francisco cândido xavier_alvorada cristã

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  • 8/7/2019 Francisco Cndido Xavier_Alvorada Crist

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    LIVRO ALVORADA CRIST

    ESP RITO DE NEIO LCIO

    PSICOGRAFI A DE FRANCISCO CNDIDO XAVIER.

    NDICE

    CAPTULO 1 = Sigamos com JesusCAPTULO 2 = Na direo do bemCAPTULO 3 = Pequena histriaCAPTULO 4 = Prmio ao sacrifcioCAPTULO 5 = O servo felizCAPTULO 6 = RebeldiaCAPTULO 7 = O grande prncipeCAPTULO 8 = O juiz retoCAPTULO 9 = O ricao distradoCAPTULO 10 = O burro de cargaCAPTULO 11 = A lio inesquecvelCAPTULO 12 = A arma infalvelCAPTULO 13 = O servidor negligenteCAPTULO 14 = O descuido impensadoCAPTULO 15 = O poder da gentilezaCAPTULO 16 = A trilogia benditaCAPTULO 17 = A conta da vidaCAPTULO 18 = A amizade realCAPTULO 19 = O ensinamento vivoCAPTULO 20 = O elogio da abelhaCAPTULO 21 = O carneiro revoltadoCAPTULO 22 = O pior inimigoCAPTULO 23 = A deciso sbiaCAPTULO 24 = O aprendiz desapontadoCAPTULO 25 = A falsa mendigaCAPTULO 26 = O grito de cleraCAPTULO 27 = Carta paternaCAPTULO 28 = A pregao fundamentalCAPTULO 29 = O barro desobedienteCAPTULO 30 = D de ti mesmoCAPTULO 31 = A lenda do dinheiroCAPTULO 32 = A sentena cristCAPTULO 33 = Viveremos sempreCAPTULO 34 = A galinha afetuosa

    CAPTULO 35 = Na sementeira do amorCAPTULO 36 = O maior pecadoCAPTULO 37 = ApontamentoCAPTULO 38 = O remdio imprevistoCAPTULO 39 = Dos animais aos meninosCAPTULO 40 = A lenda da rvoreCAPTULO 41 = O exrcito poderosoCAPTULO 42 = O amigo sublimeCAPTULO 43 = O peru pregadorCAPTULO 44 = Somos chamados a servirCAPTULO 45 = O anjo da limpezaCAPTULO 46 = No passeio matinal

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    CAPTULO 47 = O ensino da sementeiraCAPTULO 48 = O Esprito da MaldadeCAPTULO 49 = O Divino ServidorCAPTULO 50 = Orao dos jovens

    ALVORADA CRISTAs pginas de Neio Lcio, consagradas mente juvenil em todos os padres da experincia fsica, so, emverdade, valioso curso de iluminao espiritual.Sementeira de princpios renovadores, aqui encontramos avanadas noes de justia e bondade para aelevao da vida. E a luta terrestre, em seus fundamentos, ainda mesmo considerada no setor expiatrio,resume-se na obra educativa para a eternidade.A instruo , sem dvida, a milagrosa alavanca do progresso. Sem ela, perseveraria a mente humananos resvaladouros da Ignorncia, confinada misria, ociosidade, a indigncia e ao infortnio, atravsda delinqncia na praa publica e da correo na penitenciria.Mas no basta esclarecer a inteligncia, repetiremos ainda e sempre. imprescindvel aperfeioar ocorao nos caminhos do bem.Nero, o tirano, era discpulo de Sneca, o filsofo.Tito, o prncipe admirvel, que costumava dizer perdi o meu dia, quando a noite o alcanava sem algumgesto excepcional de bondade, mandou massacrar mais de dez mil Israelitas doentes, abatidos emutilados, depois de arruinar Jerusalm.Marco Aurlio, o Imperador virtuoso e sbio, consentiu no morticnio de cristos Indefesos.Incio de Loiola, maravilhosamente bem-Intencionado, tinha o crebro cheio de letras quando incentivou aperseguio religiosa.Marat, o demagogo sanguinrio, era jornalista de mrito e intelectual de renome.Todos os fazedores de guerra, ditadores e revolucionrios, antigos e modernos, foram Incubados noconvvio de professores ilustres, de pginas cientficas, de livros tcnicos ou de universidades famosas.Razo sem luz pode transformar-Se em simples ClculoInstruo e cincia so portas de acesso educao e sabedoria.Quem apenas conhece nem sempre sabe.A cultura do esprito vai mais longe: ajuda o homem a converter-se em santurio vivo, atravs do qual seirradia o Poder Soberano e Misericordioso.Necessrio, pois, semear pensamentos enobrecedores e santificantes, amparando a mente que recomeaa lio de aprimoramento Individual.Esquecer a Infncia e a juventude ser desprezar o futuro.Regozijando-nos, assim, com a tarefa do amigo que nos doou estas pginas, cheias de sentimentopaternal e de idealismo superior, saudamos, em companhia dele, a alvorada sublime de amor e paz, queresplandece, com Jesus, para a Terra de amanh, regenerada e feliz.

    EMMANUEL

    Pedro Leopoldo, 21 de junho de 1948.

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    SIGAMOS COM JESUS

    Maom foi valoroso condutor de homens.Milhes de pessoas curvaram-se-lhe s ordens.Todavia, deixou o corpo como qualquer mortal e seus restos foram encerrados numa urna, que visitada,anualmente, por milhares de curiosos e seguidores.Carlos 5, poderoso imperador da Espanha, sonhou com o domnio de toda a Terra, disps de riquezasimensas, governou muitas regies; entretanto, entregou, um dia, a coroa e o manto ao asilo de p.Napoleo era um grande homem.Fez muitas guerras.Dominou milhes de criaturas.Deixou o nome inesquecvel no livro das naes.Hoje, porm, seu tmulo venerado em Paris...Muita gente faz peregrinao at l, para visitar-lhe os ossos...Como acontece a Maom, a Carlos 5 e a Napoleo, os maiores heris do mundo so lembrados emmonumentos que lhes guardam os despojos.Com Jesus, todavia, diferente.

    No tmulo de Nosso Senhor, no h sinal de cinzas humanas.Nem pedrarias, nem mrmores de preo, com frases que indiquem, ali, a presena da carne e do sangue.Quando os apstolos visitaram o sepulcro, na gloriosa manh da Ressurreio, no havia a nem luto, nemtristeza.L encontraram um mensageiro do reino espiritual que lhes afirmou: No est aqui. E o tmulo est aberto e vazio, h quase dois mil anos.Seguindo, pois, com Jesus, atravs da luta de cada dia, jamais encontraremos a angstia da morte e, sim,a vida incessante.No caminho de notveis orientadores do mundo poderemos encontrar formosos espetculos da glriapassageira; contudo, muito difcil no terminarmos a experincia em desiluso e poeira.Somente Jesus oferece estrada invarivel para a Ressurreio Divina.Quem se desenvolve, portanto, com o exemplo e com a palavra do Mestre, trabalhando por revelarbondade e luz, em si mesmo, desde as lutas e ensinamentos do mundo, pode ser considerado cidadoceleste.

    2

    NA DI REO DO BEM O Senhor tudo criou na direo do bem.Todas as criaturas, por isto, so chamadas a produzir proveitosamente.A erva tenra sustenta os animais.A fonte oculta socorre o inseto humilde.A rvore abenoada companheira dos homens.A flor produzir fruto.O fruto dar-nos- mesa farta.O rio distribui as guas.A chuva lava o cu e sacia a terra sedenta.A pedra faz o alicerce de nossa casa.A boa palavra revela o bom caminho.Como desconhecer os santos propsitos da vida, se a natureza que a sustenta reflete os sbios desgniosda Providncia?

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    Grande escola para o nosso esprito, a Terra um livro gigantesco em que podemos ler a mensagem deamor universal que o Pai Celeste nos envia.Desde a gota de orvalho que alimenta o cacto espinhoso, luz do Sol que brilha no alto para todos osseres, podemos sentir o apelo da Infinita Sabedoria ao servio de cooperao na felicidade, na paz e naalegria dos semelhantes.Todo homem e toda mulher nascem no mundo para tarefas santificantes, segundo a Divina Lei.Com alegria, o bom administrador governa os interesses do povo.Com alegria, o bom lavrador ara o solo e protege a sementeira.O homem que semeia no cho, garantindo a subsistncia das criaturas, irmo daquele que dirige opensamento das naes para o conhecimento divino.A mulher que recebe homenagens pelas suas virtudes pblicas irm daquela que, na intimidade do lar,se sacrifica pela criancinha doente.Deus conhece as pessoas pelo que produzem, assim como ns conhecemos as rvores pelos frutos quenos estendem.Em razo disto, os homens bons so amados e respeitados.A presena deles atrai o carinho e a venerao dos semelhantes. Os maus, todavia, so portadores deaes e palavras indesejveis e toda gente lhes evita o convvio, tanto quanto nos afastamos das plantasespinhosas e ingratas.O homem bom compreende que a vida lhe pede a bno do servio e levanta-se cada manh, pensando: Que belo dia para trabalhar! O mau, porm, ergue-se de mau humor. No sabe sorrir para os que o cercam e costuma exclamar:

    Dia terrvel! Que destino cruel! Detesto o trabalho e odeio a vida! Um homem, qual esse, precisa de auxlio dos homens bons, porque em no se dedicando ao servio dignoser realmente muito infeliz.

    3

    PEQUENA HISTRIAUm dia, a Gota dgua, o Raio de Luz, a Abelha e o Homem Preguioso chegaram ao Trono de Deus.O Todo-Poderoso recebeu-os, com bondade, e perguntou pelo que faziam.

    A Gota dgua avanou e disse: Senhor, eu estive num terreno quase deserto, auxiliando uma raiz de laranjeira. vi muitas rvoressofrendo sede e diversos animais que passavam, aflitos, procurando mananciais. Fiz o que pude, masvenho pedir-te outras Gotas dgua que me ajudem a socorrer quantos necessitam de ns.O Pai sorriu, satisfeito, e exclamou: Bem-aventurada sejas pelo entendimento de minhas obras. Dar-te-ei os recursos das chuvas e dasfontes.Logo aps, o Raio de Luz adiantou-se e falou: Senhor, eu desci... desci... e encontrei o fundo de um abismo. Nesse antro, combati a sombra, quantome foi possvel, mas notei a presena de muitas criaturas suplicando claridade. Venho ao Cu rogar-teoutros Raios de Luz que comigo cooperem na libertao de todos aqueles que, no mundo, ainda sofrem apresso das trevas.O Pai, contente, respondeu: Bem-aventurado sejas pelo servio Criao. Dar-te-ei o concurso do Sol, das lmpadas, dos livrosiluminados e das boas palavras que se encontram na Terra.Depois disso, a Abelha explicou-se: Senhor, tenho fabricado todo o mel, ao alcance de minhas possibilidades. Mas vejo tantas crianasfracas e doentes que te venho implorar mais flores e mais Abelhas, a fim de aumentar a produo...O Pai, muito feliz, abenoou-a e replicou: Bem-aventurada sejas pelos benefcios que prestaste. Conceder-te-ei novos jardins e novascompanheiras.Em seguida, o Homem Preguioso foi chamado a falar.Fez uma cara desagradvel e informou: Senhor, nada consegui fazer. Por todos os lados, encontrei a inveja e a perseguio, o dio e amaldade. Tive os braos atados pela ingratido dos meus semelhantes. Tanta gente m permanecia em

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    meu caminho que, em verdade, nada pude fazer.O Pai bondoso, com expresso de descontentamento, exclamou:e Infeliz de ti, que desprezaste os dons que te dei. Adormeceste na preguia e nada fizeste. Os serespequeninos e humildes alegraram meu Trono com o relatrio de seus trabalhos, mas tua boca sabeapenas queixar, como se a inteligncia e as mos que te confiei para nada valessem. Retira-te! os filhosinteis e ingratos no devem buscar-me a presena. Regressa ao mundo e no voltes a procurar-meenquanto no aprenderes a servir.A Gota dgua regressou, cristalina e bela.O Raio de Luz tornou aos abismos, brilhando cada vez mais.A Abelha desceu zumbindo, feliz.O Homem Preguioso, porm, retirou-se muito triste.

    4

    PRMI O AO SACRIF CIO Trs irmos dedicados a Jesus leram no Evangelho que cada homem receber sempre, de acordo com asprprias obras, e prometeram cumprir as lies do Mestre.O primeiro colocou-se na indstria do fio de algodo e, de tal modo se aplicou ao servio que, em breve,passou condio de interessado nos lucros administrativos. Dentro de vinte e cinco anos, era o chefe daorganizao e adquiriu ttulos de verdadeiro benfeitor do povo. Ganhava dinheiro com imensa facilidade esocorria infortunados e sOfredores. Dividia o trabalho equitativamente e distribua os lucros com justia ebondade.O segundo estudou muito tempo e tornou-se juiz famoso. Embora gozasse do respeito e da estima doscontemporneos, jamais olvidou os compromissos que assumira frente do Evangelho. Defendeu oshumildes, auxiliou os pobres e libertou muitos prisioneiros perseguidos pela maldade. De juiz tornou-selegislador e cooperou na confeco de leis benficas e edificantes. Viveu sempre honrado, rico, feliz,correto e digno.O terceiro, porm, era paraltico. No podia usar a inteligncia com facilidade. No poderia comandar umafbrica, nem dominar um tribunal. Tinha as pernas mirradas. O leito era a sua residncia. Lembrou,contudo, que poderia fazer um servio de orao e comeou a tarefa pela humilde mulher que lhe fazia a

    limpeza domstica.Viu-a triste e lacrimosa e procurou conhecer-lhe as mgoas com discrio e fraternidade. Confortou-a comternura de irmo. Convidou-a a orar e pediu para ela as bnos divinas.Bastou isto e, em breve, trazidos pela servidora reconhecida, outros sofredores vinham rogar-lhe oconcurso da prece. O aposento singelo encheu-se de necessitados. Orava em companhia de todos,oferecia-lhes o sorriso de confiana na bondade celeste. Comentava os benefcios da dor, expunha suasesperanas no Reino Divino. Dava de si mesmo, gastando emoes e energias no santo servio do bem.Escrevia cartas inmeras, consolando vivas e rfos, doentes e infortunados, insuflando-lhes paz ecoragem. Comia pouco e repousava menos. Tanto sofreu com as dores alheias que chegou a esquecer-sede si mesmo e tanto trabalhou que perdeu o dom da vista. Cego, contudo, no ficou sozinho. Prosseguiucolaborando com os sofredores, atravs da orao, ajudando-os, cada vez mais.Morreram os trs irmos, em idade avanada, com pequenas diferenas de tempo.Quando se reuniram, na vida espiritual, veio um Anjo examinar-lhes as obras com uma balana.O industrial e o juiz traziam grande bagagem, que se constitua de vrias bolsas, recheadas com odinheiro e com as sentenas que haviam distribudo em benefcio de muitos. O servidor da prece traziaapenas pequeno livro, onde costumava escrever suas rogativas.O primeiro foi abenoado pelo conforto que espalhou com os necessitados e o segundo foi tambmlouvado pela justia que semeara sabiamente. Quando o Anjo, porm, abriu o livro do ex-paraltico, delesaiu uma grande luz, que tudo envolveu numa coroa resplandecente. A balana foi incapaz de medir-lhe agrandeza.Ento, o Mensageiro falou-lhe, feliz: Teus irmos so benditos na Casa do Pai pelos recursos que distriburam, em favor do prximo, mas,em verdade, no muito difcil ajudar com o dinheiro e com a faina que se multiplicam facilmente nomundo. S, porm, bem-aventurado, porque deste de ti mesmo, no amor santificante. Gastaste as mos,os olhos, o corao, as foras, os sentimentos e o tempo a benefcio dos semelhantes e a Lei do Sacrifcio

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    determina que a tua moradia seja mais alta. No transmitiste apenas os bens da vida: irradiaste os donsde Deus.E o servidor humilde do povo foi conduzido a um cu mais elevado, de onde passou a exercer autoridadesobre muita gente.

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    O SERVO FELIZ Certo dia, chegaram ao Cu um Marechal, um Filsofo, um Poltico e um Lavrador.Um Emissrio Divino recebeu-os, em elevada esfera, a fim de ouvi-los.O Marechal aproximou-se, reverente, e falou: Mensageiro do Comando Supremo, venho da Terra distante. Conquistei muitas medalhas de mrito,venci numerosos inimigos, recebi vrias homenagens em monumentos que me honram o nome. Que deseja em troca de seus grandes servios? indagou o Enviado. Quero entrar no Cu.O Anjo respondeu sem vacilar: Por enquanto, no pode receber a ddiva. Soldados e adversrios, mulheres e crianas chamam-noinsistentemente da Terra. Verifique o que alegam de sua passagem pelo mundo e volte mais tarde.O Filsofo acercou-se do preposto divino e Anjo do Criador Eterno, venho do acanhado crculo dos homens. Dei s criaturas muita matria depensamento. Fui laureado por academias diversas. Meu retrato figura na galeria dos dicionrios terrestres. Que pretende pelo que fez? perguntou o Emissrio. Quero entrar no Cu. Por agora, porm respondeu o mensageiro sem titubear , no lhe cabe a concesso. Muitas mentesesto trabalhando com as idias que voc deixou no mundo e reclamam-lhe a presena, de modo asaberem separar-lhe os caprichos pessoais da inspirao sublime. Regresse ao velho posto, solucione seusproblemas e torne oportuna-mente.O Poltico tomou a palavra e acentuou: Ministro do Todo-Poderoso, fui administrador dos interesses pblicos. Assinei vrias leis queinfluenciaram meu tempo. Meu nome figura em muitos documentos oficiais. Que pede em compensao? perguntou o Missionrio do Alto. Quero entrar no Cu.O Enviado, no entanto, respondeu, firme: Por enquanto, no pode ser atendido. O povo mantm opinies divergentes a seu respeito. Inmeraspessoas pronunciam-lhe o nome com amargura e esses clamores chegam at aqui. Retorne ao seugabinete, atenda s questes que lhe interessam a paz ntima e volte depois.Aproximou-se, ento, o Lavrador e falou, humilde: Mensageiro de Nosso Pai, fui cultivador da terra... plantei o milho, o arroz, a batata e o feijo. Ningumme conhece, mas eu tive a glria de conhecer as bnos de Deus e receb-las, nos raios do Sol, na chuvabenfeitora, no cho abenoado, nas sementes, nas flores, nos frutos, no amor e na ternura de meusfilhinhos...O Anjo sorriu e disse: Que prmio deseja?

    O Lavrador pediu, chorando de emoo: Se Nosso Pai permitir, desejaria voltar ao campo e continuar trabalhando. Tenho saudades dacontemplao dos milagres de cada dia... A luz surgindo no firmamento em horas certas, a flordesabrochando por si mesma, o po a multiplicar-se!... Se puder, plantarei o solo novamente para ver agrandeza divina a revelar-se no gro, transformado em dadivosa espiga... No aspiro a outra felicidadeseno a de prosseguir aprendendo, semeando, louvando e servindo!...O Mensageiro Espiritual abraou-o e exclamou, chorando igualmente, de jbilo: Venha comigo! O Senhor deseja v-lo e ouvi-lo, porque diante do Trono Celestial apenas comparecequem procura trabalhar e servir sem recompensa.

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    REBELDIA O pequeno rebelde amava a Mezinha viva com entranhado amor; entretanto, iludido pela indisciplina,dava ouvido, aos conselhos perversos.Estimava a leitura de episdios sensacionais, em que homens revoltados formam quadrilhas demalfeitores, nas cidades grandes, e, a qualquer pgina edificante, preferia o folhetim com aventurasdesagradveis ou criminosas. Engolfou-se em tantas histrias de gente m que, embora a palavramaterna o convidasse ao trabalho digno, trazia sempre respostas negativas e rudes na ponta da lngua. Filho exclamava a senhora paciente , homem de bem acomoda-se no servio. Eu no! replicava, zombeteiro. Vamos oficina. O chefe prometeu ceder-te um lugar. No vou! no vou!... Mas j deixaste a escola, meu filho. tempo de crescer e progredir nos deveres bem cumpridos. No fui escola, a fim de escravizar-me. Tenho inteligncia. Ganharei com menor esforo.E enquanto a genitora costurava, at tarde, de modo a manter a casa modesta, o filho, j rapaz, viviahabitualmente na rua movimentada. Tomava alcolicos em excesso e entregava-se a companhiasperigosas que, pouco a pouco, lhe degradaram o carter.Chegava a casa, embriagado, altas horas da noite, muita vez conduzido por guardas policiais.

    Vinha a devotada Me com o socorro de todos os instantes e rogava-lhe, no outro dia: Filho, trabalhemos dignamente. Todo tempo adequado retificao dos nossos erros.Atrevido e ingrato, resmungava: A senhora no me entende. Cale-se. S fala em dever, dever, dever...A pobre costureira pedia-lhe calma, juzo e chorava, depois, em preces.Avanando no vicio, o rapaz comeou a s escondidas. Assaltava instituies comerciais, onde sabia fcil oacesso ao dinheiro; e quando a Mezinha, adivinhando-lhe as faltas, tentou aconselh-lo, gritou: Me, no preciso de suas observaes! Deix-la-ei em paz e voltarei, mais tarde, com grande fortuna.Dar-lhe-ei casa, roupa e bem-estar com fartura. A senhora tem o pensamento preso a obrigaes porque,desde cedo, vem atravessando vida miservel.Assim dizendo, fugiu para a via pblica e no regressou ao lar.Ningum mais soube dele. Ausentara-se, definitivamente, em direo a importante metrpole,alimentando o propsito de furtar recursos alheios, de maneira a voltar muito rico ao convvio maternal.Passou o tempo.Um, dois, trs, quatro, cinco anos...A Mezinha, contudo, no perdeu a esperana de reencontr-lo.Certo dia, a imprensa estampou nos jornais o retrato de um ladro que se tornava famoso pela audcia einteligncia.A costureira reconheceu nele o filho e tocou para a cidade que o abrigava.A policia no lhe conhecia o endereo e, porque fosse difcil localiz-lo rapidamente, a senhora tomou -quarto num hotel, a fim de esperar.Na terceira noite em que a se encontrava, notou que um homem embuado lhe penetrava o aposento sescuras. Aproximou-se apressado para surripiar-lhe a bolsa. Ela tossiu e ia gritar por socorro, quando oladro, temendo as conseqncias, lhe agarrou a garganta e estrangulou-a.Nos estertores da morte, a costureira reconheceu a presena do filho e murmurou, debilmente Meu... meu... filho...Alucinado, o rapaz fez luz, identificou a Mezinha j morta e caiu de joelhos, gritando de dor selvagem.A desobedincia conduzira-o, progressivamente, ao crime e loucura.

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    O GRANDE PR NCIPE Um rei oriental, poderoso e sbio, achando-se envelhecido e doente, reuniu os trs filhos, deu a cada umdeles dois camelos carregados de ouro, prata e pedras preciosas e determinou-lhes gastar esses tesouros,em viagens pelo reino, durante trs meses, com a obrigao de voltarem, logo aps, a fim de que elepudesse efetuar a escolha do prncipe que o sucederia no trono.Findo o prazo estabelecido, os jovens regressaram casa paterna.Os dois mais velhos exibiam mantos riqussimos e chegaram com enorme ruido de carruagens, mas oterceiro vinha cansado e ofegante, arrimando-se a um bordo qual mendigo, despertando a ironia e oassombro de muita gente.O rei bondoso abenoou-os discretamente e disps-se a ouvi-los, perante compacta multido.O primeiro aproximou-se, fez larga reverncia, e notificou: Meu pai e meu soberano, viajei em todo o centro do Pas e adquiri, para teu descanso, um admirvelpalcio, onde teu nome ser venerado para sempre. Comprei escravos vigorosos que te sirvam e reuni,nesse castelo, digno de ti, todas as maravilhas de nosso tempo. Dessa moradia resplandecente, podersgovernar sempre honrado, forte e feliz.O monarca pronunciou algumas palavras de agradecimento, mostrou amoroso gesto de aprovao emandou que o segundo filho se adiantasse:

    Meu pai e meu rei! exclamou, contente trago-te a coleo de tapetes mais ricos do mundo.Dezenas de pessoas perderam o dom da vista, a fim de tec-los. Aproxima-se da cidade uma caravana devinte camelos, carregando essas preciosidades que te ofereo, augusto dirigente, para revelares tuafortuna e poder!...O monarca expressou gratido numa frase carinhosa e recomendou que o mais moo tomasse a palavra.O filho mais novo, alquebrado e mal vestido, ajoelhou-se e falou, ento: Amado pai, no trouxe qualquer trofu para o teu trono venervel e glorioso... Viajei pela terra que oSupremo Senhor te confiou, de Norte a Sul e de Leste a Oeste, e vi que os sditos esperam de teugoverno a paz e o bem-estar, tanto quanto o crente aguarda a felicidade da Proteo do Cu... Nasmontanhas, encontrei a febre devorando corpos mal abrigados e movimentei mdicos e remdios, emfavor dos sofredores. Ao Norte, vi a ignorncia dominando milhares de meninos e jovens desamparados einstalei escolas em nome de tua administrao justiceira. A Oeste, nas regies pantanosas, fuisurpreendido por bandos de leprosos e dei-lhes conveniente asilo em teu nome. Nas cidades do Sul, noteique centenas de mulheres e crianas so vilmente exploradas pela maldade humana e iniciei a construode oficinas em que o trabalho edificante as recolha. Nas fronteiras, conheci inmeros escravos de ombrosferidos, amargurados e doentes, e libertei-os, anunciando-lhes a magnanimidade de tua coroa!...A comoo interrompeu-o. Fez-se grande silncio e viu-se que o velho soberano mostrava os olhos cheiosde lgrimas.O rapaz cbrou novo nimo e terminou: Perdoa-me se entreguei teu dinheiro aos necessitados e desculpa-me se regresso tua presenaenvolvido em extrema pobreza, por haver conhecido, de perto, a misria, a enfermidade, a ignorncia e afome nos domnios que o Cu conferiu s tuas mos benfeitoras... A nica ddiva que te trago, amado pai, o meu corao reconhecido pelo ensinamento que me deste, permitindo-me contemplar o servio queme cabe fazer... No desejo descansar enquanto houver sofrimento neste reino, porque aprendi contigoque as necessidades dos filhos do povo so iguais s dos filhos do rei!...O velho monarca, em pranto, muito trmulo, desceu do trono, abraou demoradamente o filho es-farrapado, retirou a coroa e colocou-a sobre a fronte dele, exclamando, solene: Grande Prncipe: Deus, o Eterno Senhor te abenoe para sempre! a ti que compete o direito degovernar, enquanto viveres.A multido aplaudiu, delirando de jbilo, enquanto o jovem soberano, ajoelhado, soluava de emoo ereconhecimento.

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    O JUI Z RETOAo tribunal de Eliaquim ben Jeft, juiz respeitvel e sbio, compareceu o negociante Jonatan ben Caiararrastando Zorobabel, miservel mendigo. Este homem clamou o comerciante, furioso impingiu-me um logro de vastas propores! Vendeu-me um colar de prolas falsas, por cinco peas de ouro, asseverando que valiam cinco mil. Comprei as

    jias, crendo haver realizado excelente negcio, descobrindo, afinal, que o preo delas inferior a doisovos cozidos. Reclamei diretamente contra o mistificador, mas este vagabundo j me gastou o ricodinheiro. Exijo para ele as penas da justia! ladro reles e condenvel!...O magistrado, porm, que cultuava a Justia Suprema, recomendou que o acusado se pronunciasse porsua vez: Grande juiz disse ele, timidamente , reconheo haver transgredido os regulamentos que nosregem. Entretanto, tenho meus dois filhos estirados na cama e debalde procuro trabalho digno, pois morecusam sempre, a pretexto de minha idade e de minha pobre apresentao. Realmente, enganei o meuprximo e sou criminoso, mas prometo resgatar meu dbito logo que puder.O juiz meditou longamente e sentenciou: Para Zorobabel, o mendigo, cinco bastonadas entre quatro paredes, a fim de que aprenda a sofrerhonestamente, sem assalto bolsa dos semelhantes, e, para Jonatan, o mercador, vinte bastonadas, na

    praa pblica, de modo a no mais abusar dos humildes.O negociante protestou, revoltado: Que ouo? Sou vtima de um ladro e devo pagar por faltas que no cometi? Iniqidade! iniqidade!...O magistrado, todavia, bateu forte com um martelo sobre a mesa, chamando a ateno dos presentes, eesclareceu, em voz alta: Jonatan ben Caiar, a justia verdadeira no reside na Terra para examinar as aparncias. Zorobabel, ovagabundo, chefe de uma famlia infeliz, furtou-te cinco peas de ouro, no propsito de socorrer os filhosdesventurados, porm, tu, por tua vez, tentaste roubar dele, valendo-te do infortnio que o persegue,apoderando-te de um objeto que acreditaste valer cinco mil peas de ouro ao preo irrisrio de cinco.Quem mais nocivo sociedade, perante Deus: o msero esfomeado que rouba um po, a fim de matar afome dos filhos, ou o homem j atendido pela Bondade do Eterno, com os dons da fortuna e da habilidade,que absorve para si uma padaria inteira, a fim de abusar, calculadamente, da alheia indigncia? Quemfurta por necessidade pode ser um louco, mas quem acumula riquezas, indefinidamente, sem moviment-las no trabalho construtivo ou na prtica do bem, com absoluta despreocupao pelas angstias dos po-bres, muita vez passar por inteligente e sagaz, aos olhos daqueles que, no mundo, adormeceram noegosmo e na ambio desmedida, mas malfeitor diante do Todo-Poderoso que nos julgar a todos, nomomento oportuno.E, sob a vigilncia de guardas robustos, Zorobabel tomou cinco bastonadas em sala de portas lacradas,para aprender a sofrer sem roubar, e Jonatan apanhou vinte, na via pblica, de modo a no mais explorar,sem escrpulos, a misria, a simplicidade e a confiana do povo.

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    O RI CAO DISTRADO

    Existiu um homem devoto que chegou ao Cu e, sendo recebido por um Anjo do Senhor, implorou,enlevado: Mensageiro Divino, que devo fazer para vir morar, em definitivo, ao lado de Jesus? Faze o bem informou o Anjo e volta mais tarde. Posso rogar-te recursos para semelhante misso? Pede o que desejas. Quero dinheiro, muito dinheiro, para socorrer o meu prximo.O emissrio estranhou o pedido e considerou:

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    Nem sempre o ouro o auxiliar mais eficiente para isso. Penso, contudo, meu santo amigo, que, sem ouro, muito difcil praticar a caridade. E no temes as tentaes do caminho? No. Ters o que almejas afirmou o mensageiro , mas no te esqueas de que o tesouro de cadahomem permanece onde tem o corao, porque toda alma reside onde coloca o pensamento. Tuaspossibilidades materiais sero multiplicadas. No entanto, no olvides que as ddivas divinas, quandoretidas despropositadamente pelo homem, sem qualquer proveito para os semelhantes, transformam-noem prisioneiro delas. A lei determina sejamos escravos dos excessos a que nos entregarmos.Prometeu o homem exercer a caridade, servir extensamente e retornou ao mundo.Os Anjos da Prosperidade comearam, ento, a ajud-lo.Multiplicaram-lhe, de incio, as peas de roupa e os pratos de alimentao; todavia, o devoto j remediadosuplicou mais roupas e mais alimentos. Deram-lhe casa e haveres. Longe, contudo, de praticar o bem,considerava sempre escassos os dons que possuia e rogou mais casas e mais haveres. Trouxeram-lherebanhos e ch-caras, mas o interessado em subir ao paraso pela senda da caridade, temendo agora amisria, implorou mais rebanhos e mais chcaras. No cedia um quarto, nem dava uma sopa a ningum,declarando-se sem recursos para auxiliar os necessitados e esperava sempre mais, a fim de distribuiralgum po com eles. No entanto, quanto mais o Cu lhe dava, mais exigia do Cu.De espontneo e alegre que era, passou a ser desconfiado, carrancudo e arredio.Receando amigos e inimigos, escondia grandes somas em caixa forte, e quando envelheceu, de todo, veioa morte, separando-o da imensa fortuna.Com surpresa, acordou em esprito, deitado no cofre grande.Objetos preciosos, pedaos de ouro e prata e vastas pilhas de cdulas usadas serviam-lhe de leito. Tinhafome e sede, mas no podia servir-se das moedas; queria a liberdade, porm, as notas de banco pareciamagarr-lo, maneira do visco retentor de pssaro cativo. Santo Anjo! gritou, em pranto vem! Ajuda-me a partir, em direo Casa Celestial!...O mensageiro dignou-se baixar at ele e, reparando-lhe o sofrimento, exclamou: muito tarde para splicas! Ests sufocado pela corrente de facilidades materiais que o Senhor teconfiou, porque a fizeste rolar to smente em torno de ti, sem qualquer benefcio para os irmos de lutae experiencia... E que devo fazer implorou o infeliz para retomar a paz e ganhar o paraso?O Anjo pensou, pensou... e respondeu:Espalha com proveito as moedas que ajuntaste inutilmente, desfaze-te da terra vasta que retiveste emvo, entrega circulao do bem todos os valores que recebeste do Tesouro Divino e que amontoaste em

    derredor de teus ps, atendendo ao egosmo, vaidade, avareza e ambio destrutiva e, depois disso,vem a mim para retomarmos o entendimento efetuado h sessenta anos...Reconhecendo, porm, o homem que j no dispunha de um corpo de carne para semelhante servio,comeou a gritar e blasfemar, como se o inferno estivesse morando em sua prpria conscincia.

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    O BURRO DE CARGANo tempo em que no havia automveis, na cocheira de famoso palcio real um burro de carga curtia

    imensa amargura, em vista das pilhrias e remoques dos companheiros de apartamento.Reparando-lhe o plo maltratado, as fundas cicatrizes do lombo e a cabea tristonha e humilde,aproximou-se formoso cavalo rabe, que se fizera detentor de muitos prmios, e disse, orgulhoso: Triste sina a que recebeste! No invejas minha posio nas corridas? Sou acariciado por mos deprincesas e elogiado pela palavra dos reis! Pudera! exclamou um potro de fina origem inglesa como conseguir um burro entender o brilho dasapostas e o gosto da caa?O infortunado animal recebia os sarcasmos, resignadamente.Outro soberbo cavalo, de procedncia hngara, entrou no assunto e comentou: H dez anos, quando me ausentei de pastagem vizinha, vi este miservel sofrendo rudemente nasmos de bruto amansador. to covarde que no chegava a reagir, nem mesmo com um coice. Nonasceu seno para carga e pancadas. vergonhoso suportar-lhe a companhia.

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    Nisto, admirvel jumento espanhol acercou-se do grupo, e acentuou sem piedade: Lastimo reconhecer neste burro um parente prximo. animal desonrado, fraco, intil... No sabe viverseno sob pesadas disciplinas. Ignora o aprumo da dignidade pessoal e desconhece o amor prprio. Aceitoos deveres que me competem at o justo limite; mas, se me constrangem a ultrapassar as obrigaes, re-cuso-me obedincia, pinoteio e sou capaz de matar.As observaes insultuosas no haviam terminado, quando o rei penetrou o recinto, em companhia dochefe das cavalarias. Preciso de um animal para servio de grande responsabilidade informou o monarca , animal dcil eeducado, que merea absoluta confiana.O empregado perguntou: No prefere o rabe, Majestade?No, no falou o soberano muito altivo e s serve para corridas em festejos oficiais sem maiorimportncia. No quer o potro ingls? De modo algum. muito irrequieto e no vai alm das extravagncias da caa. No deseja o hngaro? No, no. bravio, sem qualquer educao. apenas um pastor de rebanho. O jumento serviria? insistiu o servidor atencioso. De maneira nenhuma. manhoso e no merece confiana.Decorridos alguns instantes de silncio, o soberano indagou: Onde est o meu burro de carga?O chefe das cocheiras indicou-o, entre os demais.O prprio rei puxou-o carinhosamente para fora, mandou ajaez-lo com as armas resplandecentes de suaCasa e confiou-lhe o filho, ainda criana, para longa viagem.Assim tambm acontece na vida. Em todas as ocasies, temos sempre grande nmero de amigos, deconhecidos e companheiros, mas somente nos prestam servios de utilidade real aqueles que japrenderam a suportar, servir e sofrer, sem cogitar de si mesmos.

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    A LI O I NESQUECVEL Hilda, menina abastada, diariamente dirigia ms palavras pequena vendedora de doces que lhe batiahumildemente porta da casa. Que vergonha! De bandeja! de esquina a esquina! Vai-te daqui! gritava, sem razo.A modesta menina se punha plida e trmula.Entrementes, a dona da casa, tentando educar a filha, vinha ao encontro da pequena humilhada e dizia,bondosa: Que doces to perfeitos! Quem os fez assim to lindos?A mocinha, reanimada, respondia, contente: Foi a mame.A generosa senhora comprava sempre alguma coisa e, em seguida, recomendava filha:

    Hilda, no brinques com o destino. Nunca expulses o necessitado que nos procura. Quem sabe o quesuceder amanh? Aqueles que socorremos sero provavelmente os nossos benfeitores.A menina resmungava e, noite, ao jantar, o pai secundava os conselhos maternos, acrescentando:No zombes de ningum, minha filha! o trabalho, por mais humilde, sempre respeitvel e edificante. Porcerto, dolorosas necessidades impeliro uma criana a vender doces, de porta em porta.Hilda, contudo, no dia seguinte, fustigava a vendedora, exclamando:Fora daqui! Bruxa! bruxa!...A me devotada acolhia a pequena descala e repetia filha as advertncias carinhosas da vspera.Correu o tempo e, depois de quatro anos, o quadro da vida se modificara.O paizinho de Hilda adoeceu e debalde os mdicos procuraram salv-lo. Morreu numa tarde calma,deixando o lar vazio.A viva recolheu-se ao leito extremamente abatida e, com as despesas enormes, em breve a pobreza e o

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    desconforto invadiram-lhe a residncia. A pobre senhora mal podia mover-se.Privaes chegaram em bando. A menina, anteriormente abastada, no podia agora comprar nem mesmoum par de sapatos.Aflita por resolver a angustiosa situao, certa noite Hilda chorou muitssimo, lembrando-se do papai.Dormiu, lacrimosa, e sonhou que ele vinha do Cu confort-la. Ouviu-o dizer, perfeitamente:No desanimes, minha filha! vai trabalhar! Vende doces para auxiliar a mame!...Despertou, no dia imediato, com o propsito firme de seguir o conselho.Ajudou a mezinha enferma a fazer muitos quadrinhos de doce de leite e, logo aps, saiu a vend-los.Algumas pessoas generosas - Sai daqui! Bruxa de bandeja!...Sentia-se triste e desalentada, quando bateu porta de uma casa modesta. Graciosa jovem atendeu.Ah! que surpresa! era a menina pobre que costumava vender cocadas noutro tempo. Estava crescidinha,bem vestida e bonita.Hilda esperou que ela a maltratasse por vingana, mas a jovem humilde fitou nela os grandes olhos,reconheceu-a, compreendeu-lhe a nova situao e exclamou, contente:Que doces to perfeitos! Quem os fez assim to lindos?A interpelada lembrou os ensinamentos maternos de anos passados e informou:Foi a mame.A ex-vendedora comprou quantos quadrinhos restavam na bandeja e abraou-a com sincera amizade.Desse dia em diante, a menina vaidosa transformou-se para sempre. A experincia lhe dera inesquecvellio.

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    A ARMA INFALVEL Certo dia, um homem revoltado criou um poderoso e longo pensamento de dio, colocou-o numa cartarude e malcriada e mandou-o para o chefe da oficina de que fora despedido.O pensamento foi vazado em forma de ameaas cruis. E quando o diretor do servio leu as frasesingratas que o expressava, acolheu-o, desprevenidamente, no prprio corao, e tornou-se furioso semsaber porqu. Encontrou, quase de imediato, o sub-chefe da oficina e, a pretexto de enxergar umapequena pea quebrada, desfechou sobre ele a bomba mental que trazia consigo.Foi a vez do sub-chefe tornar-se neurastnico, sem dar o motivo. Abrigou a projeo malfica nosentimento, permaneceu amuado vrias horas e, no instante do almoo, ao invs de alimentar-se,descarregou na esposa o perigoso dardo intangvel. To s por ver um sapato imperfeitamente engraxado,proferiu dezenas de palavras feias; sentiu-se aliviado e a mulher passou a asilar no peito a odientavibrao, em forma de clera inexplicvel. Repentinamente transtornada pelo raio que a ferira e que, atali, ningum soubera remover, encaminhou-se para a empregada que se incumbia do servio de caladose desabafou. Com palavras indesejveis inoculou-lhe no corao o estilete invisvel.Agora, era uma pobre menina quem detinha o txico mental. No podendo despej-lo nos pratos e xcarasao alcance de suas mos, em vista do enorme dbito em dinheiro que seria compelida a aceitar, acercou-se de velho co, dorminhoco e paciente, e transferiu-lhe o veneno impondervel, num pontap de largaspropores.O animal ganiu e disparou, tocado pela energia mortfera, e, para livrar-se desta, mordeu a primeira

    pessoa que encontrou na via pblica.Era a senhora de um proprietrio vizinho que, ferida na coxa, se enfureceu instantnea-mente, possudapela fora malfica. Em gritaria desesperada, foi conduzida a certa farmcia; entretanto, deu-se pressaem transferir ao enfermeiro que a socorria a vibrao amaldioada. Crivou-o de xingamentos eesbofeteou-lhe o rosto.O rapaz muito prestativo, de calmo que era, converteu-se em fera verdadeira. Revidou os golpesrecebidos com observaes speras e saiu, alucinado, para a residncia, onde a velha e devotadamezinha o esperava para a refeio da tarde. Chegou e descarregou sobre ela toda a ira de que eraportador. Estou farto! bradou a senhora culpada dos aborrecimentos que me perseguem! No suportomais esta vida infeliz! Fuja de minha frente!...Pronunciou nomes terrveis. Blasfemou. Gritou, colrico, qual louco.

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    A velhinha, porm, longe de agastar-se, tomou-lhe as mos e disse-lhe com naturalidade e brandura: Venha c, meu filho! Voc est cansado e doente! Sei a extenso de seus sacrifcios por mim ereconheo que tem razo para lamentar-se. No entanto, tenhamos bom nimo! Lembremo-nos deJesus!... Tudo passa na Terra. No nos esqueamos do amor que o Mestre nos legou...Abraou-o, comovida, e afagou-lhe os cabelos!O filho demorou-se a contemplar-lhe os olhos serenos e reconheceu que havia no carinho materno tantoperdo e tanto entendimento que comeou a chorar, pedindo-lhe desculpas.Houve ento entre os dois uma exploso de ntimas alegrias. Jantaram felizes e oraram em sinal dereconhecimento a Deus.A projeo destrutiva do dio morrera, afinal, ali, dentro do lar humilde, diante da fora infalvel e sublimedo amor.

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    O SERVIDOR NEGLIGENTE porta de grande carpintaria, chegou um rapaz, de caixa s costas, procura de emprego.Parecia humilde e educado.

    O diretor da instituio compareceu, atencioso, para atend-lo. Tem servio com que me possa favorecer? indagou o jovem, respeitoso, depois das saudaeshabituais. As tarefas so muitas elucidou o chefe. Oh! por favor! tornou o interessado meus velhos pais necessitam de amparo. Tenho batido, emvo, porta de vrias oficinas. Ningum me socorre. Contentar-me-ei com salrio reduzido e aceitarei ohorrio que desejar.O diretor, muito calmo, acentuou: Trabalho no falta...E, enquanto o candidato mostrava um sorriso de esperana, acrescentou: Traz suas ferramentas em ordem? Perfeitamente respondeu o interpelado. Vejamo-las.O moo abriu a caixa que trazia. Metia pena reparar-lhe os instrumentos.A enx se achava deformada pela ferrugem grossa.O serrote mostrava vrios dentes quebrados.O martelo tinha cabo incompleto.O alicate estava francamente desconjuntado.Diversos formes no atenderiam a qualquer apelo de servio, tal a imperfeio que apresentavam seusgumes.Poeira espessa recobria todos os objetos.O dirigente da oficina observou... observou... e disse, desencantado: Para o senhor, no temos qualquer trabalho. Oh! porqu? interrogou o rapaz, em tom de splica.O diretor esclareceu, sem azedume: Se o senhor no tem cuidado com as ferramentas que lhe pertencem, como preservar nossasmquinas? se indiferente naquilo em que deve sentir-se honrado, chegar a ser til aos interessesalheios? quem no zela atentamente no pouco de que dispe, no digno de receber o muito. Aprendaa cuidar das coisas aparentemente sem importncia. Pelas amostras, grandes negcios se realizam nestemundo e o menosprezo para consigo indesejvel mostrurio de sua indiferena perniciosa. Aproveite aexperincia e volte mais tarde.No valeram petitrios do moo necessitado. Foi compelido a retirar-se, em grande abatimento,guardando a dura lio.Assim tambm acontece no caminho comum.Quem deseja o corpo iluminado e glorioso na espiritualidade, alm da morte, cuide respeitosamente docorpo fsico.Quem aspira companhia dos anjos, mostre boas maneiras, boas palavras e boas aes aos vizinhos.

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    Quem espera a colheita de alegrias no futuro, aproveite a hora presente, na sementeira do bem.E quantos sonharem com o Cu tratem de fazer um caminho de elevao na Terra mesma.

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    O DESCUIDO IMP ENSADO No orfanato em que trabalhava, Irm Clara era o dolo de toda gente pelas virtudes que lhe adornavam ocarter.Era meiga, devotada, diligente.Daquela boca educada no saam ms palavras.Se algum comentava faltas alheias, vinha solcita, aconselhando: Tenhamos compaixo... Inclinava a conversa em favor da benevolncia e da paz.Insuflava em quantos a ouviam o bom nimo e o amor ao dever.Alm do mais, estimulava, acima de tudo, em todos os circunstantes a boa vontade de trabalhar e servirpara o bem. Irm Clara dizia uma educadora , tenho necessidade do vestido para o sbado prximo.

    Ela, que era a costureira dedicada de todos, respondia, contente: Trabalharemos at mais tarde. A pea ficar pronta. Irm intervinha uma das criadas , e o avental? Amanh ser entregue dizia Clara, sorrindo.Em todas as atividades, mostrava-se a desvelada criatura qual anjo de bondade e pacincia.Invarivelmente rodeada de novelos de linha, respirava entre a agulha e a mquina de costurar.Nas horas da prece, demorava-se longamente contrita na orao.Com a passagem do tempo, tornava-se cada vez mais respeitada. Seus pareceres eram procurados cominteresse.Transformara-se em admirvel autoridade da vida crist.Em verdade, porm, fazia por merecer as consideraes de que era cercada.Amparava sem alarde.Auxiliava sem preocupao de recompensa.Sabia ser bondosa, sem humilhar a ningum com demonstraes de superioridade.Rolaram os anos, como sempre, e chegou o dia em que a morte a conduziu para a vida espiritual.Na Terra, o corpo da inesquecvel benfeitora foi rodeado de flores e bnos, homenagens e cnticos e suaalma subiu, gloriosamente, para o Cu.Um anjo recebeu-a, carinhoso e alegre, entrada.Cumprimentou-a. Reportou-se aos bens que ela espalhara, todavia, sob impresso de assombro, IrmClara ouviu-o informar: Lastimo no possa demorar-se conosco seno por trs semanas. Oh! porqu? interrogou a valorosa missionria. Ser compelida a voltar, tomando novo corpo de carne no mundo esclareceu o mensageiro. Como assim?O anjo fitou-a, bondoso, e respondeu: A Irm foi extremamente virtuosa; entretanto, na posio espiritual em que se encontrava no poderiacometer to grande descuido. Desperdiou uma enormidade de fios de linha, impensadamente. Os novelosque perdeu, por alhear-se noo de aproveitamento, davam para costurar alguns milhares de vestidospara crianas desamparadas. Oh! Oh! Deus me perdoe! exclamou a santa desencarnada e como resgatarei a dvida?O anjo abraou-a, carinhoso, e reconfortou-a dizendo: No tema. Todos ns a ajudaremos, mas a querida irm recomear sua tarefa no mundo, plantandoum algodoal.

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    O PODER DA GENTILEZA Eminente professor negro, interessado em fundar uma escola num bairro pobre, onde centenas decrianas desamparadas cresciam sem o benefcio das letras, foi recebido pelo prefeito da cidade que lhedisse imperativamente, depois de ouvir-lhe o plano: A lei e a bondade nem sempre podem estar juntas. Organize uma casa e autorizaremos a providncia. Mas, doutor, no dispomos de recursos... considerou o benfeitor dos meninos desprotegidos. Que fazer?De qualquer modo, cabe-nos amparar os pequenos analfabetos.O prefeito reparou-lhe demoradamente a figura humilde, fz um riso escarninho e acrescentou: O senhor no pode intervir na administrao.O professor, muito triste, retirou-se e passou a tarde e a noite daquele sbado, pensando, pensando...Domingo, muito cedo, saiu a passear, sob as grandes rvores, na direo de antigo mercado.Ia comentando, na orao silenciosa: Meu Deus, como agir? No receberemos um pouso para as criancinhas, Senhor?Absorvido na meditao, atingiu o mercado e entrou.O movimento era enorme.Muitas compras. Muita gente.

    Certa senhora, de apresentao distinta, aproximou-se dele e tomando-o por servidor vulgar, de mosdesocupadas e cabea vazia, exclamou: Meu velho, venha c.O professor acompanhou-a, sem vacilar. frente dum saco enorme, em que se amontoavam mais de trinta quilos de verdura, a matronarecomendou: Traga-me esta encomenda.Colocou ele o fardo s costas e seguiu-a.Caminharam seguramente uns quinhentos metros e penetraram elegante vivenda, onde a senhora voltoua solicitar: Tenho visitas hoje. Poder ajudar-me no servio geral? Perfeitamente respondeu o interpelado , d suas ordens.Ela indicou pequeno ptio e determinou-lhe a preparao de meio metro de lenha para o fogo.Empunhando o machado, o educador, com esforo, rachou algumas toras. Findo o servio, foi chamadopara retificar a chamin. Consertou-a com sacrifcio da prpria roupa. Sujo de p escuro, da cabea aosps, recebeu ordem de buscar um peru assado, distncia de dois quilmetros. Ps-se a caminho,trazendo o grande prato em pouco tempo. Logo aps, atirou-se limpeza de extenso recinto em que seefetuaria lauto almoo.Nas primeiras horas da tarde, sete pessoas davam entrada no fidalgo domiclio. Entre elas, relacionava-seo prefeito que anotou a presena do visitante da vspera, apresentado ao seu gabinete por autoridadesrespeitveis. Reservadamente, indagou da irm, que era a dona da casa, quanto ao novo conhecimento,conversando ambos em surdina.Ao fim do dia, a matrona distinta e autoritria, com visvel desapontamento, veio ao servo improvisado epediu o preo dos trabalhos. No pense nisto respondeu com sinceridade , tive muito prazer em ser-lhe til.No dia imediato, contudo, a dama da vspera procurou-o, na casa modesta em que se hospedava e,depois de rogar-lhe desculpas, anunciou-lhe a concesso de amplo edifcio, destinado escola quepretendia estabelecer. As crianas usariam o patrimnio vontade e o prefeito autorizaria a providnciacom satisfao.Deixando transparecer nos olhos hmidos a alegria e o reconhecimento que lhe reinavam nalma, oprofessor agradeceu e beijou-lhe as mos, respeitoso.A bondade dele vencera os impedimentos legais.O exemplo mais vigoroso que a argumentao.A gentileza est revestida, em toda parte, de glorioso poder.

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    A TRILOGIA BENDITA Em tempos remotos, o Senhor vinha ao mundo frequentes vezes entender-se com as criaturas.Certa vez, encontrou um homem irado e mau, que outra coisa no fazia seno atormentar ossemelhantes. Perseguia, feria e matava sem piedade. Quando esse esprito selvagem viu o Senhor,aproximou-se atrado pela luz dEle, a chorar de arrependimento.O Cristo, bondoso, dirigiu-lhe a palavra: Meu filho, porque te entregaste assim perversidade? No temes a justia do Pai? No acreditas noCeleste Poder? A vida exige fraternidade e compreenso.O malfeitor, que se mantinha prisioneiro da ignorncia, respondeu em lgrimas: Senhor, de hoje em diante serei um homem bom.Alguns anos passaram e Jesus voltou ao mesmo stio. Lembrou-se do infeliz a quem havia aconselhado ebuscou-o. Depois de certa procura, foi ach-lo oculto numa choa, extremamente abatido. Interpeladoquanto causa de to lamentvel transformao, o msero respondeu: Ai de mim, Senhor! Depois que passei a ser bom, ningum me respeitou! Fiz-me escrnio da rua...Tenho usado a compaixo e a generosidade, segundo me ensinaste, mas em troca recebo apenas oridculo, a pedrada e a dilacerao...O Mestre, porm, abenoou-o e falou.

    O teu lucro na eternidade no ser pequeno com o sacrifcio. Entretanto, no basta reter a bondade. necessrio saber distribu-la. Para bem ajudar, preciso discernir. Realmente possvel auxiliar a todos.Contudo, se a muita gente devemos ternura fraterna, a numerosos companheiros de jornada devemosesclarecimento enrgico. Estimularemos os bons a serem melhores e cooperaremos, a benefcio dos maus,para que se retifiquem. Nunca observaste o pomicultor? Algumas rvores recebem dele irrigao e adubo;outras, no entanto, sofrero a poda, a fim de serem convenientemente amparadas.O Senhor retirou-se e o aprendiz retomou luta para conquistar o conhecimento.Peregrinou atravs de muitos llvros, observou demoradamente os quadros da vida e recebeu a palma dacincia.Os anos correram apressados, quando o Cristo regressou e procurou-o, novamente.Dessa vez, encontrou-o no leito, enfermo e sem foras.Replicando ao Divino Amigo, explicou-se: Ai de mim, Senhor! Fui bom e recebi injustias, entesourei a cincia e minhas dificuldades cresceram devulto. Aprendi a amar e desejar em s conscincia, a idealizar com o plano superior, mas vejo a ingratidoe a discrdia, a dureza e a indiferena com mais clareza. Sei aquilo que muita gente ignora e, por istomesmo, a vida tornou-se-me um fardo insuportvel...O Mestre, porm, sorriu e considerou:A tua preparao para a felicidade ainda no se acha completa. Agora, preciso ser forte. Acreditas quea rvore respeitvel conseguiria viver e produzir, caso no soubesse tolerar a tempestade? A firmezainterior, diante das experincias da vida, conferir-te- o equilbrio indispensvel. Aprende a dizer adeus atudo o que te prejudica na caminhada em direo da luz divina e distribuirs a bondade, sem preocupa-es de recompensa, guardando o conhecimento sem surpresas amargas. S inquebrantvel em tua f esegue adiante!O aprendiz reergueu-se e nunca mais experimentou a desarmonia, compreendendo, enfim, que abondade, o conhecimento e a fortaleza so a trilogia bendita da felicidade e da paz.

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    A CONTA DA VIDA Quando Levindo completou vinte e um anos, a Mezinha recebeu-lhe os amigos, festejou a data esolenizou o acontecimento com grande alegria.No ntimo, no entanto, a bondosa senhora estava triste, preocupada.O filho, at maioridade, no tolerava qualquer disciplina. Vivia ociosamente, desperdiando o tempo enegando-se ao trabalho. Aprendera as primeiras letras, a preo de muita dedicao materna, e lutavacontra todos os planos de ao digna.Recusava bons conselhos e inclinava-se, francamente, para o desfiladeiro do vcio.Nessa noite, todavia, a abnegada Me orou, mais fervorosa, suplicando a Jesus o encaminhasse elevao moral. Confiou-o ao Cu, com lgrimas, convencida de que o Mestre Divino lhe ampararia a vidaJovem.As oraes da devotada criatura foram ouvi-das, no Alto, porque Levindo, logo depois de arrebatado pelasasas do sono, sonhou que era procurado por um mensageiro espiritual, a exibir largo documento na mo.Intrigado, o rapaz perguntou-lhe a que devia a surpresa de semelhante visita.O emissrio fitou nele os grandes olhos e respondeu: Meu amigo, venho trazer-te a conta dos seres sacrificados, at agora, em teu proveito.Enquanto o moo arregalava os olhos de assombro, o mensageiro prosseguia:

    At hoje, para sustentar-te a existncia, morreram, aproximadamente, 2.000 aves, 10 bovinos, 50sunos, 20 carneiros e 3.000 peixes diversos. Nada menos de 60.000 vidas do reino vegetal foramconsumidas pela tua, relacionando-se as do arroz, do milho, do feijo, do trigo, das vrias razes elegumes. Em mdia calculada, bebeste 3.000 litros de leite, gastaste 7.000 ovos e comeste 10.000 frutas.Tens explorado farta-mente as famlias de seres do ar e das guas, de galinheiros e estbulos, pocilgas eredis. O preo dos teus dias nas hortas e pomares vale por uma devastao. Alm disto, no relacionamosaqui os sacrifcios maternos, os recursos e doaes de teu pai, os obsquios dos amigos e as atenes dosvrios benfeitores que te rodeiam. Em troca, que fizeste de til? No restituiste ainda Natureza a mnimaparcela de teu dbito imenso. Acreditas, porventura, que o centro do mundo repousa em tuasnecessidades individuais e que vivers sem conta nos domnios da Criao? Produze algo de bom,marcando a tua passagem pela Terra. Lembra-te de que a prpria erva se encontra em servio divino. Nopermitas que a ociosidade te paralise o corao e desfigure o esprito!...O moo, espantado, passou a ver o desfile dos animais que havia devorado e, sob forte espanto,acordou...Amanhecera.O Sol de ouro como que cantava em toda parte um hino glorioso ao trabalho pacfico.Levindo escapou da cama, correu at genitora e exclamou: Mezinha, arranje-me servio! arranje-me servio!... Oh! meu filho disse a senhora num transporte de jbilo , que alegria! como estou contente!... queaconteceu?E o rapaz, preocupado, informou: Nesta noite passada, eu vi a conta da vida.Da em diante, converteu-se Levindo num homem honrado e til.

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    A AMIZADE REAL Um grande senhor que soubera amontoar sabedoria, alm da riqueza, auxiliava diversos amigos pobres,na manuteno do bom nimo, na luta pela vida.Sentindo-se mais velho, chamou o filho cooperao. O rapaz deveria aprender com ele a distribuirgentilezas e bens.Para comear, enviou-o residncia de um companheiro de muitos anos, ao qual destinava trezentoscruzeiros mensais.

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    O jovem seguiu-lhe as instrues.Viajou seis quilmetros e encontrou a casa indicada. Contrariando-lhe a expectativa, porm, noencontrou um pardieiro em runas. O domiclio, apesar de modesto, mostrava encanto e conforto. Floresperfumavam o ambiente e alvo linho vestia os mveis com beleza e decncia.O beneficirio de seu pai cumprimentou-o, com alegria efusiva, e, depois de inteligente palestra, mandoutrazer o caf num servio agradvel e distinto. Apresentou-lhe familiares e amigos que se envolviam,felizes, num halo enorme de sade e contentamento.Reparando a tranquilidade e a fartura, ali reinantes, o portador regressou ao lar, sem entregar a ddiva. Para qu? confabulava consigo mesmo aquele homem no era um pedinte. No parecia guardarproblemas que merecessem compaixo e caridade. Certo, o genitor se enganara.De volta, explicou ao velho pai, partcularizadamente, quanto vira, restituindo-lhe a importncia de quefora emissrio.O ancio, contudo, aps ouvi-lo calmamente, retirou mais dinheiro da bolsa, dobrou a quantia econsiderou: Fizeste bem, tornando at aqui. Ignorava que o nosso amigo estivesse sob mais amplos compromissos.Volta residncia dele e, ao invs de trezentos, entrega-lhe seiscentos cruzeiros, mensalmente, em meunome, de ora em diante. A sua nova situao reclama recursos duplicados. Mas, meu pai acentuou o moo , no se trata de pessoa em posio miservel.Ao que suponho, o lar dele possui tanto conforto, quanto o nosso.Folgo bastante com a noticia exclamou o velho.E, imprimindo terna censura voz conselheiral, acrescentou: Meu filho, se no lcito dar remdio aos sos e esmolas aos que no precisam delas, semelhante regrano se aplica aos companheiros que Deus nos confiou. Quem socorre o amigo, apenas nos dias deextremo infortnio, pode exercer a piedade que humilha ao invs do amor que santifica. Quem espera odia do sofrimento para prestar o favor, muita vez no encontrar seno silncio e morte, perdendo amelhor oportunidade de ser til. No devemos exigir que o irmo de jornada se converta em mendigo, afim de parecermos superiores a ele, em todas as circunstncias. Tal atitude de nossa parte representariacrueldade e dureza. Estendamos-lhe nossas mos e faamo-lo subir at ns, para que nosso concurso noseja orgulho vo. Toda gente no mundo pode consolar a misria e partilhar as aflies, mas rarosaprendem a acentuar a alegria dos entes amados, multiplicando-a para eles, sem egosmo e sem inveja nocorao. O amigo verdadeiro, porm, sabe fazer isto. Volta, pois, e atende ao meu conselho para quenossa afeio constitua sementeira de amor para a eternidade. Nunca desejei improvisar necessitados, emtorno de nossa porta e, sim, criar companheiros para sempre.Foi ento que o rapaz, envolvido na sabedoria paterna, cumpriu quanto lhe fora determinado,

    compreendendo a sublime lio de amizade real.

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    O ENSINAM ENTO VIVO Em observando qualquer edificao ou servio, Maria Crmen no faltava crtica.Ante um vestido das amigas, exclamava sem-cerimnia: O conjunto tolervel, mas as particularidades deixam muito a desejar. A gola foi extremamentemalfeita e as mangas esto defeituosas.Perante um mvel qualquer, rematava as observaes irnicas com a frase: No poderiam fazer coisa melhor? E, frente de qualquer obra de arte, encontrava traos e ngulospara condenar.A Mezinha, preocupada, estudou recursos de dar-lhe proveitoso ensinamento.Foi assim que, certa manh, convidou a filha a visitar, em sua companhia, a construo de um edifcio devastas linhas. A jovem, que no podia adivinhar-lhe o plano, seguiu-a, surpreendida.Percorreram algumas ruas e pararam diante do arranha-cu a levantar-se.A senhora pediu a colaborao do engenheiro-chefe e passou a mostrar filha os vrios departamentos.Enquanto muitos servidores abriam acomodaes para os alicerces, no cho duro, manobrando picaretas,veculos pesados transportavam terra daqui para ali, com rapidez e segurana. Pedreiros comeavam aerguer paredes, suarentos e geis, sob a atenciosa vigilncia dos tcnicos que orientavam os trabalhos.

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    Caminhes e carroas traziam material de mais longe. Carregadores corriam na execuo do dever.O diretor das obras, convidado pela matrona a pronunciar-se sobre a edificao, esclareceu, gentil: Seremos obrigados a inverter volumoso capital para resgatar as despesas. Requisitaremos, ainda, acolaborao de centenas de trabalhadores especializados. Carpinteiros, estucadores, vidraceiros, pintores,bombeiros e eletricistas viro completar-nos o servio. Qualquer construo reclama toda uma falange deservos dedicados.A menina, revelando-se impressionada, respondeu: Quanta gente a pensar, a cooperar e servir!... Sim considerou o chefe, sorrindo expressivamente , edificar sempre muito difcil.Logo aps, me e filha apresentaram as despedidas, encaminhando-Se, agora, para velho bairro.Vararam algumas travessas e praas menos agradveis e chegaram frente de antiga casa em demolio.Viam-se-lhe as linhas nobres, no estilo colonial, atravs das alas que ainda se achavam de p. Umhomem, apenas, ali se encontrava, usando martelo de tamanho gigantesco, abatendo alvenaria emadeirame. Ante a queda das paredes a ruirem com estrondo, de minuto a minuto, a jovem observou: Como terrvel arruinar, deste modo, o esforo de tantos!A Mezinha serena interveio, ento, e falou, conselheiramente: Chegamos, filha, ao fim do ensinamento vivo que buscamos. Toda a realizao til na Terra exige apacincia e o suor, o trabalho e o sacrifcio de muita gente. Edificar muito difcil. Mas destruir e eliminar sempre muito fcil. Bastar uma pessoa de martelo mo para prejudicar a obra de milhares. A crticadestrutiva um martelo que usamos criminosamente, ante o respeitvel esforo alheio. Compreendeu?A jovem fez um sinal afirmativo com a cabea e, da em diante, procurou ajudar a todos ao invs demacular, desencorajar e ferir.

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    O ELOGIO DA ABELHAGrande mosca verde-azul, mostrando envaidecida as asas douradas pelo Sol, penetrou uma sala eencontrou uma abelha humilde a carregar pequena proviso de recursos para elaborar o mel.

    A mosca arrogante aproximou-se e falou, vaidosa: Onde surges, todos fogem. No te sentes indesejvel? Teu aguilho terrvel. Sim disse a abelha com desapontamento , creia que sofro muitssimo quando sou obrigada ainterferir. Minha defesa , quase sempre, tambm a minha morte. Mas no podes viver com mais distino e delicadeza? tornou a mosca porque ferretoar, a torto ea direito? No, minha amiga esclareceu a inter-locutora . no bem assim. No sinto prazer em perturbar.Vivo to somente para o trabalho que Deus me confiou, que representa benefcio geral. E, quando algumme impede a execuo do dever, inquieto-me e sofro, perdendo, por vezes, a prpria vida. Creio, porm, que se tivesses modos diferentes... se polisses as asas para que brilhassem claridadesolar, se te vestisses em cores iguais s minhas, talvez no precisasses alarmar a ningum. Pessoaalguma te recearia a intromisso. Ah! no posso despender muito tempo em tal assunto alegou a abelha criteriosa. O servio nome permite a apresentao exterior muito primorosa, em todas as ocasies. A produo de melindispensvel ao sustento de nossa colmia, e necessria a muita gente, no me oferece ensejo aexcessivos cuidados comigo mesma. Repara! disse-lhe a mosca, desdenhosa tuas patas esto em lastimvel estado... Encontro-me em servio explicou-se a operria humildemente.No! no! protestou a outra isto monturo e relaxamento.E limpando caprichosamente as asas, a mosca recuou e aquietou-se, qual se estivesse em observao.Nesse instante, duas senhoras e uma criana penetraram o recinto e, notando a presena da abelha quebuscava sair ao encontro de companheiras distantes, uma das matronas gritou, nervosa: Cuidado! cuidado com a abelha! Fere sem piedade!...A pequenina trabalhadora alada dirigiu-se para o campo e a mosca soberba passou a exibir-se, voandodespreocupada.

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    Que maravilha! exclamou uma das senhoras. Parece uma jia! disse a outra.A mosca preguiosa planou... planou... e, encaminhando-se para a copa, penetrou o guarda-comida,deitando varejeiras na massa dos pastis e em pratos diversos que se preparavam para o dia seguinte.Acompanhou a criana, de maneira imperceptvel, e pousou-lhe na cabea, infeccionando certa regio quese achava ligeiramente ferida.Decorridas algumas horas, sobravam preocupaes para toda a famlia. A encantadora mosca verde-azuldeixara imundcie e enfermidade por onde passara.Quantas vezes sucede isto mesmo, em plena vida?H criaturas simples, operosas e leais, de trato menos agradvel, primeira vista, que, maneira daabelha, sofrem sarcasmos e desapontamentos por bem cumprir a obrigao que lhes cabe, em favor detodos; e h muita gente de apresentao brilhante, quanto a mosca, e que, depois de seduzir-nos aateno pela beleza da forma, nos deixa apenas as larvas da calnia, da intriga, da maldade, da revolta edo desespero no pensamento.

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    O CARNEIRO REVOLTADOCerto carneiro muito inteligente, mas indisciplinado, reparou os benefcios que a l espalhava em todaparte, e, desde ento, julgou-se melhor que os outros seres da Criao, passando a revoltar-se contra atosquia. Se era to precioso pensava , porque aceitar a humilhao daquela tesoura enorme?Experimentava intenso frio, de tempos a tempos, e, despreocupado das ricas raes que recebia no redil,detinha-se apenas no exame dos prejuzos que supunha sofrer.Muito amargurado, dirigiu-se ao Criador, exclamando: Meu Pai, no estou satisfeito com a minha pelagem. A tosquia um tormento... Modifica-me, Senhor!...O Todo-Poderoso indagou, com bondade: Que desejas que eu faa?Vaidosamente, o carneiro respondeu: Quero que a minha l seja toda de ouro.A rogativa foi satisfeita. Contudo, assim que o orgulhoso ovino se mostrou cheio de plos preciosos, vriaspessoas ambiciosas atacaram-no sem piedade. Arrancaram-lhe, violentamente, todos os fios, deixando-oem chagas.O nfeliz, a lastimar-se, correu para o Altssimo e implorou: Meu Pai, muda-me novamente! no posso exibir l dourada.., encontraria sempre salteadores semcompaixo.O Sbio dos Sbios perguntou: Que queres que eu faa?O animal, tocado pela mania de grandeza, suplicou: Quero que a minha l seja lavrada em porcelana primorosa.Assim foi feito. Entretanto, logo que tornou ao vale, apareceu no cu enorme ventania, que lhe quebroutodos os fios, dilacerando-lhe a carne.Regressou, aflito, ao Todo-Misericordioso e queixou-se: Pai, renova-me!... A porcelana no resiste ao vento... estou exausto...Disse-lhe o Senhor: Que desejas que eu faa? A fim de no provocar os ladres e nem ferir-me com porcelana quebrada, quero que a minha l sejafeita de mel.O Criador satisfez o pedido. Todavia, logo que o pobre se achou no redil, bandos de moscas asquerosascobriram-no em cheio e, por mais corresse campo afora, no evitou que elas lhe sugassem os fiosadocicados.O msero voltou ao Altssimo e implorou: Pai, modifica-me... as moscas deixaram-me em sangue!

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    O Senhor indagou, de novo, com inexaurvel pacincia: Que queres que eu faa?Dessa vez, o carneiro pensou mais tempo e considerou: Suponho que seria mais feliz se tivesse minha l semelhante s folhas de alface.O Todo-Bondoso atendeu-lhe mais uma vez a vontade e o carneiro voltou plancie, na caprichosa alegriade parecer diferente. No entanto, quando alguns cavalos lhe puseram os olhos, no conseguiu melhorsorte, Os eqinos prenderam-no com os dentes e, depois de lhe comerem a l, abocanharam-lhe o corpo.O carneiro correu na direo do Juiz Supremo, gotejando sangue das chagas profundas, e, em lgrimas,gemeu, humilde: Meu Pai, no suporto mais!...Como soluasse longamente, o Todo-Compassivo, vendo que ele se arrependera com sinceridade,observou: Reanima-te, meu filho! que pedes agora?O infeliz replicou, em pranto: Pai, quero voltar a ser um carneiro comum, como sempre fui. No pretendo a superioridade sobre meusirmos. Hoje sei que os meus tosquiadores de outro tempo so meus verdadeiros amigos. Nunca medeixaram em feridas e sempre me deram de comer e beber, carinhosamente... Quero ser simples e til,qual me fizeste, Senhor!...O Pai sorriu, bondoso, abenoou-o com ternura e falou: Volta e segue teu caminho em paz. Compreendeste, enfim, que meus desgnios so justos. Cadacriatura est colocada, por minha Lei, no lugar que lhe compete e, se pretendes receber, aprende a dar.Ento o carneiro, envergonhado, mas satisfeito, voltou para o vale, misturou-se com os outros e da pordiante foi muito feliz.

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    O PIOR INIMI GO

    Um homem, admirvel pelas qualidades de trabalho e pelas formosas virtudes do carter, foi visto pelosinimigos da Humanidade que conhecemos por Ignorncia, Calnia, Maldade, Discrdia, Vaidade, Preguiae Desnimo, os quais tramaram, entre si, agir contra ele, conduzindo-o derrota.O honrado trabalhador vivia feliz, entre familiares e companheiros, cultivando o campo e rendendo graasao Senhor Supremo pelas alegrias que desfrutava no contentamento de ser til.A Ignorncia comeou a cogitar da perseguio, apresentando-o ao povo como mau observador dasobrigaes religiosas. Insulava-se no trato da terra, cheio de ambies desmedidas para enriquecer custa do alheio suor. No tinha f, nem respeitava os bons costumes.O lavrador ativo recebeu as notcias do adversrio que operava, de longe, sorriu calmo e falou comsinceridade: A Ignorncia est desculpada.Surgiu, ento, a Calnia e denunciou-o s autoridades por espio de interesses estranhos. Aquele homemvivia, quase szinho, para melhor comunicar-se com vasta quadrilha de ladres. O servio policial tratoude minuciosas averiguaes e, ao trmino do inqurito vexatrio, a vtima afirmou sem dio: A Calnia estava enganada.

    E trabalhou com dobrado valor moral.Logo aps, veio a Maldade, que o atacou de mais perto. Principiou a ofensiva, incendiando-lhe o campo.Destruiu-lhe milharais enormes, prejudicou-lhe a vinha, poluiu-lhe as fontes. Todavia, o operrioincansvel, reconstruindo para o futuro, respondeu, sereno: Contra as sombras do mal, tenho a luz do bem.Reconhecendo os perseguidores que haviam encontrado um esprito robusto na f, instruram a Discrdiaque passou a assedi-lo dentro da prpria casa. Provocaes cercaram-no de todos os lados e, a brevetempo, irmos e amigos da vspera relegaram-no ao abandono.O servo diligente, dessa vez, sofreu bastante, mas ergueu os olhos para o Cu e falou: Meu Deus e meu Senhor, estou s, no entanto, continuarei agindo e servindo em Teu Nome. ADiscrdia ser por mim esquecida.Apareceu, ento, a Vaidade que o procurou nos aposentos particulares, afirmando-lhe:

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    s um grande heri... Venceste aflies e batalhas! Sers apontado multido na aurola dos justos edos santos!...O trabalhador sincero repeliu-a, imperturbvel: Sou apenas um tomo que respira. Toda glria pertence a Deus!Ausentando-se a Vaidade com desapontamento, entrou a Preguia e, acariciando-lhe a fronte com mostraioeiras, afianou: Teus sacrifcios so excessivos... Vamos ao repouso! J perdeste as melhores foras!...Vigilante, contudo, o interpelado replicou sem hesitar: Meu dever o de servir em benefcio de todos, at ao fim da luta.Afastando-se a Preguia vencida, o Desnimo compareceu. No atacou de longe, nem de perto. No sesentou na poltrona para conversar, nem lhe cochichou aos ouvidos. Entrou no corao do operoso lavradore, depois de instalar-se l dentro, comeou a perguntar-lhe: Esforar-se para qu? servir porqu? No v que o mundo est repleto de colaboradores maiscompetentes? que razo justifica tamanha luta? quem o mandou nascer neste corpo? no foi adeterminao do prprio Deus? no ser melhor deixar tudo por conta de Deus mesmo? que espera? sabe,acaso, o objetivo da vida? tudo intil... no se lembra de que a morte destruir tudo?O homem forte e valoroso, que triunfara de muitos combates, comeou a ouvir as interrogaes doDesnimo, deitou-se e passou cem anos sem levantar-se...

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    A DECISO SBI AEm tempos recuados, existiu um rei poderoso e bom, que se fizera notado pela sabedoria.Convidado a verificar, solenemente, a inveno de um sdito, cuja cabea era um prodgio na matemtica,compareceu em trajes de honra festa em que o novo aparelho seria apresentado.O calculista, orgulhoso, mostrou a obra que havia criado pacientemente. Tratava-se de largo tabuleiroforrado de veludo negro, cercado de pequenas cavidades, sustentando regular coleo de bolas demadeira colorida. Acionadas por longos tacos de marfim, essas bolas rolavam na direo das cavidadesnaturais, dando ensejo a um jogo de grande interesse pela expectao que provocava.Revestiu-se a festa de brilho indisfarvel.Contendores variados disputaram partidas de vulto.Dia inteiro, grande massa popular rodeou o invento, comendo e bebericando.O prprio monarca seguiu a alegria geral, dando mostras de evidente satisfao. Serviu-se, ao almoo,

    junto s grandes bandejas de carne, po e frutos, em companhia dos amigos, e aplaudia, contente,quando esse ou aquele participante do novo e inocente jogo conseguia posio invejvel perante oscompanheiros. tardinha, encerrada a curiosidade geral, o inventor aguardou o parecer do soberano, com inexcedvelorgulho. Aglomerou-se o povo, igualmente, a fim de ouvi-lo.

    No se cansava o pblico de admirar o jogo efetuado, atravs de clculos divertidos.Despedindo-se, o rei levantou-se, fz-se visto de todos e falou ao vassalo inteligente: Genial matemtico: a autoridade de minha coroa determina que sua obra de raciocnio seja premiadacom cem peas de ouro que os cofres reais levaro ao seu crdito, ainda hoje, em homenagem suapacincia e habilidade. Essa remunerao, todavia, no lhe visa smente o valor pessoal, mas tambmcertos benefcios que a sua mquina vem trazer a muitos homens e mulheres de meu reino, menos afeitoss virtudes construtivas que todos devemos respeitarneste mundo. Enquanto jogarem suas bolas de madeira, possivelmente muitos indivduos, cujos instintoscriminosos ainda se acham adormecidos, se desviaro do delito provvel e muitos caadores ociososdeixaro em paz os animais amigos de nossas florestas.O monarca fz comprida pausa e a multido prorrompeu em aplausos delirantes.Via-se o inventor cercado de abraos, quando o soberano recomeou:- Devo acrescentar, porm, que a sabedoria de meu cetro ordena que o senhor seja punido com cinquentadias de priso forada, a fim de que aprenda a utilizar sua capacidade intelectual em benefcio de todos. Ainteligncia humana uma luz cuja claridade deve ser consagrada cooperao com o Supremo Senhor,na Terra. Sua inveno no melhora o campo, nem cria trabalho srio; no ajuda as sementes, nemampara os animais; no protege fontes, nem conserva estradas; no colabora com a educao, nem serveaos ideais do bem. Alm disto, arrasta centenas de pessoas, qual se verificou neste dia, conosco, aperderem valioso tempo na expectativa intil. Volte aos seus abenoados afazeres mentais, mesmo nocrcere, e dedique sua inteligncia a criao de servio e utilidades em proveito de todos, porque, se omeu poder o recompensa, a minha experincia o corrige.Quando o rei concluiu e desceu da tribuna, o inventor se fizera muito plido, o povo no bateu palmas;entretanto, toda gente aprendeu, na deciso sbia do grande soberano, que ningum deve menosprezaros tesouros da inteligncia e do tempo sobre a Terra.

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    O AP RENDIZ DESAPONTADO Um menino que desejava ardentemente residir no Cu, numa bonita manh, quando se encontrava nocampo, em companhia de um burro, recebeu a visita de um anjo.Reconheceu, depressa, o emissrio de Cima, pelo sorriso bondoso e pela veste resplandecente.Alucinado de jbilo, o rapazelho gritou: Mensageiro de Jesus, quero o paraso! que fazer para chegar at l?!O anjo respondeu com gentileza: O primeiro caminho para o Cu a obedincia e, o segundo, o trabalho.O pequeno, que no parecia muito diligente, ficou pensativo.O enviado de Deus ento disse: Venho a este campo, a fim de auxiliar a Natureza que tanto nos d.Fixou o olhar mais docemente na criana e rogou: Queres ajudar-me a limpar o cho, carregando estas pedras para o fosso vizinho?O menino respondeu: No posso.Todavia, quando o emissrio celeste se dirigiu ao burro, o animal prontificou-se a transportar os calhaus,pacientemente, deixando a terra livre e agradvel.

    Em seguida, o anjo passou a dar ordens de servio em voz alta, mas o menino recusava-se a contribuir,enquanto o burro ia obedecendo.No instante de mover o arado, o rapazinho desfez-se em palavras feias, fugindo colaborao.O muar disciplinado, contudo, ajudou quanto pde, em silncio.No momento de preparar a sementeira, verificou-se o mesmo quadro: o pequeno repousava e o burrotrabalhava.Em todas as medidas iniciais da lavoura, o pesado animal agia cuidadoso, colaborando eficientemente como lavrador celeste; entretanto, o jovem, cheio de sade e leveza, permaneceu amuado, a um canto,choramingando sem saber porqu e acusando no se sabe a quem.No fim do dia, o campo estava lindo.Canteiros bem desenhados surgiam ao centro. ladeados por fios de gua benfeitora.As rvores, em derredor, pareciam orgulhosas de proteg-los. O vento deslizava to manso que mais seassemelhava a um sopro divino cantando nas campnulas do matagal.A Lua apareceu espalhando intensa claridade.O anjo abraou o obediente animal, agradecendo-lhe a contribuio. Vendo o menino que o mensageirose punha de volta, gritou, ansioso: Anjo querido, quero seguir contigo, quero ir para o Cu!...O emissrio divino respondeu, porm: O paraso no foi feito para gente preguiosa. Se desejas encontr-lo, aprende primeiramente aobedecer com o burro que soube receber a bno da disciplina e o valor da educao.E assim esclarecendo subiu para as estrelas, deixando o rapazinho desapontado. mas disposto a mudar devida.

    25A FALSA MENDIGA

    Zezlia pedia esmolas, havia muitos anos.No era to doente que no pudesse trabalhar, produzindo algo de til, mas no se animava a enfrentarqualquer disciplina de servio. Esmola pelo amor de Deus! clamava o dia inteiro, dirigindo-se aos transeuntes, sentada porta deimundo telheiro.De quando em quando, pessoas amigas, depois de lhe darem um nquel, aconselhavam: Zezlia, voc no poderia plantar algum milho?

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    No posso... respondia logo. Zezlia, quem sabe poderia voc beneficiar alguns quilos de caf? Quem sou eu, meu filho? no tenho foras... No desejaria lavar roupa e ganhar algum dinheiro? indagavam damas bondosas. Nem pensar nisto. No agento... Zezlia, vamos vender flores! convidavam algumas jovens que se compadeciam dela. No posso andar, minhas filhas!... exclamava, suspirando. E o bordado, Zezlia? interrogava a vizinha, prestativa voc tem as mos livres. A agulha umaboa companheira. Quem sabe poder ajudar-nos? Receber compensadora remunerao. No tenho os dedos seguros informava, teimosa e falta-me suficiente energia... No posso, minhasenhora...E, assim, Zezlia vivia prostrada, sem nimo, sem alegria.Afirmava sentir dores por toda parte do corpo. Dava notcias da tosse, da tonteira e do resfriado comlongas palavras que raras pessoas dispunham de tempo para ouvir. Alm das lamentaes contnuas,clamava que no bebia caf por falta de acar, que no almoara por no dispor de alimentao.Tanto pediu, chorou e se queixou Zezlia que, em certa manh, foi encontrada morta e a caridade pblicaenterrou-lhe o corpo com muita piedade.Todos os vizinhos e conhecidos julgaram que a alma de Zezlia fora diretamente para o Cu; entretanto,no foi assim.Ela acordou em meio dum campo muito escuro e muito frio.Achava-se sem ningum e gritou, aflita, pelo socorro de Deus.Depois de muito tempo, um anjo apareceu e disse-lhe, bondoso: Zezlia, que deseja voc? Ah! observou, muito vaidosa j sou conhecida na Casa Celestial? H muito tempo informou o emissrio, compadecido.A velha comeou a chorar e rogou em pranto: Tenho sofrido muito!... quero o amparo do Alto!... Mas, oua! esclareceu o mensageiro o auxlio divino para quem trabalha. Quem no planta, nadatem a colher. Voc no cavou a terra, no cuidou de plantas, no ajudou os animais, no fiou o algodo,no teceu fios, no costurou o pano, no amparou crianas, no fz po, no lavou roupa, no varreu acasa, no cuidou de flores, no tratou nem mesmo de sua sade e de seu corpo... Como pretende receberas bnos de Cima?A infeliz observou, ento: Nada podia fazer... eu era mendiga...

    O anjo, contudo, replicou: No, Zezlia! voc no era mendiga. Voc foi simplesmente preguiosa. Quando aprender atrabalhar, chame por ns e receber o socorro celeste.Cerrou-se-lhe aos olhos o horizonte de luz e, s escuras, Zezlia voltou para a Terra, a fim de renovar-se.

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    O GRITO DE CLERA Lembra-se do instante em que gritou fortemente, antes do almoo?Por insignificante questo de vesturio, voc pronunciou palavras feias em voz alta, desrespeitando a pazdomstica.Ah! meu filho, quantos males foram atraidos por seu gesto de clera!...A Mame, muito aflita, correu para o interior, arrastando atenes de toda a casa. Voltou-lhe a dor-de-cabea e o corao tornou a descompassar-se.As duas irms, que cuidavam da refeio, dirigiram-se precipitadamente para o quarto, a fim de socorr-la, e duas teras partes do almoo ficaram inutilizadas.Em razo das circunstncias provocadas por sua irreflexo, o papai, muito contrariado, foi compelido aesperar mais tempo em casa, chegando ao servio com grande atraso.Seu chefe no estava disposto a tolerar-lhe a falta e recebeu-o com repreenso spera.Quem o visse, erecto e digno, a sofrer essa pena, em virtude da sua leviandade, sentiria compaixo,

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    porque voc no passa de um jovem necessitado de disciplina, e ele um homem de bem, idoso ecorreto, que j venceu muitas tempestades para amparar a famlia e defend-la. Humilhado, suportou asconsequncias de seu gesto impulsivo, por vrios dias, observado na oficina qual se fora um menino vadioe imprudente.Os resultados de sua gritaria foram, porm, mais vastos.A Mezinha piorou e o mdico foi chamado. Medicamentos de alto preo, trazidos pressa, impuseramvertiginosa subida s despesas, e o papai no conseguiu pagar todas as contas de armazm, farmcia ealuguel de casa.Durante seis meses, toda a sua famlia lutou e solidarizou-se para recompor a harmonia quebrada,desastradamente, por sua ira infantil.Cento e oitenta dias de preocupaes e trabalhos rduos, sacrifcios e lgrimas! Tudo porque voc, incapazde compreender a cooperao alheia, se ps a berrar, inconscientemente, recusando a roupa que lhe noagradava.Pense na lio, meu filho, e no repita aTodos estamos unidos, reciprocamente, atravs de laos que procedem dos desgnios divinos. Ningum serene ao acaso. Foras superiores impelem-nos uns para os outros, de modo a aprendermos a cincia dafelicidade, no amor e no respeito mtuos.O golpe do machado derruba a rvore de vez.A ventania destri um ninho de momento para outro.A ao impensada de um homem, todavia, muito pior.O grito de clera um raio mortfero, que penetra o crculo de pessoas em que foi pronunciado e a sedemora, indefinidamente, provocando molstias, dificuldades e desgostos.Porque no aprende a falar e a calar, a benefcio de todos?Ajude em vez de reclamar.A clera fora infernal que nos distancia da paz divina.A prpria guerra, que extermina milhes de criaturas, no seno a ira venenosa de alguns homens quese alastra, por muito tempo, ameaando o mundo inteiro.

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    CARTA PATERNA Meu filho, no tinhas razo em favor da clera.Vi, perfeitamente, quando o velhinho se aproximou para servir-te.Trazia um corao amoroso e atento que no soubeste compreenderDeste uma ordem que o pobrezinho no ouviu to bem, quanto desejavas. Repetiste-a e, porquenovamente te perguntasse qualquer coisa, proferiste palavras feias, que lhe feriram as fibras mais ntimas.Como foste injusto!...Quando nasceste, o antigo servidor j vencera muitos invernos e servira a muita gente.Enfraqueceram-se-lhe os ouvidos, ante as imperiosas determinaes alheias.Nunca refletiste na neblina que lhe enevoa o olhar? Adquiriu-a trabalhando noite, enquanto dormias,despreocupado.Sabes porque traz ele as pernas trmulas? Devorou muitas lguas a p, solucionando problemas dosoutros.Irritas-te, quando se demora a movimentar-se a teu mando. Contudo, exiges o automvel para a viagemde dois quilmetros.Em muitas ocasies, queixas-te contra ele. relaxado aos teus olhos, tem as mos lescuidadas e a roupano muito limpa. Entretanto, nunca imaginaste que o apagado servidor jamais encontrou oportunidadesiguais s que recebeste. Alm disto, no lhe ofereces o ensinamento amigo e nem tempo para cogitar dasprprias necessidades espirituais.Reclamas longos dias para examinar pequenina questo, referente ao teu bem-estar; todavia, no lheconsagras nem mesmo uma hora por semana, ajudando-o a refletir...Respondes, enfadado, quando o velho companheiro te pede alguns nqueis, mas no vacilas em despender

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    pequenas fortunas com amigos ociosos, em noitadas alegres, nas quais te mergulhas em fantasiosocontentamento.Interrogas, ingrato: que fizeste do dinheiro que te dei?Esqueces que o servo de fronte enrugada no disps de tempo e recurso para calcular, com exatido, osprocessos de ganhar alm do necessrio e no conseguiu ensejo de ilustrar o raciocnio com o refinamentoque caracteriza o teu.Ah! meu filho, quando a impacincia te visita o esprito, recorda que o monstro da ira indesejvel te bate porta do corao. E quando a ele te entregas, Imprevidente tuas conquistas mais elevadas tremem nosalicerces. Chego a desconhecer-te porque a fria dos elementos interiores te alteram a Individualidade aosmeus olhos e eu no sei se passas a condio de criana ou de demnio!...Se no podes conter, ainda, os movimentos impulsivos de sentimentos Perturbadores, chegado o instantedo testemunho cala-te e espera.A clera nada edifica e nada restaura... Apenas semea desconfiana e temor, ao redor de teus passos.No ameaces com a voz, nem te insurjas Contra ningum. provvel que guardes alguma reclamao contra mim, teu pai, Porque eu tambm sou ainda humano.No entanto, filho, acima de ns ambos permanece o Pai Supremo, e que seria de ti e de mim, se Deus, umdia, se encolerizasse contra ns?

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    A P REGAO FUNDAMENTALUm aprendiz de Nosso Senhor Jesus-Cristo entusiasmou-se com os ensinamentos do Evangelho e decidiupropag-los, enquanto vivesse. Leu, atencioso, as lies do Mestre e comeou a coment-las por todaparte, gastando dias e noites nesse mister.Chegou, porm, o momento em que precisou pagar as prprias despesas e foi compelido a trabalhar.Empregou-se sob as ordens de um orientador que lhe no agradou. Esse diretor de servio achava-semuito distante da f e, por isto, contrariava-lhe as tendncias religiosas. Controlava-lhe as horas comrigor e observava-o com apontamentos acrimoniosos e rudes.O pregador do Crucificado no mais se movimentava com a liberdade de outro tempo. Era obrigado aconsagrar largos dias a trabalhos difceis que lhe consumiam todas as foras. Prosseguia, ensinando a boadoutrina, quanto lhe era possvel; porm, no mais podia agir e falar, como queria ou quando pretendia.Tinha os minutos contados, as oportunidades divididas, as semanas tabeladas e, porque se julgasse vtimadas ordenaes de sua chefia, procurou o diretor do servio e despediu-se.O proprietrio que o empregara indagou do motivo que o levava a semelhante resoluo.Um tanto irnico, o rapaz explicou-se: Quero ser livre para melhor servir a Jesus. No posso, pois, aceitar o cativeiro de sua casa.Nesse dia de folga absoluta, sentiu-se to independente e to satisfeito que discorreu, animadamente,sobre a doutrina crist, at depois de meia-noite, em vrias casas religiosas.Repousando, feliz, alta madrugada sonhou que o Mestre vinha encontr-lo. Reparou-lhe a beleza celeste eajoelhou-se para beijar-lhe a tnica resplandecente.Jesus, porm, estampava na fisionomia dolorosa e indisfarvel tristeza.O discpulo inquietou-se e interrogou: Senhor, porque te sentes amargurado?O Cristo, respondeu, melanclicamente: Porque desprezaste, meu filho, a pregao que te confiei? Como assim, Senhor? replicou o jovem ainda hoje abandonei um homem tirnico para melhorensinar a tua palavra. Tenho discursado em vrios templos e comentado a Boa-Nova por onde passo. Sim exclamou o Mestre , esta a pregao que me ofereces e que desejo continuesfervorosamente; todavia, confiei ao teu esprito a pregao fundamental da verdade a um homem queadministra os meus interesses na Terra e no soubeste execut-la. Classificaste-o de ignorante e cruel;entretanto, olvidas que ele ignora o que sabes. E pretendes, acaso, desconhecer que o orientador humanoque te dei somente poderia abordar-me os ensinos, nesta hora, atravs de teu exemplo? Tua humildade

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    construtiva, no esprito de servio, modificar-lhe-ia o corao... Se lhe desses cinco anos consecutivos dedemonstraes evanglicas, estaria preparado a caminhar, por si mesmo, na direo do Reino Divino!... Eele, que determina sobre o tempo de duzentos homens, se faria melhor, mais humano e mais nobre, semprejuzo da energia e da eficincia... Poders ensinar o caminho celestial a cem mil ouvidos, mas apregao do exemplo, que converta um s corao ao Infinito Bem, estabelece com mais presteza aredeno do mundo!...O aprendiz desejou perguntar alguma coisa; entretanto, o Cristo afastou-se num turbilho de luminosaneblina.Acordou, sobressaltado, e no mais dormiu naquela noite.De manh, ps-se a caminho do estabelecimento em que trabalhara, procurou o diretor de quem sedespedira e pediu humildemente: Senhor, rogo-lhe desculpas pelo meu gesto impensado e, caso seja possvel, readmita-me nesta casa!aceitarei qualquer gnero de tarefa.O chefe, admirado, indagou: Quem te induziu a esta modificao? Foi Jesus respondeu o rapaz ; no podemos servi-lo por intermdio da indisciplina ou do orgulhopessoal.O diretor concordou sem vacilao, exclamando: Entre! Estamos ao seu dispor.Anotou a boa vontade e o sincero desejo de servir de que o empregado dava agora vivo testemunho epassou a refletir na grandeza da doutrina que assim ori