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[email protected] 1 A FCP – FUNDAÇÃO DA CASA POPULAR E A IMPLANTAÇÃO DE UMA POLÍTICA HABITACIONAL NO BRASIL: O PROCESSO DE UMA EXPERIÊNCIA GOVERNAMENTAL NO CAMPO DA HABITAÇÃO POPULAR Mario Trompowsky Este trabalho representa uma tentativa de se documentar o processo de implantação de uma política habitacional no Brasil que se iniciou, de fato, com a criação da Fundação da Casa Popular em 1/05/1946, cuja fase inicial de gestação se voltou para o amplo debate acerca da questão da habitação popular que já se intensificava no País desde a década de 1920 e conduziu à implementação de uma peculiar experiência voltada a debelar a persistente crise de moradia que havia se agravado naquele momento originando um bairro do subúrbio da cidade do Rio de Janeiro: o bairro de Guadalupe. Essa ação governamental objetivou a realização de uma experiência com diversos protótipos habitacionais construídos entre os anos de 1947 e 1958 na área em questão de modo que se pudesse testar conjuntamente em um único “campo de provas” a sua adequação técnica às estratégias da nova Instituição no enfrentamento daquela situação. Procurou-se abordar duas grandes questões nesse estudo: a primeira questão refere-se às condicionantes (políticas, sociais, econômicas e técnicas) que levaram à efetivação dessa ação experimental, ou seja: qual teria sido o papel das mesmas na sua concepção e implementação? Para isto, procurou-se revisitar o momento histórico brasileiro que se evidencia após o segundo conflito mundial com o início de um novo governo marcando a restauração da democracia no Brasil e sua inserção em um contexto internacional que se voltava naquele momento às ações de reconstrução dos Estados afetados pelo conflito mundial através de programas de cooperação econômica e assistência técnica. A segunda questão visa compreender, a partir da investigação acerca da estrutura desse novo órgão e de sua forma de atuação, como se efetivou o processo da experiência como um todo, ou seja: quais foram os fatores considerados na seleção e estruturação do espaço objeto de intervenção da FCP? Para isto, procurou-se recompor o processo de sua gestação e implementação objetivando-se recuperar, no âmbito da FCP, a sua idealização do ponto de vista estratégico e técnico de projeto, bem como, no âmbito da área em estudo, resgatar a geografia do momento em que se deu a sua concretização sobre o espaço, expondo-se, em seguida, a implementação dessa experiência e a consolidação dessa área como bairro.

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A FCP – FUNDAÇÃO DA CASA POPULAR E A IMPLANTAÇÃO DE UMA POLÍTICA HABITACIONAL NO BRASIL: O PROCESSO DE UMA EXPERIÊNCIA GOVERNAMENTAL NO CAMPO DA HABITAÇÃO POPULAR Mario Trompowsky

Este trabalho representa uma tentativa de se documentar o processo de implantação de uma política habitacional no Brasil que se iniciou, de fato, com a criação da Fundação da Casa Popular em 1/05/1946, cuja fase inicial de gestação se voltou para o amplo debate acerca da questão da habitação popular que já se intensificava no País desde a década de 1920 e conduziu à implementação de uma peculiar experiência voltada a debelar a persistente crise de moradia que havia se agravado naquele momento originando um bairro do subúrbio da cidade do Rio de Janeiro: o bairro de Guadalupe. Essa ação governamental objetivou a realização de uma experiência com diversos protótipos habitacionais construídos entre os anos de 1947 e 1958 na área em questão de modo que se pudesse testar conjuntamente em um único “campo de provas” a sua adequação técnica às estratégias da nova Instituição no enfrentamento daquela situação. Procurou-se abordar duas grandes questões nesse estudo: a primeira questão refere-se às condicionantes (políticas, sociais, econômicas e técnicas) que levaram à efetivação dessa ação experimental, ou seja: qual teria sido o papel das mesmas na sua concepção e implementação? Para isto, procurou-se revisitar o momento histórico brasileiro que se evidencia após o segundo conflito mundial com o início de um novo governo marcando a restauração da democracia no Brasil e sua inserção em um contexto internacional que se voltava naquele momento às ações de reconstrução dos Estados afetados pelo conflito mundial através de programas de cooperação econômica e assistência técnica. A segunda questão visa compreender, a partir da investigação acerca da estrutura desse novo órgão e de sua forma de atuação, como se efetivou o processo da experiência como um todo, ou seja: quais foram os fatores considerados na seleção e estruturação do espaço objeto de intervenção da FCP? Para isto, procurou-se recompor o processo de sua gestação e implementação objetivando-se recuperar, no âmbito da FCP, a sua idealização do ponto de vista estratégico e técnico de projeto, bem como, no âmbito da área em estudo, resgatar a geografia do momento em que se deu a sua concretização sobre o espaço, expondo-se, em seguida, a implementação dessa experiência e a consolidação dessa área como bairro.

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A FCP – FUNDAÇÃO DA CASA POPULAR E A IMPLANTAÇÃO DE UMA POLÍTICA HABITACIONAL NO BRASIL: O PROCESSO DE UMA EXPERIÊNCIA GOVERNAMENTAL NO CAMPO DA HABITAÇÃO POPULAR Mario Trompowsky 1

INTRODUÇÃO: O MOMENTO BRASILEIRO DE PÓS-GUERRA E A QUESTÃO DA HABITAÇÃO NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO Com a volta do País ao estado de legitimidade constitucional – dada pela nova Constituição de 18/11/1946 – inicia-se um período iluminado pelo advento de um novo modelo democrático mundial que, logicamente, vai se concretizar por medidas que tentam responder às novas, ou, pelo menos, mais efusivas agora, exigências de uma “pressão” social decidida a legitimar todas as ações do Estado. Trata-se de um período delicado de pós-guerra no qual vão ser desenvolvidos programas nacionais e internacionais de cooperação econômica e assistência técnica visando a reconstrução dos Estados afetados pelo conflito2, marcando, simultaneamente, o início da compartimentação ideológica desses Estados em blocos políticos fundamentalmente distintos. O Brasil, como a grande nação aliada da América do Sul, não será excluído desses “programas”, os quais vão influenciar os rumos ideológicos da sua política interna e do seu desenvolvimento econômico3 e, sob certo aspecto, a própria política habitacional que será implantada, pelo menos em seu estágio inicial. Neste período, especialmente a partir de 1947 e em virtude das condições criadas no Governo Vargas (um mercado consumidor interno em crescimento, políticas protecionistas para a indústria e investimentos estatais em infra-estrutura e insumos básicos), o País vai entrar finalmente em uma fase de industrialização pesada acompanhada da entrada em operação de alguns dos empreendimentos estatais iniciados no período anterior – como a Companhia Siderúrgica Nacional, em 1946 –, mantendo o Governo a proteção ao mercado produtor interno após um curto período (1945-1946) de liberação de importações. O Plano SALTE, abrangendo os setores de Saúde, Al imentação, Transportes e Energia, concebido em 1948 e aprovado pelo Congresso apenas em 1950 (com vigência prevista para quatro anos: 1950-54), sintetizava bem a política econômica de Dutra e procurava atender algumas das necessidades básicas sociais e de infra-estrutura. Todavia, dado o conservadorismo que norteou essa administração, este Plano não previa a diversificação do parque industrial ou a expansão das estatais já criadas, representando, em si, “um recuo se comparado às inversões feitas no Governo Vargas”, pois nem mesmo foi totalmente implantado, tendo sido abandonado no início do Governo seguinte, em 1952. Decerto, não se conseguiu neste período, também devido à adoção de uma política econômica atrelada a interesses capitalistas internacionais, criar uma base estrutural financeira compatível às necessidades desenvolvimentistas nacionais (Holanda, 1975; Burns, 1980; Silva, 1996; Bonduki, 1998). A própria missão ABBINK, que aqui esteve em 1948, apontou a distorção que era o desvio dos recursos federais (advindos especificamente dos IAPs) para o setor imobiliário4 ao invés de sua aplicação no setor industrial, o que se constatou como decorrência da inflação durante o período de guerra (Ribeiro, 1997). Considerando esta sumária contextualização, a questão habitacional assume-se, conforme observado, como o principal comprometimento do Governo para “sustentar democraticamente” o equilíbrio social no País, complementado, neste sentido, pelas ações que deveriam ser efetivadas nos setores de saúde e alimentação, pois dentro do processo de redemocratização nacional e intensificação da industrialização esse problema “passara a ter grande visibilidade política e adquirira potencial para articular um consenso entre as demandas populares” (evidenciando-se também a questão do pleno emprego) “e das empresas (especialmente do ramo de materiais de construção). Ademais, habitação constituía uma peça importante do discurso conservador e da Igreja, que identificavam a posse de imóvel à estabilidade social” (Bonduki, 1998). De fato, a

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situação de crise habitacional dada pela falta de oferta de novas moradias para alugar, pela limitação das possibilidades da população de baixa renda adquirir a sua casa própria e ainda pela diminuição e erradicação das antigas formas de moradia popular, transformou-se, legitimamente com o novo quadro político, de um anseio em pressão popular. Alguns dados numéricos vão demonstrar o quadro que se constituiu, logo no início do novo mandato, para parte dessa população na Cidade: em 1945 foi realizado um levantamento que registrou uma redução de 30% no número de casas-de-cômodos que havia alguns anos antes e que chegou a corresponder a 22,8% das unidades domiciliares. Da mesma forma, pode-se constatar que o número absoluto de cortiços e casas-de-cômodos se reduziu de 3.041, em 1906, para 2.967, em 1920 e para apenas 1.047 em 1945. Entre 1941 e 1947 as intervenções urbanísticas na Cidade resultaram numa onda de demolição estimada de 2.400 prédios residenciais, desalojando uma população estimada de 18.200 pessoas e levando, mais uma vez, a uma escalada expressiva dos preços fundiários, especialmente nas áreas centrais (Mello, 1992). Com isso recrudesceria incólume a marcha para as favelas, as quais nessa década, como já dito, iriam se proliferar largamente pela Cidade. Assim, algumas tentativas reguladoras surgem no âmbito do Governo Federal e Municipal contra essa expansão, como o Decreto-Lei Federal no 8.938, de 26/01/1946 – baixado antes mesmo da posse de Dutra –, que, ao visar o combate às epidemias, proíbe a sua construção no meio urbano; e a instituição pelo próprio Presidente em 6/09/1946 de uma Comissão Interministerial (integrando os Ministérios do Trabalho, Educação e Cultura, Fazenda, Agricultura e a Prefeitura) para estudar “as causas da formação das favelas e suas condições atuais” no Distrito Federal (Parisse, 1969; FINEP, 1979; Rios, 1986). No âmbito Municipal, transforma-se o Departamento de Construções Proletárias, da Secretaria Geral de Viação e Obras, no DHP – Departamento de Habitação Popular através do Decreto-Lei Federal no 9.124, de 4/04/1946 e em 28/11/1947 é instaurada pelo novo Prefeito, Gal. Ângelo Mendes de Morais, uma comissão para a sua erradicação – Comissão para Extinção de Favelas (FINEP, 1979). A partir disto será processado o seu primeiro recenseamento, realizado entre as últimas semanas de 1947 e as primeiras de 1948 pelo Departamento de Geografia e Estatística da municipalidade. Ainda que qualitativamente deficiente, este recenseamento indicou 119 favelas, 70.605 casebres e 283.390 moradores, correspondendo a 14% da população da Cidade5 (Abreu, 1994). Contudo, o “único evento de peso na política relativa à favela” na Cidade do Rio de Janeiro “que se pode considerar nessa conjuntura de redemocratização” (Rios, 1986) é a entrada em cena da Fundação Leão XIII, uma vez que as poucas iniciativas, como as consideradas acima, não se mostrariam eficazes, nem em termos de planejamento e nem em termos de intervenção por parte de ambas as esferas de Governo frente a esse problema. Ademais (e face ao fracasso dos Parques Proletários, provavelmente por falta de recursos6), o período 1945-1947, representou os “anos de transição da favela carioca – anos obscuros nos quais nenhum rumo nítido aparece, anos de incubação, nos quais a favela cresce e toma nova consistência, anos em que a favela passa às mãos dos políticos”, o que retratava, de algum modo, a própria situação política do Brasil de pós-guerra (Parisse, 1969). Assim, é nesse momento que um setor expressivo da Igreja Católica liderado por Dom Jaime de Barros Câmara, bispo da Arquidiocese do Rio de Janeiro – a qual até então assistia aos moradores de favelas apenas localizadamente através de suas paróquias – que, preocupado com a penetração do pensamento comunista nessas áreas, procura as autoridades federais propondo a criação de uma Fundação que atuasse nas favelas. Revelando a mesma preocupação e reconhecendo que “o problema da favela não era apenas fruto do processo migratório e que sua solução dependia de esforços conjugados” (Rios, 1986) – especialmente em virtude do avanço que também já vinha sendo observado do Partido Comunista em outros grandes centros brasileiros e que se evidenciara ainda mais após os resultados das eleições para a Assembléia Constituinte em 2/12/19457 –, o Governo encampa a idéia de que “é necessário subir o morro antes que dele desçam os comunistas” (SAGMACS, 1960) e a Igreja Católica obtém, através do Decreto Federal no 22.498, de 22/01/1947, a instituição da Fundação Leão XIII.

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Esta seria a primeira entidade a se dedicar sistemática e permanentemente a essa problemática, agindo, com o apoio tácito (e cômodo) do Governo (Federal e Municipal), através dos seus CAS – Centros de Ação Social implantados nas favelas (Parisse, 1969; Rios, 1986)8. Portanto, dada a necessidade nacional de ações imediatas que coadunassem os avanços do Governo anterior com as novas medidas que estavam sendo previstas, Dutra vai, então, procurar conduzir com outra amplitude e estratégia as ações dos IAPs e implementar concomitantemente a sua política de habitação, conferindo a essa questão “uma prioridade sem par... de forma a demonstrar uma sensibilidade social numa área explosiva” – já em Fevereiro de 1946 a criação da FCP era anunciada e em Março o seu anteprojeto estava pronto para receber sugestões9 e, neste sentido, compensar politicamente “o conservadorismo de seu Governo..., que se destacou pela repressão às organizações populares”10 (Bonduki, 1998). Desta forma e considerando-se a conjuntura econômica, após o período inicial de expansão do crédito imobiliário viabilizado pelo sistema hipotecário que transcorreu até 1946, começa-se a observar um decréscimo no número de operações e no volume de recursos aprovados pelas instituições de crédito, pois inicia-se agora, como se aventara no Governo Vargas, a transferência destes recursos para o financiamento da implantação do parque industrial. Paralelamente a isto, procedeu-se à aplicação de uma política recessiva de combate à inflação de modo a tentar debelar, primeiramente, a crise geral de abastecimento em que se encontrou o País após a Guerra e que atingia sobremaneira o setor de material de construção, elevando-se muito os seus preços naquele momento. Isto tem uma grande repercussão intensificando a crise de moradia e levando, por isto, o Sindicato de Construção Civil, o IAB – Instituto dos Arquitetos do Brasil e o Clube de Engenharia a pressionar o Governo Federal para que adotasse medidas de sustentação do setor de construção civil, como o fim do controle dos aluguéis (o que vai ocorrer, paulatinamente, diga-se assim, a partir do Decreto-Lei Federal no 9.669, de 29/08/1946) e das limitações ao crédito hipotecário. Tal pressão surtirá efeito no âmbito governamental e serão adotadas medidas que vão procurar conciliar os interesses industriais com os da construção civil11 (Ribeiro, 1997; Bonduki, 1998). Assim, no sentido de procurar estabelecer uma nova estratégia, a principal contrapartida do Governo será garantir um maior volume de recursos destinados aos Planos12 A e B dos IAPs, inversamente ao que ocorrera no período anterior, ao mesmo tempo que “permitirá” o emprego dos recursos do Plano C em construções de edifícios de luxo, sobre o que foi alvo de fortes críticas (Bonduki, 1998). Por outro lado, conforme já salientado, o período Dutra evidenciou a construção dos grandes conjuntos habitacionais dos IAPs13, nos quais, em sua maioria, as moradias foram alugadas aos associados, enquanto a FCP privilegiaria o princípio da casa própria – agora tornava-se possível a divisão institucional da clientela, observando-se que ainda mantinham-se excluídos desse “banquete” os que não conseguiam ingressar nessa festa, ou seja, aquele contingente que habitava as favelas. Sintetizando-se rapidamente este período, e apesar de se estar aqui considerando apenas um dos segmentos da produção habitacional, poder-se-á observar, já no final dos anos 1940, que se consolidará no Brasil “uma provisão de moradia nas grandes cidades composta por três segmentos: a produção estatal direta ou indireta; a produção empresarial sob o regime da incorporação imobiliária; e a produção popular fundada no loteamento periférico14 e na autoconstrução”. Tal estrutura será ao mesmo tempo responsável “pela segregação das camadas populares nas extensas e precárias periferias e pela ampla difusão da casa própria” (Lago, 1996), princípio que influenciaria cada vez mais os rumos da política habitacional no Brasil e se constituiria no alicerce para a formulação de suas novas bases, o que se efetivaria em 1964 com a extinção da FCP e a instituição do BNH – Banco Nacional da Habitação pela Lei Federal no 4.380, de 21 de Agosto, representando uma outra fase no enfrentamento dessa questão e sob a nova perspectiva política e econômica instalada no País. Com isto, seria definitivamente abandonada toda a filosofia da República populista quanto à forma de se tratar o problema, quando “um número relativamente diversificado de agências públicas distribuía escassamente moradias para

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clientelas cativas, praticamente sem necessidade de contrapartida financeira ou com um retorno apenas simbólico” (Azevedo, 1996). Desta forma, o sistema autárquico dos IAPs, especificamente, apesar de ter vivido o seu apogeu entre os anos de 1946 e 1950, sofreu com uma série de graves conseqüências na década de 1950 e que tornaram as suas moradias populares praticamente inacessíveis para os seus associados, principalmente pela mudança nos valores iniciais dos aluguéis e prestações a fim de que fossem compensadas possíveis perdas futuras por causa da persistente inflação – que, inversamente, passou a ser então provocada pelo próprio padrão de desenvolvimento nacional que seria adotado. Dado este “círculo vicioso”, voltou-se à concentração das ações vinculadas ao Plano C, já que conseqüente e gradativamente se verificou a redução das reservas previdenciárias e os Planos A e B foram sendo, assim, preteridos, o que acarretou “um clientelismo na indicação da demanda” para a obtenção da moradia e financiamentos “originando um sistema de favores e privilégios” nesses Institutos (Bonduki, 1998), não solucionando o problema da produção de moradia. A própria FCP também iria sofrer um semelhante processo de autofagia que decorreu, de certo modo, da adoção (ainda que modificada) daquela filosofia, a qual, infelizmente, não conseguiu perceber a necessidade de uma contrapartida financeira socialmente saudável – e em tempo hábil –, preferindo, quase que radicalmente, optar ora por um subsídio vicioso, ora por um privilégio perverso15. No que toca às favelas, afora a iniciativa da Igreja Católica, pode-se observar que nesse período a política federal e municipal praticamente inexistiu; “o que efetivamente foi realizado pelo Estado resumiu-se à formação de comissões para estudar o problema e à criação de órgãos que não mantiveram comunicação entre si nas tomadas de decisão” em relação a esse problema (Rios, 1986), dificultadas, ainda mais, tendo-se em vista que a favela passou a constituir um “outro” reduto: um reduto de base eleitoral e sujeito, por conseguinte, à ambição/proteção do controle político. A FCP – FUNDAÇÃO DA CASA POPULAR: UMA SÍNTESE DE SUA ATUAÇÃO A idéia de um órgão como a Fundação da Casa Popular já havia surgido no final do primeiro Governo Vargas16 e teve uma curta gestação até ser instituída pelo Decreto-Lei Federal no 9.218 na data significativa de 1o de Maio de 1946. Entretanto, apenas com o Decreto-Lei Federal no 9.777, de 6/09/1946, e depois de realizados os diversos ajustes para a sua estruturação como órgão máximo que traçaria e implementaria as diretrizes no campo da habitação popular, é que ela passa a ter a possibilidade de atuar “em áreas complementares que fariam dela um verdadeiro órgão de política urbana lato sensu” (Andrade, 1982). Isto evidenciava inicialmente a sua consonância com todo o discurso formulado pelos urbanistas no início dessa década, para os quais a questão habitacional deveria ser considerada como parte de um plano urbanístico. Por este Decreto, cabia-lhe, por exemplo: financiar obras urbanísticas de abastecimento d’água, esgotos, suprimento de energia elétrica, assistência social e outras que visem à melhoria das condições de vida e bem-estar das classes trabalhadoras... ; financiar as indústrias de materiais de construção, quando, por deficiência do produto de mercado, se tornar indispensável o estímulo de crédito... ; proceder a estudos e pesquisas de métodos e processos que visem ao barateamento de construção... ; financiar as construções de iniciativa ou sob a responsabilidade de prefeituras municipais, empresas industriais ou comerciais e outras instituições, de residências de tipo popular destinadas à venda, a baixo custo ou a locação, a trabalhadores, sem objetivos de lucro... ; estudar e classificar os tipos de habitação denominados populares, tendo em vista as tendências arquitetônicas, hábitos de vida, condições climáticas e higiênicas, recursos de material e mão-de-obra das principais regiões do País... ; introduzir a habitação rural nos aspectos de construção, reparação e melhoramento” como nova meta institucional. Através destas determinações, é possível perceber a forma com que este novo órgão, pelo menos ao nível do discurso, pretendeu criar condições para procurar superar a crise da habitação, fortalecendo o mercado, estimulando a produção de novos materiais, modernizando o quadro técnico das administrações municipais através de treinamentos qualificados e estudando o

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“processo de morar das classes populares para se tirar partido da prática comunitária de construir, das técnicas e dos materiais utilizados” (Andrade, 1982). A FCP privilegiou, assim, o princípio da casa própria – apesar de se ter previsto a possibilidade da locação dos imóveis construídos isto não se tornou usual – e de acordo com as linhas de financiamento estabelecidas, a destinação dos recursos para a aquisição ou construção da moradia obedecia, conforme o Decreto-Lei Federal no 9.777, a seguinte proporção17: 60% para trabalhadores em atividades particulares; 20% para servidores públicos ou de autarquias; e 20% para outras pessoas – dispunha-se ainda de um montante denominado de “reserva técnica” e que não estava sujeito a esta divisão formal de distribuição; sua destinação era arbitrária e serviu para atender as clientelas que “interessassem”. Posteriormente foram incorporados os critérios que definiam as condições de preferência e que, assim como os dos IAPs, classificavam os candidatos. De acordo com a Lei Federal no 1.473, de 24/11/1951, apenas poderia pleitear um financiamento18 o candidato cuja renda líquida familiar não ultrapassasse a quantia de aproximadamente 12,8 salários mínimos por mês (60.000 cruzeiros anuais) e que tivesse um mínimo de 5 pessoas sob sua dependência. De fato, o número de dependentes se tornou o critério determinante na classificação dos candidatos. Quanto à proveniência dos seus recursos, o Decreto que a instituiu determinava que seriam advindos de um empréstimo compulsório de pessoas físicas, prevendo-se doações, contribuições e transferência do Tesouro Nacional; porém o Decreto-Lei Federal no 9.777 revogou este dispositivo e determinou a contribuição obrigatória de 1% sobre o valor de todo imóvel adquirido, “qualquer que seja a forma jurídica de aquisição, cobrado juntamente com o imposto de transmissão, de valor igual ou superior a 100.000 cruzeiros”. Tal imposto seria revogado e substituído por dotações orçamentárias decrescentes para os 10 anos seguintes pela Lei Federal no 1.473. Inicialmente, a FCP construiu por empreitada assim como por administração direta e “a opção por esta última, nos primeiros anos, se justificou pela necessidade de familiarizar os técnicos das instituições com os problemas da construção de conjuntos, além de permitir experiência com materiais não tradicionais a fim de baratear os custos das obras” (Andrade, 1982). Contudo, foi o regime de empreitada, através de licitação, o mais utilizado em toda a sua trajetória. Havia critérios relativos à localização espacial para a implantação dos empreendimentos, tendo a preferência os grandes centros urbanos e levando-se em conta as demandas regionais19. Também “era em resposta às solicitações das municipalidades que a FCP analisava a viabilidade da implantação de conjuntos. A seleção da cidade deveria levar em conta as necessidades locais, o apoio da respectiva administração municipal e a ordem das solicitações. Entretanto, nem sempre as decisões se pautaram por aspectos técnicos e motivações políticas teriam um peso ainda maior...” (Andrade, 1982). Neste sentido, cabia aos municípios doar os terrenos e realizar as obras de infra-estrutura implantando as redes de distribuição de água, de esgotamento sanitário, de distribuição de energia elétrica, etc. A FCP também construiu em terrenos doados pelos IAPs, mas nesses casos arcava com o ônus da implantação da infra-estrutura. Houve ainda outras articulações com os IAPs em que estes arcavam com os recursos (ou os repassavam) e a FCP se encarregava da administração da obra; neste caso os beneficiários seriam os segurados dos respectivos IAPs. Os projetos arquitetônicos eram quase sempre desenvolvidos pela FCP e as “unidades em cada conjunto eram normalmente homogêneas, considerando-se popular a residência de até 70m2 quando se tratasse de projeto de um piso e de um máximo de 60m2 com dois pisos”, geralmente de 3 quartos, pois se visava atender “a uma clientela de família numerosa”. Houve grande variedade de tipos (e projetos) em função das condições locais”; estes tipos eram denominados considerando-se os nomes das localidades para as quais estavam sendo elaborados (Andrade, 1982).

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Entretanto, diferentemente dos IAPs, cujos projetos procuraram inovar esteticamente e na forma do morar buscando no ideal moderno a inspiração para as suas realizações, a FCP, contrariamente às suas próprias aspirações originais, permaneceu à parte desse pioneirismo adotando projetos mais conservadores – apesar da ação experimental realizada em Guadalupe, como revela a “sua opção preferencial” pelas unidades unifamiliares isoladas ao invés dos conjuntos em blocos multifamiliares”20 (Bonduki, 1998). Até 31/12/1960 foram construídas pela FCP na cidade do Rio de Janeiro 3.993 casas, contra apenas 5 conjuntos em blocos, correspondendo a 23,53% e 3,4%, respectivamente, do total de sua produção nacional, que foi de 16.964 casas e 143 conjuntos (Andrade, 1982). Por outro lado, é importante e interessante perceber como, quase que “indistintamente”, vão se mesclar na forma de atuação da FCP (assim como em seus empreendimentos) alguns dos ideais apregoados pelos arquitetos modernos e os ideais um tanto retrógrados de um Governo populista conservador fortemente influenciados pelo discurso eclesiástico que relacionava a moradia à família, “devendo esta ser preservada do espaço público ou coletivo”. Assim, além da preocupação com a conservação do imóvel, para a FCP o comportamento “social e individual” do morador deveria ser exemplar, o que poderia levar à rescisão de seu contrato tanto quanto se o imóvel fosse por ele utilizado com outra finalidade que não a de sua moradia. Neste sentido, visitas de inspeção por assistentes sociais eram regularmente realizadas nos primeiros anos de moradia, porém este tipo de assistência foi abandonado com o passar dos anos, assim como o serviço de administração dos empreendimentos não teve uma vida longa. Essa composição técnica e política contendo ingredientes por vezes incompatíveis vai, de certo modo, influenciar o ritmo da consecução dos próprios empreendimentos. No entanto, face principalmente à insuficiência de recursos, a produção nacional da FCP frente às realizações dos IAPs não foi muito expressiva, atingindo no período entre 1946 e 1964, um total de 18.082 empreendimentos, enquanto a produção daqueles (pelo Plano A) chegou a 31.099 (Bonduki, 1998). Deste modo, a forma de atuação da FCP evidenciou que nem todos os ideais modernos, que precipuamente embasaram a sua filosofia, foram implementados como tais, assim como também não o seriam puramente aqueles totalmente conservadores, ainda que, na maioria de suas iniciativas, tenham prevalecido, especialmente nos pequenos centros urbanos (e áreas rurais). Entretanto, a ação mais importante da FCP foi a intervenção realizada durante os anos de 1947-1958 na área que é hoje conhecida e que se consolidou a partir disto como bairro de Guadalupe. Esta intervenção foi a criação de um campo experimental para protótipos habitacionais e se configurou como a sua primeira ação efetiva demonstrando um grande vigor de objetivos e realização institucional naquele momento. O PROCESSO DE GESTAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DA AÇÃO DE INTERVENÇÃO O impulso inicial para a efetivação de tal experiência, única no Brasil, parece ter decorrido diretamente daquelas que foram realizadas como parte integrante das ações de reconstrução dos Estados afetados pelo segundo conflito mundial e que materializaram o novo debate sobre habitação popular que já vinha se desenvolvendo desde o início da década de 1920, tanto na Europa quanto nos EUA e que na década de 1940 iria se intensificar21. O grande evento que foi a exposição das “Técnicas Americanas de Habitação e de Urbanismo”, por exemplo, ocorrido em 14/06/1946 em Paris e patrocinado pelo Ministério do Equipamento, Transporte e Turismo francês, reuniu participantes de muitos países, inclusive daqueles que comporiam em breve o bloco ideológico oriental europeu (Cohen, 1995). Esta exposição – a primeira dentre outros eventos semelhantes que se seguiram – representou para aquele continente o início do “tour de force” que seria resolver o problema da habitação para os seus países, bem como trouxe, em hora mais do que apropriada, o estímulo à nova modernidade que caracterizaria praticamente todas as ações neste sentido naquele momento.

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Esse novo estímulo chegou rapidamente até nós, não só por intermédio do fortalecimento dos vínculos ideológicos, mas também através da expansão dos vínculos técnicos, os quais tiveram um papel fundamental no intercâmbio das novas idéias que aqui já vinham sendo bastante debatidas e, de certo modo, postas em prática por alguns de nossos profissionais, especialmente por aqueles que já haviam se simpatizado com o movimento modernista – para o qual, segundo os pontos de sua doutrina apresentados nas conclusões da Carta do Urbanismo, formulada durante o 4o CIAM – Congresso Internacional de Arquitetura Moderna ocorrido em Novembro de 1933 em Atenas, as funções habitar, juntamente com as de trabalhar, recrear-se e circular, constituíam as “chaves do urbanismo” a partir das quais a Cidade estabeleceria os seus pilares, passando a ter o (novo) urbanismo a responsabilidade de articular esse ideal sobre o espaço proporcionando “ordem... às condições de vida...”. Deste modo, o debate conceitual acerca da questão da habitação a nível mundial envolvendo o seu papel no contexto urbano, bem como as próprias formas e materiais que a “nova” unidade habitacional deveria passar a assumir e a utilizar, também impregnou o ambiente no qual se constituíram as bases da FCP e norteou as suas ações estratégicas iniciais, assim sendo que em sessão preparatória para a instituição do seu Conselho Central, ocorrida em 16/07/1946, a Superintendência fez ouvir o Sr. François Girard – técnico francês especializado em habitações populares – que, a convite oficial do Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, proferiu uma importante palestra discorrendo sobre as suas observações e experiências recentes em vários países europeus relativas a construções populares22, o que consubstanciaria a possibilidade de se estabelecer um novo modelo de habitação popular para o nosso País e levaria a Instituição a procurar investir neste sentido. Da mesma forma, e como atestam diversas atas de reunião do seu Conselho Central, vários foram os meios pelos quais a FCP procurou (praticamente durante toda a sua existência) participar de eventos e se colocar a par, fosse através de seus profissionais ou não, dos acontecimentos internacionais concernentes ao enfrentamento da problemática habitacional23. Assim, consoante, como se pretendeu estar, com as realizações inovadoras, pode-se dizer que esta iniciativa da FCP – a maior de toda a sua história e que deu origem ao bairro em questão – pretendeu marcar e assegurar a entrada do País em uma nova era em termos de habitação popular. Deste modo, essa experiência teve a finalidade de testar a eficiência de uma determinada (e especial) série de tipologias arquitetônicas a fim de se selecionar aqueles exemplares que constituiriam, em virtude dos resultados obtidos24, a carteira de opções da FCP a ser utilizada em larga escala em todo o Brasil. Com este objetivo, após o processo de sua implementação efetiva como novo órgão executivo do Governo e de sua estruturação interna, que ocorreu aproximadamente entre os meses de Maio e Julho de 1946, a FCP iniciou o levantamento dos terrenos de propriedade governamental disponíveis no Distrito Federal para a construção de casas populares, uma vez que se pretendia que aqui se iniciassem as ações da Instituição – colocando-se, desta forma, à frente do plano que ela intencionava elaborar visando o estabelecimento dos critérios que seriam utilizados para determinar a distribuição a nível nacional das construções a serem efetivadas, assim como para selecionar os candidatos que deveriam ser contemplados25. A área escolhida e onde seria efetivada essa intervenção era composta de 4 Glebas (Glebas 1, 2, 3 e 4, segundo o PAL no 10.894) remanescentes do desmembramento da Fazenda Boa Esperança e pertencia à Legião Brasileira de Assistência, que estava implantando (na Gleba 4) a “Vila LBA”, empreendimento que, por incumbência do próprio Getúlio Vargas em 1945, visava a construção de 586 casas para as famílias de ex-combatentes, as quais se recusaram a ir para lá face à inacessibilidade da área. Devido a esse impasse criado, essa Instituição passou a considerar a possibilidade de colocar aqueles terrenos à disposição26, o que veio a interessar sobremaneira a FCP, que por aquela época já havia começado a levantar as áreas de propriedade governamental disponíveis no Distrito Federal para iniciar o seu programa de construção de casas populares, isto é, realizar o seu projeto pioneiro, o qual, no caso, visando

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testar o espaço da habitação, caracterizou-se, geograficamente, pela produção do espaço para a habitação. Assim, em virtude da disponibilidade e das dimensões daqueles terrenos, a FCP entra em entendimentos com a LBA a partir de Outubro de 1946 visando adquiri-los a fim de lá “instalar” o seu campo de experimentação. As transações entre a FCP e a LBA chegam a término em 11 de Abril de 1947 e finalmente a 1o de Maio é firmado o Contrato de Promessa de Compra e Venda de todo esse empreendimento em solenidade realizada na própria Vila LBA, o que significou para a FCP (e para o País) o marco inicial de suas atividades. Desta forma, percebe-se que não houve critérios mais profundos para a escolha da área em questão, salvo pelas suas confortáveis dimensões e pela sua oportuna e especial disponibilidade. Bem, como pode-se constatar, as ações efetivas da FCP neste sentido só ocorreriam mais de um ano após a sua criação e ainda especificamente em virtude dos seguintes fatores: a não disponibilização por parte do Governo dos recursos orçamentários necessários para suas atividades, só obtidos em fins de Março de 1947 e por intervenção direta do Presidente da República, recebendo a FCP, assim, o primeiro auxílio dos IAPs para a realização de seu capital – a título de empréstimo e onerado de juros – que lhe possibilitaria a concretização da sua finalidade; e, principalmente, o longo período de gestação para a elaboração de um plano estratégico, provocando um desgastante processo de discussões internas acerca de como deveria ser enfrentada a crise de habitação a partir da nova filosofia que a Instituição preconizava, pois culmina nessa época todo o debate sobre a questão habitacional no País, o qual, por já ter adquirido um “status histórico”, não só para os técnicos que discutem o assunto, mas impunha, para a própria nação, que fosse efetivada uma solução governamental de longo alcance para esse problema. Assim, a gravidade da situação e o comprometimento do Governo Federal em resolver a questão exigiam uma maior agilidade por parte da Instituição na tomada de decisões visando o estabelecimento de um plano de ação, o que, pelo decurso de tempo, já deveria ter sido elaborado e posto em prática, apesar da questão dos recursos. Neste sentido e a fim de cumprir essa missão, divergiram a Superintendência e os membros do Conselho Central da FCP quanto à propriedade, naquele momento, de ao invés de se por em ação um plano de emergência, se tentar elaborar e implementar um plano experimental de construção de casas populares, como defendeu a Superintendência e à qual cabia, de fato, a elaboração de um plano. Neste sentido e apesar de sua atualidade, esse plano elaborado pela Superintendência (“Plano de Construção Experimental”), o qual envolvia uma proposta inovadora calcada em diversos estudos27 e intercâmbios técnicos movidos pelas experiências internacionais – e ainda, particularmente, pela própria experiência norte-americana, desenvolvida principalmente a partir da década de 1930 –, poderia, segundo os membros do Conselho Central, demandar tempo e recursos excessivos, sendo prejudicial à necessidade premente (dada a crescente pressão da imprensa e também as críticas já no próprio âmbito governamental) de se construir “apenas casas”.28 Por outro lado, verifica-se que durante esse processo de gestação e tendo em vista as intenções de se testar e incorporar novos processos construtivos e tipologias habitacionais nas realizações que deveriam ser efetivadas pela FCP, propagadas correntemente, várias empresas tomaram a iniciativa de entrar em contato com a Instituição demonstrando interesse em realizar construções experimentais ou a ela submeter para avaliação os seus (novos) processos/métodos construtivos29, o que poderia, em contrapartida às preocupações do Conselho Central, viabilizar o projeto que havia sido proposto pela Superintendência. Entretanto, como esse “plano ideal” foi considerado “muito complexo e com detalhes em demasia”, decidiu-se publicar um edital com o intuito de convidar aquelas empresas que já haviam se pronunciado a submeterem-se à prova de execução de seus projetos “sem ônus” para a FCP, o que foi aprovado em 22 de Julho de 1947. A Instituição, passando pela sua primeira crise, que levaria ao afastamento de seu primeiro Superintendente, optou por um “meio termo”.

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Como visto, a FCP herdara da LBA um empreendimento inacabado e que deveria concluí-lo a fim de efetivar, o mais rapidamente possível e em resposta às crescentes pressões internas no Governo, a entrega das casas prometidas, só que agora para os seus próprios candidatos. Esta foi a primeira intervenção da FCP na área em questão, mas, paralelamente, ela começaria a implementar o seu plano de ação experimental, posto primeiramente em prática na própria Gleba 4 ainda no ano de 1947 (provavelmente entre o final do mês de Julho e o início do mês de Agosto), paralelamente à consecução das obras iniciadas pela LBA; a partir de Abril de 1948 o grande projeto experimental da FCP seria consolidado nas Glebas 1, 2 e 3. Assim, quanto à intervenção experimental nas Glebas 1, 2 e 3, as construções começaram, portanto, em seguida ao “ensaio” que significou as experiências efetivadas na Gleba 4 e simultaneamente àquelas obras de finalização da Vila LBA, observando-se que todo o conjunto de casas nelas edificado receberia o nome de Conjunto Residencial Carmela Dutra, sendo implantado (ou melhor, consolidado) por etapas entre os anos de 1948 e 1958 e entregue, da mesma forma, segundo a finalização das respectivas obras, tendo as diferentes empreiteiras trabalhado simultaneamente no local. As casas foram, assim, sendo construídas e depois vendidas aos candidatos, observando-se os percentuais de destinação das mesmas. Considerando o objetivo experimental do projeto, mobilizaram-se em torno das inovações técnicas e mercadológicas que isto acarretaria – especialmente em relação aos processos construtivos – várias firmas construtoras nacionais e subsidiadas representantes de firmas estrangeiras (notadamente norte-americanas), as quais, em alguns casos, também eram detentoras exclusivas para o Brasil dos direitos sobre os respectivos projetos (como as empresas F. P. Parkinson, MAR S/A, SECLA S/A, Estamparia Nogueira, etc.). As empresas construtoras que participaram desse empreendimento da FCP, assim como de todos os outros, foram geralmente contratadas a partir de um sistema de seleção efetuado por concorrência30. Infelizmente, em virtude da carência de esclarecimentos mais específicos em muitos dos poucos documentos disponíveis sobre as atividades da FCP, não foi possível resgatar com precisão a cronologia de implantação de todo esse empreendimento ao longo dos anos de modo a se obter, através disto, o histórico geográfico detalhado de sua ocupação, que se consolidou, como um todo, através da implantação paulatina de pequenos grupos específicos de casas inicialmente e, posteriormente, de quatro outros, de maior porte, que receberam o nome de “Conjuntos”: Camboatá, Timbó, Paraopeba e das Bandeiras; este último, localizado às margens da avenida Brasil – na época avenida das Bandeiras – e composto de 16 blocos de 3 pavimentos (2 andares de apartamentos com comércio acoplado no térreo), foi implantado um pouco antes desses três Conjuntos31 e não faz parte, pela sua própria natureza, da ação experimental de intervenção. Através de uma pequena relação de Resoluções do Conselho Central da FCP consegue-se apenas detectar o total de 1.167 unidades construídas, já que nem sempre essas Resoluções especificam os quantitativos e os locais onde seriam implantados (assim como as respectivas tipologias e empresas envolvidas), mas foram edificadas pela FCP na área em estudo, ao todo, 1.836 unidades (contando-se com as 586 da Vila LBA), tendo sido 1.230 destas construídas nas Glebas 1, 2 e 3 e 606 na Gleba 4. À exceção das tipologias que se valeram de processos construtivos experimentais, cuja forma plástica ou material empregado influenciaram o seu reconhecimento no conjunto edificado, a denominação dos demais tipos estilizados correspondia, como já aludido, aos locais onde geralmente, depois de comprovada a sua eficiência, iriam ser posteriormente edificados (em outra escala), como, por exemplo: Araruama (RJ), Carioca (GB), Minas (MG), Niterói (RJ), Portalegre (RN), Santo André (SP), etc., tendo sido implantados na área em estudo um total de 20 tipos básicos, excluindo-se suas variantes (2 ou 3 quartos, por exemplo)32 – a FCP chegou a dispor, ao longo de sua existência, de cerca de 50 tipologias, sem computar-se aquelas do tipo apartamento.

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Observa-se que dentre as tipologias implantadas constituíam-se protótipos inovadores (seja pelo processo/material construtivo ou pelo modelo arquitetônico) as do tipo A2 e A3 (chapa de alumínio), B2 (monobloco de ?), Ba1 e Ba3 (“Casa Balão”, de concreto armado), E1 (?) e E2 (bloco nervurado de concreto), M2 e M3 (madeira), P (alvenaria), S2 e S3 (chapa de papelão), SA (alvenaria) e Se2 e Se3 (chapa de concreto pré-moldada), enquanto as demais alicerçaram-se em “padrões culturais” comumente verificados nas várias regiões do País. Outras tipologias também foram geradas durante a gestação do planejamento da ação experimental e implantadas em outras regiões do País concomitantemente à atuação da FCP na área em questão, o que, naquele momento, significou uma forma estratégica da Instituição atacar o problema habitacional mais amplamente no território nacional, evitando, assim, as críticas que sofrera por inoperância durante os dois primeiros anos de existência, ainda que pervertesse (um pouco), com isto, a razão de ser da própria experiência33. Quanto a esses projetos e também aos futuros, a FCP preferiu (não sem um acirrado debate interno) não se utilizar do corpo técnico dos IAPs posto à sua disposição – como lhe fora proposto inicialmente – e desenvolvê-los através de seus próprios profissionais. Assim, à exceção daqueles vinculados a tecnologias estrangeiras, todos os outros implantados na área, bem como nas diversas regiões do País naquela época, foram elaborados pela FCP, provavelmente sob a orientação do arquiteto Renato Sá, que assina todos os croquis dos tipos mais tradicionalmente concebidos. Contudo, como os projetos (nacionais e estrangeiros) não se enquadravam na legislação municipal devido ao seu caráter experimental, o Governo Federal, em entendimento com a Prefeitura, efetiva a sua liberação de algumas exigências do Código de Obras. Assim, todas as casas terão escritura lavrada em Registro de Imóveis, mas não disporão de “Habite-se”34. Quanto ao projeto propriamente dito, optou-se pela localização da população em lotes de tamanho variável – mínimo de 88,94m2 (Quadra 28, Lote 1) e máximo de 399,40m2 (Quadra 3, Lote 40) –, onde o morador poderia dispor de um espaço exterior à própria habitação para o que se lhe aprouvesse, observando-se, em relação ao partido urbanístico, que o projeto, valendo-se de uma concepção tradicional frente ao “frisson” modernista da época – pelo que, segundo os objetivos iniciais que nortearam a sua filosofia, teria sido “contaminado”–, revela uma preocupação técnica, estética e social com a implantação do empreendimento, ou seja: a área não foi apenas retalhada nesses lotes e os sucessivos protótipos habitacionais agrupados tipologicamente. Neste sentido, percebe-se essa preocupação através da clara adoção de alguns parâmetros urbanisticamente (e arquitetonicamente) importantes para a elaboração de qualquer projeto dessa natureza, como, por exemplo: aeração, insolação e drenagem natural orientando a disposição das vias e dos lotes – considerando-se, ainda para isto, a configuração geométrica do perímetro da área –; circulação viária plena (sem “cul de sac”) e com caixa de 12m permitindo futura arborização; padronização do posicionamento dos lotes (geralmente “fundos um a um” e com frente para a via principal); setorização variada das tipologias habitacionais; distribuição estratégica de áreas para amenização paisagística e lazer; idem para futuros equipamentos urbanos; entre outros. No que se refere às casas (de tipologia experimental ou tradicional), as mesmas, quanto às soluções de planta e dimensão de compartimentos – com área total variando entre 28,84m2 e 60,95m2 –, procuraram atender a demanda de uma família média brasileira, mas não diferem muito, em sua maioria, das realizações que seriam feitas posteriormente em termos de casas populares. Todavia, construtivamente elas não foram bem realizadas em seu conjunto, provavelmente por uma “questão de cronograma”, que na maioria das vezes inviabiliza um resultado satisfatório em qualquer empreendimento ou, entre outras justificativas, por uma falta (total) de experiência neste sentido – gostaríamos de crer –; em qualquer caso, isto causa um certo desapontamento, já que “os resultados” pressupunham ser coerentes com toda uma filosofia que visava, em primeiro lugar, o bem-estar dos usuários. O empreendimento ainda contou com um convênio firmado entre a FCP e a LBA, fruto da Resolução 79/CC, de 10/08/1948, que aprovou e fixou as normas para instalação de serviços de assistência social nos núcleos residenciais da FCP e o que propiciou à população, que ali se instalava, assistência social, médica e ainda escolar e religiosa a partir de entendimentos outros

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realizados com a Prefeitura e a Mitra Arquidiocesana do Rio de Janeiro, por exemplo. Daí, áreas e imóveis, incluindo-se os já construídos, foram destinados ou transformados em equipamentos sociais, como pretendera fazer a própria LBA, embora não se disponha de uma relação detalhada quanto a isto de modo a melhor precisar as ações/transações da Instituição neste sentido. Do mesmo modo, as informações disponíveis nem sempre evidenciam com muita precisão a atuação da FCP ou os próprios acontecimentos em si, especificamente no que concerne à efetivação da implantação desses equipamentos sociais e serviços urbanos, bem como a sua espacialização na área em questão, deixando uma série de dúvidas quanto a estes aspectos. Entretanto, isso deixa transparecer o processo dinâmico que ocorreu neste sentido durante a existência da Instituição35. Esta experiência como um todo mostrou que a casa tradicional era mais vantajosa, uma vez que as demais “exigiam tecnologia, maquinária, mão-de-obra especializada, além de serem mais caras” (Andrade, 1982), fazendo com que a FCP não mais pensasse em investir em qualquer tecnologia avançada neste sentido, voltando-se, de um modo geral, para aquelas tipologias mais econômicas em seus empreendimentos futuros. Da mesma forma, sua eficácia em termos técnicos também pode ser questionada, já que é contestável a cientificidade de experiências realizadas em um ambiente diferente de onde as mesmas deveriam ser finalmente consolidadas, ou seja: em um local não apropriado para que se pudesse testá-las adequadamente de acordo com cada tipo habitacional proposto para as diversas localidades brasileiras. De fato, o que se testou foi a economicidade do processo construtivo (e dos novos materiais) e não a adaptação geográfica das tipologias habitacionais ou ainda a dos indivíduos às mesmas, embora os diversos estudos que a FCP realizou visassem justamente essa ampla adaptação dos projetos por ela implementados; mas, na prática, não foi o caso, ou o seu “leitmotiv”. A CONSOLIDAÇÃO DO BAIRRO DE GUADALUPE Dado o seu porte e características peculiares, o empreendimento que foi implantado pela FCP colocou-se em destaque no ciclo de produção de moradia (no caso, proletária) na cidade do Rio de Janeiro, a qual, após uma expansão em torno de 1937, apresentou uma depressão entre os anos de 1945-49 e evidenciou um forte crescimento até 1952 (Ribeiro, 1997), refletindo esse empreendimento, por outro lado (e ainda que, de certa forma, geograficamente “isolado” das zonas mais equipadas), a expansão da ocupação urbana da Cidade. Muito contribuiu para isto o desenvolvimento da atividade industrial na Cidade que se verificou após o conflito mundial expandindo-se em direção aos subúrbios, onde a implantação (ou o deslocamento) de indústrias ocorreu propiciada pela implantação de novas vias rodoviárias e “conjugada com um intenso jogo especulativo modificando ainda mais a estrutura fundiária dessa área, que já apresentava um progressivo processo de parcelamento” (Governo do Estado da Guanabara, 1967; Turnowski, 1968). Essas novas rodovias seriam “viabilizadas” a partir da implantação da avenida Brasil em 1946, em cujo eixo a concentração industrial se tornaria cada vez mais intensa com a abertura da rodovia Presidente Dutra em 1948. Posteriormente, visando-se estabelecer ligações mais fáceis entre o centro da Cidade e a zona suburbana, a avenida Brasil seria, em uma primeira etapa e com o nome de avenida das Bandeiras, prolongada em 1949 atingindo, em seguida, a área em questão e possibilitando a expansão da ocupação industrial em direção às vastas terras da zona rural36 . Seguindo o mesmo impulso dessa ocupação industrial e concomitantemente às ações da FCP, se intensifica o processo inicial de parcelamento/remembramento e loteamento das Glebas remanescentes que vinha sendo observado já a partir de meados da década de 1940, conferindo à área as feições gerais que iria assumir espacialmente como Bairro. Neste sentido, verifica-se que o processo de apropriação dessas Glebas se deu mais acentuadamente no período 1950-52 e, assim como em relação à ocupação industrial, sem se verificar alterações em grande escala no parcelamento original da área, ocorrendo poucos desmembramentos/remembramentos e ainda assim bastante regulares em sua constituição, isto é, observando-se os perímetros dados pela configuração das próprias Glebas. O parcelamento se efetivou, então, na escala do loteamento para fins residenciais, o qual também se caracterizou, na maior parte do Bairro, pela regularidade da padronização e do (“bom”) dimensionamento dos lotes, consolidado dentro daquele mesmo

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espírito adotado pela FCP, por assim dizer. Pode-se também afirmar que a área como um todo se estruturou espacialmente de uma forma ordenada, observando-se alinhamentos, setorização de certos usos e baixa densidade inicial de ocupação – “ordenação” que iria influenciar o processo de evolução do Bairro. Conforme aludido, esse processo inicial de apropriação das Glebas remanescentes se deu paralelamente à finalização da implementação do empreendimento da FCP e pode-se deduzir, pelas resoluções do seu Conselho Central que expõem a cronologia disponível acerca dessa ação de intervenção, que o mesmo também já poderia ser considerado como praticamente consolidado por volta de 1952, embora a localidade como um todo ainda fosse simplesmente conhecida como “Fundação”. Desta forma, no que se refere à denominação da área como Guadalupe, que decorreu de sua própria efetivação como Bairro, é necessário que se observe que tal transformação está diretamente vinculada ao histórico da atuação da Igreja Católica na área37. Em 9 de Maio de 1949 foi estabelecida a Paróquia com o nome de N. Sª de Guadalupe e em 1950 a FCP construiria (rapidamente) a igreja-matriz que seria inaugurada pelo próprio presidente por ocasião de sua visita a área em Outubro daquele mesmo ano. Entretanto, o nome do Bairro foi efetivado pela FCP através da Resolução 605/CC de 14/09/195538 e, finalmente, a 9 de Setembro de 1956 era realizada uma grande festa promovida pela Paróquia “oficializando” o nome do Bairro junto à população. Consolidado como bairro na década de 1950, Guadalupe pode ser considerado como um subúrbio moderno, assim como os bairros de Pavuna, Anchieta, Ricardo de Albuquerque ou Barros Filho (Soares,1965), por exemplo, os quais tiveram o seu desenvolvimento promovido pelo fluxo de investimentos que se materializou através de indústrias, loteamentos, conjuntos habitacionais, etc. em função da facilidade de acesso, do atrativo custo da terra, da topografia favorável ou ainda da disponibilidade potencial de mão-de-obra que decorreu da implantação da avenida das Bandeiras, viabilizando o “preenchimento dessa zona suburbana apoiado na zona equipada mais próxima” (Bernardes, 1968) – que, no caso, foram os subúrbios próximos ou imediatos de Deodoro, Marechal Hermes, Honório Gurgel, Irajá e também Anchieta. 1 Arquiteto Urbanista, Mestre em Geografia pelo PPGG / UFRJ sob a orientação do Prof. Maurício de Almeida Abreu. 2 Em um âmbito geral, o Plano Marshall, adotado por 16 países europeus em 1948, seria o grande plano de ajuda dos EUA à Europa. 3 Na verdade, desde 1942 que missões norte-americanas de assistência técnica vêm ao Brasil, como a missão TAUB, liderada por Edward Taub, que aqui esteve neste mesmo ano; e ainda a missão COOKE, patrocinada pelo Centro de Estudos de Problemas Brasileiros da Fundação Getúlio Vargas e liderada por Morris Cooke, que em 1943 veio ao Brasil. No Governo Dutra, outra missão norte-americana esteve em 1948 a convite do próprio Governo: a missão ABBINK. Liderada por John Abbink, esta missão, na qual também trabalharam técnicos brasileiros, produziu “um relatório com várias recomendações relacionadas com os principais problemas da economia brasileira”. A partir desta missão seria estabelecida em 1951 a CMBEU – Comissão Mista Brasil-Estados Unidos para o Desenvolvimento Econômico, que atuaria entre os anos de 1951 e 1953, ou seja, praticamente no segundo período Vargas, podendo ser considerada como “o primeiro passo efetivo para o planejamento de nossa economia” (Holanda, 1975). Ressaltam-se, por outro lado, além destas missões, os encontros diplomáticos com o objetivo de reforçar os laços ideológicos da nova configuração política internacional, como a Conferência de Petrópolis (Conferência Internacional para a Manutenção da Paz e da Segurança do Continente) realizada em 1947 e que contou com a presença do próprio presidente dos EUA, H. Truman, a quem Dutra retribuiria a visita – observe-se que neste mesmo ano o Partido Comunista Brasileiro seria colocado na ilegalidade e o Brasil romperia relações diplomáticas com a URSS. 4 Este foi o período da construção de grandes conjuntos habitacionais pelos IAPs e em 1948, por exemplo, o Distrito Federal possuía 20% da sua força de trabalho na construção civil, o que representava 28,8% da força de trabalho nacional como um todo (Mello, 1992); da mesma forma, se evidenciou um importante crescimento de empresas construtoras nessa década, perfazendo um total de 773 estabelecimentos formais em 1950 contra 372 em 1940 (Ribeiro, 1997). 5 Porém, o Censo oficial, realizado em 1948 pelo mesmo serviço, vai indicar a existência de 105 favelas com 34.567 casebres, contabilizando um total de 138.837 moradores, sendo 44% delas localizadas na área suburbana e correspondendo a 43% do número de seus habitantes. Os resultados curiosamente diferentes decorrem da definição diversa que é aplicada a essas áreas, o que também ocorrerá com o Recenseamento Geral de 1950, que registrará apenas 58 favelas, 44.000 casebres e 169.305 moradores, representando 7,12% da população total (FINEP, 1979; Abreu, 1994; Ribeiro, 1997). 6 Solução proposta pelo Governo Vargas com o intuito de resolver os problemas de higiene das favelas removendo os seus habitantes para locais provisórios até que fossem transferidos para uma moradia definitiva (Abreu, 1994). Esses locais seriam denominados de Parques Proletários, tendo sido construídos entre os anos de 1941 e 1943 apenas 3 deles na Cidade (o primeiro no bairro da Gávea; o segundo no bairro do Caju; e o terceiro no bairro do Leblon). Curiosamente, inicia-se nesse novo Governo a construção de um edifício de 6 pavimentos no Parque Proletário da Gávea, “mas, longe de representar a segunda etapa tão esperada ..., a construção testemunha o seu fracasso definitivo. Ela é nitidamente insuficiente, para atender às necessidades, para substituir as casas provisórias e alojar sua densa população. O Parque se torna definitivo e a ele justapõe-se um prédio. O conjunto forma um tipo particular de habitação pobre, como que uma variante da favela, testemunha de uma tentativa abortada de melhorá-la” (Parisse, 1969).

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7 O PCB já vinha obtendo uma expressiva penetração junto às classes operárias desde a década anterior e logrou 15 cadeiras nessa eleição (14 para deputados e uma para senador), correspondendo em número de votos a 9% do eleitorado brasileiro (Skidmore, 1976). A nova ordem de compartimentação ideológica mundial, sedimentada por inúmeros acordos internacionais e missões de assistência que promoveram a inserção comprometida das nações neste contexto, tornaria incompatível os ideais (e práticas) desse Partido com o posicionamento que o Brasil iria adotar neste sentido, levando-o, ainda em função de alguns incidentes, à situação de ilegalidade determinada pelo Governo em 1947, conforme já mencionado. 8 Segundo o seu Estatuto (DF 8/02/1947, Art. 1o) e a fim de operacionalizar o seu objetivo, essa Fundação propôs manter “escolas, ambulatórios, creches, maternidades, cozinhas e vilas populares” nessas áreas. Foi dela a idéia de criação de Associações de Moradores como um meio de organizar socialmente essas comunidades, propiciando, assim, a discussão e a resolução dos problemas enfrentados pela sua população (Parisse, 1969; Rios, 1986). 9 Observa-se aqui que a futura FCP terá o objetivo precípuo de atacar o problema da moradia popular (urbana e rural) a nível nacional, não se atendo, em vista disto, a questão da favela em si. 10 Como, por exemplo, correspondeu à dissolução dos Comitês Democráticos Progressistas, “que nos bairros promoviam manifestações contra os despejos, a carência de moradias e as péssimas condições de vida” (Bonduki, 1998). 11 Com a Lei Federal no 285, editada em 1948 e que permitiu a divisão da propriedade em parcelas autônomas (em edificações de 2 ou mais pavimentos em um mesmo lote) – o que antes, conforme o Decreto Federal no 5.481 de 1928, só podia se dar em edificações com 5 ou mais pavimentos – , tornou-se possível a existência de 2 casas em um mesmo lote. Isto possibilitou praticamente a “duplicação” da população residente nos subúrbios da Cidade (Rezende, 1999). 12 Foram 3 os Planos Básicos adotados pelos IAPs: o Plano A, que previa a locação ou venda de unidades habitacionais em conjuntos residenciais adquiridos ou construídos pelos IAPs; o Plano B, que previa financiamento aos associados para aquisição de moradias ou construções em terreno próprio; e o Plano C, que previa empréstimos hipotecários feitos a qualquer pessoa física ou jurídica, bem como qualquer outra operação imobiliária que o Instituto julgasse conveniente. 13 Exceção é feita ao grande exemplo e marco nacional (e internacional) da arquitetura brasileira que foi o Conjunto Residencial Mendes de Morais (“Pedregulho”), projetado pelo arquiteto Affonso Eduardo Reidy para o DPH, na época dirigido pela engenheira Carmem Portinho. Inaugurado em 20/06/1950, este Conjunto – como também seria o C. R. Marquês de São Vicente, concebido dentro dos mesmos moldes por este arquiteto e construído nessa mesma década no bairro da Gávea pelo DHP – foi destinado a funcionários públicos de baixa renda do Distrito Federal e era composto de 328 unidades residenciais (478 originalmente) e de “serviços que lhe permitiam certa autonomia”, como uma escola, vista aqui como o centro e símbolo da proposta modernista de ação reeducadora através do habitar. Revelando uma nova relação entre paisagem-espaço construído, “é a peça-chave da unidade residencial... cuja planta serpenteante é uma manifestação brilhante e original” (Bruand, 1991). Esta “manifestação”, em verdade, reflete a proposta elaborada por de Le Corbusier para a “Unité d’Habitation”, tendo sido o projeto desenvolvido a partir de dois estudos de urbanização realizados por este arquiteto suíço: um, em 1929, para a cidade do Rio de Janeiro, quando aqui esteve; e outro, em 1930, para a cidade de Argel (Cavalcanti, 1987; Bonduki, 1998). 14 É importante observar que este tipo de produção (que pressupõe baixos investimentos em infra-estrutura e comercialização a longo prazo), conjugada com a autoconstrução, garantiu a difusão da propriedade privada da terra pelas camadas sociais de baixa renda, especialmente quando se deu a massiva oferta de lotes na periferia na década de 1950 e que, juntamente com a grande oferta de emprego, característica dessa época, foi um dos principais fatores da inserção dos trabalhadores na economia urbano-industrial brasileira (Lago, 1996). 15 A própria FCP passaria por uma perene crise financeira até a promulgação da Lei Federal no 1.473, de 24/11/1951, modificando o Decreto-Lei Federal no 9.777, de 6/09/1946 e dotando-a dos recursos necessários para as suas atividades, como se verá a seguir. A sua ação permaneceu muito reduzida nos primeiros anos, salvo pela sua mais importante ação de intervenção que foi a experiência que resultou no bairro de Guadalupe. 16 Tal intenção decorre da promulgação em 1945 do Decreto no 7.536 com o qual o Governo pretendia a unificação de todos os IAPs e CAPs (Bonduki, 1998) em prol da constituição de “uma única agência federal centralizada de habitação popular” (Mello, 1992): o ISS – Instituto de Serviços Sociais, através do qual se poderia “superar, por meio de uma política integrada e consistente, a precária solução proposta pelos IAPs para o problema habitacional” (Bonduki, 1998). O projeto desse novo Instituto não se concretizou. 17 Inicialmente, o Decreto que instituiu a FCP não determinava com precisão o público alvo que faria jus ao financiamento. 18 Foi a “Lei Loucheur”, promulgada na França em 13/07/1928, que norteou, segundo a sua versão de 3/09/1947, o programa de financiamento da FCP. 19 68% dos empreendimentos foram realizados em cidades com mais de 50.000 habitantes até 31/12/1960, sendo 70% deles na Região Sudeste – os estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro, respectivamente, foram os mais beneficiados, assim como a cidade do Rio de Janeiro foi a mais beneficiada das cidades (Andrade, 1982). 20 Contudo, um importante empreendimento da FCP é marcado pelo traço da arquitetura moderna: o Conjunto Residencial Presidente Vargas, composto de 19 blocos de apartamentos de 4 pavimentos, totalizando 1.314 unidades residenciais, localizado em área contígua à área em estudo (a Gleba 4 considerada adiante) no bairro de Deodoro e elaborado sob forte influência do projeto “Pedregulho” pelo arquiteto Flávio Marinho Rego, tendo sido construído por etapas entre os anos de 1953 e 1956. 21 Foi na década de 1920 que o debate acerca da questão da habitação se elevou a uma esfera técnica e social mais abrangente, assim como atingiu uma escala no intercâmbio das idéias mais ampla a nível internacional, contribuindo diretamente para o estabelecimento de ações estratégicas no processo de reconstrução dos países envolvidos no primeiro conflito mundial. Na década seguinte esteve associada à política do “Welfare State” (ou Bem-Estar Social), “idealizada” a partir do pensamento do economista inglês John M. Keynes e que influenciou a condução da reestruturação econômico-social de muitos países frente à grave crise econômica mundial que se estabeleceu com a queda da Bolsa de Nova York em 1929, caracterizando-se nos EUA como a política do “New Deal” implementada pelo Governo Roosevelt. Na década em questão, e já tendo colhido alguns frutos de experiências realizadas nos anos anteriores, esse debate iria se aprofundar e embasar, evidentemente, as novas ações de reconstrução. 22 Em Londres, na qualidade de representante francês, este técnico tivera a oportunidade de acompanhar os trabalhos do “Comitê Interaliado” que estudou o problema da reconstrução européia no pós-guerra, tanto sob o aspecto técnico, relativo à urbanização e aos materiais construtivos empregados nas habitações, quanto sob o aspecto social, quando se cogitou a criação de creches, maternidades, escolas, etc., concluindo que o êxito alcançado, especialmente na Inglaterra, fora devido, em grande parte, à nova técnica da pré-fabricação dos elementos da construção. 104 Pode-se citar, por exemplo: em reunião de 24/12/1946 era registrada a apresentação ao Conselho Central de um relatório elaborado pelo Dr. Rômulo Almeida, recém-chegado da Inglaterra e que aproveitara o fato de ter, nesse país, representado o Brasil perante a “Comissão de Empregos” para estudar assuntos relacionados ao problema das casas populares; em reunião de 12/02/1947 era registrado que o Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio havia encaminhado ao Conselho Central uma série de recortes do jornal “Notícias Gráficas”, de Buenos Aires, com apreciações sobre a crise de habitação daquela Cidade ressaltando a grande esperança dos trabalhadores em geral com o novo plano de casas pré-fabricadas posto em prática pelo governo de Juan Perón, sobre o qual a Superintendência informava pretender realizar um estudo – nesta reunião ainda era informado que seria visitada em São Paulo “a

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nova máquina de fazer casas que chegou dos Estados Unidos”; em reunião de 13/05/1947 era comentada a grande utilidade que teria o comparecimento de um representante da FCP na exposição francesa de casas econômicas (“Exposition Maisons et Chantiers Populaires”) que iria se realizar proximamente em Paris, comunicando-se que o engo Mário de Souza Águiar, chefe do Serviço de Construções Populares do IAPC, se oferecera para tal, o que foi aprovado; em reunião de 14/09/1953 o Conselheiro Rubens do Amaral Portella era designado para representar o Brasil na “Comissão de Técnicos”, em Washington, para estudar e elaborar relatório sobre habitações populares; em reunião de 30/12/1957 era aprovada a iniciativa para o Conselheiro Rubem da Fraga Rogério entrar em contato com a “Federal Housing Administration” – órgão norte-americano correspondente à FCP – a fim de levantar estudos que pudessem ser úteis à Instituição; em reunião de 20/05/1960 o Conselheiro Rubens do Amaral Portella era designado para representar a FCP no 25o Congresso Mundial de “Planificación y Vivienda”, realizado em Porto Rico durante os dias de 28/05 a 3/06; entre outros eventos. 24 Fundamentalmente em função do custo, rapidez de construção e durabilidade da habitação, o que seria testado, evidentemente, a partir da utilização da moradia, assim como o grau de preferência dos candidatos em relação às diversas tipologias. 25 Inicialmente, isto deveria ocorrer nos diversos municípios interessados face às solicitações por eles já encaminhadas, tanto que em 11 de Março de 1947 já havia 28.000 inscrições de candidatos às futuras casas. Assim, em 22 de Abril era registrado o envio aos governadores dos Estados da minuta do contrato (“Termo de Acordo”) que deveria ser celebrado com a FCP para tal; entretanto, sugere-se, por outro lado, em 29 do mesmo mês, que as ações da FCP não deveriam se dar prioritariamente em capitais – “já superlotadas” –, mas em “locais menos populosos, podendo-se escolher cidades que se destaquem pela indústria, agricultura ou comércio” – nesta reunião era comunicado o primeiro pedido oficial à FCP, realizado pela Prefeitura de Lavras (ES), requerendo a construção de 100 casas naquela cidade. Em 13 de Maio a FCP inicia as análises acerca dos vários sistemas de construção que, por essa época, já lhe haviam sido propostos por diversas firmas interessadas, passando a selecionar os que seriam adotados tendo em vista as condições climáticas de cada zona e “tudo o quanto possa influir na sua seleção”. Finalmente, a 10 de Junho é apreciado o plano de distribuição de recursos para construção de casas populares em todo o território nacional com dotação inicial de CR$ 165.900.000,00, reservando-se, deste montante, a quantia de CR$ 22.300.000,00 para “realizações de caráter experimental... e fomento à indústria de material de construção”. 26 Por outro lado, em virtude do golpe de 29/10/1945 que depôs Getúlio Vargas, a Sra. Darcy Vargas deixa a presidência da LBA no dia seguinte e em 1/03/1946 são publicados (pelo Boletim no 18 da LBA) os novos estatutos da Instituição estabelecidos pela Portaria no 1.595, de 26/01/1946, redefinindo as suas finalidades, que passariam a ser a assistência à maternidade e à infância, considerando basicamente para isso o fato de o País não mais se encontrar em situação de guerra e da Instituição não ser, por princípio, um órgão provedor de habitação. 27 Em reunião de 19/03/1947 a Superintendência obtinha autorização do Conselho Central para despender verba com a investigação sobre materiais de construção elaborada por técnicos do Serviço de Estatística e Produção do Ministério da Agricultura visando, com isto, dispor de informações sobre “siderurgia e metalurgia, pedra, cal, tijolo, telha, tubo e manilha de barro, madeira, areia, cimento, etc.” 28 Deve ser observado que naquele momento a questão da implementação de novas tecnologias na construção habitacional não se ateve apenas a debates e à apreensão das realizações feitas no estrangeiro ou ainda restrita à esfera da própria FCP, pois alguns eventos que tiveram lugar entre nós podem atestar, através de ações bastante pragmáticas, que houve de fato uma tentativa de se adotar essa possibilidade como um meio viável (e moderno) de solucionar o problema da habitação, não tendo estado, assim (e de certo modo), as propostas da Instituição desvinculadas da nossa “realidade circundante” – a exposição de uma casa pré-fabricada de alumínio que seria realizada em Outubro desse mesmo ano na Esplanada do Castelo, na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, fora noticiada na imprensa de diversos Estados, a qual o jornal “O Diário” (Belo Horizonte), de 12/10/1947, assim a descrevera: “Encontra-se em exposição na Esplanada do Castelo um modelo de casas de alumínio, pré-fabricadas na Inglaterra, medindo onze metros por nove, possuindo dois quartos, sala, banheiro, cozinha e geladeira, além de fogão a gás, lavador de roupa, pia e armários embutidos para guarda de vasilhames. O Prefeito Mendes de Morais visitará em companhia de técnicos da Prefeitura a referida exposição, a fim de estudar a conveniência de nosso governo entrar em negociações no sentido de importar uma grande quantidade dessas casas, solucionando, assim, em parte, o angustioso problema da habitação do povo. O Prefeito estudará com os técnicos as conveniências da introdução de modificações ou simplificações que se adaptem a nossas condições... assim como a base do preço de custo, caso realmente possa esse tipo de casa satisfazer ao plano popular”; ou ainda a iniciativa do SESI em instalar em Nova Iguaçu uma fábrica de casas pré-fabricadas (S2QBC) de matéria plástica à base de madeira (de qualquer qualidade) para atender a seus funcionários, conforme noticiado pelo jornal “A Notícia” (Rio de Janeiro) em 18/10/1947, podem dar uma rápida idéia da amplitude que parece ter atingido essa questão. Por outro lado, esta não foi a primeira vez no País em que se cogitou essa possibilidade, visto que em 1941 o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, através de um estudo elaborado pela Divisão Imobiliária do Conselho Nacional do Trabalho, considerou a hipótese de serem construídas (e aqui industrializadas) casas pré-fabricadas de madeira segundo tecnologia norte-americana a fim de minorar a crise de habitação. 29 Como registrado, em 13 de Maio ela já havia recebido da empresa MAR S/A o projeto do sistema denominado de “Casa Balão” – “Air Forms” – desenvolvido pelo arquiteto norte-americano Wallace Neff para avaliação e que, no seu entender, talvez pudesse vir “a resolver o problema das favelas” (!). Em 12 de Agosto era comunicado em reunião o convite desta empresa para que a FCP visitasse uma dessas casas que ela fizera construir, a título experimental, na avenida Brasil. Este sistema construtivo já havia sido comentado na imprensa (“Diário de Notícias”, 11/09/1946) pelo arquiteto Pena Firme – esta empresa pretenderia no futuro obter um financiamento da própria Instituição para construir 74 dessas unidades no bairro de Pavuna, conforme registrado em Ata de reunião do Conselho Central de 20/11/1949, o que não ocorreu. 30 Entretanto, caso interessasse, as empresas também poderiam ser convidadas a apresentar, sem ônus para a FCP, propostas para a construção de unidades habitacionais ou ainda oferecer, dentro do que se objetivava, os seus serviços para tal; em ambas as situações não havia licitação e a FCP só adquiria as unidades após sua construção. 31As Resoluções do Conselho Central que aprovaram o projeto para a construção desses Conjuntos foram: Resolução142/CC, de 14/02/1950, para o Conjunto Camboatá; Resolução 157/CC, de 22/08/1950, para o Conjunto Timbó; e a Resolução 168/CC, de 14/11/1950, para o Conjunto Paraopeba. A Resolução 154/CC, de 8/08/1950, aprovou a verba despendida na execução do Conjunto das Bandeiras, portanto antes desta data ele já havia sido edificado. 32 Foram as seguintes as tipologias implantadas: Alumínio 2Q e 3Q (A2 e A3); Araruama (Ar); Monobloco (B2); Casa Balão 1Q e 3Q (Ba1 e Ba3); Carioca (C); Experimental 1 (E1); Experimental Lages-Luc (E2); 1 Apartamento 3Q e 2 lojas (F); 2 Apartamentos 2Q e 2 lojas (FA e FB); LBA ; Minas (M); Madeira 2Q e 3Q (M2 e M3); Marechal Hermes (MH1); Niterói (N); Portalegre (P); Santos (S); SECLA 2Q e 3Q (S2 e S3); Santo André (SA); Semeraro 2Q e 3Q (Se2 e Se3); e Sorocaba (So). 33 Desta forma, e como já justificado, simultâneas ações efetivas da FCP ocorreram ainda em 1947, como em São Luiz do Maranhão com a construção de 50 casas (tipo “Maranhão”/S2QCB-9) realizada no período de 10/10/1947 a 22/12/1947 e entregue em Março de 1948; foi a primeira inauguração de um conjunto residencial da FCP e, como se disse, outras realizações foram paralelamente sendo

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concretizadas em outros lugares, seguindo-se, de um modo geral, o critério de se implantar, face o andamento da ação experimental, poucas unidades nesse conjuntos e nem sempre criando-se tipos característicos para todas as localidades. Assim, apenas para se ter uma idéia da produção da FCP já a partir de 1947 paralelamente ao início da intervenção experimental, tem-se ações em Natal (74 unidades tipo S2QCB-9 – 26/10/1947 a 22/08/1948); Teresina (29 unidades tipos S3QCB-7 e S2QCB-5 – 15/11/1947 a 21/04/1948) e Parnaíba (45 unidades tipo S2QCB-9 – 30/11/1947 a 23/03/1948), iniciando-se muitas outras em 1948, até 1o de Maio, por exemplo, em cidades como: Araruama (40 unidades – 15/01), Santos (204 unidades – 4/02), Montes Claros (60 unidades – 23/02), João Pessoa (56 unidades – 24/02), Uberaba (50 unidades – 1/03), Juiz de Fora (213 unidades – 1/03), Maceió (52 unidades – 3/03), Aracaju (65 unidades – 15/03), Bambuí (100 unidades – 7/04) e Lorena (42 unidades – 13/04). 34 Esclarece-se que a FCP, face à alteração do Artigo 13o do Decreto-Lei Federal no 9.218 que a instituiu, efetuada pelo próprio Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, ficava desobrigada às posturas municipais do que concernia ao loteamento e às características da habitação. 35 Desta forma, alguns pequenos esclarecimentos e informações adicionais se fazem necessários, como, por exemplo: em 22/06/1948 a FCP registrava a venda de uma casa edificada pela empresa Construtora Relâmpago Ltda. com a intenção de lá instalar algumas atividades de assistência social, propondo-se, para tal, entrar em contato com a Cooperativa dos Trabalhadores do Distrito Federal; a implantação do Posto de Puericultura, o qual se transformaria em Policlínica, contou com a participação da LBA; os contratos de aluguel com o Sr. Ivon Cortes foram rescindidos pela Resolução 310/CC, de 31/11/1952; em 7/05/1956 era firmada a escritura pela qual a FCP vendia um terreno para a construção de um cinema ao Sr. Amândio A. Pinto; a FCP, pelo que se depreende, implantou diretamente na área em estudo um Jardim de Infância, uma Maternidade, uma Escola, um Posto Policial, um Mercado, uma Praça de Esportes (que se transformaria no Guadalupe Country Club) e ainda uma igreja – a Igreja N. Sra de Guadalupe –, inaugurada em Outubro de 1950 e não mencionada nessa relação, entre outros equipamentos, provavelmente. 36 Situando-se no fluxo espacial dessa expansão e embora não houvesse a menor correlação com os seus objetivos, esse empreendimento que seria implementado pela FCP criaria um certo estímulo para que esse tipo de apropriação do espaço se consolidasse no futuro Bairro, dada a própria reserva de área que em função daquelas condicionantes apresentadas (e ainda do que se pretendia como estratégia em termos de uso e ocupação do solo para a avenida Brasil e o seu prolongamento) se constituiu ou se disponibilizou naturalmente. Indústrias começaram, então, a se interessar em lá se instalar a partir da década de 1950 e várias foram as que já haviam se instalado nos bairros próximos por essa ocasião. Essa primeira fase da implantação industrial na área em questão, assim como as que se seguiriam, já caracterizaria o porte das indústrias que se dirigiriam para lá e obedeceria, basicamente, o parcelamento original estabelecido pelo PAL nº 10.894 em sua disposição sobre o espaço, vindo a concentrar-se fundamentalmente ao longo da avenida Brasil. Isto viria caracterizar economicamente o futuro Bairro e lhe assegurar o importante papel que passaria a ter como área industrial para a Cidade, uma vez que as matrizes de algumas grandes indústrias, nacionais e estrangeiras, lá se instalariam. Assim, essa atividade consolidaria a ocupação e a manutenção coesa de grandes áreas que ainda hoje se verifica na área em estudo e que contribuiu para refrear o seu parcelamento para outros fins. 37 Desde o princípio os moradores que quisessem participar de missas tinham que ir à Igreja N. Sª das Graças, em Marechal Hermes, ou à Igreja de São Sebastião, na Vila Militar de Deodoro, considerando isto, sem dúvida, um grande incômodo. Então, em 1948 uma das famílias de moradores procurou os padres agostinianos em Marechal Hermes a fim de que fossem lá celebrar uma missa no dia 12 de Dezembro, dia consagrado pelos católicos à N. Sª de Guadalupe – padroeira da América Latina, registrando-se o ofício como “missa na Capela de Guadalupe”, uma casa de madeira onde se situa hoje o Colégio Pio XII. 38Não foi encontrado nenhum deferimento a respeito expedido por parte do Município naquele ano ou nos seguintes 1956 e 1957 designando a área como tal ou confirmando o ocorrido, assim como a delimitação do Bairro, tal como foi subentendida naquela ocasião e que (tudo indica) permanece, em linhas gerais, ainda hoje, só foi devidamente regularizada pelo Município em 1985 através do Decreto no 5.280, de 23/08, o qual veio estabelecer a atual delimitação das Regiões Administrativas e dos bairros da cidade do Rio de Janeiro.

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