fragmentos Éticos de hierocles e sobre a mulher grega
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Fragmentos éticos do filósofo estoico Hierócles e fragmentos éticos sobre a mulher grega pelas filósofas Perictione, mãe de Platão, e Fíntis de Esparta.TRANSCRIPT
FRAGMENTOS ÉTICOS DE HIERÓCLES
E
FRAGMENTOS ÉTICOS SOBRE A MULHER GREGA
POR PERICTIONE E FÍNTIS DE ESPARTA
FRAGMENTOS ÉTICOS DE HIERÓCLES
E
FRAGMENTOS ÉTICOS SOBRE A MULHER GREGA
POR PERICTIONE E FÍNTIS DE ESPARTA
Tradução por Nogueira Sousa
Traduzido para o Português a partir das traduções de Thomas Taylor de
“Political Fragments of Archytas and other ancient Pythagoreans”.
Introdução
Os seguintes fragmentos apresentam a visão filosófica dos antigos gregos a
respeito de valores éticos e morais de sua época. É notável a preocupação em
garantir a coesão e a estabilidade da comunidade da qual fazem parte, tornando
até mesmo difícil estabelecer uma linha clara entre o que seria privado e
público, já que ambos estão tão intimamente ligados na visão ética de tais
filósofos. Assim, temos um grande contraste entre a visão ética dos antigos e a
visão ética corrente que preza pelo individualismo e muitas vezes um
rompimento com a sociedade, criando um abismo cada vez maior entre a ideia
de público e privado, ou individual. Portanto, pode-se concluir que os antigos
possuíam uma visão de mundo holista, como se a sociedade fosse uma árvore
na qual cada um encontra o seu papel, seja nas folhas, frutos, flores ou nos seus
ramos. Tal visão pode inclusive nos ajudar a entender diversos problemas que
afligem a nossa sociedade atual, mergulhada no individualismo e numa busca
incessante pelo novo, ignorando completamente o passado ou atribuindo-lhe
uma imagem negativa, junto a uma ideia de progresso, como se a cada geração
viesse algo cada vez melhor e que, de certa forma, anula o que foi feito pelas
gerações anteriores, contrastando também fortemente com a visão cíclica de
tempo dos antigos, que preza pela estabilidade e a garantia da existência de
suas comunidades, crenças e valores. A falha em entender nosso lugar no
mundo e no tempo leva então a uma crise ética, moral e, consequentemente,
política, pois se o maior bem é a liberdade individual, a liberdade e o bem estar
coletivos ficam afetados em nome do indivíduo, um indivíduo que não
consegue se ver como fazendo parte de um todo e que dentro do paradigma
democrático também possui voz e poder político.
Além disso, os valores religiosos se faziam fortemente presentes na
mentalidade dos antigos. Podemos notar uma progressão nos escritos que se
origina dos assuntos metafísicos, isto é, o cosmos e os deuses até os assuntos de
ordem mais mundana e individual. Assim, os sacrifícios, festivais e ritos são
sempre lembrados, pois a conexão com o mundo espiritual garante o bem estar
do mundo terreno. Dessa forma, notamos também como a religião possuía um
papel importante na vida antiga pré-cristã.
O primeiro trabalho traduzido são fragmentos éticos do filósofo estoico
Hierócles do séc. II d. C. Nada se sabe sobre a sua vida, mas como um estoico,
Hierócles também prega a disciplina e a supressão das reações negativas e dos
vícios, como agentes perturbadores da tranquilidade da alma. Assim, o sábio
pode conviver melhor em sociedade e conduzindo os demais, através do
exemplo, a serem melhores também. Os fragmentos apresentados foram
preservados por Joannes Stobaeus, homem que viveu no séc. V d. C. e que
compilou diversos trabalhos que, felizmente, sobreviveram até os dias de hoje.
Os demais fragmentos são de autoria de duas filósofas gregas: Fíntis de Esparta
e Perictione, ambas do séc. V a. C. Quanto à primeira, nada se sabe sobre sua
vida, mas crê-se que ela era de Esparta, sendo possivelmente filha de um
general espartano chamado Calicratidas. Já Perictione foi mãe do famoso
filósofo Platão e descendente de Sólon. Ambas filósofas abordam sobre o
comportamento feminino, como as mulheres devem se portar e o seu papel na
sociedade grega. Por ser parte da nobreza, Perictione chega até mesmo a
mostrar que mulheres também poderiam exercer cargos de poder,
administrando cidades. Apesar da mulher grega ser frequentemente
apresentada numa posição de submissão ao homem, evidencia-se também o
importante papel que ela tinha na ordem dos lares e também da cidade. Tais
fragmentos nos são de grande valor, pois apresentam-nos a visão de mulheres
da época sobre a mulher grega, o que pode desmistificar, talvez, diversos mitos
a respeito do tratamento que os gregos davam às suas mulheres.
- Nogueira Sousa
Sumário
Fragmentos éticos de Hierócles
Como devemos nos conduzir perante os Deuses
Como devemos nos conduzir perante nossa pátria
De que forma devemos nos conduzir perante nossos pais
Sobre o amor fraternal
Sobre o matrimônio
Como devemos nos conduzir perante nossos parentes
Sobre economia
Fragmentos éticos sobre a mulher grega
Do tratado de Perictione sobre os deveres de uma mulher
Do tratado de Perictione sobre a harmonia de uma mulher
Do tratado de Fíntis, a filha de Calicrates, sobre a temperança de uma
mulher
FRAGMENTOS ÉTICOS DE HIERÓCLES
Como devemos nos conduzir perante os Deuses
Tais particularidades, também, como as seguintes, devem ser previamente
assumidas a respeito dos Deuses: que eles são imutáveis e firmes em seus
decretos. Assim eles nunca mudam a concepção do que lhes parecia correto no
início, pois há uma imutabilidade e firmeza das virtudes, o que torna razoável
supor que subsistem de forma transcendente com os Deuses e que transmitem
uma estabilidade que nunca falha às suas concepções. Do que é evidente que
não há probabilidade de que as punições que as divindades considerem
adequadas a serem aplicadas possam ser canceladas. Pois é fácil inferir que se
os Deuses mudam as suas decisões e se omitem em punir aquele que eles
previam punir, o mundo não pode ser nem maravilhosa e nem justamente
governado; nem qualquer razão provável para [a necessidade de]
arrependimento pode ser designada. A poesia também parece ter afirmado tais
coisas da seguinte forma, precipitadamente, e sem nenhuma razão:
Por incensos e libações, votos gentis,
E sacrifícios e orações, os homens curvam os Deuses,
Quando transgridem e desviam-se do que é correto.1
E
Pois até mesmo os Deuses são flexíveis.2
E em resumo, qualquer coisa de natureza similar pode ser encontrada na
poesia.
Nem devemos nos omitir em notar que, apesar dos Deuses não serem as causas
do mal, ainda sim ligam certas pessoas a coisas desse tipo e cercam aqueles que
merecem [ser afligidos] com malefícios corporais e externos, não por qualquer
maldade, ou porque pensam que os homens devam lutar contra dificuldades,
mas apenas por punição. Pois como a pestilência e a estiagem, e além das
chuvas excessivas, terremotos e quaisquer outras coisas do tipo, são na maior
parte produzidas através de outras causas mais físicas, ainda sim são às vezes
causadas pelos Deuses, quando os tempos estão de tal forma que a iniquidade
da multidão, publicamente e em comum, deva ser punida. Da mesma forma, os
Deuses às vezes afligem um indivíduo com malefícios corporais e externos para
puni-lo e converter os demais ao que é certo.
Mas para ser persuadido de que os Deuses nunca são a causa de qualquer mal,
é de grande ajuda, como me parece, a conduta adequada perante os Deuses,
pois os males procedem apenas do vício, mas os Deuses são em si mesmos as
causas do bem e de qualquer coisa que seja vantajosa, enquanto não admitamos
a sua benevolência, mas nos cercamos de males voluntários. Assim, nessa
ocasião, parece-me que é bem dito pelo poeta:
-- que os mortais culpam os Deuses,
como se fossem as causas dos seus males!
-- mas não pelo Destino,
Mas por seus crimes que sofrem dor e angústia.3
Por isso pode ser provado por muitos argumentos que Deus não é nunca a
causa do mal de forma alguma, mas agora devemos apenas citar o que Platão4
diz: “que como o que é quente não tem a função de refrigerar, mas o contrário,
então nem o que é benevolente tem a função de ser nocivo, mas o contrário.”
Ainda mais, Deus sendo bom, e imediatamente repleto desde o começo de cada
virtude, não pode ser nocivo ou ser a causa de qualquer mal para alguém, mas
ao contrário, deve transmitir todo o bem para aqueles que estão dispostos a
recebê-lo, concedendo-nos também certos meios que estão de acordo com a
natureza e que são eficazes do que é conforme com a natureza. Mas há apenas
uma causa do mal [...]5
1. Ilíada IX, v. 495. 6. 7.
2. Ilíada IX, v. 493.
3. Odisseia I, v. 32, 33, 34.
4. Primeiro livro de “A República”.
5. A continuação da frase está faltando no fragmento original.
Como devemos nos conduzir perante nossa pátria
Após falar dos Deuses, é mais razoável mostrar em seguida como devemos nos
conduzir perante nossa pátria. Pois, por Júpiter, nossa pátria é como se fosse
um deus secundário e nosso primeiro e maior pai. Assim, aquele que lhe deu o
nome não a denominou precipitadamente de pátria: essa palavra é derivada de
pater, um pai; mas é pronunciada com uma terminação feminina, para que seja
como uma mistura de pai e mãe. Essa razão também proclama que nossa pátria
deve ser honrada igualmente com nossos pais, mas devemos preferir tomar
cada um deles de forma separada e não honrar ambos mais do que isso, mas
lhes dar uma porção igual de respeito. Há, da mesma forma, outra razão que
nos exorta a honrá-la mais do que nossos pais juntamente, e não apenas honrá-
la além deles, mas também preferi-la mais do que nossas esposas, filhos e
amigos e, resumidamente, após os Deuses, mais do que todas as outras coisas.
Portanto, é estúpido aquele que estima mais um dedo do que os cinco, pois é
mais sábio aquele que prefere os cinco do que um só, pois aquele despreza o
que é mais elegível, mas este, preferindo os cinco, também preserva aquele
único dedo: da mesma forma, aquele que deseja mais salvar a si mesmo do que
salvar a sua pátria, além de agir de forma ilegal, deseja impossibilidades. Mas
aquele que prefere seu país do que a si mesmo é caro à divindade e raciocina
correta e firmemente. Ao mesmo tempo é notável que, apesar de alguém não
estar incluído no sistema [ou na combinação cooperante de muitos], mas ser
considerado como fora dele, ainda é razoável que esse alguém deva preferir a
segurança do sistema do que a sua preservação individual, pois a destruição da
cidade evidenciará que a segurança do cidadão depende completamente de sua
existência, assim como a amputação da mão implica na destruição de um dedo
como parte da mão. Podemos então concluir sumariamente que o geral não
pode ser separado da utilidade privada, mas deve ser considerado como junto e
unido a ela, pois aquilo que é vantajoso à pátria é comum para cada uma de
suas partes, já que o todo sem as partes não é nada. E vice-versa, o que é
vantajoso para o cidadão também se extende à cidade, se é constatado como
benéfico ao cidadão. Pois o que é útil a um dançarino, enquanto for um
dançarino, também será vantajoso para todo o coro.
Depositando, portanto, todo esse raciocínio no poder discursivo da alma,
deveremos receber muita luz dele nas suas particularidades, para que nunca
deixemos de realizar para a nossa pátria aquilo que nos é requerido.
Assim, digo que é necessário que toda a paixão e doença da alma devem ser
removidas daquele que busca agir bem pela sua pátria. Da mesma forma é
necessário que um cidadão observe as leis de seu país como certos deuses
secundários e se lhes preste perfeitamente conforme seu mandato. Mas aquele
que se esforça em transgredi-las, ou fazer qualquer inovação nas leis, deve ser
com toda a diligência possível impedido de fazê-lo e de toda forma oposto, pois
um desprezo das leis existentes e a preferência de leis novas às leis antigas não
são de qualquer forma benéficos à cidade. Assim, é necessário que aqueles que
estejam pertinazmente dispostos a agir dessa forma sejam impedidos de darem
seus votos e de fazer inovações precipitadas. Portanto, elogio Zaleucus, o
legislador Locriano, que ordenou que aquele que quisesse introduzir uma nova
lei deveria fazê-lo com uma corda em seu pescoço, para que pudesse ser
imediatamente enforcado, a não ser que ele pudesse mudar a antiga
constituição política para a verdadeira vantagem da comunidade. Mas os
costumes, que são verdadeiramente os da pátria, e os quais, talvez, são mais
antigos que as próprias leis, devem ser preservados não menos que as leis. Os
costumes presentes, entretanto, que são de ontem e que foram introduzidos tão
recentemente em cada cidade, não devem ser considerados como costumes da
pátria, [ou como instituições ancestrais]; e talvez nem devam ser encarados
como costumes. Seguinte a isso, pelo costume ser uma lei não escrita, tendo
como sua inscrição um bom legislador, a aprovação de todos aqueles que dele
fazem uso, talvez nesse caso, é próxima às coisas que são naturalmente justas.
De que forma devemos nos conduzir perante nossos pais
Depois de falar dos Deuses e da pátria, que pessoa merece ser mencionada mais
do que ou antes de nossos pais? Assim é necessário que falemos deles. Portanto,
aquele que diz que eles são como Deuses terrestres secundários, não estará
errado, pois devido a sua proximidade a nós, eles devem, se for adequado
dizer, ser mais honrados por nós do que os próprios Deuses.
Mas é necessário antes assumir que a única medida de gratidão a eles é uma
prontidão perpétua e inegável para retribuir os benefícios que recebemos deles,
pois apesar de devermos fazer-lhes muitas coisas para o seu bem, ainda sim
elas serão muito menos do que eles merecem. Ao mesmo tempo, também pode
ser dito que esses nossos feitos são quase que como deles, pois são feitos para
aqueles que nos criaram. Assim como os trabalhos de Fídias e de outros artistas
que produzem outras coisas, não devemos hesitar em dizer que essas outras
coisas também são trabalhos dos artistas. Assim, da mesma forma, pode ser dito
justamente que nossas ações são os feitos de nossos pais, dos quais derivamos a
nossa existência da mesma forma.
Assim, para que possamos facilmente cumprir os deveres que lhes devemos,
será necessário ter sempre em mente o seguinte pensamento, de que nossos pais
devem ser considerados por nós como as imagens dos Deuses e, por Júpiter,
como Deuses domésticos, nossos benfeitores, familiares, credores, senhores e os
mais fiéis amigos; pois são as mais fiéis imagens dos Deuses, possuindo uma
similitude a Eles além do poder que a arte tem de representar. São os Deuses
guardiões da casa e vivem conosco e, além disso, são nossos maiores
benfeitores, transmitindo-nos coisas das maiores consequências e, por Júpiter,
concedendo-nos não apenas o que possuímos, mas também coisas tais como
desejam nos dar e pelas quais os próprios oram. Ainda mais, são também
nossos parentes mais próximos e as causas de nossas alianças com outros.
São também os credores das coisas da mais honrável natureza e se reembolsam
apenas por tomar aquilo do qual seremos beneficiados por retornarmos, pois o
que pode ser tão bom para uma criança como a piedade e a gratidão de seus
pais? São também os nossos mais justos senhores: pois de que forma
poderíamos estar dentro de um grau maior de posse do que daqueles pelos
quais existimos? Ainda mais, são amigos e ajudantes perpétuos e espontâneos,
todas as vezes e em todas as circunstâncias nos dando assistência. Entretanto, o
nome do pai é a mais excelente das designações já citadas, de acordo com o que
também denominamos os próprios Deuses. Uma outra coisa deve ser
adicionada a essa concepção: que os filhos devem ser persuadidos de viverem
na casa de seu pai, como se fossem ministros e sacerdotes num templo,
nomeados e consagrados para este fim da própria natureza, a qual confiou a
atenção reverencial aos seus pais aos seus cuidados.
Mas no que diz respeito à atenção, um tipo pertence ao corpo, mas outro à
alma, e devemos prontamente fazer aquilo que cada um deles demanda, se
quisermos fazer aquilo que a razão nos convence a fazer. Mas a razão nos
convence a prestar menos atenção ao corpo do que a alma, apesar de que a
atenção ao primeiro é necessária. Devemos, portanto, buscar para nossos pais
comida em quantidade generosa e adequada à debilidade da velhice e, além
disso, um leito, sono, cuidados, banho, roupas e, resumindo, tudo que seja
necessário ao corpo, para que eles nunca, em qualquer momento,
experimentem a necessidade de qualquer uma dessas coisas. Dessa forma,
imitando o seu carinho em nossa criação quando éramos crianças. Assim,
devemos nos compelir a lhes empregar uma certa atenção profética, para
descobrir o que eles realmente desejam das coisas pertinentes ao corpo, apesar
de que eles não devam indicar o objeto de seus desejos, já que eles advinhavam
muitas coisas a nosso respeito quando nós frequentemente mostrávamos,
através de sons inarticulados e chorosos, que precisávamos de certas coisas,
mas éramos incapazes de indicar claramente o que desejávamos. Assim os
nossos pais, pelos benefícios dos quais eles antes nos deram, tornam-se para nós
os professores daquilo que devemos concedê-los.
A respeito das almas de nossos pais, devemos, em primeiro lugar, buscar-lhes
alegria, que será especialmente obtida se sermos atenciosos a eles noite e dia,
caminhar, cuidar deles e viver junto a eles, a não ser que algo nos impeça, pois
para aqueles que já estão em uma longa jornada a conversa com os seus
familiares e amigos é a mais agradável, segundo o costume daqueles que
acompanham uma procissão solene. Assim, também, aos pais que já estão à
beira da morte, a atenção assídua e constante de seus filhos é a mais aceitável e
a mais querida. Além disso, se alguma vez eles agirem mal, o que muitas vezes
acontece com muitos e especialmente com aqueles que foram educados de uma
maneira mais vulgar, devem ser corrigidos, mas não, por Júpiter, com
repreensão, como estamos acostumados a fazer com nossos inferiores ou iguais,
mas com exortações. E não como se eles tivessem errado por ignorância, mas
como se tivessem cometido um equívoco por desatenção e que se eles tivessem
cuidado, não errariam de forma alguma, já que admoestações, especialmente se
forem veementes, são graves àqueles que são de idade. Então é necessário que o
remédio de seus equívocos seja acompanhado de brandas exortações e de um
certo artifício elegante. Os filhos, da mesma forma, aumentam a alegria de seus
pais por realizar-lhes deveres servis, como lavar-lhes os pés, fazer-lhes suas
camas e atendê-los na maneira de servos, pois eles se sentem satisfeitos ao
receberem as atenções servis necessárias das mãos mais caras de seus filhos e ao
fazerem uso de seus serviços.
Mas os pais serão especialmente gratificados quando seus filhos honrarem
aqueles a quem eles mais amam e estimam, pois é cabível que os filhos deem
certa atenção a eles e de forma similar devem amar os amigos dos seus pais e
todos aqueles que lhes são queridos. E admitindo isso, seremos capazes de
observar muitos deveres dos filhos aos seus pais, que não são nem pequenos e
nem banais, pois já que nossos pais são gratificados pela atenção que damos
àqueles que eles amam, seremos no mais eminente grau amados pelos nossos
pais e é evidente que devemos muito agradá-los, dando a atenção devida a nós
mesmos.
Sobre o amor fraternal
A primeira advertência, portanto, é muito clara, facilmente obtida e comum a
todos os homens, pois é uma afirmação sã, que todo homem considerará como
evidente. E é esta: aja por todos, como se você se colocasse no lugar do outro e o
outro no seu, pois aquele que considerar o outro junto a ele e pensar como seria
adequado ser usado pelo outro, se o outro fosse de fato o seu senhor, usará bem
o seu servo. A mesma coisa também deve ser dita dos pais em relação aos filhos
e dos filhos em relação aos pais e, assim, de todos os homens em relação a
todos.
Essa advertência, entretanto, é transcendentalmente adaptada à aliança entre
irmãos, já que nada mais é necessário para alguém do que admitir
previamente, considerando como deverá se conduzir perante seu irmão, a
semelhança natural de suas pessoas. Isto, portanto, é a primeira advertência:
que um homem deve agir perante seu irmão da mesma forma que ele considera
como seu irmão deveria agir perante ele. Mas, por Júpiter, alguns podem dizer,
eu não excedo propriedade em minhas maneiras e sou justo, mas as maneiras
de meu irmão são rudes e sem afabilidade. Mas este, no entanto, não fala
corretamente, pois em primeiro lugar, talvez ele não fale a verdade, já que um
amor excessivo de si mesmo é suficiente para induzir um homem a engrandecer
e exaltar aquilo que lhe pertence e diminuir e vilipendiar o que pertence a
outrem. Frequentemente, portanto, homens de valor inferior preferem a si
mesmos do que os outros que possuam caráter muito mais excelente. Logo,
apesar do irmão ser na verdade tal pessoa [como descrito acima], devo dizer-
lhe: prove que você é um homem melhor que seu irmão e você acabará com a
sua rudez através de sua benevolência, pois não há gratidão maior àqueles que
se conduzem moderadamente frente aos homens dignos e benévolos, mas
tornar mais brando aquele que é estúpido e do qual as maneiras são rudes é o
trabalho de um homem - devidamente assim chamado - e merece grande
aplauso.
Nem é absolutamente impossível para que a exortação faça efeito, pois dentro
de homens das mais absurdas maneiras, há sementes de uma mutação para
uma melhor condição e de honra e amor aos seus benfeitores, e não são até
mesmo animais selvagens - assim como são aqueles mais hostis a nossa raça e
que são levados por violência e detidos por correntes e contidos por jaulas –
feitos brandos por certas formas de tratamento e por diariamente dar-lhes de
comer? E não poderia um homem que é um irmão, ou mesmo qualquer outra
pessoa, que merece atenção em um grau muito maior do que um bruto, ser
levado a maneiras mais brandas por ser tratado de forma adequada, apesar de
que não se deva se esquecer completamente de sua rudez? Em nosso
comportamento, portanto, frente a todo homem, e em grau muito maior perante
um irmão, devemos imitar a resposta de Sócrates àquele que lhe disse: “Que eu
morra se não vingar-me de ti.” E a sua resposta foi: “Que eu morra se eu não
tornar-te meu amigo.” E assim muito tocante a essas particularidades.
Seguinte a isso, um homem deve considerar que de certa forma seus irmãos são
partes de si, assim como meus olhos são partes de mim e da mesma forma
minhas pernas, minhas mãos e os demais membros de meu corpo, pois irmãos
possuem a mesma relação com a família considerada como uma só coisa - como
partes de todo um corpo. Assim, os olhos e as mãos, se cada um deles
recebessem uma alma e intelecto peculiar, dariam, por todo artifício possível,
atenção às demais partes do corpo, devido à comunhão citada anteriormente,
pois eles não poderiam realizar bem o seu dever correspondente sem a presença
dos outros membros. Logo também é necessário que nós que somos homens e
que reconhecemos possuirmos uma alma, não omitamos deveres que nos sejam
exigidos a nossos irmãos.
E mais uma vez, irmãos são mais naturalmente adaptados a se assistirem do
que são as partes do corpo, pois os olhos, de fato, sendo presentes com cada
um, veem o que lhes está à frente e uma mão coopera com a outra que está
presente, mas o trabalho mútuo de irmãos é, de certa forma, muito mais
multifacetado, pois realizam coisas que são proveitosas em comum, apesar de
que devam estar na maior distância um do outro, e muito se beneficiam de um
ao outro, apesar de que o intervalo que os separa deva ser imensurável. Assim,
deve ser considerado que nossa vida parece ser uma longa guerra conduzida
pela extensão de muitos anos, e isso é em parte pela natureza das próprias
coisas que possuem uma certa oposição e em parte pelas ocorrências repentinas
e inesperadas da fortuna, mas a maior parte delas pelo vício, que nem se abstém
de qualquer violência e nem de qualquer fraude e estratagemas maléficos.
Assim, a natureza, não sendo ignorante do propósito ao qual nos gerou,
produziu cada um de nós acompanhado, de certa forma, por um auxiliar.
Ninguém, portanto, está sozinho, nem deriva sua origem de uma árvore ou
rocha, mas dos pais e em conjunção com os irmãos e parentes e outros
familiares. Mas a razão nos trás grande assistência, conciliando-nos a estranhos
e àqueles que não possuem conexão conosco por sangue e nos buscando uma
abundância de auxiliares. Dessa forma, nós naturalmente nos esforçamos em
encantar e fazer todos nossos amigos. Logo é algo perfeitamente insano desejar
ser unido àqueles que não tenham nada da natureza que seja capaz de buscar
nosso amor e voluntariamente se tornar familiar a eles no mais estendido grau e
ainda sim negligenciar aqueles auxiliares e associados prontos que são
fornecidos pela própria natureza, como os irmãos parecem ser.
Sobre o matrimônio
A discussão do matrimônio é a coisa mais necessária, já que toda a nossa raça é
naturalmente adaptada à sociedade. Mas a primeira e mais elementar de todas
as associações é aquela que se faz pelo casamento, pois cidades não poderiam
existir sem famílias.
A família de um homem não casado é realmente imperfeita, enquanto que, ao
contrário, a daquele que é casado é perfeita e completa. Assim, mostramos em
nosso tratado “Sobre as Famílias” que uma vida acompanhada de um
matrimônio deve ser previamente escolhida pelo homem sábio, mas uma vida
de solteiro não deve ser escolhida, a não ser que circunstâncias particulares a
demandem. Logo, como é necessário que devamos imitar o homem de intelecto
sempre que pudermos e que o casamento é para ele um objeto de escolha
prévia, é evidente que isso nos seja também apropriado, a não ser que alguma
coisa aconteça que nos impeça disso. E essa é a primeira razão pela qual o
matrimônio é mais necessário.
Mas parece que a própria Natureza, antes do homem sábio, nos incita a isso, e
também leva o homem sábio a casar-se. Ela não só nos fez gregários, mas
também adaptou à copulação e propôs a criação de filhos e a estabilidade da
vida como a finalidade e o trabalho comum do matrimônio. Mas a Natureza
justamente nos ensina que a escolha de coisas apropriadas sejam feitas de
acordo com o que ela nos dá. Todo animal, portanto, vive confortavelmente
com a sua constituição natural e, por Júpiter, de uma maneira similar toda
planta vive de acordo com a vida que lhe é concedida.
A única diferença entre os dois é que este não emprega nenhuma razão, ou
certa enumeração, na seleção de coisas que exploram, já que fazem uso da
Natureza apenas, pois não participam da alma, mas animais são levados a
investigar o que lhes é apropriado por imaginações e desejos estimulantes.
Para nós, entretanto, a Natureza deu a razão, para que possamos examinar as
coisas e, junto com todas as outras, ou então antes de todas as coisas, dirigirmos
nossa atenção à própria Natureza, para nos inclinarmos a ela de forma
ordenada para um objetivo muito esplêndido e estável e, escolhendo todas as
coisas que lhe são consoantes, vivermos de uma maneira transformadora.
Assim não errará aquele que dizer que uma família seja imperfeita sem um
matrimônio, pois não é possível conceber um governador sem os governados,
nem os governados sem um governador. E essa razão me parece ser muito bem
calculada para envergonhar aqueles que são avessos ao casamento.
Digo, portanto, que o casamento é vantajoso. Em primeiro lugar, por produzir
um fruto verdadeiramente divino: a procriação de filhos, já que eles serão
nossos assistentes em todas as nossas ações - compartilhando de nossa natureza
- , enquanto nossa força é ainda completa, e ainda serão bons auxiliares,
quando estivermos cansados e oprimidos pela velha idade. Serão também os
associados familiares de nossa alegria na prosperidade e participantes
empáticos de nossas tristezas na adversidade. Ainda mais, além da procriação
de filhos, a associação com a esposa é vantajosa, pois, em primeiro lugar,
quando estivermos cansados com os trabalhos da casa, ela nos receberá com
pronta gentileza e nos agradará com toda a atenção possível. Seguinte a isso,
nos produzirá um esquecimento de nossas moléstias. Aquelas circunstâncias
tristes da vida que acontecem no fórum, ou no ginásio, ou no país e, em resumo,
em todas as preocupações e solicitudes ocasionadas pelas discussões com
nossos amigos e familiares, não nos molestarão tão obviamente, sendo
obscurecidas por nossas ocupações necessárias, mas quando estamos livres
delas, retornamos à casa e nossas mentes ficam, como estavam antes, em lazer,
assim essas preocupações e solicitudes se aproximam, aproveitando-se dessa
ocasião, para nos atormentar no momento que a vida está destituída de
benevolência e é solitária. Assim, a esposa estando presente se torna um grande
consolo nessa situação, fazendo-nos perguntas sobre assuntos externos ou por
se referir e considerar, junto ao seu marido, a algo sobre preocupações
domésticas e assim, pela sua espontaneidade sincera, permite-lhe uma certa
exuberância de prazer e deleite. Mas seria muito prolixo enumerar
particularmente os benefícios de uma esposa em festivais, pelo propósito de
buscar sacrifícios e vítimas, durante as viagens de seu marido, por preservar a
família em uma condição estável e não deixar que ela fique totalmente sem um
líder, em dar atenção adequada aos servos e na ajuda que ela concede ao seu
marido quando este é afligido por doença.
É suficiente dizer sumariamente que duas coisas são necessárias a todos os
homens para que passem pela vida de uma forma conveniente: a ajuda dos
familiares e a benevolência simpática. Mas não podemos encontrar nada mais
simpático que a esposa, nem qualquer coisa mais familiar que os filhos. Ambos
são permitidos pelo casamento. Como seria possível então o casamento não nos
ser vantajoso?
Também penso que uma vida de casado seja bela, pois o que mais poderia
servir melhor de ornamento à família como a associação de marido e esposa?
Não deve ser dito que edifícios pomposos, paredes cobertas de mármore e
jardins enfeitados com pedras, que são admirados por aqueles que são
ignorantes do verdadeiro bem, ou pinturas e arcos ornados de mirto, nem
qualquer outra coisa que seja a causa de perplexidade ao estúpido, sejam o
ornamento de uma família.
Mas a beleza de uma família consiste na conjunção de homem e mulher, que
são unidos um ao outro pelo destino e são consagrados aos Deuses que
presidem sobre as núpcias, nascimentos e casas, que se harmonizam um com o
outro e que possuem todas as coisas em comum, até mesmo em seus corpos, ou
mesmo nas suas próprias almas, que também exercem uma autoridade
conveniente sobre sua casa e servos. São apropriadamente solícitos quanto à
educação de seus filhos e dão atenção às prioridades da vida, que não são nem
excessivas e nem negligentes, mas moderadas e apropriadas, pois o que pode
ser melhor e mais excelente, como o mais admirável Homero diz,
Do que quando em casa o marido e a esposa
Vivem unanimamente.1
Muitas vezes refleti sobre aqueles que concebem que a vida com uma mulher
seja penosa e dolorosa. Mas uma mulher não é, por Júpiter, nem um fardo ou
uma moléstia, como lhes parece, mas, ao contrário, é algo leve e fácil de ser
carregado, ou melhor, ela possui o poder de exonerar o seu marido das coisas
que são realmente incômodas e pesadas - pois não há nada tão incômodo que
não possa ser carregado por um marido e esposa que estejam em concordância
e que estejam prontos para suportá-lo juntos. Mas a imprudência é realmente
penosa e difícil de ser suportada pelos seus possessores: pois através dela as
coisas naturalmente leves e, entre outras, uma esposa, tornam-se pesadas.
Na verdade, o casamento é para muitos intolerável, não por si mesmo, mas
porque tal associação com uma mulher é naturalmente insuportável. Mas
quando casamos com aqueles que não deveríamos e, junto a isso, estamos
totalmente ignorantes da vida e despreparados para tomar uma esposa de uma
forma livre e aberta, como deveria ser, então essa associação se torna difícil e
intolerável. É certo então que o casamento seja feito de forma vulgar dessa
maneira, pois não tomam uma esposa para a procriação de filhos e para a
associação da vida, mas são induzidos a casar pela magnitude do dote, outros
para mudar de imagem e outros por coisas similares e, empregando esses maus
conselheiros, não prestam atenção à disposição e maneiras da noiva, mas
celebram as núpcias para a sua própria destruição e com suas portas coroadas
para se lhes apresentar um tirano em vez de uma esposa, ao qual não podem
resistir e com o qual serão incapazes de lutar pela autoridade chefe.
É evidente, portanto, que o casamento por essas causas, e não por si mesmo,
torna-se penoso e intolerável a muitos. É adequado então, como é dito, não
culpar as coisas que não são nocivas e nem usar nossa imbecilidade como a
causa de reclamações contra elas. Além disso, é também de outra forma muito
absurdo buscar por todos os lados os auxiliares da amizade e buscar certos
amigos e associados, como aqueles que irão nos defender nas dificuldades da
vida, e não explorar e se esforçar para obter tal alívio, defesa e assistência que
nos são concedidas pela natureza, pelas leis e pelos Deuses, através de uma
esposa e filhos.
Acerca de uma prole numerosa, é de certa forma, de acordo com a natureza e
apropriado ao casamento que todos, ou a maior parte daqueles que nascem,
sejam educados. Muitos, entretanto, parecem não estar convencidos desse
conselho, por uma causa não muito decente: por estarem tão afetados por um
amor a riquezas e por pensarem que a pobreza é um grande mal iminente.
Em primeiro lugar, portanto, deve ser considerado que ao termos filhos não só
geramos assistentes a nós mesmos, - consoladores da nossa velha idade e
participantes conosco de toda nossa sorte e toda circunstância que possa ocorrer
em vida - mas em muitas coisas também geramos para nossos pais, pois a
procriação de crianças é gratificante a eles, porque se sofrêssemos de qualquer
coisa de natureza calamitosa antes de suas mortes, deixaríamos nossas crianças
como o consolo de suas velhas idades, em vez da nossa. Mas é algo belo para
um avô ser conduzido pelas mãos de seus netos e ser considerado por eles
como o merecedor de todas outras atenções.
Assim, em primeiro lugar, devemos gratificar nossos próprios pais, dando
atenção à procriação de filhos. E, seguinte a isso, devemos cooperar com as
orações e desejos ardentes daqueles que nos geraram, pois desde sempre foram
solícitos ao nosso nascimento, concebendo que através de nós haveria uma
sucessão prolongada deles mesmos e devem prestar atenção ao nosso
casamento, nossa procriação e nossa educação.
Logo, por casarmos e termos fihos, devemos cumprir aquilo que foi parte de
suas orações. Mas, por sermos de opinião contrária, devemos cortar o objeto de
sua escolha deliberada. Além disso, parece que todos que voluntariamente e
sem nenhuma circunstância que os restrinja evitam o casamento e a procriação,
acusam os seus pais de loucura, como não tendo se comprometido com um
casamento com as concepções corretas das coisas. Também é fácil de ver que tal
pessoa forma uma opinião incongruente, pois como é possível que uma pessoa
que não esteja cheia de dissensão, que encontra prazer na vida e continua a
viver com vontade como alguém que foi colocado em existência de forma
conveniente por seus pais, pense que a procriação está entre as coisas que
devem ser rejeitadas? Em primeiro lugar, como já observamos anteriormente, é
necessário considerar que não geramos filhos para nossa satisfação apenas, mas
também para aqueles dos quais fomos gerados e, além disso, pelo bem de
nossos amigos e parentes, pois é gratificante a estes ver as nossas crianças, tanto
em razão de benevolência e afinidade quanto por segurança. E a vida daqueles
aos quais elas pertencem é estabelecida em um porto como algo análogo a
embarcações, as quais, apesar de fortemente agitadas pelas ondas do mar, estão
firmemente seguros pelas muitas âncoras. Em razão disso, o homem que ama os
seus familiares e os seus associados, desejará encarecidamente se casar e ter
filhos.
Da mesma forma também somos fortemente chamados a fazê-lo para a nossa
pátria, pois geramos filhos tanto para nós mesmos quanto para nossa pátria,
buscando uma raça que possa nos seguir e provendo a comunidade com nossos
sucessores. Assim o sacerdote deve saber que ele deve sacerdotes a sua cidade;
o governante que deve governantes; o orador público que deve oradores
públicos; e, no geral, que o cidadão deve cidadãos a ela. Como para um coro, a
continuidade perene daqueles que o compõem é gratificante, e para um
exército, a duração dos soldados, e para uma cidade, a duração de seus
cidadãos. Se, então, uma cidade fosse um sistema de curta duração e a sua vida
fosse proporcional à vida do homem, não haveria a necessidade de sucessão.
Mas já que é prolongada por muitas gerações, e se empregar um daemon mais
afortunado dura por muitas eras, é evidente que não é só necessário dirigirmos
nossa atenção ao presente, mas também ao tempo futuro e não desprezarmos
nosso solo natal e deixarmo-lo desolado, mas estabelecermo-lo em boas
esperanças para nossa posteridade.
1. Odisseia VII, v. 183.
Como devemos nos conduzir perante nossos parentes
A consideração dos deveres referentes aos nossos parentes é consequente à
discussão daqueles que se referem aos nossos pais, irmãos, esposas e filhos, pois
as mesmas coisas podem, de certa forma, ser ditas tanto daqueles como destes e
assim podem ser concisamente explicados. É como se cada um de nós fosse
limitado por muitos círculos, alguns dos quais são menores, outros maiores e
alguns ainda abrangem outros, mas outros são abrangidos, de acordo com os
diferentes e diversos hábitos com respeito um ao outro. E o primeiro e mais
próximo círculo é aquele que todos descrevem como próximo de sua mente
como um centro, no qual o corpo e qualquer coisa que seja assumida para o
bem deste são compreendidos, pois esse é quase o menor círculo e quase toca o
próprio centro. O segundo círculo, e que está em distância maior do centro, mas
que abrange o primeiro, é aquele no qual os pais, irmãos, esposa e filhos estão
arranjados. Seguinte a isso está o círculo que abrange os demais parentes.
Próximo a ele está aquele que contém as pessoas comuns, logo o que
compreende aqueles da mesma tribo, seguido daquele que contém os cidadãos
e então dois outros círculos se seguem, um sendo o círculo daqueles que vivem
nas redondezas da cidade e o outro daqueles da mesma província. Mas o mais
distante e maior, e que compreende todos os outros, é o de toda raça humana.
Sendo essas coisas consideradas, é a competência daquele que busca se
conduzir adequadamente em cada uma dessas conexões coletar, de certa forma,
os círculos, como se fossem para um centro, e sempre se esforçar
encarecidamente para se transferir dos círculos abrangentes aos demais outros
particulares que estão dentro deles.
Compete, portanto, ao homem que ama os seus parentes, se conduzir de forma
conveniente perante seus pais e irmãos. Também, de acordo com a mesma
analogia, perante os mais velhos dos seus parentes de ambos sexos, como os
avós, tios e tias. Perante aquele da sua mesma idade, como primos; e perante os
mais novos, como os filhos de seus primos.
Assim mostramos sumariamente como devemos nos conduzir perante nossos
parentes, tendo antes ensinado como devemos agir perante nós mesmos, nossos
pais e irmãos e, além desses, perante nossa esposa e filhos. Ao qual deve ser
acrescentado que aqueles que pertencem ao terceiro círculo devem ser honrados
de forma similar aos primeiros e, então, os parentes devem ser honrados de
forma similar àqueles que pertencem ao terceiro círculo, pois algo benevolente
deve ser tomado daqueles que estão mais distantes de nós por sangue, embora
ao mesmo tempo devemos nos esforçar para que uma assimilação possa
acontecer entre nós e eles, já que essa distância se tornará moderada, se, através
de atenção diligente que lhes dermos, cortarmos a distância de hábitos frente a
cada indivíduo desses. Desdobramos, portanto, aquilo que é mais
compreensível e mais importante nos deveres referentes aos parentes.
É necessário então acrescentar uma medida adequada que seja conforme ao uso
geral de denominações, chamando realmente primos, tios e tias, pelo nome de
irmãos, pais e mães, mas de outros parentes, para denominar alguns tios, outros
de filhos de irmãos e irmãs e outros primos, de acordo com a diferença de
idade, em consideração à extensão abundante que há nos nomes. E essa forma
de denominação não será indicação obscura de nossa atenção diligente a cada
um deles e ao mesmo tempo incitará e ampliará nossos círculos de grande
forma, como se diminuíssem de tamanho os círculos mencionados acima. Mas
como procedemos até aqui em nossa discussão, não seria irrazoável lembrarmo-
nos da distinção a respeito dos pais que fizemos anteriormente, pois quando
comparamos a mãe com o pai, dissemos que era necessário atribuir mais amor à
mãe e mais honra ao pai e, conforme a isso, devemos ainda acrescentar que é
apropriado ter mais amor por aqueles que estão conectados a nós por aliança
materna, mas honrar mais aqueles que nos são próximos por afinidade paterna.
Sobre economia
Antes de todas as coisas, é necessário falar dos trabalhos pelos quais a união da
família é preservada. Assim, portanto, devem ser divididos pela maneira
costumeira: os rurais, forenses e políticos devem ser atrbuídos ao marido; mas à
esposa, são atrbuídos a fiação de lã, a preparação de pão, culinária e, em
resumo, todas as coisas de natureza doméstica. Não obstante, não é adequado
que um seja totalmente isento dos trabalhos do outro, pois às vezes é adequado
que a esposa, quando estiver no campo, se encarregue dos servos e faça o
serviço de senhor da casa e que o marido às vezes dê atenção aos negócios
domésticos e em parte pergunte sobre e em parte inspecione o que está sendo
feito na casa. Assim, o que pertence à associação mútua de ambos será mais
firmemente conectado por sua participação conjunta nos serviços necessários.
Porém, como nossa discussão chegou até aqui, parece-me que eu não devo
omitir menção às operações manuais, pois não será impróprio acrescentá-la ao
que já foi dito sobre os trabalhos.
Que ocasião, portanto, há para dizer que é conveniente ao homem intervir nos
trabalhos agrícolas? Pois não há muitos pelos quais isso não seja admitido. Mas
embora muito luxo e ociosidade ocupem a vida dos homens de nossos dias,
ainda é raro encontrar algum que não queira se engajar no trabalho de semear e
plantar e ser empregado em outros trabalhos que pertencem à agricultura.
Talvez, então, os argumentos que chamam o homem a tomar parte dos
trabalhos que pertencem à mulher seriam muito menos persuasivos, pois
homens que dão grande atenção à organização e limpeza não conceberão que
fiar lã seja o seu trabalho, já que, na grande maioria, homens vis e diminutos,
que são delicados e efeminados, se aplicam à fiação de lã através de uma
emulação da delicadeza feminina. Mas não se tornam homens, como aqueles
que verdadeiramente o são, os que se dedicam a coisas desse tipo. Logo, não
devo, talvez, advertir aqueles que tomam parte de tais empregos, que não
mostraram indicações confiáveis de sua virilidade e decência.
Portanto, o que deve impedir um homem de tomar parte dos trabalhos que
pertencem à mulher, de que a vida passada foi de forma a livrá-lo de todas as
supeitas de conduta absurda e efeminada? Pois em outros trabalhos domésticos,
não é considerado que a maior parte deles pertencem mais aos homens que às
mulheres? Porque são mais laboriosos e requerem força corporal, como moer,
amassar grãos, cortar lenha, pegar água de um poço, carregar grandes vasos de
um lugar para o outro, chacoalhar colchas e tapetes e todos os outros trabalhos
similares a esses. E será o bastante, de fato, que essas coisas sejam feitas por
homens. Mas também é apropriado que algo seja acrescentado ao trabalho
legítimo de uma mulher, para que ela não se encarrege apenas com suas servas
da fiação de lã, mas também se aplique a outros trabalhos mais viris, pois me
parece que preparar pão, pegar água de um poço, acender fogo, arrumar as
camas e todos os outros trabalhos similares são empregos adequados a uma
mulher livre.
Mas uma esposa ficará muito mais bonita para seu marido, e especialmente se
for jovem e não desgastada ainda pela criação dos filhos, se ela se tornar sua
associada em colher uvas e olivas, e se ele estiver beirando a velha idade, ela se
tornará mais agradável a ele, enquanto ele estiver cavando ou plantando, os
instrumentos próprios para tais trabalhos, pois quando uma família é
governada dessa forma pelo marido e esposa, enquanto os trabalhos necessários
forem levados em conta, parece-me que será conduzida da melhor maneira
dessa forma.
FRAGMENTOS ÉTICOS SOBRE A MULHER GREGA
Do tratado de Perictione sobre os deveres de uma mulher
É necessário que uma mulher possua suficientemente uma harmonia cheia de
prudência e temperança, já que é necessário que a sua alma seja veementemente
inclinada à aquisição de virtude: para que ela seja justa, corajosa e prudente e
seja adornada de frugalidade e deteste a vaidade, pois, da possessão dessas
virtudes, ela agirá de forma digna ao se tornar uma esposa, perante si mesma,
seu marido, seus filhos e sua família. Muitas vezes, também, essa mulher agirá
de forma bela para com as cidades, caso aconteça dela governar cidades ou
nações, como vemos às vezes num reino.
Portanto, se ela vencer o desejo e a raiva, uma harmonia divina será produzida.
Assim ela não será perseguida por amores ilegais, mas amará o seu marido,
seus filhos e toda a sua família, pois mulheres que gostam de se relacionar com
outros homens além de seu marido, tornam-se hostis a toda a sua família, tanto
à parte que é livre quanto a de servos. Elas também maquinam estratagemas
contra seus maridos e os apresentam falsamente como os caluniadores de todos
os seus conhecidos, para que elas apenas pareçam ser extremamente
benevolentes; e governam suas famílias de uma forma que é esperada daqueles
que são amantes da indolência, pois de tal conduta advém a destruição de tudo
aquilo que é comum ao marido e a esposa. E assim muito a respeito de tais
particularidades.
Também é necessário conduzir o corpo para o que é naturalmente moderado, a
respeito da nutrição, vestimentas, higiene, unção, cuidado com os cabelos e a
quaisquer coisas que tratem de decoração com ouro e joias. Qualquer coisa de
natureza demasiada luxuosa que seja empregada por mulheres em beber e
comer, em vestuário e bijuterias, torna-as dispostas a serem culpadas de todo
crime e a serem injustas tanto com o leito de seus maridos quanto a qualquer
outra pessoa. É mister, portanto, que satisfaçam apenas a fome e a sede, e que o
façam de coisas facilmente obtidas, e que elas se defendam do frio por roupas
do mais simples tipo. Mas serem alimentadas com coisas que são trazidas de
um país distante, ou que são obtidas por um grande preço, não é pequeno vício.
Também é uma grande insensatez buscar por roupas excessivamente elegantes,
que são coloridas com roxo ou qualquer outra cor preciosa, pois o corpo não
deseja estar nem frio e nem nu, mas coberto pelo bem do pudor, e não está
externamente em desejo de qualquer outra coisa. A opinião dos homens,
entretanto, em conjunção com a ignorância, procede a futilidades e
superficialidades. Assim, uma mulher não deve ser nem decorada com ouro,
nem com gemas Indianas, nem com joias de qualquer outra nação, nem trançar
seus cabelos com abundância de arte, nem ser perfumada com unguentos
Árabes, nem maquiar o seu rosto para que seja mais branco ou vermelho, nem
tingir de cor escura suas sobrancelhas e olhos, nem colorir artificialmente seus
cabelos grisalhos e nem tomar banhos com muita frequência; pois a mulher que
busca coisas desse tipo busca um espectador da intemperança feminina. Já que
a beleza que é produzida com a prudência, e não com tais caprichos, satisfaz as
mulheres que são bem nascidas. Nem deve conceber que nobreza e riqueza, ser
nascida em uma grande cidade, glória e amizade de homens famosos e nobres,
estejam entre as coisas que são necessárias, pois se estão presentes, não devem
lhe ser causa de qualquer abuso e se não estão presentes, ela não deve lamentar
sua falta, já que uma mulher prudente não será impedida de viver
apropriadamente sem elas. E se as coisas grandes e muito admiradas que
mencionamos não estão presentes, a sua alma não deve explorar por elas
ansiosamente, mas afastar-se delas, pois em consequência de levarem os seus
possessores ao infortúnio, são mais nocivas que benéficas, pois a traição, a
inveja e a calúnia lhes são adjacentes, assim uma mulher não poderia estar livre
das perturbações.
Também é necessário que ela venere os Deuses através de boa esperança de
obter felicidade por essa veneração e por obedecer as leis e instituições sagradas
do seu país. Mas depois dos Deuses, digo que ela deve honrar e venerar os seus
pais, pois estes cooperam com os Deuses em beneficiar seus filhos. Ainda mais,
deve viver com seu marido legalmente e gentilmente, concebendo que nada seja
sua propriedade, mas preservando e sendo a guardiã de seu leito, pois na
preservação disso todas as coisas estão contidas. Também é necessário que ela
suporte tudo de forma conveniente que aconteça ao seu marido, seja má sorte
em seus negócios, ações tomadas erroneamente por ignorância, doença,
intoxicação, ou envolvimento com outras mulheres, já que este último erro é
permitido aos homens, mas não às mulheres, já que são punidas por tal ofensa.
É necessário, portanto, que ela se submita à lei com equanimidade e não seja
ciumenta.
Deve da mesma forma suportar pacientemente a raiva, a parcimônia e as
reclamações que seu marido faça de seu destino, seu ciúmes e suas acusações, e
qualquer outros erros que ele possa herdar da natureza, pois todas essas coisas
ela deve suportar de bom espírito, conduzindo-se a ele com prudência e
modéstia. Uma esposa que é cara ao seu marido e que realmente realiza seus
deveres perante ele é uma harmonia doméstica e ama toda a sua família, a qual
também concilia a benevolência de estranhos. Se, entretanto, ela não amar seu
marido, nem seus filhos, nem seus servos, nem buscar que todo sacrifício seja
preservado, então ela se torna a líder de todo tipo de destruição, pela qual ela
também ora, como sendo uma inimiga, e também ora pela morte de seu marido,
sendo-lhe hostil, para que ela possa se relacionar com outros homens e, em
último lugar, odeia tudo que seu marido ama.
Mas parece-me que uma esposa será uma harmonia doméstica se ela for cheia
de prudência e modéstia, pois ela não só amará o seu marido, mas também os
seus filhos, seus parentes, seus servos e toda a sua família, na qual as posses,
amigos, cidadãos e estranhos estão contidos. Da mesma forma adornará os
corpos deles sem qualquer ornamento supérfluo e tanto falará como ouvirá
coisas que sejam belas e boas. Também é necessário que ela aja de acordo com a
opinião de seu marido no que concerne a vida comum e esteja satisfeita com os
parentes e amigos que estejam em sua aprovação. E ela conceberá as coisas que
são agradáveis e discordantes de acordo com a opinião de seu marido, a não ser
que ela seja totalmente destituída de harmonia.
Do tratado de Perictione sobre a harmonia de uma mulher1
Os pais não devem ser prejudicados nem por palavras ou ações, mas é
necessário lhes ser obediente, sejam suas posições em vida pequenas ou
grandes. E em toda condição atribuída à alma e corpo e de circunstâncias
externas, em paz e também em guerra, na saúde e na doença2, em riqueza e em
pobreza, em prestígio e desonra, e sejam da mesma classe que a maior parte da
comunidade ou magistrados, é necessário lhes ser presente e nunca esquecê-los
e quase se submeter a eles mesmo que estejam em insanidade, pois tal conduta
será sabiamente e alegremente adotada por aqueles que são piedosos.
Mas aquele que despreza os seus pais será, tanto entre os vivos quanto entre os
mortos, condenado por este crime pelos Deuses, será odiado pelos homens e
debaixo da terra será, junto aos ímpios, eternamente punido no mesmo lugar
pela Justiça e os Deuses subterrâneos, os quais têm o dever de observar por
coisas desse tipo, pois o aspecto dos pais é algo divino e belo e um um cuidado
diligente deles é recompensado com um tamanho deleite que nem a
contemplação do sol, nem de todas as estrelas que dançam em volta aos céus
iluminados, nem de qualquer outro espetáculo é capaz de alcançar. E parece-
me que os Deuses não sentem inveja ao perceber que coisas assim acontecem. Já
que é necessário reverenciar os pais enquanto eles estejam vivos e após as suas
mortes e nunca opô-los em nada de que digam ou façam. Se ainda forem
ignorantes de qualquer coisa por causa de engano ou doença, seus filhos devem
consolá-los e instrui-los, mas não devem de maneira alguma odiá-los por isso,
pois não há erro e injustiça maior que agir impiamente com seus pais.
1. Não há menção sobre a harmonia da mulher no presente fragmento 2. No fragmento original o trecho é omitido, o tradutor original supôs que seria completo dessa forma.
Do tratado de Fíntis, a filha de Calicrates, sobre a temperança de uma mulher
Uma mulher deve ser completamente boa e modesta; mas não pode sê-la sem
virtude, pois qualquer virtude que subsista em algo torna-o valioso. E a virtude
dos olhos é a visão, mas a dos ouvidos é a audição. Assim, também, a virtude
de um cavalo torna-o um bom cavalo e a virtude de um homem e a virtude de
uma mulher tornam cada um deles virtuoso. Mas a virtude principal de uma
mulher é a temperança, pois através desta ela será capaz de honrar e amar o seu
marido.
Porém muitos devem pensar que uma mulher não pode filosofar, nem que seja
apropiado que ela monte um cavalo, nem que discurse em público. Mas penso
que algumas coisas são pertinentes ao homem, outras à mulher e que algumas
são comuns a ambos. E, da mesma forma, algumas coisas concernem mais o
homem que a mulher, mas outras mais a mulher que o homem. Mas as coisas
peculiares ao homem são liderar um exército, governar, falar em público. Os
deveres peculiares à mulher são ser a guardiã do lar, ficar em casa e receber ser
marido e ser-lhe prestativa.
E as virtudes que concernem a ambos são a fortitude, justiça e prudência, pois é
adequado que tanto o marido quanto a mulher tenham as virtudes do corpo e,
de forma similar, da alma. E como a saúde do corpo é benéfica a ambos, então
também o é a saúde da alma. Porém as virtudes do corpo são a saúde, força, o
vigor da sensação e a beleza. No que também diz respeito às virtudes, algumas
são mais adaptadas para serem exercidas e possuídas por um homem enquanto
outras por uma mulher, pois a fortitude e prudência concernem mais o homem
que a mulher, ambas levando em conta o hábito do corpo e o poder da alma,
mas a temperança pertence peculiarmente à mulher.
Assim torna-se necessário saber o número e a qualidade das coisas pelas quais
tal virtude adere à mulher. Digo, portanto, que são cinco. Em primeiro lugar, a
mulher a obtém por santidade e piedade ao leito matrimonial. Em segundo
lugar, por ornamentos pertencentes ao corpo. Em terceiro, por egressões de sua
casa. No quarto, por evitar a sua participação em celebrações de orgias e de
mistérios da mãe dos Deuses. E em quinto, por ser cuidadosa e moderada nos
sacrifícios à divindade. Mas dessas, a maior e mais abrangente causa de
temperança é aquela que faz a esposa ser imaculada quanto ao leito
matrimonial e não ter relações com qualquer outro homem que não seja o seu
marido, pois em primeiro lugar, por tal conduta ilegal, ela age injustamente
frente aos Deuses que presidem sobre a sua estirpe, tornando-os não genuínos,
mas falsos ajudantes de sua família e parentes. Em segundo lugar, age
injustamente frente aos Deuses que presidem sobre a natureza, aos quais ela
solenemente jurou, em conjunção com seus pais e parentes, que ela se associaria
legalmente com o seu marido em comunhão com a vida e a procriação de filhos.
E em terceiro lugar, ela age injustamente frente a sua pátria, por não respeitar
suas leis. Ao que ainda pode ser acrescentado que ofender justamente das
formas às quais a maior punição, a morte, é ordenada, devido à magnitude do
crime, e assim fazer apenas por prazer e lasciva insolência, é algo nefasto e o
mais indigno de perdão. Mas o fim de toda conduta insolente é a destruição.
Também deve ser considerado que não existe remédio para tamanha ofensa,
que possa tornar pura e amada pelos deuses uma mulher assim culpada. Pois
Deus é mais averso a perdoar esse crime. Mas a melhor indicação de castidade
de uma mulher ao seu marido é aquela que nasce da semelhança de seus filhos
ao seu pai. E assim, muito pertinente ao leito matrimonial.
A respeito dos ornamentos do corpo, parece-me que as vestimentas de uma
mulher devem ser brancas e simples e de forma alguma supérfluas. Mas assim
serão se não forem nem transparentes, nem coloridas, nem feitas de seda e nem
caras, mas serem de cor branca, pois assim ela evitará ornamentos excessivos,
luxo e roupas supérfluas, e não produzirá uma imitação depravada de outras.
Além disso, não deve decorar seu corpo com ouro e esmeraldas, pois são muito
caras e exibem orgulho e arrogância aos plebeus.
É necessário, entretanto, que uma cidade que seja governada por boas leis e que
seja bem arranjada em todas as suas partes, que entre em acordo consigo
mesma e que tenha uma legislação equânima e ainda deve expulsar os artífices
que fazem coisas desse tipo à cidade. A mulher deve, da mesma forma, dar
esplendor ao seu rosto, não usando cores exageradas e estranhas, mas com
aquilo que seja adaptado ao seu corpo e que é produzido por lavá-lo com água;
e adornar seu corpo com modéstia em vez de arte, pois assim ela honrará tanto
a si mesma quanto seu marido.
Mas a classe inferior de mulheres deve sair de suas casas para fazer sacrifícios à
deidade tutelar da cidade, pelo bem de seus maridos e de sua família. Uma
mulher também não deve sair de sua casa nem ao entardecer e nem à noite, mas
deve sair quando o fórum estiver cheio de gente, acompanhada por um ou no
máximo dois servos, para que carreguem alguma coisa ou que comprem algo
que ela queira. Deve também oferecer sacrifícios simples aos Deuses, que sejam
adaptados à sua habilidade, mas deve abster-se de celebrações de orgias e dos
ritos sagrados da mãe dos Deuses, que são feitos por mulheres, pois tais ritos
induzem ebriedade e alienação mental. É necessário, portanto, que aquela que é
a senhora da família e que preside sobre os negócios domésticos seja moderada
e imaculada.