fundaÇÃo joÃo pinheiro escola de governo professor paulo

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FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho Mestrado em Administração Pública Laura Angélica Moreira Silva A GUARDA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE NO PROCESSO DE DESCENTRALIZAÇÃO DA POLÍTICA DE SEGURANÇA PÚBLICA PARA OS MUNICÍPIOS BRASILEIROS Belo Horizonte 2012

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  • FUNDAO JOO PINHEIRO

    Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho

    Mestrado em Administrao Pblica

    Laura Anglica Moreira Silva

    A GUARDA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE NO PROCESSO DE DESCENTRALIZAO DA POLTICA DE SEGURANA PBLICA PARA OS

    MUNICPIOS BRASILEIROS

    Belo Horizonte 2012

  • Laura Anglica Moreira Silva

    A GUARDA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE NO PROCESSO DE DESCENTRALIZAO DA POLTICA DE SEGURANA PBLICA PARA OS

    MUNICPIOS BRASILEIROS

    Dissertao apresentada ao Programa de Mestrado em Administrao Pblica da Fundao Joo Pinheiro - Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Administrao Pblica.

    Orientador: Prof. Dr. Eduardo Cerqueira Batitucci Co-orientador: Prof. Dr. Marcus Vinicius Gonalves Cruz

    Belo Horizonte 2012

  • Silva, Laura Anglica Moreira S581g A Guarda Municipal de Belo Horizonte no processo de descentralizao da poltica de segurana

    pblica para os municpios brasileiros / Laura Anglica Moreira Silva - Belo Horizonte 2013 184 p. : il.

    Dissertao (Mestrado em Administrao Pblica) - Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho, Fundao Joo Pinheiro.

    Orientador: Eduardo Cerqueira Batitucci Referncia: f. : 163-172

    1. Segurana pblica. 2. Guarda Municipal. 3. Polticas pblicas. 4. Polcia Militar. I. Batitucci, Eduardo Cerqueira. II. Ttulo.

    CDU 351.74(815.11)

  • Laura Anglica Moreira Silva

    A GUARDA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE NO PROCESSO DE DESCENTRALIZAO DA POLTICA DE SEGURANA PBLICA PARA OS

    MUNICPIOS BRASILEIROS

    Dissertao apresentada ao Programa de Mestrado em Administrao Pblica Fundao Joo Pinheiro -Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Administrao Pblica.

    Prof. Dr. Eduardo Cerqueira Batitucci (orientador) - Escola de Governo FJP

    Prof. Dr. Marcus Vinicius Gonalves Cruz (co-orientador) - Escola de Governo FJP

    Prof. Dr. Marcos Luiz Bretas da Fonseca - UFRJ

    Belo Horizonte, 28 de setembro de 2012.

  • s bssolas: Antnio, Clarete, Pedro Henrique e Joo Paulo.

  • AGRADECIMENTOS

    Por mais que uma dissertao seja um trabalho artesanal, solitrio e construdo aos

    poucos, vrias pessoas fizeram com que meu problema de pesquisa se tornasse mais brando.

    Agradeo ao Dr. Paulo Melgao Valadares e a Dra. Ana Karine por no serem

    somente mdicos, como tambm amigos, cuidando de mim de forma muito afetuosa.

    Agradeo tambm aos enfermeiros do Ncleo de Hematologia e Transplante de Medula ssea

    por toda ateno desprendida.

    Tia Lu, obrigada por me ensinar a ler e escrever.

    Mestre Eduardo Cerqueira Batitucci, orientador, que acreditou que essa discusso

    terica teria xito. Creio que sem seu apoio, principalmente nos meus momentos de devaneio

    completo e de bloqueio argumentativo essas pginas no estariam nas mos do leitor. O

    senhor se mostrou disposto, sereno e com um sorriso divertido que me faz acreditar que o

    difcil caminho da academia vale a pena. Obrigada por me deixar apaixonar por sua

    intelectualidade. Ao professor Marcos Luiz Bretas que gentilmente aceitou o pedido de

    compor a minha banca de defesa.

    Mestre Marcus Vinicius Gonalves Cruz que jamais caberia o ttulo de co-orientador,

    seno para cumprimento de formalidades. O senhor disponibilizou a minha primeira chance

    de conhecer melhor o universo acadmico que discute a segurana pblica, despertando em

    mim a curiosidade inerente a um pesquisador. Tentei ao mximo alcanar a excelncia. Em

    conjunto com o Eduardo mostrou-me exatamente o tipo de profissional que pretendo ser.

    Claro que toda a equipe do Ncleo de Estudos em Segurana Pblica da Fundao

    Joo Pinheiro colaborou nesses dois anos com o meu crescimento acadmico e profissional.

    Agradeo a Isabelle Ali Ganem e a Marianna Victoria pela disposio em ajudar a organizar

    os dados desta pesquisa. Agradeo imensamente aos membros do NESP, principalmente nos

    momentos em que fui advertida. Isto me fez amadurecer profissionalmente.

    Aqueles na Prefeitura de Belo Horizonte, na Guarda Municipal de Belo Horizonte e na

    Secretaria Municipal de Segurana Urbana e Patrimonial que concederam entrevistas e dados

    importantes que valorizaram este trabalho.

    Aos amigos presentes e cientes das minhas expectativas acerca desta dissertao.

    Aos companheiros que conheci na Secretaria de Estado de Planejamento e Gesto de

    Minas Gerais que valorizam, assim como eu, a habilidade de questionar, ler e escrever.

  • Parafraseando Sabino, "de tudo, ficaram trs coisas: a certeza de que estava sempre

    comeando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes

    de terminar. Fazer da interrupo um caminho novo. Fazer da queda um passo de dana, do

    medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro." O Linfoma de Hodgkim fez

    com que eu interrompesse uma lgica, todavia, agora uma nova dana e outro jeito de olhar

    para a vida.

  • O perodo de sua recuperao determinado pela extenso de seus ferimentos.A vida a coisa mais frgil, instvel e imprevisvel que existe. (GREY'S ANATOMY, 2009, 6 a temporada, traduo nossa)

  • RESUMO

    Tendo como pano de fundo o debate acerca do federalismo brasileiro, este trabalho

    tem por objetivo discutir a conformao e atuao das Guardas Municipais no pas, no mbito

    da poltica de segurana pblica proposta pela Unio e, em carter especfico, como a Guarda

    Municipal de Belo Horizonte se insere neste debate. A hiptese que norteia este trabalho de

    que o provimento de segurana, por meio das Guardas Municipais, tanto em mbito nacional

    como no municpio de Belo Horizonte, ainda no uma ao uniforme e depende,

    principalmente, da vontade do Executivo local e das demandas presentes em cada municpio.

    Para tanto, o arcabouo terico deste trabalho discute federalismo, descentralizao, poltica

    pblica de segurana e Guardas Municipais. Como mtodo para alcanar este objetivo, alm

    do levantamento bibliogrfico, realizou-se entrevistas estruturadas junto aos gestores e

    guardas municipais que atuam na Guarda Municipal de Belo Horizonte e utilizou-se de dados

    secundrios para i) analisar a disperso das Guardas Municipais pelas regies da federao e

    tambm por populao, a fim de caracterizar e analisar o treinamento recebido, tipo de arma

    utilizada e formao do comandante e ii) analisar as intervenes realizadas pela Guarda

    Municipal de Belo Horizonte. Conclui-se que, mesmo com incentivos positivos e negativos

    propostos pela Unio, a atuao da Guarda Municipal bastante descontnua e heterognea no

    territrio nacional dependendo da iniciativa do prefeito em instituir e avanar com esta

    poltica de segurana no mbito municipal. A Guarda Municipal de Belo Horizonte segue o

    panorama nacional e possui um papel secundrio, devido inexistncia de uma demanda

    prpria, atuando em funo de uma parceria, principalmente, com a Polcia Militar do Estado

    de Minas Gerais, em carter preventivo, dentro dos equipamentos municipais.

    Palavras-chave: Federalismo brasileiro. Poltica pblica de segurana. Guarda Municipal.

  • ABSTRACT

    Having the backdrop of the debate about the Brazilian federalism, this paper discuss

    the conformation and activity of the Municipal Guards in the country, in terms the public

    security policy proposed by the Union, and in specific character as the Municipal Guard of

    Belo Horizonte falls in this debate. The hypothesis that guides this it's that the provision of

    security, through the Municipal Guards, both nationally and in Belo Horizonte, is not an

    uniform action and mainly depends on the will of the local Executive and demands present in

    each municipality. The theoretical framework of this paper discusses federalism,

    decentralization, public security policy and Municipal Guards. As a method to achieve this

    goal, besides the literature review was conducted structured interviews with the managers and

    municipal guards who work in the Guard of Belo Horizonte and used secondary data to i)

    analyze the dispersion of the regions of the Municipal Guards federation and also by

    population, in order to characterize and analyze the training received, type of weapon used

    and the training commander and ii) analyze the interventions by the Municipal Guard of Belo

    Horizonte. The conclusion is that, even with positive and negative incentives proposed by the

    Union, the role of the Municipal Guard is quite discontinuous and heterogeneous in the

    country depending on the initiative of the mayor to institute and proceedwith this security

    policy at the municipal level. The Guard of Belo Horizonte follows the national scene and has

    a secondary role due to the absence of a demand itself, acting on the basis of a partnership

    mainly with the Military Police of Minas Gerais, in preventive, within the municipal services.

    Keywords: Brazilian federalism.Public security policy. Municipal guard.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 - Organograma da Secretaria Municipal Extraordinria para Assuntos de Segurana

    Urbana 106

    Figura 2 - Organograma da Secretaria Municipal de Segurana Urbana e Patrimonial 110

    Figura 3 - Organograma da Guarda Municipal de Belo Horizonte 115

    Figura 4 - Organograma da Corregedoria da Guarda Municipal de Belo Horizonte 116

    Figura 5 - Organograma da Coordenadoria Municipal de Defesa Civil 117

  • LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1 - Percentual de Municpios que Possuem e que No Possuem Guarda Municipal -

    2009 82

    Grfico 2 - Distribuio da Guarda Municipal por Regies da Federao - 2009 83

    Grfico 3- Distribuio da Guarda Municipal por Classe Populacional - 2009 86

    Grfico 4 - Comparativo da Periodicidade do Treinamento da Guarda Municipal por Regies

    da Federao e Minas Gerais - 2009 88

    Grfico 5 - Comparativo das Guardas Municipais que Recebem Treinamento por Regies da

    Federao e Classe Populacional - 2009 89

    Grfico 6 - Comparativo da Formao do Comandante da Guarda Municipal nas Regies da

    Federao e Minas Gerais - 2009 92

    Grfico 7 - Comparativo sobre o Tipo de Arma Utilizada pela Guarda Municipal nas Regies

    da Federao e Minas Gerais - 2009 94

    Grfico 8 - Distribuio da Guarda Municipal por Regies de Planejamento do Estado de

    Minas Gerais - 2009 96

    Grfico 9 - Nmero de Intervenes Realizadas pela GMBH por Regionais Administrativas -

    Belo Horizonte - jan2008/jun2011 130

    Grfico 10 -Nmero de Intervenes Realizadas pela GMBH por Tipo de Prprio - Belo

    Horizonte - jan2008/jun2011 131

    Grfico 11 - Nmero de Intervenes Realizadas pela GMBH por Classificao - Belo

    Horizonte - jan2008/jun2011 133

    Grfico 12 - Nmero de Intervenes Realizadas pela GMBH na Classificao Apoio

    Comunitrio - Belo Horizonte - jan2008/jun2011 134

    Grfico 13 - Nmero de Intervenes Realizadas pela GMBH na Classificao Intervenes

    Referentes Pessoa - Belo Horizonte - jan2008/jun2011 136

    Grfico 14 - Nmero de Intervenes Realizadas pela GMBH na Classificao Intervenes

    Referentes ao Patrimnio - Belo Horizonte - jan2008/jun2011 137

    Grfico 15 - Nmero de Intervenes Realizadas pela GMBH na Classificao Intervenes

    Referentes ao Costume - Belo Horizonte - jan2008/jun2011 138

    Grfico 16 - Nmero de Intervenes Realizadas pela GMBH na Classificao Intervenes

    Referentes ao Trnsito - Belo Horizonte - jan2008/jun2011 139

  • Grfico 17 - Nmero de Intervenes Realizadas pela GMBH na Classificao Intervenes

    Referentes a Drogas - Belo Horizonte - jan2008/jun2011 140

    Grfico 18 - Nmero de Intervenes Realizadas pela GMBH na Classificao Intervenes

    Diversas - Belo Horizonte - jan2008/jun2011 142

  • LISTA DE MAPAS

    Mapa 1 - Guardas Municipais Presentes nas Regies de Planejamento do Estado de Minas

    Gerais - 2009 97

    Mapa 2 - Prprios Municipais Presentes no Municpio de Belo Horizonte por Regional

    Administrativa - 2012 124

    Mapa 3 - Prprios Municipais no Municpio de Belo Horizonte com presena constante da

    GMBH - 2012 125

    Mapa 4 - Distribuio do Efetivo da GMBH por Regional Administrativa no municpio de

    Belo Horizonte - 2012 126

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 - Projetos de Lei a respeito da Guarda Municipal em Tramitao na Cmara dos

    Deputados 54

    Quadro 2 - Programas e Projetos da Secretaria Municipal de Segurana Urbana e Patrimonial

    (SMSEG)/ Guarda Municipal de Belo Horizonte (GMBH) 145

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Ranking dos Estados Brasileiros X Presena de Guarda Municipal - Brasil - 2009

    85

    Tabela 2 - Ranking dos Estados Brasileiros X Guarda Municipal no Treinada ou Capacitada

    - Brasil - 2009 90

    Tabela 3 - Caracterizao dos Municpios Mineiros que Possuem Guarda Municipal: Regio

    de Planejamento e Populao - Minas Gerais - 2010 98

    Tabela 4 - Percentual de Atividades Exercidas pela Guarda Municipal por Unidade da

    Federao - Brasil e Minas Gerais - 2009 101

    Tabela 5 - Proporo de Prprios Ocupados pela GMBH por Regional Administrativa - Belo

    Horizonte - 2012 119

    Tabela 6 - Distribuio do Efetivo Operacional de Controle Centralizado da GMBH - Belo

    Horizonte - 2012 121

    Tabela 7 - Distribuio do Efetivo no Setor Administrativo da GMBH - Belo Horizonte -

    2012 121

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    AISPs - reas Integradas de Segurana Pblica

    Batalho ROTAM - Batalho de Rondas Tticas Metropolitanas

    BI - Boletim de Interveno

    CAC - Centro de Apoio Comunitrio

    CECOGE - Central de Coordenao Geral

    CETRAN - Central de Trnsito

    CERSAM - Centro de Referncia em Sade Mental

    CF - Constituio Federal

    COMDEC - Coordenao de Defesa Civil

    CONSEP - Conselhos de Segurana Pblica

    FISCOPE - Fiscalizao Operacional Motorizada em Quatro Rodas

    FISCOPE Mtz - Fiscalizao Operacional Motorizada em Duas Rodas

    FPE - Fundo de Participao dos Estados

    FPM - Fundo de Participao dos Municpios

    GEAF - Gerncia Administrativo Financeira

    GECOP - Gerncia de Coordenao Operacional

    GEESP - Grupo de Emprego Especial

    GEINT - Gerncia de Inteligncia

    GEOP - Gerncia de Execuo Operacional

    GERHU - Gerncia de Recursos Humanos

    GESGE - Gerncia de Servios Gerais

    GESUR - Gerncia de Suporte Regional

    GGI - Gabinete de Gesto Integrada

    GGIM - Gabinete de Gesto Integrada Municipal

    GM - Guarda Municipal

    GMBH - Guarda Municipal de Belo Horizonte

    GPCS - Grupo Preveno contra Sinistro

    GPEGM - Grupo de Pronto Emprego

    GPI - Grupo Preveno de Invaso em reas Pblicas

    IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    MJ - Ministrio da Justia

  • PBH - Prefeitura de Belo Horizonte

    PL - Projeto de Lei

    PM - Polcia Militar

    PNUD - Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento

    Pronasci - Programa Nacional de Segurana Pblica com Cidadania

    Senasp - Secretaria Nacional de Segurana Pblica

    SCOMSEG - Secretaria Municipal Extraordinria para assuntos de Segurana Urbana

    SINESP - Sistema Nacional de Informaes de Segurana Pblica, Prisionais e sobre Drogas

    SMSEG - Secretaria Municipal de Segurana Urbana e Patrimonial

    SUSP - Sistema nico de Segurana Pblica

    UMEI - Unidade Municipal de Educao Infantil

    UPA - Unidade de Pronto Atendimento

  • SUMRIO

    4 METODOLOGIA 74 4.1 Sobre o mtodo adotado 74 4.1.1 Sobre os meios: reviso bibliogrfica e pesquisa documental 75 4.1.2 Sobre os meios: compilao de dados secundrios 76 4.1.3 Sobre os meios: entrevistas estruturadas 77

    5 GUARDAS MUNICIPAIS CRIADAS DE FORMAS DIVERSAS EM CONTEXTOS DIVERSOS 80 5.1 Prembulo 80 5.2 Comparativo acerca das Guardas Municipais 81 5.2.1 Percentual de municpios brasileiros que possuem GM 81 5.2.2 Distribuio da GM por regies da federao 83 5.2.3 Distribuio da GM pela populao dos municpios da federao 86 5.2.4 Sobre o treinamento das GM. 87 5.2.5 Sobre a formao dos comandantes das GM 91 5.2.6 Sobre o tipo de armamento utilizado pelas GM. 93 5.2.7 Distribuio da GM em Minas Gerais 95

    6 UMA INSTITUIO EM ESPECFICO: A GUARDA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE 104 6.1 Prembulo 104 6.2 A Guarda Municipal de Belo Horizonte 105 6.2.1 A gesto da poltica pblica de segurana no municpio de Belo Horizonte 105 6.2.2 Distribuio no territrio 118 6.2.3 Projetos propostos pela Guarda Municipal de Belo Horizonte 143

    7 CONSIDERAES FINAIS 156

    1 INTRODUO 20

    2 O SISTEMA FEDERALISTA: UM MECANISMO DE ORGANIZAO DAS RELAES DE PODER 26 2.1 Prembulo 26 2.2 Um debate terico acerca do Sistema Federalista 27 2.3 Consideraes acerca do federalismo brasileiro 33 2.4 Consideraes a respeito da descentralizao de polticas pblicas 37

    3 OS MUNICPIOS BRASILEIROS E A CRIMINALIDADE 48 3.1 Prembulo 48 3.2 O aparato que regulamenta o provimento de segurana pblica 50 3.2.1 Incentivos positivos e negativos para o provimento de segurana na esfera estadual e municipal 50 3.2.2 Demais iniciativas para provimento da segurana nos municpios 58 3.3 A ordem pblica municipal como bem pblico 65 3.3.1 Por que se discute segurana no mbito local? 65 3.3.2 Capilaridade por meio das Guardas Municipais 71

  • REFERNCIAS 159

    ANEXOS 169 ANEXO A - ARTIGOS 21 A 25 DA CONSTITUIO DA REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL 169 ANEXO B - ARTIGOS 153 A 159 DA CONSTITUIO DA REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL 172 ANEXO C - PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUIO N534/2002 177 ANEXO D - BOLETIM DE INTERVENO DA GUARDA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE 178 ANEXO E - TRECHOS DA CARTILHA "EDUCAO PARA SEGURANA PESSOAL" 182 ANEXO F - TRECHOS DA CARTILHA "PROGRAMA ULISSES: BUSCA DE PESSOAS DESAPARECIDAS" 184

  • 1 INTRODUO

    Para compreender o sistema federalista, as descentralizaes que da ocorrem, e a sua

    influncia na gesto da poltica pblica de segurana, destacando a atuao do nvel municipal

    de governo, faz-se necessrio ressaltar as caractersticas institucionais referentes a esse tipo de

    organizao.

    Em primeiro lugar, talcomo Horta (2003) e Soares (2012) afirmam, o Estado Federal

    uma das formas de organizao poltica do Estado, ou seja, uma forma de estruturar

    espacialmente as relaes de poder do Estado nacional. Como requisitos para o Estado

    Federal temos que o "Estado Federal criao jurdico-poltica e pressupe na sua origem a

    existncia da Constituio Federal para institu-lo" (HORTA, 2003 p.305). Afirmam ainda,

    que o Estado Federal necessita de poderes Legislativo, Executivo e Judicirio no mbito da

    Unio e tambm dos entes subnacionais, alm das divises fiscais e administrativas para cada

    nvel de governo. Por fim, enumeram a representao das subunidades nacionais por meio do

    sistema legislativo bicameral, e da existncia de uma Corte Suprema de Justia, com o

    objetivo de regular possveis conflitos federativos (SOARES, 2012).

    O conceito de federalismo est eminentemente ligado ideia de descentralizao. A

    organizao poltico-territorial do Pas - federalista - pressupe um compartilhamento de

    poder em formato matricial e no piramidal fazendo com que a Unio compartilhe a soberania

    dando autonomia aos governos subnacionais e que polticas pblicas sejam desenhadas de

    forma a contemplar as heterogeneidades do territrio. Se o Estado tende a centralizar

    demasiadamente determinadas polticas, o controle relativo ao desempenho e a eficincia das

    polticas em nvel local pode ser comprometido (ABRUCIO, 2006).

    Sabe-se que a estrutura institucional do Sistema de Proteo Social brasileiro que

    agrega as polticas de previdncia, sade e assistncia social vem, nos ltimos anos, sendo

    redesenhada para melhor considerar a complexidade da federao brasileira, na perspectiva da

    integrao, intersetorialidade e descentralizao. Deste modo, possvel considerar que tal

    redesenho influencie, tambm, no processo descentralizador da poltica pblica de segurana,

    na busca por atender de forma mais eficaz as demandas locais, tal como ocorre nas polticas

    de proteo j citadas.

    Neste sentido, possvel observar que em algumas cidades brasileiras, a percepo

    social da sensao de segurana tem diminudo ano aps ano 1. Desta forma, a implementao

    Sensao subjetiva do indivduo acerca do seu risco de ser vitimado.

    20

  • de polticas pblicas de segurana na esfera local tornou-se pauta emergente na agenda

    pblica, o que gera um aumento na proviso de servios nesta rea. Neste trabalho, entende-se

    por segurana pblica a capacidade do Estado em preservar a ordem pblica, para que se

    garantam os direitos fundamentais, individuais e coletivos da pessoa humana, de forma

    sistmica e preventiva e no nica e exclusivamente por meio da manuteno e aparelhamento

    das polcias, tal como se encontra disposto nos termos da diretriz que estabelece o Sistema

    nico de Segurana Pblica (SUSP).

    Por isso, no h qualquer possibilidade de se pensar "Segurana Pblica" no mundo moderno se continuamos lidando, isoladamente, com o trabalho policial e se concentramos nele todos os investimentos e toda a expectativa por resultados. As polcias so e continuaro sendo muito importantes para a Segurana Pblica. dever da Unio e dos Estados aperfeio-las e capacit-las para que estejam altura de sua misso de fazer cumprir a Lei e dever dos cidados colaborar ativamente com as foras policiais de forma a torn-las mais eficientes. Ocorre que uma poltica de segurana deve envolver tambm outras agncias, pblicas e privadas, capazes de desenvolver e apoiar polticas da preveno. Assim, preciso estruturar uma atividade em rede, que envolva as polcias e muitas outras instituies em um trabalho racional, no qual o esforo de cada um possa complementar o esforo dos demais e no concorrer com ele. Um trabalho onde, ao mesmo tempo, as comunidades desempenhem um verdadeiro protagonismo (BRASIL, 2005a, p.08).

    Entende-se por preveno o resultado de polticas, programas e/ou aes de reduo

    do crime e da violncia e/ou seu impacto sobre os indivduos e a sociedade, atuando sobre os

    fatores de risco e os fatores de proteo que afetam a incidncia do crime e da violncia e seu

    impacto sobre os indivduos, famlias, grupos e comunidades, e sobre a vulnerabilidade dos

    indivduos diante do crime e da violncia (BRASIL, 2005a).

    J a poltica de segurana pblica compreendida como uma ao intersetorial de

    responsabilidade do Estado visto como ator que articula, coordena e acompanha as aes

    necessrias para a implantao coerente da poltica nos entes federados, que devem possuir

    rgos capazes de

    a) respeitar os direitos fundamentais;

    b) proteger os direitos humanos;

    c) resolver pacificamente os conflitos;

    d) usar, proporcionalmente a fora que lhe cabe;

    e) prevenir e reprimir infraes;

    f) prevenir desastres e

    21

  • g) participar comunitariamente tal como exposto nos art. 2, 3 e 4 do Projeto de

    Lei (PL) que disciplina a organizao e o funcionamento dos rgos responsveis

    pela segurana pblica nos termos do mesmo Projeto de Lei que cria o SUSP.

    A criao das Guardas Municipais (GM), por exemplo, uma ao dentre outras que a

    poltica de segurana prope, seguindo um processo de descentralizao, que prev maior

    autonomia aos municpios na atuao em segurana pblica. Nesse sentido, a questo da

    descentralizao nessa poltica para o nvel local ganha fora, na medida em que algumas

    prefeituras assumem um papel ativo no provimento de servios em segurana pblica por

    meio da institucionalizao deste equipamento pblico.

    A questo da dificuldade por parte da Unio em gerirmacro diretrizes voltadas para a

    atuao das GM, e o fato delas dividirem espacialmente o campo de atuao com a polcia

    militar, facilitando a ocorrncia de sobreposies de aes, so conjunturas que nortearam a

    questo orientadora desse estudo: a atuao da Guarda Municipal (GM) no contexto de

    descentralizao da poltica pblica de segurana, em especial da Guarda Municipal de Belo

    Horizonte (GMBH). O objetivo geral, portanto, observar se esta atuao est em

    conformidade com a poltica de segurana pblica proposta pela Unio por meio do

    Ministrio da Justia (MJ), ou se esta uma iniciativa de cunho local e desconectada da

    poltica nacional.

    Pretende-se alcanar tal objetivo por meio da descrio dos principais aspectos que

    formam as GM existentes e as intervenes realizadas pela GMBH e caracterizar como o

    pacto federativo considerado na gesto da poltica pblica de segurana municipal, em

    especfico, na criao de Guardas Municipais. A proposta desta anlise no pretende explicar

    o porqu da atuao de algumas prefeituras, mas sim, demonstrar como estruturam as relaes

    intergovernamentais quando a pauta na agenda a poltica de segurana pblica, destacando

    como os municpios se inserem nessa dinmica.

    A participao executiva do municpio na segurana pblica no possua contornos

    bem definidos e at meados dos anos 2000, a Constituio era interpretada de forma a

    considerar a segurana pblica como de responsabilidade do governo estadual, o que, em

    certa medida, favorecia um comportamento ausente dos municpios, fazendo com que as duas

    polcias estaduais - civil e militar - atuassem no mbito municipal atendendo ocorrncias de

    variadas complexidades. Nesse sentido, nota-se um problema institucional colocado para a

    tica do federalismo, que seria a ausncia de um lugar prprio ao municpio, para o exerccio

    22

  • de algum tipo de atividade voltada ao controle social, uma vez que, at o momento, este nunca

    respondeu diretamente a respeito da segurana pblica municipal.

    O foco deste trabalho, portanto, a Guarda Municipal de Belo Horizonte. Tal enfoque

    se justifica porque, a Guarda Municipal a denominao utilizada para nomear a instituio

    que deve proteger os bens, servios e instalaes pblicas presentes no municpio. Entretanto,

    a GMBH vem trabalhando de uma forma bastante ampla, tanto cumprindo o seu papel de

    "vigilante" do patrimnio pblico municipal, como tambm cumprindo o papel de polcia

    ostensiva, patrulhando praas e ruas da capital.

    Diante deste cenrio, temos os pressupostos que norteiam essa pesquisa:

    a) a criao das Guardas Municipais nos municpios aqui considerada uma iniciativa

    ainda individualizada, com quadro de atuao municipal bastante heterogneo, sendo

    que a proposta de criao e atuao desta instituio, apresentada pela Unio, ainda

    recente e distinta daquela realizada na prtica. Tal atuao heterognea se expande em

    um contexto em que as prefeituras procuram construir Guardas Municipais na

    tentativa de criar maior governana sobre a segurana pblica em dar respostas a

    problemas que at ento no eram compreendidos como de sua responsabilidade, mas

    que cada vez mais so demandados pela populao local.

    b) devido ao da Prefeitura de Belo Horizonte no que tange a revitalizao de reas

    estratgicas da cidade e o crescente problema do trnsito na capital mineira, a GMBH

    tornou-se um instrumento de gesto destes espaos, ou seja, a GMBH foi pensada no

    momento da sua criao como um aparato atravs do qual cria-se maior governana

    sobre a capacidade da prefeitura mineira de dar respostas a problemas que at ento

    no eram compreendidos como de sua responsabilidade.

    Para alcanar o objetivo da pesquisa, realizou-se levantamento bibliogrfico que

    envolveu os temas: federalismo, descentralizao e poltica de segurana pblica e Guardas

    Municipais, alm da manipulao de dados secundrios que abordam caractersticas de

    atuao e composio das Guardas Municipais no Pas na tentativa de realizar um breve

    comparativo entre as regies da federao e os estados que possuem Guarda Municipal, como

    tambm a manipulao de dados secundrios acerca das intervenes realizadas pela GMBH.

    Um levantamento documental acerca da institucionalizao das GM no Brasil e em

    especfico da GMBH foi realizado paralelamente s entrevistas realizadas junto a Prefeitura

    23

  • de Belo Horizonte, ao Comando da GMBH e aos guardas municipais de Belo Horizonte na

    tentativa de abordar como a GMBH se insere na poltica proposta pela Unio.

    O que justifica, primeiramente, esta produo de conhecimento o fato de que a

    segurana pblica, na contemporaneidade, tornou-se pauta frequente e prioritria na agenda

    governamental devido, principalmente, ao aumento da criminalidade, fazendo com que o

    prprio sistema de segurana pblica tornasse o protagonista do debate j que o mesmo foi

    alvo de crticas que afirmavam ser este ineficiente e ineficaz. Este contexto passou a

    influenciar diretamente as propostas de descentralizao das polticas de segurana pblica:

    Municipalizar as polticas de segurana pblica implicaria, a princpio, a descentralizao do poder institucional de tomada de deciso relativo a esse assunto, o que, obviamente, pressupe o fato de que tais polticas estariam tradicionalmente legadas s esferas estadual e federal (VERSSIMO, 2009, p.80).

    A prpria Constituio de 1988, em seu artigo 144, no trecho referente segurana

    estabelece a possibilidade dos municpios, organizarem-se, por meio das GM mesmo sendo

    este um espao em que a gesto local pouco se inseria(BRASIL, 1988).

    O surgimento das Guardas Municipais , em certa medida, contemporneo

    construo de um clima poltico favorvel. Neste ponto, vale mencionar as aes do

    Programa Nacional de Segurana Pblica com Cidadania (Pronasci) que incentivam

    municpios brasileiros a atuarem de forma mais intensa no que tange segurana pblica, j

    que este um programa especfico do governo federal que disponibiliza recursos via Fundo

    Nacional de Segurana Pblica para que os municpios liderem aes nesta rea.

    A escolha do tema e alguns dados mobilizados neste trabalho esto alicerados nas

    atividades realizadas pela aluna junto ao Ncleo de Estudos em Segurana Pblica da

    Fundao Joo Pinheiro e, em especial, na participao da autora na pesquisa contratada pelo

    Banco Mundial intitulada Building Evidence-based Crime and Violence Prevention in Brazil

    - case of Minas Gerais.

    Diante do exposto, o presente trabalho est estruturado em sete captulos. O primeiro

    captulo compreende a Introduo, em que foi delimitado os objetivos e a justificativa do

    assunto proposto.

    O segundo captulo, de carter terico, apresenta o conceito de federalismo na

    tentativa de compreender como organizam-se as relaes de poder e as conexes que da

    existem - descentralizao e democracia - alm de explanar acerca do federalismo brasileiro.

    Diante do impacto da estrutura da relao federativa nacional nas polticas pblicas

    24

  • estratgicas, sendo a poltica de segurana uma dessas, o terceiro captulo apresenta uma

    discusso sobre como o municpio se insere na poltica pblica de segurana apresentando a

    estrutura regulatria existente para a institucionalizao das Guardas Municipais.

    J o quarto captulo apresenta a metodologia desta pesquisa, enquanto que o quinto

    captulo demonstra, por meio de dados secundrios, que os governos municipais desenvolvem

    aes de preveno ao crime e da melhoria da sensao de segurana, por meio da Guarda

    Municipal, todavia estas ainda esto distantes das macrodiretrizes propostas pela Unio por

    meio do Ministrio da Justia. O sexto captulo apresenta em especfico o caso da Guarda

    Municipal de Belo Horizonte. No stimo captulo, tem-se as consideraes finais desta

    pesquisa.

    Por fim, vale ressaltar que estudos sobre a segurana pblica em mbito municipal so

    importantes para valorizar a atuao local em uma poltica que deve envolver atores diversos,

    principalmente os entes federados de forma coordenada Assim, o ente local tem um papel

    importante nesta dinmica, devendo ser "comprometido com uma agenda de preveno e

    controle da violncia que condio sine qua non para o enfrentamento de um determinado

    tipo de violncia e criminalidade cotidiana, ao mesmo tempo localizada e difusa, que assola

    grande parte das cidades brasileiras" (RICARDO; CARUSO, 2007, p.104).

    25

  • 2O SISTEMA FEDERALISTA: UM MECANISMO DE ORGANIZAO DAS

    RELAES DE PODER

    "Se os homens fossem anjos, no seria necessrio haver governos. " Limongi (2005)

    2.1 Prembulo

    Para compreender como ocorrem as relaes polticas, e a forma como determinadas

    polticas pblicas esto dispostas no territrio brasileiro, faz-se necessrio compreender a

    lgica que est por trs desse formato. Esta afirmao o norte para entender, nos prximos

    captulos, como foi pensada a poltica de segurana pblica para que esta conseguisse

    alcanar todos os beneficirios. No presente captulo, nos concentraremos em apontar o

    debate terico acerca do federalismo e as conexes que da decorrem - descentralizao e

    democracia - e a partir da caracterizar o sistema brasileiro, para depois apontar a atuao dos

    governos locais quando se trata da segurana dos muncipes.

    A questo da competncia decisria dada aos municpios no momento de gerir

    algumas polticas pblicas de segurana no contexto federativo nacional ainda bastante

    questionada, sendo um desses o formato que foi estabelecido para que o municpio se tornasse

    um ator relevante na discusso: a implementao de Guardas Municipais, iniciativa esta com

    demasiada peculiaridade. Apesar dos questionamentos, quando o governo federal negocia

    com os demais governos subnacionais os dilemas que so de carter nacional, tal ao

    demonstra o fortalecimento da democracia j que "os governos locais, deixam de ser meros

    objetos do Governo Federal se tornando sujeitos da mudana" (BROSE, 2002, p.99).

    Cabe reforar que a literatura especializada afirma ser melhor a descentralizao das

    competncias, mesmo quando esta no ocorre em sua plenitude. Mesmo possuindo requisitos

    mnimos para atuar, previstos em regimes de carter democrtico, a descentralizao acaba

    ocorrendo de forma aleatria (ou at mesmo no ocorrendo, como foi o caso da 1 Repblica)

    e os governos locais ainda possuem srios desvios que ainda no foram necessariamente

    solucionados mantendo, portanto, a Unio como o ator capaz de centralizar algumas decises

    e formular polticas (PRATES, 2007).

    A raiz dessa discussose encontra na Teoria Poltica clssica e nas discusses acerca

    do sistema federalista brasileiro, compreendido aqui como alicerce para abordar o todo e as

    especificidades do tema. Desse modo, tenta-se explanar acerca do sistema federalista e como

    26

  • a experincia federativa brasileira que possui uma complexa representao institucional, que

    ser aqui considerada.

    2.2 Um debate terico acerca do Sistema Federalista

    As relaes sociais ocorrem por meio de relaes de poder e, conforme Daniel Elazar

    (1994) "o federalismo , em todos os casos, um meio de organizar o poder e as relaes que

    dele emanam" (ELAZAR, 1994, p.17). Valeriano Costa (2007) conceitua federalismo

    distinguindo-o de duas formas: primeiro, trata-o como uma ideologia poltica, uma traduo

    de um "conjunto de ideias sobre como governar um Estado, [...] descentralizando o poder em

    Estados centralizados" (COSTA, 2007, p.211). Costa (2007) afirma que o conceito em carter

    ideolgico, parte do federalismo norte-americano, que estabelece uma forma de organizao

    poltica que centraliza, em parte, o poder num Estado resultante da unio de unidades polticas

    preexistentes. A segunda forma, compreendida a partir de uma perspectiva mais prtica,

    considera o federalismo a partir de um conjunto de normas que estabelecem a forma como o

    Estado ser governado. De acordo com o autor, "constituies e a legislao ordinria de cada

    estado federal so elementos importantes para identificar a forma de organizao federativa

    vigente em cada pas" (COSTA, 2007, p.211).

    Em carter histrico, pode-se afirmar que a federao moderna nasceu nos Estados

    Unidos em 1787, sendo que uma das obras de referncia O Federalista, um conjunto

    ensaios explicativos e propagandas em defesa da adoo desta nova forma de Estado na

    Constituio de 1787 (ELAZAR, 1994; LIMONGI, 2005). O federalismo seria a melhor

    alternativa recm-criada e instvel Confederao norte-americana, surgida em 1777, aps a

    proclamao da independncia das 13 colnias da Inglaterra (ELAZAR, 1994; SOARES,

    2012).

    Diante do exposto, pode-se observar o quo importante foi a mudana poltica

    proposta, j que

    o estado unitrio significava realmente uma grande concentrao de poder nas mos dos governadores; por sua vez, as confederaes representavam uma falsa alternativa de organizao poltica, pois as unidades territoriais originais preservavam sua soberania e, portanto, tinham o direito de romper o pacto a qualquer momento (COSTA, 2007, p.212).

    Soares (1998) reitera a origem da federao moderna ligada formao do Estado

    norte-americano, na tentativa de sanar problemas existentes devido unificao das treze

    27

  • colnias inglesas independentes. Segundo a autora, o sistema federal surgiu como um

    conjunto de preceitos constitucionais acordados entre foras divergentes no duplo intuito de

    estabelecer a unidade nacional das treze colnias inglesas independentes e garantir a

    autonomia poltica dessas colnias.

    Diante das dificuldades advindas da busca por conciliar estes dois propsitos, unidade

    nacional e autonomia subnacional, Limongi (2005) afirma que os autores de O Federalista

    encontraram a soluo a partir da afirmao de que preciso institucionalizar mecanismos de

    autoridade que controlem aqueles que detm o poder, ou seja, "as estruturas internas do

    governo devem ser estabelecidas de tal forma que funcionem como uma defesa contra a

    tendncia natural de que o poder venha a se tornar arbitrrio e tirnico" (LIMONGI, 2005,

    p.251).

    Tais estruturas internas so classificadas como "pesos" e "contrapesos" institucionais,

    aproximando esta colocao da discusso proposta por Montesquieu e a Teoria da Separao

    dos Poderes. Deste modo, Limongi (2005) afirma que "os diferentes ramos de poder precisam

    ser dotados de fora suficiente para resistir s ameaas uns dos outros, garantindo que cada

    um se mantenha dentro dos limites fixados constitucionalmente" (LIMONGI, 2005, p.251).

    Ao encontro das afirmaes acima Costa expe:

    A grande originalidade do modelo proposto pelos autores d 'O "Federalista" foi a combinao do princpio da representao popular com uma dupla diviso do poder. De um lado, dividiram o poder entre trs rgos independentes: os Poderes Executivo, Legislativo e Judicirio [...] do outro lado, distriburam as responsabilidades de governo entre a Unio e os estados de forma que nenhum deles pudesse interferir nas tarefas do outro sem autorizao poltica ou judicial (COSTA, 2007, p.212).

    O federalismo moderno, portanto, pode ser definido como uma organizao do Estado

    marcada pela dupla autonomia territorial do poder poltico, ou seja, no qual h duas esferas de

    governo, uma central e outra descentralizada, esta ltima composta por governos-membro,

    que possuem competncias nicas e concorrentes dentro do mesmo territrio (SOARES,

    1998). Sob esta perspectiva, o Brasil atual pode ser considerado federalista tendo os estados e

    os municpios como nveis descentralizados de poder.

    Daniel Elazar (1994) explana que o conceito de federalismo destinado a um sistema

    poltico descentralizado, sendo uma das formas mais conhecidas de organizao poltica, s

    vezes confundida com as confederaes. Estas so comunidades polticas unidas para alcanar

    objetivos bem delimitados, cujo governo funciona fundamentalmente por intermdio das

    mesmas comunidades constituintes que asseguravam sua existncia como tal e, detm a

    28

  • soberania em ltima instncia. Entre os sculos XIX e XX, devido emergncia da ideia de

    Estado-Nao e tambm devido necessidade de atender as demandas por unificao de

    autoridade, a ideia de confederao foi extinguindo-se, retornando aos debates aps a II

    Guerra Mundial com as iniciativas de formalizar a chamada Comunidade Europia.

    Elazar (1994) elucida a existncia de alguns princpios fundamentais para que um

    sistema seja caracterizado como federalista. O primeiro princpio a no-centralizao. Este

    princpio prope a existncia de mltiplos centros que se ligam por meio de uma rede

    comunicacional e uma lei compartilhada, gerando assim um carter matricial ao sistema

    poltico. Essa forma, ao contrrio da forma "piramidal" ou de carter "centro-periferia", no

    classificada como hierrquica e permite a aproximao do poder dos cidados. O segundo

    princpio relativo democracia federal, que pressupe para todas as esferas escolhas

    pblicas e constitucionais. O terceiro princpio seria o que determina os pesos e contrapesos.

    Tal princpio supe que em que cada esfera h uma previso constitucional que estabelece a

    presena de uma instituio provida de poder para monitorar enquanto monitorada por outra

    de forma mtua. J o quarto princpio relativo negociao aberta, no restringindo as

    decises s instituies e seus representantes. O quinto princpio se refere ao

    constitucionalismo que devido a

    complexidade do estabelecimento da no-centralizao, dos pesos e contrapesos e do esforo de negociao sem falar nos poderes e autoridades divididos e partilhados entre as comunidades constituintes e o governo central, representa um mpeto poderoso para se desenvolver um conjunto definido e mutuamente consentido de normas para a organizao desses mecanismos, normalmente enfeixados em constituies escritas (ELAZAR, 1994, p. 11).

    O sexto e ltimo princpio proposto na obra de Elazar (1994) so as unidades

    delimitadas, fixadas constitucionalmente e que possam ser consideradas neutras. A

    neutralidade uma condio prvia para que quaisquer aes dos tomadores de deciso no

    partam de certa pr-existncia de grupos tnico-culturais ou partidrios. Esta caracterstica faz

    com que "qualquer conjunto de interesses ocupando um territrio particular possa encontrar

    expresso nas instituies desse territrio, tanto localmente quanto em relao ao todo

    federal" (ELAZAR, 1994, p.12).

    Dentre todas estas caractersticas h duas que, de acordo com o autor, so

    diagnosticadas como de grande importncia, ou seja, mantenedoras dos princpios federais. A

    primeira tem relao com a execuo das atividades polticas em rgos distintos e em sua

    esfera de governo especfica, ou seja, para que o sistema federalista se mantenha, faz-se

    29

  • necessrio que as "comunidades polticas constituintes tenham suas prprias instituies de

    governo e o direito de modific-las unilateralmente, dentro dos limites determinados pelo

    pacto federal" (ELAZAR, 1994, p.23). A segunda caracterstica est ligada diviso de

    responsabilidades, considerada pelo autor como o aspecto central do federalismo:

    Tal diviso amplamente concebida inclui tambm um envolvimento comum na elaborao de polticas pblicas, no seu financiamento e gerenciamento. Ela pode ser formal ou informal, mas em sistemas federais tal diviso habitualmente contratual. A idia de contrato utilizada como um artifcio legal para permitir que cada governo persiga um curso comum de ao, permanecendo simultaneamente como entidade independente. Mesmo na ausncia de um arranjo formal o esprito do federalismo tende a infundir um sentimento de obrigao contratual a este tipo de relacionamento (ELAZAR, 1994, p.23-24).

    A tenso entre governo central e partes constituintes gera uma espcie de equilbrio

    prprio ao federalismo, j que uma preocupao pblica tende a se refletir em todo o territrio

    que compe o sistema federal. Para coexistir a diviso de responsabilidades com esta espcie

    de tenso entre o que cabe a Unio e o que cabe aos entes federados, o territrio deve possuir

    um "tipo particular de ambiente poltico" que possua cooperao poltica em um governo

    popular (ELAZAR, 1994).

    De acordo com o autor, o federalismo transformou-se em uma organizao poltica

    difundida no mundo, todavia, em cada pas possvel encontrar peculiaridades. No sentido

    mais amplo, o federalismo funciona estreitando as relaes da sociedade com as instituies

    com o objetivo de salvaguardar a autonomia e a liberdade:

    sistemas federais conseguem realizar essa tarefa fazendo com que a produo e a implementao das polticas fundamentais se realize mediante negociao. Desse modo todos os seus membros podem partilhar a discusso e a tomada de decises. Os princpios polticos que animam os sistemas federais enfatizam a primazia da barganha e da negociao coordenada entre vrios centros de poder; eles procuram destacar as virtudes da disperso do poder como um meio de salvaguardar liberdades [...] (ELAZAR, 1994, p.18).

    O autor tambm reflete acerca da ambiguidade da palavra federalismo, que descreve,

    ao mesmo tempo, a unio de estados distintos em uma comunidade federal e a difuso da

    autoridade e do poder entre governo geral e governos subnacionais.

    Soares (1998) destaca quais instituies so necessrias para a sustentao de um

    sistema federal, j que este necessita garantir o equilbrio entre a centralizao e a

    30

  • descentralizao, possibilitando autonomia aos nveis de governo central e subnacionais.

    Segundo a autora, o federalismo se caracteriza2:

    a) pela diviso territorial do Estado em vrias subunidades;

    b) por e um sistema bicameral no nvel nacional;

    c) pela presena dos trs poderes (Executivo, Legislativo e Judicirio) nos dois nveis

    federais;

    d) pela existncia de uma Corte Suprema de Justia com a responsabilidade de

    garantir a ordem federal;

    e) pela definio de competncias administrativas, fiscais e jurisdies das esferas

    federativas, com cada nvel de governo apresentando ao menos uma rea em que

    se atua de forma autnoma; e

    f) pela autonomia de cada ente federativo para constituir seu governo (SOARES,

    1998).

    A autora tambm diferencia o sistema federalista de outras formas de Estado: sistema

    unitrio e sistema confederado, diferena est baseada principalmente na forma como se d a

    distribuio territorial do poder poltico: o sistema unitrio centraliza e hierarquiza o poder,

    enquanto o sistema confederado descentraliza mais o poder nas unidades territoriais. A

    confederao analisada como um sistema de difcil estabilidade, devido ao fato de que a

    unio realizada entre subunidades territoriais soberanas tende-se a ser extremamente tnue

    dada a necessidade recorrente de consenso entre as unidades soberanas, a disputa pela

    hegemonia poltica e a ameaa de secesso (SOARES, 1998, p. 141). O sistema federal teria

    uma diviso mais igualitria de poder entre o governo central e seus entes federados.

    Soares (1998) aponta alguns motivos para a adoo do federalismo pelos pases. A

    dimenso territorial um fator importante dado que territrios muito amplos podem funcionar

    melhor diante de uma estrutura descentralizada de poder. J as heterogeneidades regionais

    tambm podem ser melhor acomodadas em um sistema federal, sendo que "o federalismo no

    mundo moderno a alternativa democrtica de agregar interesses territoriais diversos sob um

    nico governo nacional" (SOARES, 1998, p.146). A autora afirma que no somente o

    federalismo possibilita a democracia em determinados contextos de heterogeneidade

    2 A autora se utiliza das contribuies de William Riker, Federalism: "Origin, operation and significance" e de Hartmut Klatt: "Bases conceptuales del federalismo y la descentralizacin" para definir tais caractersticas.

    31

  • territorial, como a democracia uma condio indispensvel para a existncia de um sistema

    federativo efetivo: "a democracia no nvel nacional condio indispensvel para a vigncia

    do federalismo [...] a federao condio necessria para a vigncia de um governo

    democrtico em determinados contextos [...] de pluralidades territoriais" (SOARES, 1998,

    p.146).

    A elucidao da autora que a federao pactuada atravs de uma Constituio, que

    estabelece garantias legais s unidades federadas. Este pacto pressupe que

    1) as comunidades transferem parte dos seus poderes para um centro poltico nacional; 2) que h consenso das partes envolvidas em tornodas polticas que estabelecero a comunidade poltica; e 3) que h garantia constitucional e institucional de autonomia para cada ente federativo (SOARES, 1998, p.148).

    Desta forma, governos autoritrios no podem ser caracterizados como federaes

    porque rompem com as garantias constitucionais que sustentam o pacto federal, dentre elas a

    autonomia subnacional para constituir seu prprio governo.

    O mecanismo de checks and balances um determinante para compreender esta

    autonomia e esta descentralizao poltica territorial dada aos entes federados. possvel

    caracterizar a presena da diviso clssica do poder - Executivo, Legislativo e Judicirio - em

    pelo menos dois nveis territoriais de governo como forma de constituir governos autnomos

    nas esferas, todavia tal situao per si no gera a garantia dessa autonomia. Faz-se necessrio

    compreender quem so os detentores do poder (SOARES, 1998, p.154).

    Pode-se observar, diante das consideraes dos autores sobre o federalismo que, de

    certa maneira, h um consenso terico sobre o conceito e as caractersticas do estado federal

    moderno. A combinao de centralizao e descentralizao territorial do poder a marca do

    federalismo, sendo importante ressaltar que no s o federalismo brasileiro, como outras

    naes possuem suas peculiaridades e que diante delas, reforam mais ou menos alguns dos

    pilares do federalismo aqui expostos. O sucesso da dinmica poltica inserida em um sistema

    federativo, est eminentemente associado coordenao intergovernamental, o que nos

    remete ao papel dos entes federados nacionais na descentralizao da poltica pblica de

    segurana.

    Compreendido o conceito de federalismo, tem-se que a atuao do Governo Federal

    coordenar as demais instncias federativas, articulando os nveis de governo na arena das

    polticas pblicas (ABRUCIO, 2002). Esta relao pode ser dificultada quando se considera a

    segurana pblica por termos o aparato de segurana estadual atuando no mesmo territrio

    32

  • que o aparato de segurana municipal, o municpio, o que pode gerar um aumento das

    desconcentraes de atribuies.

    Os Estados federais podem variar em grau de centralizao/descentralizao, portanto,

    trataremos adiante das caractersticas e fatores que diferenciam o federalismo brasileiro dos

    demais, composto na atualidade pela Unio, 26 estados, um Distrito Federal e 5.565

    municpios (IBGE, 2010).

    2.3 Consideraes acerca do federalismo brasileiro

    De acordo com as afirmaes de Costa (2007), todas as Constituies brasileiras j

    reconheciam o papel poltico de seus entes subnacionais, dividindo verticalmente a autoridade

    poltica. De forma contextual, esse tpico abordar tal afirmao na tentativa de compreender

    de que forma os estados e os municpios so atores relevantes no sistema federativo nacional.

    A Constituio do Imprio, em 1824 (BRASIL, 1824), j adotava as provncias como

    atores com influncia poltica relevante que tinham por responsabilidade sanar problemas de

    carter provincial, tais como educao e transporte. A Constituio de 1891 (BRASIL, 1891),

    que estabeleceu a repblica federativa no Pas, teve como alicerce para o seu desenho o

    federalismo norte-americano e distribuiu da seguinte forma as atribuies aos estados:

    [...] os estados tinham autonomia para legislar sobre todo assunto que no fosse atribuio exclusiva da Unio, como poltica externa, controle da moeda, foras armadas etc. Mas a norma da Constituio de 1891 responsvel pelo carter 'estadualista' da Repblica Velha (1891-1930) foi aquela que concedia o controle do imposto sobre exportaes aos estados. Como os estados mais importantes eram aqueles que exportavam caf, como So Paulo e Minas Gerais, foram esses tambm os estados politicamente dominantes (COSTA, 2007, p.214).

    No que tange aos municpios, sua importncia destacada desde a Constituio de

    1891: "Estados organizar-se-o de forma que fique assegurada a autonomia dos Municpios

    em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse" (BRASIL, 1891). Todavia, tal como

    explanou Costa (2007), a autonomia prevista aos municpios foi prejudicada devido

    importncia dos estados de So Paulo e Minas Gerais poca. Para alm, tal autonomia no

    vigorou porque poucos possuam legislao prpria e poderes polticos autnomos, j que

    "proclamada Repblica, as municipalidades foram dissolvidas e substitudas por conselhos

    compostos por pessoas de confiana dos elementos dirigentes dos estados" (SILVEIRA,

    1978, p.77).

    33

  • Alteraes podem ser vistas nas constituies subsequentes - 1934, 1937, 1946, 1967,

    1969, com oscilaes entre perodos de centralizao e descentralizao at chegarmos a nova

    ordem constitucional de 1988. A Constituio de 1988 foi marcada pela descentralizao e

    pelo posicionamento dos municpios como terceiro ente autnomo da federao brasileira. Os

    municpios tambm foram os principais beneficirios de um processo de descentralizao

    fiscal das receitas da Unio. Contudo, na diviso de competncias nas polticas pblicas entre

    os entes federados prevaleceu o compartilhamento de atribuies, com escassos mecanismos

    de coordenao intergovernamental: "[...] cada vez mais a Unio, os estados e os municpios

    tem sido responsveis por reas comuns, como educao, sade, transporte e meio ambiente,

    mas sem que haja qualquer tipo de coordenao" (COSTA, 2007, p.215).

    Almeida (2011) afirma que, para alm da sobreposio de funes, a relao entre

    Unio e os entes federados fraca e se estabelece por meio de um ente - a Unio - que atua

    independentemente das outras partes, gerando fraca intensidade federativa com relao aos

    Estados, que ainda mais enfraquecida devido ao "reforo" da posio dos municpios como

    componentes da federao. A crtica trazida pela autora est pautada na necessidade em

    assegurar uma gesto diferenciada ao regime de administrao local, levando em

    considerao a heterogeneidade presente no territrio nacional, algo que requer uma

    participao importante dos estados: "uma federao que substancialmente merea esse nome

    deve dar um tratamento de pertinncia dos municpios em relao aos Estados, de modo que

    caiba aos Estados organizar seus municpios" (ALMEIDA, 2011, p. 100).

    Tal crtica reiterada por Tomio, Camargo e Ortolan (2011) ao explanar que a CF de

    1988 desconsidera a heterogeneidade do poder local. Em municpios brasileiros, a autonomia

    desses est ligada a aspectos financeiros, administrativos e polticos, esquecendo-se de que h

    em cada municpio uma demanda prpria. Em todo territrio nacional s h um nico formato

    de municpio: todos possuem o mesmo nvel de autonomia, o que desnecessrio quando se

    observa as diferentes demandas oriundas do governo local.

    [... ] a organizao das instituies locais pormenorizada no texto constitucional, independentemente de extenso geogrfica, densidade populacional etc. A capacidade de organizao e ao nas dimenses poltica, administrativa e financeira exercida conforme o modelo nico definido constitucionalmente (TOMIO; CAMARGO;ORTOLAN, 2011, p.78).

    A CF de 1988, em seus artigos 21 a 25 (ANEXO A), estabelece de forma mais clara

    aquilo que compete a cada ente federado. Todavia, de acordo com Costa (2007) os artigos 20

    a 22 limitam o campo de atuao dos estados devido ao detalhamento de competncias

    34

  • "exclusivas da Unio, as comuns (que todos os membros da Federao, inclusive os

    municpios, podem exercer) e as concorrentes (sobre as quais tanto Unio como estados

    podem legislar)" (COSTA, 2007, p.216).

    A respeito da tributao, utiliza-se ainda das afirmaes de Costa (2007) que orienta

    serem os artigos 153 a 159 (ANEXO B) aqueles que norteiam a definio de quais impostos e

    quais taxas so exclusivas para cada ente federado. Para alm, a CF aborda tambm a forma

    de compartilhamento das receitas, sendo que os artigos 157 e 159 so aqueles que determinam

    como se d a repartio da arrecadao entre Unio, estados e municpios, que ocorre,

    principalmente, por meio dos Fundos de Participao dos Estados (FPE) e o Fundo de

    Participao dos Municpios (FPM) a partir de impostos estabelecidos pela Unio, que ainda

    o grande arrecadador mesmo transferindo ao municpio suas velhas atribuies, gerando

    impacto nas vrias polticas pblicas municipais, inclusive no que diz respeito segurana

    (MISSE; BRETAS, 2010). A respeito da tributao, ainda importante ressaltar tal como

    exps Costa (2007):

    O potencial arrecadador desses impostos est diretamente relacionado com o nvel de atividade econmica de estados e municpios. Desse modo, apenas os estados e municpios mais desenvolvidos - principalmente os das regies sudeste e sul -sustentam-se exclusivamente com seus impostos. A maioria dos estados e municpios no Brasil depende de transferncias de receitas tributrias da Unio para realizar suas funes bsicas (COSTA, 2007, p.216).

    Nota-se, portanto, certo favorecimento, do ponto de vista fiscal, para estados e

    municpios (principalmente os maiores arrecadadores) e do ponto de vista de distribuio de

    competncias certo favorecimento Unio, o que nos leva a refletir at que ponto os

    dispositivos constitucionais demonstram que a legislao prope baixa autonomia aos entes

    federados (ANASTASIA, 2007).

    Os repasses obrigatrios por parte do governo federal e do governo estadual permitem

    que a gesto local acontea, embora a capacidade do municpio de realiz-la possa ser alterada

    diante da varivel socioeconmica de cada um. Tomio, Camargo e Ortolan (2011) consideram

    que do ponto de vista normativo h elevado grau de institucionalizao aos governos locais no

    que tange sua organizao, em detrimento da efetiva autonomia:

    [...] a ausncia de variaes no grau de autonomia e organizao dos governos locais no Brasil determina que, em virtude da padronizao constitucional, todos os municpios detenham as mesmas prerrogativas e garantias, independentemente de extenso territorial, quantidade populacional e complexidade socioeconmica (TOMIO; CAMARGO; ORTOLAN, 2011, p.53).

    35

  • E possvel perceber certo consenso terico com relao padronizao das

    autonomias municipais que acabam de certa maneira engessando a formulao e

    implementao de polticas pblicas de acordo com as diretrizes da Unio, desconsiderando

    as demandas locais que nem sempre sero as mesmas que o governo central pressupe. A

    autoadministrao, o autogoverno e a auto-organizao so caractersticas importantes

    inerentes aos municpios, todavia a lei orgnica que define estas organizaes restringida

    pela CF.

    Quando se trata da poltica de segurana pblica, a Carta Magna atribui maior

    responsabilidade aos estados na administrao e financiamento da segurana pblica. No

    mbito municipal, estudo do Frum Brasileiro de Segurana Pblicasobre o gasto municipal

    na segurana recentemente publicado pela mdia impressa (SO PAULO, 2012) afirma que

    iniciativas em melhorar a segurana local so observadas, principalmente a partir dos anos

    2000, ano em que os gastos nessa rea praticamente dobraram. Este aumento pode ser

    resultante dos investimentos da Unio por meio, por exemplo, do Fundo Nacional de

    Segurana Pblica, existente desde 2001 e do Programa Nacional de Segurana Pblica com

    Cidadania (Pronasci), existente desde 2007.

    Diante das colocaes apresentadas e do que norteia esse trabalho pode-se questionar

    previamente acerca do que realmente estimula alguns municpios a se responsabilizarem pela

    poltica de segurana pblica, diante das diversas variveis que limitam o exerccio da

    autonomia dos municpios, j que muitos ainda possuem como obstculo a criao de

    capacidades institucionais para o efetivo exerccio dessa atividade. Operacionalizando o

    conceito de federalismo, tal situao passvel de anlise quando se considera a forma como

    a dinmica poltica brasileira est estabelecida, pois no caso da poltica de segurana pblica

    percebe-se as relaes intergovernamentais como uma proposta de adeso, e no somente

    como mera transferncia de responsabilidades, principalmente no que diz respeito poltica

    acima mencionada, j que historicamente existe a dificuldade dos municpios inserirem-se no

    sistema referente segurana pblica em condies de igualdade com os estados

    (MESQUITA NETO, 2004). A Unio incentiva adeso por meio de incentivos negativos

    que seria a legislao que prope determinada atuao do municpio no provimento de

    segurana, e por meio de incentivos positivos, que seria o repasse de recurso, coordenando

    assim as iniciativas locais.

    [... ] a adeso dos governos locais transferncia de atribuies depende diretamente de um clculo no qual so considerados, de um lado, os custos e benefcios fiscais e polticos derivados da deciso de assumir a gesto de uma dada poltica e, de outro,

    36

  • os prprios recursos fiscais e administrativos com o quais cada administrao conta para desempenhar tal tarefa (ARRETCHE, 1999, p. 115).

    Deste modo, a adeso dos municpios s aes que visam melhoria da poltica de

    segurana ocorrer mediante estratgias bem elaboradas e sucedidas para que a transferncia

    de atribuies ocorra em sua plenitude. Parafraseando Tomio, Camargo e Ortolan (2011), se

    h somente um modelo de organizao da segurana local, sendo esse contraproducente, j

    que todos os 5.565 municpios detm os mesmos benefcios e abonaes independentemente

    das complexidades socioeconmicas e culturais existentes, possvel questionar acerca de um

    processo individualizado de iniciativa de gesto da segurana pblica local, j que o processo

    de atuao dos municpios na rea da segurana pblica se desenvolve "num contexto

    constitucional adverso, e que se depara com a resistncia das polcias estaduais ao

    fortalecimento das Guardas Municipais" (MESQUITA NETO, 2004, p.62).

    2.4 Consideraes a respeito da descentralizao de polticas pblicas

    [... ] No deixa de ser no municpio que a fora dos povos livres reside. As instituies de um municpio so para a liberdade o que as escolas primrias so para a cincia, foi colocado ao alcance do povo, pois eles trabalham de forma pacfica e se habituam a fazer uso dele. Sem as instituies de um municpio uma nao pode dar-se um governo livre, mas no tem o esprito de liberdade 3

    (TOCQUEVILLE, 2010, p.54, traduo nossa).

    A sentena que abre esta seo remonta s comunidades norte-americanas do sculo

    XIX, no estudo realizado por Alexis de Tocqueville4, entre 1835 e 1840, que resultou na obra

    A Democracia na Amrica, e aqui reproduzida na tentativa de reforar como os poderes

    locais e suas atribuies so relevantes no debate, seja na rea da cincia poltica ou na rea

    da administrao pblica.

    A forma como a administrao pblica federal estabelece a importncia dos

    municpios um fator influenciador na forma como so pensadas e implementadas as

    polticas pblicas. Na ao poltica contempornea, em que a descentralizao est inserida

    [...] it is nonetheless in the township that the force of free peoples resides. The institutions of a township are to freedom what primary schools are to science; they put it within the reach of the people; they make then its peaceful employ and habituate them to making use of it. Without the institutions of a township a nation can give itself a free government, but it does not have the spirit of freedom (TOCQUEVILLE, 2010, p.54). 4 Alm de Alexis de Toqueville, Stuart Mill tambm um terico defensor da descentralizao. Souza e Blumm afirmam que Mill defende os governos locais afirmando que esses so capazes de promover maior participao poltica de nichos da sociedade civil, alm de afirmar que as instituies locais so mais eficientes no provimento dos servios pblicos. (SOUZA; BLUMM apud OLIVEIRA, 2011).

    37

  • em um contexto poltico neoliberal, a perspectiva descentralizadora das polticas pblicas

    assume nova dimenso em um contexto de escassez de recursos pblicos, enfraquecimento do

    poder estatal, alm do crescimento da adoo de uma ideologia privatizante no setor em

    questo (ABRUCIO, 2006). Nos anos 90, a descentralizao foi fortemente recomendada aos

    pases latino americanos e defendida por determinados movimentos democratizantes que

    compreendiam essa ao como uma forma de reforar a democracia e a ampliao dos

    direitos sociais (OLIVEIRA, 2011) o que retoma a ideia de uma descentralizao em um

    contexto poltico democratizante.

    No contexto brasileiro, a (re)democratizao e a crise fiscal resultaram em

    macrocondicionantes da mudana do sistema federativo nacional, gerando o status de

    importncia ao tema por ser compreendido, muitas vezes, como sinnimo de cidadania e

    como forma de reverter a usurpao da autonomia governamental estadual e municipal pelos

    governos militares (ALMEIDA, 1995). Estas mudanas tambm se referem criao de

    novas formas de relao entre os governos locais e a sociedade,

    [... ] que resulta da conquista ou transferncia efetiva de poder decisrio a governos subnacionais, os quais adquirem autonomia para escolher seus governantes e legisladores, para comandar diretamente sua administrao, para elaborar uma legislao referente s competncias que lhes cabem e, por fim, para cuidar de sua estrutura tributria e financeira (ABRUCIO, 2002, p.03).

    A literatura internacional compreende ser complexo estabelecer um objetivo

    especfico para iniciativas de descentralizao, entretanto essa tambm perpassa a ideia de

    maior accountability:

    Os objetivos precisos da descentralizao provavelmente variam entre os estados. De forma genrica, no entanto, a descentralizao tem como objetivo distribuir o poder pblico de modo a alcanar mais eficcia e agilidade do governo, ampliar o acesso aos servios pblicos e recursos econmicos, incentivar maior participao do pblico no governo, para fornecer uma base sobre a qual diversos grupos possam viver juntos em paz, sustentando a estabilidade do Estado e convencendo grupos a permanecer dentro dele (SAUNDERS, 2012, p.2, traduo nossa).

    Alm das afirmaes de Oliveira (2011), Almeida (1995), Abrucio (2002) e Saunders

    (2012), Bretas e Morais (2009) afirmam que no contexto de propostas descentralizadoras "a

    questo da segurana no escapou desse movimento. Falava-se muito em 'polcia

    comunitria' e se discutia o papel do municpio na segurana pblica" (BRETAS; MORAIS,

    2009, p.159).

    38

  • Almeida (1995) afirma que a descentralizao fortalece a capacidade decisria das

    instncias subnacionais de governo, o que pode ser observado principalmente, mas no

    exclusivamente, nas polticas de cunho social. Claramente a autora expe acerca da

    peculiaridade existente entre difuso e concentrao do poder poltico, dependente das

    relaes intergovernamentais, sendo essas, competitivas e/ou cooperativas, "necessariamente

    baseadas na negociao entre instncias de governo" (ALMEIDA, 1995, p. 1).

    Saunders (2012) explana que optar pelo processo de descentralizao pode ser

    benfico ou no, cabendo ao Estado se adequar a melhor modalidade de descentralizao a

    fim de responder de forma positiva s necessidades dos indivduos. De qualquer forma,

    arranjos federativos devem envolver entre todos os nveis de governo:

    a) Distribuio do poder legislativo, executivo e judicial;

    b) A diviso de responsabilidade para funes governamentais, tais como, a

    educao, policiamento, gua, imigrao, sade e meio ambiente;

    c) A atribuio de autoridade sobre questes fiscais;

    d) A capacidade dos governos de gerir seus prprios arranjos institucionais, pelos

    quais so responsveis perante os seus concidados, (com pouca ou nenhuma

    interveno pelo centro) e

    e) A criao de instituies centrais que envolvam os entes federados na tomada de

    deciso.

    Almeida (1995) afirma que no contexto brasileiro h certa dificuldade em definir

    precisamente o termo descentralizao, sendo usado pelos especialistas de forma genrica a

    fim de categorizar diferentes formas de reduzir o escopo do governo central, seja:

    a) Com o intuito de deslocar o processo decisrio e a fase de implementao de

    determinada poltica para governos subnacionais; ou

    b) Transferindo a administrao de polticas definidas no plano federal; ou

    c) Repassando responsabilidades governamentais para o mbito privado.

    Saunders (2012) corrobora a afirmao acima, ao relatar que h uma "infinidade" de

    termos porque existem diversas razes para a descentralizao e diversos formatos de

    descentralizao, gerando, por consequncia, certa inconsistncia na literatura. No entanto, o

    autor lista quatro mecanismos mais comuns para que ocorra a descentralizao, sendo esses:

    39

  • a) A "delegao" que constitui na atribuio de poder por parte do centro a outros

    nveis de governo em que permanece essencialmente um estado unitrio, em que o

    centro retm a autoridade para retirar os poderes delegados ou orientar a sua

    utilizao ("normalmente o poder delegado o poder executivo ou administrativo"

    (SAUNDERS, 2012, p.1, traduo nossa));

    b) A "devoluo" que se constitui em atribuir poder legislativo e executivo (e, s

    vezes judicial) a outros nveis de governo de uma forma a gerar maior autonomia,

    sem a completa entrega do controle formal pelo centro;

    c) A "autonomia regional" que prope atribuir autonomia a uma ou mais regies do

    que conferido a outras regies do estado; e

    d) A "federao" que pressupe a diviso do ato de governar entre o centro e demais

    nveis de governo supondo autonomia em suas prprias reas de responsabilidade.

    A questo que cada uma dessas formas capaz de gerar diferentes consequncias

    sobre as relaes intergovernamentais. Entretanto, tal impreciso conceitual observada por

    Almeida (1995), e o processo de centralizao-descentralizao que ocorre em muitos pases

    federados no gera, na mesma proporo, a reduo da importncia do governo central:

    [... ] centralizao e descentralizao tm sido fenmenos antes concomitantes do que mutuamente excludentes. Assim no h razo para pensar que a descentralizao implica inexoravelmente a reduo da importncia da estncia nacional. Ela pode resultar seja na criao de novos mbitos de ao, seja na definio de novos papis normativos, reguladores e redistributivos que convivam com a expanso das responsabilidades de estados e municpios (ALMEIDA, 1995, p.2).

    Saunders (2012) corrobora do posicionamento de Almeida (1995) quando explana a

    respeito dos quatro mecanismos por ele listados serem passveis de observao ao longo de

    um espectro de arranjos capazes de retratar maior ou menor autonomia. Dessa forma, os tipos

    no so distintos e em alguns casos a escolha, em tese, por um dos modelos pode resultar em

    um tipo, na prtica, diferente: "[... ] pode ser diferente na prtica: um arranjo que parece ser

    relativamente mais centralizado, no seu desenho, por vezes, pode fornecer a autonomia local

    significativa na prtica, dependendo das circunstncias do estado" (LITVACK AND

    SEDDON apud SAUNDER, 2012, p.2, traduo nossa).

    O Brasil um pas federativo que, desde a Constituio de 1988, engloba os

    municpios no processo de descentralizao, tendo como caracterstica a ideia de

    40

  • (re)democratizao da vida pblica devido a (re)valorizao da esfera local - administrativa -

    de governo. Tal como observa Andrade (2007) houve um repasse de responsabilidades no que

    diz respeito a implementao de polticas pblicas para a rbita dos municpios, o que pode

    ter gerado uma viso de melhoria diante da viso anterior predominante, de carter

    coronelstica,5 existente no Pas.

    De acordo com Abrucio (2006), a descentralizao um processo poltico que resulta

    na transferncia de poder decisrio da Unio aos governos subnacionais que:

    i) adquirem autonomia para escolher seus governantes e legisladores; ii) para comandar diretamente sua administrao; iii) para elaborar uma legislao referente s competncias que lhe cabem, e, por fim, iv) para cuidar de sua estrutura tributria e financeira (ABRUCIO, 2006, p.78).

    Deste modo, a desconcentrao do poder administrativo, ocorre por meio da

    transferncia de atribuies.

    Ainda de acordo com Abrucio (2006), entre os anos de 1950 e 1980 as intervenes do

    estado se davam via trs pilares: o keynesiano (econmico), o welfare state (social) e o

    burocrtico weberiano (administrativo) o que corroborava com o papel da interveno estatal

    centralizada. Todavia, com a expanso do segundo pilar, maiores demandas foram surgindo,

    e, quando o Estado aumenta a proviso de servios, tende-se a aumentar estruturas de gesto

    em nvel local: "dito de outro modo, a expanso do welfare state e da democracia, frutos do

    perodo de grande nacionalizao da poltica, favoreceu a constituio de demandas

    descentralizadoras" (ABRUCIO, 2006, p.80-81).

    Bretas e Morais (2009) corroboram as afirmaes de Abrucio (2006) a respeito das

    demandas descentralizadoras, quando estes afirmam que os servios policiais foram

    questionados pela sociedade devido ao aumento dos ndices de violncia, gerando crticas

    atividade policial e, ao mesmo tempo, motivando propostas de novos modelos de ampliao

    da segurana pblica. Assim como nas polticas sociais, o municpio o locus que responder

    diretamente aos usurios quando estes no estiverem satisfeitos com a segurana.

    Oliveira (2011) refora os argumentos de Abrucio (2006) ao mencionar que a

    descentralizao que ocorre no Brasil, requerida por meio da Carta Magna de 1988, est

    alicerada em trs pilares ou graus:

    O coronelismo muito bem abordado na obra Coronelismo, Enxada e Voto de Victor Nunes Leal que explana ser este fenmeno o que gerou a dependncia estrutural dos municpios com relao aos estados e a Unio, gerando baixa coordenao de atividades. O termo coronel ainda utilizado para definir indivduos que possuem influncia no poder local.

    41

  • [... ] a) descentralizao poltica, com a elevao dos municpios ao status de entes federados autnomos; b) descentralizao administrativa, com repasse de responsabilidades sobre a prestao de servios sociais para os governos locais; e c) descentralizao fiscal, com repasse de recursos federais aos municpios, alm da transferncia da responsabilidade pela coleta de impostos municipais [... ] (OLIVEIRA, 2011, p.199).

    A autora explana que em carter efetivo os municpios brasileiros adquiriram somente

    o status de ente federado, j que dependendo da poltica passvel de observao a maior ou

    menor participao do governo federal na direo em que se deve tomar determinada poltica

    pblica. A autora nomeia, portanto, de "descentralizao autonomista" o momento em que os

    governos subnacionais possuem maior autonomia e de "descentralizao dirigida" o momento

    em que o governo federal torna-se mais ativo e com voz determinante no formato das polticas

    pblicas.

    Nesse ponto, faz-se necessrio apontar a importncia de explicitar o tipo de

    descentralizao que est em discusso: se uma descentralizao voltada para os estados ou

    se est voltada para os municpios:

    Estadualizao diferente de municipalizao, uma vez que a capacidade de assuno das responsabilidades pelas polticas que esto sendo descentralizadas muito diferente para estados e para municpios. Ambas podem ocorrer concomitantemente, o que de fato ocorreu no contexto da redemocratizao, levando ao diagnstico de ser esta uma das consequncias da descentralizao, tornando os governadores atores polticos centrais, detentores de amplos recursos de poder e influncia sobre os rumos da poltica nacional [...]. Ao mesmo tempo, a descentralizao deu amplos poderes aos governos locais, que ganharam autonomia poltica e recursos financeiros para uso discricionrio, sob poucos sistemas de avaliao (OLIVEIRA, 2011, p.201).

    Alm da consequncia acima citada, a autora afirma que a desigualdade gerada pela

    descentralizao consensual entre os tericos que abordam o tema 6. A autora tambm

    menciona, embasada em Duchacek (1970), acerca do relacionamento entre as esferas, sendo

    esse aspecto capaz de otimizar as consequncias acima citadas. Tal aspecto notrio

    principalmente quando se trata da relao estado-municpio, j que a delegao de

    responsabilidades por parte da Unio para com os estados ocorre de maneira compartilhada

    entre os atores, enquanto que a descentralizao proveniente da relao estado-municpio ,

    de acordo com a autora, de carter unitrio, ou seja, "os termos do 'contrato' so

    determinados pelos estados [...]. Consequentemente os municpios podem receber recursos e

    A autora afirma que o governo federal no consegue controlar todos os aspectos das polticas subnacionais, principalmente no que tange a gastos sociais, j que impossvel definir um gasto padro. Dessa forma, a autora explana que estados ou municpios mais ricos tendem a gastar mais e cada qual a sua maneira.

    42

  • decidir sobre como aplic-los localmente, mas sempre dentro das regras estabelecidas pelos

    estados" (DUCHACEK apud OLIVEIRA, 2011, p.205).

    Diante da abordagem da autora, h na administrao pblica local dificuldades em

    definir diretrizes de determinada poltica pblica, todavia o prefeito tem o poder de decidir

    como aplicar recursos ou como gerir responsabilidades repassadas pelo governo estadual

    (OLIVEIRA, 2011, grifo nosso). Nota-se que dessa discusso decorre uma peculiaridade

    referente ao federalismo brasileiro: a descentralizao exercida no ocorre somente da Unio

    para os estados, como tambm da Unio para os municpios:

    [...] municpios no esto subordinados aos comandos dos estados, ainda que em muitos casos dependam dos repasses financeiros destes - em complementao aqueles realizados pelo governo federal - para arcarem com as atribuies municipais. A nica restrio que os municpios tm em relao aos governos estaduais a de no ultrapassar os limites impostos em suas constituies, assim como no podem ultrapassar os limites da Constituio Federal. De resto, pouca relao de dependncia e subordinao [...] (OLIVEIRA, 2011, p.206).

    Ao analisarmos a Constituio do Estado de Minas Gerais com o intuito de observar se

    a legislao estabelece algum limite para os municpios no que tange a segurana pblica,

    possvel observar que no h prerrogativas alm de simplesmente estabelecer a possibilidade

    de institucionalizao de uma guarda civil ou municipal, mesmo sendo pautado pelo artigo

    136 o fato de a segurana pblica ser responsabilidade de todos:

    Art. 136 - A segurana pblica, dever do Estado e direito e responsabilidade de todos, exercida para a preservao da ordem pblica e da incolumidade das pessoas e do patrimnio, atravs dos seguintes rgos: I - Polcia Civil; II - Polcia Militar; III - Corpo de Bombeiros Militar. Art. 137 - A Polcia Civil, a Polcia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar se subordinam ao Governador do Estado. Art. 138 - O Municpio pode constituir Guardas Municipais para a proteo de seus bens, servios e instalaes, nos termos do art. 144, 8, da Constituio da Repblica (MINAS GERAIS, 1989:78).

    Em nvel de comparao, a Lei Orgnica do municpio de Belo horizonte tambm

    restringe a segurana pblica criao de Guardas Municipais: "[...] Art. 12- Compete ao

    Municpio, entre outras atribuies:XIV - constituir Guarda Municipal destinada proteo

    de seus bens, servios e instalaes, nos termos da Constituio da Repblica" (BELO

    HORIZONTE, 1990, p.05).

    Pode-se observar, portanto, que a legislao vai ao encontro das afirmaes da autora

    j que a atribuio dada aos municpios no ultrapassa limites previstos nas Constituies

    43

  • estadual e na federal em seu artigo 144. Para alm, resguarda-se aos municpios somente a

    autonomia no que tange a criao de Guardas Municipais, excluindo a possibilidade de ser

    responsvel por executar outras atividades de cunho preventivo, "consagrando uma curiosa

    contradio de registrar de forma centralizada uma expectativa descentralizadora" (BRETAS;

    MORAIS, 2009, p.159).

    Diante do exposto possvel constatar trs efeitos referentes a este tipo de

    descentralizao:

    a) Os municpios possuem autonomia no que tange ao repasse de recursos da Unio;

    b) A Unio tenta coordenar as atividades do municpio na medida em que repassa

    recursos para programas especficos e

    c) A tentativa de coordenar pode ser prejudicada quando a Unio formula

    determinadas polticas pblicas desconsiderando caractersticas especficas dos

    entes federados, j que

    [...] o Governo Federal, ao planejar polticas para todos os municpios, gera desenhos de polticas pblicas "universais", ou seja, que possam ser implementados em qualquer municpio e realidade regional; consequentemente, minora-se significativamente a possibilidade de variaes locais. Paradoxalmente, o desenho altamente descentralizado do federalismo brasileiro neutraliza um dos seus objetivos centrais, qual seja, o de possibilitar alternativas adequadas para cada uma das distintas realidades locais (OLIVEIRA, 2011, p.207).

    Pode-se argumentar previamente que a estrutura organizacional do Sistema de

    Proteo Social brasileiro, tais como a sade e a assistncia social vm, nos ltimos anos,

    sendo redesenhada devido sua complexidade e, consequentemente, sua necessidade de

    descentralizao e, nesse mesmo contexto, a pauta relativa segurana pblica possui

    investimentos do governo federal e do estado, sendo que a norma existente para a atuao da

    GM nem sempre respeitada pelos gestores municipais, que tentam delinear as aes da GM

    de acordo com as demandas que surgem no municpio, diminuindo a induo que as diretrizes

    da Unio deveriam gerar na atuao dos municpios na rea da segurana.

    Se, tal como nos informa Arretche (2004), a forma como se d o federalismo brasileiro

    estabelece variaes quanto coordenao das polticas pblicas dependendo de como

    estabelecida as relaes entre os entes federados, possvel questionar acerca da possibilidade

    de que tal redesenho do Sistema de Proteo Social influencie no processo descentralizador,

    por exemplo, na rea de segurana pblica, como tentativa de atender de forma mais eficaz as

    demandas locais, tal como ocorre nas polticas de proteo j citadas, pois "a concentrao da

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  • autoridade poltica varia entre as polticas particulares, de acordo com as relaes

    intergovernamentais em cada rea especfica de interveno governamental" (ARRETCHE,

    2004, p.17). Ou seja, diante de repasses garantidos para determinados fins, os entes federados

    mantm certo compromisso abaixo do esperado:

    Estados e municpios, por sua vez, contam com recursos garantidos, independentemente tanto da lealdade poltica ou adeso a polticas federais quanto de seu esforo tributrio. [... ] a autoridade do governo federal para induzir as decises dos governos locais, no sentido de que estas venham a coincidir com as suas prprias prioridades, permanece limitada, uma vez que esses detm autonomia fiscal e poltica, tendo, portanto, condies institucionais para no aderir s polticas federais (ARRETCHE, 2004, p.19).

    Parafraseando Arretche (2004), a autonomia dada aos entes federados permite que

    estes adotem uma agenda prpria, principalmente no que tange a rea de polticas pblicas de

    cunho social. Ao inserirmos a perspectiva da segurana pblica, nota-se que h certa variao

    na atuao dos municpios e na composio do que as Guardas Municipais devem fazer. Ou

    seja, o formato de distribuio de competncias entre os entes federados " propcia para

    produzir os efeitos esperados pela literatura sobre federalismo e polticas pblicas:

    superposio de aes, desigualdades territoriais na proviso de servios; e mnimos

    denominadores comuns nas polticas nacionais" (ARRETCHE, 2004, p.22).

    Em um pas de abrangncia continental e com demandas heterogneas, criar um

    mecanismo que possa otimizar a forma como se compreende a segurana pblica e,

    consequentemente, a forma de conduta e atuao das Guardas Municipais, como por exemplo,

    o Sistema nico de Segurana Pblica (SUSP) considerado neste trabalho uma iniciativa

    positiva, afinal em termos de segurana pblica a nvel estadual e federal muitos j so os

    impasses que provavelmente desguam nos municpios tornando o debate e as decises na

    arena poltica, referente a segurana pblica, ainda mais complexo:

    O formato de gesto que concentra autoridade no governo federal apresenta vantagens para a coordenao dos objetivos das polticas no territrio nacional, pois permite reduzir o risco de que os diferentes nveis de governo imponham conflitos entre programas e elevao dos custos da implementao (ARRETCHE, 2004, p.24).

    A afirmao acima demonstra a existncia de certa distino entre as prerrogativas e

    atribuies de cada ente e a coordenao, formulao de regras gerais e execuo de polticas

    O Sistema nico de Segurana Pblica (SUSP) foi concebido com o objetivo de integrar as aes das polcias nas trs esferas do Poder Executivo. Ser considerado mais adiante.

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  • pblicas, ou seja, h transferncias de competncias sobre a execuo de polticas pblicas da

    Unio para seus entes federados e, paralelamente, h abertura para a Unio legislar sobre as

    mesmas polticas, caso seja de interesse do governante (ARRETCHE, 2009). A autora vai

    alm ao afirmar que a formulao autnoma de polticas pblicas por parte dos governos

    subnacionais foi limitada pela CF j que "a Unio est autorizada a legislar sobre todas as

    polticas estratgicas, mesmo que estas fossem implementadas pelos governos subnacionais"

    (ARRETCHE, 2009, p.404).

    Nota-se, tal como Almeida (1995)explana, certa impropriedade de clareza na definio

    de competncias no mbito da federao devido estipulao de cerca de trinta funes

    concorrentes entre Unio, estados e municpios. Todavia, alguns executivos municipais, em

    todo o territrio nacional, se atiraram de diferentes formas quando a pauta na agenda poltica

    a respeito da criao das Guardas Municipais (BRETAS; MORAIS, 2009).

    A respeito da segurana pblica, legalmente, a Unio props a criao do SUSP que

    no de adeso obrigatria, porm, passvel de questionamento se a dificul