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Texto de apoio à disciplina de Bioética e Deontologia Profissional
Fundamentos e aplicações da teoria da decisão
© José Carlos Rocha, GICPsi2005
Quer queiramos quer não, no percurso de vida de cada um, é inevitável ter de
optar. Há escolhas de diferente grau de complexidade que exigem diferentes
estratégias de decisão: desde a simples compra num supermercado ao início
de uma profissão. Este processo de escolha decorre frequentemente de um
modo imperceptível, no entanto, é imbuído de aprendizagem e estratégias, por
vezes, complexas (Payne, Bettman, & Johnson, 1993).
Há vários exemplos paradigmáticos de decisões difíceis que sugeriram
discussões entre investigadores da ciência cognitiva, psicólogos, economistas,
filósofos e outros pensadores. Apelidados muitas vezes de “jogos”, reflectiam
situações complexas e paradoxais que desafiavam pela melhor decisão face à
situação proposta.
A Escolha de Sofia, como um exemplo de uma decisão dramática ficcionada
por William Styron, descreve uma opção de uma mãe quando confrontada, à
entrada do campo de concentração de Auchwitz, por um médico das SS para
escolher quais dos filhos poderia manter. Dada a situação extrema, Sofia optou
rapidamente e sob pressão, mas ela nunca se perdoou por ter “matado” a filha.
Mais do que efectuar uma decisão, Sofia agiu sob a pressão do momento,
contudo, recorda como uma decisão.
Pretendemos discutir os conceitos essenciais da teoria da decisão, partindo de
elementos conceptuais, filosóficos e de base matemática, para
progressivamente centrar a exposição em aspectos mais práticos.
Procuraremos não incidir em excesso no estilo matemático em que muitos dos
conceitos básicos da decisão assentam, no entanto, o seu aprofundado
conhecimento é imprescindível para uma adequada compreensão de conceitos
mais complexos ligados às decisões respeitantes à saúde.
1.1 Questões conceptuais
O que será uma decisão? O que será uma opção? Como decidir melhor entre
as opções? Estas são algumas das questões endereçadas pela teoria da
decisão. A teoria da decisão é o corpo de conhecimentos e as diferentes
técnicas analíticas desenvolvidas para ajudar o decisor a escolher entre um
determinado número de opções à luz das suas possíveis consequências.
1.1.1 Opções
As opções na teoria da decisão têm um pertinência consideravelmente
elaborada e não tão simples como por vezes poderá parecer. Nem tudo pode
ser escolhido, porém, necessitámos de ter mais de uma opção para poder
decidir. Uma opção é uma acção que nós somos livres para seguir (Schick,
1997). Não é suficiente pensar que se está livre, sendo necessário estar de
facto livre para realizar uma dada acção. Quem está fechado numa sala e
pensar que não há saída não é livre de decidir, mesmo que a porta esteja
aberta. Para se decidir também é importante ter claro que apenas umas das
opções poderá ser levada a cabo. Será impossível seguir ao mesmo tempo
para sul e para norte.
1.1.2 Restrições e limitações das decisões
Além das limitações inerentes às opções, outras restrições podem ser
relevantes no processo de raciocínio relativo à escolha. Plous (1993) faz uma
listagem desenvolvida sobre algumas limitações, como as restrições
perceptivas, a dissonância cognitiva, os desvios promovidos pela memória e a
atenção, a influência do contexto, a plasticidade e os efeitos da formulação
narrativa da decisão.
A percepção surge nesta lista por ter natureza selectiva. Os erros perceptivos,
ilusões, são factos psicológicos muito estudados e que podem sugerir a
escolha de uma dada opção. A dissonância cognitiva é um fenómeno
psicológico associada ao desconforto sentido quando há uma discrepância
entre aquilo que se sabe ou aprendeu e uma nova informação, ou seja, uma
situação em que é necessária uma acomodação de novas ideias. Este
fenómeno psicológico é frequentemente associado ao enviesamento de
decisões, a que é apelidado de dissonância pré-decisional. A parábola do
alfaiate Judeu ilustra bem esta possibilidade. O alfaiate Judeu corajosamente
abriu uma loja na rua principal de uma cidade anti-semita. Para o expulsarem
da cidade um grupo de jovens juntava-se à porta da loja e gritava, “Judeu!
Judeu!”. Depois de algumas noites sem dormir, o alfaiate teve uma ideia. Na
próxima vez que o grupo o ameaçasse, ele anunciava que oferecia a quem lhe
chamasse Judeu ganharia 10 cêntimos. E assim foi, ofereceu essa quantia aos
jovens. Contentes com o novo incentivo, os jovens voltaram no dia seguinte
para gritar “Judeu, Judeu!”. O alfaiate, sorrindo, deu 5 cêntimos explicando que
nesse dia apenas poderia dar esse dinheiro. O grupo ficou menos satisfeito,
mas sempre era algum dinheiro. No dia seguinte, o alfaiate ofereceu apenas
um cêntimo a cada membro do grupo e, de novo, explicou que só poderia dar
esse dinheiro. Os membros do grupo pensaram que seria pouco dinheiro e
protestaram. O alfaiate disse que ou era desse modo ou nada. O grupo decidiu
que então seria “nada” porque o alfaiate seria doido em querer que eles lhe
chamassem “judeu” por apenas um cêntimo (Payne et al., 1993).
Por outro lado, as características da memória não são absolutamente fiáveis,
não se compara a uma cópia do vivido. Se percepção comporta erros, o
processo de memorização que é reconstruído face a analogias pré-existentes
facilmente desvirtua estímulos essenciais pré-decisionais. A dependência face
ao contexto salienta mais do que o próprio estímulo. Por exemplo, um pessoa
com um dado traço de personalidade pode ser julgada de uma dado modo
numa situação, no entanto, numa situação diversa a apreciação será diferente.
Ou seja, as decisões não são estáveis, têm plasticidade e adequam-se aos
contextos. O modo como a decisão ou a questão é formulada pode influenciar
fortemente a resposta. O exemplo do estudo incidindo numa questão sobre a
frequência da dor de cabeça é ilustrativo (Plous, 1993). Foram efectuadas duas
questões a dois grupos representativos de pessoas: 1. Tu tens dores de
cabeça frequentemente, se tens, com que frequência ocorre?; 2. Tu tens dores
de cabeça por vezes, se tens, com que frequência ocorre?. O grupo que
respondeu à primeira questão referiu uma frequência de 2,2 por semana em
média enquanto o segundo grupo respondeu 0,7 por semana. Outro estudo,
refere-se ao tipo de respostas obtidas através de questões abertas e através
de questões fechadas. Numa sondagem foi pedido que referissem as
prioridades para o país. Face a uma questão fechada e com as respostas
possíveis definidas, 32% referiram a qualidade das escolas públicas, 14% a
poluição, 8% o abortamento, 6% a falta de energia; enquanto, usando uma
questão aberta, 98% das pessoas não referiram nenhum dos pontos
considerados nas opções da questão fechada (Schuman & Scott, 1987).
De acordo com estas limitações conceptuais, o corpo teórico da decisão
desenvolveu-se em redor de vários paradigmas, modelos ou teorias, que
pretendiam uma aproximação à explicação sobre o modo como se decide.
Exploramos agora, de um modo cronológicos e de complexidade crescente, as
várias teorias que procuraram elaborar um melhor entendimento sobre os
processos de decisão.
1.1.3 A teoria da utilidade esperada
As raízes desta teoria estão no paradoxo de S. Petersburgo, formulado por
Bernoulli no ano de 1713. Num jogo da moeda em que se paga, por exemplo,
2€ elevado à potência do número de lançamentos necessários para sair
“coroa”, um jogo muito vantajoso, verifica-se que poucas pessoas arriscam
muito. A justificação formulada para esse paradoxo é que o valor, ou utilidade,
do dinheiro diminui com a quantidade ganha, centra-se por isso no valor
subjectivo esperado em relação a uma dada opção.
A teoria da utilidade esperada é uma teoria normativa do comportamento, isto
é, não descreve como as pessoas se comportam mas sim com as pessoas se
comportariam se determinados critérios fossem verificados.
Este teoria definiu vários axiomas subjacentes a uma decisão racional: 1. Para
decidir é preciso pelo menos duas alternativas comparáveis; 2. os decisores
racionais não devem adoptar estratégias de decisão que estão dependentes de
outras decisões; 3. se duas alternativas arriscadas incluem idênticas e
igualmente prováveis consequências a decisão é cancelada; 4. existe
transitividade, ou seja, se um decisor prefere A em relação a B e B em relação
a C, então essa pessoa deverá preferir A em relação a C.
Claro que grande parte das decisões não correspondem a estes critérios, pelo
que foi necessário o desenvolvimento de modelos descritivos, em vez de
normativos. Uma das primeiras alternativas foi proposta por Herbert Simon,
laureado pelo prémio Nobel. Simon sustentou que as pessoas procuram ficar
satisfeitas com a decisão mais do que procuram optimiza-la. Ou seja, a
satisfação é a resolução das necessidades mais importantes, mesmo que a
escolha não seja ideal nem óptima.
1.1.4 Teoria prospectiva da decisão
Esta teoria difere da teoria da utilidade esperada em diversos aspectos
importantes. Primeiro, troca a noção de “utilidade” por “valor”, utilidade é
definida em termos de riqueza e valor é definido em termos de ganhos e
perdas, benefício e custos. Segundo, considera que as perdas têm um valor
superior aos ganhos. A consequência desta separação conceptual é a
chamada “aversão à perda”, em que as perdas acabam por ser mais
valorizadas que os ganhos. Esta teoria já considera a importância do modo
com a questão é colocada, ao contrário da teoria do valor esperado e, por
esse, motivo é uma das teorias mais frequentemente referenciadas.
Esta teoria deixa de ter um carácter normativo, antes procura descrever os
processos inerentes.
1.1.5 Teoria do arrependimento
Tal com na escolha de Sofia, as pessoas de uma modo geral comparam a
opção escolhida com a opção que puseram de parte. A comparação imagética
dos resultados obtidos pela opção rejeitada é um raciocínio que tem por base
um acontecimento hipotético, pelo que é muitas vezes chamado de raciocínio
contrafactual.
Esta teoria tem dois fundamentos: 1. muitas pessoas sentem remorso ou
arrependimento; 2. em decisões com elevado grau de incerteza, as pessoas
procuram antecipar e ter em conta essas sensações.
Esta teoria não vem substituir a teoria da decisão prospectiva, porém,
acrescenta importantes aspectos descritivos e compreensivos dos processos
de decisão.
1.1.6 Escolha multi-atribucional
Nas situações em que os resultados não podem ser avaliados numa só escala,
as decisões são baseadas em múltiplos atributos. Este tipo de decisões são
mais complexas, muito frequentes no dia-a-dia e o seu estudo potenciou novas
evoluções teóricas. Considera-se que existem vários atributos aos quais é
atribuído um determinado peso e valor para cada uma das alternativas. As
estratégias usadas para avaliar cada opção tendo em conta vários atributos
foram listadas (Payne et al., 1993): 1. adição dos valores ponderados, é a
estratégia mais complexa e são somados os atributos relevantes da opção
tendo em conta o seu peso subjectivo; 2. heurística de pesos iguais, nesta
estratégia assume-se que cada atributo tem um peso igual; 3. heurística
lexicográfica, considera-se apenas o atributo mais relevante e comparam-se
alternativas apenas tendo em conta este dado; 4. heurística de eliminação de
aspectos, aqui as pessoas usam pontos de corte para atributo mais importante
(por exemplo, preço) a partir do qual uma determinada opção é eliminada, este
processo repete-se com o segundo atributo mais importante até não restarem
alternativas, esta estratégia é considerada muito frequente nos processos
cognitivos; 4. heurística da maioria de dimensões em conformidade, em que as
alternativas são comparadas aos pares e retém a opção que ganha em maior
número de atributos; 5. heurística da frequência de aspectos bons e maus, é
um processo simples de contagem de aspectos negativos e positivos de cada
uma das alternativas; e 6. estratégias combinadas, por vezes são usadas
estratégias combinadas, especialmente para eliminar alternativas mais fracas
usar estratégias menos rigorosas e depois para examinar as restantes usar
estratégias mais complexas.
1.1.7 Apoio à decisão
As teorias prescritivas da decisão assumem que os humanos podem ser
ajudados no processo de decisão. Quando se pretende decisões com
intencionalidade e contingenciais, o modelo de custos (desvantagens) e
benefícios (vantagens), decorrente da teoria prospectiva da decisão, permite
uma correcta comparação e avaliação das alternativas. Custos e benefícios diz
respeito aos objectivos do indivíduo e às limitações inerentes à estrutura-
conteúdo de cada problema decisional.
Beach desenvolveu versão prescritiva do modelo de custos-benefícios que tem
sido usada para classificar as ajudas à decisão. Este autor considera três tipos
gerais de ajudas à decisão: 1. estratégias de análise guiada (analitic decision
aid), 2. estratégias de análise não guiada, e 3. estratégias não analíticas. As
análises guiadas são normativas e envolvem o uso de algum tipo de ajuda à
decisão (em papel, multimédia ou video) para calcular o valor esperado de
várias opções de risco elevado. As estratégias de análises não guiadas são as
usadas através de um cálculo subjectivo dos valores sem partilha nem ajuda
externa. As estratégias não analíticas são aquelas fruto do acaso, como
escolher a alternativa que se escolheu na última vez ou moeda ao ar (Beach,
1990).
Contudo, as análises de custo-benefício podem ser extremamente complexas e
fortemente sujeitas a valores subjectivos de diferente ordem. Particularmente
na saúde, as decisões podem ser de elevada complexidade e considerando
elevada incerteza e risco (Frosch & Kaplan, 1999).
1.1.8 Risco e incerteza
O conceito de risco tem merecido particular interesse em diversos contextos de
investigação, com particular interesse na área da saúde e nas companhias de
seguros. A definição de risco (Vlek, 1987) é a probabilidade da ocorrência de
um acontecimento valorizado negativamente. Outras definições alternativas
merecem atenção: 1. o produto da probabilidade e o tamanho da possível
perda; 2. o tamanho ou gravidade da possível perda ou acidente; 3. a variância
(ou probabilidade) de todas as possíveis consequências de uma actividade.
Apesar de o risco poder ser medido quantitativamente, o conceito tem sido
melhor medido usando descrições qualitativas de forma a permitir análises de
risco mais completas e flexíveis à subjectividade inerente (Humphreys &
Berkeley, 1987; Starr & Whipple, 1980).
A subjectividade do risco, o julgamento efectuado sobre o risco, levanta sérias
distâncias entre o que os técnicos de análise de risco avaliam e o que os
sujeitos a risco julgam. Podemos dizer que há um risco objectivo, racional, e
um risco percebido. O risco percebido pode ser avaliada recorrendo a medidas
a 3 níveis: 1. fisiológicas, o nível de excitação ou ansiedade expressa na
actividade do sistema nervoso autónomo; 2. comportamental; padrões de
movimento interpretáveis de adopção de estratégias defensivas, por exemplo,
gritar de medo; 3. cognitivas, descrições verbalizadas de atitudes face a
acontecimento de risco, avaliação e decisões sobre reacções alternativas
(Vlek, 1987). Este mesmo autor considera 5 factores subjacentes ao risco
percebido, o potencial dano, a controlabilidade, o número de pessoas expostas,
a familiaridade com as consequências e o grau de voluntariedade na
exposição. O conceito de risco fez uma evolução iniciando na objectividade do
risco até à subjectividade do mesmo.
O conceito de incerteza tem as suas raízes na teoria quântica em que o
principio de Heisenberg postula o indeterminismo rigoroso em simultâneo do
tempo e espaço em relação a uma partícula atómica. Na teoria da decisão, as
consequências de cada alternativa podem ser indeterminadas em diversos
níveis de rigor. Nessas situações, aceita-se que a decisão tem subjacente
elevada incerteza.
1.1.9 Níveis de definição dos problemas em decisão
Tal como referimos anteriormente, subjaz ao processo de decisão várias
limitações que dificultam a tomada de decisão. Uma das dificuldades sentidas
pelos decisores começa na própria conceptualização do problema (Simon,
Fagley, & Halleran, 2004). Não é uma tema frequente na literatura, não
obstante, Humphrey e Berkeley (1987) desenvolveram uma estrutura
desenvolvimental para conceptualização do problema decisional, em situações
de risco elevado, com 5 níveis. Usa para tal formulação alguns elementos
teóricos previamente referenciados, contudo, integra-os sequencialmente. 1º
Exploração das fronteiras do “pequeno mundo” dentro do qual se desenrola o
problema decisional. Este “pequeno mundo” refere-se aos limites de material
que a pessoa está preparada para evocar da memoria. 2º Expressão do
problema em linguagem. 3º Desenvolver uma estrutura dentro de um esquema
de decisão. 4º Explorar os “ses”. Por “ses”, refere-se a testar cada uma das
alternativas usando da imaginação. Por exemplo, “se a amniocentese dá um
diagnóstico de trissomia 21?”; 5º Fazer a melhor representação dos riscos
(Humphreys & Berkeley, 1987).
1.1.10 Conflito na decisão
O conflito na decisão é uma estado de incerteza face às acções a desenvolver
no decurso de uma decisão. Este tipo de incerteza é mais frequente quando a
pessoa é confrontada com decisões que envolvem elevados niveis de risco e
incerteza nas consequências (O'Connor, 1999). Janis e Mann (1977),
desenvolveram uma grelha teórica centrada no pressuposto de que um dos
factores que mais contribui para a dificuldade na tomada de decisão é a
ansiedade induzida pelo conflito na decisão. Assumem que o conflito na
decisão contribui para a ansiedade através de duas fontes: 1. preocupação
com as perdas materiais, pessoais ou sociais de qualquer que seja a
alternativa, e 2. preocupação com a perda de reputação e auto-estima se a
decisão é errada. De acordo com este modelo há 5 modos de lidar com o
conflito na decisão: a. adesão sem conflito, ou seja, o decisor ignora a
informação sobre os riscos e, complacentemente, continua o seu
comportamento; b. mudança sem conflito, o decisor adopta de modo acrítico a
decisão mais recomendada ou mais relevante; c. evitamento defensivo, o
decisor tenta ultrapassar o conflito na decisão alterando a percepção do
problema o que promove a procrastinação ou delega a responsabilidade sobre
outrem; este estilo é considerado pouco eficaz e gerador de ansiedade; d.
hipervigilância, o decisor procura incessantemente e desesperadamente por
uma solução para os seus dilemas; e. vigilância, o decisor procura clarificar os
objectivos que pretende atingir com a decisão, procura tranquilamente
informação sobre as opções, assimila a informação evitando desvios de
percepção e avalia as alternativas antes de decidir; este estilo está associado a
um moderado grau de ansiedade, contudo, segundo este modelo é o único
processo de lidar com o conflito que gera decisões racionais (Janis & Mann,
1977). Este modelo sugere a ideia de uma balança para a pesagem dos riscos
benefícios que foi mais tarde recuperada para aplicação prática. O modelo
permitiu também o desenvolvimento de uma escala, The Melbourne Decision
Making Questionnaire, que foi testado, através de análise factorial
confirmatória, e relevou dados consistentes com uma boa validade constructo
(Mann, Burnett, Radford, & Ford, 1997).
1.1.11 Crítica aos modelos de decisão
Um autor, Tod Sloan, tem criticado fortemente os modelos mais racionalistas
de decisão dado que não incluem aspectos semióticos, sócio-culturais, de
significado e de simbolismo. Estes aspectos serão de extrema importância, de
acordo com o autor, em decisões que interferem com o percurso de vida das
pessoas. Sejam decisões académicas, vocacionais, profissionais, reprodutivas,
afectivas ou espirituais, os modelos racionais de decisão apresentam
limitações graves (Sloan, 1992). Baseando-se apenas no raciocínio lógico o
campo de estudo da decisão perde a natureza analógica das decisões mais
complexas.
1.2 Decisões no contexto da saúde
Todos nós tomamos decisões de saúde com elevada frequência: desde lavar
os dentes, fumar, tomar medicamentos para dores de cabeça até à decisão de
diagnóstico pré-natal ou escolher entre tratamentos quimioterapêuticos e
cirúrgicos.
Em 1979, um grupo de investigadores criou a Society for Medical Decision
Making que terá sido impulsionadora da aplicação dos modelos de decisão às
áreas da saúde. Nos últimos anos, a aplicação dos conceitos de decisão tem
sido reconhecida como um objectivo prioritário de investigação (Beach &
Lipshitz, 1993) que se repercute nas frequência de publicações sobre este
tema: cerca de 1200 referências no Pubmed de cada um dos anos de 2000,
2001 e 2003 para “medical decision making”. As decisões no âmbito da
oncologia têm sido particularmente férteis em investigação, uma vez que são
decisões de elevado risco, baseadas em informação complexa e com elevados
níveis de incerteza; são muitas vezes decisões que implicam um risco de vida.
Grupos de investigadores médicos, enfermeiros e psicólogos têm-se debruçado
sobre este tipo de decisões e enfatizam 3 tipos de factores influentes nestas
decisões: 1. o contexto decisional, referente ao tipo de decisão (em relação a
um dado procedimento, diagnóstico, tratamento ou protocolo), à seriedade das
consequências (por exemplo, doar um órgão versus tomar comprimido para
enxaqueca), à familiaridade com a decisão (decidir fazer exercício é mais
familiar do que fazer um teste genetico), aos níveis de incerteza (o rastreio
bioquímico pré-natal indica um risco aproximado, enquanto um diabético
sempre que não tomar insulina tem consequências); 2. o decisor em si, ou seja,
determinadas características do decisor como a sua idade (por exemplo, se o
decisor é uma criança ou um adulto); como traços de personalidade; como a
capacidade para entender a informação médica; 3. as outras influências mais
genéricas já descritas neste capítulo como os erros perceptivos, a dissonância
cognitiva, a formulação do problema, a memoria e a atenção.
Depois dos modelos paternalistas de decisão assentes nas arcaicas teorias
normativas de decisão, em que o médico decidia por si os tratamentos a
realizar (Charavel, Bremond, Ferdjaoui, Mignotte, & Carrere, 2001), surge o
modelo consentimento informado que centrava a sua conceptualização na
informação e no processo comunicacional na relação médico-doente. Este
modelo rapidamente evolui para o modelo de tomada de decisão partilhada, em
que o paciente e a equipa de saúde têm um papel co-constructivo de uma
decisão.
1.2.2 Modelo da decisão partilhada
Enquanto o consentimento informado é um imperativo ético em que o médico
informa sobre o factos relativos a um dado procedimento, a decisão partilhada
é mais exigente e evolui vários degraus. Ou seja, a equipa de saúde, além de
apresentar os factos sobre um dado procedimento, desenvolve um processo
em que discute com o paciente a informação existente, incluindo opções de
tratamento e consequências, para depois ter em conta os objectivos
preferências pessoais do paciente e decidir em acordo mutuo (Frosch &
Kaplan, 1999). A decisão partilhada é especialmente recomendada para
procedimentos preventivos, uma vez que lhes é inerente a negociação
complexa entre custos e benefícios.
A decisão médica partilhada foi definida em 4 condições (Charles, Gafni, &
Whelan, 1997): 1. No mínimo, o médico e o paciente estão envolvidos no
processo de decisão; 2. ambos, médico e paciente, partilham informação; 3.
ambos tomam passos no sentido de participar na decisão exprimindo
preferências; 4. a decisão é implementada de acordo mutuo entre o médico e o
paciente.
Especificando o papel do médico neste processo, Charles et al.(1997) elucida
que o médico deverá criar uma atmosfera de tal modo que o paciente sinta a
sua perspectiva como válida e necessária. Para tal o médico deverá evocar e
discutir as preferências do paciente de modo a serem compatíveis com o seu
estilo de vida e valores. Clarifica que a transferência de informação por parte
do médico das opções de tratamento, riscos e os prováveis benefícios, dever
ser realizada, na medida do possível, de um modo não enviesado, claro e
simples. De um modo mais activo, sugere que o médico deverá ajudar o
paciente a conceptualizar o processo de “pesar” as alternativas, entre custos e
benefícios.
Outros autores (Elwin et al., 2001; Goldim, Pithan Cda, de Oliveira, &
Raymundo, 2003; Trevena & Barratt, 2003) referem outros pontos igualmente
importantes. A equipolência é a tradução para Português da palavra Inglesa
equipoise. Trata-se de uma palavra cuja origem remonta a 1658 (Goldim et al.,
2003) e refere-se a um momento do processo de decisão em que há um
número legítimo de opções e que o médico não tem preferências claras para
cada uma delas (Trevena & Barratt, 2003). A demonstração de equipolência é
considerada um objectivo da decisão partilhada.
Elwyn et al. (2001) sugerem um esquema, mais completo do que o inicialmente
apresentado por Charles (1997), com 8 pontos: 1. envolvimento implícito ou
explicito dos pacientes; 2. explorar as ideias, medos e expectativas face a
alternativas; 3. demonstrar a equipolência das opções; 4. identificar e oferecer
o modo preferido de comunicar a informação; 5. verificar compreensão da
informação e das reacções; 6. aceitação das preferências e do estilo de
decisão; 7. tomar e discutir a decisão; e, 8. providenciar acompanhamento do
paciente.
Surgem, no entanto, várias dificuldades na aplicação destas tarefas que têm
sido resolvidas com recurso a diversas estratégias. As dificuldades na
transferência de informação não enviesada sobre os custos e benefícios tem
sido resolvida através de quadros de decisão que facilitem a exposição e
exposto através dos meios anteriormente referenciados por Beach (1993). De
modo a manter a objectividade sugere-se (Charavel et al., 2001) a utilização de
cartões com a informação a fornecer de modo a guiar a exposição, no final da
consulta todos os cartões estarão na mesa e o paciente levará para casa uma
cópia da informação dada. No nosso entender, mantêm-se dificuldades ao nível
da relação médico-paciente, particularmente na clarificação de valores face às
alternativas.
1.2.3 Modelo de apoio à decisão de Ottawa
Mais recentemente, uma equipa Canadiana tem desenvolvido um trabalho
interessante nesta área, primeiro desenvolvendo uma grelha teórica (Ottawa
Decision Support Framework) e, depois, aplicando ajudas à decisão em várias
áreas como dos testes genéticos (cancro da mama, cancro do cólon,
diagnóstico pré-natal) e de tratamentos médicos (transplantes, cirurgias e
quimioterapia).
Esta grelha foi desenvolvida tendo por base as teorias prospectiva da decisão,
do conflito na decisão e do suporte social, e aplica-se a decisões de saúde que:
1) são estimuladas por uma nova circunstância, diagnóstico ou transição
desenvolvimental; 2) requerem deliberação cuidadosa devido à incerteza e/ou
natureza moral dos benefícios e riscos; e 3) requerem mais esforços na fase de
deliberação do que na de implementação (O’Connor et al, 1998).
Este modelo assume que o conflito decisional é gerado pelo risco e incerteza
inerentes às consequências das alternativas em decisão que, por sua vez, leva
a que o decisor faça julgamentos de valor em relação a cada alternativa. Este
modelo considera que, ao julgar o valor de cada opção, cada sujeito gera uma
antecipação do arrependimento como sugerido anteriormente pela teoria do
arrependimento. Este arrependimento é justificado pela rejeição de opções com
aspectos positivos e pela aceitação de opções com consequências negativas.
Este modelo considera três eixos de avaliação: a percepção da decisão, a
percepção de outros significativos e recursos para fazer e implementar a
decisão. Quanto à percepção da decisão, o modelo de Ottawa procura avaliar a
informação sobre as opções, as expectativas, os valores associados às
opções, o conflito na decisão e a predisposição face à decisão. Em relação à
percepção de outros significativos, este modelo considera relativamente a
existência de normas, pressões, suporte e papeis de decisão participativa.
Relativamente ao recursos para decidir e implementar a opção, considera as
experiências anteriores de decisão, a auto-eficácia, as competências, a
motivação e os recursos externos.
As ajudas à decisão incluem, no mínimo, informação sobre as alternativas, e os
benefícios e riscos apropriados a uma determinada condição clínica. Outras
estratégias adicionais de apoio à decisão são: informação sobre a
doença/condição, as probabilidades face a um risco clínico, um exercício de
clarificação dos valores, informação sobre opiniões ou recomendações de
outros, apoio nos passos de tomada de decisão e sua comunicação ao médico
(O’Connor et al, 1997). Como consequência poderá haver uma maior
congruência entre os valores pessoais do sujeito e a sua decisão (Drake,
1999). Muitas vantagens da utilização destas técnicas estão avaliadas, contudo
há necessidade de mais investigação.
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