não conflituoso entre poder

público local, assentados e STR se deve, principalmente, à ausência de

"pessoas estranhas à cidade", remetendo-se claramente à falta de mediadores

61

A FETAEMG era contrária à participação de municípios mineiros nessa nova superintendência,

reivindicando a criação de uma unidade avançada da superintendência de Minas Gerais para atuar na

região noroeste. Essa posição foi debatida e derrotada politicamente no Sindicato dos Trabalhadores

Rurais de Unaí.

Page 76: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

62

como o MST e a FETAEMG62. Para os políticos tradicionais, o isolamento do

movimento sindical de Unaí e também a falta de interlocução dos assentados

com organizações em redes estadual ou nacional têm possibilitado uma

relação com esses trabalhadores, caracterizada pela troca de favores e pela

cooptação das lideranças dos assentamentos e do sindicato.

Esse fato foi evidenciado com a realização do Primeiro Encontro dos

Assentados e Acampados do Município de Unaí, no P.A. Palmeirinha, em junho

de 1998. Organizado pelo STR, pela EMATER e pelo INCRA, o evento contou

com a presença de representantes de instituições governamentais, entidades

civis e sindicais, líderes políticos63 e representantes dos acampamentos e

assentamentos do município. Nesse evento ficou explícita a aproximação,

sobretudo nos discursos de grande parte dos presentes. A posição assumida

pela presidente do STR em seu pronunciamento deixou claro o início de uma

nova etapa na condução dos trabalhos da entidade perante a questão da

reforma agrária. Particularmente no que diz respeito às ocupações como forma

de luta, a presidente do STR prometeu uma gestão em que se priorizaria uma

maior negociação com os órgãos públicos, em detrimento da prática de

ocupações de terras, atribuindo ao poder público o papel de condutor de uma

ampla aliança, na busca de soluções para os problemas enfrentados pelos

assentados.

Para as novas lideranças sindicais, aquele encontro representou um

momento importante, permitindo a convergência de interesses dos setores

ligados à implementação de projetos de assentamentos. Significou, ainda, um

momento de afirmação e consolidação de suas posições diante dos

trabalhadores rurais, bem como perante os órgãos públicos, em especial a

prefeitura e o INCRA (posições essas baseadas numa relação de confiança e

de adesão a setores da política local). No entanto, a participação no evento da

recém-criada SR-28 significou o estabelecimento dos primeiros contatos dos

técnicos do INCRA com os assentados e com o poder público local.

62

Segundo um vereador do município de Unaí, a diferença entre as relações conflituosas da década de

80 e a situação atual é justamente a presença, naquela época, de lideranças "de fora, que não

conheciam o município e não queriam o desenvolvimento local. Agora, os assentados e suas

lideranças são pessoas de Unaí que não estão interessadas em confusão".

63 Tratava-se de período pré-eleitoral, o que pode justificar a presença de diversas lideranças políticas

buscando garantir espaço no eleitorado dos assentamentos.

Page 77: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

63

Para o poder público municipal, esse foi o momento de consolidação

do trabalho da Diretoria de Reforma Agrária, enquanto elo entre os assentados

e o INCRA, sendo tal diretoria um órgão da Prefeitura Municipal de Unaí, criado

em 1997. Além disso, devido ao período em que foi realizado, aquele primeiro

encontro apresentou a oportunidade para os políticos locais conduzirem as

ações características de momentos pré-eleitorais, definidas por PALMEIRA

(1996) e HEREDIA (1996) como o “tempo da política”. Trata-se de um

momento importante para estabelecer e reforçar compromissos com um setor

expressivo, em termos eleitorais, na tentativa de comprometer, individualmente,

eleitores enquadrados socialmente por novos recortes sociais; nesse caso, os

assentados.

A Diretoria de Reforma Agrária desempenha, nesse contexto, papel de

atendimento às demandas oriundas dos projetos de assentamentos, sejam elas

de transporte, de conservação de estradas, de utilização de máquinas e de

atendimento médico, enfim, um balcão de atendimento, o que faz com que o

diretor se destaque como a principal liderança dos assentados de Unaí. Esse

assentado já ocupou o cargo de presidente da Associação dos Pequenos

Produtores da Palmeirinha e hoje consolida sua liderança, em nível municipal,

através deste trabalho.

5.2. Projeto de assentamento Palmeirinha

5.2.1. Antecedentes históricos

O Projeto de Assentamento Palmeirinha foi o primeiro a ser implementado pelo INCRA no município de

Unaí. O decreto de desapropriação da área foi emitido em 1984, sendo o ato de criação do projeto de 1986. Esse assentamento é fruto da luta de resistência dos trabalhadores diante da tentativa de expulsão deles da terra onde moravam e trabalhavam como parceiros

64. As famílias desses trabalhadores foram as principais protagonistas na

luta pela implementação do projeto; eram meeiros ou arrendatários que trabalhavam em áreas concedidas pelo proprietário e, como forma de pagamento, repassavam-lhe cerca de 30 a 40% da produção, sistema esse coordenado pelos gerentes da fazenda, numa relação proprietário-gerente-parceiro. Todos os custos de produção

ficavam a cargo dos parceiros, que, em caso de perda da safra, por qualquer motivo, eram obrigados a pagar o uso da terra, em dinheiro, com animais ou, até mesmo, com prestação de serviços na própria fazenda.

No início da década de 80, com o argumento de ocorrência de

supostos furtos em sua propriedade, como desvio da produção, abate de parte

do rebanho e grandes retiradas de madeira, o então proprietário, percebendo

64

No início da década de 80, de uma forma geral, os moradores começam a ser expulsos dos latifúndios,

como resultado da modificação das regras de parceria que garantiam a sua atividade como meeiros

ou arrendatários.

Page 78: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

64

que a relação proprietário-gerente-parceiro estava sob ameaça e suspeitando

de que os próprios gerentes estavam traindo-o, rompe a relação de confiança.

Assim, por meio de um mandado judicial, prende um dos gerentes da fazenda

e, através de uma ação de despejo, tenta retirar todos os moradores da área.

Para forçar a saída dos trabalhadores, contrata capangas, que ameaçavam

violentamente as famílias, aumentando a tensão na área.

No momento de ruptura da relação proprietário-gerente-parceiro,

marcado pelo recurso à violência, os parceiros, sob a cumplicidade dos demais

gerentes, deixam de repassar parte da produção como forma de pagamento do

arrendamento e, ou, da meia. Nesse contexto, aqueles trabalhadores começam

a procurar por seus direitos, indo a cartórios em Unaí e em municípios vizinhos

à procura de documentação que provam a legalidade da propriedade da terra

nas mãos do latifundiário65, além de buscarem apoio na CONTAG e no INCRA.

Eram cerca de 75 famílias que moravam nessa área há várias décadas,

algumas mantinham, até o momento, relação de compadrio com o

latifundiário66.

Em 1982, após tomar conhecimento da violência na Fazenda Saco

Grande, a FETAEMG faz uma denúncia ao INCRA, reivindicando a

caracterização da propriedade como área de tensão social, iniciando, assim, a

luta política pelo processo de desapropriação. Segundo LUCAS da SILVA

(1988), em 25/05/1982 inicia-se a primeira vistoria da área para elaboração de

um diagnóstico da situação. Nesse contexto, foram chegando parentes das

famílias que moravam na área e outras que trabalhavam nas proximidades da

fazenda, estabelecendo-se e reivindicando também a condição de posseiros,

fazendo com que, ainda na primeira metade da década de 80, a fazenda

contasse com cerca de 185 famílias em seu interior.

O INCRA orientou as 75 famílias que estavam inicialmente na

propriedade a requerer o usucapião por estarem há muito tempo na área e por

ser esse o recurso legal mais comum, indicando que as demais deveriam

65

Segundo relatos dos assentados, a única documentação que supostamente existia era uma carta

paroquial datada de 1882.

66 Algumas das famílias que moravam na Fazenda Saco Grande mantinham relação diferenciada com o

proprietário. Eram consideradas afilhadas do latifundiário e, assim, teriam a aprovação dela para

residirem e produzirem na área sem nenhum encargo, porém, com o conflito estabelecido, essas

famílias se aliam às demais na luta pela desapropriação.

Page 79: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

65

procurar outro lugar para se instalarem. Os trabalhadores não aceitaram esse

argumento do INCRA e passaram a lutar, juntamente com o STR, por

tratamento igual para todas as 185 famílias, fazendo com que o processo de

demarcação dos lotes contemplasse a todos67. O conflito com o latifundiário e o

impasse com o INCRA na Fazenda Saco Grande apresentavam contornos

mais abrangentes, devido ao momento político em que vivia o país. Para o

movimento sindical, uma luta dessas era importante no contexto das mudanças

sociopolíticas reivindicadas pelo conjunto dos movimentos sociais, era parte da

luta contra o latifúndio improdutivo e pelos direitos dos trabalhadores rurais,

que aconteciam em diversas regiões do país. Portanto, a questão da

desapropriação deixava de ser uma mera questão judicial e se conformava em

uma questão política, naquele momento de redemocratização do Brasil.

Toda essa questão política permeando o conflito na Fazenda Saco

Grande e a estrutura ineficiente e despreparada dos órgãos competentes em

nível federal, além da lentidão da justiça em casos como esses, fizeram com

que o impasse com o INCRA, na criação do projeto de assentamento, somente

fosse resolvido em 1986, já no âmbito do I Plano Nacional de Reforma Agrária

(I PNRA). Com o fim dos governos militares e a eleição indireta de

Tancredo/Sarney, aumentou a pressão dos movimentos sociais pela

implementação de mudanças na estrutura agrária brasileira, tendo como

resultado a elaboração do I PNRA. Nesse contexto, o PNRA e as discussões

pró e contra a sua implementação foram uma alternativa para a solução de

conflitos como o da Fazenda Saco Grande em Unaí, através da desapropriação

da área pelo não cumprimento da sua função social68.

Apesar da conquista da desapropriação da fazenda e da criação do

projeto de assentamento em 1986, a relação entre o INCRA e os trabalhadores

no processo de demarcação dos lotes e implantação de infra-estrutura foi

bastante conflituosa. Os técnicos do órgão governamental demarcaram os lotes

de uma forma que não atendia às necessidades dos trabalhadores, pois alguns

67

Em determinado momento, chegaram a residir nessa área 205 famílias, embora no último acordo

proposto e aceito tivesse ficado decidido que seriam assentadas 185 famílias já cadastradas e as

restantes seriam deslocadas para áreas próximas que estavam em vias de desapropriação.

68 Os movimentos sociais tiveram participação importante para que a questão da reforma agrária fizesse

parte do acordo político que deu a vitória à oposição ao regime militar. Apesar do retrocesso do I

PNRA ao longo do governo Sarney, alguns conflitos como o da Fazenda Saco Grande foram

resolvidos.

Page 80: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

66

lotes não possuíam a mínima condição de produção para a subsistência da

família. A solução para esses problemas somente ocorreu no final da década

de 80, quando os lotes efetivamente foram demarcados e distribuídos às 183

famílias69.

O assentamento Palmeirinha possui uma associação, fundada em

06/10/1984, denominada Associação dos Pequenos Produtores Rurais da

Fazenda Saco Grande. Atualmente, essa entidade representa legal e

politicamente as 183 famílias assentadas na área. O assentamento possui três

áreas comunitárias com escola e igreja, uma delas possui também um posto de

saúde70. Essa é uma divisão organizativa, cada uma das três áreas

compreendendo um setor do assentamento - Lages, Extrema/Olhos D'agua e

Padre Anchieta -, que funcionam com representantes da associação em cada

um deles, principalmente para o controle do uso de máquinas e implementos

agrícolas.

Figura 4 - Sede comunitária Padre Anchieta – P.A. Palmeirinha.

5.2.2. A formação social do assentamento

69

Em alguns documentos, o número de famílias cadastradas chegou a 185, porém foram oficialmente

assentadas no P.A. Palmeirinha 183 famílias.

70 Ver Figura 4.

Page 81: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

67

Os trabalhadores beneficiados no Projeto de Assentamento Palmeirinha são, em sua maioria, de origem rural, conforme os dados da Tabela 9. As famílias de origem urbana, cerca de 11,9%, são basicamente as que chegaram após a criação do assentamento, principalmente pela compra de lotes e que, na cidade, exerciam atividades

diversas, como comerciante, motorista, serventes etc. A característica marcante nesse assentamento é a predominância de famílias que já residiam na área e trabalhavam em parceria na Fazenda Saco Grande ou em áreas próximas, como evidenciam os dados da Tabela 10.

Essa característica na composição desse assentamento, além de ser

conseqüência da própria história de luta daqueles trabalhadores, que foram os

seus principais protagonistas, fez com que tal projeto fosse constituído de

grandes grupos familiares. São famílias que há várias décadas residem no

local, onde tanto os pais como os filhos, particularmente os casados,

mantinham a relação de parceira com o antigo proprietário da fazenda. A

conquista do assentamento permitiu a essas famílias de parceiros, além do

acesso à terra própria para trabalhar, a possibilidade de reproduzirem

Tabela 9 - Origem da família assentada no P.A. Palmeirinha

Zona rural Unaí 80,9% 148 Zona rural outro município 7,1% 13 Cidade de Unaí 8,3% 15 Outra cidade 3,6% 7 Total 100% 183 famílias

Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.

Tabela 10 - Atividade exercida pelas famílias assentadas no P.A. Palmeirinha

anteriormente ao assentamento

Parceiro 66,7% 122 Comerciante 2,4% 4 Atividade urbana 3,6% 7 Trab. rural fixo 21,5% 39 Desempregado 2,4% 4 Outros 3,6% 7 Total 100% 183 famílias

Page 82: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

68

Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.

Page 83: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

69

socialmente o seu modo de vida em família. É comum, em várias regiões do

assentamento, a presença de núcleos formados por vários lotes pertencentes à

mesma família. Apesar das grandes divergências que permearam o processo

de demarcação dos lotes, a reunião de membros de uma mesma família em

determinado local da fazenda, geralmente naquele em que já trabalhavam, foi

adotada, pelo INCRA, como um dos parâmetros para a divisão da área.

ESTERCI et al. (1992) abordam a questão da heterogeneidade e

diferenciação que ocorre entre grupos de assentados, que se relacionam com a

busca de unidade de interesses e com a identidade de projetos comuns dentro

dos assentamentos. Essa análise enfocou, sobretudo, a trajetória diferenciada

de cada família e suas atividades desenvolvidas anteriormente à entrada no

assentamento, como forma de explicar os diferentes significados da posse da

terra no projeto de vida das famílias e o próprio caráter político da conquista do

assentamento. Analisando o P.A. Palmeirinha sob essa perspectiva, pode-se

perceber que a trajetória desses assentados é bastante homogênea, sobretudo

em termos da origem da família e das atividades exercidas. Assim, o

assentamento significou, para a grande parte desses trabalhadores, a luta em

preservar seus objetivos e o meio básico de trabalho e vida.

Apesar de o processo vivenciado por essas famílias durante quase

uma década ter explicitado um confronto entre latifundiário e trabalhadores

rurais, expondo os conflitos socioeconômicos e políticos entre esses

segmentos da sociedade, ele não se evidenciou na construção de um projeto

político de contraposição ao poder local consolidado na propriedade da terra. O

significado da implementação do projeto foi a garantia de continuar produzindo

e se reproduzindo socialmente naquela área, o que permite interpretar a

identificação desses trabalhadores com a categoria de pequenos produtores e

não como assentados, como sem-terras. ESTERCI et al. (1992) afirmaram que

o debate sobre o posicionamento político dos assentados como pequenos

produtores indica a tensão política entre diferentes orientações sobre o papel

dos beneficiários da implementação de assentamentos rurais. De um lado,

percebe-se o assentamento como um "locus" produtivo da pequena produção;

de outro, são percebidos a continuidade e o engajamento no processo de

reforma agrária, com vinculações políticas a um projeto mais abrangente de

mudança social.

Page 84: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

70

Nessa perspectiva, o P.A. Palmeirinha pode ser analisado como

exemplo da busca de reconstrução de uma identidade fundada na propriedade

da terra, apontado no primeiro caso. Esse fato pode ser evidenciado pelo perfil

político da associação e, principalmente, pela participação dos assentados no

STR e pela importância dada a esta entidade por eles. A atuação no STR

poderia representar a continuidade da luta por uma transformação social mais

ampla, porém, após a conquista da posse da terra, as preocupações

abandonam qualquer conteúdo ideológico e político, concentrando-se em

temas como produção, assistência técnica, políticas de crédito etc., definidores

das relações que os assentados vão estabelecer com órgãos como EMATER e

INCRA, responsáveis pela solução dessas questões. Isso pode ser evidenciado

na Tabela 11, em que se apontam as entidades e os órgãos governamentais

identificados como importantes para o assentamento71.

Apesar da estreita relação entre o processo de criação desse

assentamento e da fundação do STR, esta entidade não é, atualmente,

reconhecida por esses trabalhadores como importante mediador na busca de

soluções para os problemas enfrentados pelos assentados hoje; a associação

é a única entidade mediadora do assentamento. A análise do próprio nome da

associação indica que, apesar de toda a vinculação desse conflito com a

questão da reforma agrária em nível geral, os referidos trabalhadores não se

identificam como assentados - o termo parece ser estranho para eles -, pois

continuam a ser pequenos produtores da Fazenda Saco Grande. Para LEITE

(1999), a afirmação política desses trabalhadores está relacionada com os

próprios termos assentado e assentamento. O distanciamento e a fragilidade

do movimento sindical no município, bem como a ausência de outros

mediadores, como MST, além da própria origem da maioria desses

assentados, dificultam a constituição de uma identidade política e uma inserção

social diferenciada dos pequenos produtores familiares tradicionais do

município.

71

O STR é lembrado apenas por pessoas com idade avançada, relacionando essa entidade com o

acesso à aposentadoria. Cerca de 32,1% dos chefes de família nesse assentamento possuem idade

superior a 56 anos.

Page 85: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

71

Tabela 11 - Principais mediadores até o momento da criação do assentamento e atualmente no P.A. Palmeirinha

Antes da criação Atualmente

INCRA 4,8% 9 40,5% 74 STR 59,6% 109 EMATER 4,8% 9 23,8% 43 INCRA e EMATER 13,1% 24 FETAEMG 3,6% 7 Prefeitura 6,0% 11 Associação 2,4% 4 11,9% 22 Outros 7,1% 13 4,7% 9 Não respondeu 17,7% 32 Total 100% 183 famílias 100% 183 famílias

Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.

As famílias que estão assentadas, mas que não participaram do

processo de luta pela terra e que chegaram ao longo desses 13 anos de sua

implementação através da compra do lote, são importantes na definição do

perfil de atuação política do P.A. Palmeirinha. O significado para essas famílias

de se tornarem assentadas está numa perspectiva fundamentalmente diferente

daquelas que acompanharam a luta pela terra desde o seu início. O acesso ao

assentamento é visto por essas famílias como forma de geração de renda e

não uma questão maior que perpassa pela luta por direitos e pela realização de

um sonho que lhes garante a sobrevivência, como forma de reprodução social.

A expressão social e política do assentamento, enquanto um local de longa

história de lutas, sofrimentos e conquistas, é extremamente vaga para as

famílias que compraram o lote. Para essas pessoas, comprar um lote no

assentamento tem o mesmo significado de comprar uma propriedade rural

qualquer, isto é, trata-se de uma transação econômica. Como já foi destacado,

são famílias de origem urbana ou de trabalhadores rurais assalariados. A

análise dessas transações de compra e venda de lotes permite identificar que

os órgãos públicos responsáveis não têm nenhum controle sobre elas, o que,

Page 86: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

72

talvez, justifique a intensidade da venda de lotes no assentamento72. Os dados

indicam que existem, atualmente, 12 lotes completamente abandonados e

quatro onde o assentado não reside nele; somente em 1998 foram vendidos

seis lotes e, em 1999, outros três até o mês de março.

A venda e o abandono de lotes relacionam-se, principalmente, com a

falta de infra-estrutura básica no assentamento, sobretudo o precário sistema

de abastecimento de água e a carência na assistência à saúde. A falta de

assistência médica torna-se um problema grave para os assentados mais

idosos, particularmente para aquelas famílias cujos filhos saíram do

assentamento em busca de emprego, e o trabalho de produção é feito somente

pelo casal. É comum encontrar somente o casal, já idoso e sem saúde,

trabalhando no lote. Sem condições físicas para trabalhar e produzir sem a

ajuda da família, a única opção para essas pessoas são a venda do lote e a

mudança para a cidade.

Essa questão da venda de lotes, bem como os motivos que levam

algumas famílias a simplesmente abandonar o assentamento, deve ser

analisada na perspectiva das opções que são dadas aos assentados. Porém,

as análises feitas por alguns assentados e, principalmente, pela comunidade

urbana de Unaí indicam que as vendas e o abandono dos lotes são

conseqüências da incompetência das famílias e até mesmo da preguiça dos

trabalhadores73. LEITE (1994) afirma que a possibilidade de sucesso ou

insucesso do assentamento - e, neste caso, de algumas famílias assentadas -

deve ser observada, levando-se em consideração os condicionantes estruturais

das políticas e dos projetos de assentamento, bem como o perfil de intervenção

pública nessas áreas. O referido autor ainda ressalta que a implantação de

estrutura básica como escola, assistência à saúde, abastecimento de água e

eletrificação, seja em áreas urbanas ou rural, é de responsabilidade do Estado,

mesmo que, especificamente para os assentamentos rurais, não fique a cargo

do órgão fundiário executor do projeto - no caso o INCRA -, mas é função deste

72

A questão da necessidade de se implementar uma comissão que analise a transferência de lotes foi

abordada pelos representantes dos assentados dessa região no seminário Assistência

Técnica/Extensão Rural e PROCERA, realizado pela FETAEMG, pelo INCRA e pela EMATER em

junho de 1996.

73 O argumento central desse tipo de discurso, principalmente realizado pela comunidade urbana, é de

que somente os assentados têm acesso a crédito, diferentemente dos demais pequenos agricultores,

por isso deveriam ser capazes de permanecer no campo produzindo.

Page 87: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

73

a realização de uma mínima articulação para que órgãos governamentais

competentes possam suprir tais demandas.

5.2.3. Atividades produtivas e relação com o mercado

A área total da fazenda é de 6.146 ha, dividida em 183 lotes

individuais, que variam de 3 a 70 ha. O tamanho de cada lote foi estabelecido

através de parâmetros como acesso a recursos hídricos, qualidade do solo e

topografia. Os lotes maiores são, geralmente, aqueles com menores condições

de níveis de utilização agronômica, seja pela baixa fertilidade de seus solos,

topografia mais acentuada e, sobretudo, pela escassez de água. Uma questão

crucial para entender também a diferenciação entre os lotes, bem como a

maior limitação para a produção, é a falta de água no projeto desde o seu

início. Esse é um fator que explica, em parte, a pouca diversificação da

produção, mantendo o cultivo de milho e arroz e a pecuária leiteira praticada de

forma extensiva, extremamente dependente do regime de chuvas.

Tabela 12 - Principal fonte de renda dos assentados no P.A. Palmeirinha

Lavoura 10,7% 20

Pecuária 16,7% 30

Lavoura e pecuária 58,3% 107 Aposentadoria 11,9% 22 Lav., pec. e assal. do chefe da família 2,4% 4 Total 100% 183 famílias

Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.

Dessa forma, as principais fontes de renda desses assentados estão

relacionadas com atividades agropecuárias como a produção de milho, arroz e

Page 88: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

74

leite. Há também plantações de cana que, juntamente com parte do milho

produzido, são utilizadas como suprimento alimentar para o gado, no período

de maior escassez de pastagens. Essa estratégia é utilizada sobretudo por

aqueles que têm na produção de leite a sua principal atividade produtiva. A

organização da produção é individual em todo o assentamento; somente

algumas etapas são realizadas em grupos, particularmente na comercialização,

destacando-se a venda de milho e do leite, bem como a compra de insumos

agrícolas como sementes, adubos etc.

Tabela 13 - Principal produto produzido pelos assentados no P.A. Palmeirinha

Milho 11,9% 22 Leite 10,7% 20 Queijo 4,8% 9 Milho e arroz 3,6% 7 Milho, arroz e leite 10,7% 20 Milho, arroz e queijo 16,7% 30 Milho e leite 16,7% 30 Milho e queijo 21,4% 39 Outros 1,2% 2 Não respondeu 2,3% 4 Total 100% 183 famílias

Fonte: Pesquisa de campo, 1999.

Há uma heterogeneidade muito grande com relação às formas de

integração ao mercado, configurando a formação de diferentes grupos de

assentados. O grupo que se encontra numa situação de maior relacionamento

com o mercado é aquele formado por aquelas famílias que têm na produção de

leite a sua principal atividade, associada, ou não, com a produção de arroz ou

milho, e que, em sua maioria, estão integrados ao mercado local via

Page 89: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

75

Cooperativa Agropecuária de Unaí - CAPUL74. Cerca de 38,1% dos

assentados, o que representa 70 famílias, encontram-se nessa situação,

conforme os dados da Tabela 13. De modo geral, a venda de leite é realizada

em grupos. Foram constituídos oito grupos, como estratégia para melhor se

adaptarem ao sistema de armazenamento do leite em resfriadores pelos

próprios produtores, o que é uma nova exigência da cooperativa75. Os dados

da Tabela 14 evidenciam que cerca de 35,7% das famílias assentadas estão

inseridas naquela cooperativa, como cooperadas. O número de assentados

cooperados é menor do que o número de produtores de leite e que

comercializam via CAPUL; isso pode ser explicado pelo fato de que algumas

famílias comercializam numa mesma cota.

Tabela 14 - Participação dos assentados no STR e na CAPUL, antes e depois do assentamento

Antes do assentamento Após o assentamento

STR – Unaí 47,6% 87 34,6% 63 CAPUL 22,6% 41 CAPUL e STR 13,1% 24 Outros 6,0% 11 2,5% 5 Nenhum 46,4% 85 27,2% 50 Total 100% 183 famílias 100% 183 famílias

Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.

74

A CAPUL é a maior cooperativa agropecuária de Unaí, cuja principal atividade está relacionada com a

pecuária leiteira. Fundada em 1964, possui em seu quadro de cooperados pequenos, médios e

grandes produtores.

75 Recentemente houve uma mudança no sistema de coleta do leite feita pela CAPUL. Antes era coletado

nos estabelecimentos rurais diariamente, acondicionado em vasilhames de 50 litros; atualmente, o

leite é armazenado pelo próprio produtor em tanques de resfriamento, e a coleta é feita de dois em

dois dias.

Page 90: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

76

A integração com a CAPUL garante aos assentados à venda do

produto, bem como a compra de insumos agrícolas e gêneros domésticos,

tendo para isso uma política de preço e de pagamento específica76. Além da

política diferenciada para efetuarem suas compras, a CAPUL oferece a

assistência veterinária e até mesmo melhorias de caráter mais geral, como a

conservação de estradas. Essa última questão deu-se a partir de um acordo

entre CAPUL e prefeitura, quando foi estabelecida como meta a melhoria de

acesso aos locais onde foram instalados tanques de resfriamento de leite.

Figura 5 - Resfriador de leite coletivo: P.A. Palmeirinha.

É uma perspectiva de cooperativismo diferenciado do que se pode

observar em diversos assentamentos de reforma agrária que optam por essa

forma de organização, particularmente no Sul do país, ou mesmo na região

como o que acontece no P.A. Fruta D'anta, no município de João Pinheiro,

onde a criação de uma cooperativa do assentamento teve como objetivo a

76

Esta especificidade é para todos os cooperados, não existindo política diferenciada para os pequenos

produtores em geral e os assentados em específico.

Page 91: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

77

superação de dificuldades de produção e comercialização dos assentados de

forma geral77. Já a relação dos assentados do P.A. Palmeirinha com o

cooperativismo é restrita à CAPUL, cooperativa de cunho patronal que segue a

lógica das cooperativas tradicionais. A situação desses assentados acompanha

a trajetória dos pequenos produtores do município e a produção de leite, e sua

comercialização com essa cooperativa é uma atividade bastante comum nesse

setor em Unaí, o que reforça, mais uma vez, a semelhança entre esses

assentados e a pequena produção tradicional do município.

Alguns autores como MEDEIROS e LEITE (1998) destacaram, numa

análise de caráter geral, a importância do papel desempenhado pelas

organizações dos assentados, especificamente as cooperativas, que, por

possuírem função diretamente relacionada com o processo produtivo,

conseguem evitar a presença dos atravessadores no processo de

comercialização dos produtos do assentamento. É nesse sentido que a

presença da CAPUL no P.A. Palmeirinha ou a inserção de um grupo de

assentados nela possui um caráter diferente do daquelas cooperativas criadas

a partir da organização dos próprios assentados.

Um segundo grupo de assentados pode ser caracterizado pela

reprodução de um processo produtivo com maiores semelhanças com o tipo de

trabalho desenvolvido pelos parceiros antes da criação do projeto de

assentamento. A semelhança está na forma de integração ao mercado, como

fornecedores, e no sistema de produção, sem a utilização do PROCERA –

custeio e sem assistência técnica. Esses assentados produzem basicamente

milho, mandioca e arroz, comercializando o excedente com atravessadores ou

com os próprios vizinhos. A renda dessas famílias é complementada pela

venda esporádica de queijo78 e de pequenas criações, como frangos e porcos.

É um modo de vida diferenciado daquele das famílias que se encontram

vinculadas à CAPUL e pode ser sintetizada pela resposta de um assentado

77

A partir de 1990 iniciam-se, nos assentamentos coordenados pelo MST, as experiências de

cooperativas. Num primeiro momento, a idéia era formar cooperativas de crédito, visto que as

associações não estavam conseguindo avançar nesse setor, mas depois seguiram as experiências

das cooperativas de comercialização e de produção. Hoje, o cooperativismo é uma ação prioritária

para o MST dentro dos assentamentos, como projeto de desenvolvimento econômico e de

organização social e política.

78 Diferente do grupo descrito anteriormente, estas famílias produzem leite, em menor quantidade, e

destinam a produção para a fabricação de queijos e para o consumo familiar.

Page 92: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

78

quando perguntado sobre a utilização do crédito: "Não quero dor de cabeça,

não quero fazer conta, tá muito bom assim, plantando um pedacinho, tirando

um leitinho, a criançada na escola". Esse grupo estaria numa posição de

descrédito, tanto internamente como externamente, pois a visão hegemônica

no interior do assentamento, sobretudo dos agentes externos, é de que os lotes

devem ser mais produtivos. Muitas dessas famílias têm na aposentadoria de

algum de seus membros a principal fonte de renda monetária.

Os assentados desse grupo afirmaram não ter nenhuma renda

vinculada à produção do lote. Tal posição reflete uma concepção de renda

vinculada estritamente ao lucro obtido nas atividades agropecuárias. A

definição do que seja renda para esses assentados está vinculada ao lucro da

venda sistemática de produtos, como é o caso do leite para o outro grupo, ou

mesmo sobre o lucro da colheita das lavouras, principalmente quando se faz

uso do PROCERA-custeio. A venda de produtos como frango, queijo ou algum

outro produto, em quantidades menores, geralmente não é contabilizada como

renda, porém é essa atividade que lhes garante algum recurso para a vida no

assentamento. Eles também não interpretam os produtos consumidos pela

própria família como uma forma de renda. No entanto, a renda de autoconsumo

é fator importante na composição da renda total gerada pelo trabalhador

assentado79.

Outros assentados encontram-se em posição intermediária, não

possuem vínculo com a CAPUL, mas, através da utilização do crédito de

custeio, produzem milho, arroz, mandioca, cana e outros produtos e, ao final da

safra, vendem os excedentes, obtendo renda diretamente da atividade agrícola.

Muitos deles, além dos produtos agrícolas citados, têm na venda de queijo a

principal forma de integração ao mercado, e alguns vendem quantidades

significativas desse produto, negociando diretamente no assentamento, ou

vendem no mercado de Unaí, via atravessadores 80. As principais dificuldades

na comercialização, basicamente do milho e queijo, são a ação dos

atravessadores e o baixo volume produzido, o que diminui o poder de

79

Ver ROMEIRO et al. (1994).

80 Apenas um assentado afirmou que comercializa o queijo produzido em Brasília, o que lhe garante uma

renda superior à dos demais; isso só é possível porque membros de sua família residem naquela

cidade e assumem o trabalho da venda do produto.

Page 93: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

79

negociação dos assentados. Alguns reúnem a produção de milho para

conseguir transporte e vender a cerealistas na cidade, o que aumenta o preço;

outros negociam a um preço menor para fazendeiros na própria região do

assentamento. No caso do queijo, a dificuldade de transporte até a cidade é o

maior problema para evitar a ação dos atravessadores.

As Figuras 6 e 7 mostram um contraste entre lotes com diferentes

capacidade produtiva e ilustram esses distintos grupos de assentados. Essa

análise comparativa não deve ser restrita à forma de integração ao mercado.

Devem ser enfocadas também as características físicas dos lotes, como

fertilidade dos solos, topografia e aceso à água, bem como a relação com a

capacidade de trabalho da família. Outra questão importante a ser ressaltada

na análise dessas fotos é a diferença na infra-estrutura de cada um dos lotes

em destaque. A Figura 6, que retrata o aspecto geral de um lote cujo assentado

é associado à CAPUL, mostra que existe uma boa infra-estrutura para a

produção de leite.

Figura 6 - Aspecto geral do lote n.o 60 - P.A. Palmeirinha, cujo assentado é as-sociado à CAPUL.

Page 94: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

80

Figura 7 - Aspecto geral do lote n.o 63 - P.A. Palmeirinha, cujo assentado não é associado à CAPUL.

A análise de todo o período transcorrido desde a implementação do

projeto de assentamento até hoje aponta para o fato de que esses assentados

passaram por vários momentos de descontinuidade, em termos da política

governamental, para esse setor. Principalmente na década de 80 e início dos

anos 90, a cada governo federal era elaborada uma proposta de política agrária

diferenciada e sem continuidade. Dessa forma, BERGAMASCO e CARMO

(1991) alertam para a fundamental importância de se relacionar o

desenvolvimento do projeto com a continuidade das políticas definidas pelo

governo, sobretudo na fase de sua implementação.

A forma como se deu o acesso aos recursos provenientes das diversas

linhas de crédito para a reforma agrária nesse assentamento, principalmente os

créditos de implantação e investimento, é o próprio reflexo da descontinuidade

das políticas governamentais. Os recursos foram liderados de forma bastante

irregular e pulverizada em diversas parcelas, o que dificultou a sua utilização

Page 95: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

81

de uma forma mais eficiente81. Os dados da Tabela 15 indicam as diversas

situações, desses assentados, perante o acesso aos recursos do PROCERA.

Cerca de 65,5% dos assentados receberam todos os créditos, com exceção do

crédito habitação; isso não significa, contudo, que todos aqueles assentados

tiveram acesso à totalidade dos recursos e sim a todas as linhas de crédito

pelo menos uma vez82. As famílias que não utilizaram o PROCERA custeio,

representando cerca de 14,2% (Tabela 15), são basicamente aquelas

caracterizadas pelo grupo com menor integração ao mercado. Atualmente, os

assentados estão discutindo o pagamento das parcelas do crédito

investimento, debatendo com EMATER, INCRA e Banco do Brasil alternativas

de formas de pagamento. Muitos assentados afirmam que, se fosse para pagar

nesse momento, somente aqueles que têm a possibilidade de vender parte do

rebanho conseguiriam quitar as dívidas83.

Tabela 15 - Acesso às linhas de crédito pelos assentados do P.A. Palmeirinha

PROCERA - investimento 2,4% 4

PROCERA - custeio 1,2% 2

Todas as linhas, exceto habitação 65,5% 120 PROCERA - investimento e custeio 17,9% 33 Alimentação, fomento e PROCERA - investimento 11,8% 22 Não respondeu 1,2% 2 Total 100% 183 famílias

81

A utilização da primeira parcela do PROCERA investimento é um claro exemplo dessa situação. Muitos

assentados preferiram não usá-lo devido ao medo e à falta de informação. Segundo eles, o medo era

devido ao fato de ter que enfrentar o sistema bancário e contrair uma dívida, situação nova para

grande parte desses trabalhadores.

82 Esta consideração se faz importante principalmente para o PROCERA Investimento e Custeio; nesses

65,5% estão aqueles que utilizaram, por exemplo, apenas algumas parcelas do investimento ou

usaram o custeio apenas alguns anos.

83 O pagamento do crédito de custeio é feito anualmente; segundo os assentados, eles não encontram

problemas para saldarem essa dívida.

Page 96: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

82

Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.

Outro exemplo demonstrando a sistemática com que era tratada tal questão no início do projeto, foi o acesso ao crédito habitação. Este recurso foi repassado por técnicos do INCRA sem informação detalhada sobre a sua finalidade e a sistemática para sua utilização, sendo distribuído em espécie para as famílias, sem nenhum planejamento, o que determinou sua não-utilização para o fim determinado, além do fato de o valor repassado não permitir a construção de uma casa. Somente após alguns anos é que a associação veio tomar conhecimento de que tal recurso seria o Crédito Habitação. Essa forma de acesso a tal linha de crédito trouxe, para esse assentamento, uma diferenciação muito grande, em termos do tipo de moradia, uma vez que cada assentado construiu sua casa a partir de seu capital inicial, ou através de recursos obtidos com atividades no início do projeto, como a venda de carvão.

Tabela 16 - Locais de compra de insumos agrícolas e gêneros domésticos, ali-mentação, vestuário, material de limpeza etc., utilizados pelos as-sentados do P.A. Palmeirinha

Insumos agrícolas Gêneros domésticos

Comércio local 53,6% 60,7% CAPUL 29,8% 25,0% CAPUL e comércio local 8,3% 10,7% Distrito de Palmeirinha 1,2% Outra cidade 4,8% Outros 3,6% 2,4%

Page 97: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

83

Total 100% 100%

Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.

De forma geral, a implementação do projeto de assentamento

Palmeirinha integrou os seus beneficiários ao mercado local, como

fornecedores de produtos, conforme destacado anteriormente, bem como

consumidores. Segundo os próprios assentados, a freqüência ao armazém

aumentou, principalmente para aquelas famílias que já moravam na área rural

do município e desenvolviam atividades agrícolas como parceiros. Para essas

famílias, o acesso às linhas de crédito significou o fim do isolamento com o

comércio local, sobretudo na compra de insumos agrícolas, com a utilização do

Crédito Custeio84. Pela Tabela 16, pode-se identificar o mercado de Unaí como

principal fornecedor de mercadorias para essas famílias, dividindo-se entre a

CAPUL e os armazéns da cidade. Tal análise converge para o que

ABRAMOVAY e CARVALHO FILHO (1993) afirmam, em relação ao

entendimento dos programas de reforma agrária, como sendo uma política que

incorpora setores então marginalizados à vida nacional, como produtores

consumidores, principalmente pelo apoio que recebem de instrumentos de

política agrícola, ressaltando a necessidade de uma política diferenciada para o

setor reformado.

MEDEIROS e LEITE (1998) indicam a possibilidade do efeito

multiplicador do processo produtivo dos assentamentos sobre os pequenos

produtores da região onde se localiza o projeto, em que eles, visando a

maiores ganhos, passam a adotar práticas produtivas implementadas com

sucesso nos assentamentos. Analisando o processo produtivo do P.A.

Palmeirinha, identifica-se o contrário, ou seja, o assentamento passou a

desenvolver as mesmas práticas dos pequenos produtores familiares do

município, sobretudo na escolha dos produtos a serem produzidos e na forma

de comercialização, apesar de terem uma política agrícola específica. Pode-se

84

No ano agrícola 1998/99, 147 assentados do P.A. Palmeirinha tiveram acesso ao PROCERA - Custeio.

Page 98: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

84

afirmar que o acesso ao PROCERA Custeio é o principal fator que diferencia

os assentados dos produtores familiares tradicionais do município, sendo este

responsável pela sua integração ao mercado consumidor local. A liberação de

um teto máximo de R$ 2.000,00 por família para cada ano agrícola garante a

sua inserção no comércio local, principalmente para a compra de insumos

agrícolas.

5.2.4. Relação com o poder público municipal e as demandas por políti-cas públicas

O assentamento em estudo trouxe uma nova dinâmica para a região da

Palmeirinha85, onde se localiza o projeto. Através de sua implementação,

aumentou a demanda por alguns tipos de serviços antes não existentes na

região, impulsionando o seu desenvolvimento. Com a demanda surgida pela

sua implementação foi criada, por exemplo, uma linha de ônibus que hoje

atende toda a comunidade, inclusive outros assentamentos, integrando melhor

essa região à sede do município. Em termos gerais, a criação desse

assentamento fez com que os políticos locais, sobretudo os que estão diante

da administração, redimensionassem sua atuação perante esses novos atores

sociais. Se antes grande parte deles estavam sob a tutela política do

latifundiário, hoje são alvos diretos de políticas públicas sem a intermediação

do patrão, que também perdeu um possível controle sobre seus votos:

"a patronagem exercida pelos grandes proprietários, já abalada pela saída em massa dos trabalhadores de dentro das fazendas, deixa de ser um mecanismo exclusivo de articulação dos camponeses com o Estado e com a sociedade. Abre-se a possibilidade de patrões alternativos e de padrões alternativos, ao mesmo tempo que se amplia o espaço para organizações estranhas ao sistema tradicional de dominação" (PALMEIRA e LEITE 1997:34/35).

No caso do P.A. Palmeirinha, essa possibilidade deu-se a partir da

saída do grande proprietário da área e não dos trabalhadores. Os referidos

autores ainda afirmam que a partir do Estatuto do Trabalhador Rural e do

Estatuto da terra abriu-se a possibilidade de intervenção direta do Estado sobre

os grupos reconhecidos como compondo o setor agrícola. Essa análise pode

85

Toda a região é denominada Palmeirinha, motivo pelo qual se deu a denominação do projeto de

assentamento; hoje, a comunidade é um distrito rural de Unaí.

Page 99: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

85

ser melhor entendida, e complementada, a partir do desencadeamento do

processo de implementação de assentamentos rurais a partir da década de 80.

Para PALMEIRA e LEITE (1997), a partir do momento em que o trabalhador

rural se tornou "objeto de políticas", criaram-se condições para o esvaziamento

do papel de mediação exercido pelos grandes proprietários ou por suas

organizações.

Tabela 17 - Principal demanda junto à prefeitura dos assentados no P.A. Pal-meirinha

Saúde e educação 22,6% 41 Estrada e transporte 34,7% 64 Saúde, educação e estrada 22,6% 41 Assistência técnica 3,6% 7 Infra-estrutura (água e luz) 7,1% 13 Outros 8,2% 15 Não respondeu 1,2% 2 Total 100% 183 famílias

Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.

No P.A. Palmeirinha, as maiores demandas com a prefeitura estão relacionadas com a conservação das estradas, pois o projeto fica distante da sede do município cerca de 70 km e, principalmente em épocas de chuvas intensas, o acesso a algumas áreas desse assentamento fica completamente impossível.

Outras duas maiores demandas se relacionam com educação e saúde,

as escolas estão praticamente abandonadas devido ao processo de

nucleação86 estabelecido pelo governo do Estado e os estudantes são levados

para uma escola municipal no distrito de Palmeirinha. O transporte e

86

No contexto da descentralização do sistema educacional, a prefeitura optou por reunir os alunos da

região em uma só escola, que se localiza no distrito de Palmeirinha, disponibilizando-lhes o transporte.

Page 100: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

86

novamente as estradas passam a ser o maior problema. Com relação a

assistência à saúde, há no assentamento um posto de atendimento construído

através de parceria entre a prefeitura e o INCRA. Seu funcionamento é

precário, atendendo apenas aos casos mais simples que possam ser

resolvidos sem a presença médica e com o escasso estoque de

medicamentos87.

Numa análise entre o atendimento dessas demandas e a inserção da

comunidade no processo político municipal, é importante destacar que um

assentado já exerceu cargo de vereador, durante um mandato (1993 a 1996), e

hoje outro exerce o cargo de diretor de reforma agrária da Secretária Municipal

de Agricultura, sendo o elo dos assentados com o poder público municipal e

outros órgãos como EMATER e INCRA. O ponto forte para a eleição desse

vereador foi a união de toda a comunidade do assentamento em torno dessa

candidatura, havendo inclusive uma espécie de prévia entre dois assentados

para definir quem seria o candidato. No período em que esse vereador exerceu

seu mandato, a comunidade recebeu tratamento diferenciado, no que se refere,

principalmente, ao setor de saúde, com maior disponibilidade de remédios e

facilidade de transporte, devido à permanência de uma ambulância para o

atendimento dessa comunidade. Fica claro como o atendimento a demandas

por políticas públicas municipais é dependente de como líderes da comunidade

se inserem no contexto da política eleitoral ou partidária do município.

Quatro anos depois, em uma nova eleição, essa comunidade não

conseguiu o mesmo trabalho de união, apesar de grande parte dos assentados

entrevistados avaliar positivamente aquele mandato. Nas eleições municipais

de 1996, houve duas candidaturas a vereador desse assentamento; nenhuma

delas foi vencedora. A disputa ocorreu devido aos grupos políticos divergentes

em que se encontrava cada um deles, ou seja, o assentamento não teve

candidatura que fosse respaldada pelos assentados, e sim dois representantes

de grupos hegemônicos, em termos da política municipal, que disputaram

espaço no assentamento durante a eleição. O assentamento, mesmo tendo

uma história de luta, no maior conflito pela posse da terra no município, não

conseguiu estabelecer-se como foco de mobilização e de contra-poder perante

87

Essa comunidade não tem recebido a visita de médicos, e as consultas são marcadas pela funcionária

do posto de saúde e realizadas nos hospitais da cidade.

Page 101: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

87

a tradicional política ou libertar-se da tutela de políticos tradicionais e

conservadores que têm dominado politicamente o município ao longo de sua

história88.

Pode-se buscar um paralelo com CARVALHO (1997) quando, a partir

da implementação do projeto de assentamento Palmeirinha, a extinção do

mandonismo entre o latifundiário e os parceiros pode ter fortalecido as relações

de clientelismo entre os atores políticos locais e os trabalhadores assentados.

De modo geral, aquele autor afirma que o clientelismo se caracteriza pela

relação entre atores políticos, envolvendo concessão de benefícios públicos em

troca de apoio político, sobretudo na forma de voto.

5.3. Projeto de assentamento Boa União

5.3.1. Antecedentes históricos

Este assentamento foi implementado a partir da ocupação da Fazenda

São Paulo em 1996, com uma área de 4.667,00 ha, localizada a cerca de 75

quilômetros da cidade de Unaí. Nessa propriedade era desenvolvida atividade

de pecuária extensiva, conduzida pelo trabalho de cinco famílias que moravam

na área, cujos membros eram responsáveis pelo rebanho.

O processo de ocupação se deu a partir da ação de um grupo de

trabalhadores que esteve presente no acampamento Palmital/Barriguda e que,

ao retornar de Buritis para Unaí, organizou-se, seguindo o exemplo de outros

grupos, que na época tinham realizado ocupações em outras áreas do

município, como é o caso da Fazenda Campinas89. A ocupação da área

ocorreu na madrugada do dia 16 de junho de 1996, com apenas 15 famílias.

Esse grupo inicial era formado por trabalhadores que participaram do

acampamento organizado pelo MST em Buritis. Com essa ação inicial, criando

o conflito com os proprietários, o acampamento foi recebendo adesões de

88

Conjunturalmente, pode-se dizer que a região da Palmeirinha, na qual o assentamento é uma das comunidades mais expressivas, é uma importante base eleitoral do grupo que hoje administra o município.

89 A primeira ocupação em Unaí, após o acampamento Palmital/Barriguda, foi a da Fazenda Campinas

(hoje P.A. Renascer), que influenciou as demais ações de trabalhadores rurais sem terra na ocupação

de outras áreas.

Page 102: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

88

novas famílias, que vieram por meio da ação do STR90 de Unaí ou por alguma

relação de parentesco e amizade com aquelas que já estavam acampadas. Os

dados da Tabela 18 evidenciam que 37% dos trabalhadores assentados no

P.A. Boa União tiveram acesso ao acampamento por influência do movimento

sindical e 46%, por intermédio de contatos com parentes e amigos.

Tabela 18 - Via de acesso das famílias ao acampamento na Fazenda São Pau-lo (P.A. Boa União)

Movimento sindical - STR e FETAEMG 37% 37 Parentes/amigos 46% 46 MST 2% 2 Líder do acampamento 6% 6 Outros 4% 4 Não respondeu 5% 5 Total 100% 100 famílias

Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.

Esses contatos de parentesco e amizade possibilitaram a chegada de

parentes das famílias acampadas, bem como de familiares dos moradores da

região, que, a partir da ocupação da fazenda, perceberam as possibilidades de

também serem beneficiados com um lote. A participação do movimento

sindical, sobretudo a ação do STR de Unaí e seu reconhecimento por esses

trabalhadores acampados, foi fortalecida pelo fato de que o presidente e mais

dois diretores desse sindicato estavam envolvidos diretamente no processo,

como acampados na área. Apesar da participação de alguns desses

trabalhadores no acampamento Palmital/Barriguda, passando pela experiência

de organização e capacitação no MST, este movimento não tem sido

90

Através do STR vieram, sobretudo, famílias que já estavam cadastradas como possíveis beneficiários

da reforma agrária.

Page 103: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

89

reconhecido como um importante mediador, como demonstram os dados da

Tabela 18. A análise da trajetória de luta pela implementação desse

assentamento permite concluir que esse não-reconhecimento se deve à ação

imediata do movimento sindical, via STR e FETAEMG91, após a ocupação da

área e ao não-acompanhamento do MST nas diversas ações desenvolvidas,

em Unaí, por aqueles trabalhadores que estiveram em Buritis92.

Dessa forma, após a ocupação inicial, o acampamento na Fazenda

São Paulo foi formado por 85 famílias, que ficaram acampadas na área por

aproximadamente sete meses93. Posteriormente, foram incorporadas mais 10

famílias, as cinco famílias de funcionários da fazenda e outras cinco que

estavam cadastradas no STR, completando, assim, 100 famílias, que seriam

então assentadas nessa área. Os dados da Tabela 19 evidenciam que 32,5%

das famílias assentadas vieram de municípios vizinhos, particularmente da

zona rural, devido ao fato de essa fazenda se localizar numa região próxima ao

limite territorial de Unaí com outros municípios, como Dom Bosco, Natalândia e

Bonfinópolis de Minas. Essas famílias se incorporaram ao acampamento inicial

através de laços de parentesco e amizade, principalmente com famílias de

trabalhadores rurais que moram no projeto de colonização da Ruralminas,

situada nas proximidades da Fazenda São Paulo.

Tabela 19 - Origem das famílias assentadas no P.A. Boa União

Zona rural Unaí 34,9% 35 Zona rural outro município 26,1% 26 Cidade de Unaí 32,6% 33 Outra cidade 6,4% 6

91

Alguns dos trabalhadores que ocuparam a Fazenda São Paulo já tinham relação com a FETAEMG,

pela experiência da ocupação da Fazenda Nova Lagoa Rica, em Paracatu.

92 Em outras ações de ocupação no município de Unaí, tendo como atores trabalhadores que participa-

ram do acampamento Palmital/Barriguda, como é o caso também da Fazenda Campinas (P.A.

Renascer), não houve acompanhamento do MST. Como foi descrito no capítulo 4, a ação do MST na

região noroeste de Minas teve como prioridade os municípios de Buritis e Arinos.

93 O período de acampamento é definido pelos assentados a partir da ocupação até a criação do projeto,

quando se realizou a primeira demarcação dos lotes.

Page 104: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

90

Total 100% 100 famílias

Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.

A desapropriação da área ocorreu em 22/10/96 e a emissão de posse,

em 10/12/96, sendo o ato de criação do Projeto de Assentamento Boa União

decretado em 26/12/9694. Apesar do período de tempo relativamente curto,

entre a ocupação e a criação do projeto, este se caracterizou por acirrados

conflitos entre os trabalhadores acampados e os funcionários da fazenda,

liderados pelo gerente, sobretudo no período anterior à desapropriação.

Com a criação oficial do projeto, os trabalhadores começaram, no início

de 1997, a medir por conta própria a área total da fazenda com o objetivo de

demarcar os lotes de cada família. Essa demarcação foi coordenada pelo líder

do acampamento, com a presença do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de

Unaí e da FETAEMG, sendo esse processo denominado "medida paraguaia".

A intenção desses trabalhadores era agilizar o processo de demarcação dos

lotes, garantindo a autonomia de decisão da própria organização das famílias

acampadas, não esperando a ação do INCRA95. O critério utilizado pelas

lideranças para distribuição dos lotes teria sido o nível de participação ao longo

de todo o processo de luta pela conquista da terra, como a permanência no

acampamento. Alguns dos trabalhadores participaram do acampamento com

todos os membros da família. Isso possibilitava que o chefe da família saísse

durante o dia ou, até mesmo, durante a semana para trabalhar com a garantia

de seu retorno ao acampamento. FERREIRA NETO (1999), em sua análise

sobre a ação coletiva de luta pela terra, afirma que a presença da família

(mulher e filhos) no acampamento significa, dentre outras questões, que o

compromisso do chefe da família com a luta é uma garantia de que não irá

abandonar a ação, o acampamento96.

94

Segundo INCRA (SR-28), 1998.

95 De certa forma, os acampados na Fazenda São Paulo seguiram o exemplo de organização do

acampamento na Fazenda Campinas (P.A. Renascer) de se adiantar a ação de demarcação feita pelo

INCRA, porém com resultados bastante diferentes, como se verá nas análises seguintes.

96 Relatos de trabalhadores assentados identificam que algumas mulheres que acompanharam todo o

processo de acampamento hoje têm problemas de saúde adquiridos pela longa permanência nos

barracos de lona preta, devido às altas temperaturas. Essa foi uma das questões apresentadas por

algumas das famílias que não concordaram com a intervenção do INCRA na distribuição dos lotes.

Page 105: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

91

Com isso, estabeleceu-se novo impasse com o INCRA, pois o órgão

governamental não aceitou o critério adotado nessa demarcação e,

conseqüentemente, a forma de distribuição dos lotes. Somente em outubro de

1997 é que a área foi novamente medida, realizando-se um sorteio entre os

assentados como forma de distribuição dos lotes. A ação do INCRA teve

respaldo daqueles que se sentiam prejudicados na distribuição feita pelas

lideranças do acampamento - dados o tamanho e a localização de seus lotes -

e, sobretudo, dos ex-funcionários da fazenda, que, a partir da desapropriação,

reivindicavam também o direito de permanecerem na área.

Essa intervenção do INCRA aumentou o conflito entre os próprios

assentados quando decidiu que os ex-funcionários da fazenda não entrariam

no sorteio. Os lotes destinados a eles seriam demarcados próximos à suas

antigas casas, na região em torno da sede da fazenda, local servido de alguma

infra-estrutura como água97, curral e galpão. A discordância dos trabalhadores

acampados, sobretudo das lideranças, ocorria a partir do argumento de que

essas famílias nada fizeram para conseguir a desapropriação da área e

estariam ficando com os melhores lotes, sem mesmo entrarem no sorteio,

como todas as outras. Porém, a ação do INCRA encontrou apoio entre aqueles

que se sentiam prejudicados pela "medida paraguaia", o que facilitou e

referendou a decisão da realização do sorteio, que foi decidida pelo órgão

governamental, mas respaldada em assembléia geral. Esse fato, envolvendo

as cinco famílias de ex-funcionários da referida fazenda, pode ser interpretado

como um caso típico de um "carona", pois foram beneficiados pela ação do

conjunto dos trabalhadores acampados, porém assumindo posição de não-

cooperação durante todo o processo de ocupação. Isso foi agravado pelos

conflitos iniciais entre estes e os trabalhadores que ocuparam a fazenda, como

descrito anteriormente. Com base em FERREIRA NETO (1999), tal fato pode

ser interpretado como sendo incomum no processo de luta pela terra. Esse

autor afirma que a postura da não-cooperação assumida por parte dos

interessados no acesso à terra, como foi o caso dos ex-funcionários, não é

uma estratégia viável, pois a regra básica para esse tipo de ação coletiva é

beneficiar aqueles que participam dos riscos do processo. Diferentemente de

97

O único poço artesiano em toda a fazenda é localizado na sede.

Page 106: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

92

ações coletivas, cuja conquista pode ser considerada um "bem público", o que

não é o caso da conquista do assentamento, pois nem todos sem-terra terão

direito a um lote, portanto não sendo caracterizada, por esse aspecto, como um

"bem público"98.

A discordância a respeito do tamanho dos lotes e da forma de

distribuição na “medida paraguaia” se deve à grande heterogeneidade da área

da fazenda, em termos de qualidade dos solos, acesso a água e topografia.

Contudo, mesmo o trabalho de divisão dos lotes realizado pelos técnicos do

INCRA não conseguiu solucionar tal problema, mantendo a diversidade entre

os lotes. Outro fator que levou o INCRA a intervir na demarcação do lotes foi a

delimitação da área de reserva legal. Este problema, envolvendo outro órgão

governamental, o IEF - Instituto Estadual de Florestas, foi resolvido, após a

intervenção do INCRA, com o estabelecimento de uma área de reserva

coletiva. Tal solução passou a ser um novo entrave para os assentados, devido

ao fato de que aqueles que possuem seu lote limitando com essa área comum

usá-la como se fosse parte de seu lote, e não uma área coletiva, ocorrendo

alguns casos de prolongamento das cercas divisórias.

O que de fato ocorreu foi uma decisão burocrática de se realizar um

sorteio, desconsiderando-se o nível de participação das famílias no processo

de luta pela posse da terra, numa atitude que beneficiou apenas os ex-

funcionários da fazenda. Ao não aceitar uma decisão autônoma dos

trabalhadores, o INCRA potencializou o conflito entre eles sem, contudo,

conseguir solucionar o problema da discrepância entre os lotes. Outra

conseqüência perversa da decisão do INCRA foi a perda de todo o trabalho já

realizado anteriormente nos lotes "paraguaios", pois nada foi ressarcido,

inclusive muitas famílias não puderam nem mesmo colher suas plantações

devido ao grau de discórdia entres elas99. Como conseqüência para a

organização interna do assentamento, ocorreu o afastamento das lideranças

que emergiram no processo de acampamento da coordenação dos trabalhos

daquela associação. Ainda hoje, o descontentamento e a discordância com

98

Para FERREIRA NETO (1999), o que caracteriza um "bem público" é o princípio da "inexcludabilida-

de", ou seja, é o resultado de uma ação coletiva e que, uma vez obtido, nenhum indivíduo pode ser

privado de sua utilização ou de ter acesso a ele.

99 As famílias ficaram nos "lotes paraguaisos" durante quase um ano.

Page 107: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

93

relação à demarcação dos lotes é uma das principais polêmicas entre os

assentados neste projeto.

Foram assentadas, dessa forma, as 100 famílias, em lotes individuais

variando de 21,5 a 68 ha. Como forma de organização dos trabalhadores

assentados e até mesmo pela exigência do INCRA, foi criada a Associação dos

Pequenos Produtores Rurais do P.A. Boa União, que representa todos os

assentados legal e politicamente. As famílias estão distribuídas em três grupos,

com base na localização do lote: Barriguda, Laranjal e Sede. Essa divisão

proporciona a cada um deles maior homogeneidade em termos dos problemas

enfrentados pelas famílias, além de facilitar a participação em reuniões, que

são realizadas separadamente, por grupos, em locais mais próximos dos

lotes100. Somente as reuniões deliberativas, como as assembléias, são

realizadas de forma centralizada, as demais reuniões de informação ou de

formação/capacitação são feitas por grupo, sob a coordenação de seu líder.

Apesar da participação do MST na capacitação de algumas lideranças

deste assentamento, na época do acampamento Palmital/Barriguda, e da

participação do movimento sindical, via STR e FETAEMG, atualmente a

Associação é a única mediadora desses assentados junto ao poder público,

seja o INCRA, seja a prefeitura ou seja a EMATER, sendo esta a responsável

pela assistência técnica no assentamento via o programa LUMIAR. Chama a

atenção o fato de que, apesar de esses trabalhadores terem protagonizado

uma luta típica daquela conduzida pelos trabalhadores rurais sem-terra, após a

criação do assentamento, eles não se vêem como assentados, como ex-sem-

terra. Até mesmo a denominação da Associação faz referência a pequenos

produtores e não a assentados. Além do mais, nos documentos analisados,

seja da associação, seja de órgãos como a EMATER, esses trabalhadores são

denominados de "parceleiros", fato que se repete em outros assentamentos

como o P.A. Palmeirinha.

A falta de identificação dos assentados no P.A. Palmeirinha, com a

categoria sem-terra, pode ser entendida pela trajetória social desses

trabalhadores, pela forma como a luta na região foi conduzida e pela pouca

100

Os problemas comuns aos lotes de cada grupo se referem à dificuldade de acesso e às condições

físicas, como fertilidade dos solos, topografia e escassez de água, pois os grupos foram definidos a

partir de sua localização na área do assentamento.

Page 108: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

94

representatividade, naquele contexto, da expressão sem-terra. Daí eles, com a

corroboração do INCRA, se autodenominarem parceleiros. Contudo, no P.A.

Boa União a trajetória de luta dos trabalhadores assentados foi muito

semelhante àquela percorrida tipicamente pelo Movimento dos Trabalhadores

Rurais Sem-Terra. No entanto, a identificação deles com os movimentos

sociais de luta pela reforma agrária é, de certa forma, negada por eles próprios

e pelos agentes externos, sobretudo os órgãos governamentais. Essa

interpretação pode ser feita a partir do valor pejorativo que eles mesmos

atribuem ao termo assentado, bem como por influência do INCRA, negação de

qualquer vinculação ideológica e política na luta pela reforma agrária.

A ausência no município de Unaí de mediadores, com relações mais

fortes com a questão da reforma agrária, como o MST, a FETAEMG e outros

como CPT e ONG's, não tem possibilitado a ampliação da discussão política e

estrutural do processo de acesso à terra, dificultando a afirmação desses

trabalhadores enquanto assentados e não como “novos pequenos

proprietários”. Nesse sentido, apesar do longo e complicado processo de luta

pela terra, nesse projeto de assentamento os trabalhadores beneficiados ainda

não conseguiram criar uma identidade que reflita objetivamente suas trajetórias

de vida, bem como uma ação transformadora das condições sociais nas quais

eles se inserem.101

5.3.2. A formação social do assentamento

Segundo os dados da Tabela 19, que se refere à origem das famílias

assentadas no P.A. Boa União, percebe-se que a maioria é proveniente do

meio rural, seja do município de Unaí, 35%, seja de municípios vizinhos, 26%.

Através da Tabela 20, observa-se que a maioria desses trabalhadores era

composta de assalariados fixos, desenvolvendo trabalhos como vaqueiros e

lavradores. Havia, também, pequena parcela, cerca de 9%, que trabalhava

como parceiro em outras áreas. A atividade de bóia-fria, exercida por 22% dos

entrevistados, refere-se a moradores do meio rural e da periferia da cidade de

Unaí.

101

O mesmo se observa no P.A. Palmeirinha.

Page 109: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

95

Apesar de o número de moradores do meio rural ser bastante superior

ao dos trabalhadores do meio urbano, conforme os dados da Tabela 19, esse

assentamento evidencia uma tendência de aumento de trabalhadores oriundos

das cidades como beneficiários da luta e da política de implementação de

assentamentos rurais. Particularmente, isso reflete a crescente participação

dos trabalhadores temporários, como os diaristas e os bóias-frias, na luta pela

reforma agrária, exercendo sua atividade profissional no meio rural, mas que,

em grande parte, residem na cidade. É nesse sentido que MEDEIROS e LEITE

(1998) apontam a necessidade de se reconceituar a demanda por terra e de

conhecer as circunstâncias em que ela emerge, a partir da constatação das

diversas origens dos beneficiários de projetos de assentamentos rurais.

Tabela 20 - Atividade exercida pelos assentados antes da implementação do P.A. Boa União

Parceiro 8,7% 9 Atividade urbana 10,9% 11 Trab. Rural fixo 47,9% 48 Bóia fria 21,8% 22 Desempregado 2,3% 2 Outros 8,4% 8 Total 100% 100 famílias

Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.

O assentamento representou, dessa forma, para aqueles trabalhadores

rurais a oportunidade de continuarem suas atividades no meio rural em sua

própria terra, como assentados, isto é, como uma alternativa à migração para a

cidade, bem como ao emprego temporário, que na região constitui como única

atividade geradora de renda para muitas famílias. A possibilidade de possuírem

sua própria área e principalmente o acesso ao sistema de crédito subsidiado é,

Page 110: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

96

para essas famílias, a garantia de melhoria na qualidade de vida pela entrada

em um novo ciclo gerador de renda, a terra. É a concretização de uma

realidade em que os trabalhadores vivem e trabalham em sua própria terra que

se contrapõe a uma conjuntura em que o assalariamento temporário, cada vez

mais difícil, se apresentava como única alternativa de sobrevivência. Trata-se

do que GUANZIROLI (1994a, b) define como custo de oportunidade, tanto para

aqueles do meio rural, que são, cada vez mais, afetados pelo desemprego

tecnológico102, quanto para os trabalhadores em áreas urbanas.

Tabela 21 - Faixa etária média dos chefes de famílias assentadas no P.A. Boa União

Menos de 25 anos 4,2% 4 Entre 26 e 35 anos 28,3% 28 Entre 36 e 45 anos 30,6% 31 Entre 46 e 55 anos 26,1% 26 Acima de 56 anos 10,8% 11 Total 100% 100 famílias

Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.

Outra característica do P. A. Boa União que o diferencia do P.A. Palmeirinha é a menor faixa etária

média dos chefes de famílias. Nesse assentamento, a predominância de famílias jovens, como se evidencia na Tabela 21. São, de modo geral, filhos de pequenos agricultores, alguns, inclusive, filhos de assentados em projetos mais antigos, que viram na reforma agrária a possibilidade de continuar trabalhando no meio rural. Assim, a luta e a

conseqüente política de implementação de assentamentos rurais permite também, a continuidade da estrutura familiar de produção a partir do momento em que beneficia os filhos desses agricultores.

5.3.3. Atividades produtivas e relação com o mercado

102

Principalmente na atividade de pecuária leiteira, com a adoção de tecnolgias modernas como a

ordenha mecânica e outras que estão cada vez mais sendo exigência do mercado, pois esta é uma

das principais atividades geradoras de emprego no meio rural unaiense, juntamente com a

substituição da mão-de-obra por máquinas no sistema de produção de grande parte dos produtos

agrícolas, como milho, feijão, algodão e soja, que estão cada vez mais tecnificados.

Page 111: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

97

As famílias assentadas neste projeto começaram a ter acesso às linhas de crédito a partir de 1997. Receberam, no início daquele ano, o crédito de fomento e alimentação, que, somados, garantiu-lhes um recurso no valor de R$ 1.080,00 por família. O crédito habitação, no valor de R$ 2.500,00, foi liberado após a demarcação e distribuição oficial dos lotes, realizado pelo INCRA através de sorteio, no final de 1997. Esse recurso foi repassado para a Associação, que comprou o material de construção coletivamente, e cada família construiu a sua própria casa. Com isso, diferentemente do projeto de assentamento Palmeirinha, há certa padronização entre os lotes, em termos de moradia. A Figura 8 é um exemplo de casa-padrão no assentamento Boa União.

Figura 8 - Estilo de moradia no projeto de assentamento Boa União.

Foi a partir da safra 1998/99 que esses trabalhadores assentados tiveram acesso aos créditos de investimento e custeio. A primeira parcela do PROCERA-Investimento

Page 112: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

98

foi liberada em outubro/novembro de 1998, juntamente com o primeiro projeto de custeio, que seguirá o mesmo prazo de carência do investimento para o pagamento, três anos. O restante do crédito de investimento estava previsto para ser liberado em mais duas parcelas. Em média, cada família recebeu cerca de R$ 1.700,00 do PROCERA - Custeio e R$ 3.300,00 do investimento. Contudo, na safra 1997/98, sem a utilização do crédito de investimento e de custeio, a produção se restringiu ao cultivo de milho e arroz, basicamente para a subsistência da família.

Na Tabela 22, mostra-se a situação dos assentados em relação ao acesso a essas diversas linhas de crédito. A sua análise evidencia uma uniformidade entre as famílias; com poucas exceções, 91 famílias tiveram acesso a todas as linhas. Uma análise comparativa com a situação do P.A. Palmeirinha indicou que um fator relevante para essa realidade do P.A. Boa União foi o momento de sua implementação, momento esse de maior ou de melhor desempenho do governo federal na continuidade da política de implementação de assentamentos rurais.

Tabela 22 - Situação dos assentados no P.A. Boa União diante das linhas de crédito

Acesso a todas as linhas de crédito 91,3% 91 Não recebeu crédito habitação 4,3% 4 Não recebeu crédito alimentação 2,2% 2 Não recebeu crédito habitação e alimentação 2,2% 2 Total 100% 100 famílias

Page 113: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

99

Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.

Um problema inerente aos recursos destinados aos investimentos nos

lotes foi, porém, a sua liberação antes de serem resolvidos os problemas de

infra-estrutura103, particularmente o acesso à água, o que dificultou a

elaboração de um planejamento de como investir na área. Dessa forma, as

opções de investimento se restringem a algumas poucas alternativas de

produção que, geralmente, envolvem altos riscos para o assentado. É o caso

da compra de gado, que, apesar de ser uma constante no planejamento da

maioria dos assentados, apresenta o risco de perda das criações na época

mais seca do ano, além de envolver volume maior de investimentos como

condição de rentabilidade. A opção em investir na pecuária, de forma a obter

renda com o leite e, esporadicamente, com a venda de bezerros, pode ser

entendida como resultante de três fatores: a tradição em se realizar tal

atividade nas pequenas propriedades do município, a falta de infra-estrutura

para possibilitar a execução de outras atividades e a completa falta de

discussão sobre a diversificação da produção104.

A análise comparativa dos lotes deixa claro que a limitação do acesso

à água e o baixo nível de fertilidade dos solos, além das precárias condições

de acesso à grande parte dos lotes, são fatores preponderantes na diversidade

das situações observadas. A problemática da escassez de água se estabelece

como impasse com o INCRA e outros órgãos, em nível estadual, como a

COPASA. Os assentados, através da Associação, estavam negociando, desde

a demarcação dos lotes, a perfuração de poços artesianos, para que aquela

limitação fosse superada, a qual ultrapassava a questão da produção

agropecuária, chegando a ser impedimento para o estabelecimento das

famílias nos lotes, pois algumas delas percorriam grandes distâncias para

buscar água para consumo.

103

LEITE (1994), em seu estudo no Estado de São Paulo, afirma a importante relação entre a ação do

Estado na implementação de infra-estrutura nos assentamentos e a viabilidades econômica e

produtiva desses projetos.

104 Deve ser considerado também o perfil da assistência técnica, que nesse caso é feita pela EMATER,

predominando ou reproduzindo as atividades tradicionais do município.

Page 114: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

100

O abastecimento de água é feito basicamente pelos córregos da

Barriguda, Pontinha, Capão Verde e São Pio, além do rio Preto, que corta o

assentamento105. A escassez de água se agrava na seca, uma vez que todos

os córregos não dispõem de água corrente entre os meses de julho e

setembro, e somente o rio Preto é permanente, porém apresenta problemas

com a qualidade de sua água para consumo humano, pois a poluição se

intensifica nessa época.

Já a questão da superação da baixa fertilidade e da alta acidez dos

solos de parte dos lotes, sobretudo na primeira safra, foi prejudicada devido ao

atraso na liberação dos recursos106 e ao compromisso não cumprido por parte

de empresas fornecedoras de calcário, que chegaram a receber adiantado pela

venda do produto e não o entregaram aos assentados, alegando dificuldade de

acesso aos lotes107. Alguns assentados tiveram seu produto descarregado em

áreas distantes, o que provocou a perda total do calcário.

Com relação aos problemas relativos às condições naturais das áreas

desapropriadas para implementação dos assentamentos rurais, bem como a

sua localização, MEDEIROS et al. (1998) afirmam que tais questões se

refletem nas possibilidades de sustentabilidade dos projetos. Para esses

autores, as intervenções fundiárias são dispersas, pontuais e desarticuladas. O

governo atua somente com a possibilidade de obtenção das terras, segundo o

nível dos conflitos existentes. Não há verificação da existência de mercados

para os produtos, necessidade de construção de estradas, estruturas

produtivas, qualidade das terras e uma previsão de apoio financeiro para as

áreas de saneamento e de educação.

As famílias, no momento da pesquisa de campo, estavam na

expectativa da colheita de suas lavouras e ainda usavam parte dos recursos

creditícios para subsistência na área. Muitos desses trabalhadores assentados

105

Apesar da presença do rio Preto, somente 20, dos 100 lotes, têm acesso direto a esse importante

recurso hídrico, por terem sido plotados em sua margem.

106 A primeira parcela do investimento, bem como o custeio agrícola para a safra 1998/99, foi liberada

entre outubro e novembro de 1998, bastante tarde em termos de ano agrícola. As primeiras etapas do

processo produtivo, como o preparo do solo, deveriam iniciar-se em agosto/setembro.

107 A correção da acidez dos solos, feita com a aplicação de calcário, é uma etapa essencial para a

produção em solos de cerrados. A época mais correta para a realização dessa atividade seria em

agosto/setembro, porém com o atraso na liberação dos recursos a compra foi efetuada no mês de

outubro; com o início das chuvas e a precariedade das estradas, os caminhões não conseguiram

levar o produto até os lotes.

Page 115: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

101

exerciam a atividade de bóia-fria antes de conseguirem seu lote, e, apesar de

já estarem assentados, alguns continuaram por determinado tempo se

empregando temporariamente, particularmente nos momentos iniciais do

assentamento, garantindo uma renda mínima para a família. Esse tipo de

atividade foi impulsionado pela grande demanda por diaristas na região onde

se localiza o assentamento, em razão das grandes fazendas produtoras de

feijão e de outros produtos que necessitam de mão-de-obra, sobretudo, na

etapa da colheita.

Essa constatação não permite que se interprete o assentamento como

mero reservatório de mão-de-obra. É preciso observar que a necessidade de

se empregar como bóia-fria foi momentânea, surgindo num período em que os

assentados ainda não tinham condições de produzir, nem mesmo para a

subsistência da família. Durante a primeira safra, antes mesmo de saber os

resultados, a grande maioria dos assentados já alegava a possibilidade de não

mais precisar voltar à condição de bóia-fria. Em que pesem as análise de

autores como GUANZIROLI (1994), que tem chamado a atenção para o fato de

que os projetos de assentamentos que melhor se desenvolveram foram

aqueles que tinham na produção interna e na relação com o mercado sua

principal atividade108; o assalariamento, mesmo que temporário, pode-se

apresentar como outra fonte de renda, principalmente se levar em

consideração os problemas iniciais do projeto para o desenvolvimento de

atividade produtiva e a questão da demanda por trabalhadores assalariados na

região.

ROMEIRO et al. (1994), analisando os dados da pesquisa da FAO,

afirmam que são diversas as fontes de renda dos assentados e que a renda

proveniente de atividades não-agrícolas no interior dos lotes é um fator

importante para homogeneização de rendas entre as famílias assentadas.

Esses autores argumentam que as famílias que produzem menos são

justamente as que possuem maior renda originada de atividades não-agrícolas.

Para além dos problemas enfrentados pelos assentados no início da

consolidação do projeto, como apontado anteriormente, a renda obtida pelo

assalariamento de membros da família assentada significa também a

108

Estas análises se referem ao resultado da pesquisa realizada pela FAO: principais indicadores

socioeconômicos dos assentamentos de reforma agrária.

Page 116: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

102

capacidade de sobrevivência da pequena produção, quando as condições para

a produção agrícola no próprio lote não são favoráveis, como a qualidade da

terra, a escassez de água, o potencial de trabalho da família etc. Dessa forma,

Ademar Romeiro concluiu que esse tipo de geração de renda deve ser avaliado

positivamente e não pelo aspecto negativo, em razão das dificuldades da

pequena produção em gerar suficiente renda agrícola capaz de manter esses

agricultores na terra.

A organização da produção nesse assentamento é feita de forma

individual109, destacando-se a produção agrícola como a principal atividade

desenvolvida pelos assentados e acentuando o cultivo de milho e arroz,

conforme evidenciam os dados das Tabelas 23 e 24. Apenas uma parcela,

sobretudo os que possuem lotes próximos à antiga sede, estava trabalhando

com pecuária leiteira, aproveitando a infra-estrutura existente110, basicamente

aqueles que já trabalhavam com essa atividade enquanto funcionários da

fazenda. Essas famílias comercializam o leite na CAPUL, via atravessador, um

produtor cooperado, vizinho ao assentamento, que diariamente recolhe a

produção desses assentados e a entrega na cooperativa. A relação com essa

cooperativa é um fator semelhante ao do P.A. Palmeirinha, porém com uma

organização ainda mais precária. Nessa área, ainda não há tanques de

resfriamento do leite e inexiste a organização de grupos, como no

assentamento analisado anteriormente.

Além desses produtos, podem-se notar alguns plantios de mandioca,

abóboras, cana-de-açúcar111 e outros que se destinam à alimentação da

família, além de pequenas criações de aves e suínos restritos a alguns lotes

onde a falta d'água é menos acentuada. O milho e o arroz são os produtos

cultivados pelos assentados utilizando o PROCERA-Custeio e assim

entendidos como fonte de renda ou atividades praticadas com o objetivo de

obtenção de lucro. Outros produtos, como mandioca e pequenas criações,

109

A primeira experiência de produção coletiva estava em fase de planejamento: três famílias estavam

preparando a terra para cultivar feijão irrigado na margem do rio Preto, numa área de 3 ha.

110 Contudo, várias famílias planejavam começar esta atividade em seus lotes, com a liberação das próximas parcelas do PROCERA - Investimento.

111 Para as famílias que têm na pecuária leiteira a principal atividade, o plantio de cana-de-açúcar tem o

objetivo de complementar a alimentação do gado na época em que a seca se agrava.

Page 117: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

103

devem ser considerados na análise da renda de autoconsumo. Como no P.A.

Tabela 23 - Principal atividade produtiva no P.A. Boa União

Lavoura 71,8% 72

Pecuária 13,0% 13

Lavoura e pecuária 6,6% 7 Lav., pec e assal. chefe da família 2,1% 2 Outros 2,2% 2 Não respondeu 4,3% 4 Total 100% 100 famílias

Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.

Tabela 24 - Principal produto produzido pelos assentados no P.A. Boa União

Milho 65,3% 65 Feijão 2,2% 2 Leite 4,3% 4 Milho e arroz 13,0% 13 Outros 8,6% 9 Não respondeu 6,6% 7 Total 100% 100 famílias

Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.

Page 118: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

104

Palmeirinha, o conceito de renda para esses assentados, está relacionado com

a obtenção de lucro através da venda de seus produtos, especialmente

daqueles produzidos utilizando o sistema de crédito.

A viabilização da produção e a consolidação do projeto de

assentamento, sobretudo o desenvolvimento das atividades agropecuárias, é a

questão central discutida pelos assentados. Dessa forma, a relação com os

órgãos vinculados à assistência técnica e, principalmente, aos ligados à

liberação dos recursos sobrepõe as demais. Apesar da participação ativa do

STR de Unaí no período da implementação desse assentamento112, na

atualidade essa entidade não é muito lembrada como importante. Para alguns,

o STR não tem feito "nada" para o assentamento. Isso demonstra que, a partir

da conquista da terra e do início do acesso a políticas públicas que possibilitam

a viabilização da produção no assentamento, o STR passa a não ser mais um

mediador importante. A partir desse momento há o reconhecimento, por parte

dos assentados, de que a EMATER, a prefeitura e particularmente o INCRA

são os principais órgãos para o desenvolvimento do projeto, e o único

mediador, entre os assentados e os técnicos desses órgãos, passa a ser a

Associação.

Nesse contexto de definição do modo de vida e produção no

assentamento, as relações estabelecidas entre a Associação e os órgãos

governamentais passam a ser vistas como as mais importantes. A própria

análise dos assentados sobre o papel da Associação coloca como principal

atribuição a sua intermediação com esses órgãos, que gerenciam tanto o

crédito como a assistência técnica113. Essa perda de referência política e de

afastamento do movimento sindical indica que, apesar do importante e

reconhecido papel do sindicato na mobilização pela conquista da terra, sendo

um dos principais mediadores com o INCRA na fase de viabilização da

produção, ele não consegue definir uma política clara de intervenção junto com

os assentados. A análise dos dados da Tabela 25 evidencia que há inversão de

112

Existiam três diretores da entidade no acampamento, inclusive o presidente da época, e ainda há um

assentado na direção do sindicato.

113 Todos os projetos para custeio de lavoura, bem como de investimento, foram elaborados pelos

técnicos da EMATER, empresa responsável pelo acompanhamento técnico neste assentamento

através do programa LUMIAR/INCRA.

Page 119: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

105

importância dada ao movimento sindical - STR e FETAEMG - com o INCRA e

EMATER a partir da criação do projeto.

Tabela 19 - Principais mediadores até o momento da criação do assentamento e atualmente no P.A. Boa União

Antes da criação Atualmente

INCRA 13,0% 43,5% STR 56,6% EMATER 2,2% 23,9% INCRA e EMATER 13,1% FETAEMG 13,0% 2,2% Prefeitura 2,2% 2,2% Líder do acampamento 2,2% Associação 6,5% Outros 6,5% 6,4% Não respondeu 4,3% 2,2% Total 100% 100%

Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.

5.3.4. Relação com o poder público municipal e as demandas por políti-cas públicas

No processo de organização desses trabalhadores, visando à

conquista do acesso à terra, com o estabelecimento do conflito entre

latifundiário e sem-terra, houve o envolvimento de outros setores, inclusive das

políticas local e regional, como um ex-deputado estadual e atual prefeito de

Paracatu114, em torno da luta pela reforma agrária. Dessa forma, a ação de

ocupação da fazenda, gerando um conflito social e político, possibilita ação

114

Eleito pelo Partido dos Trabalhadores, que de forma geral se posiciona favorável à organização dos

trabalhadores rurais sem terra.

Page 120: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

106

conjunta e coordenada envolvendo setores favoráveis à reforma agrária,

proporcionando auxílios aos trabalhadores sem-terra, do tipo cestas básicas,

materiais para construção dos barracos e também de mediação com órgãos

em Brasília e Belo Horizonte. Porém, novamente pode-se perceber que, depois

dessa fase inicial, após a implementação do projeto essa ação aglutinadora de

interesses se dilui e esses trabalhadores, agora assentados, ficam diante de

novas estruturas de mediação, destacando-se as relações com os órgãos

governamentais, marcadas pelo personalismo e pela particularidade.

Como foi possível perceber nas análises do P.A. Palmeirinha, as

relações que se estabelecem entre os assentados e esses novos mediadores,

especialmente a prefeitura, são caracterizadas pela inserção das lideranças

desses trabalhadores no cenário político local. Diferentemente do P.A.

Palmeirinha, no assentamento Boa União, as lideranças não têm maior vínculo

com os atores políticos locais, podendo ser explicado pelo significativo número

de famílias provenientes de outros municípios nesse assentamento; de certa

forma, essas famílias ainda não mantinham vínculos com aqueles atores

políticos. Em que pese a experiência de alguns assentados como um ex-

presidente do STR e de outros que foram diretores dessa entidade, a

expressão e a participação política das lideranças do P.A. Boa União podem

ser consideradas menores do que nos outros dois assentamentos pesquisados.

Essa condição também explica, em parte, as dificuldades de relacionamento

com o poder público local, principalmente no que se refere ao atendimento de

suas demandas com a prefeitura.

Outro aspecto observado nos relatos dos assentados sobre a relação

com a administração municipal e que proporciona esse frágil contato entre

prefeitura e a comunidade em questão se refere ao resultado da última eleição

para deputado, em outubro de 1998. Segundo os próprios assentados, essa

comunidade representou um peso eleitoral significativo em favor do candidato

de oposição ao atual prefeito; assim, existem rumores de que teriam "traído o

prefeito". Isso evidencia que o assentamento em si não quebra a prática

política da região, que continua sendo com base na troca de favores, pois é o

resultado nas urnas que garante o atendimento das demandas. Como já foi

referenciado anteriormente, esse é um dos principais problemas com relação à

possibilidade de descentralização da reforma agrária, principalmente em

Page 121: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

107

municípios com características tipicamente conservadoras e clientelistas, o que

parece ser o caso em estudo.

Tabela 26 - Principais demandas dos assentados no P.A. Boa União junto à prefeitura municipal

Saúde e educação 15,2% 15 Transporte e estrada 19,6% 20 Saúde, educação e estrada 63,0% 63 Água e luz 2,2% 2 Total 100% 100 famílias

Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.

Como na análise do P.A. Palmeirinha, os principais problemas

encontrados neste assentamento, além da precária infra-estrutura de

abastecimento de água, são as condições de acesso. A distância do projeto e o

péssimo estado de conservação das estradas dificultam o acesso à escola, e a

falta de uma política de assistência à saúde torna a qualidade de vida ainda

mais precária. Essas são as principais demandas reivindicadas pelas famílias

assentadas com a prefeitura municipal, conforme os dados da Tabela 26. As

crianças de idade escolar atualmente são transportadas para a escola na

Ruralminas115, que fica cerca de 12 quilômetros de distância da antiga sede da

fazenda, sendo o transporte bastante precário, devido ao estado de

conservação do ônibus e à dificuldade de acesso na época de fortes chuvas.

O assentamento é atendido por um agente de saúde, que é um assentado contratado pela prefeitura. Sua função é percorrer as casas para marcar consultas médicas e

115

Núcleo de colonização implementado pela RURALMINAS e que possui uma agrovila com escola e

posto de saúde.

Page 122: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

108

odontológicas, bem como para distribuir algum medicamento mais simples. Essa atividade garante a esse assentado o poder de mediador perante a prefeitura, além de se estabelecer como importante intermediário não só com relação aos serviço de saúde, mas também com relação a comércio, bancos, EMATER etc. pois a sua constante presença na sede do município lhe impõe uma série de pedidos e de favores das famílias assentadas a serem realizados na cidade. Os próprios assentados criticam, de certa forma, a postura do agente, que atua, segundo eles, de forma seletiva, visitando apenas a famílias que possuem maior contato de amizade, o que fortalece, assim, a política clientelista, com base nas relações pessoais e na troca de favores.

5.4. Projeto de assentamento Renascer

5.4.1. Antecedentes históricos

O histórico desse projeto de assentamento também está relacionado

com a participação de trabalhadores do município de Unaí no acampamento

Palmital/Barriguda, como ocorreu no P.A. Boa União. A área onde está

implementado o P.A. Renascer era denominada Fazenda Campinas e foi a

primeira a ser ocupada pelos trabalhadores que retornaram de Buritis após

vivenciarem a experiência de organização da luta pela terra junto com o MST.

No início do movimento de ocupação da fazenda Campinas, o líder do

acampamento era um trabalhador que já havia vivido a experiência de ser

liderança, nos moldes do MST, durante o acampamento em Buritis. Isso ajuda

a entender a grande identificação dos assentados com o MST, o que não

ocorre com a mesma intensidade no P.A. Boa União, apesar de suas

lideranças terem, em alguma medida, percorrido trajetórias semelhantes.

Segundo os dados apresentados na Tabela 27, 47,6% dos assentados

afirmaram que tomaram conhecimento da reforma agrária nesta área através

Page 123: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

109

do MST. A participação do movimento sindical, ou sua aproximação com esse

grupo, se deu, apenas, após o momento da ocupação, quando o movimento já

estava organizado.

A ação de mobilização do grupo e a entrada na área da fazenda

ocorreu sem a participação direta do sindicato. Dessa forma, o sindicato e a

FETAEMG somente aparecem como entidades importantes, na percepção dos

assentados, no processo até a divisão dos lotes, o que demonstra que, mesmo

não tendo ação direta na ocupação da área, há importante contribuição dessas

instituições no decorrer do processo de acampamento e de pressão para a

criação do assentamento. É nesse sentido que cerca de 28,6% dos assentados

apontaram o movimento sindical como o principal mediador até a

implementação do assentamento.

Tabela 27 - Principais mediadores no P.A. Renascer, no processo de ocupa-ção, durante o acampamento e atualmente

No processo de

ocupação

Principal mediador até a divisão dos

lotes

Principal mediador atualmente

MST 47,6% STR/FETAEMG 28,6% Líder do acampamento 9,5% Parentes e amigos 47,6% EMATER 9,5% INCRA 38,1% 76,2% Prefeitura e INCRA 14,3% Outros 19,0% Não respondeu 4,8% 4,8% Total 100% 100% 100%

Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.

No processo de ocupação da área, a primeira barreira enfrentada por

esse grupo de trabalhadores foi uma ação de despejo conseguida pelo

latifundiário, obrigando-os a se retirarem da área e acamparem à margem de

Page 124: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

110

uma rodovia, à espera de uma solução do INCRA. Sem respostas do órgão

governamental, esses trabalhadores ocuparam novamente a fazenda, como

forma de pressão. Através de um acordo com um fazendeiro vizinho, esses

trabalhadores acamparam na divisa entre a Fazenda Campinas e a

propriedade vizinha, à espera das negociações entre o INCRA e o latifundiário.

A partir desse momento, no qual a vistoria da fazenda já decretava que a área

se caracterizava como um latifúndio improdutivo, portanto, passível de

desapropriação, e que a conquista do assentamento era uma questão de

tempo, o acampamento passou a receber adesões, somando-se outras famílias

que se aproximaram, principalmente, através de relações de parentesco e

amizades. Essas relações não se deram somente com as famílias acampadas,

mas também com lideranças sindicais, que realizavam o trabalho de

cadastramento dos possíveis beneficiados.

Nesse contexto, foram incorporados ao grupo inicial uma família que já

residia na fazenda e outras que exerciam diversas atividades, principalmente

na cidade de Unaí. Se na composição do grupo que iniciou essa luta era

predominante a presença de trabalhadores volantes, os bóias-frias, as famílias

que chegaram ao longo do processo de acampamento possuíam experiências

diversas, destacando-se alguns com perfis um tanto quanto diferenciado

daqueles cuja trajetória de vida foi marcada pela exclusão e pela

marginalização social. São comerciantes, filhos de fazendeiros e

administradores de cooperativas de mão-de-obra, dentre outros. A participação

de algumas dessas famílias durante o processo de acampamento se

assemelha ao que se define como postura de um carona, particularmente por

não participarem de forma ativa, não correndo os riscos inerentes a um

processo conflitivo, como é um acampamento. A presença desses

trabalhadores no acampamento não era constante e não envolvia a família,

sendo que alguns chegaram a contratar outras pessoas para ficarem

acampadas em seus lugares, garantindo suas vagas. Não chega a ser uma

opção pela não-cooperação, como foi o caso dos ex-funcionários da Fazenda

São Paulo, pois eles contribuíram de alguma forma com transporte e foram, de

certa forma, porta-vozes, na cidade, dos trabalhadores acampados. Foi uma

atuação diferenciada, não ficando vulneráveis aos riscos do dia-a-dia do

acampamento.

Page 125: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

111

Há referências na literatura, como em FERRANTE e BERGAMASCO

(1992), de pessoas que entram no assentamento sem participar do movimento

de luta, simplesmente pela sua inscrição como possível beneficiário. Essas

famílias podem ser analisadas nesse aspecto, em que há basicamente duas

redes de relações que permitem inferir como e por que conseguiram acesso

aos lotes. A primeira é o relacionamento, através de uma cooperativa de mão-

de-obra, com os bóias-frias que ocuparam inicialmente a área, o que favoreceu

o acesso dos administradores dessa cooperativa ao acampamento. A segunda

rede de relações é formada por membros de uma mesma família, que no

momento da ocupação da área demandava a posse legal das terras116. São

pessoas com emprego fixo na cidade e que mantiveram relações com o

acampamento devido ao fato de a família possuir uma propriedade vizinha à

Fazenda Campinas. Alguns assentados desse grupo familiar afirmaram que

tinham direito de estar entre os beneficiados porque essas terras pertenciam à

sua família. Dessa forma, a ação dessa família em aderir à luta pela

desapropriação pode ser interpretada como uma tentativa de manter pelo

menos parte da área em seu poder, sendo alguns membros beneficiados com

a implementação do assentamento117. Esses fatos evidenciam que, apesar da

experiência de alguns desses trabalhadores com o MST, eles não foram

capazes de evitar a entrada de pessoas "estranhas à reforma agrária".

Demonstra também a fragilidade política do movimento sindical nesse

município, permitindo que essas famílias se cadastrassem como possíveis

beneficiárias da política de implementação de assentamentos.

A participação dessas famílias, definidas como "estranhas à reforma

agrária", no processo de implementação do assentamento não proporcionou

problemas internos à organização do projeto, pelo contrário, devido à própria

capacidade de liderança de alguns de seus membros, essas famílias acabaram

assumindo a direção política do assentamento. Segundo MEDEIROS e LEITE

(1998), alguns estudos de caso evidenciam situações de trabalhadores que,

"ante um processo de ocupação em curso, agregam-se à iniciativa, liderados

116

A antiga Fazenda Campinas era objeto de disputas judicias por duas famílias tradicionais de Unaí.

117 Um dos membros dessa família que foi beneficiado afirmou que seu lote, por direito, foi demarcado

numa área onde está localizada a sede da associação, uma antiga casa, e que, segundo ele, teria

sido a moradia de alguns de seus antigos familiares.

Page 126: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

112

por pessoas que nem sempre tinham fortes vínculos com os movimentos e que

acabaram mantendo certa autonomia em relação a eles". Nesse sentido,

apesar de existir uma vinculação da liderança do acampamento da fazenda

Campinas com o MST, após a criação do projeto de assentamento Renascer

abriu-se espaço para o surgimento de outras lideranças que não mantinham

vínculo direto com a luta pela terra.

Dessa forma foi criado o P.A. Renascer, numa área de 1.515 ha,

dividida em 45 lotes individuais, cujo tamanho varia entre 27 e 48 ha, sendo

cerca de 283,87 ha destinados à reserva legal. A desapropriação ocorreu em

18/07/1996, porém a emissão de posse e o ato de criação do assentamento

datam de 25/10/1996 e 02/12/1996, respectivamente. As 45 famílias

assentadas são representadas pela Associação dos Pequenos Produtores do

Projeto de Assentamento Renascer.

Com a desapropriação da área e a criação oficial do projeto de

assentamento, o processo de demarcação e distribuição dos lotes entre as

famílias beneficiadas teve rápida negociação com o INCRA. A área foi medida

e demarcada pelos próprios assentados e, diferentemente do que ocorreu no

P.A. Boa União, essa divisão foi aceita pelo órgão governamental, facilitando o

processo de assentamento. Ao contrário do que ocorreu no P.A. Boa União,

nesse caso houve ausência de fatores que pudessem potencializar o conflito

entre as famílias a serem beneficiadas. A relação entre os trabalhadores

acampados e as famílias que já residiam na área foi diferente, até mesmo

porque, na Fazenda Campinas, a única família moradora, apesar de manter

vínculos com o latifundiário, não partiu para o enfrentamento com os "sem-

terras" na defesa do latifúndio, como ocorreu na Fazenda São Paulo.

Outro fator que, diferentemente do processo do P.A. Boa União, não

trouxe conflito entre as famílias na divisão dos lotes foi a falta de infra-estrutura,

como poços artesianos, curral, galpões, casas etc., que pudesse favorecer

alguns lotes em detrimento de outros118. Ademais, a maior homogeneidade,

comparativamente à área do P.A. Boa União, em termos dos aspectos físicos

da fazenda, também permitiu que os lotes não apresentassem grande

118

A única infra-estrutura presente na Fazenda Campinas era uma casa, em condições precárias, que

passou a ser a única área coletiva do assentamento, uma espécie de sede da associação, onde são

realizadas as reuniões. O local de moradia da única família que vivia nessa fazenda não era servido

de infra-estrutura que pudesse gerar algum tipo de conflito.

Page 127: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

113

discrepância entre eles, o que geralmente é um fator de conflito e de

discordância entre as famílias na demarcação e distribuição das áreas

correspondentes a cada uma119.

Além desses fatores que contribuíram para um menor grau de conflito,

entre as famílias no processo de demarcação e distribuição dos lotes, deve-se

considerar também o perfil das lideranças e sua capacidade de ação nesse

processo de pressão e negociação com os órgão competentes. Com a criação

oficial do projeto de assentamento, muda a forma de atuação da organização

desses trabalhadores. Se a liderança do acampamento era um líder capacitado

para a coordenação de um processo de enfrentamento, característico do

momento de ocupação e acampamento, com a implementação do

assentamento a característica da ação desse coletivo passa a ser de

negociação com os órgãos governamentais. Além do menor nível de conflito

entre as famílias, foi menor também o acirramento entre as lideranças e os

técnicos do INCRA, diferentemente do que ocorreu no P.A. Boa União e no

P.A. Palmeirinha120.

A mudança na direção política da organização desses trabalhadores,

após a criação do projeto de assentamento, deve ser entendida como sendo o

resultado da relação entre a identidade do grupo e o discurso da liderança.

Num primeiro momento, durante o processo de ocupação, esse grupo possuía

uma identidade de trabalhadores sem-terra, tendo como liderança uma pessoa

com experiência de trabalho com o MST, com um discurso próprio da luta pela

terra, objetivo comum de todo o grupo. Após a conquista do assentamento, a

aglutinação em torno daquele objetivo comum se dilui em diversos interesses

em jogo, e a identidade de sem-terra é descartada pelos próprios assentados,

que preferem a identificação como pequenos produtores. O discurso das novas

lideranças, reafirmando a não-identificação com os sem-terra, facilitou a

aproximação com os órgãos governamentais, e os maiores capitais político e

119

Esta maior homogeneidade entre os lotes pode ser percebida até mesmo pela menor variação no

tamanho da área definida para cada família, considerando-se que um dos critérios para delimitar o

tamanho dos lotes eram justamente as suas condições físicas.

120 Num paralelo com o P.A. Palmeirinha, é necessário que se faça uma ressalva, devido aos contextos

políticos e administrativos diferenciados em que ocorreram os processos de criação deste

assentamento e dos demais, Boa União e Renascer.

Page 128: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

114

financeiro, em relação aos demais assentados, possibilitaram a concentração

de poder político nesse grupo.

Page 129: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

115

5.4.2. A formação social do assentamento

Uma característica marcante nesse assentamento é o alto índice de

beneficiários que residiam no meio urbano, e os dados apresentados na Tabela

28 indicam que 81% dos assentados residiam na cidade de Unaí, uma

característica bastante distinta dos outros dois assentamentos pesquisados,

onde a maioria dos beneficiados morava na zona rural de Unaí e de municípios

vizinhos. Uma relação com os dados da Tabela 29 permite analisar que as

trajetórias desses trabalhadores, que antes do assentamento residiam na

cidade de Unaí, são bastante diversas. Parte significativa desses assentados

(28,6%), conforme a Tabela 29, desenvolviam atividade como de bóia-fria e

diarista, e 33,2% exerciam diferentes atividades no meio urbano, como de

motorista, costureira, prestadores de serviços autônomos e vendedores

ambulantes, dentre outros. Os demais assentados, cuja origem é o meio rural,

desenvolviam atividades de parcerias, como meeiros e arrendatários, ou eram

trabalhadores fixos, como lavradores e vaqueiros, conforme demonstram os

dados da Tabela 29121.

Tabela 28 - Origem da família assentada

Zona rural Unaí 14,6% 7

Zona rural outro município 4,4% 2 Cidade de Unaí 81,0% 36

Total 100% 45 famílias

Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.

121

Dentre as atividades enquadradas no item outros da Tabela 29, estão: operadores de máquinas,

transporte de gado e gerente de fazenda, atividades essas relacionadas com o meio rural, porém

exercidas por trabalhadores que moram na cidade.

Page 130: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

116

Tabela 29 - Atividade exercida anteriormente ao assentamento

Parceiro 4,8% 2 Comerciante 9,2% 4 Atividade urbana 33,2% 15 Trab. Rural fixo 9,6% 4 Bóia fria 28,6% 13 Outros 14,6% 7 Total 100% 45 famílias

Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.

A atuação dos bóias-frias na luta pela terra no P.A. Renascer dever ser

percebida a partir das ações no MST no município de Unaí, atuando na

mobilização e organização dos trabalhadores para a conquista da terra. A ação

do MST na organização do acampamento Palmital/Barriguda foi apontada

pelas lideranças do movimento como uma estratégia para promover o avanço

na luta pela reforma agrária em toda a região e, de modo especial em Unaí, em

virtude do grande número de trabalhadores temporários existente no município.

Esse expressivo número de trabalhadores temporários pode ser analisado

como uma conseqüência do processo de desenvolvimento ao qual passou

esse município, sobretudo a modernização do setor agrícola, que possibilitou

grande fluxo migratório campo-cidade, sem aumento da oferta de empregos no

meio urbano. Contudo, na formação social desse assentamento há

discrepância entre este setor formado por trabalhadores temporários, cuja

trajetória de vida é marcada pela exclusão e pela marginalização do processo

de desenvolvimento, e outro significativo setor, formado por aqueles

assentados que exerciam atividades regulares no meio urbano. Dentre esse

grupo, destacam-se os assentados da família que demandava a posse local da

terra e aqueles que administram a cooperativa de mão-de-obra. A discrepância

Page 131: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

117

se dá em razão do perfil socioeconômico e político dessas pessoas, um tanto

quanto diferenciado dos demais assentados nesse projeto e nos outros dois

descritos anteriormente.

Para esses assentados, o significado do acesso à terra é bastante

diferenciado daqueles que lutam por um local de moradia e trabalho, às vezes

significando o resgate de um estilo de vida, interrompido devido à sua

marginalização no contexto da modernização agrícola. Tanto no P.A.

Palmeirinha quanto no Boa União, o assentamento é visto como o local de

moradia, de trabalho e de reprodução social enquanto pequenos produtores.

No P.A. Renascer, particularmente para estas famílias em questão, o

assentamento significa um local de geração de renda, de obtenção de lucro

através da atividade agrícola, sobretudo para os que mantêm moradia na

cidade. Principalmente aqueles que mantém suas atividades na cidade é

comum encontrar, em seus lotes, trabalhadores assalariados, inclusive

caseiros, numa realidade bastante distinta da lógica de produção da agricultura

familiar. Os lotes pertencentes a essas famílias se encontram num estádio de

desenvolvimento que contrasta com os demais. Isso se deve à geração de

renda extra no assentamento, bem como de maior capital inicial investido por

essas famílias, fazendo com que alguns lotes sejam servidos de infra-estrutura

inexistente nos demais lotes, como poços artesianos próprios e energia

elétrica. Não só o estádio de desenvolvimento de seus lotes, servidos de boa

infra-estrutura, mas também as relações sociais e econômicas dessas famílias

no meio urbano garantem a elas uma inserção no mercado local bastante

distinta dos demais.

A localização do projeto, sua proximidade da cidade e a facilidade de

acesso contribuem para entender os fatores que atraíram estas famílias de

perfil diferenciado do trabalhador sem-terra. É o assentamento mais perto da

cidade, são 22 km de distância, dos quais 15 km são pavimentados e os

restantes 7 km são de estrada sem asfalto, mas em bom estado de

conservação, o que facilita o deslocamento diário até a sede do município.

Essa característica pode ser explicativa pelo interesse dessas famílias nesta

área e não em outras como o P.A. Boa União, onde não foi encontrada uma

situação de tamanha discrepância em termos do perfil socioeconômico das

famílias beneficiadas.

Page 132: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

118

Apesar dessa diferenciação entre seus assentados, sendo uma

característica que o distingue dos demais projetos de assentamento

pesquisados, a expectativa geral dos beneficiados do P.A. Renascer é

semelhante à dos demais, uma busca pelo distanciamento da classificação

social como sem-terra/assentado e uma aproximação de estilo de vida dos

pequenos produtores tradicionais do município. Isso faz com que haja sintonia

entre a perspectiva de desenvolvimento das famílias com o discurso das

lideranças, sobretudo daqueles membros das famílias analisadas

anteriormente, havendo reconhecimento por parte de todo o assentamento

destas pessoas como sendo seus líderes. Como resultado, há uma espécie de

reprodução das relações de patronagem no interior desse assentamento,

devido à diferença de capital político e financeiro dessas lideranças, ocorrendo,

assim, uma "dependência" dos assentados, principalmente dos ex-bóias-frias,

em relação aos líderes, particularmente dos administradores da cooperativa de

mão-de-obra122.

5.4.3. Atividades produtivas e relação com o mercado

As principais atividades produtivas no P.A. Renascer estão relacionadas com a agropecuária, porém o assalariamento do chefe da família é, de certa forma, expressivo nesse assentamento. De acordo com a Tabela 30, cerca de 14,2% das famílias assentadas têm como uma das fontes de renda o assalariamento de algum de seus membros. Soma-se a este fato a permanência dos vínculos com as antigas atividades exercidas por alguns assentados na cidade e que pode não estar computado nos dados da Tabela 30, por não serem, necessariamente, assalariados.

Essas atividades extra-assentamento devem ser analisadas

122

Mantém uma relação existente antes da criação do assentamento, onde o trabalho do bóia-fria era

controlado por estes administradores da cooperativa, cuja principal atividade é o agenciamento de

trabalhadores temporários para os grandes produtores rurais do município de Unaí.

Page 133: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

119

numa perspectiva como a que ROMEIRO et al. (1994) apresentam, em que as diversas fontes de renda nos assentamentos garantem a sobrevivência e a reprodução enquanto assentado. Os referidos autores, em sua análise, acrescenta que nos lotes onde é menor a capacidade de produção agrícola tendem a ser maiores as fontes de renda não-agrícola, como também podem ser identificados alguns casos no P.A. Boa União e Palmeirinha. Portanto, a

Tabela 30 - Principal atividade dos assentados no P.A. Renascer

Lavoura 28,6% 13 Pecuária 4,8% 2 Lavoura e pecuária 52,4% 24 Lavoura, pecuária e assalariamento do chefe da família 14,2% 6 Total 100% 45 famílias

Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.

análise das famílias assentadas no P.A. Renascer e que mantêm atividades no meio urbano permite inferir que seus lotes são os que

possuem melhores condições de produção, contrariando a afirmação desses autores. Dessa forma, a visão predominante dessas famílias é de incapacidade da pequena produção em gerar suficiente renda agrícola

para a manutenção dos produtores na terra. Para estes, o assentamento não significa a única e principal atividade geradora de renda para a

família, avaliando, inclusive, que, para dar certo um assentamento, os assentados precisam ter outra fonte de renda.

Dentre as atividades agropecuárias desenvolvidas nesse

assentamento, destaca-se a produção de milho, feijão e arroz, com

diversificação na criação de frangos e suínos, conforme os dados da Tabela

31. Segundo o relatório da EMATER, o arroz, apesar de ser uma cultura

extremamente adaptada para essa área e ser importante na composição da

renda de autoconsumo, não tem sido financiado pelo PROCERA-Custeio. O

Page 134: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

120

crédito de custeio foi liberado, basicamente, para o cultivo de milho e feijão,

para a pecuária mista, produção de leite e para a venda de bezerros machos

para complementar a renda. Além desses produtos, há também a plantação de

mandioca e cana-de-açúcar destinadas para a alimentação da família e do

gado em épocas de pouca chuva, quando é reduzida a capacidade das

pastagens.

Tabela 31 - Principais produtos do P.A. Renascer

Verduras e frango 23,6% 11 Milho e arroz 28,6% 13 Milho, arroz e leite 9,6% 4 Milho, arroz e queijo 33,4% 15 Outros 4,8% 2 Total 100% 45 famílias

Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.

De forma geral, os assentados seguem o mesmo padrão das atividades produtivas dos demais assentamentos pesquisados, na mesma lógica da pequena produção tradicional do município. Há uma semelhança nas atividades desenvolvidas, no que diz respeito ao padrão tecnológico e na decisão dos produtos a serem cultivados. MEDEIROS e LEITE (1998) chamam a atenção para o fato de que, sendo parte dos assentados, trabalhadores que sofreram com a marginalização no contexto da modernização conservadora, ao chegarem ao assentamento, procuram-se aderir a um modelo produtivista com o receio de "ficar para trás mais uma vez", identificando este padrão com a possibilidade de sucesso.

Page 135: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

121

A safra 1998/99 foi a primeira com acompanhamento técnico e

financiada pelo PROCERA-Custeio. Porém, apesar de ser a primeira safra,

alguns assentados já conseguiram estabelecer uma relação mais próxima com

o mercado local, sobretudo aqueles que já desenvolviam atividades comerciais

em Unaí. As famílias que têm na produção de leite a sua principal atividade,

comercializam seu produto diretamente numa fábrica de sorvete, não

dependendo exclusivamente da Cooperativa - CAPUL. Com a facilidade de

transporte próprio e a proximidade da cidade, esses assentados conseguem

alternativas na forma de comercialização da produção. Há também os que

comercializam queijo e frango diretamente na feira municipal, além de outros

que vendem sua produção em Brasília. A diversificação em alguns lotes, como

é o caso daqueles em que se optaram pela criação de aves, é uma decisão

tomada tendo como base a inserção da família no mercado local, sendo

geralmente aqueles assentados que já mantinham relações comerciais nesse

setor, antes mesmo de serem assentados. Não é uma estratégia do

assentamento como um todo, e sim de algumas famílias apenas. No geral, os

produtos financiados pelo PROCERA-Custeio são os mesmos daqueles

cultivados no P.A. Palmeirinha e Boa União.

De modo diferente em relação aos outros dois assentamentos

analisados, no PA Renascer cerca de 71,2% dos assentados comercializam a

produção diretamente na sede do município, segundo os dados da Tabela 32,

destacando-se que esse é o assentamento onde maior índice de assentados

participam da feira livre organizada pela prefeitura e pela EMATER e que

acontece semanalmente. Como demonstram os dados da Tabela 32, cerca de

9,5% do total dos assentados utilizam essa feira para comercializar seus

produtos diretamente aos consumidores, percentual que representa cerca de

15% daqueles que comercializam seus produtos em Unaí.

Tabela 32 - Local de comercialização utilizados pelos assentados do P.A. Re-nascer

No assentamento – via atravessador 14,5% 7

Page 136: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

122

Feira livre 9,5% 4 Comércio em Unaí 61,7% 28 Vizinhos do assentamento 4,8% 2 Outros 9,5% 4 Total 100 % 45 famílias

Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.

Numa análise comparativa com os P.A. Boa União e Palmeirinha, os

assentados no P.A. Renascer têm, na localização do projeto, um dos fatores

que possibilitam a sua melhor integração ao mercado, favorecendo a

comercialização de excedentes diretamente na cidade, conseguindo evitar a

ação dos atravessadores. Porém, é a formação social desse projeto de

assentamento, analisado anteriormente, o fator explicativo para essa inserção

diferenciada no mercado local, seja pela maior capacidade produtiva de alguns

lotes, seja pela experiência anterior em atividades comerciais na sede do

município. Dessa forma, a diferença da inserção no mercado entre as famílias

assentadas no P.A. Renascer não é explicada somente pelas condições físicas

dos lotes e pelo potencial de trabalho da família, como no P.A. Boa União e, de

certa forma, no P.A. Palmeirinha, pois o fator principal, no P.A. Renascer, é a

composição social discrepante. A localização é um fator determinante para as

famílias assentadas e que estão inseridas no mercado, através da venda de

excedentes, o que ainda é pouco, quase que somente de milho e queijo; numa

situação semelhante à do P.A. Boa União e à do Palmeirinha123, em termos de

produtos, sistema produtivo e precariedade de infra-estrutura, como

abastecimento de água e energia elétrica em seus lotes.

Tabela 33 - Situação dos assentados do P.A. Renascer frente às linhas de cré-dito

Page 137: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

123

Acesso a todas as linhas de crédito 90,5% 41 Não usaram o custeio 9,5% 4 Total 100% 45 famílias

Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.

A situação dessas famílias assentadas diante das diversas linhas de crédito se assemelha aos assentados no P.A. Boa União, com uma regularidade maior do que no Palmeirinha, devido, principalmente, ao momento em que os projetos foram criados. Pelos dados apresentados na Tabela 33, observa-se que 90,5% dos assentados tiveram acesso a todas às linhas de crédito, inclusive à totalidade do PROCERA-Investimento, e que apenas 9,5% dos assentados não fizeram projeto para utilização do Crédito de Custeio. Os assentados que não tiveram acesso a esse crédito não o fizeram devido a problemas de liberação de área a ser desmatada, aguardando autorização do órgão competente. Diferentemente daquelas famílias assentadas no P.A. Palmeirinha, cuja não-utilização dessa linha de crédito está relacionada a uma perspectiva de vida.

123

No P.A. Palmeirinha, a inserção no comércio também não é homogênea a um grupo de famílias que

se inserem no mercado via CAPUL, que se diferencia dos demais.

Page 138: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

124

Figura 9 - Estrutura para produção de leite, P.A. Renascer.

Page 139: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

125

Dos assentamentos analisados, o P.A. Renascer é o que possui maior

homogeneidade ou regularidade no uso das diversas linhas de crédito, devido

ao rápido processo na liberação dos recursos destinados às diversas linhas de

crédito, seja de implantação, seja de investimento124. Apesar da liberação total

dos recursos destinados para investimento nos lotes, é comum encontrar lotes

ainda com infra-estrutura muito precária, como evidencia a Figura 9, ampliando

ainda mais o contraste entre os lotes nesse assentamento.

5.4.4. Relação com o poder público municipal e as demandas por políti-cas públicas

Pelos dados da Tabela 34, identifica-se que as principais demandas

das famílias assentadas no P.A. Renascer com a prefeitura municipal se

referem ao atendimento na área de saúde, à educação e à abertura e

conservação de estradas. No geral, essa é uma situação semelhante à

encontrada nos outros dois projetos de assentamentos pesquisados,

ressaltando-se algumas particularidades, principalmente no que se refere à

localização e à sua composição social. O que é bastante diferenciado são as

formas como essas demandas são encaminhadas e atendidas, o que reforça a

falta de uma política unificada para os projetos de assentamentos rurais,

ressaltando-se a importância do perfil das lideranças dos trabalhadores e a sua

relação com os órgãos públicos competentes, bem como a sua inserção no

cenário político local.

A assistência à saúde das famílias assentadas no P.A. Renascer é realizada na sede do município; nesse assentamento não há posto de atendimento médico. Apesar de ser uma demanda importante para o assentamento, as famílias consideram o atendimento na cidade satisfatório e em acordo com o INCRA e com a prefeitura, decidiram em não destinar recurso para a construção de um posto de saúde no interior do projeto.

124

No momento da pesquisa de campo, os assentados no P.A Renascer já tinham alcançado o limite de

R$ 7.500,00 do PROCERA-Investimento, enquanto as famílias assentadas no Boa União tinham

recebido apenas uma parcela, e o restante seria dividido em mais etapas.

Page 140: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

126

Nesse assentamento, as crianças são transportadas para as escolas públicas na

Tabela 34 - Principais demandas dos assentados no P.A. Renascer com a pre-feitura

Saúde e educação 9,0% 4 Estrada 9,5% 4 Saúde, educação e estrada 76,8% 35 Outros 4,7% 2 Total 100% 45 famílias

Fonte: Pesquisa de campo, março de 1999.

cidade de Unaí, devido à política de nucleação, como foi evidenciado na análise do P.A. Palmeirinha. O transporte escolar passa a ser um dos principais problemas, pois o ônibus, que atendia a várias comunidades rurais, chegava, no momento da pesquisa de campo, a transportar 100 a 110 crianças dessa região. As famílias mais prejudicadas são aquelas que realmente têm no assentamento o local de moradia, ou seja, as que não tem condições de manter os filhos morando na cidade. Em mais essa questão, a conformação social deste projeto proporciona uma diferenciação no acesso a serviços básicos como saúde e educação. As famílias das principais lideranças não moram no assentamento, portanto não necessitam desse tipo de serviço no interior do projeto, para os quais as prioridades são as políticas vinculadas à produção dos lotes.

A demanda por estradas se refere sobretudo à abertura e conservação

das vias de acesso aos lotes, pois o acesso à região onde se localiza o projeto

Page 141: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

127

é facilitado não só pela proximidade da sede do município, mas também pela

importância dessa estrada, que é a principal ligação da cidade com outras

comunidades rurais. Diferentemente dos dois assentamentos analisados

anteriormente, esse parece ser um problema menor.

O atendimento às demandas do poder público municipal possui relação

com o tipo de contato entre os atores políticos locais e as lideranças do

assentamento e de como eles se inserem no cenário político municipal, como

observado nos outros assentamentos pesquisados. A relação entre esse

assentamento e a administração pública municipal é diferenciada daquela

analisada para o P.A. Palmeirinha, sobretudo devido ao tipo de relação

estabelecida entre as principais lideranças desse assentamento e os políticos

locais. Se naquele as lideranças assumem posições a favor do prefeito,

especificamente em época eleitoral, tendo como resultado a nomeação de

assentado na Diretoria de Reforma Agrária da Secretária Municipal de

Agricultura, neste ocorre o contrário. O ex-presidente da Associação e principal

líder do P.A. Renascer possui vínculos com o grupo político de oposição à atual

administração municipal. Esse assentado já foi candidato a vereador e se

tornou importante apoiador da candidatura de contraponto ao prefeito na última

eleição para deputado. Nesse aspecto, ocorreu uma situação semelhante à

encontrada no P.A. Boa União, onde os próprios assentados afirmaram que a

relação com a prefeitura se estremeceu após as eleições para deputado, em

1998125.

O INCRA e a prefeitura recebem grande credibilidade como principais

mediadores após a implementação do projeto de assentamento. Na Tabela

27126, mostra-se que 90,5% dos assentados afirmam que o INCRA e a

prefeitura são as principais referências para o desenvolvimento do projeto.

Para a prefeitura, as demandas são especificamente na área de saúde,

educação e conservação de estradas, como evidencia os dados da Tabela 34.

Contudo, as relações prioritárias, aquelas que estão relacionadas com a

produção, como as diversas linhas de crédito, se estabelecem com o INCRA,

125

Estas questões estavam sempre presentes nas avaliações das famílias assentadas, visto que o

trabalho de campo foi realizado poucos meses após essa eleição.

126 Na Tabela 27, página 105, mostram-se os principais mediadores no P.A. Renascer, nos momentos da

ocupação do acampamento e após a criação oficial do projeto.

Page 142: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

128

sendo, na maioria das vezes, mediada pela diretoria de reforma agrária da

prefeitura. A associação é a única mediadora entre os assentados e esses

órgãos governamentais; em que pese a pouca aproximação das lideranças

dessa associação com a prefeitura, seu trabalho é definido a partir dessas

relações.

Apesar de neste assentamento ter sido identificada a maior

proximidade entre assentados e MST, esse movimento não mantém nenhum

vínculo com o projeto, e sua participação foi importante na capacitação das

lideranças, sendo que, a partir de sua criação, não se constituiu em importante

mediador na organização do assentamento. Como no P.A. Boa União a

participação do movimento sindical se deu de forma significativa somente no

momento do acampamento, não se constituindo em mediador dos assentados

no que diz respeito a questões referentes à viabilização do projeto.

Pode-se afirmar que a vinculação inicial com o MST não evitou a

cooptação das lideranças do assentamento por grupos políticos tradicionais,

transformando-os em interlocutores com os demais assentados. É uma ação

estratégica dos chefes políticos locais na garantia de relações clientelísticas

com esses novos atores, visando principalmente ao período eleitoral. Com isso,

nesse assentamento, como nos demais analisados, ocorreu o processo

politizado/politizador, através do qual o trabalhador chega ao assentamento, o

que não significou a continuidade de uma ação com concepções mais amplas e

transformadoras, com relação à ordem social, contrariando, de certa forma, a

perspectiva de ESTERCI (1992). Esta análise pode ser explicada pela falta da

ação de mediadores políticos e ideológicos, que possibilita a continuidade de

um projeto mais amplo, evitando que os assentamentos reproduzam as

mesmas relações entre chefes políticos locais e as comunidades de pequenos

produtores tradicionais.

A seguir serão apresentadas algumas considerações sobre a ação dos

mediadores e sobre o processo de construção das ações coletivas envolvendo

a luta pela terra no município de Unaí. As diferenças entre as formas de

integração dos três assentamentos analisados com o poder público municipal e

o INCRA serão apontadas como reflexões das diferentes trajetórias percorridas

pelos assentados, bem como pela influência das lideranças que ganham

expressão num contexto em que a questão do acesso à terra já foi resolvida.

Page 143: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

129

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS: AS CONTRADIÇÕES POLÍTICAS DA LUTA PELA TERRA E A CONSOLIDAÇÃO DOS ASSENTAMENTOS RURAIS

NO MUNICÍPIO DE UNAÍ

Como foi observado ao longo deste trabalho, todo o processo de luta

pelo acesso à terra e pela consolidação do assentamento é caracterizado pela

presença de agentes de mediação. Segundo NOVAES (1994), a necessidade

de mediação se dá devido a diferenças culturais e assimetrias econômica e

política entre grupos sociais. Os mediadores, segundo essa autora, "se

propõem a ser ponte, estar entre, fazer meio de campo. Fazer mediação é

traduzir e, ou, introduzir falas, linguagens...". Nesse sentido, identificaram-se

distintas formas de mediação no processo de implementação de

assentamentos rurais, principalmente entre os trabalhadores assentados e os

diversos órgãos governamentais. A referida autora afirma, também, que a

mediação pode funcionar para o bem ou para o mal, para a reprodução ou para

o questionamento da dominação. Portanto, seria equivocado usar o termo

mediador somente para classificar agentes ou organizações que se colocam

ideologicamente ao lado dos trabalhadores e que, em seus objetivos, se

propõem a contribuir com a organização política desses indivíduos, como é o

caso do MST, CPT e Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais (MSTR).

Esses se referem a um tipo de mediação, mas não a única forma possível. O

Estado, através de seus diversos órgãos e técnicos, também pode-se

Page 144: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

130

conformar em uma estrutura de mediação, com um caráter bastante distinto

daqueles, como é o caso dos técnicos da EMATER ou até mesmo das

prefeituras, sobretudo no processo de consolidação do assentamento.

No momento da luta pela conquista da terra, seja pela resistência de

antigos moradores, seja através de ocupações de latifúndios improdutivos, há

uma articulação entre os interesses individuais desses trabalhadores, que

objetivam o acesso à terra, e as condições estruturais e conjunturais, que,

interpretadas e articuladas pelos mediadores, definem esse momento como

uma forma de ação coletiva. O perfil da ação coletiva praticada pelos

movimentos sociais, especificamente os movimentos sociais vinculados à luta

pela terra, pode ser caracterizado, com base em MELUCCI (1996), pela

solidariedade entre seus membros, pela explicitação do conflito e pela ruptura

dos limites impostos pelo sistema social formal, principalmente pelas

ocupações de terra. Baseando na desigualdade estrutural entre capital e

trabalho, OFFE (1984) afirma que a ação coletiva é uma condição fundamental

no processamento de interesses dos trabalhadores. É nesse sentido que

FERREIRA NETO (1999) argumenta que, em relação à luta pela reforma

agrária, a ação coletiva se apresenta como única alternativa para que os

trabalhadores possam ter acesso à terra. Tal perspectiva reforça a importância

da presença e atuação de mediadores sociais como elementos aglutinadores

de interesses diferenciados no processo de constituição da ação coletiva.

Empiricamente, nos casos estudados, percebeu-se que houve a

formação de uma identidade social entre os atores protagonistas da luta pela

terra em Unaí, seja pelos moradores e parceiros da Fazenda Saco Grande,

seja pelos trabalhadores sem-terra que ocuparam as Fazendas Campinas e

São Paulo, a partir das quais foram criados os projetos de assentamentos

Renascer e Boa União, respectivamente. Nesse processo, a ação de

determinados mediadores sociais como a Igreja Católica, o MST e o MSTR foi

decisiva na organização da luta pela terra, na construção da ação coletiva dos

trabalhadores rurais em defesa de um interesse comum, o acesso à terra.

A compreensão dos processos sociais que levaram os trabalhadores

rurais a participarem de ações coletivas de resistência, como no caso do P.A.

Palmeirinha, ou de ocupações como nos assentamentos Renascer e Boa

União, envolve o estabelecimento de relações entre as condições de exclusão

Page 145: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

131

e subordinação em que esses trabalhadores viviam com um conjunto de

elementos de ordem conjuntural, com a existência de mediadores e o contexto

político geral do país. Nos três casos analisados, a conjuntura política vivida

pelo país no momento dos conflitos foi fator importante para a ação desses

trabalhadores. A luta dos posseiros pela criação do P.A. Palmeirinha, na

década de 80, deu-se no contexto da redemocratização do país e da ascensão

da reforma agrária, sobretudo na formulação do I PNRA e da elaboração da

Constituição promulgada em 1988. As ações empreendidas pelos

trabalhadores sem-terra para implementação do P.A. Renascer e do P.A. Boa

União, na década de 90, mais precisamente após 1995, aconteceram quando a

luta pela reforma agrária ganhava maior visibilidade e já existia uma ação mais

decisiva dos mediadores da luta pela terra, especialmente o MST127.

A ação desses trabalhadores no sentido da conquista do acesso à terra

passa necessariamente por um processo de construção não só de organização

de suas ações coletivas, mas de sua identidade e de seus interesses. É nesse

sentido que FERREIRA NETO (1999) argumenta que o encaminhamento das

demandas dos trabalhadores, particularmente a demanda pelo acesso à terra,

envolve um processo de construção de identidade, no caso a identidade "sem-

terra", que é articulada pelos mediadores como elemento de garantia da

coesão do grupo nos momentos de acirramento do conflito. Esse autor afirmou,

com base em OLIVEIRA (1976), que a identidade social é uma forma de

representação e perpassa pelo universo de determinado grupo de indivíduos,

construído e mediado por um conjunto de representações e contradições

estruturais. Assim, é nesse processo que os trabalhadores se afirmam

enquanto "sem-terra" e lutam pela desapropriação dos latifúndios improdutivos,

expondo um conflito estrutural128, que é a concentração fundiária nas mãos de

uma restrita parcela da sociedade.

Após a conquista da terra, contudo, novas questões e novos interesses

se manifestam e, nesse sentido, novas identidades devem ser criadas como

127

Sobretudo devido à realização do acampamento Palmital/Barriguda, fato esse relacionado com a

estratégia de ação do MST perante uma conjuntura de maior pressão sobre o governo federal.

128 Para MELUCCI (1996), o conflito que possibilita a emergência da ação coletiva é definido pela

manifestação de circunstâncias em que os adversários sociais incorporam, na avaliação da disputa, o

caráter antagônico de seus objetivos e das relações e dos meios de produção social que afirmam e

defendem.

Page 146: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

132

forma de garantir coesão, organização e a construção de novas ações coletivas

nesse processo, que também envolve a ação de mediadores, ainda que estes

não sejam aqueles presentes nos momentos de ocupação de terras e de

resistência à expulsão. Em relação aos três assentamentos pesquisados, a

partir da implementação dos projetos há a explicitação da diversidade de

interesses que antes estavam aglutinados pelo interesse coletivo do acesso à

terra. Para os mediadores, além da questão política mais ampla e das relações

entre os assentados e o Estado, aparecem os aspectos referentes à produção

no assentamento, o que atribui ao INCRA e ao poder público municipal um

papel privilegiado na estrutura de mediação. O interesse aglutinador

representado pela terra, no momento da ocupação e do acampamento, é

ultrapassado por interesses e opções de cada família na consolidação do

projeto de assentamento e na organização de seu próprio lote. Todo esse

processo é potencializado pelas diversas trajetórias e experiências dos

trabalhadores rurais assentados, fazendo com que a coesão em torno da luta

pelo acesso à terra se transforme, agora, numa diversidade de expectativas de

cada uma dessas famílias, no que diz respeito à nova vida e à sua própria

terra, ocorrendo, assim, conflitos entre os diferentes interesses, sonhos e

perspectivas de vida de cada assentado.

Há claramente, em todos os três casos estudados, um descompasso

ou descontinuidade entre o momento da luta pela terra e o momento que se

segue à implementação dos projetos. Antes de serem assentados ocorre a

identificação desses trabalhadores com uma identidade social em torno do que

se pode denominar "sem-terra". Nos casos estudados, deixar a condição de

"sem-terra" significou, com o acesso ao lote, aproximar-se de outra categoria, a

de pequenos produtores, o que ficou evidenciado pela forma de organização da

produção, inserção no mercado e como esses trabalhadores se

autodenominam em suas associações e, até mesmo, pelo dilema da

representação política.

Com isso, é um desafio para os mediadores, como o MST e o MSTR, a

continuidade da organização social em que a identidade do "sem-terra" seja

referência nas ações desses trabalhadores, nesse novo contexto em que eles

já conseguiram o acesso à terra. Com a explicitação de novos interesses e a

intervenção de novos mediadores, a exemplo dos responsáveis pela

Page 147: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

133

assistência técnica, o INCRA e a prefeitura, há a possibilidade de perda da

identidade sem-terra/assentado e também do elo entre estes e a estrutura de

mediação até então em evidência. Além do aumento das demandas e do

surgimento de novos interesses individuais após a conquista da terra, nos

assentamentos estudados a fragilidade política do MSTR, o afastamento do

MST e a nova conformação institucional do INCRA potencializaram a

reestruturação do processo de mediação e, por conseqüência, da construção

de uma identidade desses trabalhadores.

As associações constituídas nos assentamentos, além de não

expressarem a condição de assentados, de beneficiários de um processo de

luta por reforma agrária e sim de pequenos produtores, têm conduzido ações

que possuem perfil diferenciado daquele caracterizado pelas associações de

trabalhadores assentados, principalmente daquelas vinculadas ao MST em

diversas regiões do país. Suas ações são mais orientadas por agentes e

condições externas do que pelas características do grupo de assentados. O

planejamento para questão da produção no assentamento e as definições de

prioridades são orientados, por exemplo, pelos técnicos da EMATER e da

CAPUL. Não há mais ação que possibilite o rompimento dos limites de relações

sociais, pelo contrário, há manutenção e a tentativa de enquadramento dos

assentados na estrutura existente em nível do município. Não há, por exemplo,

ação coordenada pela associação, no sentido de romper com o modelo

tecnológico dominante, de se quebrar a estrutura tradicional de

comercialização, bem como de representação política, em razão da distância

do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Além disso, a demanda pela criação da

associação nem sempre parte da necessidade dos próprios assentados, mas

sim de um requisito imposto pelo INCRA como condição para que o assentado

tenha acesso a determinadas linhas de crédito do PROCERA.

Foi possível, contudo, identificar uma tendência em aumentar a

participação formal dos assentados no STR; a condição de assentado e a sua

participação na associação do assentamento não têm feito com que eles

deixem o sindicato, e muitos daqueles que anteriormente não eram

sindicalizados passaram a ser durante o processo de conquista da terra.

Mesmo assim, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais tem sofrido diminuição do

Page 148: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

134

seu reconhecimento como mediador após a implementação do assentamento,

apesar da ampliação do número de trabalhadores formalmente filiados.

O aumento significativo dos projetos de assentamento em Unaí vem

proporcionando uma realidade - política e econômica - nova na estrutura da

representação sindical dos trabalhadores rurais. O STR, apesar de ter sido

criado em um momento de luta pela posse da terra no município, durante o

conflito na Fazenda Saco Grande, teve todo o seu trabalho, ao longo das

últimas duas décadas, voltado basicamente para a defesa dos direitos dos

trabalhadores assalariados. Com as conseqüências da modernização agrícola,

diminuindo sensivelmente esse segmento do meio rural e aumentando o

número de trabalhadores volantes - bóias-frias -, e também com o aumento do

número de assentados, a base desse sindicato passou a ser

fundamentalmente de bóias-frias e assentados. A novidade é que essa

entidade começa a enfrentar desafios de mediação em questões relativas a

produção, crédito, comercialização e outras relacionadas com a dinâmica do

sistema produtivo nos assentamentos. Portanto, é a presença de mediadores

comprometidos ideologicamente com a organização política dos assentados,

principalmente daqueles que atuam em redes estadual e nacional, que

possibilita a relação entre uma questão local e os interesses mais globais. Para

PALMEIRA e LEITE (1997), a inserção dos STR's numa estrutura vertical e

nacional, no caso as federações estaduais de trabalhadores na agricultura e a

CONTAG, minimiza os riscos de absorção dos sindicatos pelos esquemas

clientelísticos tradicionais. No município de Unaí, a fragilidade dos mediadores

sociais, entendidos como instituições e movimentos sociais envolvidos no

processo de organização dos trabalhadores rurais, tem permitido que as

relações entre as lideranças do assentamento com os técnicos governamentais

e com o poder público local sejam, demasiadamente, particularizadas e

definidas pela inserção dessas lideranças no cenário político local. O tipo de

relação dos líderes com a EMATER, o INCRA e a prefeitura define a qualidade

da ação dessas instituições no atendimento das demandas dos assentamentos

ou até mesmo de grupos específicos em detrimento de outros num mesmo

projeto, perdendo totalmente a unidade de ação. Foi possível presenciar, em

vários momentos, atritos entre lideranças de diferentes assentamentos, em que

o que parecia estar em jogo era a maior proximidade com os técnicos do

Page 149: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

135

INCRA, numa verdadeira disputa por espaços políticos. Assim, é comum nos

assentamentos desse município a realização de festas com o intuito de

homenagear técnicos e dirigentes de órgãos governamentais, como forma de

fortalecer as relações entre determinado assentamento, ou de suas lideranças,

e esses órgãos do governo, especialmente o INCRA.

Para NOVAES (1994), é importante conhecer e analisar a trajetória

individual das lideranças, evidenciando-se a articulação entre singularidades e

o processo de construção dos movimentos, para se compreender o processo

de mediação, sobretudo da mediação interna, bem como das diretrizes

políticas que marcam as relações com os mediadores externos. Assim, o

surgimento das lideranças e o papel atribuído a elas são fundamentais para

entender o exercício da mediação, bem como do processo de diferenciação

entre os indivíduos envolvidos na ação coletiva antes da criação do projeto,

como também a seqüência do processo de consolidação do assentamento.

Dessa forma, o papel assumido pelas lideranças do assentamento é um fator

que diferencia a inserção social e política dos projetos nos cenários municipal,

estadual e nacional.

A ação das lideranças em incorporar uma identidade defendida e

afirmada pelo restante do grupo contribui para a contínua construção ou a

reconstrução dessa identidade. A diferenciação entre os diversos atores da

ação e as lideranças, ou seja, entre os assentados e seus líderes, dá-se pela

maior capacidade tanto para interpretar as condições conjunturais quanto para

expressar os anseios e interesses do grupo do qual fazem parte. Para

Bourdieu, "a concentração do capital político nas mãos de um pequeno grupo é

tanto menos contrariada e, portanto, mais provável, quanto mais desapossados

de instrumentos materiais e culturais necessários à participação ativa na

política estão os simples aderentes - sobretudo o tempo livre e o capital

cultural" (BOURDIEU, 1989:164).

Dessa forma, pode-se identificar algumas das principais lideranças dos

trabalhadores assentados como portadores de melhor condição financeira, o

que lhes permite mais tempo "livre", ou disponível, para permanecer na cidade,

trabalhando politicamente, articulando e se relacionando com outros atores

políticos. O maior capital político dessas lideranças faz com que elas sejam

inseridas, de forma bastante orgânica, no quadro político municipal, haja vista

Page 150: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

136

as suas candidaturas à Câmara Municipal e pelo cargo de diretor de reforma

agrária da prefeitura, ocupado por um desses líderes. Fatores como esses têm

evidenciado a diferença do atendimento às demandas entre os projetos em que

suas lideranças são inseridas na política local, como ocorre nos P.A. Renascer

e Palmeirinha.

MELUCCI (1996) afirma que o processo de socialização e

aprendizagem no exercício da liderança é vinculado à existência de redes de

solidariedade, que fornecem as bases materiais e simbólicas necessárias à

emergência do líder. Nesse sentido, a ação do MST na organização do

acampamento Palmital/Barriguda deve ser entendida como referência na

capacitação das lideranças das ocupações das fazendas Campinas (P.A.

Renascer) e São Paulo (P.A. Boa União). Por suas trajetórias de luta pela terra

e forma de ação, através da ocupação, essas lideranças expressavam a

identidade do grupo, vinculado à categoria sem-terra. Contudo, após a etapa

de conquista da terra, os líderes perderam a capacidade de referência e

aglutinação do grupo em torno da categoria sem-terra, que passa agora a

buscar nova identidade de produtores rurais. Assim, o papel de outras

lideranças, com capacidades sociais e técnicas, sobressai, expressando-se

expectativa diferenciada daquela inicial, como é o caso da nova liderança no

P.A. Renascer, que se destacou pelos contatos com políticos locais e pela sua

condição financeira, representando, com seu discurso, a perspectiva de que os

assentados, de agora em diante, são "fazendeiros" e não mais sem-terras, ou

seja, nesses dois projetos de assentamentos, por motivos diferentes, começam

a surgir líderes através de outras redes, que não a luta política e ideológica

pela reforma agrária. São essas redes, formadas sobretudo pelos políticos

locais, que propiciam o treinamento e a experiência exigidos para o exercício

dessas novas lideranças, além das recompensas, sob a forma de incentivos,

reconhecimento, apoio e prestígio129.

Dessa forma, os assentamentos tornam-se objetos de interesse local, a

partir da possibilidade de se constituírem em novo "locus" de reprodução de

relações de patronagem. REIS (1988) aponta que a centralidade da

129

O apoio e o prestígio podem ser em forma de oferecimento de cargos, como no caso do diretor de

reforma agrária, ou simplesmente sendo o porta voz de determinado grupo político tradicional entre os

assentados, através, inclusive, de candidaturas a vereador.

Page 151: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

137

patronagem nos municípios brasileiros leva a uma identidade social altamente

politizada, entendida como tal a valorização do poder do voto, uma vez que

este é visto como moeda de troca para atendimento das suas demandas, como

saúde, educação e estradas, ou de apoio de caráter mais geral. A partir do

momento em que o trabalhador rural passa a ser objeto de políticas públicas,

especificamente no caso dos assentados, ocorre o esvaziamento das funções

de mediação entre o trabalhador rural e o Estado, exercido pelos grandes

proprietários. Com a criação dos projetos de assentamentos, diminui-se a

importância dos chefes locais como mediadores, havendo a necessidade do

surgimento de novos mediadores (PALMEIRA e LEITE, 1997).

Esses autores ainda afirmam que a implementação de assentamentos

rurais requer um rearranjo institucional em nível municipal, para atender às

novas demandas. No caso do município de Unaí, o grande número de

assentamentos rurais proporcionou a criação da Diretoria de Reforma Agrária.

A criação desse novo órgão do governo municipal deve ser analisada sob a

perspectiva de adequação da estrutura da prefeitura para atender às novas

demandas, principalmente num contexto mais geral, cuja possibilidade de

descentralização da política de reforma agrária ganha destaque. Isso foi

também uma forma encontrada pelos atores políticos locais para

permanecerem como a principal referência política no processamento dos

interesses dos assentados. A partir da criação de projetos de assentamentos,

quando estes trabalhadores assentados passaram a ser objeto de políticas

públicas, surgiu a necessidade do estabelecimento de novos patamares para a

relação entre o poder público municipal e esses "novos atores políticos". Os

antigos mediadores tradicionais, como os proprietários rurais e os chefes

políticos locais, passaram a depender da inserção que possuem em

determinados postos da máquina do Estado para continuar a exercer o controle

sobre suas clientelas. Enfim, a Diretoria de Reforma Agrária se estabeleceu

como um redimensionamento das ações do poder local perante essa categoria

no meio rural do município.

Isso faz com que em Unaí a questão da reforma agrária seja vista, de

certa forma, como um problema municipal - os assentamentos são sempre

lembrados ou analisados como "os assentamentos de Unaí", como se

estivessem isolados do contexto da luta pela reforma agrária nacional. Há um

Page 152: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

138

pacto entre todos os setores da sociedade local em torno do desenvolvimento

dos assentamentos, cuja preocupação maior tem sido a imagem do município,

por ser o que congrega, em seus limites, o maior número de projetos

implementados em todo o Estado de Minas Gerais. Assim, diversos setores se

vestem de uma roupagem de apoio, negando as contradições ou os conflitos

inerentes à reforma agrária. Isso ficou evidenciado através dos resultados do I

Encontro dos Assentados e Acampados no Município de Unaí, onde,

deliberadamente, foram deixadas de lado todas as contradições sociais e

políticas que o processo de reforma agrária expõe. Tal fato também foi

observado ao longo de todo o trabalho de campo, em que raramente foi

explicitado o conflito entre esses diversos setores sociais. Somente as pessoas

"de fora", como o representante da FETAEMG, e outras que "estão de fora" do

pacto, como o ex-presidente do STR de Unaí, é que expressaram, em suas

entrevistas, os conflitos entre os trabalhadores rurais, particularmente os

assentados, e o poder local. A atuação da Diretoria de Reforma Agrária como

principal mediadora entre o INCRA e os assentados, bem como o afastamento

do STR da FETAEMG e sua atuação prioritária de negociação com os órgãos

públicos, propiciam uma suposta "aliança em torno do desenvolvimento dos

projetos de assentamentos".

Em outros municípios, como Paracatu, a criação de assentamentos

tem proporcionado outros tipos de relações com a sociedade. Há a participação

de organizações não-governamentais ligadas à Igreja Católica, além da

presença direta do pólo regional da FETAEMG; segundo o diretor desta

entidade, os assentados tiveram participação importante na eleição do prefeito

atual, eleito por um partido de esquerda, significando a saída de uma elite

tradicional do poder municipal. Já em Unaí, talvez pelas características da

cultura política local, mas principalmente devido à estrutura de mediação

existente, os assentamentos não têm possibilitado tal contraposição com as

elites tradicionais; pelo contrário, há atualmente uma relação de convivência e

de alianças entre esses setores, o que esconde os conflitos inerentes à reforma

agrária, entendida como política que possibilita a transformação social não só

pelo acesso à terra, mas por propiciar novas formas de organização social e de

resgate dos direitos desses cidadãos.

Page 153: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

139

Concluindo, o processo de implementação de assentamentos rurais,

como concretização da luta pela reforma agrária, é sem dúvida um elemento

dinamizador das relações sociais em nível local, como apresentado na hipótese

inicial deste trabalho. Contudo, é o perfil da ação dos agentes de mediação que

irá definir de que forma se dará essa dinamização e quais serão suas

conseqüências. É a atuação de mediadores sociais, organizados em rede,

transformando ou inter-relacionando as questões locais em globais, além do

papel fundamental na capacitação das lideranças não só para a organização

da luta pelo acesso à terra, mas também e, principalmente, com a possibilidade

de descentralização para atuação em questões que se referem à consolidação

do projeto, que possibilita a ruptura do poder tradicional através do processo de

criação de assentamentos rurais, a começar pelo rompimento de relações de

dominação e subordinação que ocorrem nos municípios.

Page 154: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

140

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRAMOVAY, R., CARVALHO FILHO, J.J. Reforma agrária: o sentido econômico de uma política distributiva. ABRA, Campinas, v. 23, n. 2, p. 31-44, 1993.

ABRAMOVAY, R., CARVALHO FILHO, J.J. A objetividade do conhecimento

nas ciências sociais: o caso dos assentamentos. ABRA, Campinas, v. 24, n. 3, p. 36-53, 1994.

ALENTEJANO, P.R.R. Reforma agrária e pluriatividade no Rio de Janeiro:

repensando a dicotomia rural-urbana nos assentamentos rurais. Rio de Janeiro: UFRRJ, 1997. 188 p. Dissertação (Mestrado em Ciências em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade) - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 1997.

BANCO DE DESENVOLVIMENTO DE MINAS GERAIS. BDMG 15 anos

desenvolvendo Minas. Belo Horizonte: BDMG, 1977. BARROS, E.L.A., FERREIRA, B. Descentralização e novos arranjos

institucionais para agilizar o processo de reforma agrária. Novos? In: ENCONTRO REGIONAL CENTRO-OESTE DA APIPSA, 6, 1997, Brasília. Anais... Brasília: APIPSA, 1997. p. 8-26.

BERGAMASCO, S.M.P.P., CARMO, M.S. Reforma agrária dá certo? O

(in)sucesso dos assentamentos de trabalhadores rurais. ABRA, Campinas, v. 21, n. 1, p. 60-68, 1991.

BERGAMASCO, S.M.P.P., FERRANTE, V.L.S.B. Assentamentos rurais:

caminhos e desafios de pesquisa. In: ROMEIRO, A. et al. Reforma agrária: produção, emprego e renda - o relatório da FAO em debate. Rio de

Janeiro/Petrópolis: Vozes/IBASE/FAO, 1994. p. 181-191.

Page 155: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

141

BONIM, A.A., FERREIRA, A.D.D., TORRENS, J.C., KERSTEN, M.S.A. Luta

pela terra e contradições de um projeto comunitário de vida. In: BONIM, A.A. et al. (Orgs.). Movimentos sociais no campo. Curitiba: UFPR, 1987. p. 67-102.

BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.

311 p. CARVALHO, J.M. Madonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão

conceitual. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 40, n. 2, 1997.

CARVALHO, H.M. Interação social e as possibilidades de coesão e de

identidade sociais no cotidiano da vida social dos trabalhadores rurais nas áreas oficiais de reforma agrária no Brasil. Brasília: MEPF/NEAD,

1999. (www.incra.gov). CASTRO, M.H.G. Descentralização e política social no Brasil: as perspectivas

dos anos 90. Espaços e Debates, São Paulo, n. 32, p. 80-87, 1991.

CASTRO, L.M.B. As lutas pela terra no noroeste de Minas Gerais - um

sumário e uma interpretação. Belo Horizonte: UFMG, 1997. 14 p. (policopiado).

DELGADO, G.C. Capital financeiro e agricultura no Brasil: 1965-1985. São

Paulo: Ícone/UNICAMP, 1985. 240 p. D’INCAO, M.C., ROY, G. Nós cidadãos: aprendendo e ensinando a

democracia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. 279 p.

EMPRESA DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL - EMATER.

Diagnóstico comunitário, programa anual de trabalho e plano de desenvolvimento: projetos de assentamentos Renascer, Boa União e Santa Clara Furadinho. Unaí: 1997.

ESTERCI, N., MEDEIROS, L.S., FRANCO, M.P., LEITE, S.P. Assentamentos

rurais: um convite ao debate. ABRA, Campinas, v. 22, n. 3, p. 4-15, 1992.

FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA DO ESTADO DE

MINAS GERAIS/INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA/EMPRESA DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL - FETAEMG/INCRA/EMATER. Assistência técnica, extensão rural e PROCERA. Belo Horizonte: 1996. 20 p. (Relatório de seminário).

FERRANTE, V.L.S.B., BERGAMASCO S.M.P.P. A realidade multidimensional

dos assentamentos rurais. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 16, 1992, Caxambu. Anais... Caxambu: ANPOCS, 1992. (policopiado).

Page 156: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

142

FERREIRA, B. Estratégia de intervenção do estado em áreas de assentamentos: as políticas de assentamento do governo federal. In: MEDEIROS, L.S. et al. (Orgs.). Assentamentos rurais: uma visão multidisciplinar. São Paulo: UNESP, 1994. p. 29-47.

FERREIRA NETO, J.A. Região Noroeste: planejamento público e mudança

social. Revista UFV Debate, Viçosa, n. 15, 1993.

FERREIA NETO, J.A. Indivíduos e ação coletiva: a mediação da FETAEMG

na luta pela terra em Minas Gerais. Rio de Janeiro: UFRRJ, 1999. 412 p. Tese (Doutorado em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade) - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 1999.

FRANÇA, M. O cerrado e a evolução recente da agricultura capitalista: a

experiência de Minas Gerais. Belo Horizonte: UFMG, 1984. 169 p.

Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento e Planejamento Regional) - Universidade Federal de Minas Gerais, 1984.

FUNDAÇÃO RURAL MINEIRA - COLONIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

AGRÁRIO - RURALMINAS. A RURALMINAS e seus programas. Belo Horizonte: 1973.

GARCIA JÚNIOR, A.R. Terra de trabalho: trabalho familiar de pequenos

produtores. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. GÖRGEN, F.S.A., STÉDILLE, J.P. Assentamentos: a resposta econômica

da reforma agrária. Petrópolis: Vozes, 1991. 184 p.

GRZYBOWSKI, C. Caminhos e descaminhos dos movimentos sociais no

campo. Petrópolis: Vozes/FASE, 1991. 90 p. GRZYBOWSKI, C. Movimentos populares rurais no Brasil: desafios e

perspectivas. In: STÉDILE, J.P. (Coord.). A questão agrária hoje. Porto

Alegre: UFRGS, 1994. p. 285-297. GUANZIROLI, C.E. Viabilidade econômica no contexto de uma política agrícola

em transformação. In: MEDEIROS, L.S. et al. (Orgs.). Assentamentos rurais: uma visão multidisciplinar. São Paulo: UNESP, 1994a. p. 261-269.

GUANZIROLI, C.E. Principais indicadores sócio-econômicos dos

assentamentos de reforma agrária. In: ROMEIRO, A. et al. (Orgs.). Reforma agrária: produção, emprego e renda – o relatório da FAO em debate. Rio de Janeiro: Vozes/IBASE/FAO, 1994b. p. 13-68.

GUEDES PINTO, L.C. Reforma agrária no Brasil: esboço de um balanço. In:

TEIXEIRA, E.C. et al. (Coords.). Reforma da política agrícola e abertura econômica. Viçosa: UFV, 1996. p. 51-84.

Page 157: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

143

HEREDIA, B.M.A. Política, família, comunidade. In: PALMEIRA, M., GOLDMAN, M. (Orgs.). Antropologia, voto e representação política. Rio de Janeiro: Contra Capa, 1996. p. 41–56.

IANNI, O. Colonização e contra reforma agrária na Amazônia. Petrópolis:

Vozes, 1979. 137 p. INSTITUTO INTERAMERICANO DE COOPERAÇÃO PARA A AGRICULTURA/

INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - IICA/ INCRA. Descentralização e reforma agrária - um processo em discussão. Brasília: 1998. 180 p.

INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - INCRA.

Relatório de atividades - Superintendência Regional 28. Brasília: 1998. 37 p.

INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - INCRA.

O novo mundo rural. Brasília: INCRA, 1999a. (www.incra.gov.br). INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA - INCRA.

Relação dos projetos de assentamentos rurais implementados pelo INCRA no estado de Minas Gerais. Belo Horizonte: INCRA - SR 06, 1999b.

JACOBI, P. Descentralização municipal e participação dos cidadãos:

apontamentos para o debate. Lua Nova, São Paulo, n. 20, p. 121-143,

1990. LAMARCHE, H. (Coord.). A agricultura familiar: comparações

internacionais. Campinas: UNICAMP, 1993. 336 p.

LEAL, V.N. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime

representativo no Brasil. São Paulo: Alfa-Ômega, 1975. 273 p. LEITE, S.P. Estado, modernização, tecnologia e reforma agrária. In:

ENCONTRO APIPSA, 13, 1989, Botucatu. Anais... Botucatu: APIPSA,

1989. p. 905-944. LEITE, S.P. Por uma economia política da reforma agrária: custo de

implantação e infra-estrutura em assentamentos rurais paulistas (1984-1989). In: MEDEIROS, L.S. et al. (Orgs.). Assentamentos rurais: uma visão multidisciplinar. São Paulo: UNESP, 1994. p. 287-312.

LEITE, S.P. Reforma do Estado, questão agrária e descentralização: uma

contribuição à análise da política de assentamentos rurais no Brasil. Rio de Janeiro: CPDA/UFRRJ, 1999. 52 p. (policopiado). (Trabalho apresentado no Seminário Programa de Ensino e Pesquisa em reforma do Estado: Resultados e reflexões).

Page 158: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

144

LEITE, S.P., COSTA, V.M.H. A problemática dos assentamentos de trabalhadores rurais: contribuição à analise do perfil de intervenção do estado na questão agrária. In: ENCONTRO APIPSA, 13, 1989, Botucatu. Anais... Botucatu: APIPSA, 1989. p. 945-980.

LOUREIRO, M.R.G. Terra, família e capital. Formação e expansão da

pequena burguesia em São Paulo. Petrópolis: Vozes, 1987. 182 p.

LUCAS DA SILVA, G. Projeto de assentamento da Fazenda Saco Grande.

Unaí: EMATER-MG, 1988. 16 p. (policopiado). LÚMEN - PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA. Perfil sócio-econômico

dos assentamentos rurais do noroeste de minas. Belo Horizonte: 1999.

129 p. MARTINE, G. A trajetória da modernização agrícola: a quem beneficia? Lua

Nova, São Paulo, n. 23, p. 7-37, 1991.

MARTINS, J.S. A reforma agrária e os limites da democracia na nova

república. São Paulo: Hucitec, 1986. 152 p. MARTINS, J.S. O poder do atraso - ensaios de sociologia da história lenta.

São Paulo: Hucitec, 1994. 174 p. MATA MACHADO, B.N. História do sertão noroeste de Minas Gerais. Belo

Horizonte: Imprensa Oficial, 1991. p. 168. MEDEIROS, L.S. Reforma agrária: concepções, controvérsias e questões.

CEDI Caderno Temático, n.1, 1994.

MEDEIROS, L.S., LEITE, S.P. Os impactos regionais dos assentamentos

rurais: dimensões econômicas, políticas e sociais. Caxambu: ANPOCS, 1998. 32 p. (policopiado).

MEDEIROS, L.S., LEITE, S.P. A formação dos assentamentos rurais no

Brasil: processos sociais e políticas públicas. Porto Alegre/Rio de Janeiro: UFRGS/CPDA, 1999. 279 p.

MEDEIROS, L.S., BARBOSA, M.V., FRANCO,M.P., ESTERCI, N., LEITE, S.P.

(Orgs.). Assentamentos rurais: uma visão multidisciplinar. São Paulo: UNESP, 1994. 329 p.

MEDEIROS, L.S., SOUSA, I.C., ALENTEJANO, P.R.R. O promissor Brasil dos

assentamentos rurais. Proposta, n. 77, p 54-63, 1998. MELLO, A.O. Unaí: rumo às veredas unicuaianas. Unaí: Prefeitura

Municipal de Unaí, 1988. p. 262. MELUCCI, A. Challenging codes: collective action in the information age.

Cambridge: Cambridge University, 1996.

Page 159: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

145

MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA. A cooperação agrícola nos assentamentos. Cadernos de Formação MST, São Paulo, n. 20, 1993.

NEVES, D.P. Reforma agrária: idealizações, irrealizações, plausibilidades.

ABRA, Campinas, v. 25, n. 1, p. 185-204, 1995. NOVAES, R.R. A mediação no campo: entre a polissemia e a banalização. In:

MEDEIROS, L. et al. (Orgs.). Assentamentos rurais: uma visão multidisciplinar. São Paulo: UNESP, 1994. p. 177-184.

OFFE, C. Problemas estruturais do estado capitalista. Rio de Janeiro:

Tempo Brasileiro, 1984. 386 p. OLIVEIRA, R.C. Identidade, etnia e estrutura social. São Paulo: Pioneira,

1976. PALMEIRA, M. Burocracia, política e reforma agrária. In: MEDEIROS, L. et al.

(Orgs.). Assentamentos rurais: uma visão multidisciplinar. São Paulo:

UNESP, 1994. p. 49-65. PALMEIRA, M. Política, facções e voto. In: PALMEIRA, M., GOLDMAN, M.

(Orgs.). Antropologia, voto e representação política. Rio de Janeiro:

Contra Capa, 1996. p. 41-56. PALMEIRA, M., LEITE, S.P. Debates econômicos, processos sociais e lutas

políticas: reflexões sobre a questão agrária. Debate CPDA, Rio de Janeiro,

n. 1, p. 1-71, 1997. REIS, E. Mudanças e continuidade na política rural brasileira. Dados, Rio de

Janeiro, v. 31, n. 2, 1988. ROMEIRO, A., GUANZIROLI, C.E., PALMEIRA, M., LEITE, S.P. (Orgs.).

Reforma agrária: produção, emprego e renda - o relatório da FAO em debate. Rio de Janeiro: Vozes/IBASE/FAO, 1994. 216 p.

ROTHMAN, F.D. O estudo de caso como método científico de pesquisa. In:

SIMPÓSIO DE ECONOMIA FAMILIAR, 1, 1996, Viçosa. Anais... Viçosa: UFV, 1996. p. 246-255.

SANTOS, J.V.T. As novas terras como forma de dominação. Lua Nova, São

Paulo, n. 23, p. 67-82, 1991. SCHMIDT, B.V., MARINHO, D.N.C., ROSA, S.L.C. (Orgs.). Os assentamentos

de reforma agrária no Brasil. Brasília: UnB, 1998. 306 p.

SECRETARIA DE AGRICULTURA DO ESTADO DE MINAS GERAIS.

Proposta de aumento da produção agrícola nos cerrados de Minas Gerais, através de projetos integrados de colonização. Belo Horizonte,

s/d.

Page 160: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

146

SECRETARIA DE AGRICULTURA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. A agropecuária mineira, sua trajetória sua evolução. Belo Horizonte, 1979.

SILVA, J.G. Por um novo programa agrário. In: CONGRESSO BRASILEIRO

DE ECONOMIA E SOCIOLOGIA RURAL, 31, 1993, Ilhéus. Anais... Brasília:

SOBER, 1993. p. 956-972. VEIGA, J.E. Fundamentos do agro-reformismo. Lua Nova, São Paulo, n. 23,

p. 39-65, 1991. ZAMBERLAN, J. Reflexões sobre algumas estratégias para a viabilização

econômica dos assentamentos. In: MEDEIROS, L. et al. (Orgs.). Assentamentos rurais: uma visão multidisciplinar. São Paulo: UNESP,

1994. p. 271-286. ZAMBERLAN, J., FLORÃO, S.R. Impacto dos assentamentos na economia de

4 municípios na região de Cruz Alta (RS). In: GÖRGEN, F.S.A., STÉDILE, J.P. Assentamentos: a resposta econômica da reforma agrária. Petrópolis: Vozes, 1991. p. 11-41.

Page 161: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

147

APÊNDICE

Page 162: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

148

APÊNDICE

Tabela 1A - Projetos de assentamentos rurais implementados na região noro-este de Minas até 1999

Projeto Município Ano de criação

Famílias Área (ha) Apoio

Mimoso Arinos 1989 59 5.021,00 FETAEMG Rancharia Arinos 1997 50 1.511,84 FETAEMG Riacho Claro Arinos 1997 62 3.866,54 MST Grande Borá Arinos 1998 25 1.221,79 Não Consta Caiçara Arinos 1998 30 1.588,94 Não Consta Carro Quebrado Arinos 1998 42 1.529,60 Não Consta Santa Terezinha Arinos 1998 38 1.452,94 Não Consta Santo Antônio Arinos 1998 43 1.321,60 Não Consta Assa Peixe Bonfinópolis 1992 51 3.861,00 FETAEMG Mamoneiras Bonfinópolis 1995 35 1.632,00 FETAEMG Saco do Rio Preto Bonfinópolis 1995 66 2.474,00 FETAEMG Vida Nova Buritis 1996 64 4.490,00 MST Mãe das Conquistas Buritis 1997 60 4.681,88 MST Nova Itália Buritis 1997 14 939,84 MST Vila Rosa Buritis 1998 26 853,48 Não Consta Capão do Mel Formoso 1997 80 3.280,00 Não Consta Fruta D'anta João Pinheiro 1986 220 18.731,00 FETAEMG Floresta João Pinheiro 1996 77 6.251,00 FETAEMG Formiga João Pinheiro 1998 15 1.006,35 Não Consta Nova Esperança João Pinheiro 1998 48 3.419,50 Não Consta Barreiro do Cedro João Pinheiro 1998 100 6.243,88 Não Consta Aliança e Progresso Lagoa Grande 1996 52 3.429,00 FETAEMG Barreirão Lagoa Grande 1996 27 803,00 FETAEMG Nova Conquista Lagoa Grande 1996 64 2.038,00 FETAEMG Feliz União Lagoa Grande 1997 38 2.509,01 FETAEMG Mangal Natalândia 1997 75 2.400,00 FETAEMG

Continua...

Page 163: FORMAÇÃO SOCIAL E MEDIAÇÃO: A LUTA PELA TERRA E A ... · Brilhante, Sr. Antônio, Sr. Expedito e Sr. Carlito, pela ajuda e pela amizade. iii Aos professores, com os quais tive

149

Tabela 1A, Cont.

Projeto Município Ano de criação

Famílias Área (ha) Apoio

Nova Lagoa Rica Paracatu 1996 111 5.200,00 FETAEMG Aracaju Paracatu 1997 14 533,00 FETAEMG Herbert de Souza Paracatu 1997 75 3.434,00 FETAEMG Tiro e Queda Paracatu 1997 25 879,79 FETAEMG XV de Novembro Paracatu 1997 75 3.744,00 FETAEMG Santa Rosa Paracatu 1998 60 2.827,00 Não Consta Buriti da Conquista Paracatu 1998 71 4.586,28 Não Consta Prata dos Netos Pres. Olegário 1991 21 976,00 FETAEMG Santo Antônio Pres. Olegário 1997 173 8.857,00 FETAEMG Santa Maria Pres. Olegário 1998 40 4.906,15 Não Consta Palmeirinha Unaí 1986 183 6.146,00 FETAEMG Bálsamo Unaí 1987 63 3.281,00 FETAEMG São Pedro Cipó Unaí 1992 80 5.280,00 FETAEMG S. Clara Furandinho Unaí 1995 30 1.293,00 FETAEMG Boa União Unaí 1996 100

4.667,00 FETAEMG

Renascer Unaí 1996 45 1.515,00 FETAEMG Campo Verde Unaí 1997 41 2.330,31 FETAEMG Nova Califórnia Unaí 1997 41 2.080,00 FETAEMG Paraíso Unaí 1997 77 3.915,00 FETAEMG Vazante Unaí 1998 50 2.304,00 MSTR Barrerinho Unaí 1998 45 3.941,99 MSTR Brejinho Unaí 1998 104 3.119,00 MSTR Canabrava Unaí 1998 16 509,70 MSTR Jibóia Unaí 1998 55 1.648,61 MSTR Santa Marta Unaí 1998 60 2.345,48 MSTR São Miguel Unaí 1998 29 1.193,00 MSTR

Fonte: INCRA-MG (SR-06) e INCRA-DF (SR-28).