funções sociais da música na representação dos documentários
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8. FALA TU (2003) E L.A.P.A (2007): FUNES SOCIAIS POR MEIO DO RAP NA
REPRESENTAO DOS DOCUMENTRIOS
A partir da representatividade do conjunto de documentrios analisados acerca derealidades sociais, tais como: empregabilidade, excluso social e identidade inserida em um
grupo, frisam-se neste captulo questes relacionadas relao msica/incluso. Aqui, d-se
maior nfase no rap, uma vez que o estilo predominante nos documentrios Fala Tu (2003) e
L.A.P.A (2007), bem como suas funes perante o grupo que se insere enquanto fator de
incluso.
8.1Funes sociais da msica na sociedade em mbito geral:A compreenso do rap como fator inclusivo parte-se inicialmente da ideia de que a
msica, como um todo, possui potencialidades inclusivas. Assim, expem-se primeiramente
as funes da msica na sociedade na concepo de Merriam (1964), de modo a ilustrar as
razes para o seu emprego e, particularmente, os propsitos maiores de sua utilizao. As dez
categorias principais so:
Funo de expresso emocional: refere-se funo da msica como umaexpresso da liberao dos sentimentos, liberao das ideias reveladas ou noreveladas na fala das pessoas. como se fosse uma forma de desabafo de
emoes atravs da msica. Uma importante funo da msica, ento, a
oportunidade que ela d para uma variedade de expresses emocionais o
descargo de pensamentos e ideias, a oportunidade de alvio e, talvez, a resoluo
de conflitos, bem como a manifestao da criatividade e a expresso das
hostilidades (Merriam, 1964:219);
Funo do prazer esttico: inclui a esttica tanto do ponto de vista do criadorquanto do contemplador. Para Merriam, deve ser demonstrvel para outras
culturas alm da nossa. Msica e esttica esto claramente associadas na cultura
ocidental, tanto quanto nas culturas da Arbia, ndia, China, Japo, Coria,
Indonsia e outras tantas (Merriam, 1964:223);
Funo de divertimento, entretenimento: para Merriam, essa funo deentretenimento est em todas as sociedades. Necessrio esclarecer apenas que a
distino deve ser provavelmente entre entretenimento puro (tocar ou cantarapenas), o que parece ser uma caracterstica da msica na sociedade ocidental e,
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entretenimento combinado com outras funes, como, por exemplo, a funo de
comunicao (Merriam, 1964:223);
Funo de comunicao:aqui se refere ao fato da msica comunicar algo, no certo para quem essa comunicao dirigida, ou como, ou o qu. Para Merriam a
msica no uma linguagem universal, mas, sim, moldada nos termos da cultura
da qual ela faz parte. Nos textos musicais ela emprega, comunica informaes
diretamente queles que entendem a linguagem que est sendo expressa. Ela
transmite emoo, ou algo similar emoo para aqueles que entendem o seu
idioma (Merriam, 1964:223);
Funo de representao simblica: h pouca dvida de que a msica funcionaem todas as sociedades como smbolo de representao de outras coisas, ideias e
comportamentos sempre presentes na msica. Ela pode cumprir essa funo por
suas letras, por emoes que sugere ou pela fuso dos vrios elementos que a
compe (Merriam, 1964:223);
Funo de reao fsica: Merriam apresenta essa funo da msica com algumahesitao, pois, para ele, questionvel se a resposta fsica pode ou deve ser
listada no que essencialmente um grupo de funes sociais. Entretanto, o fato de
que a msica extrai resposta fsica claramente mostrado em seu uso na sociedadehumana, embora as respostas possam ser moldadas por convenes culturais. A
msica tambm excita e muda o comportamento dos grupos; pode encorajar
reaes fsicas de guerreiros e de caadores. A produo da resposta fsica da
msica parece ser uma importante funo; para Merriam, a questo se esta uma
resposta biolgica provavelmente anulada pelo fato de que ela culturalmente
moldada (Merriam, 1964:224);
Funo de impor conformidade s normas sociais: msicas de controle social tmuma parte importante num grande nmero de culturas, tanto por advertncia direta
aos sujeitos indesejveis da sociedade quanto pelo estabelecimento indireto do
que ser considerado um sujeito desejvel na sociedade. Por exemplo, as msicas
de protesto chamam a ateno para o decoro e inconvenincia. Para Merriam a
obteno da conformidade com as normas sociais uma das principais funes da
msica (Merriam, 1964:224);
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Funo de validao das instituies sociais e dos rituais religiosos: enquanto amsica usada em situaes sociais e religiosas, h pouca informao para indicar
a extenso que tende a validar essas instituies e rituais. Os sistemas religiosos
so validados, como no folclore, pela citao de mito e lendas em canes, e
tambm por msica que exprime preceitos religiosos.
Instituies sociais so validadas atravs de msica que enfatiza o adequado e o
imprprio na sociedade, tanto quanto aquelas que dizem s pessoas o que e como fazer.
Essa funo bastante semelhante de impor conformidade s normas sociais
(Merriam, 1964:224);
Funo de contribuio para a continuidade e estabilidade da cultura: segundoMerriam, se a msica permite expresso emocional, ela fornece um prazer
esttico, diverte, comunica, obtm respostas fsicas, conduz conformidade s
normas sociais, valida instituies sociais e ritos religiosos, e claro que tambm
contribui para a continuidade e estabilidade da cultura. Nesse sentido, talvez, ela
contribui nem mais nem menos do que qualquer outro aspecto cultural.
Assim, percebe-se em um primeiro momento que para Merriam (1964), a msica , emum sentido, uma atividade de expresso de valores, um caminho por onde o corao de uma
cultura exposto sem muitos daqueles mecanismos protetores que cercam outras atividades
culturais que dividem suas funes com a msica. Como veculo da histria, mito e lenda, ela
aponta a contribuio da cultura; ao transmitir educao, ela controla os membros errantes da
sociedade, dizendo o que certo, contribuindo para a estabilidade da cultura (Merriam,
1964:225):
Funo de contribuio para a integrao da sociedade: de certa forma essafuno tambm estcontemplada no item anterior, pois, ao promover um ponto de
solidariedade, ao redor do qual os membros da sociedade se congregam, a msica
funciona como integradora dessa sociedade. A msica, ento, fornece um ponto
de convergncia no qual os membros da sociedade se renem para participar de
atividades que exigem cooperao e coordenao do grupo. Nem todas as msicas
so apresentadas dessa forma, por certo, mas todas as sociedades tm ocasiesmarcadas por msica que atrai seus membros e os recorda de sua unidade
(Merriam, 1964:226).
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Merriam (1964) ressalta que bem possvel que essa lista de funes da msica possa
requer condensao ou expanso, mas, em geral, ela resume o papel da msica na cultura
humana. A msica claramente indispensvel para uma promulgao apropriada das
atividades que constituem uma sociedade; um comportamento humano universal.
Em relao tais funes, Swanwick (1997) faz uma anlise das mesmas, dividindo-as
em duas possibilidades:
a transformao; transmisso cultural ou a reproduo cultural.
Para o autor, as funes de expresso emocional, prazer esttico, comunicao e
representao simblica, mesmo apresentando componentes reprodutivos, tambm
apresentam possibilidades de metforas que podem gerar novos significados. J as funes de
validao de instituies sociais, de forar conformidades s normas sociais, de auxlio aos
rituais religiosos, de contribuir para a continuidade e para a estabilidade da cultura, alm da
integrao da sociedade, no tendem a criar ou a encorajar novos significados. No caso da
educao musical, em que a construo de conhecimento e o desenvolvimento de habilidades
criativas uma forte meta, torna-se importante focalizar as funes da msica que busquem atransformao cultural e no apenas a reproduo.
Alm dessas categorias, Carlos Kater em seu artigo publicado na Revista da Abem,
nmero 11, 2004, de ttulo O que podemos esperar da educao musical em projetos de
ao social., destaca cinco aspectos importantes no que se refere ao trabalho de educao
musical junto a comunidades carentes:
A importncia do estabelecimento de vnculo afetivo, capaz de gerar confiana,sentimento necessrio ao aprendizado;
A flexibilidade do processo didtico-pedaggico, visto considerar as dificuldadesemocionais presentes nesses indivduos, assim como reservar um tempo para
tratar outras questes humanitrias, de igual valor na educao dessa parcela
excluda da comunidade;
Adequar, organizar e equilibrar espaos de liberdade e instaurar referenciais delimite, assim como espaos de ao individual e coletiva (invaso edesrespeito);
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Intensificar a qualidade de nomeao, a fim de esclarecer comportamentos,emoes e sentimentos;
Valorizar a individualidade de cada aluno, por meio de procedimentos educativosconstrutivos e sinceros.
E, fechando os tipos de classificao de funes da msica, Ibaes (1988) apresenta-as
pelas seguintes representaes sociais:
Comunicao social, que corresponderia exatamente funo social da msica decomunicao citada por Merriam, ou seja, comunica informaes diretamente
queles que entendem a linguagem que est sendo expressa;
Integrao da novidade social, cujo fim manter a coeso e a estabilidadecultural, que corresponderia funo social da msica de contribuio para a
continuidade e estabilidade da cultura;
Legitimao da ordem social, tanto no nvel simblico quanto no nvel prtico,dando s representaes sociais a capacidade de orientar as condutas, que
corresponderia s funes sociais da msica de impor conformidade a normas
sociais, de representao simblica e de validao das instituies;
Expresso pessoal, que corresponderia funo de expresso emocional deMerriam quando se refere funo da msica como uma expresso da liberao
dos sentimentos, liberao das ideias reveladas ou no reveladas no discurso
direto;
Configurao grupal, que corresponderia tambm funo social da msica decontribuio para a integrao da sociedade, em que a msica fornece um ponto
de convergncia no qual os membros da sociedade se renem para participar de
atividades que exigem cooperao e coordenao do grupo.
Finalizando a ideia de que a msica est vinculada socializao, Dubet (1997)
acrescenta que esta relao se d de maneira eficiente a partir do momento em que os
indivduos constroem-se sociamente atravs das experincias sociais:
a experincia social que articula o trabalho do indivduo, que constri umaidentidade, uma coerncia e um sentido s suas aes sempre dialogando com aslgicas de ao que j se encontram determinadas. Nessa medida a socializao e aformao dos sujeitos so entendidas como o processo mediante o qual os
indivduos constroem sua experincia, evidenciando uma equao na qual osindivduos se constroem e ao mesmo tempo so construdos socialmente. (DUBET,1997, p. 241).
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Neste primeiro momento compreende-se a msica com determinadas funes que
englobam fatores de entretenimento, rituais cvicos e religiosos, alm de elemento integrador
de outros componentes curriculares. Acrescenta-se a isso a meno de Hummes (2004) em
que menciona a msica como ser capaz de propiciar trabalhos corporais ou que desenvolvam
o raciocnio, bem como a motricidade ampla e fina. Logo, a msica passa a estar presente no
cotidiano das sociedades e exerce funes significativas, dependendo da situao em que
estiver inserida.
A relao do jovem, msica e a sociabilidade:
Segundo Dayrell (2005), a msica o principal produto cultural consumido pelos
jovens no s no Brasil, mas tambm em outros pases. Na Itlia, por exemplo, algumas
pesquisas realizadas sobre o consumo cultural da juventude tambm constatam esta
centralidade, conforme estudos de Cavalli (1997), Leonini (1999) e Torti (1999). A msica
acompanha os jovens em grande parte das situaes no decorrer da vida cotidiana: msica
como fundo, msica como linguagem comunicativa que dialoga com outros tipos de
linguagem, msica como estilo expressivo e artstico; so mltiplas as dimenses e ossignificados que convivem no mbito da vida interior e das relaes sociais dos jovens, sendo
mais vivida do que apenas escutada. E, conforme cita Muchow (1968), os jovens sentem
atravs da msica alguma coisa que no podem explicar nem exprimir: uma possibilidade de
reencontrar o sentido.
J para Torti (1999), a msica oferece aos jovens a possibilidade de conjugar a trama de
um caminho de busca existencial com os signos de uma pertena coletiva. Por meio da
msica, as necessidades dos jovens de uma ancoragem e agregao coletiva se articulam comos percursos de experimentao de si mesmos:
Atravs da relao sutil e individual que se cria com o meio sonoro, se pode abrir oespao de um autorreconhecimento de expectativas e incertezas, de vivncias do
presente e de desejos em relao ao futuro. A msica a companheira ntima ecmplice da vida dos jovens, os acolhe nos momentos tristes e nos momentos dealegria, adere s linguagens da festa e do amor, da curiosidade e do conhecimento emarca uma separao com o mundo adulto. (TORTI, 1999, p.12).
Vinculando tal meno com o rap, salientado no conjunto de documentrios analisados,frisa-se que, alm de ser um fator de encontro entre os jovens, o rap atua como uma
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alternativa de satisfao pessoal e atividade criativa. Dayrell (2005) argumenta que a cultura
hip-hop fez da rua o espao privilegiado da expresso cultural dos jovens pobres:
O rap aparece como um gnero musical que articula a tradio ancestral africanacom a moderna tecnologia, produzindo um discurso de denncia da injustia e daopresso a partir do seu enraizamento nos guetos negros urbanos. (DAYRELL,2005, p.8)
J na relao do rap como estilo, utiliza-se essa noo como uma manifestao
simblica das culturas juvenis, que segundo Daryrell (2005) expressa em um conjunto mais
ou menos coerente de elementos materiais e imateriais, que os jovens consideram
representativos da sua identidade individual e coletiva. Na interpretao de Feixa (1998), a
construo de um estilo no simplesmente a apropriao ou a utilizao de um conjunto de
artefatos; implica a organizao ativa e seletiva de objetos, que so apropriados, modificados,
reorganizados e submetidos a processos de ressignificao, articulando atividades e valores
que produzem e organizam uma identidade do grupo.
O estilo tambm se manifesta muitas vezes na criao de uma linguagem prpria ou na
apropriao de expresses e grias utilizadas em outros meios; na utilizao de elementos
estticos visveis (roupas ou cortes de cabelos), como tambm na participao em atividades
ou eventos prprios de cada um deles. Dessa forma, asseguram a demarcao de diferenascom o mundo dos adultos e com outros grupos juvenis. Longe de ser uma combinao
arbitrria, as expresses culturais levadas a cabo pelos jovens nos mais diversos estilos
assumem um papel na recriao das identidades individuais e coletivas.
Alm disso, o rap vem com a caracterstica de ser um estilo democrtico, no tendo um
pr-requisito a utilizao de instrumentos musicais, o domnio de habilidades tcnicas
musicais nem mesmo maiores custos com a montagem e a organizao dos locais para
exibio pblica. Dayrell (2005) ainda acrescenta essa facilidade na composio como ummodo de aproximao do jovem para o estilo:
Para os jovens da periferia que, geralmente, no tm acesso a uma formaomusical, o rap um dos poucos estilos que lhes permitem realizar-se como
produtores musicais e artistas. No sem razo que grupos de rap e duplas de MCstendem a cantar apenas suas prprias msicas, sendo raro que cantem msicas deoutros grupos. (DAYRELL, 2005, p.8).
O autor ainda acrescenta a questo de o rap possuir caractersticas prprias: as letras
expressam outros sentidos, as formas de sociabilidade possuem especificidades, assim como
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os rituais que constituem esse estilo, ganhando significados prprios para os jovens que deles
participam.
Portanto, a partir dessas menes acerca de como o rap influencia no comportamento
dos jovens, analisa-se no subcaptulo seguinte como ele pode ser fator inclusivo na
sociabilidade dos mesmos, seja como ouvinte e apreciador do movimento hip-hop ou
compositor deste estilo.
8.1.1 As relaes entre o rap e a incluso social:
Uma vez que se destacou a msica como catalisador social, vincula-se a ideia de que o
estilo musical do hip-hop, aqui sendo o rap como um de seus elementos, tambm arguido
das mesmas potencialidades. Para tanto, faz-se uma breve contextualizao de seu momento
inicial no pas:
No Brasil, conforme cita Biazzo (2008), o hip-hop surgiu em meados dos anos de 1980,
nos sales populares das periferias de So Paulo, onde prevaleciam grupos norte-americanos e
alguns poucos expoentes nacionais. Seu principal impulso ocorreu com o grupo de rap
Racionais MCs,1 aonde ressaltavam em suas letras problemas sociais, tais como
desigualdade.O hip-hop, portanto, se afirmou como importante discurso poltico que, segundo Fialho
(2003), seria uma manifestao ligada principalmente a jovens negros da periferia e que,
historicamente, se veem excludos da sociedade. Assim, por haver uma identificao entre
esses jovens em funo de expressarem suas vises de mundo pela msica e suas perspectivas
de vida, o hip-hop pode ser caracterizado como uma Tribo Urbana. Na mesma linha de
raciocnio, Hershman (1997), afirma que o hip-hop tem revitalizado parte das reivindicaes
do movimento negro, reveladas nas letras de rap que abordam os conflitos dirios enfrentadospela populao pobre, como a represso e os massacres policiais, a dura realidade dos morros,
favelas, o racismo, mostrando um Brasil hierarquizado e autoritrio.
O autor ainda coloca que o hip-hop caracterstico de grandes cidades e metrpoles
como So Paulo. E, Soares (2005) acrescenta que o hip-hop aparece a esse jovem, como um
antdoto, uma alternativa a essa cultura da violncia. Se o jovem busca valorizao,
reconhecimento, visibilidade e uma identidade, ele pode conseguir isso atravs do rap, do
break, do grafite, mas, principalmente pelo rap que sua voz ouvida.
1Em 1997, quando o grupo lanou o Cd Sobrevivendo no inferno, os integrantes, suas letras e msicas tornaramnacionalmente conhecidos.
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Assim, com o rap, esses grupos passam uma mensagem de conscientizao, de paz,
direcionando suas letras a jovens da periferia, que sofrem com a discriminao pela pobreza
ou pelo racismo, ou que vivem as violncias domsticas, policiais, e a difcil escolha entre o
mundo perigoso das drogas ou do trabalho sem qualificao e mal remunerado. E, enfatizando
a ideia de socializao pelo rap, Dayrell (2005) destaca que por meio deste estilo musical os
jovens se socializam, pois a msica aparece como uma escolha para frequentar um grupo
determinado, no qual estabelecem laos de experincia e identidade entre si e outros grupos,
mesmo com limitados recursos materiais e, dessa forma, se constroem como sujeito:
O jovem pobre e, em geral negro, sente-se invisvel na sociedade. Essainvisibilidade surge a partir da indiferena, causada pelo preconceito e pelos
estigmas lanados a ele, que nos faz v-lo no como uma pessoa, da o sentimentode medo e repulsa que nos causa. Somado a isso existe tambm a invisibilidade queesse jovem sente dentro de casa, a pobreza, a baixa escolaridade, menor acesso aoportunidades de empregos, angstia e insegurana, depresso da autoestima emuitos outros fatores que dificultam a esse jovem construir sua identidade.(DAYRELL, 2005, p. 19)
Tal meno enfatizada por Soares (2005) que coloca as razes mencionadas como
sendo o motivo pelo qual o jovem da periferia se arma e entra para o mundo das drogas.
Quando uma arma apontada em nossas cabeas, percebe-se esse jovem, mesmo que seja
pelo medo e dio, fazendo com que ele se sinta valorizado. Com o trfico, o jovem conseguedinheiro para comprar roupas de marca, conquistas garotas. Essa outra forma que faz o
jovem sentir-se valorizado, uma vez que ele participa de um grupo, mostrando que tem
atitude. Logo, as armas e as drogas trazem at esse jovem, aquilo que a sociedade e o Estado
lhe negam, o reconhecimento.
A escolha do jovem pelo rap:
Enquanto uns jovens da periferia optam pelo caminho tortuoso do crime, existe uma
faixa de jovens que busca nos grupos musicais uma experincia que lhes proporcione, alm do
fator inclusivo social, a capacidade de manifestarem aquilo que consideram como injusto.
Apresentam assim, sua realidade caracterizada por preconceitos e ausncia de possibilidades
de crescimento pessoal e econmico. Aqui, a vivncia nos grupos musicais passa a revelar
mltiplos significados, interferindo diretamente na forma como se constroem e como so
construdos enquanto sujeitos sociais.Partindo do princpio de que tal insero pode proporcionar a elaborao de uma
determinada identidade tanto individual quanto coletiva, Dayrell (2005) coloca alguns fatores
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que influenciam na escolha de um determinado grupo para o movimento hip-hop, no caso o
gnero musical do rap, como:
lugar social que ocupam; capital cultural a que tm acesso; os poucos pr-requisitos do rap para a produo cultural; a identidade com o ritmo e a temtica abordada pelo estilo.
Alm disso, tal integrao proporciona uma reflexo acerca da escolha profissional
quando esta se relaciona com carreira musical. Segundo o autor, a troca de experincia com
outros msicos, mais do que simplesmente envolver um exerccio da criatividade, possibilita a
conscientizao sobre o quanto se quer investir profissionalmente enquanto msico:
Geralmente o processo de produo das msicas individual e coletivo, sendo ummomento risco de trocas entre os integrantes do grupo quando todos discutem,opinam e interferem na criao. Todos so autodidatas, mas expressam o desejo deestudar msica e algum instrumento, condio essencial para a profissionalizao.(DAYRELL, 2005, p.9).
Quanto ao contedo das letras, conforme j mencionado, existe uma preocupao emretratar as dificuldades vivenciadas diariamente, bem como as problemticas da comunidade
em que se inserem. Dayrell (2005) frisa que h uma tendncia em refletir o lugar social
concreto onde cada jovem se situa e a forma como elabora suas vivncias, numa postura de
denncia das condies em que vive: a violncia, as drogas, o crime, a falta de perspectivas,
quando sobreviver o fio da navalha. Entretanto, evidenciam-se tambm as relaes de
amizade, o espao onde moram, o desejo de um mundo perfeito, a paz:
Eles atribuem a si mesmos o papel de porta-vozes da periferia, um dos elementosda identidade do estilo. Alguns deles se atribuem a misso de problematizar arealidade em que vivem atravs das msicas que cantam, com a pretenso deconscientizar os caras dos problemas e riscos que o meio social lhes impe.(DAYRELL, 2005, p. 10).
Assim, compreende-se que para muitos desses jovens, o rap torna-se uma forma de
interveno social. Por meio da manifestao em suas letras, da interao com outros
msicos, h uma proposta de pedagogia prpria, que tem como um de seus instrumentos a
polmica. H a possibilidade de reelaborar a experincia social imediata em termos culturais,
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traduzida em forma de autoconscincia diante do processo de segregao espacial e dos
preconceitos sociais.
8.2 Das ruas para a cmera atravs da msica: A incluso social pelo rap narepresentatividade de Fala Tu (2003) e L.A.P.A (2007)
Conforme citado anteriormente, o rap adquire carter inclusivo a partir do momento em
que deixa de ser um estilo musical e passa a atuar no comportamento e cultura dos jovens.
Vinculando-se a isto, os documentrios analisados Fala Tu e L.A.P.A buscam ilustrar como a
incluso realizada de maneira prtica, evidenciando na cidade do Rio de Janeiro a formao
de uma identidade cultural pelo rap.
Aqui, tem-se por perspectiva a cinematografia documental atual de ir ao encontro do
outro, como sendo o ato de olhar de perto e esperar que algo novo chame a ateno. Foge-se
do paternalismo reinante no pas, filmando sem pena de ningum e tambm sem achar o
personagem o mximo. Alm disso, o carter do audiovisual explorado no sentido de ser um
meio eficaz na mediao do processo de apropriao do conhecimento, uma vez que comporta
em sua composio vrios elementos de linguagem que propiciam uma compreenso em
vrios nveis, podendo segundo Fonseca (1998), facilmente desencadear associaes que
levam aos sentidos e aos significados.
Assim, conforme explorado no captulo 3, salienta-se a relevncia do audiovisual
enquanto catalisador de mobilizao social, na sua capacidade de ser um meio representativo
de realidades sociais, no qual pode atuar como um medidor na busca de discusses na
sociedade que deem significados s problemticas vivenciadas pelas classes apresentadas.
Logo, expem-se a seguir os elementos audiovisuais de Fala Tu e L.A.P.A que norteiam a
ideia do documentrio como representante dessas realidades:
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Fala Tu (2003)
Diretor e Personagens Sociais:
Guilherme Coelho2:
Diretor nascido no Rio de Janeiro, em 1979. Estudou
Economia, Jornalismo e Teatro antes de migrar para a rea
audiovisual. Em 1999, produziu e dirigiu o documentrio de mdia-
metragem So Joo em Caruaru. Fez alguns trabalhos em vdeo antes
de dirigir Fala Tu(2003), documentrio de longa-metragem lanado
no Festival do Rio 2003. O filme levou os prmios de melhor direo
e melhor documentrio pelo jri popular, alm de ser selecionado para festivais internacionais
como Berlim, Roterd e Miami Internacional. Em 2005, dirigiu o documentrio Fernando
Lemos, atrs da imagem. Fez a produo executiva de Jogo de Cena (2007), de Eduardo
Coutinho. Voltou a trabalhar com o diretor em 2009, no documentrio Moscou.No Festival
do Rio 2007, estreou o documentrio PQD, sobre jovens que servem em uma brigada
paraquedista do exrcito.
Filmografia:
Diretor
PQD (2009); Fernando Lemos, atrs da imagem(2005); Fala Tu(2003). Prmios de melhor direo e melhor documentrio pelo jri popular
no Festival do Rio de 2003;
So Joo em Caruaru(1999). Mdia-metragem.Produtor executivo
Moscou (2009), de Eduardo Coutinho; Jogo de Cena (2007), de Eduardo Coutinho.
Produtor
So Joo em Caruaru (1999). Mdia-metragem.
2Dados disponveis [email protected] em 13/09/2013.
mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected] -
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Personagens:
Macarro:
Seu primeiro trabalho surgiu em 1998, na cidade do Rio de
Janeiro. Macarro faz um rap arrastado, utilizando como bases o
soul e o R&B. As letras falam do cotidiano da favela, retratando
tanto seus dramas e dificuldades como suas alegrias e
diversidades, narrando por uma perspectiva de quem nasceu e se criou dentro de uma
comunidade.
Estreou em 1999 no Curtume Carioca (Olaria), Teatro Odissia e Circo Voador (casas
de show da cidade do Rio de Janeiro). Macarro atuava havia 3 anos como fechador do jogo
do bicho quando, em 1996, comeou a escrever suas rimas e conheceu DJ Pixote, que gostou
de suas letras e foi por ele incentivado a gravar. Em 1998 conheceu DJ A que o chamou pra
formar uma banda, e Macarro voltou a escrever suas letras enquanto mantinha seu trabalho
no jogo do bicho, agora como apontador. Em 2003, com o lanamento de Fala Tu, seu nome
ficou conhecido no mundo do rap.
Thogun Teixeira:
Nascido em Cavalcanti, zona norte do Rio de Janeiro.
Rapper e formado em publicidade, desenvolveu trabalhos
em comunidades do Rio de Janeiro. Em 2003, com o
lanamento de Fala Tu, ficou conhecido como um dos trs
personagens que tiveram sua vida retratada no documentrio. O diretor de Filhos doCarnaval, Cao Hamburguer, viu o filme e pediu para procur-lo. Tambm por causa do
documentrio, ele fez uma pea com Marcelo Tas no Rio. Alm de prosseguir na recm-
iniciada carreira, Thogun quer lanar seu disco e coordena a ONG que faz trabalhos em
comunidades pobres do Rio.
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Combatente:
Mnica Xavier de Oliveira, 22, a nica mulher entre os
trs personagens do vdeo e tambm a mais nova. E ,com certeza, a mais confiante no poder transformador do
rap. Inclusive, prefere ser chamada de Combatente seu
nome artstico mesmo fora do palco. Na poca das
gravaes, a moa dividia sua paixo pelo rap com o trabalho de operadora de telemarketing.
Para ela, o rap uma filosofia de vida, quase uma religio. Mas a aproximao com Deus s
aconteceu depois que ela conheceu a doutrina religiosa do Santo Daime. O vdeo mostra uma
das cerimnias da qual costuma participar, no Alto da Boa Vista, Rio de Janeiro. O Santo
Daime mudou minha vida. Nasci novamente, diz. Acho que a primeira transformao da
gente vem de dentro para fora. Primeiro temos que nos modificar para poder cobrar dos
outros.
Assim, mediante a apresentao do diretor e personagens sociais, Fala Tu passa a
ilustrar a trajetria de trs moradores da zona norte carioca, que buscaram no rap a alternativa
para incluso social. O filme parte como testemunha dos sonhos, dramas e transformaes
vividas pelos personagens durante os meses de filmagem. Tal destaque para um determinadopersonagem colocado por Holanda (2006) como sendo parte de um processo restrito, ou
seja, o filme no apresenta o indivduo inteiro, nas suas mltiplas facetas. Ao invs disso, ele
apresenta um homem que representa o tipo migrante bem sucedido, ou o tipo migrante
fracassado, ou ainda o tipo empresrio.
Conforme afirma Bernardet, este esteretipo construdo a partir do mecanismo
particular/geral, justificando a presena do personagem em particular como representao de
um modelo sociolgico:
Para que passemos do conjunto das histrias individuais classe e ao fenmeno, preciso que os casos particulares apresentados contenham os elementos necessriospara a generalizao, e apenas eles. Essa limpeza do real condicionada pela fala dacincia permite que o real expresse o particular, que o particular sustente o geral,que o geral saia de sua abstrao e se encarne, ou melhor, seja ilustrado por umavivncia. (BERNARDET, 1985, p.15)
Logo, baseando-se no tipo dos personagens estabelece-se a msica enquanto cerne de
uma incluso social, demarcando as questes sociologias do grupo em questo:
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O documentrio proposto em anlise pontua questes ideolgicas que tomam pela
msica, a expresso dos conflitos vivenciados diariamente. Emergidos de favelas e locais
perifricos, os personagens buscam na msica sua extrapolao como forma de protestar
contra as desigualdades econmicas, tornando-se porta-vozes de uma camada de excludos.
Partindo desse princpio, Souza (2006) considera que as representaes musicais
concedem visibilidade a conflitos e tenses que se manifestadas de outra forma seriam pouco
aparentes. Assim, identidades criadas a partir das msicas ajudam na compreenso da
conjuntura sociocultural das cidades. No caso de Fala Tu, o movimento musical concentra-se
no hip-hop e, uma vez consolidado no seio de regies perifricas de centros urbanos, torna-se
um agente catalisador de novas experincias sociais e culturais para os jovens de periferia.
Um olhar sobre o outro
Fala Tu (2003) apresenta o cotidiano de trs rappers moradores
da Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro: Macarro, Combatente e
Thogun. Durante o perodo de nove meses o diretor Guilherme Coelho
gravou os acontecimentos e transformaes destes trs atores sociais,
relevando suas expectativas, sonhos, dramas e interesses.
Thogum o primeiro a surgir na cena. Em um plano onde o
mesmo se dirige para um trem que o leva para o trabalho todas as
manhs, possvel acompanhar a equipe de filmagem em seu encalo, entoando diversas
vezes as palavras vem, vem, vem, que,rudos a uma plasticidade observacional, j avisam
ao espectador: o quadro que veem na tela, o olho da mquina cinematogrfica. O rapper
dialoga com a equipe de filmagemque o acompanha, dizendo: isso vai ser engraado. Suas
prximas cenas so trabalhando, na gravao de uma de suas composies e em um deseusrituais religiosos dirios. A participao de Thogum a mais discreta dos trspersonagens at
os 28 minutos do filme, quando a van da equipe de produo leva orapper ao encontro de seu
pai, que ele conheceu na roleta de um nibus e que est beira da morte. Assim, uma
projeo que at ento era mais descritiva, d espao para aexposio de um drama pessoal,
com Thogum esboando a narrao para as cmeras das lembranas de sua traumtica
infncia recheada por graves conflitos familiares. Suaprxima cena ser na sala do hospital
com seu pai, que est visivelmente abatido.
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perceptvel uma considervel timidez do ator social frente figura paterna, que
tambm entrevistada pelo diretor (at mesmo comentando das potencialidades do filme
comomola propulsora para a carreira universitria de seu filho). Porm, as grandes doses de
carga dramtica deste personagem sero expostas em seus ltimos (e longos) depoimentos.
Em um destes, o rapper relata um fato ocorrido nas imediaes de sua residncia, onde,
abordado por policiais, teve de retirar suas roupas por suspeita de sertraficante, ou seja, mais
um jovem negro que corroboraria com a baderna, sendo uma ameaa ou ento s mais
um culpado pela confuso social. (Ex.1 do DVD 2). A humilhao desteacontecimento
parece reverberar em sua msica, no mbito de que o negro de suas letras deve sempre
levantar sua cabea e abandonar a escravido da qual compelido a viver.
No encontro realizado oito meses aps o incio das filmagens, Thogum fala sobre amorte do pai. Embora o ator social guarde remorso pela ausncia do mesmo em seu
crescimento, o sentimento de saudade transborda de suas palavras, delineando oscontornos de
sua face e seu semblante melanclico, fechando o ciclo de construo de uma representao
altamente peculiar.
As primeiras imagens de Mnica Xavier de Oliveira (Combatente) tambm so mais
distanciadas de sua vida privada, focando principalmente nas esferas de sua carreira
profissional como atendente de telemarketing, como cantora do grupo de rap Negativas ecomo locutora de uma rdio comunitria. Aps mais algumas imagens na rdio, apersonagem
ir sumir do palco, e diferentemente de Thogum, a dinmica estabelecidacom a equipe de
filmagem aparentemente no consegue dar conta de adentrar em umrecorte mais ntimo. Nos
planos finais, realizados em sua casa, Mnica ir discorrer sobre seu ingresso na Igreja do
Santo Daime, esboando que seu adentrar a este grupose associava a problemas pessoais que
ela precisava resolver, mas que no so tocadosem nenhum momento de suas entrevistas.
retratado tambm o desligamento deCombatente do grupo Negativas, situao de encontrofilmada que visivelmente incomoda as personagens, mas que aparentemente mascarado
devido a presena dacmera. A cantora Afro Lady fala sobre o comportamento explosivo de
sua ex-colegade grupo musical, questo que tambm no surge nas cenas gravadas. O que se
apresenta um plano relativamente curto onde Combatente chora em sua volta paracasa de
nibus.
Em sua ltima apario, nas imagens captadas aps oito meses do incio do filme, so
oferecidas algumas cenas de sua carreira solo, fechando um desenho que acaba ficando mais
atado a um olhar das dimenses pblicas e profissionais da vida deMnica.
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Dos trs personagens principais da trama, aquele que confessadamente mais se expe (e
conflita) com a equipe de filmagem Macarro. Para ele, o termmetro que avalia a
qualidade de seu trabalho musical no a prpria esfera do rap, ou ainda, de modo mais
abrangente, a cultura hip-hop, mas a comunidade da qual faz parte, seus vizinhos, amigos.
Assim, seu reconhecimento se efetiva em suma na execuo de suas letras em rdios
comunitrias ou mesmo em horrios de visita em presdios. Sua vertente musical tambm
contm narrativas de vivncias pessoais em intercmbio com uma linha mais geral do rap, que
aqui se encontra em linha tnue com o chamado universo carcerrio, embora Macarro no
considere sua msica como de bandido, mas sim, como crnicas do cotidiano (Ex.2 do
DVD 2), destacado tambm por Zeni (2004):
A relao do rap com o universo prisional de intimidade e reciprocidade. Por seruma msica surgida entre a populao pobre, rap tem, na grande massa carcerria
brasileira, composta majoritariamente de negros e pobres, um pblico fiel e rapperem potencial. O movimento de mo dupla: o rap tematiza o mundo da cadeia,
ponto final daqueles que se envolvem com o crime e com a violncia amea vividade forma prxima e intensa por grande parte dos moradores da periferia , e a
prises produzem rap. (ZENI, 2004, p. 233)
Para alm do ncleo musical, Macarro no se intimida frente s cmeras, interpela
Guilherme Coelho, como quando compara sua situao financeira com a do cineasta. Devolvee questiona suas perguntas; isto fica muito explcito na cena onde o cineasta dialoga com ele
sobre emprego. Macarro no concorda com a opinio do diretor sob o trabalho dele e sobre o
valor recebido, retrucando com perguntas que servem para demonstrar a periculosidade e
inconfiabilidade de sua profisso e tambm irnico (quando fala das causas que facilitam o
assalto de jovens de classe mdia por menores moradores da periferia). Mas, no silncio que
os sentimentos deste personagem afloram na tela: das alegres e conflituosas imagens com sua
esposa nas primeiras gravaes, temos uma figura triste que se expressa nas ltimasfilmagens. Uma outra pessoa assume o plano. Nitidamente desconcertado, Macarro no
consegue ainda assimilar a perda de sua esposa, e seu silncio denota esta incapacidade.
Cinema que transcende a morte as imagens virtuais dela, assim como do pai de Thogum,
sero sempre reavivadas em cada sesso, mas os corpos fsicos, estes j no mais residem no
plano terreno.
A partir disto, nota-se que no contexto do filme do diretor Guilherme Coelho, os
conflitos entre os nveis ideolgicos podem ser identificveis, principalmente, atravs das
expresses musicais e verbais de Macarro, Combatente e Thogun. Porm, ainda que cada um
dos trs componha letras focadas em audincias diferentes e com conflitos especficos, o
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discurso ideolgico mais estvel deste tipo de msica no contexto brasileiro se expressa na
integrao dos gneros de rap a um movimento mais abrangente, o chamado hip-hop 3. Este
movimento cultural, que pode ser hoje situado na esfera dos nveis superiores da ideologia do
cotidiano, se consolida em um momento histrico determinado, e para vislumbr-lo
necessrio que se faa uma anlise diacrnica do surgimento deste tipo de cultura urbana
perifrica no Brasil:
No final dos anos 80, a violncia urbana comea a tomar contornos mais bem definidos
em grandes centros, e as adversidades que eram restritas a favelas e comunidades afastadas
passaram a se instalar nos espaos centrais de metrpoles brasileiras. Jovens negros ou pardos
e moradores de favela passaram a ter visibilidade sendo associados violncia e a
criminalidade, tornando-se os viles identificveis de um Brasil antes tido no imaginrio
urbano como pacfico e festivo.
Este procedimento se efetiva visto que o desconhecido, mesmo estando prximo, gera
uma insegurana. O modo mais rpido para eliminar este sentimento demonizar o
desconhecido que outrora era visto como extico. Para o antroplogo Hermano Viana (2005
apud SOUZA, 2006), o grau de exotismo de um fenmeno social uma funo quase
direta da possibilidade de v-lo transformado em esteretipo por grupos para os quais esse
fenmeno considerado extico (SOUZA, 2006:6). Com o processo de ver alm do extico,tem-se uma maneira fcil de explicar uma situao que extremamente mais complexa,
identificando ainda alguns culpados. Lanando um estigma sobre estes sujeitos a serem
demonizados, tem-se a segurana de saber quem so os agentes da violncia urbana,
instaurando o medo e a desconfiana perante um inimigo agora identificvel.
Nos jogos de conflito entre as estruturas ideolgicas, temos a expresso dos nveis
superiores da ideologia do cotidiano estruturados a partir do hip-hop e do funk, que emergidos
de favelas e locais perifricos, extrapolaram estes limites se expressando como movimentosculturais antagnicos quilo que se teria como oficialmente legitimado e propagado. Estes
dois movimentos, ao longo dos ltimos 20 anos, se tornaram porta-vozes de uma camada de
excludos que nesse mesmo perodo apenas cresceu. Eles revelam um Brasil fragmentado e
disperso (SOUZA, 2006:5).
3A histria do hip-hop abordada em mincias no artigo O nego drama do rap: entre a lei do co e a lei daselva, de Bruno Zeni (2004), disponvel em: http://www.scielo.br/pdf/ea/v18n50/a20v1850.pdf
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A partir do mesmo aspecto social, os trs moradores
da Zona Norte utilizam o rap como manifestao de uma
vivncia demarcada pela desigualdade social brasileira.
Segundo Macarro, 33 anos, apontador de jogo do bicho e
pai de duas filhas, suas msicas representam retratos do
cotidiano de detentos4. J Combatente, 21 anos, moradora
de Vigrio Geral e membro do grupo de rap Negativas, escreve letras voltadas para mostrar
para os homens que as mulheres no so aquilo que eles pregavam nas msicas e, por fim,
Thogun, de 32 anos, vendedor de produtos esotricos e morador de Cavalcante, procura
passar mensagens positivas pelas letras das msicas.
Com base nessa potencialidade da expresso e a partir dos relatos de suas experincias e
letras de msicas, a interao entre a msica e a realidade social vivida no ambiente da favela
pontuada. A desigual distribuio de renda exclamada e protestada sob forma de letras
que utilizam o rap como expresso de seus discursos ideolgicos. Para Souza (2006), mais do
que uma expresso sonora e ideolgica, o rap potencializa o dilogo e modifica seu prprio
contedo legitimado no cotidiano na medida em que as vrias facetas do gnero musical
representam em sua maior parte conflitos que so internos aos espaos da periferia:
Essa estratgia materializa o desejo de ser ouvido, de ser visto. Construir umdiscurso com tais caractersticas sanciona a concretude de uma narrativizao emque a malha dos excludos ganha direito de voz, de narrar a sua histria e de assimmarcar a sua presena perante a sociedade, mesmo que o alcance no seja porcompleto (SOUZA, 2006, p.9)
Baseando-se na premissa de que o rap instrumento de comunicao, incluso e
contextualizao de um grupo, se estabelece tais diretrizes com o documentrio e a forma
como se d a ideia de incluso pela msica a partir da viso de um vdeo documentrio
brasileiro.
4Meno de Macarro extrada do documentrio Fala Tu.2003.74min.
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A mensagem pelo rap nas imagens de Fala Tu: o documentrio contemporneo como
instrumento de conscientizao e crtica social
A ideia de explorar a temtica acerca de uma problemtica social foi um dos fatosrelevantes na dcada de 60. J na primeira dcada do sculo XXI, tem-se o chamado Cinema
de Retomada, no qual se pontua um momento em que o cinema documental volta a ter um
cunho de crtica social, envolvendo paralelamente os temas economia e poltica.
De acordo com Colucci (2009), com esse propsito de crtica onde se mostra relevante
o papel dos indivduos documentados, uma vez que expressam para alm da sua comunidade
ou sociedade o que acontece no local em foco e, que normalmente, no so bons eventos.
Quanto ao documentarista, cabe o propsito de expor as crticas queles que no tm apossibilidade de ver ou vivenciar tal realidade, com a inteno de mobilizar a populao
politicamente por melhor qualidade de vida para os documentados. Assim, se constri
exatamente o papel social daqueles envolvidos com a produo flmica.
Outra questo levantada pelo documentrio baseado em indivduos documentados
caracteriza-se pelo posicionamento do entrevistado enquanto instrumento de argumentos.
Lins (2004) evidencia a partir de Eduardo Coutinho a colocao do diretor em tornar o
entrevistado no um objeto de um documentrio e sim sujeito de um filme, passando a
dialogar com ele. O outro de classe surge no apenas como tema de filme, mas como fonte
de um discurso, centro do mundo ou centro de um mundo. (LINS, 2004:107). Atravs disto,
o diretor tenta compreender o imaginrio do outro sem aderir a ele, mas tambm sem
julgamentos ou avaliaes de qualquer ordem, ironias ou ceticismos, sem achar que o que est
sendo dito delrio superstio ou loucura.
Nas circunstncias de discurso do documentrio Fala Tu (no caso um complexo defavelas na Zona Norte do Rio de Janeiro) tem-se a estrutura ideolgica do hip-hop
consolidada no cotidiano daquele ambiente e presente nos discursos dos trs rappers e nas
letras de suas msicas. Este movimento envolve um conjunto de diversas manifestaes
culturais (dana, msica, poesia, artes plsticas e mobilizao social), onde cada um destes
elementos se combina ou atua independente em determinado espao. Porm, sua expresso
mais geral como referncia de nveis superiores da ideologia do cotidiano se faz atravs dos
signos conscientizao e mobilizao social. Ainda que o primeiro elemento no seja
dado como oficial no hip-hop, somente sendo reconhecido por alguns integrantes, ambos
perpassam boa parte das expresses culturais deste movimento.
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No cerne dos significados esto a valorizao da ascendncia tnica negra, o
conhecimento histrico da luta dos negros e de sua herana cultural, o combate ao preconceito
racial, a recusa em aparecer na grande mdia e o menosprezo por valores como a ganncia, a
fama e o sucesso fcil (ZENI, 2004:230). No caso do hip-hop, com o intuito de reiterar,
adaptar e reconstruir diariamente seus valores, certos grupos renem-se em posses,
associaes que tm por objetivo organizar o movimento, tanto do ponto de vista musical
como social, disponibilizando para a comunidade aulas de hip-hop e de outras matrias, como
educao sexual, informtica, cultura negra e histria, por exemplo. (ZENI, 2004:230).
Aqui, o rap, como expresso de um dos elementos do hip-hop (a msica), abarca seus
discursos e signos ideolgicos mais gerais, dialogando e modificando o prprio contedo
ideolgico legitimado no cotidiano na medida em que as vrias facetas deste gnero musical
representam em sua maior parte conflitos que so internos aos espaos da periferia e
compreendem, neste aporte terico, nveis inferiores desta ideologia do cotidiano.
Partindo do pressuposto de transmitir a ideologia do personagem social, Fala Tudetm-
se no rap dos entrevistados evidenciando tanto questes de cunho econmico, como a falta de
empregabilidade e desigual distribuio de renda no pas, quanto de carter social como
racismo e preconceito. Exemplifica-se este ltimo com um rap cantado por Thogum (Ex. 3 do
DVD 2):Vejo meus irmos pretos, deixados de lado, sem referencial, confusos com sua pele,no sabem o que so, moreno jambo, mulatinho ou at azulo e ainda escutam nordio, vem na TV o alienado dizer nossa cor marrom, marrom bombom, marrom
bombom. Emparedado, cuidado seu preto abobado, quer nos dissimular, nemimagina o trabalho que d para nossa etnia se articular. Tu no se importa com amensagem que tem de passar, pensa somente no dinheiro que tem para ganhar.
Negros por excelncia vem te alertar: cuspa fora o veneno que vo te injetar, adquiraconscincia, exaltando sempre sua negritude, no seja mais um covarde negro atual,retira a venda dos olhos e caia na real, real, real. Geneticamente somos mais fortes,na luta diria corremos da morte, nos do como prmio a droga, o analfabetismo, teenterram no crack, na cocana do mal, realizando com sucesso o genocdio total,
mude rapidamente sua atitude, levante sua cabea, chega de escravido, levante suacabea, no seja um babaca nego. Espero ansioso a tua reao.5
Outras caractersticas so intrnsecas ao contedo cultural das msicas de Thogun por
chamarem a ateno para os fatos especficos que no correspondem amplitude do seu
Estado, muito menos do seu pas, mas o que ocorre no seu bairro, ali na esquina de sua rua
(SOUZA, 2006:10). Anunciando logo no incio da melodia seu pblico alvo (Os irmos
pretos que so deixados de lado e esto confusos com a sua pele), Thogun transforma seus
versos em narrativas de suas prprias experincias e adversidades. A sensao de j ter
5Rap composto por Thogum extrado do documentrio Fala Tu. 2003. 74min.
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nascido excludo fez com que buscasse um direcionamento para sair desta camada de
excluso, que voraz e insensvel a estes sujeitos marcados com os estigmas da violncia e
da desordem.
J Mnica Xavier de Oliveira faz com que os elementos do hip-hop perpassem suas
substncias ideolgicas em alguns momentos, deixando implcito que suas letras buscam uma
determinada mobilizao social e menosprezam a ganncia. Em uma das composies que
aparecem no desenrolar do documentrio, por exemplo, h a crtica a mina de bandido,
gananciosa pelos bens do traficante e que s ta por cima quando o cara ta de p, msica esta
que Camila pede para que Combatente cante como se estivesse apontando o dedo na cara,
ou seja, interpelando o seu pblico destinado (a mulher da comunidade), a uma mobilizao
social determinada. Porm, embora soe harmnica a relao entre o rap do grupo de
Negativas e os elementos do hip-hop, o conflito com esta ideologia do cotidiano legitimada
socialmente a prpria raiz da expresso musical do grupoNegativas. Escrevendo letras que,
segundo elas, focam o protesto ante a uma comunidade e a um rap que por excelncia
machista, a proposta a possibilidade de se ver uma mulher que, ainda que esteja preocupada
com sua aparncia, tenha outros signos atribudos a si, como o de guerreira e
independente. Na msica anteriormente citada, a crtica a mulher domada clara:
Dominada, otria, isso que voc / no sobe no salto no age como mulher / Tambm no guerreira como muita me solteira(Ex.4 do DVD 2).
Tal ideologia tambm ocorre na msica do rapper Macarro. Seu reconhecimento se
efetiva em suma na execuo de suas letras em rdios comunitrias ou mesmo em horrios de
visita em presdios. Sua vertente musical tambm contm narrativas de vivncias pessoais em
intercmbio com uma linha mais geral do rap, que aqui se encontra em linha tnue com o
chamado universo carcerrio. Por ser uma msica surgida entre a populao pobre, o rap tem,
na grande massa carcerria brasileira, composta majoritariamente de negros e pobres, umpblico fiel e rapper em potencial. O movimento de mo dupla: o rap tematiza o mundo da
cadeia, ponto final daqueles que se envolvem com o crime e com a violncia ameaa vivida
de forma prxima e intensa por grande parte dos moradores da periferia , e as prises
produzem rap.
A partir dessas representaes realizadas pelos trs atores sociais, a importncia do
vdeo documentrio enquanto fator de conscientizao d-se no momento em que
contextualiza os fatos de um problema social, evidenciado pela valorizao do aspecto
pessoal, cujos indivduos ilustram suas expectativas, dificuldades e ideais. Segundo Peruzzo
(1998), o vdeo documentrio pode possuir a capacidade de ressaltar os valores da
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comunidade que retrata, de forma a incentiv-la a obter simples produes que a satisfaa e
lhe possibilite o desenvolvimento de suas virtudes. A participao e a comunicao
representam uma necessidade no processo de constituio de uma cultura democrtica, de
ampliao dos direitos da cidadania e da conquista da hegemonia, na construo de uma
sociedade que veja o ser humano como fora motivadora, propulsora e receptora dos
benefcios do desenvolvimento humano. (PERUZZO, 1998:296)
Sendo assim, a partir da ideia de procurar integrar um grupo social destacando suas
culturas e preceitos, o documentrio valoriza os indivduos em suas potencialidades e cria
contextualizao tanto das dificuldades como das alternativas para a construo de uma
resoluo para as respectivas problemticas:
Trs vidas. Trs histrias. Uma paixo em comum: a msica. O documentrio transmite
a ideia de mobilizao social a partir do momento em que prope acompanhar a trajetria de
trs atores sociais diferentes como conscientizao da problemtica vivenciadas pelas classes
excludas. Cavalcante, coloca no rap sua forma de legitimar suas dificuldades e buscar na
msica, uma alternativa para no sucumbir s dificuldades do cotidiano: O hip-hop foi e a
linha divisria entre o que eu posso ter de bom, o que eu posso proporcionar de bom, e toda
podrido que est a fora. As msicas devem alertar e incentivar a vontade de mudanas..6
Ao final das falas das pessoas entrevistadas em Fala Tuexplicita-se a verdade de um
cinema que procura legitimar os sujeitos que abordaram suas realidades. O documentrio
finaliza sua funo ao levar a acreditar que as imagens expostas sejam a prpria realidade
representada diante do espectador. Aqui a imagem complementa-se pelo rap evidenciando a
problemtica de trs pessoas que exacerberam suas revoltas em formas de rimas. E, o
documentrio leva tais rimas como composio realstica do cotidiano que passa
despercebido, em que o conjunto narrativo proposto pelo diretor Guilherme Coelho no se
encarrega do trabalho de incluso dos excludos, o que seria o mesmo que admir-los pelo
simples fato de serem segregados, reafirmando assim sua incapacidade de adquirir
visibilidade sem a presena do cineasta ou da marca da violncia.
6Meno de Cavacalnte extrada do documentrio Fala Tu.2003.74min.
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A atitude de filmar sem pena de ningum perceptvel em Fala Tu, j que a proposta
no incluir, mas to somente no excluir, ou seja, dar o espao para a construo e
reconstruo de perfis a partir de relatos e aes. Dessa forma, e ciente da sua interveno no
real na posio de cineasta, Coelho pde mergulhar no habitual daqueles indivduos nos
nove meses de gravao, dialogando ativamente com as narrativas j existentes no tecido
social onde residem os protagonistas do documentrio.
Os responsveis por aquilo que seria uma possvel incluso, so os prprios rappers
do documentrio. Se em geral no rap/hip-hop a produo feita a partir de quem, de fato,
vivencia diretamente a excluso, o que se tem nosdepoimentos dos trs personagens de Fala
Tu , em sntese, a voz de narrativas do dia-a-dia de sujeitos estigmatizados por viverem em
favelas e comunidades carentes e tambm por experincias particulares, que entornam esta
proposta inicial,superabundando suas prprias representaes atravs de dramas individuais
que noficam limitados a uma visada do popular como simplesmente marginalizado ou mata
virgem a se desbravar, mas como um leque abarrotado de ambiguidades que soinerentes
prpria subjetividade dos sujeitos dotados de nomes prprios projetados natela. Este o mote
de toda uma verve de produo cinematogrfica nacional: ver o outropara alm de tipos pr-
definidos, e, quem sabe, na singularidade deste sujeito quedesbota o quadro de tons cinza,
reconhecer a pluralidade dos modos de agir e ser nomundo social.
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L.AP.A:
Partindo da ideia de representatividade de um grupo, j colocado anteriormente como
sendo um dos pontos de influncia na integrao social, destacam-se inicialmente noesacerca do estudo de sujeitos. Assim, procura-se exacerbar a potencialidade da msica
enquanto catalisador de uma identidade cultural dentro de um grupo, que Oliveira (2010)
conceitua como:
(...) um sistema de representao das relaes entre indivduos e grupos, queenvolve o compartilhamento de patrimnios comuns como a lngua, a religio, asartes, o trabalho, os esportes, as festas, entre outros. um processo dinmico, deconstruo continuada, que se alimenta de vrias fontes no tempo e no espao.(OLIVEIRA, 2010, pg.1).
Baseando-se na abordagem proposta pelo documentrioL.A.P.A,procura-se evidenciar
como a msica colocada pelos msicos como construo de uma identidade cultural, alm
de sua relevncia perante a etnografia do bairro da Lapa, no Estado do Rio de Janeiro,
conforme citado em entrevista pelos diretores Cavi Borges e Emlio Domingos (Ex. 9 do
DVD 2):
Bom, a ideia original era retratar os jovens que viviam do rap, que eramcompositores e acompanhar um pouco ao longo de dois anos, como que era umacarreira de um artista que quer fazer hip-hop, rap. A Lapa acabou surgindo ao longodessa filmagem. Ao longo do filme eles foram revelando a Lapa como essencial paracontar aquela histria7.
Breve contextualizao sobre os diretores de L.A.P.A e os personagens sociais
Emlio Domingos:
Emlio Domingos cineasta e cientista social formado pela UFRJ.
Desde sua formao em 1997, trabalha com Documentrio e
Antropologia Visual. diretor, pesquisador roteirista e assistente de
direo em documentrios, assim como pesquisador em alguns livros e
CD`s. Trabalhou tambm na curadoria da Mostra Internacional do
Filme Etnogrfico e em algumas exposies. freelancer como
pesquisador, assistente de direo e roteirista nas produtoras
Conspirao Filmes e VideoFilmes. Alm de j ter trabalhado com os diretores: Andrucha
Waddington, Breno Silveira, Joo Moreira Salles, Lula Buarque de Hollanda, Paulo Caldas,
7Entrevista integrante da Srie: Rio, Uma Cidade de Leitores. Programa n36 HIP HOP. 27/05/2010.
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Carolina Jabor, Denise Garcia e Marcus Vincus Faustini, participou de filmes como Viva So
Joo(2002), Pierre Verger: Mensageiro entre dois mundos(1998), Santa Cruz(2000), Filhos
de Gandhy(2000),Amyr Klink: Mar Sem Fim(2001), Sons da Bahia(2002), Sou feia mas t
na Moda(2005), Velha Guarda da Portela(2009).
Alm dessas realizaes, foi pesquisador e Assistente de Curadoria na exposio
"Heranas do Samba", no Espao Cultural dos Correios (out/2004) e Curador da X e XI
Mostra Internacional do Filme Etnogrfico (2005 /2006), e participou como jurado da Mostra
Competitiva do Festival Audiovisual "Vises Perifricas" (2007).
Cavi Borges:
Cavi Borges estudou cinema na Faculdade Estcio de S. idealizador da locadora
Cavdeo criada em 1997 e especializada em filmes de arte e referncia para cinfilos do Rio
de Janeiro. Em 2000 dirigiu e produziu seu 1 curta-metragem em parceria com a Cooperativa
Fora do Eixo, o filme Sem Sada e neste mesmo ano em parceria com o Grupo Teatral "Os
Dezequilibrados" dirigiu e produziu O Mundo de Andy. Em 2003 dirigiu e produziu Sou
Rocinha Hip Hop, documentrio de 22 minutos, e em 2005 iniciou uma parceria com o
Grupo Ns do Morro realizando diversos filmes como:
4 x Ns do Morrode Cavi Borges e Gustavo Melo - Filme exibido no Festival doRio 2006;
Neguinho e Kika de Luciano Vidigal produzido por Cavi Borges Filmepremiado no Festival Internacional de Marselha, Frana - Melhor Curta de Fico
no Festival Internacional de curtas do Rio de Janeiro - Curta Cinema 2005 como
Melhor Filme de Fico - Festival de So Carlos como Melhor curta de Fico;
As Cotias do Campo do Santana, de Pedro Rossi Produzido por Cavi Borges; Picol Pintinho e Pipa, fico de 15 minutos; um filme de Gustavo Melo
produzido por Cavi Borges premiado no Edital do Minc para curtas metragens de
Temtica Infantil que estreou ma Sesso de Abertura do Festival Internacional de
curtas do Rio de Janeiro - Curta Cinema 2006;
Minha rea, Cavi Borges co-dirigiu e co-produziu este documentrio de 22minutos que estreou na Mostra do Filme Etnogrfico, alm de ter sido exibido no
Festival Internacional de Curtas do Rio de Janeiro - Curta Cinema 2006 e naMostra de Cinema de Tiradentes 2007;
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Co-Dirigiu e Co-Produziu o Curta Metragem 7 Minutosque estreou no FestivalInternacional de Curtas do Rio de Janeiro - Curta Cinema 2006, ganhando 10
prmios.
Alm desses filmes, no incio de 2008 finalizou seu novo projeto de curta-metragem em
35mm chamado Engano e dirigiu 20 episdios da srieMateus Balconista que faz parte do
projeto TV Oi Mvel, 1 Canal de TV para celular do Brasil.
Personagens8:
Marcelo D2
Marcelo, 39 anos. Nascido em So Cristvo e criado entre
Maria da Graa e Andara. Conhecido como um dos grandes
nomes da moderna msica brasileira, Marcelo teve sua
origem musical na Lapa, conforme diz no filme: "ia lapa
antes de ter mc, antes de eu mesmo ser mc." Relatou no
documentrio as dificuldades para produzir sua msica no incio de carreira, sendo a mesma
que muitos mcs passam at hoje. D2 no esquece suas origens e visto com frequncia nos
eventos de rap no bairro. Com mais de 15 anos de carreira, desde o Planet Hemp, gravoujunto com Marechal e Aori, no seu ltimo Cd "Meu Samba Assim" uma msica que d
nome ao filme: "L.A.P.A", um hino de amor ao bairro.
BNego
Bernardo, 32. Morador de Santa Teresa. Ex-rapper do
Planet Hemp onde rimava junto com D2 e Black Alien, j
percorreu as principais capitais do pas e da Europa. Lanou seuprimeiro cd solo em 2003 e um dos primeiros artistas
brasileiros a liberar um lbum para ser baixado via internet.
Toda essa experincia o legitima a fazer uma das melhores anlises sobre essa gerao de
msicos, alm de aparecer no filme cantando no Largo da Lapa com os Arcos ao fundo.
8Dados fornecidos pelo sitehttp://www.academiabrasileiradecinema.com.br.Acesso em: 13/06/2013.
http://www.academiabrasileiradecinema.com.br/http://www.academiabrasileiradecinema.com.br/http://www.academiabrasileiradecinema.com.br/http://www.academiabrasileiradecinema.com.br/ -
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Black Alien
Gustavo, 33 anos, niteriense, subiu num palco pela primeira
vez em 1993. Tambm ex-integrante do Planet Hemp, lanouseu primeiro CD solo em 2004: Babylon by Gus Volume 1. Em
2003, sua msica "Quem Que Caguetou?"/"Follow Me fez
enorme sucesso na Europa num comercial e foi remixada por
um dos maiores DJs do mundo, Fatboy Slim, vindo a se tornar um novo hit. Num dos
melhores momentos do filme, fala sobre sua averso indstria da msica e das contradies
do rap brasileiro.
Chapado
Joo Paulo, 26 anos. Direto do Iraj para a Lapa.
Ganhou o apelido quando teve que cantar aps uma noite mal
dormida. Trabalha como eletricista durante o dia, trocando
lmpadas e rimas com a mesma determinao. Desenvolve um
estilo de rimar invertendo as slabas das palavras, no qual
segundo ele "a rima serve pra exercitar os neurnios".
Funkero
Vitor Hugo, 23 anos. Criado no Jardim Catarina, favela de So
Gonalo. A maior influncia para escrever rap foi Monteiro
Lobato e seu livro "Reinaes de Narizinho". Encantou-se ao ir
Lapa e ao ver uma batalha de MCs, decidiu ser um tambm.
Cresceu nos bailes os quais frequenta at hoje, s que agora
cantando. Cronista do cotidiano, Funkero desenvolve a ponte entre o rap e o funk carioca
alm de outros ritmos.
Marechal
Rodrigo, niteroiense de 25 anos um "veterano" com 10
anos de carreira. Era o MC residente da lendria festa "Zoeira"
na Lapa. No filme constata que o lugar de origem da festa
virou uma igreja batista. Reconhecido como um dos maioresrimadores do pas e mestre do improviso.
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Iky
Lus Henrique - 26 anos. Produtor musical e tambm MC,
nascido em Volta Redonda e veio morar no Rio por causa dapaixo pelo rap. Tem seu estdio caseiro na Rua do Resende,
corao da Lapa. Nas cercanias onde Iky compra discos que
servem de matria prima para o seu trabalho de colagem musical.
O bairro alimenta sua criao e por meio do estdio "Campo de
Concentrao", ele transforma a poesia de vrios MCs em msica.
Aori
Anwonrianaga, aos 27 anos o mais "L.A.P.A." de
todos os MCs, nascido e criado no bairro. integrante do duo
INUMANOS junto com o DJ Babo. Comeou a cantar em
98, e fundador da "Tradicional Batalha do Real", um dos
temas do documentrio.
Gil
Gilmar, aos 22 anos, uma das revelaes da nova gerao de MCs
da Lapa, sendo responsvel por duas batalhas antolgicas no filme.
Vindo de Jacarepagu, de jeito malandro e tranquilo de garoto,
caracteriza-se por sua velocidade de improviso e interao com o
pblico.
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A criao de uma identidade cultural pelo rap na abordagem de L.A.P.A
L.A.P.Avem com a ideia de explorar o universo do hip-hop carioca. Mesmo assim, no
apenas um filme sobre essa cena musical, uma vez que sua jornada vai alm das rimas dosMCs e traz para aos espectadores o cotidiano de quem busca sobreviver no Brasil atravs da
msica. Assim, por meio de cenas da regio da Lapa (figuras 1 e 2) e entrevistas de MCs
como:Marcelo D2, BNego, Black Alien, Chapado, Funkero, Marechal, Iky, Aori e Gil, o
documentrio parte para a abordagem de como o rap se tornou ponto de referncia ao
chamadoLugar Aberto Para os Amigos,pontuado como bairro da Lapa.
Alm disso, os diretores frisam a ideia de que no buscaram apenas fazer o filme sobre
o estilo musical do rap e hip-hop, mas tambm mostrar as implicaes de quem decide viver
pela msica de forma independente, dentro do contexto do bairro da Lapa (Ex. 11 do DVD 2):
Tinha um fato de a gente fazer um filme que um filme bem especfico sobre hip-hop e no queramos que o filme atingisse s as pessoas que gostassem de hip-hop.Ento achamos que se a gente humanizasse os personagens, mostrssemos ocotidiano, o dia a dia, a famlia dele, na casa dele, isso passaria a interessar todomundo, um interesse universal sobre a pessoa no s sobre o ritmo ou estilo que elecanta ou que ele gosta. Quando vamos para a casa do Chapado, no qual mostra ame dele falando, voc atinge todos os pblicos no s as pessoas que gostam derap. (...) Apesar de o filme permear a cultura hip-hop, ele est falando de coisas quevo alm. A me do Chapado uma figura essencial no filme porque, de certamaneira, ela impulsiona o Chapado a seguir o sonho dele, que ser um artista derap. 9
Enfatizando tal meno, Oliveira (2009) acrescenta que mesmo o documentrio
passando a dar voz aos msicos, ele o faz com personagens sociais que de fato j tenham a
sua prpria, mais ou menos articulada, e requeiram este espao com propriedade. L.A.P.A.
sabe como tirar exatamente isso que quer de seus protagonistas, e ao longo do processo, ainda
forar uma complementaridade totalizante entre as figuras, cuja soma seria igual ao rap
9Entrevista integrante da Srie: Rio, Uma Cidade de Leitores. Programa n36 HIP HOP. 27/05/2010.
Fig.1: A rua Joaquim Silva fica na subidados arcos da Lapa, conhecida como umadas ruas mais tradicionais da boemiacarioca. (Ex. 10 do DVD 2)
Fig.2: Msicos do entrevista em frente aosArcos da Lapa, ponto de referncia dobairro.
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carioca. E, relacionado aos personagens sociais, salientam-se suas peculiaridades quanto
maneira de defender seus prprios estilos de composio:
De Funkero ouviremos sempre as melhores frases, os melhores casos, as melhoresrimas. quem j se posicionou de maneira segura o bastante em relao a sua arte a
ponto de perceber suas ranhuras e seus prazeres sem que uma coisa e outracondicionem exclusivamente o trabalho: quem diz que o que o salvou no foi orap, mas os livros ( um leitor de Monteiro Lobato), quem atua com um verdadeiro
projeto artstico sobre a aproximao do rap com o funk (para o qual recebe umtimo plano de improviso com um beat-boxer nas ruas sem asfalto do JardimCatarina). J Chapado muito menos programtico na construo de sua carreira ede sua figura, dele o filme recebe uma inocncia e um atrapalho quase cmicos.Contra a imagem do sujeito que sobreviveu a perdas que nunca saberemosexatamente quais foram, surge este outro inserido dentro de um ambiente familiarsuburbano tradicionalssimo, uma reunio no sof de casa, onde Chapado recebe
sermes do pai, safanes e afagos da me, que diz lutar contra a discriminaosofrida pelo filho quando anuncia aos outros que o rap sua profisso. (OLIVEIRA,2009, p.1)
No filme dos diretores Emlio Domingos e Cavi Borges, as experincias de vida dos
MCs so ilustradas de maneiras distintas e mesmo com letras focadas em audincias
diferentes e com conflitos especficos, o discurso ideolgico mais estvel deste tipo de msica
no contexto brasileiro se expressa na integrao dos gneros de rap e o chamado hip-hop10.
Assim, as representaes musicais de ambos (rap e hip-hop) concedem visibilidade a
conflitos e tenses que de outra forma seriam pouco aparentes. Logo, para Souza (2006),
identidades criadas a partir das msicas ajudam na compreenso da conjuntura sociocultural
das cidades onde estas expresses so formuladas:
Em especial, focando no movimento hip-hop, sua consolidao no seio de regiesperifricas de centros urbanos faz com que ele se torne um agente catalisador denovas experincias sociais e culturais para os jovens de periferia. Se, de um lado, otraficante serve de espelho para esse mesmo jovem, por outro, os lderes demovimentos como o hip-hop so referncias nas comunidades onde atuam.
(SOUZA, 2006, p.8)
Contextualizados sob o bairro da Lapa, os MCs utilizam o rap como manifestao de
uma vivncia demarcada por problemas sociais como a desigualdade e empregabilidade.
Segundo Marcelo, 39 anos, conhecido como Marcelo D2,as dificuldades para produzir sua
msica no incio de carreira, so as mesmas que muitos MCs passam at hoje, como a falta de
espao na grande mdia e divulgao do trabalho enquanto msico independente. J Bernardo,
32 anos, sob o apelido deBNego apresentado como um dos primeiros artistas brasileiros a
10A histria do hip-hop abordada em mincias no artigo O nego drama do rap: entre a lei do co e a lei daselva, de Bruno Zeni (2004), disponvel em: http://www.scielo.br/pdf/ea/v18n50/a20v1850.pdf
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liberar um lbum para ser baixado via internet, enfatizando sua experincia acerca das novas
tecnologias inseridas no mercado da msica.
Lapa: etnografia e instrumento na construo de uma identidade cultural
A Lapa ficou famosa nas dcadas de 1920 e 1930 por
seus cabars, clubes de jogo, restaurantes, botequins e
hospedarias, tanto que, com o passar do tempo, deixou de
ser um lugar de moradia para se tornar um espao
exclusivamente bomio. Tradicional reduto da
malandragem carioca, a regio comeou a declinar em
1940, devido represso do Estado Novo s atividades ilcitas e a concorrncia com a agitada
vida noturna de Copacabana.
Entretanto, a Lapa nunca deixou de ter seu pblico cativo, e no incio da dcada de
1950, apesar do processo de decadncia que vinha sofrendo, a Lapa j era um dos principais
pontos de referncia da vida noturna da cidade. Enquanto a cidade dorme, a Lapa fica
acordada, acalentando quem vive de madrugada. Assim conhecido o trecho da msica A
Lapa, composta por Herivelto Martins e Benedito Lacerda, em 1949, e interpretada por
Francisco Alves, fazendo referncia Lapa naquela poca, marcada pelo samba e pela
malandragem. O bairro fez histria ao acolher e inspirar renomados artistas da msica popular
brasileira. O local, com seus famosos cabars e restaurantes, historicamente marcada como
reduto da boemia carioca, uma verdadeira referncia na cidade, frequentada pela fina flor dos
artistas, intelectuais, e polticos.
Segundo Herschmann (2007), histria e as representaes do bairro da Lapa e arredores
esto associadas vida bomia e musical da cidade e mesmo do pas. No sem razo quevrios escritores, intelectuais e msicas fazem referncia a ela como uma espcie de
Montmartre carioca ou Nova Orleans tupiniquim, bem como enfatiza Maurcio Carrilho,
(msico e proprietrio da Acari Records, gravadora especializada em samba e choro), em
entrevista a Herschmann (2007) :
Contam-se nos dedos as cidades no mundo que podem ser reconhecidas pela msica.
So pouqussimas. Voc pode pensar em Sevilha na msica flamenca, em NovaOrleans no som do Jazz, em Buenos Aires no tango e o Rio voc liga imediatamenteao samba e choro. No poder pblico h inmeras pessoas totalmente despreparadas,
porque no conhecem a histria da Lapa e da cidade, no sabem dar valor a esse
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Um ponto importante a ser ressaltado tambm que, apesar de o circuito independente
de samba e choro ter construdo fortes razes na Lapa, a regio no se dedica
exclusivamente a esse tipo e msica que, segundo Herschmann (2007) destacada pela
abertura de espao a outros gneros musicais como o rap:
Se, por um lado, 70% da msica que tocada ali at 2005 estava relacionada a estesdois gneros musicais, fato que um indicativo do interesse dos atores eempresrios locais em dar certo perfil ao territrio, por outro lado, precisoreconhecer que no h um impedimento explcito em se tocarem outros estilosmusicais, como o rap. Como nos recorda Marcelo D2 em uma de suas msicas, aLapa de todas as tribos, palco da boemia carioca. (HERSCHMANN, 2007, pg.50).
Vinculado ao documentrio, os diretores tambm enfatizam a importncia do bairro
para que o movimento hip-hop tivesse espao entre os MCs que estavam comeando carreira
no final da dcada de 90. Assim, mencionam que a Lapa tem essa caracterstica de juntar
todos os tipos de pessoas de classes sociais e o hip-hop no Rio se aproveitou disso e
desenvolveu muito aqui (RJ) por isso tambm12.
Os Lugares da Lapa: da msica de raiz para as Batalhas e Zoeira organizada
Uma visita pelas principais casas de espetculo do bairro como, por exemplo, Asa
Branca, Circo Voador, Teatro Rival, Fundio Progresso e Estrela da Lapa vai revelar que a
Lapa territrio de vrios grupos sociais: roqueiros, forrozeiros, b-boys (do hip-hop), os
apreciadores da MPB e da msica pop.
Quando tratado da questo da identidade, os frequentadores da Lapa constroem e
externalizam atravs do consumo um estilo de vida que os identifica como sendo pessoas
refinadas e conscientes, que segundo Bourdieu (2001) est relacionado com bom gosto
musical e que valorizam a cultura nacional, j que consomem gneros musicais de raiz,
cannicos, extremamente valorizados pela crtica tradicional e considerados como
autnticos pela maioria do pblico.
No documentrioL.A.P.A os msicos tambm destacam a relevncia do bairro da Lapa
no sentido de ser ponto de encontro para que soubessem da cena musical do rap que se
destacou no final da dcada de 90, conforme destaca Mr.Boca e Bui da 12 em entrevista
(Ex. 13 do DVD 2):
12Entrevista integrante da Srie: Rio, Uma Cidade de Leitores. Programa n36 HIP HOP. 27/05/2010.
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"A Lapa um ponto de referncia "do caramba", mas foi um ponto que veio depoisde 95, 96 (...) A Lapa surgiu para agregar. Cada cantinho tipo um pessoal fazendorap, e o pessoal achava que era absoluto, soberano. Eu achava. Todo mundo seconvergiu pra Lapa, e a foi a converso. Todo mundo se encontrou na Lapa edescobriu que tinha uma cena naquele momento. Isso graas Lapa.13
Como exemplo de espao encontrado pelo rap na Lapa, destaca-se a Fundio Progresso
como um dos principais locais que cede para a realizao de eventos relacionados ao estilo
musical. Atualmente uma das responsveis pela organizao de eventos como Rap na
Lapa, que abre espao para a apresentao de MCs como MV Bill e Marcelo D2, alm da
realizao de batalhas entre os MCs, destacado pelo documentrioL.A.P.Aconforme ilustra a
figura 3 bem como a referncia dos diretores em entrevista remetendo a este evento:
A batalha do real cresceu tanto que eles criaram a Liga dos MCs, que um concursonacional de MCs. uma batalha que acontece no Brasil inteiro. Eles selecionam
pessoas de Recife, Minas Gerais, So Paulo, do Sul. A fazem a final no Rio, naLapa14.
Alm da Batalha do Real, outro evento que se tornou referente na contribuio para a
criao de identidade de um grupo que compunha rap foi a chamada Zoeira, destacado pelodocumentrioL.A.P.Aconforme ilustra a figura abaixo e pela meno de Marechal (Ex. 14 do
DVD 2):
Eu acho que todo mundo se conheceu mesmo na Zoeira (...). A por acaso na sinucao cara fala que faz rap e todo mundo falava a mesma coisa, mas era esse o clima. Ocara que no conhecia passava a conhecer e vice-versa, todo mundo trocavainformao15.
13Entrevista de Mr. Boca e Bui da 12 extrada do documentrio L.A.P.A. 2007. 73min.14Entrevista integrante da Srie: Rio, Uma Cidade de Leitores. Programa n36 HIP HOP. 27/05/2010.15Entrevista de Marechal extrada do documentrio L.A.P.A.2007.73min.
Fig.3: A chamada Tradicional Batalha do Real emborasendo um exemplo de integrao social e cultural entre os
jovens e msicos compositores, no considerada comouma festa e sim um projeto de qualificao da cenamusical do rap e hip-hop.
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A festa Zoeira Hip-Hop foi um dos pontaps
iniciais pra cena hip-hop no Rio de Janeiro. Idealizada
pela produtora Elza Cohen. A festa teve seu inicio no
final de 97 na Sinuca da Lapa, a Zoeira ajudou a
consagrar uma nova cena de MCs, DJs,grafiteiros e b-
boys, e trouxe Lapa uma nova gerao de
frequentadores de eventos desse gnero. A festa rolou do final de 1997 at 2003 como um
importante ponto de encontro das geraes, um local de troca de idias, batidas e rimas. Na
poca acabou porque o espao virou Igreja Universal. Um dos principais momentos do Hip
Hop do Rio, foi promovido pela Zoeira. Na coletnea que saiu na Revista Trip, em que
divulgou para o Brasil todo o hip hop carioca e tambm em alguns lugares no mundo. Foi
nessa poca que saram matrias e entrevistas na Revista The Source (USA), DUNE (Japo),
Canamo (Espanha), HipHop360.com (NY), Tribeca (Paris), especiais na MTV, Multishow,
TV Cultura Rio, destaque nos principias jornais, revistas do Brasil e documentrios. A festa
voltou a acontecer em 2005 no Rio de Janeiro trazendo de volta uma noite de qualidade a
cidade, onde s rolavam, em sua maioria, festas em boates com sons da moda e publico no
segmentado. A volta da Zoeira trouxe novamente um rap refinado nos tocadiscos e as famosas
e memorveis rodas de Freestyle que rolavam s l.Esse ano a Zoeira comeou a ter ediesmensais na cidade da So Paulo, se tornando uma das melhores festas paulistanas. Sempre
com casa cheia e promovendo shows e lanamentos de discos, como do Slim Rimografia,
Contra-Fluxo e lanamentos da coletnea Smoking Hip-Hop. Foi a festa responsvel pelo
encerramento do documentrio "BRASILINTIME", que teve a presena e participao de
todos os DJs envolvidos no filme como: Erick Coleman, J-Rocc, Madlib, Primo, Nuts entre
outros fazendo um dos eventos mais bem sucedidos do ano. Alm dos djs residentes Zinco
(em SP e RJ) e Tamenpi (RJ) e Mc Marechal, a Zoeira sempre conta com um line-up deconvidados especiais a cada evento, entre, djs, mcs, musicos, artistas visuais urbanos, break e
etc.
Portanto, ao abordar vivncias distintas de msicos que possuem a Lapa como ponto de
encontro comum, o documentrio explora no s o potencial da regio como tambm o
exerccio de troca que h entre o movimento hip-hop e aqueles que se propem a utiliz-lo
como instrumento para a organizao de um grupo cujo foco a construo de uma
identidade cultural pela msica. Aqui,L.A.P.A no fica apenas na abordagem sobre um bairro
ou um movimento, conforme salienta Oliveira (2009), o documentrio passa a frisar naquilo
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que h de valioso ali esse contato com o nascimento de artistas vigorosos em toda sua nsia
juvenil, e como a natureza do rap to mais reveladora nesse sentido, uma vez que no s
assistimos uma expresso se repetir em cena, mas sim o prprio nascimento dela, da poesia,
ali de onde menos se espera que ela surja.
No h imagem fabricada pelo filme que resista a esse pulso criativo no interior da cena,
igualmente fabricado, mas muito mais disponvel a dialogar com tempos, espaos e histrias
que se imponham com fora maior que a sua. Logo, L.A.P.A um filme sobre a Lapa, o
movimento hip-hop e a mescla destes dois elementos que configuram o bairro carioca como
um elemento cultural nico em que a msica mantm o fluxo de ambos, tornando-se um
exemplo qualitativo de filme no contexto de um grande conjunto de documentrios sobre
msica e msicos brasileiros que vem sendo realizado nos ltimos anos.
8.3Conscientizao social nas vozes dos documentriosL.A.P.A e Fala TuEm L.A.P.A, v-se a proximidade com Fala Tu quando realizada tambm no Estado do
RJ e sua relao com o rap. Mesmo com um nmero de personagens maior que o segundo, o
documentrio procura apresentar caractersticas no intuito de comprovar as dificuldades do
cotidiano, bem como suas experincias de vida. Aqui, as diferentes histrias de caminhos e
vivncias distintas possuem um ponto de encontro: a Lapa.
Assim, inicialmente Funkero aponta o Jardim
Catarina (50Km da Lapa) por meio do rap, que em
detalhes descreve sua vivncia no local (Ex. 15 do
DVD 2):
Tu t ligado, Catarina moradia, mas bolado16o tipo de periferia. O bagulho17sinistro, a situao precria, mas sem neurose nenhuma, parceiro, essa daqui que a minha rea. E o bagulho fica doido, s brindo. Vrios parceiros no JardimCatarino, curtindo o funk, o hip-hop revoltado. T ligado ento parceiro, SoGonalo m18bolad