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UNIVERSIDAD DE SALAMANCA
Intituto Universitario de Iberoamérica
Faculdad de Ciencias Sociales
MÁSTER UNIVERSITARIO EN ANTROPOLOGIA DE IBEROAMÉRICA
MEMÓRIAS DE PESSOAS E DE CHAPÉUS EM
BLUMENAU, BRASIL, E FLORENÇA, ITÁLIA
GABRIELA POLTRONIERI LENZI
Diretores:
Dr. Ángel Baldomero Espina Barrio Dr. Mario Helio Gomes de Lima
Salamanca, 2014
GABRIELA POLTRONIERI LENZI
MEMÓRIAS DE PESSOAS E DE CHAPÉUS EM
BLUMENAU, BRASIL, E FLORENÇA, ITÁLIA
Trabalho de Fim de Mestrado Universitário em
Antropologia de Iberoamerica apresentado à
Universidad de Salamanca para cumprimento parcial
dos requisitos para o título de maestria em
Antropologia de Iberoamerica.
Diretores:
Dr. Ángel Baldomero Espina Barrio
Dr. Mario Helio Gomes de Lima
Salamanca
2014
UNIVERSIDAD DE SALAMANCA
Intituto Universitario de Iberoamérica
Faculdad de Ciencias Sociales
MÁSTER UNIVERSITARIO EN ANTROPOLOGIA DE IBEROAMÉRICA
MEMÓRIAS DE PESSOAS E DE CHAPÉUS EM
BLUMENAU, BRASIL, E FLORENÇA, ITÁLIA
_______________________________
Gabriela Poltronieri Lenzi
Diretores:
_________________________________ _________________________________
Angel Baldomero Espina Barrio Mario Helio Gomes de Lima
“Dedico este trabalho de fim de mestrado à minha querida professora, Marli
Poltronieri Lenzi, que, além de alfabetizadora de letras, foi alfabetizadora de vida.”
AGRADECIMENTOS
Sei que escrever aqui não passa de mera formalidade. Por isso, gostaria de dizer que
além desses caracteres, cada um de vocês tem o seu lugar em minha alma.
À minha mãe e professora, Marli, todos “os obrigadas” do mundo seriam poucos. Por
acreditar em mim, por me permitir sonhar, por me amar da maneira que sou, por me
ensinar a ser humilde acima de tudo. Ao meu pai, “manteiga derretida” Renato, que
me lembra sempre que ainda sou aquela menina muito amada, a mesma que comia
frutas do mato, corria com os pés descalços nas pedras e de coração simples...
coração do interior onde nasci e cresci e do qual tenho muito orgulho.
À minha irmã Mirela, que é minha melhor amiga e, agora, mãe da criatura que mais
amo no mundo, a Domenica. Obrigada pela ajuda diária com os vídeos e fotos de
nossa pequena “girafinha”. Eles me motivaram a continuar escrevendo feliz. E
também ao Charles, meu irmão “torto” que faz parte dessa família que tanto amo.
À minha nonna Miranda, exemplo de mulher independente, forte e trabalhadora,
minha inspiração e minha grande amiga. Ao meu nonno Luiz, por todos os seus
ensinamentos feitos por meio de ditados populares e pelas divertidas manhãs
despertadas com “Acorda Maria Bonita”. Obrigada aos dois pelas incansáveis
orações diárias.
A todos da família Poltronieri, tios, tias, primos e primas, que são como pais e
irmãos. Sabemos que viver todos juntos tem, sim, seu lado difícil, mas, tenho certeza
de que seria mais difícil vivermos separados. E isso é o verdadeiro amor.
Ao meu companheiro, namorado, amigo, Diogo Augusto, que está, desde a
graduação, sempre na primeira fileira torcendo por mim. Tolera minhas longas
ausências e minhas ideias loucas e sonhadoras. Não somente tolera, como as apoia,
acredita nelas e as faz serem, também, sua realidade.
À família Gazaniga, Jair, Goretti, Ruama e Juliette, por todo carinho, apoio e
coxinhas feitas em minha homenagem em minhas breves passagens pelo Brasil.
Aos meus amigos Amana, Jota e Cookie, que estão sempre ao meu lado, me ouvindo,
torcendo por mim e me ajudando. Os churrascos e encontros com vocês foram como
um bálsamo entre esse ir e vir da Espanha para o Brasil.
Ao Frei Maurício, meu amigo, torcedor e guia espiritual.
Ao Professor Telmo Vieira, que conheci em um retiro espiritual em Florianópolis e
me deu todas as coordenadas para ingressar na Universidad de Salamanca.
Às queridas Helena e Marcilda que, além de me ajudarem sempre com as
formatações e correções ortográficas e gramaticas de meus trabalhos, estão sempre
prontas, com palavras positivas de carinho e apoio.
Aos amigos que fiz em Salamanca logo quando cheguei, em especial Franciele,
Júnior e Daniel, que, além de me buscar na Estación de Autobuses e carregar minhas
malas pesadas, me receberam em sua casa da forma mais generosa possível.
À minha família em Salamanca, Silvia, Mario, Ingrid, Maria Luísa e Faraó. Foi
maravilhoso dividir os meus momentos com vocês. Estarão para sempre em meu
coração.
Às minhas queridas amigas: Elizabeth, que leu incansavelmente este trabalho; Carla,
que fez os momentos de estudo melhores com suas deliciosas “comidinhas”; e
Luciana, minha companheira de mestrado, de yoga e de fluidoterapia espiritual.
Além de todo apoio e ajuda concedidos durante o mestrado, foram ótimas
companhias para momentos desestressantes. Fico muito feliz em tê-las conhecido e
espero que esta ligação ultrapasse as fronteiras de Salamanca.
Aos colegas e professores do mestrado... Compartilhar o aprendizado e as
experiências com todos vocês foi muito enriquecedor.
Aos tutores Dr. Angel Espina Barrio e Dr. Mario Helio Gomes de Lima, pela
paciência, carinho e empenho comigo durante todo o processo do Trabalho de Fim
de Mestrado (TFM).
A Francesco Ciai e Daniela Trambusti que me receberam em sua casa em Florença,
durante as pesquisas de campo lá realizadas. Saber que sempre posso contar com a
amizade de vocês me deixa muito feliz.
Aos entrevistados de ambas as localidades investigadas – Blumenau, SC, Brasil, e
Florença, Itália – que, com sua paixão pelo chapéu, fizeram o presente trabalho se
tornar muito mais rico e verdadeiro. De modo especial, na Itália, ao Consorzio Il
Cappello di Firenze, ao Museo della Paglia e dell’Intreccio di Signa e ao gruppo
Archeologico Signese, pelas imagens e documentos concedidos, como também à
Comune di Signa e à Camera de Commercio da cidade. No Brasil, no estado de Santa
Catarina, na cidade de Blumenau, à Fundação Cultural, ao Museu de Hábitos e
Costumes e ao Arquivo Histórico José Ferreira da Silva.
Por fim, mas não menos importante, agradeço a Deus e a Nossa Senhora de Fátima,
pelo ano de aprendizado e por todos os mencionados acima. Escrever um Trabalho
de Fim de Mestrado pode ser uma função solitária. Todavia, poder contar com a
amizade e o apoio de pessoas queridas faz com que o resultado seja coletivo.
Muito Obrigada!
“A gente olha o porta-chapéu e adquire a certeza de que o dono da casa não saiu.
Não é só porque vê o chapéu: é porque vê a pessoa.
Se nos descuidarmos, diremos, apontando o chapéu: - ‘Olhe Seu Manuel ali.’”
Aurélio Buarque de Holanda
RESUMO
LENZI, Gabriela Poltronieri. (2014). Memórias de pessoas e de chapéus em Blumenau,
Brasil, e Florença, Itália. Trabalho de Fim de Mestrado Universitário em Antropologia de
Ibero-América, Universidad de Salamanca.
Este Trabalho de Fim de Mestrado Universitário em Antropologia de Ibero-América, da
Universidad de Salamanca, apresenta um estudo sobre o chapéu, de caráter antropológico-
cultural, que se norteou pela antropologia da moda, do desenho e econômica e seguiu a linha
da teoria pós-moderna como forma de descrição densa das experiências vividas por
artistas/artesãos desse acessório. O chapéu assume seu quase desaparecimento e, com ele, o
de um ofício: o de chapeleiro. Isso ocorreu na maior parte das cidades que tinham o elemento
como fonte econômica. Nessa direção, a presente investigação teve, como objetivo geral,
compreender, por meio da memória coletiva, de que forma a chapelaria tem contribuído para
o sistema de moda, assim como para a economia, das regiões de Florença, Itália, e de
Blumenau, Brasil, do século XX até os dias atuais. Quanto aos objetivos específicos, foram:
coletar as histórias e os comportamentos relacionados à chapelaria, nas comunidades de
Signa, Itália, e de Blumenau, Brasil; compreender como eram o ofício, os costumes, a vida em
sociedade e a economia gerada pela chapelaria, nessas comunidades; compreender qual era o
valor da moda para essas duas cidades; entender qual era a importância, no ano de 2014, da
chapelaria para as regiões, na Província de Florença, Itália, e de Blumenau, Brasil. Entre os
resultados, obteve-se que ambas as localidades tiveram relação econômica e social com esse
acessório de moda, bem como com esse labor. Além disso, a Província de Florença tem a
chapelaria presente em sua história há quase 300 anos, especialmente o chapéu de palha, o
conhecido mundialmente cappello di paglia di Firenze. Blumenau teve sua ligação com o
chapéu no último século, quando a cidade, uma nova colônia alemã, iniciou um processo de
desenvolvimento industrial com enfoque no ramo do vestuário e têxtil. Os chapéus feitos
nessa cidade eram de feltro e fornecidos para a região e também para outros estados. A
correlação do acessório com cada uma das localidades enfocadas nesta pesquisa tem suas
distinções e peculiaridades. Todavia, o chapéu é visto, até os dias de hoje, como um símbolo
de desenvolvimento para ambas as localidades.
Palavras-chave: Chapelaria. Chapeleiro. Chapéu. Quase desaparecimento do chapéu. Antigo
ofício de moda.
ABSTRACT
LENZI, Gabriela Poltronieri. (2014). Memories of people and hats em Blumenau, Brazil, and
Florence, Italy. Final Master's Degree in Iberoamerica Anthropology, Universidad de
Salamanca
This final paper for the University Master in Ibero-American Anthropology, at Universidad de
Salamanca, presents a study on the hat, anthropological and cultural in nature, guided by
fashion, design and economic anthropology and following the line of postmodern theory
through the dense description of the experiences lived by artists/artisans who worked with this
accessory. The hat accepts its near disappearance and, along with it, that of a craft: the
hatmaker’s. This happened in most of the cities which had it as an economic source. Because
of that, this research had, as the general objective, to understand, through collective memory,
in which ways hatmaking has contributed to the fashion system, as well as to the economy, in
the regions of Florence, Italy, and Blumenau, Brazil, from the 20th century up to the present
day. In regard to the specific objectives, they were: to collect the history and the behavior
related to hatmaking, in the communities of Signa, Italy, and Blumenau, Brazil; to understand
how the craft, the customs, life in society and the economy provided by hatmaking were in
these communities; to understand what was the value of fashion for these two cities; to
understand which was the importance of hatmaking, in 2014, in these regions, in the Province
of Florence, Italy, and Blumenau, Brazil. Among the results, it was shown that both places
have an economic and social relation with this fashion accessory, as well as with the craft.
Besides this, the Province of Florence has hatmaking present in its history for almost 300
years, especially the straw hat, renowned worldwide as the cappello di paglia di Firenze.
Blumenau made its connection with the hat in the last century, when the city, a new German
colony, began an industrial development process focused on the clothing and textile area. The
hats made in this city were made of felt and sold in the region and also in other states. The
correlation of the accessory with each of the places treated in this research has its distinctions
and peculiarities. However, the hat has been seen, up to these days, as a symbol of
development for both places.
Keywords: Hatmaking. Hatmaker. Hat. Near disappearance of the hat. Old fashion craft.
RESUMEN
LENZI, Gabriela Poltronieri. (2014). Memorias de personas y de sombreros en Blumenau,
Brasil, y Florencia, Italia. Blumenau y Florencia. Trabajo Fin de Máster Universitario en
Antropología de Iberoamérica, Universidad de Salamanca.
Este Trabajo de Fin de Máster, del Programa de Máster Universitario en Antropología de
Iberoamérica de las Universidades de Salamanca, Valladolid y León, presenta un estudio de
carácter antropológico y cultural sobre el sombrero; el trabajo se enmarca dentro de la
antropología de la moda, del diseño y la antropología económica, y siguió los lineamientos
teóricos de la antropología postmoderna, especialmente en lo referente a la descripción densa
como forma de acercamiento a las experiencias vividas por los artistas/artesanos del accesorio
en cuestión. El sombrero asume su cercana desaparición y, con él, la de un oficio: el del
sombrerero; esta desaparición ya ha ocurrido en la mayor parte de las ciudades que tenían el
sombrero como fuente económica. En este sentido, esta investigación tuvo, como objetivo
general, comprender y rescatar, por medio de la memoria colectiva, de qué manera la
sombrerería influyó tanto en el sistema de la moda, como en la economía de las regiones de
Florencia, Italia, y de Blumenau, Brasil, desde el siglo XX hasta la actualidad. Respecto a los
objetivos específicos, estos fueron: buscar historias y comportamientos relacionados con la
sombrerería, en las comunidades de Signa, Italia, y de Blumenau, Brasil; comprender cómo
era el oficio, cuáles eran las costumbres, la vida en sociedad y la economía generada por la
sombrerería, en esas comunidades; comprender cuál era el valor de la moda para esas dos
ciudades; entender la importancia, en el 2014, de la sombrerería en la Provincia de Florencia,
Italia, y en Blumenau, Brasil. Como resultados, en esta investigación se logró observar que
los dos lugares tuvieron una estrecha relación económica y social con ese accesorio de moda,
así como con esa labor. Respecto a la Provincia de Florencia, ésta ha tenido la sombrerería
presente en su historia desde hace casi 300 años, en especial el sombrero de paja, el
mundialmente conocido cappello di paglia di Firenze. En cuanto a Blumenau, esta región se
relacionó con la fabricación de sombreros sólo desde el último siglo, cuando la ciudad, una
nueva colonia alemana, inició un proceso de desarrollo industrial en las ramas de la industria
textil y de la indumentaria; los sombreros hechos en esta ciudad eran de fieltro y se distribuían
tanto en la región, como en otros estados. La relación del accesorio con cada uno de los
lugares estudiados en esta investigación, tiene sus diferencias y peculiaridades. Hasta hoy en
día, el sombrero es visto, como un símbolo de desarrollo en ambas localidades.
Palabras clave: Sombrerería. Sombrerero. Sombrero. Cercana desaparición del sombrero.
Antiguo oficio de moda.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Mulheres em Signa, anos de 1940, trabalhando em casa para a empresa
de chapéus Rugi ..................................................................................................... 24
Figura 2 - Decreto do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio de Roma,
para investigar as condições de trabalho dos artesãos da palha (trançados
e chapéus) .............................................................................................................. 25
Figura 3 - Canotto – Típico chapéu da região de Florença, Itália, em exposição no
Museo della Paglia e dell’intreccio di Signa ......................................................... 26
Figura 4 - Costureiras de chapéus - empresa não definida, ano 1947 .................................... 27
Figura 5 - Funcionários da Fábrica de Chapéus Nelsa nas décadas de 1930 e 1940 ............. 28
Figura 6 - Publicidade e panfletos de diversos períodos da Fábrica de Chapéus
Nelsa S/A ............................................................................................................... 29
Figura 7 - Capa da revista Santa Catarina, do município de Blumenau ................................. 30
Figura 8 - Matéria sobre a Fábrica de Chapéus Nelsa S/A, situada no município de
Blumenau ............................................................................................................... 30
Figura 9 - Chapéu pala ........................................................................................................... 33
Figura 10 - Londres 1877 – da série “Street Life in London” .................................................. 35
Figura 11 - Chapéu Wash’n’Go ................................................................................................ 39
Figura 12 - Homens com cartola, século XIX .......................................................................... 40
Figura 13 - Homens com chapéus coco, 1908 .......................................................................... 41
Figura 14 - Roosevelt e seu chapéu de Panamá ....................................................................... 42
Figura 15 - Charlie Chaplin como Carlitos .............................................................................. 49
Figura 16 - Kate Middlenton .................................................................................................... 52
Figura 17 - Carmen Miranda e seu turbante ............................................................................. 53
Figura 18 - O homem do turbante vermelho ............................................................................ 59
Figura 19 - Autorretrato Van Gogh - Chapéus de palha, pintado em 1888 ............................. 60
Figura 20 - La Neige – Magrite ................................................................................................ 61
Figura 21 - Cloche 1927 – Fotógrafo: Alex Stewart Sasha ...................................................... 64
Figura 22 - Jackie Kennedy, 1961 usando o pillbox................................................................. 65
Figura 23 - Chapéu de mago..................................................................................................... 70
Figura 24 - Judeus com o Kipá ................................................................................................. 71
Figura 25 - Cones de feltro, antes de se transformarem em chapéus ....................................... 90
Figura 26 - Giulia e Lucia......................................................................................................... 91
Figura 27 - Materiais vendidos no estabelecimento de Giulia e Lucia, onde as cores
são quase infinitas. ................................................................................................. 93
Figura 28 - Gian Piero realizando uma forma de madeira ....................................................... 95
Figura 29 - Gian Piero em seu local de trabalho ...................................................................... 95
Figura 30 - Diploma “Anzianità Artigiana” do pai de senhor Gian Piero ................................ 96
Figura 31 - Fotografia do pai de Gian Piero, fazendo uma forma de madeira ......................... 96
Figura 32 - Senhora Anna Maria .............................................................................................. 99
Figura 33 - Antigos catálogos com chapéus feitos por Anna Maria ........................................ 99
Figura 34 - Attilio Greve, fundador da empresa ..................................................................... 101
Figura 35 - Cher no filme um Tè con Mussolini, usando um chapéu da marca Grevi,
empresa de Giuseppe ........................................................................................... 104
Figura 36 - Giuseppe em sua loja em Florença ...................................................................... 105
Figura 37 - Sra. Ellen, em sua casa, mostrando os antigos chapéus que ainda guarda .......... 106
Figura 38 - Fábrica de Chapéus Nelsa nos anos de 1940 ....................................................... 107
Figura 39 - Jornal de Santa Catarina, Almanaque do Vale, reportagem sobre a antiga
fábrica de chapéus Nelsa ..................................................................................... 107
Figura 40 - Sr. Rudolfo Leder, chapeleiro da fábrica de chapéus Nelsa em 1920 ................. 109
Figura 41 - Placa entrada do Museo della Paglia e dell’intreccio di Signa ............................ 110
Figura 42 - Emirena, museóloga do Museo della Paglia e dell’Intreccio di Signa ................ 110
Figura 43 - Palhas e trançados do Museo della Paglia e dell’Intreccio di Signa, feitos
na Província de Firenze ....................................................................................... 111
Figura 44 - Chapéus e trançados de palhas do Museo della Paglia e dell’Intreccio di
Signa, típicos da Província de Firenze ................................................................. 112
Figura 45 - Mulheres, em 1950, na região de Signa, trançando as palhas e iniciando a
confecção dos chapéus ......................................................................................... 113
Figura 46 - Sala de mostruários da empresa de chapéus Cristianini, em Signa, ainda
ativa...................................................................................................................... 114
Figura 47 - Vista interna do Museo della Paglia e dell’Intreccio di Signa............................. 115
Figura 48 - Sueli no Museu de Hábitos e Costumes de Blumenau ........................................ 116
Figura 49 - Antigas embalagens e chapéus da Fábrica de Chapéus Nelsa, acervo do
Museu de Hábitos e Costumes de Blumenau ...................................................... 117
Figura 50 - Primeira sede da fábrica de chapéus Nelsa – 1924-1925..................................... 118
Figura 51 - Chapéu feito por chapeleiras artesanais de Blumenau ........................................ 118
Figura 52 - Brigitte Bardot anos de 1950 – ícone de beleza, propagou a moda de
foulard na cabeça ................................................................................................. 120
Figura 53 - Publicidade de 1941, com solas e saltos de madeira, utilizados no período ....... 122
Figura 54 - Museo della Paglia e dell’Intreccio di Signa ....................................................... 125
Figura 55 - Museu de Hábitos e Costumes Blumenau ........................................................... 125
Figura 56 - Oktoberfest em Blumenau, onde os chapéus são utilizados para compor a
indumentária típica .............................................................................................. 128
Figura 57 - Casamento de Kate Middleton e Príncipe Willian em 2011................................ 129
Figura 58 - Mãos deformadas com passar dos anos devido aos trançados das palhas
do chapéus ........................................................................................................... 130
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 15
1.1 Delimitação do problema ........................................................................................... 16
1.2 Justificativa ................................................................................................................. 17
1.3 Objetivos ...................................................................................................................... 18
1.3.1 Objetivo geral ............................................................................................................... 18
1.3.2 Objetivos específicos .................................................................................................... 19
1.4 Hipóteses da pesquisa ................................................................................................. 19
1.5 Estrutura do trabalho ................................................................................................. 19
2 MARCO TEÓRICO ................................................................................................... 21
2.1 O chapéu, contador de histórias: Florença e Blumenau ......................................... 22
2.2 Funções do chapéu ...................................................................................................... 31
2.2.1 Protege e adorna ........................................................................................................... 31
2.2.2 Distingue ....................................................................................................................... 34
2.3 Como são feitos ........................................................................................................... 38
2.3.1 Os modelos mais famosos ............................................................................................ 40
2.3.2 Mãos mágicas, Cabeças geniais .................................................................................... 43
2.4 As aparições do chapéu .............................................................................................. 48
2.4.1 Nos personagens ........................................................................................................... 48
2.4.2 Na literatura .................................................................................................................. 54
2.4.3 Nas artes pictóricas ....................................................................................................... 57
2.4.4 Na moda ........................................................................................................................ 62
2.4.5 Na economia ................................................................................................................. 66
2.4.6 Na simbologia ............................................................................................................... 68
3 METODOLOGIA ....................................................................................................... 73
3.1 Contexto metodológico da investigação .................................................................... 73
3.2 Classificação da pesquisa ........................................................................................... 74
3.2.1 Etnografia ..................................................................................................................... 74
3.2.1.1 Método qualitativo, observador participante e entrevista dirigida indireta .................. 75
3.2.1.2 Análise comparativa ..................................................................................................... 77
3.2.1.3 História de vida ............................................................................................................. 78
3.3 Marco teórico da metodologia ................................................................................... 79
4 EXPERIÊNCIAS VIVIDAS ...................................................................................... 88
4.1 Os que antecedem o chapéu ....................................................................................... 90
4.1.1 O chapéu antes de ser chapéu ....................................................................................... 90
4.1.2 O chapéu em “forma” de Madeira ................................................................................ 94
4.2 O “mestieri” ................................................................................................................. 98
4.2.1 A chapeleira modista .................................................................................................... 98
4.3 Os empreendedores do chapéu ................................................................................ 101
4.3.1 O entusiasta herdeiro do chapéu ................................................................................. 101
4.3.2 A guardiã da história do chapéu de Blumenau ........................................................... 105
4.4 O chapéu vira museus .............................................................................................. 109
4.4.1 Museo della Paglia e dell’Intreccio - Signa ............................................................... 109
4.4.2 Museu de hábitos e costumes - Blumenau .................................................................. 116
4.5 Interpretações ........................................................................................................... 119
5 CONCLUSÕES ......................................................................................................... 131
5.1 Utilidade da investigação ......................................................................................... 134
5.2 Limitações .................................................................................................................. 134
5.3 Futuro das investigações .......................................................................................... 135
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 137
APÊNDICES ......................................................................................................................... 147
ANEXO .................................................................................................................................. 150
15
1 INTRODUÇÃO
Ao visualizar a confecção de um chapéu, ainda feito de maneira artesanal, com a
tradicional técnica, sentiu-se um profundo desejo de compreender melhor o que existia nesse
ofício, não somente pelo valor estético do chapéu, mas porque vê-lo, ali, nos dias atuais, era
como entrar em uma máquina do tempo.
Para Halbwachs (2006, p. 158), os objetos que circundam as pessoas servem como
uma ligação entre o material e as suas memórias. Para esse autor, os objetos “[...] estão em
volta de nós, como uma sociedade muda e imóvel. [...] não falam, mas nós os
compreendemos, pois têm um sentido familiar que deciframos.”
Por meio da memória das pessoas que trabalham e trabalharam com o chapéu, a
presente pesquisa buscou estudar o ofício de chapeleiro, sua relação com o objeto; como esse
ofício ficou após o quase desaparecimento do acessório, socialmente, economicamente e,
inclusive, emocionalmente.
Para este estudo, analisaram-se duas regiões que tiveram o chapéu como marco
econômico e laboral: Província de Florença e Blumenau.
A região de Florença1, na Itália, mais especificamente Signa, teve a chapelaria e a
palha trançada como principais fontes econômicas desde o século XVIII2, conforme Longoni
(2003, p. 73): “(...) la cappelleria di questa regione era stata nel Settecento un’attività fiorente
(...).”
Atualmente, ainda é possível encontrar, nessa região, algumas antigas fábricas e
chapeleiros. Todavia, a quantidade de pessoas que executam ou executaram tal ofício decresce,
juntamente com o uso do acessório e de maneira gradual, desde a metade do século XX.
Diferente de Florença, Blumenau, que fica situada no sul do Brasil, contou com uma
antiga fábrica de chapéus, a Nelsa, que foi constituída em 1925 e se manteve até 1965. A
cidade só contou com essa fábrica de chapéus. No entanto, sua existência pode ser vista como
uma das empresas precursoras do ramo de vestuário e têxtil, contexto econômico atual da
cidade. Por ter sido a única fábrica de chapéus da cidade e ter fechado há quase 50 anos,
houve dificuldade de encontrar informantes na cidade.
1 Florença é uma Província Toscana que também é a capital. Ela é composta de 44 comunes, entre as quais uma,
especialmente Signa, tem uma forte história com a chapelaria até hoje e onde se pode encontrar o Museo della
Paglia e dell’intreccio. Esta pesquisa também contou com entrevistados de Campi Bisenzio e San Piero a Ponti.
Portanto, para abranger ambas as localidades, utilizou-se a de Florença. 2 Para Fancelli (1997, pp. 10-11), têm-se resquícios da chapelaria antes, mas foi em 1718 que Domenico
Michelacci, nascido em Bolonha, se transferiu para Signa, onde cultivou o grão que, futuramente, ficou
conhecido como a “famosa palha de Florença”.
16
Um fator relevante encontrado em ambas as cidades, em relação ao acessório, refere-
se aos museus dedicados ao chapéu. Em Signa, na Província de Florença, o chapéu de palha
fica em destaque, junto com as tranças de palhas que o constituem. Em Blumenau, o Museu
de Hábitos e Costumes dedica uma parte de sua amostra aos chapéus feitos na antiga fábrica
da cidade. O fato de terem museus que tratam desse tema mostra como o chapéu foi
importante nas cidades mencionadas, bem como demonstra a paralização de um objeto no
tempo, que já teve grande relevância no decorrer da história, mas que, hoje, trocou seu lugar:
do mercado para o museu.
A curiosidade que se tem não se refere unicamente às pessoas que usam ou usaram o
chapéu, mas se estende às mentes que criam esse acessório e às mãos que o confeccionam.
Enfim, está relacionada a esse ofício quase esquecido, se não semiextinto, em grande parte no
mundo no último século. Para compreender o ofício, foi necessário, também, estudar o
acessório em si, nos dias de hoje, no apogeu e no seu declínio, seu valor simbólico e
distintivo, social e econômico, assim como sua efemeridade da moda.
Para Sombrereros (2011, s/p),
El sombrero ha cambiado sustancialmente su configuración a lo largo del tiempo, al igual que
las restantes prendas de vestir, sucediendo lo mismo con los procedimientos utilizados por los
sombrereros, los artesanos especializados en su elaboración. Aunque el nombre parece derivarse de
una de sus funciones en los países cálidos (hacer sombra) ha tenido muy variados usos y
significaciones sociales en las distintas épocas y países.
Longoni (2003) menciona que o chapéu é um indumento antigo, da mesma forma que
o são os tecidos, as tranças de palha e também os feltros, que eram conhecidos já pelas
populações nômades da Ásia, pelos gregos e romanos. Durante um longo período, o chapéu
foi um elemento necessário à indumentária e que, aos poucos, deixou de ser usado. Acredita-
se que a relevância antropológica deste estudo resida no fato de contemplar, de maneira
oportuna, não somente o acessório chapéu, elemento de moda carregado de valores sociais,
como também as pessoas, as pessoas do chapéu que guardam memórias e técnicas de um
ofício que transforma feltros, palhas e tecidos em símbolos que distinguem classes e períodos.
1.1 Delimitação do problema
O quase desaparecimento do chapéu na indumentária cotidiana – e, consequentemente
de um oficio de moda tradicional: a chapelaria – é um fato. Há, aproximadamente, 60 anos,
esse acessório era tido como essencial para a composição do vestir, conforme menciona
Longoni (2003). No entanto, qual o motivo do quase desaparecimento do chapéu? Um adorno
17
visto como importante para indumentária até um determinado momento da história, não passa,
agora, de um objeto excêntrico, supérfluo e comumente relacionado com o mercado e com o
consumo de luxo.
O interesse pelo tema exposto se manifestou quando se realizou, de maneira informal,
um estudo sobre antigos artesãos da chapelaria, a partir do qual outras questões surgiram. Por
meio de estudos teóricos a respeito do tema, pôde-se notar o valor simbólico do chapéu, bem
como que ele é visto como elemento de distinção. Diante disso, questionou-se: qual o
significado simbólico desse acessório para as diversas sociedades?
Com o decorrer da investigação informal e com o contato direto com os chapeleiros,
buscou-se tratar o chapéu por intermédio de seus criadores e profissionais, e não dos usuários
desse adorno. Em outras palavras, se procurou as pessoas que tiveram suas vidas e suas mãos
marcadas pelo acessório e se procurou saber como esse acessório influenciou econômica e
socialmente esse grupo. Para tanto, se perguntou: qual o pesar da moda e do chapéu para esse
grupo? Quais as lembranças deixadas pelo acessório na vida desses artistas/artesãos?
Os questionamentos expostos no parágrafo anterior levaram à definição do objeto
deste estudo, a saber: a relevância da moda e do chapéu para seus criadores e as lembranças
deixadas por esse acessório na vida desses artistas/artesãos. Para responder às perguntas
expostas, teve-se como base o valor simbólico do chapéu no passado e nos dias atuais, seu
status distintivo, assim como as diversas suposições sobre seu semidesuso, entre outras.
1.2 Justificativa
A abordagem justifica-se mediante a relevância do tema, tanto para o resgate histórico
de uma antiga técnica de moda que está desaparecendo, quanto para fatores antropológico-
culturais, os quais compreendem a antropologia da moda e do desenho, que, por sua vez, é
uma recente área de estudos dentro da antropologia, com vasta possibilidade de estudo de
campo, seja para estudos de comportamento de moda, seja para o resgate de técnicas de moda,
ou para estudo mercadológico e econômico do setor, havendo, todavia, escasso material a
respeito do assunto. Este estudo pode contribuir tanto com os estudantes com os profissionais
da área de moda e do comportamento, do mercado da moda ou de locais que tenham a moda
como fonte econômica, assim como com o resgate histórico da chapelaria nas localidades da
Província de Florença, na Toscana da Itália, e de Blumenau, situada na região Sul do Brasil.
18
Esta pesquisa também se justifica pela experiência pessoal e profissional que se tem,
visto que, no período em que se cursou o Mestrado em Arte na Moda, na cidade de Florença,
Itália, nos anos de 2007 e 2008, se teve a oportunidade de acompanhar de modo voluntário, na
região da Toscana, todo o processo técnico de confecção de um chapéu, principalmente por
meio da interação com os antigos artesãos e pessoas ligadas à arte do chapéu.
Destaca-se, ainda, que após o conhecimento do ofício obtido na Província de Florença,
a curiosidade e o interesse que se teve por essa arte cruzaram as fronteiras italianas e, nesse
momento, descobriu-se que a cidade de Blumenau, local de origem da mestranda, teve sua
ligação com a chapelaria, por meio de uma antiga fábrica de chapéus. Assim sendo, também
passou a fazer parte dessa busca pessoal e profissional, feita de maneira informal, motivada
pelo interesse que a chapelaria despertou.
O quase extinto oficio de chapelaria na Europa é relevante tanto sob os aspectos
antropológicos e sociais quanto econômicos. Por esse motivo, ao observar que a cidade de
Blumenau, há alguns anos, teve essa ligação com o objeto, mas que, nos dias atuais passa
despercebida para a maioria das pessoas, buscou-se resgatar, com base na memória coletiva,
os conhecimentos da moda, por meio da chapelaria e das pessoas relacionadas com o objeto e
a sua simbologia, assim como sua relevância, tanto social, quanto comportamental e
econômico nas duas regiões: zona de Florença, Toscana da Itália, e Blumenau, situada na
região Sul do Brasil.
Tanto a Itália como o Brasil, de especial modo as regiões estudadas, possuem grande
fatia econômica advinda do mercado de moda. Isso torna relevante este estudo no sentido de
compreender o cenário atual dos respectivos mercados e, inclusive, incrementar a economia
atual, por meio de releitura de produtos e de técnicas que agreguem valor.
1.3 Objetivos
O presente estudo se compôs dos objetivos a seguir.
1.3.1 Objetivo geral
Compreender, por meio da memória coletiva, de que forma a chapelaria tem
contribuído para o sistema de moda, assim como para a economia, das regiões de Florença,
Itália, e de Blumenau, Brasil, do século XX até os dias atuais.
19
1.3.2 Objetivos específicos
a) Coletar as histórias e os comportamentos relacionados à chapelaria, nas
comunidades de Signa, Itália, e de Blumenau, Brasil.
b) Compreender como eram o oficio, os costumes, a vida em sociedade e a economia
gerada pela chapelaria, nas cidades de Signa, Itália, e de Blumenau, Brasil.
c) Compreender qual era o valor da moda para essas duas cidades.
d) Entender qual a importância, no ano de 2014, da chapelaria para as cidades de
Signa, Itália, e de Blumenau, Brasil.
1.4 Hipóteses da pesquisa
Considerando-se o quase desaparecimento do chapéu, assim como de seu ofício, as
hipóteses da presente pesquisa fundamentam-se em alguns pontos-chave.
Acredita-se que houve impactos econômicos e sociais nas duas localidades estudadas
– Província de Florença, Itália, e Blumenau, Brasil –, após o quase desaparecimento do
chapéu.
Crê-se, também, que essas pessoas, possessoras dessa antiga técnica, são muito
difíceis de se encontrar. Todavia, espera-se encontrar mais informações e pessoas
relacionadas à chapelaria na Província de Florença, sendo que Blumenau teve somente a
ligação com uma única fábrica do acessório.
Além disso, acredita-se que as cidades possam ter perdido muito da técnica desse
ofício, bem como uma parte da história.
Considera-se que não somente a efemeridade da moda implicou no semidesuso do
acessório, mas também questões, como a praticidade e a mudança de costumes, podem ter
influenciado esse processo.
Expecula-se, por fim, que, por meio do ir e vir de elementos de moda, o chapéu pode,
por sua vez, ficar novamente em voga e fazer parte dos costumes e estilos de vida atuais.
1.5 Estrutura do trabalho
Para melhor clareza e organização dos dados e análises, este trabalho está segmentado
em três capítulos, além da parte introdutória e da conclusão.
20
O Capítulo 2 consiste no desenvolvimento do marco teórico e literário a respeito do
tema tratado. Fez-se necessário o estudo das localidades analisadas, Signa e Blumenau, bem
como a origem do chapéu, seu uso para proteção, ornamentação ou como elemento de
distinção; a fabricação do acessório, os materiais utilizados, alguns modelos; e os
profissionais que trabalham com esse elemento de moda. Para finalizar o capítulo, aborda-se a
presença do chapéu nos personagens, na literatura, nas áreas pictóricas, na moda, na economia
e como elemento simbólico.
O Capítulo 3 trata da metodologia utilizada na pesquisa, que consiste na etnografia,
método qualitativo, observação participante, entrevistas dirigidas indiretas, análise
comparativa e história de vida; no marco metodológico expõem-se conceitos e teorias da
antropologia da moda, do desenho e econômica; na descrição densa utilizada para expor as
pesquisas de campo e na memória coletiva.
O Capítulo 4 baseia-se nos relatos densos das entrevistas e das experiências vividas
nas duas localidades, assim como na interpretação desses dados. A descrição não somente
conta com as respostas diretas dos entrevistados, mas também com a simbologia contida nos
gestos, olhares e palavras, assim como do cenário de cada experiência.
21
2 MARCO TEÓRICO
Neste capítulo, expõe-se o marco teórico desta pesquisa, por meio do qual se deseja
apresentar as localidades estudadas e o ofício de chapelaria presente na memória coletiva do
grupo. Além disso, vê-se como necessários estudos que apresentem o contexto geral do
elemento chapéu e do ofício ligado a ele. Portanto, compreender a fabricação do chapéu, bem
como os diversos cenários em que ele era encontrado na sociedade, proporciona um maior
entendimento da importância desse objeto, bem como de seu ofício.
A palavra chapéu, de acordo com Vanni (2004c, p. 35), deriva do latim cappa, que
significa capuz, manta para cobrir a cabeça. Quanto ao objeto, Laver (1989) o define como
toda ornamentação que é usada para cobrir e adornar a cabeça, citando, inclusive, coroas,
capacetes, laços, gorros e turbantes. Longoni (2003) concorda com Laver, considerando,
inclusive, o capacete de motocicleta de hoje como um chapéu atual. Na mesma direção,
Fiorentini (2013) vê o chapéu como um acessório de moda e menciona, inclusive, o capuz
como chapéu.
Especula-se, de acordo com Laver (1989), que, desde os tempos primitivos, por razões
de proteção e distinção, o homem sentiu a necessidade de cobrir a cabeça. No entanto,
somente por volta do século V a.C., teve-se mais conhecimento sobre esse adorno. Por meio
de gravuras em pedras, é possível constatar que os persas de Persépolis já usavam adornos na
cabeça, feitos com uma tira de pano. Além desse adorno de cabeça, os homens persas também
utilizavam um tipo de chapéu parecido com um vaso invertido. Laver (1989) igualmente
esclarece que os cretenses usavam pitorescos adornos de cabeça, em especial os femininos,
tão elaborados que, hoje, podem ser chamados de os precursores do chapéu:
Em geral os homens não usavam nada na cabeça, apesar de trazerem, algumas vezes, uma
espécie de turbante ou gorro. As mulheres, por outro lado, usavam os adornos mais elaborados,
sendo os cabelos penteados de várias formas e arrematados pelos primeiros ‘chapéus elegantes’ da
história das roupas. Alguns são curiosos precursores dos chapéus reproduzidos nas estatuetas de
Tânagra, da época de Péricles. (pp. 22-23)
Para compreender o contexto em que o chapéu se insere, assim como o ofício da
chapelaria, é necessário utilizar recursos históricos que demonstrem os cenários onde era
usado, os períodos e seu próprio surgimento. Essa compreensão envolve o uso da memória. O
conceito de memória, para Le Goff (1984, p. 45), é tido como crucial, pois ela se insere nas
ciências humanas, fundamentalmente na história e na antropologia. Para ele, “A memória,
onde cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir o
presente e o futuro.”
22
Para a investigação aqui apresentada, entretanto, o enfoque não se dá no surgimento
do chapéu, mesmo sendo relevante compreendê-lo e estudá-lo, mas em seu quase
desaparecimento e, de especial modo, no ofício de chapelaria. Conforme já mencionado, por
meio de estudos etnográficos, tendo como base a memória coletiva de duas localidades –
Signa, Itália e Blumenau, Brasil –, pretende-se resgatar a memória coletiva das pessoas que
tiveram a chapelaria como ofício e os resquícios deixados por esse trabalho nas duas cidades
atualmente.
2.1 O chapéu, contador de histórias: Florença e Blumenau
Uma parte da região da Província de Florença, que fica situada na Toscana, Itália, teve
relevante influência da chapelaria em sua economia, de tal forma que, ainda hoje, o ramo de
vestuário e moda é uma das principais fontes econômicas da região. A Província conta,
atualmente, com 970.414 habitantes, distribuídos em um território de 3.514 km2. A ligação
administrativa entre a cidade de Florença e todo seu território, aconteceu por volta de 1418,
com a chamada República Florentina. Com a Unificação da Itália, em 1860, o Compartimento
Florentino do novo estado nacional foi instituído. Porém, foi necessário esperar até 1865 para
concretizar a lei comunal e provincial do Estado Unitário e, assim, nascer a Província
Florentina, portal da Provincia di Firenze (2014).
Algumas comunes pertencentes à Província de Florença foram marcadas
economicamente pela confecção do chapéu3. Todavia, Signa, uma das comunes que compõe
essa província, possui considerável crédito no tema, pois, nela, diversas fábricas se instalaram
e foi onde nasceu la paglia di Firenze, sobre a qual se explica ainda nesta subseção, conforme
Comune Signa (2014).
Atualmente, essa localidade conta com uma população aproximada de 18.266
habitantes. Para compreender o contexto atual da cidade, é necessário passar pela sua história.
Acredita-se que tenha sido inicialmente povoada pelos etruscos, ainda no período antigo, que
lá chegaram através do Rio Arno e que, posteriormente, foi tomada pelos romanos. O nome
da localidade tem duas possíveis origens: a primeira, etrusca, que significa “centro do
assentamento”; e a outra, latina, referindo-se a Lucio Cornélio Silla, que assinalou as colônias
justamente onde hoje é a cidade, segundo Comune Signa (2014).
O Comune Signa (2014) ainda mostra que, desde 1252, Signa já contava com uma
3 É o caso de Campi Bisenzio e San Piero a Ponti, que foram locais investigados por esta pesquisa.
23
administração pública e autônoma do condado Fiorentino. Um elemento peculiar da
localidade, desde 1120, é Il Ponte sull’Arno4, que servia como nodal itinerário de viagens que
ligava várias importantes áreas, sendo a única, por muito tempo, que ligava Florença a Pisa.
Ser a conjunção dessas duas cidades também foi uma conquista econômica para Signa, pois a
troca de mercadorias do interior da região com o porto fluvial unia Pisa às demais localidades
internas, criando-se, assim, um centro comercial importante, sendo Signa a sede desse
mercado.
Comercialmente, Signa teve duas importantes iniciativas que deixaram uma profunda
marca econômica e social na região: as peças e esculturas em terracota e o experimento de
Domenico Michelacci, que consiste em um novo método de cultivação da palha, nascendo,
ali, os famosos chapéus denominados di paglia de Firenze5 que são apreciados em todo o
mundo, Comune Signa (2014).
Segundo Bruckmann (1987), o comércio da palha na região foi documentado já em
1341, e, em 1574, foi atestada a existência de chapeleiros de palha como uma categoria
laborativa.
No século XVII, de acordo com Ganugi (2006), os navicellai (Benelli), que eram os
homens que faziam, através do rio Arno, o transporte fluvial de mercadorias entre Pisa e
Florença, também conhecidos como os moradores da localidade da palha de trigo, vestiam
os chapéus de palha trançada típicos da região. Naquela época, a arte do trançado de Signa já
era notada pela sua genialidade e cuidado, embora a palha usada não possuísse qualidade,
motivo pelo qual os chapéus ainda não eram tão conceituados quanto se tornaram
posteriormente.
A respeito da palha utilizada para a confecção dos chapéus em Florença, Fancelli
(1997, p. 10-11) explica que, em 1718, Domenico Michelacci, nascido em Bolonha, se
transferiu para Signa, onde cultivou o grão que, posteriormente, ficou conhecido como a
“famosa palha de Florença”. Ferrari (2003) complementa a explicação sobre a palha,
afirmando que, para conseguir chegar ao resultado desejado, Michelacci fez experimentos
durante quatro anos, conseguindo, então, selecionar um tipo ideal de trigo, juntamente com o
tipo ideal de terra e condições climáticas. Assim, segundo Ganugi (2006), em 1735, Signa
conseguiu uma palha fina e lúcida, iniciando, assim, todo o processo que levou à implantação
de laboratórios também para a confecção dos chapéus que eram vendidos, especialmente, no
exterior.
4 A ponte sobre o Arno. (Tradução da Mestranda)
5 Chapéus de palha de Florença. (Tradução da Mestranda)
24
Ainda conforme Ganugi (2006, p. 8), por volta do final do século XVIII, durante o
período da primeira Revolução Industrial, a região desenvolveu fortemente sua economia por
meio dos chapéus, tanto que a palha nela produzida já não era suficiente:
Ebbe inizio dunque una vera e propria industria locale che occupò gran parte della
populazione. Fu così che, nell’epoca della rivoluzione industriale inglese, la produzione industriale
dei cappelli diventò così fiorente de rendere necessaria anche l’importazione della paglia di vari
paesi stranieri.6
Castronovo (1980), por sua vez, ressalta que houve, inclusive, uma liberação de taxas
para a importação da palha, pois Signa não conseguia mais abastecer a demanda. A
exportação de chapéus para a Inglaterra atingiu o montante de 100.000 scudi em 1771. O
artesanato e a indústria doméstica formavam, nesse período, a principal mão-de-obra do setor
(Figura 1).
Figura 1 - Mulheres em Signa, anos de 1940, trabalhando em casa para a empresa de chapéus Rugi
Fonte: Imagem cedida por: Archivio Fotografico del gruppo Archeologico Signese (2010).
Em consonância com Ganugi (2006), a manufatura da palha e da confecção de
chapéus sofreu diversos processos, inclusive o da troca de moda. Novas empresas paralelas
foram criadas para suprir tal necessidade, como o de clareamento ou coloração da palha.
6 Deu-se início a una verdadeira e própria indústria local que ocupou grande parte da população. Foi assim que,
na época da Revolução Industrial inglesa, a produção industrial do chapéu se tornou tão forte a ponto de ser
necessária a importação da palha de países estrangeiros. (Tradução da Mestranda)
25
Expedições para França e Alemanha também se fizeram fundamentais para estudos de novos
modelos. Graças às novas técnicas de cores e modelos, o mercado para os chapéus de
Florença se abriu ainda mais, sendo que, em 1822, as exportações cruzaram oceanos. As
artesãs podiam ganhar, também, pela inovação no trançar da palha. Nesse momento, as
mulheres que faziam dessa atividade somente um trabalho part-time, passaram a dedicar todo
seu tempo a essa arte.
Entretanto, com a crise americana de 1875 e as imitações dos trançados toscanos em
diversos países da Europa, a exportação sofreu uma diminuição considerável na região.
Alguns anos mais tarde, a China começou a reproduzir as tranças de palha com um preço bem
mais competitivo. Isso, aliado à introdução de novos materiais para a fabricação dos chapéus,
provocou a queda da moda dos chapéus de palha masculinos. Com todos esses
acontecimentos, em 1896, ocorreu, na região da Toscana, “uma das primeiras greves da
história social da Itália contemporânea”, do que resultou um decreto enviado pelo Ministério
da Agricultura, Indústria e Comércio de Roma para investigar as condições de trabalho dos
artesãos da palha (trançados e chapéus). (Figura 2)
Figura 2 - Decreto do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio de Roma, para investigar as
condições de trabalho dos artesãos da palha (trançados e chapéus)
Fonte: Lunardi e Mancini (2003, pp. 7-8).
26
Nesse momento, a indústria do chapéu e da trança contava com 84.556 trabalhadores,
sendo 4.398 homens e 80.160 mulheres. Superada a crise, a região iniciou novas técnicas de
trançar e lançou um chapéu até hoje conhecido e tradicional na Toscana: o canotto (Figura 3).
Figura 3 - Canotto – Típico chapéu da região de Florença, Itália, em exposição no Museo della Paglia e
dell’intreccio di Signa
Fonte: Pesquisadora (2013).
A partir daí, a indústria chapeleira seguiu se desenvolvendo e prosperando até depois
da Primeira Guerra Mundial, quando, lentamente, foi atingindo o seu declínio, estimulado
pelo semidesuso do objeto.
Na Província de Florença, ainda hoje, é possível encontrar empresas chapeleiras, no
entanto, em menor escala. As empresas do ramo criaram, em 1986, um consórcio chamado Il
Cappello di Firenze, Consorzio (2014). Antigas empresas de chapelaria, nos dias atuais, já na
quarta ou quinta geração, unem-se para criar eventos, difundir a arte da região e trocar
experiências. A esse respeito, Fulceri (2014, s/p) assim se manifesta:
Oggi più che in passato le aziende hanno l’obbligo di tutelare i valori storici del proprio brand
presentandosi al pubblico con ricettività creativa, artistica e manageriale. Con spirito d’aggregazione
a livello territoriale, si è costituito nel maggio del 1986 il Consorzio ‘il Cappello di Firenze’
nell’ambito Sezione Paglia e Cappello dell’Associazione Industriale di Firenze. La sua missione è
quella di tutelare la lavorazione artigianale del cappello fiorentino e supportare le aziende nella
promozione e commercializzazione dei prodotti sui mercati internazionali. L’anima del Consorzio
sono le aziende e la loro fede nei valori storici dell’antica arte di fare cappelli. Nel nostro paese
l’industrializzazione di quest’arte è condotta da famiglie coraggiose e spesso ambiziose, ammaliate
dalla cura per il dettaglio e dalla passione creativa.7
7 “Hoje, mais que no passado, as empresas têm a obrigação e tutelar os valores históricos da própria marca,
apresentando-se ao público com receptividade criativa, artística e administrativa. Com espírito de agregar, na
esfera territorial, constituiu-se, em maio de 1986, o Consórcio ‘O chapéu de Florença’ no âmbito da palha e do
chapéu da Associação Industrial de Florença. A sua missão é de tutelar o trabalho artesanal do chapéu florentino
e apoiar as empresas na promoção e comercialização dos produtos no mercado internacional. A alma do
Consórcio são as empresas e a fé nos valores históricos da antiga arte de fazer o chapéu. No nosso país, a
industrialização dessa arte é conduzida por famílias corajosas e muito ambiciosas, enfeitiçadas pelo cuidado dos
detalhes e pela paixão criativa.” (Tradução da Mestranda)
27
Sobre a quantidade de empresas de chapelaria (Figura 4) existentes em Signa desde o
seu início, século XVI, até o seu apogeu, séculos XVII, XVIII e XIX, não existem relatos ou
documentos que comprovem tais dados, segundo o Museo della Paglia e del’Intreccio di
Signa (2014) e a Comune di Signa e Camera di Commercio da mesma cidade.
Figura 4 - Costureiras de chapéus - empresa não definida, ano 1947
Fonte: Archivio Fotografico del gruppo Archeologico Signese.
Quanto ao cenário atual das fábricas de chapéu e de magazines que trabalham com
artigos para produzir chapelaria, foi possível visualizá-lo com a ajuda do Museo della Paglia e
del’Intreccio di Signa (2014) e da Comune di Signa e Camera di Commercio. Assim sendo, é
possível afirmar que, atualmente, existem, aproximadamente, 17 empresas no ramo da
chapelaria na localidade de Signa. São fábricas que produzem chapéus mesclados com
empresas que fornecem matéria-prima para a produção do chapéu. Isso quer dizer que não
existem 17 fábricas de chapéus, mas 17 empresas no ramo de chapelaria.
Diferente de Signa, a outra localidade estudada, que também teve o chapéu como
importante fator econômico e laboral, não possui, atualmente, fábrica de chapéu. Trata-se de
Blumenau, cidade situada na região Sul do Brasil, no estado de Santa Catarina.
Conforme dados do portal da Prefeitura Municipal de Blumenau (2014), atualmente, a
cidade conta com uma população de, aproximadamente, 309.011, distribuídos em 519,8 km2.
28
A cidade foi fundada em 1850, pelo filósofo alemão Hermann Bruno Otto Blumenau8, que
recebeu a autorização do governo Provincial para estabelecer uma colônia agrícola com
imigrantes europeus. Ao poucos, cidadãos de diversas partes da Europa, em especial alemães,
seguidos de italianos e uma minoria de poloneses e portugueses, colonizaram a região.
Blumenau é considerada um dos maiores empreendimentos de colonizadores da América do
Sul, criando um importante centro agrícola e industrial na economia do país.
Segundo o portal do Sebrae/Blumenau9 (2014), uma das maiores heranças deixadas por
esses colonizadores foi justamente a capacidade industrial e empreendedora da região. Em
menos de vinte anos após a chegada dos primeiros colonizadores, a cidade contava com 239
pequenas fábricas. Nesse cenário, nasceu, em 1925, a Fábrica de Chapéus Nelsa S/A (Figura 5).
Figura 5 - Funcionários da Fábrica de Chapéus Nelsa nas décadas de 1930 e 1940
Fonte: Imagem cedida por: Arquivo Histórico José Ferreira da Silva de Blumenau.
8 Segundo Blumenau (2014), Dr. Hermann Bruno Otto Blumenau nasceu em Hasselfeld, Alemanha, em 26 de
dezembro de 1829. Filósofo e farmacêutico, foi o fundador da cidade de Blumenau, Santa Catarina (SC), Brasil.
Foi casado com Bertha Repsold com quem teve quatro filhos: Pedro Hermann, Cristina, Gertrudes e Otto. Após
viver trinta e quatro anos em Blumenau, o fundador da cidade partiu em definitivo para Alemanha, onde faleceu
em 30 de outubro de 1899, aos 79 anos de idade. Em 1974, seus restos mortais foram transferidos da Alemanha
para Blumenau, estando depositados no Mausoléu, erguido em sua homenagem. 9 Sebrae - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas.
29
Na Figura 6, expõem-se alguns aspectos da publicidade e panfletos dessa Fábrica, bem
como a imagem de um de seus chapéus.
Figura 6 - Publicidade e panfletos de
diversos períodos da Fábrica
de Chapéus Nelsa S/A
Fonte: Imagem cedida por Elle Wollmer.
A ideia para a abertura da Fábrica de Chapéus Nelsa S/A partiu do representante da
fábrica alemã I G Farben10
, conhecido por Staritz11
que, em uma de suas visitas a Blumenau,
explanou sua inspiração aos senhores Rudolf Clasen e Hermann Weege.
No mesmo ano, Rudolf Clasen e Hermann Weege abriram a fábrica. Clasen forneceu o
estabelecimento para tal, e Weege financiou o projeto. A empresa assumiu outro sócio, que
era conhecido como Olinger12
e que era coletor. Os sócios contrataram o chapeleiro polonês
Rudolfo Leder, que, anteriormente, trabalhava com o ofício de chapeleiro em Limeira, São
Paulo. Em 1931, Friedrich Karl Kurt Lischke, genro de Weege, casado com Cecília Weege,
assumiu a empresa junto com Rudolfo Leder, razão pela qual passou a se chamar Leder &
Lischke, mas tendo como marca sempre Nelsa, segundo Wollmer (2014).
10
“A IG Farben (abreviatura de Interessen-Gemeinschaft Farbenindustrie AG) (associação de interesses indústria
de tintas SA) foi um conglomerado de empresas formado em 1925 e de certa forma mesmo mais cedo, durante
a Primeira Guerra Mundial. A IG Farben deteve um monopólio quase total da produção química na Alemanha
Nazista. Durante seu apogeu IG Farben foi a quarta maior empresa do mundo. [...] Farben em alemão significa:
‘tintas’, ‘corantes’ ou ‘cores’ e inicialmente muitas destas empresas produziram tinturas, mas em breve
começaram a dedicar-se a outros setores mais avançados da indústria química”, conforme o portal da IG Farben
(2014). 11
Não se sabe o prenome. 12
Não se sabe o prenome.
30
Na Revista Santa Catarina (1941), que servia como uma espécie de “propaganda” dos
municípios do estado, foi divulgada uma matéria sobre a Fábrica de Chapéus Nelsa S/A, um
dos raros documentos escritos da época que se tem sobre a fábrica nos dias de hoje. A capa da
revista Santa Catarina mencionada pode ser observada na Figura 7 e a página com a matéria
publicada, na Figura 8.
Figura 7 - Capa da revista Santa Catarina, do
município de Blumenau
Fonte: Revista Santa Catarina (1941, Capa).
Figura 8 - Matéria sobre a Fábrica de Chapéus
Nelsa S/A, situada no município de
Blumenau
Fonte: Revista Santa Catarina (1941, s/p).
Em 1965, a Fábrica de Chapéus Nelsa fechou as portas, levada pela quase extinção do
uso do chapéu. O prédio foi vendido para uma empresa têxtil, fabricante de malha, e a família
de Lischke, de modo especial a Cecília Weege e seu genro Harald Vollmer, se dedicaram a
um novo negócio, sempre no ramo do vestuário, segundo Wollmer (2014).
Ainda hoje, a principal atividade econômica tradicional da região de Blumenau é, de
acordo com dados coletados da revista Santa Catarina em números: macrorregião do Vale do
Itajaí, do Sebrae/SC (2013), a confecção de artigos de vestuário e acessório, conforme se
expõe na Tabela 1. Destaca-se que Blumenau, além de fazer parte da macrorregião do Vale do
Itajaí, opera como município-sede da Coordenadoria.
31
Tabela 1 - Grupos de atividades econômicas classificadas como setores tradicionais da
Macroregião Vale do Brasil, em 2010
Grupo de Atividade Econômica –
versão CNAE 2.0
QL da
Macrorregião
em Relação a
SC
VAF
(Mil R$)
Número de
Empresas
Número de
Empregos VAF Empresas Empregos
2010 2010 2010 Evolução 2008/2010
Grupo 141 - Confecção de artigos
do vestuário e acessórios 2,93 1.533.907,5 5.028 39.982 65% 14% 13%
Grupo 135 - Fabricação de artefatos têxteis, exceto vestuário
2,02 845.635,1 291 13.729 18% 4% 2%
Grupo 478 - Comércio varejista de
produtos novos não especificados anteriormente e de produtos usados
0,86 302.699,2 4.478 8.269 46% -4% 4%
Grupo 142 - Fabricação de artigos
de malharia e tricotagem 2,48 520.645,8 107 7.109 67% 8% 17%
Grupo 493 - Transporte rodoviário de carga
0,70 378.865,9 1.427 5.648 17% 21% 31%
Grupo 134 - Acabamentos em fios,
tecidos e artefatos têxteis 3,44 184.519,2 487 5.467 52% 14% 3%
Grupo 464 - Comércio atacadista de produtos de consumo não-alimentar
1,43 361.209,8 896 2.908 79% 4% 25%
Fonte: Sebrae/SC (2013, p. 72).
Mesmo com o fim da Fábrica de Chapéus Nelsa S/A e o semidesuso do chapéu, esse
acessório ainda é um marco na economia e na história da cidade.
Diferente de Signa, que tem sua base no chapéu de palha ainda hoje (menos forte, mas
ainda existe) e que se apoiou em diversas diferentes fábricas, Blumenau tem guardada na
memória coletiva de poucas pessoas a única fábrica de chapéus que teve: a Nelsa. E esse é em
ponto em comum entre as duas cidades: as heranças deixadas pelo chapéu, tanto refletidas no
valor laboral e econômico das duas cidades quanto nas lembranças de uma arte de moda quase
extinta.
2.2 Funções do chapéu
2.2.1 Protege e adorna
Segundo Laver (1989), os últimos povos paleolíticos, que viviam na era glacial,
sentiram a necessidade de se aquecer para sobreviver. Apesar das implicações sociais e
psicológicas, o motivo principal ainda era o de cobrir o corpo para afastar o frio, uma vez que
a natureza não tinha favorecido naturalmente o homo sapiens. Por isso, esse povo primitivo
passou a usar não somente a carne do animal, mas também a pele. Por meio de um processo
de curtume feito pela mastigação humana, foi criada a possibilidade de moldar e cortar essas
peles.
32
Leventon (2009) expõe que, ainda hoje, os esquimós usam esse tipo de vestimenta,
sendo possível observar um adorno de cabeça, denominado capuz: encontra-se, aqui, um
exemplo da necessidade de proteção, inclusive da cabeça. Já, na África, desde a Antiguidade,
o chapéu pontudo dos homens de Gabão, feito com folhas de palmeira, servia para escoar a
água da chuva e também para proteger contra o sol.
À primeira vista, é simples compreender a funcionalidade e a proteção advindas do
chapéu. As praias, no verão, em diversas partes do mundo, são “enfeitadas” por chapéus de
vários modelos, desde as viseiras e bonés até chapéus frescos de palha ou tecidos naturais. No
cenário oposto, de neve e frio com temperaturas negativas, dificilmente se encontra alguém
sem um gorro de lã ou chapéu de feltro. No que se refere ao chapéu como um elemento de
moda, esse, além da funcionalidade que possui, é um objeto de adorno, carregado de
simbolismo e forte peso estético.
Estudos antropológicos de Benthall (1976) e Polhemus e Procter (1978), já afirmavam que
os homens, de maneira universal, tinham uma propensão ao ato de se adornar. Segundo Entwistle
(2002), esse argumento é amplamente aceito até hoje por escritores de moda, levando em conta a
prova antropológica de que todas as culturas “vestem” seus corpos e que nenhuma o deixa sem
adornar. Isso pode ser constatado na quantidade de bibliografia – como Laver (1989), Longoni
(2003) e Fiorentini (2013) – que trata do chapéu, não pela sua forma funcional, mas, sim, pela sua
beleza ornamental.
Leventon (2009) pondera que, desde a Idade Média, de modo especial as mulheres,
usavam chapéus de diversas formas. Por volta de 1450, as mulheres do norte da Europa
usavam uma espécie de adorno com enchimento, disposto na forma de dois chifres altos e
cobertos com um fino véu e feitos em tecidos caros e cravejado de joias.
O’Hara (2000) complementa que, com o passar dos anos, a efemeridade da moda e a
vasta quantidade de materiais, os chapéus se tornaram objeto de desejo de homens e mulheres,
sendo os chapéus femininos os mais ricos em enfeites e adornos. Um exemplo claro foram os
chapéus de pala13
do século XIX, que eram em formato de capuz, com ou sem aba frontal, os
quais cobriam o alto, os lados e a parte posterior da cabeça, e eram amarrados sob o queixo
(Figura 9).
13
Chapéu utilizado pelas mulheres no século XIX.
33
Figura 9 - Chapéu pala
Fonte: Goulart (2013, s/p).
Os chapéus pala eram, geralmente, feitos em palha e adornados com rendas, cetim ou
crepe de seda ou veludo. Às vezes, o modelo atingia proporções tão exageradas que era
impossível ver o rosto, exceto pela frente.
Na mostra de arte realizada no Palazzo Pitti, no período de dezembro de 2013 até
março de 2014, em Florença, foram diversos tipos de chapéus, em que a função inclusive era
esquecida ou colocada em segundo plano, como cita Bemporad (2013, p. 41), no catálogo da
exibição: “sintetizza la funzione, portata alle estreme conseguenze, che hanno avuto (e che
hanno tuttora) gli ornamenti nei copricapo di tutte le epoche. Si passa da suntuosi, modesti, e
spesso severi (…)14
”.
Por fim, tanto a função quanto a ornamentação devem ser levada em conta. A função,
pois um chapéu deve servir na cabeça e deve ser feito para tal. A ornamentação, pois é a parte
mágica da função do chapéu.
14
Sintetiza a função, levada às extremas consequências, que tinham (e que têm ainda hoje) os ornamentos nos
chapéus de todas as épocas. São suntuosos, modestos e, muitas vezes, severos (...). (Tradução da Mestranda)
34
2.2.2 Distingue
Leventon (2009) considera o chapéu um forte indicador temporal, funcional e também
identitário, tanto de gênero como de personalidade. No entanto, com o passar do tempo e com
as mudanças da moda, o chapéu passou a ser considerado um elemento ainda mais
importante, sendo conhecido como um dos símbolos mais característicos de distinção e de
comunicação. Além disso, conforme expõe Von Boehn (1951), nenhuma mulher saía na rua
com a cabeça descoberta. Não era um luxo, nem adorno, mas era algo inerente à classe e tão
imprescindível como é usar os sapatos hoje em dia.
Desde que o homem passou a se identificar como indivíduo dentro de uma sociedade,
tornou-se imprescindível distinguir-se das classes, em especial das classes dominantes em
relação à classe menos favorecida. Conforme afirma De Masi (2000, p. 227), especialmente
no período industrial, “os ricos exibiam a própria opulência, sobretudo para surpreender,
intimidar e reforçar o poder que tinham e a insuperável distância que os separavam da massa.”
Do mesmo modo, Bourdieu (2007, p. 174) expressa a necessidade de distinção entre
classes, opondo os gostos de luxo aos gostos de necessidade:
A oposição principal entre os gostos de luxo e os gostos de necessidade especifica-se em um
número de oposições igual às diferentes maneiras de afirmar sua distinção em relação à classe operária e a
suas necessidades primárias ou, o que dá no mesmo, igual aos poderes que permitem manter a
necessidade a distância. Assim, na classe dominante, pode-se distinguir, simplificando, três estruturas de
consumo distribuídas em três itens principais: alimentação, cultura e despesas com apresentação de si e
com representação (vestuário, cuidados de beleza, artigos de higiene, pessoal de serviço).
Baseando-se no que afirma Bourdieu (2007, p. 190), os objetos de uso e a carga
cultural da classe operária estão apoiados à necessidade; por esse motivo, seu consumo é
baseado nos produtos essenciais:
(…) nas classes populares – que consagram a prioridade do ser –, enquanto as classes médias
manifestam a preocupação em aparecer, é o indício de uma reviravolta de toda a visão do mundo. As
classes populares transformaram o vestuário em uso realista, se preferirmos, funcionalista.
Crane (2000) argumenta que é fato que essa classe também usa ou usou chapéu. No
entanto, esse acessório possuía outro valor estético diferente da classe dominante, além do
valor funcional que possuía. Os camponeses necessitam de chapéus com abas grandes,
geralmente de palha, pois não aquecem com o calor e servem como protetor contra o sol. Os
operários que vivem em lugares frios, ao saírem da fábrica, necessitam de um chapéu quente,
de preferência de lã, que proteja as orelhas e a garganta. Uma cozinheira usa uma espécie de
toque, que prende todo seu cabelo para dentro, evitando, assim, que qualquer fio caia no
alimento.
35
Para Von Boehn (1951, p. 161),
(...) el sombrero fué, durante larguísimo tiempo, en hombres y mujeres, el signo que
diferenciaba a una clase de la otra clase: la señora llevaba mantilla o sombrero y la mujer del pueblo
pañuelo en la cabeza cuando no iba enteramente destocada; el señor llevaba sombrero y el obrero
gorra o boina; el caballero se cubria con la chistera o sombrero de copa, y el chulo con calañés o
sombrero ancho. (...) no era entre nosotros el uso del sombrero en modo alguno distintivo de
riqueza, de dinero a secas, como pueden serlo otras cosas de más o menos precio – las joyas, por
ejemplo -, sino más bien y, sobre todo, el sello de clase, de nível social, de educación, incluso de
herencia, de cuna y jerarquía. La señora, rica o pobre, llevaba sombrero, caro o barato (...)15
.
Nos tempos em que era um elemento fundamental na indumentária, o chapéu
encontrava-se presente em ambas as classes. O que diferenciava o adorno não era sua
funcionalidade em si, mas a sua estética, seu design, os materiais e o contexto onde se
encontrava (Figura 10).
Figura 10 - Londres 1877 – da série “Street Life in London”
Fonte: Thomson e Smith (2014, s/p).
15
“(...) o chapéu foi, durante muito tempo, para homens e mulheres, o signo que diferenciava uma classe de
outra classe: a senhora usava mantilha e chapéu e a mulher do povo, lenço na cabeça quando não ia
completamente sem nada; o senhor usava chapéu, e o trabalhador, gorro ou boina; o cavalheiro se cobria com a
cartola, e os simples e camponeses, com o chapéu largo de palha. (...) entre nós, o uso de chapéu não é símbolo
de riqueza, de dinheiro, como podem ser outras coisas de maior ou menor preço – as joias, por exemplo –, mas,
sobretudo, um selo de classe, de nível social, de educação, inclusive de herança, de berço e de hierarquia. A
senhora, rica ou pobre, usava chapéu, caro ou barato (...).” (Tradução da Mestranda)
36
Embora houvesse distinção de classes também por meio dos chapéus, a maior parte de
bibliografia encontrada que trata do chapéu, tanto em moda como em estudo de
comportamento, fala sobre a chapelaria de luxo, seja devido à vasta gama de materiais, estilos
ou de marcas, quando se fala em estudos de moda, seja pela maior quantidade de chapéus de
luxo encontrados até os dias atuais, devido à conservação, quando se fala em estudos de
história, ou pelo mero fato de terem um mercado de consumo mais aquecido. É o caso, por
exemplo, de O’Hara (2000) e Vanni (2004a). Hoje, conforme Lipovetsky (2007), com o
aumento de volume e da velocidade dos transportes, dos meios de comunicação e,
consequentemente, das fábricas e das cidades, e com o aumento da produtividade com menor
custo, abre-se o caminho da produção em massa. Por isso, ainda em consonância com
Lipovetsky (2007, p. 22), hoje, a moda encontra-se ao alcance de todas as classes sociais: “en
lugar de los pequeños mercados locales, los grandes mercados nacionales, posibilitados por las
infraestructuras modernas del transporte y las comunicaciones (…)16
.”
Como cita Lipovetsky (2007), o mercado mudou muito, em especial após a Segunda
Guerra Mundial. No entanto, a ruptura de distinção entre classes abriu um abismo ainda
maior. Grandes nomes de luxo fazem parte de conglomerados de marcas que detêm o
monopólio do mercado mundial de moda, com linhas de produção em massa e linhas de luxo,
confeccionando produtos distintos em qualidade de design ou acabamentos.
Conforme trata Bourdieu (2007, p. 09), o consumo de bens de luxo depende muito do
patrimônio cultural presente no indivíduo ou, até mesmo, na sociedade:
As maneiras de adquirir sobrevivem na maneira de utilizar as aquisições: a atenção prestada às
maneiras tem sua explicação se observarmos que, por meio destes imponderáveis da prática, são
reconhecidos os diferentes modos de aquisição, hierarquizando, da cultura, precoce ou tardia,
familiar ou escolar, assim como as classes de indivíduos que elas caracterizam (…). A definição de
nobreza cultural é o pretexto para uma luta que, desde o século XVII até os nossos dias, não deixou
de opor, de maneira mais ou menos declarada, grupos separados em sua ideia sobre cultura, sobre a
relação legítima com a cultura e com as obras de arte, portanto, sobre as condições de aquisição
(…).
Segundo Bourdieu (2004), é “natural” da sociedade a busca da distinção, que nasce no
desejo da aquisição de cultura. Por esse motivo, a necessidade não somente de ser distinto,
mas, também de parecer distinto, serve como fator identificador para indivíduos que desejam
ou já frequentam tal sociedade. Indubitavelmente, um dos primeiros signos visuais para ser
reconhecido dentro de determinado grupo passa pela moda. Lipovetsky (1996), no livro O
16
“no lugar de pequenos mercados locais, os grandes mercados nacionais, possibilitados pelas infraestruturas
modernas de transporte e das comunicações.” (Tradução da Mestranda)
37
Império do Efêmero, afirma que a inteligibilidade da moda passa, em primeiro lugar, pela
magia das aparências: esse é polo arquetípico da moda na era aristocrática.
Trata-se de adentrar o assunto por meio da moda, para chegar ao elemento-chave desta
pesquisa: o chapéu. O acessório faz parte do contexto efêmero e presente na moda. Em
consequência disso, é impossível mencionar o chapéu sem levar em consideração a moda da
distinção.
Além do gosto, o consumo também muda bastante dependendo da classe social em
que o indivíduo se encontre. Segundo Bourdieu (2004), a relação pessoa-vestuário sai de
dentro para fora, do íntimo para o exterior, do doméstico para o público e do ser para o
parecer.
No livro El sistema de la Moda, Barthes (2003) define que a moda faz parte do projeto
semiológico. Graças ao desenvolvimento das Ciências Sociais, chegou-se à conclusão de que
todos os objetos culturais manejados pelos homens constituíam um sistema de comunicação e,
portanto, de significação.
Os chapéus também podem expressar luxo. Faggiani (2006) esclarece que a palavra
luxo vem do latim luxus, que significa abundância e refinamento.
Como o acessório deixou de ser uma necessidade social (salvo em casos particulares,
como no uso funcional ou na determinação hierárquica) e passou a ser um desejo, Allérès
(2000) afirma que pode ser considerado luxo.
Bourdieu (2004) sustenta que o luxo pode ir além do gosto individual, que está
completamente ligado ao meio cultural e social onde o indivíduo vive e compartilha suas
experiências.
Cabe ressaltar que, nos dias de hoje, não somente o objeto em si pode ser ligado ao
luxo, mas também o ofício de chapeleiro. Com o semidesaparecimento do chapéu no
cotidiano, muitos profissionais da classe estão, aos poucos, desaparecendo. No entanto, os
poucos que a perpetuam são mestres da criatividade e trabalham de modo artesanal. Mouclier
(2000, p. 15) defende que “A nobreza do luxo se torna uma evidência para todos os que o
tocam, pois jamais se fica insensível à beleza do gesto de um artesão da arte.”
Mouclier (2000) também afirma que o luxo tem uma alma, a alma de seus criadores,
amantes e apaixonados. Apoiando-se no conceito de Mouclier (2000), ousa-se dizer que o
chapéu, além de um luxo atual, compartilha dos mesmos conceitos: possui uma alma, tanto a
de seus criadores como a de amantes ou apaixonados.
A distinção, na arte da chapelaria, é uma das palavras-chave e manifesta aspectos
importantes. A pessoa que veste esse adorno realmente se distingue das demais, de especial
38
modo, do grupo a que não deseja pertencer e, ao mesmo tempo, se assemelha ao seu grupo de
desejo. A partir daí, sua aspiração passa a ser distinguir-se como indivíduo dentro de seu
grupo social. E o chapéu, como elemento da moda, pode ser um mecanismo para isso.
2.3 Como são feitos
A confecção do chapéu pode ocorrer de maneira artesanal ou industrial. Todavia,
mesmo na indústria, até hoje, alguns processos são feitos de forma manual, como a aplicação
de guarnições.
Antes de mais nada, é necessário seguir uma linha de inspiração,17
assim como em
todo processo artístico e de moda. Segundo Nicolini (2006), a inspiração pode estar também
em um objeto que sempre esteve ao nosso redor, mas que naquele momento é redescoberto de
uma certa maneira: estas ideias são as mais originais.
Para fabricar um chapéu, de acordo com Nicolini (2006), além de ideias criativas é
necessário uma série de aparatos, como agulhas, fita métrica, tesouras, giz, ferro de passar,
vaporizador (especial para a função), máquina de costura, martelo, formão, pinças, alfinetes,
formas (cabeças especiais que dão o formato do chapéu), manequim de cabeça, etc…
Usualmente, os chapéus são feitos em palhas, feltros, telas, tecidos, como organza,
fustão, gorgorão e, até, de tecidos leves, como chiffon ou mousseline.
As ornamentações também podem ser inúmeras: penas, laços, voilettes, flores, cristais,
bordados, pérolas, entre outros. É exatamente dentro dessas guarnições que o segredo da
beleza e da originalidade está guardado. Segundo Bemporad (2013, p. 45), para aquele chapéu
cuja qualidade da palha e cujo trançado não são os melhores, basta uma boa guarnição para o
chapéu estar bonito:
La guarnizione è sempre stata l’elemento che distingueva i cappelli a tutti gli effeti. (…) ma ciò
che fa la differenza, anche quando la foggia resta simile, è la sovrapposizione di elementi decorative
più o meno curati, più o meno preziosi.18
Em ambos os casos, tanto nos materiais quanto nas guarnições, a lista poderia não
terminar, tamanha a possibilidade de material encontrado e frequentemente experimentado
dentro do mundo da chapelaria.
17
Linha de inspiração é geralmente feita em todo processo artístico, de moda ou design, onde o criador busca
informações, que podem ser de diversas fontes do cotidiano, como: a natureza, livros, pinturas, entre outros.
Depois de inspirar-se, o criador assimila a experiência adquirida e a materializa no objeto que criará. 18
A guarnição sempre foi o elemento que distinguia o chapéu de todos os efeitos. (...) de fato, é o que faz a
diferença, mesmo quando a forma é parecida; é a sobreposição dos elementos decorativos mais ou menos
cuidados (bem tratados), mais ou menos preciosos. (Tradução da Mestranda)
39
Segundo Bemporad (2013), a estilista italiana Elsa Schiaparelli, em parceria com o
artista espanhol Salvador Dalí, criaram, em 1937, um chapéu chamado the topsy-turvy shoe
hat. O adereço era um chapéu em forma de sapato. A parceria foi considerada uma das mais
importantes e criativas do século XX. O mesmo autor também considera que Maison
Schiaparelli continua a surpreender até hoje com chapéus bizarros na coleção, assim como
com todo o estilo das suas roupas.
Bemporad (2013) explicita que, em 1994, Stephen Jones criou um chapéu que parece
nem existir. O chapéu foi feito em acrílico transparente, dando a sensação de uma água
“estática” na cabeça da modelo. Stephen Jones denominou esse chapéu de Wash’n’Go19
(Figura 11), certamente, um dos materiais de chapelaria mais interessantes já vistos até hoje.
Figura 11 - Chapéu Wash’n’Go
Fonte: Jones (2014, s/p).
O inglês Stephen Jones, para Bemporad (2013, p. 41), é um fenômeno da moda que
sabe perfeitamente aproveitar materiais inovadores e esquecidos:
(…) il quale è riuscito a portare alla ribalta un articolo di moda che era stato dimenticato,
facendone, attraverso l’utilizzo di forme bizarre e di accessori stravaganti, il vero protagonista. La
sua arte, che non impropriamente e stata accostata al design più spinto, ha rinnovato il parco degli
accessori tradizionalmente adottati dale modiste, e con un gioco ingannevole mescola forme
19
Wash’n’Go: Molhe e vá. (Tradução da Mestranda)
40
tradizionali ad altre accentriche e sperimentali. Sopratutto, ha recuperato materiali desueti como
plastica, nylon, plexiglas, fil di ferro ecc20
.
A coleção exclusiva da artista Hye Yoo Mi, por sua vez, consiste em chapéus feitos
inteiramente com cabelos sintéticos. Martín (2010, p. 150) entende que “Più che di Cappelli,
si tratta di proprie sculture, con cui la gente adorna i propri cappelli naturali, e che possono
anche servire a dissimularne la mancanza21
.”
Por meio dos exemplos citados, busca-se mostrar que, mais importante que o material
usado, é a criatividade do profissional, que tudo ou nada pode transformar-se em um chapéu.
2.3.1 Os modelos mais famosos
A gama de chapéus conhecidos e desejados é grande, em especial chapéus de
personagens que fizeram história e marcaram a vida das pessoas. Todavia, nesta subseção,
trataremos somente de alguns dos modelos de chapéu mais conhecidos.
Um dos chapéus mais vistos e apreciados desde o final do século XVIII é a cartola,
conhecida internacionalmente como top hat (Figura 12).
Figura 12 - Homens com cartola, século XIX
Fonte: Lenzi (2014, s/p).
20
“(...) o qual conseguiu levar com toda a força um artigo de moda que estava esquecido, fazendo-o por meio do
uso de formas bizarras e de acessórios extravagantes, o verdadeiro protagonista. A sua arte, que não
impropriamente foi levada ao design mais alto, renovou o palco dos acessórios tradicionalmente adotados das
modistas e, com um jogo que emanava, misturava formas tradicionais a outras excêntricas e experimentais.
Especialmente, recuperou materiais obsoletos como plástico, nylon, plexiglas, fio de ferro”. (Tradução da
Mestranda) 21
“Mais que chapéus, se trata de verdadeiras esculturas, com as quais as pessoas adornam seus próprios cabelos
naturais e que podem também servir para simular a falta dos mesmos”. (Tradução da Mestranda)
41
A cartola era portada somente por homens da alta sociedade, pois exigia um traje que
estivesse de acordo com a sua elegância. A sua altura fazia com que os homens que a
vestissem também ficassem mais altos, gerando um sentimento de poder, tanto para quem a
usava quanto para quem era espectador. As cartolas mais elegantes eram feitas de seda, e
muitas, inclusive, podiam ser compactadas para viagem. É comum ver, em alguns desenhos,
as cartolas com essa capacidade de “sanfonar-se” quando pressionadas. Segundo o livro
Design Museum - Fifty hats that changed the world (2011), o apogeu do top hat foi em 1860.
No final do século XIX, a cartola ficou conhecida também por ser o chapéu dos magnatas,
juntamente com outros elementos da moda: o fraque, o monóculo e o charuto.
O chapéu coco (Figura 13), por sua vez, foi desenhado, conforme consta em O Design
Museum - Fifty hats that changed the world (2011), por London Hatters Thomas e William
Bowler, em 1848, para a famosa loja de Londres James Lock & Co., sendo que ainda se pode
encontrar esse modelo original.
Figura 13 - Homens com chapéus coco, 1908
Fonte: West (2014, s/p).
O chapéu coco foi também o escolhido por Charlie Chaplin e usado em seu cinema
mudo, caracterizando o personagem Carlitos. Esse chapéu é um dos chapéus ingleses mais
difundido no mundo; no entanto, nem sempre foi assim. Até 1850, o chapéu coco era visto
como chapéu de classe operária. Sob o ponto de vista de Crane (2000), após 1875, em
especial no cenário urbano, o chapéu coco passou a ser usado junto com a cartola, mas em
ocasiões diferentes: a cartola passou a ser usada em ocasiões formais, e o chapéu coco, para o
trabalho ou ocasiões menos formais. Geralmente, é feito em feltro de lã, e sua cor clássica é o
42
preto. Mesmo assim, pode-se encontrá-lo em todas as cores. Possui uma fita de gorgurão que
circula a cabeça e contorna a aba estreita virada.
Curiosamente, mais tarde, esse chapéu saiu da Inglaterra e tomou lugar na vestimenta
típica das mulheres aymarás, conforme o portal do Estadão, Mr. Miles (2008, s/p) coloca que:
Além de alguns cavalheiros ingleses, pode-se vê-los ornamentando as cabeças de mulheres
bolivianas e peruanas. Esse fenômeno — believe me — ocorreu porque, nos anos 20 do século
passado, um comerciante andino comprou uma partida de chapéus-coco na Lock's e não conseguiu
clientes em seu país. Esperto, relançou-os como acessórios femininos, e eles caíram no gosto das
índias aymarás.
Tem-se, também, o chapéu-panamá, o qual, conforme explicação de O’Hara (2000), é
feito de uma palha de cor clara, conhecida como carludovica palmata e trançada em trama
fechada. Pode ser encontrado em diversos formatos. A palha é encontrada no Equador e
também em alguns países vizinhos. Recebeu o nome de chapéu-panamá em 1906, quando o
presidente norte-americano Roosevelt fez uma visita ao Canal do Panamá (Figura 14).
Figura 14 - Roosevelt e seu chapéu de Panamá
Fonte: Santalina (2012, s/p).
Foi um muito usado o chapéu de Panamá, em especial nos anos de 1920. Era conhecido,
no Brasil, como o chapéu do malandro. Por isso, o personagem da Disney Zé Carioca usa um
panamá em suas aparições. Na interpretação de Carmen Miranda para a música O que que a
baiana tem?, é possível ver os “malandros” dançando com um chapéu dessa palha.
43
No livro Il Cappello - fra arte e stravaganza (2013), o chapéu, assim como a roupa, tem
a função de cobrir o corpo. Em uma grande maioria das vezes, respeita as formas do corpo que
o vestem. Um chapéu, independente do design que possui, sempre será um chapéu e vestirá a
cabeça, assim como um sapato sempre vestirá um pé. Alguns chapéus vêm e vão com o
movimento da moda. Um caso muito conhecido de chapéu com design atemporal é o turbante.
Os turbantes foram muito difusos no Oriente e nas culturas árabes desde os primórdios, assim
como no norte da África, ainda na Antiguidade. Tanto homens como mulheres usavam
turbantes, pois, além de proteção, designavam de que família eram e de onde vinham. Em 1912,
Paul Poiret fez uma releitura do turbante. Foi o primeiro costureiro da alta moda a colocá-lo em
evidência, juntamente com um conjunto de tendências orientais e inspirações no Ballet Russo,
conforme Design Museum - Fifty hats that changed the world (2011).
A variedade de desenhos de chapéus é muito grande. Aproximadamente até os anos de
1960, modelos de chapéus eram criados e lançados a todo momento devido ao uso frequente
dessa peça e à exigência da moda por novidades. Hoje, essa frequência de desenvolvimento
não é tão voraz, e alguns modelos de chapéu são relançados. Cloches, Pamelas, Touques,
Berets, Canotto, Borsalino, Casquetes, Panamá e Pillboxes são somente alguns dos modelos
mais conhecidos no mundo inteiro. Muitos se tornaram afamados por serem usados por
pessoas formadoras de opinião, atrizes e atores, ou por serem exibidos em filmes ou revistas.
Ademais, os chapéus de “moda”, os chapéus que determinam profissões, como os caps
militares, as toucas de chefes de cozinha, ou posições hierárquicas, como os diversos chapéus
do clero, ou também os chapéus étnicos, como o fez usado na Turquia, são de total relevância
para o estudo do chapéu.
2.3.2 Mãos mágicas, Cabeças geniais
Como o presente estudo se fundamenta especialmente no antigo ofício de chapeleiro,
faz-se necessário um breve estudo, sobre alguns nomes da chapelaria, não somente
chapeleiros, mas empreendedores do chapéu que fazem ou fizeram parte desse meio. É
importante ressaltar que, por se ter como campo de estudado a cidade de Signa, na Itália,
muitos nomes aqui mencionados fazem parte desse contexto.
Longoni (2003, p. 18), no livro L’ereditá dei Cappellai – memoria, mito e realtá di una
avventura del lavoro, faz uma ligação da profissão de chapeleiro com o enigmático Chapeleiro
Maluco, personagem de um clássico da literatura, de Lewis Carroll, Alice no país das maravilhas:
44
Nel 1862, quando il canonico Charles Lutwidge Dodgson, docente di matematica a Oxford,
scrive Alice in Wonderland firmando con il nom de plume Lewis Carroll, il lavoro del cappellaio è
ancora svolto, per lo più, in modo tradizionale, ma si sta industrializzando rapidamente, con forti
opposizioni dei lavoranti. La turbolenza dei cappellai è un luogo comune: essi resistono al
macchinismo che sta stravolgendo l’antico mestieri. Ma c’è un’altra causa per la loro fama
irriquieta: il mercurialismo, malattia professionale rimasta nella categoria fino alla fine del XX
secolo. Chi resta a contatto col mercurio, come i cappellai che trattano il pelo di coniglio o lepre
(non la lana), secretato appunto con quella sostanza, soffre di tremito, perdita di memoria, azioni
stravaganti22
.
Longoni (2003) ressalta, também, que o Chapeleiro Maluco se encontra na companhia
do Coelho Branco (White Rabbit), pois este mesmo pode vir a ser um futuro chapéu de pele
de coelho. A indumentária do chapeleiro também remete à forma como se vestiam os antigos
chapeleiros ingleses, assim como sua relação conturbada com o tempo em relação à
quantidade de horas trabalhadas.
Longoni (2003, pp. 19-20) elucida que
Il Cappellaio Matto rappresenta senza moralismi né compiacimenti di maniera il lavoro di mestiere,
un’umanità lontana dal mondo ovattato del Christ Church College dove abita l’autore, un’umanità
sconfitta ma percepita, nella magia dell’arte, come estranea al potere, originale, vitale e anche infantile,
ciò che appunto più colpisce e interessa Lewis Carroll, per il quale l’infanzia è la vita23
.
Vanni (2004a) argumenta que esse objeto, por ficar tão próximo à cabeça, aos
pensamentos, e ser visto como um protetor do cérebro,24
desperta curiosidade e magia em
quase todos que o conhecem. Por isso, quando se fala na profissão que cria ou confecciona
esse objeto, a imaginação humana desenvolve os mais deslumbrados sonhos. Não é à toa que
Lewis Carroll se deixou seduzir por esse ofício.
Na vida real, é possível citar alguns nomes da chapelaria. São profissionais que
dedicaram a vida a essa arte, tanto dos dias atuais como de tempos passados, que se
encontram espalhados por algumas partes do mundo.
22
“em 1862, quando o canonico Charles Lutwidge Dodgson, docente em matemática em Oxfird, escreve Alice
no país das maravilhas com o codinome Lewis Carrol, o trabalho de chapeleiro ainda era realizado de modo
tradicional, mas naquele período começava a se industrializar rapidamente, com fortes oposições por parte dos
trabalhadores. A agitação por parte dos chapeleiras é unanime: os mesmos resistem aos maquinários que estão
modificando o antigo trabalho. Mas existe também uma outra causa para a fama de serem inquietos: o
mercurialismo, uma doença profissional deixada nessa categoria até o final do século XX. Quem fica em contato
com o mercúrio, como os chapeleiros que tratam o pêlo da lebre ou do coelho (não a lã), secretado com aquela
substância, sofre de tremedeira, perda da memória, ações extravagantes.” (Tradução da Mestranda) 23
“O chapeleiro maluco representa sem moralismo nem complacência, o trabalho dessa categoria, uma realidade
distante do mundo de Christ Churrch College onde vivia o autor, um grupo derrotado mas percebido, na magia
da arte, como estranha o poder original, vital e também infantil e isso é o que desperta interesse em Lewis Carro;
para o qual infância é a vida.” (Tradução da Mestranda) 24
Nesse ponto, outra referência da cultura pop é o chapéu pensador do professor Pardal. Segundo Mazinho
(2012), o inventor mais famoso do mundo não vive no mundo real. Morador da fictícia cidade de Patópolis
(Duckburg), ele foi criado pelo quadrinhista Carl Barks e se tornou um dos mais conhecidos e queridos
personagens da galeria Disney. Ele é workaholic, desorganizado, atrapalhado e muito biruta (a prova disso são as
invenções inúteis, como a “máquina de não fazer nada” e coisas como o chapéu pensador – um pequeno telhado
com um ninho de corvos, que supostamente o ajuda a ter novas e malucas ideias – e o oralicóptero, uma máquina
voadora movida a “quacs” do Pato Donald.
45
Segundo Bellini (2007), Domenico Michelacci não foi o que se pode chamar de
chapeleiro. No entanto, foi um grande empreendedor do chapéu. Para Bellini (2007), deve-se
a Michelacci a invenção da semente e da plantação do trigo espercial para a fabricação da
palha para trançar, do qual eram feitos os chapéus.
Ganugi (2006) relata que, no século XVIII, Domenico Michelacci transferiu-se de
Bolonha para Signa, cidade que fica próximo a Florença, ambas situadas na Itália, e deu uma
nova direção para a pequena comunidade, que vivia da agricultura e passou, então, a utilizar a
palha nela colhida para trançá-la e, assim, tranformá-la em chapéus.
Ainda para Ganugi (2006, p. 7), “La prima coltivazione di grano al solo fine di
ottenere paglia da intreccio risale al 1718 ed è dovuta all’opera di Domenico Michelacci25
.”
O mesmo autor igualmente relata que Michelacci não foi somente responsável por
introduzir a palha e a chapelaria em Signa, mas também pelo desenvolvimento econômico e
social da região. Em Signa, muitas outras empresas chapeleiras nasceram, e a cidade pôde
criar uma ligação direta, através do Rio Arno, com o Porto de Livorno, para exportação das
tranças de palha para chapéus.
Ganugi (2006, p. 29) ainda acrescenta que
La coltivazione del grano seminato appositamente e la lavorazione della paglia che se ne
ricavava, da intrecciare per farne cappelli, è un’attività con caratteristiche industriali in Toscana ed
in particolare nelle cosidette Signa a parte della prima metà del Settecento grazie ad un Bolognese,
Domenico Michelacci26
.
Outro nome importante da chapelaria é apontado por Bellini (2007). Trata-se de
Oreste Cinelli, o mais famoso chapeleiro de Signa, Itália. Iniciou como chapeleiro e,
rapidamente, se transformou no primeiro empresário de chapéus da cidade, o único a exportar
o produto acabado. Por isso, levou à cidade certa segurança e estabilidade econômica.
Bellini (2007), a autora do livro La manifattura della paglia nel Novecento: Da Signa
e dalla Toscana nel mondo, pode falar não somente como historiadora, mas também como
bisneta de uma das mulheres que trabalhou para Oreste Cinelli. No livro, Bellini (2007) relata
como Oreste Cinelli e a chapelaria foram importantes para a região de Signa, em especial para
a economia local e para a independência feminina daquele tempo. Oreste Cinelli, último filho
de quatro irmãos, nasceu em 1857, na cidade de Livorno, região litoral da Toscana. Seu pai
abriu uma loja de chapéus de palha e, por esse motivo, Oreste Cinelli mudou-se para a
localidade de Lastra a Signa em 1880, onde iniciou seu empreendimento de chapéus. Entre as
25
“A primeira cultivação de trigo com a única finalidade de fazer palha para trançar nasce em 1718 e é uma obra
de Domenico Michelacci.” (Tradução da Mestranda) 26
“O cultivo do trigo semeado propositalmente para o trabalho da palha, do trançar para fazer chapéus, é uma
atividade com características industriais na Toscana, em especial modo, a localidade de Signa, na primeira
metade do século XVIII, por um bolonhês: Domenico Michelacco.” (Tradução da Mestranda)
46
jovens trançadoras, encontrava-se Maria Emirena Ferrori, que advinha de uma família de
canteiros e encontrou, junto com outras jovens de sua região, um trabalho como trançadora de
palhas em um pequeno laboratório. Algum tempo depois, Maria Emirena passou a trabalhar
com Oresti Cinelli.
Em conformidade com Bellini (2007, p. 22),
Il nuovo direttore e il gruppo di giovani trecciaiole iniziarono da loro collaborazione che portò
subito buoni frutti. Così un giorno il ‘so padrone’, come veniva chiamato il Cinelli, per riconoscenza
all’impegno e alla creatività di quelle ragazze, le condusse tutte in gita a Livorno: qui esse videro il
mare per la prima volta e per la prima volta desinarono in un ristorante, ‘Ai Quattro mori’. Nei
ricordi della famiglia l’episodio è stato tramandato come un momento de estrema gratificazione e di
emancipazione per Maria Emirena.27
Mais tarde, Maria Emirena se casou, engravidou e, por esse motivo, teve de deixar seu
trabalho como trançadora por determinado período. Como a família necessitava do dinheiro
para sobreviver, Emirena retornou ao seu antigo trabalho nas empresas de Cinelli.
A ligação de gratidão e respeito dessas jovens trançadoras de palha com Oreste Cinelli
certamente é uma das mais bonitas histórias do chapéu na Toscana. Segundo Bellini (2007),
sua bisavó Maria Emirena nunca esqueceu o dia em que Cinelli as levou para ver o mar pela
primeira vez. Somente em 1939, quando estava com 74 anos, foi com o filho mais novo a
Livorno para ver o mar outra vez e relembrar as histórias.
Sob o ponto de vista de Bellini (2007, p. 23),
Nonostante che della gita a Livorno in famiglia si sia tramandato sopratutto il lato romantico ed
emotivo, c’è da rimarcare un aspetto: il riconoscimento da parte del Cinelli del valore delle sue
lavoranti, comprendendo come dietro la propria affermazione, cosi come quella di tutti gli altri
imprenditori della zone, c’erano anche l’inventiva e la patronanza tecnica di un piccolo gruppo di
donne28
.
Oreste Cinelli, segundo Bellini (2007), casou-se com Diomira Bellini, uma das jovens
trançadoras que levou ao passeio de agradecimento em Livorno.
Quanto ao Brasil, apesar de poucas, existiram importantes fábricas de chapéus no
século passado. Uma delas foi a Fábrica de Chapéus Nelsa S/A, que se situava em Blumenau,
Santa Catarina, conforme já mencionado, e que é, juntamente com Signa, objeto do estudo de
campo do presente trabalho.
27
“O novo diretor e o grupo de jovens trançadoras iniciaram a colaboração que logo trouxe bons frutos. Assim,
um dia, o ‘seu patrão’, como era chamado o senhor Cinelli, por reconhecimento pelo empenho e criatividade
daquelas jovens moças, levou-as para uma excursão para Livorno: ali, viram o mar pela primeira vez e pela
primeira vez almoçaram em um restaurante, ‘os quatro morenos’. Nas lembranças da família, o episódio foi
repassado como um momento de extrema gratificação e de emancipação para Maria Emirena.” (Tradução da
Mestranda) 28
“No mesmo modo que a excursão para Livorno contada em família foi relatado o lado romântico e emotivo, é
importante ressaltar um aspecto: o reconhecimento a Cinelli por valorizar as suas colaboradoras, ganhando o
respeito de todos os seus trabalhadores e também dos outros empreendedores da região, de como se lidera um
pequeno grupo de mulheres.” (Tradução da Mestranda)
47
Fábrica de Chapéus Nelsa S/A, de acordo com Wollmer (2014), teve seu início em
1925 e encerrou os trabalhos em 1965. Petry (2014), por sua vez, cita que, na localidade de
Blumenau, era possível encontrar chapeleiras que confeccionavam chapéus manualmente até
os anos de 1960.
Destaca-se que foi por meio da chapelaria que a estilista Coco Chanel iniciou seu
percurso na moda. Por isso, pode-se dizer que, antes de estilista e empreendedora renomada,
Gabrielle Chanel foi chapeleira. O’Hara (2000, p. 74) acredita
(...) que ela tenha adquirido alguma experiência em costura e chapelaria antes de se mudar para
Deauville, em 1910, para trabalhar em uma loja de chapéus. Entre 1912 e 1914, abriu duas lojas,
uma em Paris e outra em Deauville, onde confeccionava e vendia chapéus (…).
O chapéu foi o início de uma das marcas mais consagradas no mundo, encontrando-se
presente em, praticamente, todas as coleções e desfiles da Chanel.
Destaca-se que muitos grandes chapeleiros se transformaram em empreendedores com
o decorrer da carreira. A grande maioria iniciou de modo autônomo, ou com um ou dois
funcionários, e, aos poucos, a arte com característica artesanal passou a ser mais
industrializada. Isso ocorreu com a maioria dos chapeleiros no século XVIII. Entretanto, é
preciso considerar também que, nesse período, devido à Revolução Industrial, não somente a
chapelaria sofreu o processo de industrialização.
Apesar de poucos profissionais do chapéu hoje em dia, podem-se citar alguns nomes e
marcas importantes que têm a chapelaria como foco e ainda presente nas coleções. Miller
Christy29
, Giuseppe Borsalino30
, Stephen Jones31
, Philip Treacy32
, Piers Atkinson33
, Jane
Taylor34
, Madame Olly35
são alguns dos chapeleiros e fábricas que existem atualmente no
mundo e que levam o ofício adiante, alguns de maneira tradicional e outros de maneira
industrial. Todavia, difundem, hoje, tanto o uso do chapéu quanto a continuação do ofício.
29
Miler Christy nasceu na Escócia e aprendeu a arte da chapelaria aos 15 anos de idade. Dez anos mais tarde,
abriu, em Londres, uma sociedade com Quaker Joseph Storrs, conforme Christy (2014). 30
Longoni (2003) considera que, com certeza, Giuseppe Borsalino é o nome mais conhecido da chapelaria
italiana. Em 1857, abriu seu negócio de chapéus em Alessandria, no norte da Itália. A marca Borsalino é ativa
ainda hoje e vende seus chapéus em muitas partes do mundo. 31
Stephen Jones abriu sua loja de chapéus nos anos de 1980. É muito conhecido pela clientela famosa que
possui, como: Rihanna, Dita von Teese, Mick Jagger... É um dos chapeleiros atuais de maior prestígio no mundo
da moda e da chapelaria, Jones (2009) 32
Philip Treacy nasceu na Irlanda, mas sua loja fica situada em Londres, onde estudou moda. Criou chapéus para
marcas como Alexander McQueen, Givenchy, Karl Lagerfeld, segundo Treacy (2014). 33
Piers Atkinson tem a chapelaria como familiar. Sua mãe criava chapéus para companhias de teatro, pelo que
Atkinson iniciou na chapelaria. Frequentemente, suas peças são encontradas em revistas de moda importantes do
mundo inteiro, segundo Atkinson (2014). 34
Jane Taylor constituiu sua marca de chapéus há menos de 10 anos e tem, como cliente, a Duquesa de
Cambridge, Kate Middleton. Seus chapéus são desenvolvidos sob medida para cada cliente, para Taylor (2013). 35
Madame Olly se situa em São Paulo, onde existe desde os anos de 1960.“As senhoras da alta sociedade
paulistana mandavam fazer seus chapéus sob medida e alugavam chapéus para casamento. O atelier foi fundado
por uma francesa – Madame Olly – e, depois, comprado por Benê Novaes nos idos de 1980 (…)”, conforme o
portal Madame Olly (2014, s/p). Hoje, o laboratório é dirigido por Diaulas Novaes, filho de Benê, onde o
atendimento é somente feito sob encomenda.
48
Considera-se importante esclarecer, também, que o chapeleiro era quem “puxava” os
chapéus nas formas e fazia os cones tomarem forma, trabalhava com diversas ferramentas,
inclusive algumas a vapor quente. Consistia em um serviço pesado, razão pela qual,
geralmente, os homens o exerciam. Os “modistas” eram os responsáveis por adornar, decorar
e enfeitar os chapéus e também os responsáveis por criarem modelos. Acredita-se que, pelo
fato do alto movimento econômico gerado pelo chapéu no século XIX, sentiu-se a
necessidade de separação do labor. Com o passar do tempo, mais uma vez, as profissões se
afunilaram, ligando as pessoas que faziam chapéus a chapeleiros ou chapeleiras. Na Itália, o
termo “modista” ainda é muito presente e constante. No entanto, em outras línguas, as pessoas
que fazem todo o processo da chapelaria são designados chapeleiros. Por exemplo, em inglês,
milliner serve tanto para modista quando para chapeleiro. A tal afunilação e junção dos
trabalhos hoje se dá, pois, na grande maioria das vezes. A chapelaria é um trabalho artesanal e
pode ser desempenhado por única pessoa ou por pequeno grupo polivalente.
A profissão ligada a um objeto que instiga a curiosidade e fascina o homem não pode
ter um “experto” que seja menos. Assim como o chapéu é ligado simbolicamente aos
pensamentos e às ideias, o chapeleiro, consequentemente, é visto e reconhecido (quando
encontrado!) como alguém misterioso, que não somente desenha e desenvolve o objeto para
cobrir a cabeça, mas que mexe com a imaginação da pessoa que o vestirá.
2.4 As aparições do chapéu
Nesta subseção, expõe-se sobre a presença do chapéu nos diversos personagens do
cinema, do teatro, da política, bem como a presença do adorno nas artes pictóricas, na
literatura, na moda, na economia e como elemento simbólico. Frisa-se que, para compreender
o elemento chapéu e sua importância social, histórica e econômica, é de valor relevante
analisar, ao menos, os principais contextos onde esse acessório está incluído.
2.4.1 Nos personagens
Tanto no teatro como do cinema, inúmeros personagens criaram sua identidade por
meio do chapéu. O filme Chaplin, de 1992, dirigido por Richard Attenborough e
protagonizado por Robert Downey Jr., ilustra o exato momento em que Chaplin encontra seus
dois principais adereços – a bengala e o chapéu –, assim se transformando em Carlitos, um
dos personagens mais estimados e conhecidos do cinema (Figura 15).
49
Figura 15 - Charlie Chaplin como Carlitos
Fonte: April Johnston (2014, s/p).
Chaplin (1966, s/p), no seu livro História de minha vida, descreve esse instante:
No caminho do camarim, disse para mim mesmo que iria colocar uma calça extremamente
larga, um paletó apertado, um chapéu-coco e sapatos enormes. Acrescentei um bigodinho que me
daria alguns anos a mais. Não tinha a menor ideia do personagem que ia representar, mas, desde o
instante em que me vesti, as roupas e a maquiagem me fizeram sentir quem ele era. Quando entrei
em cena, estava totalmente criado.
Com seu chapéu coco, Carlitos, personagem de Charles Chaplin, identifica-se como um
inglês do início do século passado: com calça largas e curtas, paletó apertado, bigodinhos e
bengala. Até os dias atuais, fãs e simpatizantes do estilo de Carlitos compram o chapéu coco,
sendo uns dos modelos mais famosos e difundidos em todo o mundo. Além de “coroar” Carlitos,
esse chapéu teve grande participação identificatória no filme Laranja Mecânica, de 1971, no qual
Alex, interpretado por Malcolm McDowell, usa seu bowler hat36
e um olho marcado para
caracterizar-se. Evidencia-se que, muitas vezes, o chapéu perde seu nome de origem e passa a ser
chamado pelo nome do personagem que o usou. Assim, por exemplo, em vez de chapéu coco,
tem-se “chapéu de Charles Chaplin” ou “chapéu da Laranja Mecânica”, segundo Kubrick (1971).
D’Incerti (2004) explicita que uma das práticas que o cinema herdou do teatro foi o
cuidado na escolha do figurino. Mas não demorou muito para a indústria cinematográfica se
dar conta de que, graças ao uso do primeiro plano da câmera, cada peça de roupa ou acessório
36
Chapéu coco.
50
poderia assumir a conotação psicológica dos personagens, diferente do teatro, que possuía um
peso e uma importância maior no ato de representar. Por esse motivo, os figurinos e adereços
passaram a ser ainda mais evidenciados, pois as tomadas das câmeras usadas no cinema
poderiam extrair cada pequeno detalhe presente nas peças, ajudando, assim, o ator na sua
própria personificação.
De acordo com D’Incerti (2004, p. 129),
In particolare il cappello, e più in generale ogni tipo de copricapo, venne da allora utilizzato
innumerevoli volte come elemento non puramente descriptivo di uno status sociale o economico, ma come
inizio expresivo del carattere, dello stato d’animo o perfino dell’indole dei vari personaggi37
.
Ainda para o mesmo autor, é notório que, para cada personagem, existe um chapéu e
que cada chapéu traduz explicitamente o que o personagem deseja passar. Um exemplo que
pode ser citado é o do personagem Caligari, do filme O Gabinete do Doutor Caligari, com
direção de Wiene em 1920, que usava um top hat de cor preta, o que gerava um aspecto
sinistro e assustador. Já, o chapéu de abas largas com copa baixa, geralmente usado por
cavaleiros justiceiros, foi a escolha para o personagem Zorro, que, além do chapéu, usa uma
máscara e uma capa negra.
Segundo o Museo della Paglia di Signa Domenico Michelacci (2014), um caso
feminino que envolve o chapéu acontece no filme O expresso de Xangai, de 1932, dirigido
por Joseph von Sternberg, no qual Marlene Dietrich interpreta Magdalen, a cortesã Shanghai
Lily. No decorrer da viagem, dentro do trem, entre Pequim e Xangai, Shanghai Lily é
questionada do porquê de estar indo para a cidade, e a resposta foi breve, objetiva e certeira:
“Para comprar um novo chapéu”, respondeu ela.
As películas e os personagens que evidenciam o chapéu são inúmeros, em especial no
cinema antigo do início no século passado. Pelo motivo já citado, o chapéu é um dos adereços
que mais caracteriza, em especial, nas tomadas de câmera. Por isso, o cinema atual, muitas
vezes, conta com esse adereço. No filme de romance Outono em Nova Iorque, do ano 2000, a
atriz Winona Ryder, que viveu Charlotte Fielding, fabricava chapéus inusitados e presenteava
família e amigos.
O chapéu não somente está presente nos filmes, nos personagens de “carne e osso” ou
no cinema adulto. Os desenhos animados e os personagens infantis ou infanto-juvenis
também carregam chapéus em suas cabeças, que marcam épocas e as características deles.
Para Yuri (2012), os personagens mais conhecidos da Disney compõem seus figurinos
com chapéus e adereços de cabeça. Pateta usa um chapéu verde, com aba curta e dobrada, que
37
“Especialmente o chapéu e, de modo geral, todos os tipos de adorno de cabeça, tem sido utilizado inúmeras
vezes como elemento não puramente descritivo de status social e econômico, mas como início expressivo de
caráter, do estado de ânimo ou mesmo como a índole dos vários personagens.” (Tradução da Mestranda)
51
demonstra sua personalidade engraçada e literalmente “pateta”; Glória, Minie e Margarida
usam laços coloridos, símbolos de feminilidade; Tio Patinhas e seus sobrinhos, Huguinho,
Zezinho e Luisinho, também usavam seus adornos de cabeça; e Tio Patinhas, o rico habitante
de Patópolis, apaixonado pela sua moedinha número 1, é representado pela cartola, símbolo
da burguesia no final do século XIX. Já, seus sobrinhos usam bonés coloridos, o chapéu que
retrata a infância.
Peter Pan e Hobin Wood, por sua vez, são personagens com “coração” da floresta. Por
isso, seus chapéus não poderiam ser diferentes: cobrem somente o topo da cabeça e carregam
ao lado uma pena. Esse chapéu é símbolo de pessoas simples, que viviam em locais rurais ou
bosques. Esse modelo de chapéu foi muito difundido por volta do século XIII, Yuri (2012),
Chapéuzinho Vermelho, Papai Noel, Pinóquio, Chapeleiro Maluco, Popey, Wally
(personagem criado pelo ilustrador britânico Martin Handford, de Onde está Wally), Zé
Colmeia, Zé Carioca: cada um carrega seu chapéu de acordo com as características de cada
personagem. Levando-se em conta que crianças têm percepções visuais diferentes das dos
adultos, os figurinos, as cores e formas dos personagens são de total importância. Como cita a
revista Hype Science (2014, s/p), “Na verdade, trata-se de uma interação entre o olho e o
cérebro: enquanto os adultos enxergam os itens em seu campo de visão como uma única e
grande informação, as crianças separam os componentes que enxergam”.
O chapéu está nos mais variados lugares e contextos. Em especial, quando um
personagem deseja ser reconhecido e transmitir instantaneamente o que deseja passar.
Incluem-se, nessa lista, personagens políticos, como, por exemplo, Che Guevara, a Rainha
Elizabeth II, Jacqueline Kennedy, Hugo Chávez, Kate Middleton (Duquesa de Cambridge),
Winston Churchill e Franklin Roosevelt.
A Rainha Elizabeth II, por exemplo, é conhecida por seus chapéus elegantes, com abas
médias, que acompanham a cor da roupa e todos os outros acessórios, tudo geralmente em
tons pastéis. Sua Majestade nunca buscou ser ícone de moda. Seus chapéus, no entanto,
passaram a ser conhecidos e considerados como um ponto de distinção da Rainha.
Segundo o Design Museum - Fifty hats that changed the world (2011, p. 72),
Britain’s Queen is perhaps an unlikely fashion icon, but for several decades her quie t but
dogged patronage of some of Britain’s and the Commonwealth’s best hat and clothes designers
has paid handsome dividends – not only for the designers individually and for British fashion
generally, but also in the striking, dignified style she has managed to forge for herself. Pastels can
be bold.38
38
“A Rainha da Grã-Bretanha talvez seja um ícone da moda improvável, mas, por várias décadas, o seu discreto,
mas obstinado a alguns dos melhores designers de chapéus e roupas da Grã-Bretanha e da Commonwealth pagou
dividendos consideráveis - não só para os designers individualmente e para a moda britânica em geral, mas
também no estilo marcante e digno que ela conseguiu criar para si mesma. Pastéis (tons pastéis) podem ser
ousados.” (Tradução da Mestranda)
52
Ainda conforme o Design Museum - Fifty hats that changed the world (2011), na
Inglaterra, não somente a Rainha Elizabeth II é considerada um ícone do chapéu. A Princesa
Diana, nos anos de 1980, usava chapéus desenhados pelo chapeleiro Somerville. Desde esse
momento, passou a delinear sua identidade por meio de peças de moda.
Quanto a Kate Middleton (Figura 16), além de Duquesa de Cambridge, certamente
uma das mais reconhecidas usuárias do acessório nos dias atuais.
Figura 16 - Kate Middlenton
Fonte: Edmonds (2014, s/p).
Enquanto o chapéu se encontrava esquecido pela maioria das pessoas, Kate aparece com
casquetes e fascinators que a identificam como uma mulher elegante e de personalidade. Após as
primeiras aparições de Kate Middleton, o chapéu foi “revisto” por todos, inclusive por
profissionais da moda, Cartaxo (2012).
Outro nome a ser destacado, haja vista o uso do chapéu, é Angenor de Oliveira, mais
conhecido por Cartola. Para Carneti et al. (2011), Cartola, um dos mais consagrados
compositores brasileiros, adquiriu seu codinome no período em que trabalhava como pedreiro
de obras. Para que sua cabeça não se sujasse com as gotas de cimento que caíam, Angenor de
Oliveira passou a usar um chapéu coco. Todavia, como seus colegas chamavam seu chapéu de
“cartolinha”, passou a ser chamado de Cartola.
Vale mencionar, também, Carmen Miranda, cantora e atriz luso-brasileira. “Tem torso
53
de seda tem!” Essa foi a primeira resposta para a pergunta “O que que a baiana tem?”, música
de Dorival Caymmi interpretada por Carmen Miranda, na década de 1940. Segundo Garcia
(2004, p. 108),
(...) o torso de seda é o chamado turbante. De origem afro-islâmica, no candomblé o torso
indica, conforme o modo que é dobrado, divindades e hierarquias. E ainda é útil esteticamente
quando as filhas de sento, iniciadas no culto, raspam o cabelo.
Carmen Miranda (Figura 17), conforme Kerber (2005), é o resultado de um processo
de construção identitária vivida no Brasil na década de 1930. O que é ser brasileiro? Sobre
essa dúvida, tanto o Governo Nacional como agentes sociais buscam criar um ícone para
identificar o país e seu povo.
Figura 17 - Carmen Miranda e seu turbante
Fonte: Petrauskas (2014, s/p).
Como um signo ideológico do Brasil, Carmen Miranda não deixou de usar um dos
objetos que mais caracterizam um personagem. O turbante de frutas tropicais de Carmen
Miranda é, até hoje, um dos símbolos mais lembrados por estrangeiros quando pensam no
Brasil e sobre ele falam.
O exposto até o momento, nesta subseção, permite afirmar que o chapéu está presente
em diversos personagens que marcaram a história. Atores, cartoons, políticos, heróis,
cantores, músicos, formadores de opinião e símbolos icônicos fizeram “parceria” com esse
adorno, inclusive muitos reconhecidos imediatamente pelo chapéu que usavam. O chapéu é o
protagonista do vestuário quando a personificação é criada. De acordo com Bananni e Bitossi
54
(citado por Nicolini, 2006, p. 8), “Niente, qualifica meglio un’epoca, una moda, di quei
preziosi particolari, complementi dell’abito, che chiamiamo accessori.”39
O personagem é tão importante para o chapéu como o chapéu é importante para o
personagem: um leva o outro para aonde se deve chegar, tempos passados ou futuros, lugares
e identidades distintas, sensações e sentimentos que desejam ser passados. O personagem
veste o chapéu, e o chapéu identifica o personagem.
2.4.2 Na literatura
Na literatura, o chapéu igualmente se fez presente em poemas e música, quanto em
prosa, como em romances e crônicas.
Nesse sentido, dá-se destaque, na literatura brasileira, ao escritor Machado de Assis,
cronista, contista, dramaturgo, jornalista, poeta, novelista, romancista, crítico e ensaísta, cujos
trabalhos são constantemente republicados, em diversos idiomas, tendo ocorrido a adaptação
de alguns textos para o cinema e a televisão. Com a seguinte expressão, Machado de Assis
(1899, p. 2) iniciou o clássico Dom Casmurro: “Uma noite destas, vindo da cidade para o
Engenho Novo, encontrei no trem da Central um rapaz aqui do bairro, que conheço de vista e
de chapéu.”
Machado de Assis foi um escritor-ícone ao evidenciar e detalhar o vestuário e a moda
em seus livros e contos. O chapéu, sendo objeto de distinção e um acessório da moda voltado
à identidade e à simbologia, é muito citado em suas obras.
A respeito disso, Souza (2008, p. 54) elucida:
As menções aos elementos do vestuário e adorno encontram-se fartamente presentes na extensa
produção literária de Machado de Assis. Tais referências à toilette podendo ser observadas não
apenas em inúmeros títulos de suas obras, como ‘A mão e a luva’, ‘Os deuses de casaca’, ou
‘Capítulo dos chapéus’, mas também no desenrolar das próprias narrativas, nas quais muitas vezes
reincidem menções deste caráter.
Em seu livro Histórias sem Data, Machado de Assis dedica um capítulo especialmente
ao chapéu, intitulado Capítulo dos chapéus, do qual Souza (2008, p. 49) destaca: “Qual a
causa de tamanho alvoroço? Um simples chapéu, leve, não deselegante, um chapéu baixo”.
Souza (2005, p. 80), ao analisar o vestuário na literatura de Machado de Assis, em
especial no Capítulo dos chapéus, cita que “(…) a luta se tratava entre dois chapéus, ‘um
39
(...) nada qualifica melhor uma época, uma moda, do que os preciosos particulares, complementos da vestir,
que chamamos de acessórios. (Tradução da Mestranda)
55
simples chapéu, leve, não deselegante, um chapéu baixo’, e o chapéu ‘alto, preto, grave,
presidencial’, que Mariana sonhava ver um dia na cabeça de seu marido.”
Ainda em referência ao chapéu na literatura de Machado de Assis (2010), pode-se
mencionar o livro Quincas Borba. Nessa obra, o chapéu de Rubião, em diversas partes da
história, representa o respeito e o intelecto de um estudioso da filosofia que era discípulo de
Quincas Borba.
Também em Papéis Avulsos, no final do conto Uma visita de Alcibíades – Carta do
desembargador X… Ao Chefe de Polícia da Corte, Machado de Assis (1944, p. 196) descreve
que, após com quase toda a indumentária composta, Alcibíades pergunta ao Desembargador X:
“- Estás completo? Perguntou-me ele.
- Não: falta o chapéu”.
Alcibíades é um político da Antiga Grécia que volta no tempo para conversar com o
Desembargador X. Por meio da indumentária, Machado de Assis busca expressar o impacto
causado pela mudança dos séculos. Agora, um senhor bem situado socialmente, necessita de
inúmeras ‘prendas’ para identificar-se. De especial modo, pode-se notar uma ênfase no
chapéu, pois, ao concluir o conto, quando o Desembargador X coloca seu chapéu, o ilustre
ateniense tonteia e cai morto, pela segunda vez. Alcibíades, ao final da vestimenta colocada,
não suportaria toda a mudança estética causada pela diferença de anos, sendo o chapéu o
eleito por Machado de Assis, para “coroar” tal mudança estética e cultural.
Conforme já mencionado, o chapéu inspira não somente a moda, a simbologia, a
estética, mas também o mundo literário. Um chapéu, como já citado, pode dizer
instantaneamente mais de uma pessoa que qualquer outro objeto. O uso desse acessório
identifica e personifica. Da mesma forma, um chapéu “solto”, um chapéu sem cabeça, denota
o vazio, a ausência, a falta, como se pode observar no conto O chapéu de meu pai, de Holanda
(1989, p. 25), crítico literário, lexicógrafo, filólogo, professor, tradutor e ensaísta brasileiro.
Nesse conto, o autor relata como um chapéu pode representar a saudade pelo simples fato de
existir:
Do porta-chapéus, a um canto da parede, pende um chapéu, como coisa abandonada. É o
chapéu de meu Pai. É um pedaço daquele que se encontra ali perto estendido, morto, as largas mãos
cruzadas sobre peito, e o rosto, em vida tão vermelho, agora de uma brancura macilenta. É alguma
coisa dele, que a morte não destruiu.
Por meio do chapéu, o cronista relata a dor da perda da referência paterna. A ausência
não está no chapéu, mas, sim, na falta da cabeça de seu pai dentro do chapéu, dos movimentos
56
da pessoa que vestia o objeto, dos pensamentos que o chapéu “cobria”, da companhia
invejável entre seu pai e o chapéu. Holanda (1989, p. 26) do “O (...) chapéu, acompanhando-o
inseparável.”. Quando não estava nem na cabeça nem no porta-chapéus, o chapéu era erguido
um instante por respeito, quando conversava com Deus ao entrar em uma igreja, ou para
saudar amigos e vizinhos.
Ao final do conto, o narrador vai ao encontro de sua mãe, que está aos prantos: “(…)
vejo no porta-chapéus, bem junto do espelho, o chapéu de meu Pai, que, ao sopro do vento,
oscila, oscila – abanando, triste, esquecido –, como se estivesse acenando, chamando por
alguém”, Holanda (1989, p. 30)
Diferente do chapéu que, no conto de Aurélio Buarque de Holanda, remete à saudade,
há outro que remete à confusão. É o caso da comédia Un chapeau de paille d'Italie40
, de 1851,
composta por cinco atos, escrita pelo francês Eugène Labiche em parceria com Marc-Michel.
Por meio dessa comédia, é possível notar o reconhecimento do chapéu de palha na Itália, o
mesmo chapéu estudado pela presente investigação, Labiche e Michel (2011).
Na comédia, Fadinard se casaria com Hélène naquele dia. No entanto, quando chega a
Paris, seu cavalo come um chapéu de palha italiano que pertencia a uma jovem chamada
Anaïs. No mesmo momento, Anaïs, acompanhada de seu amante, dirige-se à casa de
Fadinard, exigindo um novo chapéu, igual ao que seu cavalo havia comido, pois, naquela
mesma noite, o marido ciumento da jovem chegaria, e o chapéu teria de ser mostrado a ele.
Até que o casal não estivesse com o novo chapéu em mãos, se manteriam dentro da casa de
Fadinard, com promessa de duelo, caso fosse necessário. Fadinard sai à procura do tal do
chapéu e chega a uma chapeleira, onde encontra a modista chamada Clara, que lhe afirma que
a Baronesa de Champigny comprara o mesmo chapéu. Ao chegar à casa da baronesa, é
confundido com um famoso músico e, por esse motivo, consegue descobrir onde o chapéu se
encontra. O chapéu estava em posse de Madame de Beauperthuis. Assim, Fadinard segue para
a casa da tal senhora. Ao chegar, encontra o proprietário da casa e explica o motivo de sua
presença, pedindo-lhe tal ajuda. Ao ouvir a história de Fadinard, Monsieur Beauperthuis
reconhece que a dona do chapéu é Anaïs. Após muita confusão, a trama se desdobra quando
Hélène ganha de presente de casamento um chapéu idêntico ao chapéu de Anaïs. Assim, o
casamento de Fardinard e Hélène se realiza, e Monsieur Beauperthuis fica seguro de que
Anaïs era inocente e de que tudo não passou de um malentendido, Labiche e Michel (2011).
Outra obra em que se encontra o chapéu é El sombrero de tres picos41
, de 36
40
Tradução: Um chapéu de palha da Itália. 41
O chapéu de três pontas.
57
capítulos, baseada em um antigo romance popular e reescrita pelo espanhol Pedro Antonio de
Alarcón, no século XIX. A história se passa em um pequeno povoado de Andaluzia,
comunidade autônoma de Espanha, e tem como protagonistas: Tio Lucas, sua esposa, a
senhora Frasquita e o malvado corregedor “do chapéu de três pontas”. É uma trama baseada
em muitas confusões mas que finalmente, tudo é esclarecido. (Alarcón 2010)
Cabe mencionar, também, Headfirst: hats and poems, livro dedicado a chapéus e a
poemas, de Sylvia Fletcher, colecionadora de chapéus e chapeleira. Cada página é dedicada a
um chapéu, com um poema, harmonizando, assim, as duas paixões de Fletcher (2009, p. 1):
“Two passions intertwine.
A tangle of fantasies.
I make no attempt to unravel them.
They burn together like small coals,
Sparking my imagination”42
.
Conforme se expôs nesta subseção, chapéus e literatura tocam a alma e a fantasia do
íntimo humano. Dependendo de sua forma e desenho e do contexto em que é colocado, o
chapéu pode representar desde drama até comédia, distinção e simplicidade. O chapéu faz
pensar até nos maiores nomes da literatura. Pensar em uma época, pensar no efêmero, pensar
na distinção, na simplicidade, no simbolismo, na magia. A chapelaria é uma arte que está
incluída em todas as outras artes: teatro, cinema, música, literatura, plásticas, entre outras
Uma arte dentro de todas e todas dentro de uma.
2.4.3 Nas artes pictóricas
Arte, segundo Coli (2007), são certas manifestações da atividade humana. Assim
sendo, a arte só é considerada arte a partir do momento que tenha certo envolvimento
humano. Como exemplo, cita-se a chimpanzé Betsy, do Zoológico de Baltimore, que ganhou
algumas tintas e papéis, com os quais realizou quadros que foram expostos dentro de museus.
Até hoje, muitas são as dúvidas: seriam mesmo arte os quadros de Betsy? As opiniões para
essa questão são divididas e infinitas, segundo Battin et al. (1989).
42
“Duas paixões se entrelaçam.
Um emaranhado de fantasias.
Eu não faço nenhuma tentativa de desvendá-los.
Eles queimam juntos como pequenas brasas,
Borbulhando minha imaginação.” (Tradução da Mestranda)
58
Na antropologia, a arte consiste em uma capacidade humana, somente existente no
Homo Sapiens. Para o antropólogo Harris (2009), os ingredientes essenciais da arte são: o
jogo criativo, as estruturas formais, os sentidos estéticos e a transformação simbólica.
Acredita-se que a capacidade de fazer arte esteja ligada diretamente ao Homo Sapiens, pois
somente ele consegue desenvolver uma arte que implica transformações e representações.
Assim, a capacidade distintiva do ser humano para a arte tem uma estreita relação com uma
capacidade primitiva dos seres humanos, que seria a transformação simbólica que está
implícita na universalidade semântica da linguagem humana.
Para Einstein (citado por Vanni, 2004b, p. 51), no III capítulo Creatività, espitazione,
consapevole illusione e il cappello de carta, a arte consiste nas esperanças humanas e nos
desejos de livre curiosidade:
Dove il mondo cessa di essere il palcoscenico delle nostre speranze e dei nostri desideri per
diventare l’oggeto della libera curiosità e della contemplazione…lì inizia l’arte. Se le relazione che
intercorrono tra le forme della nostra rappresentazione sfuggono alla comprensione razionale pur
manifestando il loro significato, allora entriamo nel mondo della creazione artística.43
Nas artes pictóricas, o estudo do chapéu serve para compreender, por meio de diversas
épocas, o quão difuso foi esse elemento da moda. Sem revistas de moda nem livros sobre o
tema, a história da moda, até um determinado período, conta com as análises e observações
nas próprias artes pictóricas.
Para Vanni (2004d, p. 53), o chapéu presente nas artes plásticas é visto como elemento
interativo da interpretação: “Pittori e scultori sono partiti da una necessità espressiva che
prende a prestito il tema del cappello per far interagire il campo dell’interpretazione e quello
della libera espressione.”44
O chapéu, além de representar a moda e os costumes indumentários da época,
demostra os costumes indumentários presentes em cada período. O tipo de chapéu também
deixa rapidamente nítida a classe social que é retratada ou as hierarquias.
No período do Renascimento, grandes nomes, como Donatello, Jan Gossaert Mabuse,
El Greco, Jan Van Eyck, Boticelli, Leonardo da Vinci, entre outros, adornavam as “cabeças”
de suas obras.
43
“Onde o mundo deixa de ser o palco das nossas esperanças e dos nossos desejos para se tornar objeto de livre
curiosidade e de contemplação... ali inicia a arte. Se as relações que intervêm entre as formas das nossas
representações fogem às compreensões racionais para manifestar o seu significado, então entramos no mundo da
criação artística.” (Tradução da Mestranda) 44
“Pintores e escultores partem da necessidade expessiva que toma emprestado o tema do chapéu para fazer
interagir o campo da interpretação e da livre expressão.” (Tradução da Mestranda)
59
O blog Arte e História (2013) mostra que Jan Van Eyck, holandês influenciado pelo
renascimento nórdico, tem como uma de suas obras mais famosas O homem do turbante
vermelho (1433) (Figura 18).
Figura 18 - O homem do turbante vermelho
Fonte: Santiago (2014, s/p).
Conforme se pode observar na Figura 18, a pintura evidencia o volumoso turbante que
ocupa muito mais espaço do que o rosto: verdadeiro protagonista de beleza abstrata, pintado
com lúcida geometria como uma surpreendente natureza-morta. Há muitas suposições de que
essa pintura de Jan Van Eyck seja um autorretrato; assim sendo, é considerado o autorretrato
mais antigo da Europa, conforme Costa (2014, p. 1): “(…) enquanto gênero artístico, o mais
antigo autorretrato da história da arte na Europa é a tela O homem do turbante vermelho,
pintada por Jan Van Eyck em 1433, momento em que a palavra ‘artista’ já designava uma
profissão.”
Todavia, o que mais chama a atenção é que o quadro também marca um momento do
pintor em que busca sutileza, expressa nas sombras e luzes perfeitamente realistas. Para
chegar a tal perfeição, o pintor deve ter estudado por algum tempo cada dobra do tecido que
compunha o turbante e querer intensamente se autorrepresentar com tal adorno.
Vicent Van Gogh (citado por Simone, 2004, p. 149), retratou o chapéu (Figura 19) em
diversas obras, especialmente em seus autorretratos, onde é possível notar que o adorno está
quase sempre presente:
O que pretende o artista quando representa a própria imagem? Expressão da autoconsciência,
procura do seu lugar no mundo, confronto com o próprio ‘eu’, definição da individualidade,
exercício narcisista, experimentação técnica? Todas estas possibilidades estão contidas no estudo do
autorretrato.
60
Figura 19 - Autorretrato Van Gogh - Chapéus
de palha, pintado em 1888
Fonte: Van Gogh (2012, s/p).
Um dos autorretratos mais conhecidos de Vincent Van Gogh é o Chapéu de palha,
pintado em 1888, onde seu estilo pontilhista próprio fica evidente em pinceladas que seguem
em diversas direções. Na obra, ele se encontra sério, com olhos fixos e um chapéu de palha
que remete aos chapéus utilizados por agricultores que trabalhavam nos campos de trigo,
retratados também por Van Gogh, dois anos depois, em Campo de trigo com corvos (ambas
as obras se encontram no Van Gogh Museum, em Amsterdam). O pintor se retrata com esse
chapéu de palha no inverno parisiense de 1887. Outro quadro em que Vincent Van Gogh se
apresenta usando um chapéu é no Autorretrato com a orelha vendada, obra que fez após
cortar sua própria orelha, conforme Charles, (2011, p. 8): “Lo vemos con la cabeza vendada,
la pipa en la comisura de la boca, mirándonos45
.” Nesse caso, o pintor usa uma espécie de
toque de inverno com pelo. Em um autorretrato de 1887, Van Gogh pinta-se com um chapéu
de feltro escuro.
O chapéu foi retratado em vários momentos da história, com seus mais variados
modelos e em todas as escolas artísticas. Harold Hume Piffard, Madeleine Lemaire, Anton
Ebert, Leopold Schmutzler, Albert Lynch, George Henry Boughton, Gabriel Ferrier, Pierre
Auguste Renoir, Emile Eismann Semenowsky e Eva Hollyer: muitas obras desses pintores
tiveram a influência dos adornos de cabeça e chapelarias, conforme Charles (2011).
45
“Nós o vemos com a cabeça vendada, o cachimbo na comissura da boca, observando-nos.” (Tradução da
Mestranda)
61
Em 1905, o francês Henri Matisse apresenta, em Paris, sua obra Mulher com chapéu.
A característica do pintor é enfocada nas cores, como o próprio pintor Matisse (2014, s/p)
dizia: “um único tom não é nada em termos de cor; dois tons são um acorde, são a vida”..
Segundo Essers (1993, p. 14), especialmente na obra Mulher com chapéu, de Matisse, a
diversidade e a intensidade de cores se encontram centradas também no acessório: “A face é
menos afetada por esse processo de dissolução, estando, contudo, presa entre as cores
explosivas do chapéu e do vestido.”
Outro artista, conforme Konersmann (1996), que não poderia passar despercebido pela
quantidade de chapéus presente em suas obras é o belga René Magritte. O pintor é conhecido
por suas obras surrealistas, que, apesar de parecerem reais, trazem sempre consigo algo
paradoxal, criando certo ar ilusionista. A partir da obra A Queda, Magritte apresenta seus
famosos “homenzinhos” com chapéus-coco, característica forte pela qual o pintor será para
sempre reconhecido. Para sua arte, Magritte sempre utilizou objetos presentes em seu cotidiano.
Konersmann (1996, p. 29) considera que “Los cuadros muestran el discreto mundo familiar –
una pipa, una roca, quizá también un frutero, un sombrero, una vela, un huevo46
.”
Magritte usa o elemento chapéu para expor que ver e dizer, falar e mostrar são coisas
diferentes. Pintou um chapéu coco em um quadro e escreveu a palavra La Neige (Figura 20),
que significa “a neve”.
Figura 20 - La Neige – Magrite
Fonte: Magrite (2014, s/p).
46
“Os quadros mostram o discreto mundo familiar – um cachimbo, uma rocha, quem sabem também uma
fruteira, um chapéu, uma vela, um ovo.” (Tradução da Mestranda)
62
Segundo Konersmann (1996), a neve no quadro do chapéu, de Magrite, provoca
intranquilidade somente porque a representação do chapéu invoca involuntariamente o
conceito chapéu e porque se está acostumado a relacionar a imagem com o texto. As duas
informações não são dissonantes entre si, não podendo, entretanto, se reunirem. Esse exemplo
que Magritte dá por meio da arte foi utilizado como uma forma de crítica ao dadaísmo.
Em relação ao exposto, considera-se que pessoas e artes são elementos que se
mesclam, sendo que uma nasce da outra, uma dá vida à outra. O que seria das telas de Klimt
se não houvesse pessoas para admirar? Ou melhor, o que seria das telas de Klimt, se ele não
existisse para pintá-las? Para a arte existir, é preciso gente. Além disso, pensar na vida
humana sem arte é como pensar em um porta-joias sem joias para guardar, vazio. Portanto,
nessas últimas linhas, tratou-se de analisar a chapelaria presente na arte, mas também da
chapelaria presente nas “pessoas das artes”, sendo um complemento essencial da outra.
2.4.4 Na moda
Sob a perspectiva de Fiorentini (2013, p. 21), “Col progredire degli studi sulla moda,
ormai risulta sempre più difficile considerare il cappello como un semplice accessorio, cioè
elemento atto a completare un apparato vestimentario per così dire principale.47
”
Por meio da mostra - Il cappello – Fra arte e stravaganza (2013)48
, apresentada no
Palazzo Pitti, em Florença, pode-se observar uma espécie de materialização do significado do
chapéu na moda.
Fiorentini (2013) complementa que o chapéu é um elemento importante dentro da
moda, mas questiona: será somente um simples acessório ou um elemento para completar um
look49
?
Primeiramente, é necessário interpretar o conceito de moda, para compreender o
contexto do chapéu nesse meio. O fato é que existem diversos modos de fazer isso, não
somente com a roupa em si. De acordo com Jones e Mair (2005), “A moda é, por definição,
mudança, e vai além da roupa que vestimos. É também ilusão, contibuindo para o nosso bem-
estar, alimentando as nossas inseguranças e aumentando a nossa confiança”. (Prefácio). Ainda
segundo Jones e Mair (2005), “(…) a moda de hoje depende de ideias, individualismo e
47
“Tradução: Com os progressos do estudo da moda, resulta sempre mais difícil considerar o chapéu como um
simples acessório, quer dizer, elemento capaz de completar um aparato vestimentário principal”. (Tradução da
Mestranda) 48
O chapéu – entre arte e extravagância. (Tradução da mestranda) 49
Termo em inglês que designa a indumentário completa.
63
autencidade” (Prefácio). Jones e Mair (2005) considera que, baseando-se nesse conceito, é
possível, por meio da moda, informar, comunicar e fazer distinção entre fatores psicológicos,
sociais, identitários, econômicos e, em alguns casos, até políticos. É impossível não ligar a
moda ao comportamento humano, desde sua evolução, essência e simbologia.
Conforme Jones e Mair (2005, p. 34), “Um exame da história da moda dos usos e
costumes dos diferentes países revela que todas as sociedades, das mais primitivas às mais
sofisticadas, usam roupas e ornamentos para transmitir informações sociais e pessoais.”
Segundo a socióloga Entwistle (2002, p. 285), a moda é uma forma de se expressar
culturalmente, exteriorizando os valores de sua própria identidade: “La moda y la
indumentaria encarnan al cuerpo en la cultura”50
.
No livro o Império do efêmero, Lipovetsky (1996) cita que a moda, na visão
contemporânea, é preconcebida como algo fútil, banal ou glamoroso, mas que essa visão
difusa da moda esconde o verdadeiro sentido que tem na sociedade: a moda interfere
diretamente em personalidade, nos hábitos cotidianos, nas relações, nas atitudes.
Autores como Nicolini (2006), Bemporad (2013), Ganugi (2006), Squicciarino (2013)
e Chiarelli (2013), em seus textos, consideram o ato de fazer um chapéu mais uma arte que
propriamente uma moda. No entanto, o historiador Huizinga (1971), em seu livro Homo
Ludens, argumenta que a vestimenta está mais próxima da arte do que a visão acadêmica
gostaria de admitir. Nota-se, nessas colocações, que existe certa confusão ao conceituar a
moda e a arte. Em alguns momentos, ambas se cruzam, em outros, diferem e, em outros,
ainda, há também a suposição de que são a mesma coisa.
Segundo Svendsen (2004), na típica categorização do século XVIII, entre a arte e o
artesanato, os costureiros e todos os que trabalhavam com vestimentas foram colocados no
grupo dos artesãos. Por isso, até o século XIX, a vestimenta ficou em uma esfera extra-
artística. Com o surgimento da Haute Couture51
, a moda passou a nutrir a ambição de ser
considerada arte, de especial modo evidenciado pelos estilistas Charles Frederick Woth e Paul
Poiret.
Para Harris (2009), a maior parte dos antropólogos considera como artistas o talhador
de madeira, o oleiro, o tecelão, o fabricante de sandálias, enfim, todos que demostram ter
grandes habilidades em seus ofícios. Por isso, por meio da visão antropológica, trata-se, nesta
pesquisa, o ofício da chapelaria como arte, e o chapéu, como um objeto de arte contido na
moda. Analisam-se, assim, de modo especial, as criações únicas, feitas de modo artesanal, em
50
“A moda e a indumentária encarnam ao corpo pela cultura.” (Tradução da Mestranda) 51
“Alta Costura”. (Tradução da Mestranda)
64
que a criatividade do artista e o cuidado pelo mesmo é idêntica a qualquer outro meio
artístico, assim como seu valor simbólico.
O chapéu, como elemento de moda, é efêmero. Todavia, respeita o momento e os
reflexos do mundo em que se encontra. Eco (2010, p. 239) esclarece que, no século XVIII, a
“beleza barroca persistia” e que os chapéus eram verdadeiras “construções” extremamente
adornadas com plumas, penas, flores. Nesse período, conta-se que, quando Maria Antonieta
passava pela galeria de Versailles, não se via mais que uma ondulação de plumas que iam e
vinham, segundo Bemporad (2013), ou que a utilização de um chapéu cloche skining52
, assim
como a silhueta da primeira metade do século XX, resultado das duas Grandes Gerras, gerava
escassez do material usado para tal fim.
Quando Coco Chanel lançou sua moda “democrática”, criada para mulheres
independentes e modernas, não criou somente a roupa, mas também todo um estilo de vida e
de comportamento. Nesse período, nasceu o lendário chapéu cloche, segundo Hahn (2013).
Conforme Hahn (2013, p. 227), “O corpo esguio de estilo à la garçonne exigia um corte
de cabelo rente à cabeça para acomodar o recém-popularizado chapéu cloche”, (Figura 21).
Figura 21 - Cloche 1927 – Fotógrafo: Alex Stewart Sasha
Fonte: Brown (2014, s/p).
Segundo Hahn (2013), cartazes e revistas da época sugeriam às mulheres o corte de
cabelo estilo Chanel ou Eton, para acomodar o tal acessório, que foi desenhado pela
chapeleira Caroline Reboux no início do século passado. Em geral, esse chapéu era feito em
feltro de lã, com a forma da cabeça: uma base ideal para guarnições.
52
“Chapéu cloche”. (Tradução da Mestranda)
65
No período em que o cloche se encontrava no ápice da moda, jogos com cores e
guarnições preciosas eram frequentes e uma superava a outra, conforme esclarece Fiorentini
(2013, p. 26) “Sono gli anni in cui le più belle cover di Vogue sono dedicate al cappello con
numeri monografici, di solito in marzo e settembre, completamente organizzati intorno a
questo accessorio di grande peso in tutte le collezioni (…)53
”.
No livro Design Museum - Fifty hats that change the World (2011), encontra-se que
era quase inexistente o número de mulheres que não desejavam o chapéu pillbox de Jackie
Kennedy nos anos de 1960 (Figura 22).
Figura 22 - Jackie Kennedy, 1961 usando o pillbox
Fonte: Trasobares (2014, s/p).
Destaca-se que, ironicamente, a primeira dama americana não gostava de usar chapéus
e que, todavia, o protocolo determinava que ela deveria usar um no dia da posse de seu
marido na presidência. Bastou sua aparição com o pequeno pillbox rosa para o acessório virar
moda naquela década.
É bem provável que o semidesaparecimento do chapéu também tenha ocorrido por
elementos não compatíveis com a vida atual. Crane (2000, p. 243) trata do desaparecimento
do chapéu, mas não arrisca um palpite sobre o desuso em massa: “In the late twentieth
century, men's hats have become a relic of a class society based on face-to-face relationships
in public spaces that has largely disappeared54
.”
Um fragmento do livro La moda, Von Boehn (1951), menciona que a derrota do
53
“São os anos em que as mais belas capas da Vogue são dedicadas ao chapéu com números monográficos,
geralmente de março a setembro, completamente organizadas em torno desse acessório de grande peso em todas
as coleções.” (Tradução da Mestranda) 54
“No final do século XX, os chapéus masculinos tornaram-se uma relíquia de uma classe social baseada na
relação face a face, em locais públicos que, pouco a pouco, foram desaparecendo.” (Tradução da Mestranda)
66
chapéu se iniciou como uma tendência ou capricho passageiro, a partir de 1932-1934, quando
as jovens decidiram levá-lo não na cabeça, mas nas mãos, para poder mostrar os penteados.
Ainda quanto ao quase desaparecimento do chapéu, Longoni (2003) relata que
também criou a progressiva redução de mão-de-obra, causando a desindustrialização de
cidades que viviam disso, junto com o quase desaparecimento do ofício. Longoni (2003, p.
41) ainda relata que
La fabbricazione di copricapo è oggi praticata con modalità varie, non fornendo un prodotto
che, al pari di altri generi d’abbigliamento, serva una domanda di massa. Il prodotto circula in
mercati particolari o, come si usa dire, ‘di nicchia’, ed è appena il caso di ricordare che essi non
costituiscono un insieme omogeneo, essendo aggregati a diversi sistemi produttivi come
l’abbigliamento sportive o legato al folklore55
.
Acidini (2013, p. 8) menciona, saudosamente, no livro Il Cappello, o quão distante o
adorno parece hoje em dia: “(…) ne sembra lontani ricordi, aventi per protagoniste madri, zie
e nonne56
.”
Fala-se e assume-se o semidesuso desse acessório. Porém, poucos autores arriscam
uma opinião a respeito. Certamente, não existe somente uma causa exata, mas talvez uma
série delas.
Muitos banalizam a moda sem se darem conta de que a moda está presente até onde se
acredita não estar. O fato de não seguir uma tendência não isenta uma pessoa de seguir a
“moda dos que não seguem uma tendência”. Assim, existem muitos indivíduos que “seguem a
moda de não seguir uma moda”, gerando um grupo, um comportamento: uma moda. O fato de
o chapéu ter entrado em semidesuso não o exonera de ser um objeto importante dentro do
mundo do comportamento e de ser analisado. Em particular modo, sua própria “quase
extinção” do ofício de chapeleiro gerou um impacto social, cultural e também econômico,
deixando inúmeros pontos de interrogação naqueles que, agora, não vestem mais chapéus e,
sim, perguntas.
2.4.5 Na economia
Miño (2010, s/p) faz uma afirmação, que apesar de não ser motivo de surpresa, faz
55
“A fabricação de chapéus é, hoje, praticada com várias modalidades, não fornecendo um produto que,
comparado a outros gêneros de vestimenta, serve uma demanda de massa. O produto circula em mercados
especiais ou, como se costuma dizer, ‘de nicho’, que serve para lembrar que eles não constituem uma junção
homogênea, sendo agregados a diversos sistemas produtivos, como a vestimenta esportiva ou ligados ao
folclore.” (Tradução da Mestranda) 56
“(...) nos parecem distantes lembranças, tendo como protagonistas mães, tias e avós.” (Tradução da
Mestranda)
67
refletir, quando se trata do chapéu e seu labor: “Encontrar una sombrerería de cien años no es
tan común57
”. No caso, a afirmação do autor leva a refletir sobre a realidade econômica atual
da indústria chapeleira, assim como da chapelaria tradicional artesanal. No entanto, nem
sempre foi assim. Em La moda, Von Boehn (1951) apresenta o chapéu como ‘imprescindível’
para a vestimenta até o início do século XX. Estima-se que, se era um objeto de tamanha
relevância para a composição indumentária da época, também movimentava a economia.
Diversas cidades, especialmente Signa, estudada neste trabalho, tiveram sua economia
levantada pelo adorno. Segundo Lunardi (2004), na Toscana, milhares de pessoas dependiam
desse ofício para viver. Em mais da metade das localidades nessa região, a população se
dedicava à indústria da palha e do chapéu. Já, a empresa de Chapéus Nelsa, da cidade de
Blumenau, igualmente enfocada nesta pesquisa, contava com 33 funcionários, sendo, para o
contexto da cidade nos anos de 1930-1950, de extrema relevância. Isso porque a cidade estava
com, aproximadamente, 80 anos de existência, e sua indústria ainda estava em fase de
desenvolvimento.
O semidesuso do chapéu teve impactos econômicos em diversas partes do mundo. A
Itália, como forte produtora do objeto e detentora, ainda hoje, de técnicas tradicionais e
industriais do ofício, não teve somente a Toscana como protagonista. Alessandria, que fica no
Piemonte, norte do país, também teve sua história marcada pelo adorno. A Borsalino é uma
empresa internacional, conhecida na cidade como benfeitora, pois elevou o nível econômico,
sendo também a primeira empresa de grande porte de Alessandria. Nos anos de 1960, assim
como outras tantas indústrias chapeleiras, a Brasalino sentiu o semidesuso do acessório e
começou a sofrer seu declínio, segundo Gavazza (2013). É importante esclarecer que a
Borsalino é, ainda hoje, uma das indústrias chapeleiras mais prestigiadas no mundo, conforme
Borsalino (2014). Teve, porém, de acordo com Gavazza (2013), que se reinventar como
empresa, assim como seu posicionamento do mercando, reduzindo consideravelmente seu
rendimento.
Segundo Laver (1989), a indumentária, durante a Segunda Guerra, demonstra com que
força a moda reflete a situação econômica vigente, pois, mesmo com escassez de material
adequado e de quantidade, mulheres criavam suas roupas e acessórios, ou seja, o estilo não
estava estéril. Os primeiros anos que prosseguem o fim da Segunda Guerra são ostentação e
luxo, sendo que quantidades imensas de tecidos são aplicadas em saias rodadas e amplas. Na
década de 1960, inicia um mercado de moda de alto consumo, em que coleções saíam em cada
57
“Encontrar uma chapelaria de cem anos não é tão comum”. (Tradução da Mestranda)
68
estação e a efemeridade das peças era constante. Ao analisar o livro de Laver (1989), A Roupa e
a Moda, percebe-se que, nessa época, o chapéu passa a não ser mais mencionado como um
acessório utilizado e o cabelo solto se torna moda.
Esse silêncio a respeito do chapéu, após os anos 1960, ecoa de maneira duvidosa: Para
onde foram as pessoas que tinham o ofício da chapelaria? Como ficaram as empresas de
chapéu após o seu quase desaparecimento? Não se pode afirmar que o chapéu está
completamente extinto nem que há pessoas que ainda tenham esse labor. Todavia, seu
semidesuso é um fato na moda depois dos anos de 1960 e, consequentemente, o quase
desaparecimento de seu ofício, gerando um impacto econômico no setor.
2.4.6 Na simbologia
Comenta Fiorentini (2013, p. 21) que
È noto come il copricapo abbia avuto valori simbolici e semantici extremamente complessi
fino dagli albori delle civiltà organizzate, rendendo palese il potere o l’invulnerabilità del suo
possessore, in campo civile, militare e religioso e determinando persino la configurazione del divino,
del ‘prescelto’, nell’immanente.58
Antes mesmo de um objeto como o chapéu ser sinônimo de distinção, ele é elemento
de comunicação e simbolismo, como todo item de moda.
A antropóloga Ruocco (2012) refere-se ao simbolismo como a relação entre algo
materialmente presente e outro algo ausente. Todas as vezes que se coloca em prática ou se usa
uma relação de significados, se ativa um processo de comunicação, e essa relação de significados
define o sistema que vem a ser o pressuposto dos concretos processos de comunicação.
Para Sahlins (1979) as roupas possuem vários níveis de produção semântica, sendo
que a vestimenta, como um todo, é uma manifestação, desenvolvida a partir da combinação de
partes da indumentária em confronto com a vestimenta completa.
Lurie (1994, p. 21), por essa razão, considera a moda e todos os elementos dela, como
fator simbólico e comunicativo, não somente dos dias atuais, mas desde os tempos primitivos:
“Desde hace miles de años el primer lenguaje que han utilizado los seres humanos para
comunicarse ha sido el de la indumentaria59
”.
58
“É de conhecimento que o chapéu tenha tido valores simbólicos e semânticos extremamente complexos desde
as civilizações organizadas, deixando óbvio o poder ou a invulnerabilidade de seu proprietário, no campo civil,
militar e religioso e determinando mesmo a configuração do divino, do escolhido, o imanente.” (Tradução da
Mestranda) 59
“Por milhares de anos, a primeira linguagem que os seres humanos utilizaram para se comunicar foi a
indumentária.” (Tradução da Mestranda)
69
Como exemplo, pode-se mencionar que um militar que usa seu tradicional cap
comunica a todos que o veem que está a serviço da comunidade. Sem que ninguém precise
falar uma palavra, a comunicação é feita atrpor meio da vestimenta. Sem dúvida, a farda e o
cap militar são um símbolo que distingue quem o usa dos demais cidadãos.
Vanni (2004b, p. 45) assevera que
(…) un individuo che indossa un cappello tutela la propria identità. Oppure ne cerca una nuova.
Alterando il corpo con un cappello si rende una persona differente dalle altre attraverso un linguaggio
visivo; infatti il copricapo rappresenta una comunicazione nell’interazione sociale60
.
Segundo Vanni (2004b), vestir um chapéu é uma maneira de interagir com a
sociedade, comunicando-se com ela. Quem sou? O que desejo expressar? Quem desejo
atingir? Essas e outras perguntas estão incutidas “dentro” do chapéu, refletindo, assim, no
design, na cor, na forma e no estilo dele. Kate Middleton, a Duquesa de Cambrige, é um
exemplo vivo de que “o chapéu tutela a própria identidade”. A Duquesa usa do acessório para
se comunicar com o povo. Os chapéus de Kate passam um ar de elegância clássica e, ao
mesmo tempo, audaciosa, de uma duquesa dos novos tempos.
Segundo o dicionário dos signos de Lexicon (1998), o chapéu “simboliza muitas
vezes a cabeça ou os pensamentos; mudar de chapéu pode significar também mudar de ideia.”
Jung e Von Franz (1968) também compartilha de um pensamento similar ao citado
anteriormente. O psiquiatra assevera que a troca de chapéu poderia mudar o pensamento de tal
modo a dar uma outra visão do universo para o indivíduo. Aquilo que o indivíduo é, a sua real
identidade poderia, na verdade, ser um segredo e, se um simples chapéu não pode ser
suficiente para definir a pessoa como indivíduo, pelo menos poderia contribuir para desvendar
o seu estado de ânimo, Jung e Von Franz (1968).
No conto de Machado de Assis (1884, p. 51), “Capítulo do Chapéu” (já mencionado no
decorrer deste trabalho), o objeto é visto por Conrado como uma prolongação da cabeça, sendo
difícil trocar de chapéu sem que haja mutilação: “o chapéu é uma integração do homem.”
Vanni (2004c) dedicou o primeiro capítulo do livro Identità e Diversità – Il cappello e
la creatività somente para explanar os valores simbólicos contidos no chapéu. O acessório
representa a cabeça, os pensamentos e é símbolo de identidade. Certamente, o primeiro
chapéu nasceu simplesmente para cobrir a cabeça do frio, mas, logo depois, é usado
propriamente como status symbol61
. Representa, também, prestígio e poder, como se pode ver
60
“(...) um indivíduo que veste um chapéu tutela a própria identidade. Ou procura uma nova. Alterando o corpo
com um chapéu, se transforma em uma pessoa diferente das outras, por meio de uma linguagem visual; de fato, o
chapéu representa uma comunicação na interação social.” (Tradução da Mestranda) 61
“Símbolo de status”. (Tradução da Mestranda)
70
no símbolo de uma coroa. Os eventuais “chifres” ou pontas são considerados propulsores de
energia, dando a impressão de raios de luz que saem da cabeça.
Em conformidade com Vanni (2004c, p. 36),
In 1695, dall’atelier di Nicolas de Larmessin, viene prodotta la suggestive incisione ‘L’Habit
de Chapellier’, che giá delinea la natura metaforica del cappello e il suo porsi sia come modello di
un sistema sia come incrocio di riferimenti simbolici che ne moltiplicano i significati62
.
Também Freud (2004, p. 96) toma o chapéu como símbolo interpretativo da
psicanálise. Em seu livro The interpretation of dreams relata o sonho de uma jovem senhorita
que sofre de agorafobia:
I am walking in the street in summer, I wear a straw hat of peculiar shape, the middle piece of
which is bent upwards and the side pieces of which hang downwards (the description became here
obstructed), and in such a fashion that one is lower than the other. I am cheerful and in a confidential
mood, and as I pass a troop of young officers I think to myself: None of can have any designs upon
me.63
Ao final da descrição do sonho, Freud (2004), explica sua interpretação para aquele
sonho: “The hat is really a male genital, with its raised middle piece and the two downward
hanging side pieces64
.”
Vanni (2004c) considera que o chapéu de mágico (Figura 23) também possui seu valor
simbólico.
Figura 23 - Chapéu de mago
Fonte: Beaumont (2014, s/p).
62
“Em 1695, do atelier de Nicolas de Larmessin, é produzida a incisão ‘O hábito do chapéu’, que já delineia o
símbolo metafórico do chapéu e o seu uso, seja como modelo de um sistema, seja como o cruzamento de
referências simbólicas que multiplicam os significados.” (Tradução da Mestranda) 63
“Estou caminhando na rua no verão, visto um chapéu de palha de formato peculiar, que, no meio, é dobrado
para cima e a lateral pende para baixo (aqui a descrição se tornou obstruída), de tal forma que um é menor do
que o outro. Estou animado e confiante e ao que passo por um bando de jovens oficiais, penso comigo: nenhum
deles pode ter nenhum design sobre mim.” (Tradução da Mestranda) 64
O chapéu é, na verdade, um genital masculino, com sua parte do meio levantadas e as duas partes laterais
penduradas para baixo. (Tradução da Mestranda)
71
A forma de cone do chapéu do mago é originária dos chapéus dos sacerdotes orientais.
Já, o chapéu do artista de rua, utilizado para recolher dinheiro após a apresentação, simboliza
apreço ao público.
Conforme o portal da Religião Judaica (2014), o Kipá, pequeno chapéu (Figura 24)
utilizados pelos judeus tem um relevante valor simbólico.
Figura 24 - Judeus com o Kipá
Fonte: Magalhães (2014, s/p).
O Kipá é usado para lembrar o judeu da onipotência divina e conscientizar de que a
humildade é a essência da religião. Para os judeus, um homem deve vestir-se com dignidade,
já que foi criado à imagem e semelhança de Deus. Por isso, a cabeça, como fonte da moral,
representa a parte mais importante do corpo humano. O Kipá serve como um lembrete de que
existe alguém maior sobre as pessoas, que está sempre observando os seus atos. Usando o
Kipá, os judeus se recordam de refletir sempre mais sobre seus comportamentos e ações.
Segundo Prata (1996, p. 69), o simbolismo do chapéu está presente tanto no seu uso
quanto na aplicação da palavra por meio de provérbio e verbetes. O provérbio popular da
língua portuguesa “é de tirar o chapéu” simboliza que é digno de admiração e que se deve
curvar diante da situação apresentada. O dito popular foi proclamado pela primeira vez na
peça do dramaturgo do século XX, Martins Pena, O juiz de paz na roça, por um personagem
que, ao ver uma mulata maravilhosa passar por ele, diz: “Esta mulata é de tirar o chapéu”. Na
peça, a expressão se referia a “tirar a virgindade” da moça. Somente com o tempo, a
expressão tomou outro rumo. O Provérbios Fiorentini (2014, s/p) traz que, entre os provérbios
florentinos, “Quando Monte Morello c'ha il cappello, fiorentino piglia l'ombrello65
”, é
dedicado à meteorologia, já que, frequentemente, na colina norte da cidade de Florença, o
tempo fecha anunciando chuva.
65
“Quando vai ao monte Morello, o florentino pega o chapéu e a sombrinha”. (Tradução da Mestranda)
72
Vanni (2004c) destaca que o cumprimento de levantar o chapéu, reconhecido ainda
hoje, corresponde a abandonar um indivíduo ao qual você tem apreço, mas também à
submissão, muito parecido com o ato de beijar a mão. Apanhar borboletas, colher flores, tirar
coelhos da cartola: uma vez tirado da cabeça, o chapéu se transforma em recipiente físico e
psicológico, preenchendo-se de coisas ilógicas.
Conforme já mencionado, um chapéu sem cabeça remete à saudade, à falta, ao vazio.
Nada é mais impessoal que um chapéu parado, estático, colocado na chapeleira, partindo do
pressuposto valor simbólico dele: ideias paradas, mente estática.
Portanto, analisar o chapéu do ponto de vista simbólico contextualiza o objeto e seu
valor social e comunicativo. Observá-lo somente pelo ângulo material faria com que uma
parte relevante desse acessório fosse desconsiderada e omitida. Esta é a parte do chapéu que
ainda é lembrada pelas pessoas, seja por provérbios, simbolismos religiosos ou psicológicos.
73
3 METODOLOGIA
Neste capítulo, apresenta-se a metodologia adotada. Inicialmente, tem-se o contexto
metodológico da investigação e, na sequência, a classificação da pesquisa, a qual engloba
etnografia, método qualitativo, observador participante, entrevista dirigida indireta, análise
comparativa e história de vida.
3.1 Contexto metodológico da investigação
A investigação é de caráter antropológico-cultural, norteando-se pela antropologia da
moda e do desenho, com uma breve passagem pela antropologia econômica. Além disso,
seguu a linha da teoria pós-moderna como forma de descrição densa das experiências vividas.
Assim sendo, acredita-se ser relevante que a pesquisa se fundamente no formato teórico-
prático.
Guber (2001) assevera que, no início, foi necessária a realização de um levantamento
bibliográfico específico e a elaboração do material a ser utilizado na fase seguinte. Por isso,
conforme a estratégia a ser trabalhada, deu-se ênfase à etnografia, visto que tem intenção de
conduzir o ponto de vista das pessoas nativas e sua legitimidade com o mínimo de influência
externa direta. Assim sendo, a observação participante do pesquisador in loco de maneira
informal garante a veracidade e a genuinidade da pesquisa.
Para Guber (2001), a etnografia não somente reporta o objeto empírico da pesquisa,
mas também constitui a interpretação descritiva sobre o que o investigador viu e ouviu. Para o
mesmo autor, a etnografia também é o conjunto de atividades que se designa como trabalho
de campo, cujo resultado é empregado como evidência para a descrição.
Assim sendo, a investigação contou com relatos de experiências, entrevistas aplicadas
ao grupo interpretado e uso de diário de campo, assim como de câmeras fotográficas e de
vídeo. Essas entrevistas consistem no método qualitativo, que busca evidenciar os detalhes de
cada entrevista. Para Taylor e Bogdan (1987), a metodologia qualitativa se refere ao mais
amplo sentido da pesquisa que produz dados descritivos, que relata as próprias palavras das
pessoas, faladas e escritas, com a conduta de observação.
Antigos chapeleiros, antigas modistas, proprietários de velhas fábricas de chapéu,
profissionais ligados diretamente com esta arte, que se estima estar quase extinta devido ao
seu semidesuso, foram os objetos de estudo selecionados para a pesquisa. Por isso, não se
74
trata de pessoas que usam somente o elemento, mas mais que isso, pessoas que concebiam o
acessório e o tinham como ofício e sustento. A pesquisa buscou utilizar a análise comparativa
entre duas cidades que tiveram a chapelaria presentes: Florença, que fica na região de Toscana
da Itália e Blumenau, localizada no estado de Santa Catarina, no Brasil.
Visto o objeto de estudo selecionado para esta investigação, usou-se, também, o
recurso concebido por Halbwachs (2006), chamado memória coletiva, fundamental para a
identidade e a história social. Segundo Bosi (1994), Halbwachs amarra a memória da pessoa à
memória do grupo e essa última, à esfera maior da tradição, que é a memória coletiva de cada
sociedade.
Como principais fontes literárias para esta pesquisa, tem-se autores como Geertz
(1973, 1992, 1997), Lévi-Strauss (2008), Harris (2009), Ruocco (2012), Juez (2002), Taylor e
Bogdan (1987), Bosi (1994), Velasco e Díaz (2009), Barrio (2005), Miller (1987, 2013),
Bourdieu (2004, 2007), Lipovetsky (1990, 1996, 2007), Lipovetsky e Roux (2004),
Malinowski (1976), Barthes (2003), Svendsen (2004), Halbwachs (2006), entre outros.
Simultaneamente às pesquisas de campo, se estudaram e analisaram materiais
bibliográficos, fotografias, filmes, entrevistas e documentários, tanto para o marco
metodológico a ser utilizado, quanto para o marco teórico de assunto estudado.
3.2 Classificação da pesquisa
3.2.1 Etnografia
O estudo consiste no método etnográfico de pesquisa. Dessa forma, os dados coletados
e experiências vividas dentro do campo de pesquisas procuram constatar a veracidade da
hipótese, assim como cumprem os objetivos propostos. Lévi-Strauss (2008) considera que a
etnografia corresponde à primeira parte do trabalho, quando o pesquisador colhe os dados e
também participa de forma direta no campo de observação.
Sob a ótica de Malinowski (1976), na etnografia, o investigador requer o auxílio direto
do outro, quer dizer, do objeto de estudo, e isso ocorre de modo mais frequente que em
qualquer outra ciência. Por esse motivo, o relato honesto de todos os dados é ainda mais
necessário que em qualquer outro tipo de pesquisa ou ciência.
Todavia, a antropologia é uma ciência que, assim como o ser humano, seu objeto
central de estudo está em pleno movimento, razão pela qual os conceitos, muitas vezes, são
75
repensados e sugeridos segundo cada pesquisador. Geertz (1973) se questionava sobre o que
realmente faz um etnógrafo. Para ele, a resposta é mais profunda que observar, registrar,
analisar. Essas três fases do conhecimento mencionadas anteriormente podem, simplesmente,
não serem realizáveis como operações autônomas, podendo, na verdade, nem existir diferença
entre elas.
Para Velasco e Díaz (2009), a etnografia trata de representar como se conectam as
experiências cotidianas no processo de construção da globalidade. Ela também é pouco
compatível com a necessidade de uma intervenção social completamente exercida por
especialistas, pois o conhecimento derivado pela etnografia pode ser muito especializado.
Todavia, sua elaboração é dialógica.
A presente pesquisa buscou fazer uso da descrição densa, utilizada por Geertz (1992),
para expressar as experiências de campo. Para Geertz (1992, p. 24), a etnografia consiste na
descrição densa e, posteriormente, em sua interpretação:
Hacer etnografía es como tratar de leer (en el sentido de ‘interpretar un texto’) un manuscrito
extranjero, borroso, plagado de elipsis, de incoherencias, de sospechosas enmiendas y de
comentários tendenciosos y además escrito, no en las grafias convencionales de representación
sonora, sino en ejemplos volátiles de conducta modelada.66
Acredita-se que a etnografia seja o método mais adequado para o presente estudo, pois
este teve o ser humano e seu comportamento como foco em relação a um elemento de moda e
seu semidesuso, além de que se acompanhou, como observador participante, e se relatou
honestamente o que foi vivido.
3.2.1.1 Método qualitativo, observador participante e entrevista dirigida indireta
O trabalho de campo também contou com o método qualitativo de investigação,
conforme já se mencionou. Esse método que foi facilmente ignorado pelos sociólogos, mas
aceito prontamente pelos antropólogos. Assim, esses profissionais, que faziam suas pesquisas
de campo como observadores participantes, estavam mais preparados e familiarizados com a
vida familiar e cotidiana dos grupos que estudavam. Como exemplo, os autores Taylor e
Bogdan (1987, pp. 17-18) mencionam que “Es obvio que no se puede entrar en una cultura
tribal y pedir el registro de entradas de una seccional de policia o administrar un cuestionario.67
”
66
“Fazer etnografia é como tratar de ler (no sentido de ‘interpretar um texto’) um manuscrito estrangeiro,
confuso, castigado de elipses, de incoerências, de suspeitosas alterações de representação sonora, e, inclusive, de
exemplos voláteis de conduta modelada.” (Tradução da Mestranda) 67
“É óbvio que não se pode entrar em uma cultura tribal e pedir o registro de entradas de uma seccional de
política ou administrar um questionário.” (Tradução da Mestranda)
76
Para Szasz e Lerner (1994), as aproximações qualitativas evidenciam-se ainda mais
nos eventos que experimentam os sujeitos. Para os autores, a investigação é levada para a
prática mediante a construção de conceitos operativos, que estão atomizados e parcializados
como parte do recorte do objeto de estudo que se comprova mediante indicadores objetivos.
Álvarez-Gayou (2003, p. 33) entende que “En la investigación cualitativa no interesa
la representatividad; una investigación puede ser valiosa si se realiza en un solo caso (estudio
de caso), en una família o en un grupo cualquiera de pocas personas.68
”
Tendo em vista a colocação de Álvarez-Gayou (2003), é possível afirmar que a
presente pesquisa se apoiou nesse método, pois o grupo interpretado encaixa-se nesse
formato, visto que o número de objetos de estudo encontrado é restrito.
Para realizar uma pesquisa qualitativa, Fraser e Gondim (2004) defendem que é
relevante que o pesquisador tenha uma postura de observador participante, que parte do
pressuposto de que a apreensão de um contexto social específico só pode ser concretizado se o
observador puder imergir e se tornar um membro do grupo que está estudando.
Segundo Guber (2001), comparado com os procedimentos de outras ciências sociais, o
trabalho de campo etnógrafo se caracteriza por sua falta sistemática. Em virtude dessa
diferença, a etnografia criou uma identidade técnica própria para obter as informações de que
necessita, designada de observação participante. A aplicação dessa técnica garante que a vida
cotidiana do grupo estudado seja mais fiel ao que acontece normalmente, o que assegura a
veracidade dos fatos e dados da pesquisa.
No que tange à entrevista, consiste em fazer perguntas e obter respostas sobre
determinado assunto. Assim sendo, existe o entrevistador e o entrevistado. No entanto, é
possível realizar entrevistas de diversos modos, baseando-se em diversas técnicas e modelos.
Um desses modelos é a entrevista dirigida indireta, cujo modelo, para Guber (2001), cabe
plenamente no marco interpretativo, para quem opta pela observação participante, já que seu
valor não é baseado em seu caráter referencial e, sim performativo.
Realizaram-se as entrevistas e observações de modo a cumprir com os obejtivos
propostos para o estudo. Ambas ocorreram de modo efetivo no mês de dezembro de 2013,
janeiro, março e abril de 2014. Todavia, o envolvimento com o tema, e também com alguns
dos objetos de estudo, existe desde 2008, quando se vivia na localidade da Toscana. Nesse
período, a investigação era feita de modo informal.
68
“Na investigação qualitativa, não interessa a representatividade; uma investigação pode ser valiosa se realizada
en um somente caso (estudo de caso), em uma família ou em um grupo qualquer de poucas pessoas.” (Tradução
da Mestranda)
77
3.2.1.2 Análise comparativa
Realizou-se a pesquisa em duas cidades, de distintos continentes, mas que tiveram
uma ligação: o ofício da chapelaria.
Para Boas (2004), os estudos comparativos tentam explicar costumes e ideias de
notável similaridade encontradas aqui e ali. Muitos aspectos fundamentais da cultura, tanto
universais, ou que ocorram em lugares isolados, quando são interpretados segundo a
suposição de que os mesmos aspectos devem ter se desenvolvido sempre a partir das mesmas
causas, levam à conclusão de que a humanidade, em todos os lugares, sob as variações
observadas não passam de detalhes menores dessa grande evolução uniforme.
O trabalho de Boas, sobre o método comparativo, foi escrito em 1896 e apresentado,
pela primeira vez, no encontro da American Association for the Advancement of Science, em
Buffalo, e foi de grande relavância para a antropologia. Nesse sentido, Leplantine (1988, pp.
161-162) menciona que, muitas vezes, “a abordagem comparativa se confunde com a própria
antropologia”. Entretanto, essa comparação é a problemática maior da antropologia, pois
consiste na diferença. No início, quando a análise comparativa passou a ser utilizada, os
etnógrafos facilmente caíam no abismo do comparatismo sistemático e do ceticismo geral. Por
esse motivo, é preciso tomar cuidados tendo em vista uma tomada de consideração de uma
humanidade plural, conforme Leplantine (1988).
Leplantine (1988) ressalta que, todavia, estratégias mais recentes sobre o estudo
comparativo são tomadas atualmente. A antropologia contemporânea continua sendo tão
comparativa quanto no passado, mas não deve nada às abordagens comparativas dos
primeiros etnólogos, não utiliza os mesmos métodos, nem tem os mesmos objetivos, pois o
que se compara, atualmente, são os costumes e comportamentos, não mais isolados de seus
contextos, mas, sim, fazendo parte deles, chamados de sistemas de relação. Portanto, os
termos de comparação não podem ser da realidade empírica de fato, mas dos sistemas de
relação que o próprio pesquisador constrói, enquanto hipóteses operatórias. Dessa maneira, as
diferenças nunca são dadas; são recolhidas pelo investigador, confrontadas e aquilo que é
comparado finalmente é o sistema de diferenças.
A pesquisa realizada levou em conta o estudo comparativo atual, por meio do qual se
buscou comparar as diferenças e, por meio de uma observação densa, constatar o sistema
dessas diferenças.
78
3.2.1.3 História de vida
Kottak (2012) explicita que é natural que, dentro da pesquisa de campo, algumas
pessoas do grupo estudado se mostrem mais interessadas no trabalho de pesquisa, destacando-
se e, consequentemente, fazendo com que o investigador colete sua história de vida.
Nessa investigação, devido à grande aproximação do entrevistador com os
entrevistados, pelo número limitado de pessoas e pelas memórias de longa data contidas no
grupo, teve-se a experiência de coleta de duas histórias de vida, contadas durantes almoços
em família, chás da tarde em suas casas. A presença do investigador no seio familiar e na vida
íntima do entrevistado criou um ambiente adequado para isso. Harris (2009) explica que a
distinção entre elementos mentais e comportamentais não gera respostas para o investigador
sobre como descrever adequadamente uma cultura em sua totalidade. Para o autor, existem
duas perspectivas de contraposição na qual o participante pode se enfocar, ou seja, desde o
ponto de vista do participante ou desde o ponto de vista do observador. Nos dois casos, é
possível obter descrições científicas e objetivas, tanto do campo mental como do campo
comportamental. Essas duas formas de colocar-se nas pesquisas de campo são denominadas
de emic69
e etic70
. A análise emic corresponde à visão do mundo por meio do ponto de vista
do participante e do que ele considera real e significativo.
Quando o antropólogo realiza a investigação em modo emic, adquire conhecimento
das categorias e regras necessárias para agir e pensar como um integrante do grupo estudado.
Já, a adequação e descrição etic é simplesmente a capacidade do investigador de gerar teorias
científicas sobre as causas e as diferenças e similaridades socioculturais. Isso significa que,
em vez de usar conceitos que seja reais e significativos do ponto de vista do participante, o
pesquisador usa categorias e regras decorrentes da linguagem e da ciência. Na maior parte das
vezes, essa descrição e adequação não são familiares para o grupo estudado, podendo,
inclusive, considerar inadequado e carente de significados, segundo Harris (2009). Tendo em
vista os conceitos de Harris (2009) sobre emic e etic e levando em conta a presente pesquisa,
acredita-se que a aproximação maior com determinados entrevistados foi fundamental para
compreender não somente a técnica quase extinta da chapelaria, mas para compreender, do
modo mais puro, a nostalgia presente na memória desse ofício. Assim como menciona Taylor
e Bogdan (1987, p. 153), ao tratar das histórias de vida: “(...) representan la forma más pura
69
Conforme Harris (1995, p. 73) Emic deriva do sistema fonêmico. 70
Conforme Harris (1995, p. 73) Etic deriva do sistema fonético.
79
de los estudios descriptivos. En ellas, el protagonista narra su historia con sus propias
palabras71
(...).”
Para Kottak (2012), essas lembranças de uma vida inteira de experiências oferece um
retrato cultural mais íntimo e pessoal do que seria possível de outra maneira. Para análise
posterior desse material, podem-se utilizar recursos, como câmeras de filmagem ou
gravadores de voz, sendo que, assim, é possível perceber como tal pessoa reage e percebe as
mudanças e como essas mudanças afetam as suas vidas.
Através de algumas histórias de vida do grupo estudado, pode-se não somente
compreender mais sobre o tema de pesquisa, mas também mapear o contexto em que o
acessório chapéu encontra-se dentro da vida de cada um.
3.3 Marco teórico da metodologia
Conforme Barrio (2005), são muitas as divisões da antropologia, mas quase todas se
concebem de uma bipartição emanada, presumivelmente, do mesmo ser humano em sua dupla
dimensão de ser natural (corpóreo e biológico) e ser cultural (civilizado e simbólico). Para o
autor, o antropólogo cultural tem que se ocupar das obras materiais e sociais que o homem
criou através da sua história e que lhe permitiram fazer frente ao seu meio ambiente e
relacionar-se com seus congêneres.
Ruocco (2012) entende que a antropologia cultural compreende o estudo holístico da
humanidade e que permitiu que a cultura fosse estudada como objeto científico. Ruocco
(2012), autora do Manuale di antropologia della Moda, parte do princípio de que a
antropologia da moda e do desenho deriva da antropologia cultural, já que a antropologia da
moda encaixa-se no simbolismo e é transformada pelo homem.
O uso de ideias sobre os objetos e também dos objetos que configuram a vida material
é, sob a perspectiva de Juez (2002), a fundamentação da antropologia do desenho, a qual
compreende assuntos do âmbito cotidiano, da imaginação e do concreto, das crenças e dos
paradigmas que são construídos ou que se julga o real ou o importante.
Juez (2002, p. 23) tem a concepção de que
La antropologia del diseño tiene como finalidad explorar lo que vincula lo humano – el tema
central de la antropología – con el objeto – la tarea medular del diseño -; aquello que guía la
creación de las cosas, sus usos y el lugar que guardan en la memoria de la comunidad.72
71
“representam a forma mais pura dos estudos descritivos. Nelas, o protagonista narra a sua história com suas
próprias palavras”. (Tradução da Mestranda) 72
“A antropologia do desenho tem como finalidade explorar o que vincula o humano – o tema central da
antropologia – com o objeto – a tarefa medular do desenho – aquele que guia a criação das coisas, seus usos e o
lugar que ocupa na memória da comunidade.” (Tradução da Mestranda)
80
Miller (2013) questiona sobre as vastas relações possíveis entre o conceito do eu, a
pessoa e a indumentária e faz uma analogia provativa entre a história “A roupa nova do
imperador”73
e Peer Gynt74
, o personagem de Ibsen. Na história “A roupa nova do imperador”,
o imperador foi convencido por seu alfaiate de que a indumentária que havia feito era tão
perfeita que ele se tornaria invisível, deixando-o na situação de poder andar pomposamente nu
pela corte. Nesse caso, Miller (2013) afirma que a indumentária obedece às ordens das pessoas
e as representam no mundo exterior, como criaturas sem valor, superficiais, de pouca
consequência e é o imperador, o EU, que dá a ela dignidade, encanto e requinte.
Já, Peer Gynt, o personagem de Ibsen, usa, conforme Miller (2013), a analogia de que
todas as pessoas são uma cebola, ou seja, quando são descascadas suas camadas, descobre-se
que, na verdade, nada resta absolutamente. Nesse sentido, não existe Eu interior algum. Sendo
assim, as pessoas não são “imperadores” representados pelas vestimentas, pois, se for
removida a indumentária, não haverá um cerne interior. Questiona-se: seria mesmo superficial
a indumentária? Seria ela o que faz das pessoas o que pensam que são?
Entre críticas e sugestões do que a moda realmente representa dentro de uma
sociedade e para o indivíduo, Monneyron (2006) busca responder o porquê da dificuldade de
a moda se tornar um objeto de estudo sério. O autor coloca em discussão a relevância da
moda no fator social, pois, se assim não o fosse, as pessoas não se vestiriam diferentes para ir
ao trabalho e para ir a um jogo de tênis, por exemplo. Todavia, ao expressar a suposta causa
de a moda encontrar dificuldades para se colocar no campo de estudos, o autor sugere duas
opções. É inevitável que uma grande parte de pessoas acredite que o seu estudo realizado de
modo científico não ocorra pela sua própria banalidade, mas o autor discorda dessa colocação,
afirmando que a moda é o que distingue um homem de um animal, o gênero, os indivíduos
entre si, uma época de outra. No entanto, a indumentária e a moda são elementos tão
cotidianos que acabam passando despercebidos sem atentar-se que a moda poderia ser uma
reflexão filosófica, sociológica, psicológica, o que, para Monneyron (2006), seria a primeira
resposta para tal pergunta. O outro argumento consiste na crença de que o vestir e a moda
possuem uma característica frívola. De especial modo, quando se analisam as sociedades
ocidentais, onde a tradição filosófica privilegia sistematicamente os transnudos, é
compreensível que as roupas e a moda sejam vistas como uma aparência enganosa ou também
que se dê a preferência à busca do ser que é ocultado pela indumentária.
73
É um conto de fadas de autoria do dinamarquês Hans Christian Andersen e foi inicialmente publicado em
1837. 74
É uma peça teatral em cinco atos, escrita em versos pelo dramaturgo norueguês Henrik Ibsen e publicada em
14 de novembro de 1867, em Copenhague, Dinamarca.
81
A indumentária e a moda como signo são tratadas por diversos autores. A escritora
Lurie (1994) menciona que a maneira de se vestir é uma linguagem e que é a primeira
linguagem utilizada pelos humanos para se comunicar. O vocabulário da indumentária inclui
não somente roupas, mas também penteados, acessórios, joias, maquiagem e adornos
corporais.. Fundamentando-se nas afirmações da autora, o chapéu, elemento de estudo desta
pesquisa, integra o vocabulário da indumentária.
Para Barthes (2003), a moda, como todo signo produzido no seio da cultura de massa,
situa-se no ponto de encontro entre a concepção singular e uma imagem coletiva, que pode ser
tanto imposto como solicitado. No entanto, quando se fala de estrutura do signo de moda, o
signo não deixa de ser arbitrário, pois não é efeito de uma evolução progressiva nem de um
consenso coletivo, mas eclode bruscamente e por inteiro a cada ano.
Muitas dúvidas giram em torno dos estudos da indumentária e da moda, porém o
número de pesquisadores que as tratam como forma de comunicação por meio de signos é
inquestionável. Para Ruocco (2012, p. 120), a humanidade sempre usou uma indumentária,
mas seu impacto nunca como na atual sociedade, com sua variedade e expressividade no
vestir coincidiu com a necessidade dos indivíduos em se comunicar: “Alla luce di questa
considerazione, stiamo affrontando il tema della moda da un punto di vista antropologico,
trattando il rapporto tra cultura e abito in una prospettiva interdisciplinare ma sempre
umanistica.”75
Fundamentando-se na afirmativa de Ruocco (2012), a moda pode ser considerada um
elemento de estudo relevante dentro da antropologia, de modo especial, quando essa moda
assim como o design, produzem relações de troca e significados. Sustenta-se no fato de que o
produto indumentária, mais que outros, é um produto nu, vestido de comunicação.
Não é de hoje que a moda e o mercado de moda são vistos com total base no
comportamento humano, cultural e social. A antropologia cultural, somada à área da moda,
resulta em pesquisas completamente inovadoras e ricas do ponto de vista científico, como
afirma Barrio (2005, p. 23): “A antropologia, desde que se constituiu como saber organizado,
desempenhou tradicionalmente um papel unificador em muitas áreas da pesquisa científica,
assim como em humanidades, e o pode fazer porque é um conhecimento integral e
integrador.”
75
“No foco desta consideração, estamos afrontando o tema da moda de um ponto de vista antropológico,
tratando da relação entre cultura e roupa em uma perspectiva interdisciplinar mas sempre humanista.” (Tradução
da Mestranda)
82
Mencionar a indumentária sem mencionar o mercado de consumo que ela produz seria
deixar de lado uma relevante parte da moda e de seu estudo. Por esse motivo, juntamente com
a antropologia da moda e do desenho, utilizaram-se, nesta pesquisa, algumas bases e
princípios da antropologia econômica. Malinowsky (1976), ao escrever o livro Argonautas do
Pacífico Ocidental, introduz a antropologia econômica, mesmo não a intitulando dessa
maneira, quando descreve o sistema comercial de trocas, denominado kula, presente no
extremo leste do continente de Nova Guiné.
Quando se fala de antropologia econômica, não se pode deixar de mencionar o
clássico Polanyi (1989), em seu livro La Gran transformación, que descreve as mudanças
econômicas ocorridas no século XIX. Tendo em vista essa transformação econômica ocorrida
nesse século, fundamenta-se, também, no mercado de moda, especialmente do chapéu,
elemento de estudo desta pesquisa, e o impacto econômico gerado por ele nas cidades
analisadas, em consequência de seu semidesuso.
Lipovetsky (1990) é um dos principais sociólogos que trata de moda e do consumo
gerado por ela. O autor menciona que a moda foi, durante muito tempo, um consumo de luxo
e prestígio, limitado essencialmente às classes nobres. No entanto, a partir dos séculos XIII e
XIV, no período em que se desenvolviam os comércios e também os bancos, surgiram os
novos ricos, os chamados burgueses, que se vestiam como os nobres, se cobriam de joias e
tecidos preciosos, além de que possuíam a mesma elegância da nobreza. A indumentária era
distinta, colocando, assim, cada qual em seu lugar e em sua condição de ordem hierárquica.
Villaça (2010, p. 51), por sua vez, faz menção a Lipovetsky:
Gilles Lipovetsky, referindo-se à sociedade do hiperconsumo, comenta a progressiva derrubada
de todos os padrões e das resistências culturais às frivolidades da vida material mercantil e através
da renovação incessante de produtos, mudança de modelos e estilos, incentivo à moda e à sedução
publicitária.
A colocação de Lipovetsky (citado por Villaça, 2010) reafirma a força do mercado de
moda e da moda perante o mundo e instiga, ainda mais, pesquisadores de comportamento e de
moda e antropólogos a estudar, analisar e verificar esse fenômeno.
Tendo em vista o consumo dentro do mercado de moda, Svendsen (2004) comenta que
se convive em uma sociedade de consumidores, pois nunca existiu uma sociedade de
consumo tão ampla em comparação à sociedade produtora, fenômeno iniciado desde o último
século. Para fazer tal afirmação, Svendsen (2004, p. 123) exemplifica com o fato de que se
tem, em média, uma vida laboral de, aproximadamente, 30 anos, sendo que a expectativa de
83
vida é de 75-80 anos:76
“Siamo quindi produttori per molto meno della mettà della vita,
mentre siamo consumatori per la sua intera durata”77
.
Toda sociedade necessita tanto de produtores como de consumidores. Houve,
entretanto, um declive considerável no setor primário no último século. Tanto para Svendsen
(2004) quanto para Miller (1987), é complexo catalogar os tipos e variações de consumidores
existentes no mercado. Entretanto, um motivo óbvio, que também é citado pelas teorias
econômicas clássicas, é o de suprir uma necessidade preexistente. Para Svendsen (2006), isso
já não define por completo o mercado atual, mas, sim, o considera um remédio contra o tédio,
e o estudo desse consumo fica mais claro com a dimensão simbólica do mesmo e como ele
age na formação da identidade das pessoas.
Von Boehn (1951), em seu livro La moda: historia del traje en Europa desde los
orígenes del cristianismo hasta nuestros días, relata o período pós-guerra e analisa como a
moda e seu mercado foram impactados por ela. O autor fala sobre a supressão dos chapéus
como um sinal inclusive de pobreza: “¿no es, acaso, también muestra evidente de
pobreza”?78
(Von Boehn, 1951, p. 160). Ao fazer essa pergunta, Von Boehn (1951) reflete
sobre um elemento de moda, que, por muitos anos, foi símbolo social que marcou a distinção
entre as classes e que, por tal motivo, seria um absurdo esquecê-lo. Todavia, a falta de
materiais e a praticidade cotidiana deixadas pela Segunda Guerra, assim como a mudança do
mercado e de consumo de moda, fizeram com que o chapéu iniciasse seu declive de uso e,
consequentemente, gerasse, também, um declive econômico no setor.
Por meio da descrição densa, utilizada por antropólogos pós-modernos, como Clifford
Geertz, buscaram-se descrever as experiências vividas nas duas comunidades.
A expressão descrição densa foi, todavia, utilizada pela primeira vez pelo filósofo
Gilbert Ryle, de quem Geertz (1992) utiliza o termo e o conceito como forma de descrever
seus trabalhos etnográficos. Para Geertz (1992, p. 24), “a etnografia é a descrição densa”,
sendo que o que chega ao etnográfo são múltiplas estruturas conceituais complexas, que,
muitas vezes, encontram-se sobrepostas e entrelaçadas, estruturas que são, ao mesmo tempo,
irregulares e não explícitas e as quais cabe ao investigador captar, primeiramente, e explicá-
las depois.
76
Esses dados estatísticos são da Europa Ocidental e da América Setentrional, Svendsen (2004). 77
Somos, no entanto, produtores por muito menos da metade de nossas vidas, enquanto somos consumidores por
toda ela. (Tradução da Mestranda) 78
“Não é, um caso, também de demonstrar evidente pobreza?” (Tradução da Mestranda)
84
Velasco e Díaz (2009), em seu livro La lógica de la investigación etnográfica,
mencionam que a descrição densa recorre lenta e minuciosa com uma certa especificidade
complexa e uma circunstancialidade. Os autores também a descrevem como microscópica, ou
seja, ela tem sua atenção na fina rede de relações que os contextos revelam, focando em uma
visualização atenta e aguda.
A descrição densa permite, de maneira mais eficaz, expor a experiência vivida com as
pessoas do chapéu, sendo que muito do captado ali necessita e merece uma interpretação,
devido à quantidade de símbolos e signos presentes nas palavras não ditas e mesmo que sejam
ditas, podendo não expressar tudo o que essa arte deseja transmitir, sendo o estudado, no
presente trabalho, um ofício artesanal, ligado à arte e aos sentimentos e, como dizem os
florentinos e signeses, “la arte de fare i cappelli”.
Geertz (1997, p. 142) assevera que,
Pois a arte parece existir em um mundo próprio, que o discurso não pode alcançar. Isso
acontece mesmo quando ela é composta de palavras, como no caso das artes literárias, mas a
dificuldade é ainda maior quando se compõe de pigmentos, ou sons, ou pedras, como no caso das
artes não-literárias. Poderíamos dizer que a arte fala por si mesma: um poema não deve significar e
sim ser, e ninguém poderá nos dar uma resposta exata se quisermos saber sobre o que é jazz.
Greetz (1997) afirma que falar sobre arte, criando categorias e estruturas para ela, não
a fazem ser compreendida como realmente é, apesar de que falar sobre ela é um ato comum
de ocorrer. Assim sendo, acredita-se que expressar todos os símbolos e signos presentes tanto
na arte de fazer o chapéu, bem como de colocar os sentimentos das pessoas que trabalham
com ele, esta forma de descrição seja a mais adequada.
Segundo Barrio (2005), a antropologia envolve o uso de técnicas e teorias de muitas
disciplinas, assim como as técnicas e os conceitos da própria antropologia possuem
ramificações que se prolongam muito além dela. Fundamentando-se nessa afirmação, a
presente pesquisa recorre à memória coletiva, apresentada por Halbwachs (2006) como fonte
de pesquisa.
Bosi (1994), Halbwachs, em sua obra, segue as definições de seu mestre Durkhein,
que acredita que os fatos sociais consistem em modos de agir, pensar e sentir, exteriores ao
indivíduo e dotados de um poder coercivo pelo qual se lhe impõe. Portanto, Halbwachs
(2006) não estuda a memória em si, mas o quadro social da memória. Para o autor, o caráter
livre, espontâneo, quase onírico da memória, é excepcional, sendo que lembrar, na maioria
das vezes, tem o poder de reconstruir, repensar, refazer, com imagens e ideias de hoje, as
experiências obtidas no passado.
85
Bosi (1994, p. 55) assim se expressa quanto à memória:
A memória não é sonho, é trabalho. Se assim é, deve-se duvidar da sobrevivência do passado,
‘tal como foi’, e que se daria inconsciente de cada sujeito. A lembrança é uma imagem construída
pelos materiais que estão, agora, à nossa disposição, como conjunto de representações que povoam
nossa consciência atual.
Bosi (1994), baseada nos ensinamentos de Halbwachs, acredita que, por mais clara e
nítida que seja a lembrança que se tem de um fato antigo, ela não é a mesma imagem que se
experimentou na infância, por exemplo, pois não se é o mesmo de então e porque a percepção
mudou e, com ela, mudaram as ideias, os juízos e a noção de valor. O simples fato de lembrar
o passado no momento presente extingue a identidade que existe entre as imagens do outro,
propondo a sua distinção em termos de ponto de vista.
Por esse motivo, pode-se dizer que os objetos são imprescindíveis como ativadores
das lembranças. Segundo Halbwachs (2006, p. 157), “eles são uma espécie de companhia
silenciosa e imóvel, estranha à nossa agitação e às nossas mudanças de humor, e nos dão uma
sensação de ordem e tranquilidade.”
O espaço em que se vive não somente reflete a distinção entre um do outro. A forma
como se dispõe determinados elementos e objetos explicam os laços que sempre se ligam a
sociedades sensíveis e invisíveis. Segundo Halbwachs (2006, p. 158), não se pode dizer que
as coisas materiais façam parte da sociedade,
(...) contudo, móveis, enfeites, quadros, utensílios e bibelôs circulam dentro do grupo e nele
são apreciados, comparados, a cada instante descortinam horizontes das novas orientações da moda
e do gosto, e também nos recordam os costumes e as antigas distinções sociais.
Ao se entrar em uma loja de antiquário e se deparar com inúmeros objetos de distintas
épocas, questiona-se sobre a quem pertenceu, qual era o contexto em que estava encaixado.
Para Halbwachs (2006), sonha-se com um mundo que é reconhecido nisso tudo, como se o
estilo de um objeto ou o gosto por tal arrumação fosse equivalente a uma linguagem que a ela
compreende.
Segundo Halbwachs (2006), as lembranças do indivíduo permanecem coletivas e lhe
são lembradas por outros, mesmo que sejam de ocasiões nas quais somente aquele indivíduo
esteve presente e de objetos que somente ele viu. Isso se dá, pois ele nunca está sozinho e não
é preciso que outros estejam presentes, materialmente distintos dele, pois ele sempre carrega
consigo certa quantidade de pessoas que não se confundem. Ainda assim, o indivíduo não está
habituado a falar da memória coletiva de um grupo nem por metáfora, já que uma faculdade
desse tipo somente pode existir e permanecer se houver um corpo ou um cérebro individual.
O autor explica que as lembranças podem se organizar de duas maneiras: tanto se agrupando
86
em torno de uma pessoa, que as percebe por meio de seu ponto de vista, como distribuídas
dentro de uma sociedade, tanto grande quanto pequena, da qual são imagens parciais. Cada
indivíduo participa de ambas as lembranças; contudo, adotaria duas atitudes distintas e até
opostas. Enquanto se pode conviver com as memórias de contexto pessoal, pode-se, por outro
lado, em determinados momentos, ser capaz de se comportar simplesmente como membro de
um grupo que contribui para evocar e manter memórias impessoais, à medida que essa
interessa ao grupo. No obstante a memória individual possa se apoiar e preencher algumas
lacunas na memória coletiva e confundir-se com ela, a memória coletiva contém as memórias
individuais, não se confundindo, no entanto, com as lembranças individuais.
Em seu livro, Memória e sociedade: lembranças de velhos, Bosi (1994, p. 63) relata,
por meio da memória coletiva, histórias e ensinamentos de pessoas idosas, ressaltando o
sentimento de responsabilidade que o ancião sente em repassar adiante tal conhecimento,
como se tivesse uma responsabilidade social de lembrar, “e de lembrar bem”.
Para Viana (2008), a memória oral, que é passada de um para o outro, é realizada
muito antes da memória escrita e funciona como um tipo de anel que une sutilmente as
pessoas ao passado, ou seja, faz constantemente o presente esse passado. As histórias orais
coletadas na presente pesquisa expressam, de maneira contínua, os acontecimentos que,
automaticamente, sofrem atualizações, nutrindo novas recordações, assim como também
menciona Halbwachs (2006) e Bosi (1994).
Durante a troca de informações e nas conversas, tanto o ouvinte como o informante
contribui para que essas memórias perpetuem. O ouvinte também é visto como autor não
menos importante que o emissor, conforme ensina Viana (2008). Por meio do ponto de vista
de ouvinte, buscou-se expressar, da maneira mais autêntica e verdadeira, todas as coletas
realizadas em ambas as comunidades.
Esta pesquisa converge para a Memória Coletiva em alguns aspectos: o antigo
trabalho, quase extinto nos dias atuais, conta somente com relatos e conhecimento de pessoas
que o viveram e que, despertados agora, por meio de perguntas são instigados a recordar do
labor do passado pelos elementos de hoje; o objeto, no caso particular, o chapéu, serve como
elemento de outro tempo, que, revisto agora, é alicerce de ligação entre coisa e memória;
certamente, não todas as pessoas interpretadas nesse estudo são idosas. Porém, as que não são,
descendem de um antigo artesão ou empresário do chapéu e que somente sabem contar a
história, pois as informações foram repassadas por meio da memória coletiva familiar.
87
Portanto, analisou-se que o tema central desse estudo fundamenta-se na antropologia
da moda e do desenho, no valor simbólico do objeto, bem como na ligação do ser humano
com o objeto, utilizando, para tal, memória coletiva do grupo escolhido. Todavia, utilizam-se,
também, recursos e teorias da antropologia econômica, sendo que somente o mercado
brasileiro de moda movimenta, anualmente, cerca de 103 bilhões de dólares, conforme o
portal do Sistema Moda Brasil (2014).
88
4 EXPERIÊNCIAS VIVIDAS
Neste capítulo, que se destina às experiências vividas, se trazem os relatos dos
entrevistados que participaram desta investigação – Giulia, Lucia, Gian Piero, Anna Maria,
Giuseppe, Emirena, da Província de Florença, Itália, e de Ellen e Sueli, de Blumenau, Brasil –
e cujo registo se fez com o auxílio de câmeras fotográficas, de vídeo e diário de campo.
Ao folhear o diário de campo, se encontrou um pequeno texto que se fez no dia 19 de
dezembro de 2013, quando se esteve em Florença, na Itália, para a primeira parte das
entrevistas, realizadas com o auxílio de perguntas previamente elaboradas (Apêndice 1), mas
flexíveis, podendo ser alteradas no decorrer da investigação:
“O chapéu vai além de usá-lo ou não. As pessoas do chapéu são apaixonadas por esse
objeto, tendo suas vidas marcadas pelo tal adorno. Elas não necessariamente vestiam o
chapéu de luxo que criavam ou produziam, mas usavam os chapéus simples de grandes abas
que as protegiam do sol quando colhiam a palha, ou para se protegerem do frio quando
saíam das fábricas. Produziam um objeto que nunca poderia ser seu e o amavam pelo simples
fato de o ter criado. Todos, mulheres e homens, usavam chapéus e os próprios resultavam na
distinção entre si, tanto de gênero quanto de classe. Só posso dizer que o chapéu é assim: tem
um toque de magia e deslumbre, mesmo que, com o passar dos anos perdeu seu poder de
objeto de uso e distinção e passou a ser objeto de luxo e de raro uso. Essa será uma história
entre pessoas e o chapéu.”
Um mês havia se passado após a primeira fase das pesquisas, quando se iniciou a
leitura do livro Contribuciones para una antropología del diseño, de Juez (2002, p. 23),
segundo o qual
La antropología del diseño tiene como finalidad explorar lo que vincula lo humano – el tema
central de la antropología – con el objeto – la tarea medular del diseño- ; aquello que guía la
creación de las cosas, sus usos y el lugar que guardan en la memoria de la comunidad79
.
Confessa-se que, até esse momento, novata na antropologia, muitas vezes se sentiu
insegurança em uma área tão distinta da área de formação que se tem. Foi quando se percebeu
que, durante todos os anos de estudo e trabalho na moda, a função e o desejo sempre foram o
de explorar o que vincula o humano ao objeto, que guia a criação, o uso e, especialmente, o
lugar onde estão na memória da comunidade.
No decorrer do trabalho de campo, se fizeram visitas às duas localidades – Província
79
A antropologia do desenho tem como finalidade explorar o que vincula o humano – tema central da
antropologia – com o objeto – a tarefa medular do desenho – aquele que guia a criação das coisas, seus usos e o
lugar que guardam na memória da comunidade. (Tradução da Mestranda)
89
de Florença, na Itália, e Blumenau, no Brasil –, e, em dois distintos momentos para cada
lugar. A “expedição” começou na Região de Florença, entre os dias 16 a 22 de dezembro de
2013, onde se deu início a alguns novos contatos e se fez o resgate de outros antigos, pois se
viveu, aproximadamente, 3 anos, desde 2007, nessa mesma região, onde se conheceu a
chapelaria e, de modo amador, se faziam pesquisas sobre o assunto. Por isso, se conheciam
alguns entrevistados, razão pela qual se dedica um conhecimento mais denso sobre o chapéu e
também sobre o ofício nessa localidade.
No início de janeiro de 2014, se foi ao Brasil para iniciar as pesquisas. O mais curioso
é que se é proveniente dessa região, mas somente se tomou conhecimento sobre uma antiga
fábrica de chapéus que havia existido em Blumenau há, aproximadamente, 2 anos, quando o
conhecimento sobre o ofício e o objeto que se tinha já estavam em desenvolvimento. O
período de pesquisas em Blumenau foi de, aproximadamente, 2 semanas, não pela quantidade
de pessoas, mas pela dificuldade em encontrar as poucas que ainda existem.
Em final de janeiro e início de fevereiro desse ano, se retornou à Itália, para dar
prosseguimento às pesquisas. Repetiu-se essa ação em abril no Brasil, quando, mais uma vez,
se deu continuidade às investigações em Blumenau. Nem sempre se entrevistaram pessoas
novas, mesmo porque as pessoas do chapéu são raras de se encontrar. Conviver com elas em
um maior período também contribuiu para interpretá-las melhor, assim como revisitar os
locais antigos e rever antigos objetos. Cada uma das vezes que se pode rever as pessoas, elas
se recordavam de algum detalhe ou de algum dado que haviam perdido. Assim como
menciona Halbwachs (2006, p. 30), “nossas lembranças permanecem coletivas e nos são
lembradas por outros, ainda que se trate de eventos em que somente nós estivemos envolvidos
e objetos que somente nós vimos.”
Escolheu-se relatar os eventos de maneira que pudessem expressar não somente o que
se viu, mas também o que se sentiu nas entrevistas, os sinais, os gestos, a forma de falar… e
onde o chapéu estaria em cada contexto. Uma parte relevante dos entrevistados eram pessoas
idosas que se emocionaram ao contar as suas histórias por meio desse objeto e ofício. Por esse
motivo, com base em Velasco e Díaz (2009), optou-se pela plena observação participante e
incorporada à ação, e, portanto, ao texto. Assim, utilizou-se de outro foco narrativo neste
capítulo, com exceção do item 4.5.
Não somente o chapéu em si entrou em semidesuso, mas muito da sua história foi
esquecida. Nesse sentido, o presente trabalho não trata somente do chapéu, mas trata,
especialmente, das pessoas do chapéu, das suas histórias e lembranças, pois, conforme Von
Boehn (1951), um objeto de inegável matiz social, marcador de tendências e distinção de
classe, seria absurdo – se não estúpido – esquecê-lo.
90
4.1 Os que antecedem o chapéu
4.1.1 O chapéu antes de ser chapéu
Quando tomo o ônibus do centro histórico de Florença para a região de Campi
Bisenzio, sinto como se voltasse há alguns anos, quando conheci o ofício da chapelaria. Foi
nessa região, no ano de 2007, que, pela primeira vez, entrei nesse galpão strapieno80
de
materiais que misturam épocas. “- Guarda, si vuoi vedere le velette sono da questa parte!”81
.
Respondeu-me o simpático senhor que nele trabalha por quase toda a sua vida. Nesse lugar, é
possível encontrar materiais para fabricação de chapéus que, muitas vezes, têm mais de 40
anos. Enquanto me encontrava perdida em meio aos adornos de flores, fitas e cones de feltro e
palha, senti uma nostalgia imensa que se confundia com curiosidade. (Figura 25)
Figura 25 - Cones de feltro, antes de se transformarem
em chapéus
Fonte: Pesquisadora (2013).
No momento em que minhas mãos corriam sobre os cones macios do feltro, ouvi uma
voz que me chamava, do outro lado do imenso galpão: “- Gabriela, vieni qui, adesso
possiamo parlare su i cappelli”82
. Era Giulia, uma jovem que faz parte da quarta geração
dessa empresa que abriu as portas no ano de 1925. Giulia, que não viveu no apogeu do chapéu
e somente uma parte de sua queda, relatou o que ouviu de sua família: desde o início de 1990,
houve um processo de declínio no setor. Conforme a jovem, o momento atual, de crise em
80
Muito cheio. (Tradução da Mestranda) 81
“Olha, se você quer ver os voilette (véus), estão nessa parte”. (Tradução da Mestranda) 82
“Gabriela, vem aqui, agora podemos falar sobre os chapéus”. (Tradução da Mestranda)
91
quase toda Europa, com chapéu não poderia ser diferente “- (…) è un accessorio, un
sovrappiù”83
. Todavia, Giulia mencionou que houve um aumento relevante de jovens que
desejam aprender o ofício de chapelaria, de fato surpreendente, pois, há muitos anos, esse
fenômeno não acontecia. A maior parte dos materiais que vendem são caros e preciosos,
mesmo que, nesses períodos de crise, as vendas caiam, os materiais são de alto valor. Giulia
atribui esse acontecimento à troca de valor do acessório “- Il cappello oggi, entra nel
segmento del mercato di luso”84
, diferente do que sua avó contava sobre a sua época, quando
ninguém saía de casa sem levar um chapéu na cabeça. Quando a questionei sobre as antigas
palhas de Firenze, Giulia me respondeu prontamente: “-No! non si fanno più, non c'è nessuno
che le lavora”85
e pegou nas mãos um antigo chapéu de palha dali, com o qual me fez sentir o
toque. A jovem acredita que, mesmo com a baixa produção de chapéus, o acessório hoje é de
uso quase exclusivo da classe de luxo, pois além do alto valor do produto, é necessário
pertencer a um cenário adequado de uso “- Però è anche un segno che contraddistingue
eleganza, un certo tipo de comportamento. Ci vuole carattere per portare il cappello, quindi
(…)”86
.
Além de conversar com Giulia, pude conversar separadamente com Lucia que agrega
a terceira geração da empresa. Devido ao longo período de existência do estabelecimento e a
quantidade de filhos que possuía o fundador, Giulia a Lucia (Figura 26) possuem um grau de
parentesco muito distante, mas, mesmo assim, continuam a ser sócias.
Figura 26 - Giulia e Lucia
Fonte: Pesquisadora (2013).
83
“(...) é um acessório, um supérfluo”. (Tradução da Mestranda) 84
“O chapéu hoje, entra no segmento de mercado de luxo”. (Tradução da Mestranda) 85
“Não! Não existem mais, ninguém trabalha com isso”. (Tradução da Mestranda) 86
“Mas é também um sinal que distingue elegância, um certo tipo de comportamento. Precisa ter um caráter
especifico para usar um chapéu, por isso (…)”. (Tradução da Mestranda)
92
Além de Giulia e Lucia, existem outros na sociedade, todos de distintos genitores. O
que me é singular como formato de empresa, mas que, segundo pude perceber, na Itália, é
comum os negócios funcionarem assim, em que as gerações vão muito além do início do
empreendimento.
Quando iniciamos a conversa, Lucia um pouco envergonhada, exclamou uma
insegurança: “- Vediamo si so rispondere perché può anche di no”87
. Senti que, pela primeira
vez, a empresária, herdeira do antigo estabelecimento, responderia perguntas sobre o assunto.
Então lhe disse que poderia responder somente o que soubesse. Foi nesse momento que
descubri que o chapéu fica na alma do ser humano que trabalha com ele. Lucia sabia não só
me responder, mas transmitir o que o chapéu foi para ela e para sua família, de especial modo
quando falou do pai e sua relação com o objeto: “- Era la sua passione il cappello, cioè il
cappello da fare, perché noi non abbiamo i cappelli fatti, abbiamo i cappelli da fare. Era la
sua passione, ma mio babbo è morto nel novantadue. Quando è morto lui, c’era ancora il
cappello di moda e si vendeva tanto, capito? Adesso: poco, direbbe adesso se ci fosse mio
babbo si sentirebbe morire a vedere che non c‘è più lavoro. Noi nella nostra ditta avevamo
anche 12 dipendenti, ne abbiamo avuti, adesso sono praticamente 6, anche meno perchè sono
part time, quindi c’è una flessione incredidibile”88
. Mencionou que o período de “ouro” do
chapéu durou até os anos de 1990, de acordo com a informação também cedida por Giulia.
Lucia disse que, no início, a empresa se dedicava somente às vendas de materiais de palha,
produzidos na região e que, aos poucos, foram introduzindo o feltro.
Diante do mencionado por Lucia, novamente perguntei sobre as tradicionais palhas de
Florença: “- E le treccie in palha di Firenze?”89
, e a resposta foi “- Oggi non si trovano
più”90
. Da mesma forma que Giulia, Lucia mencionou que, nos tempos de seu avô e também
de seu pai, todos usavam chapéus e especificou: “- Tutti, tutti! Quelli che costavano poco, il
popolo diciamo. Quelli costosi anche i capi di stato non so, anche la Regina Elisabetta,
queste personalità, i reali di Spagna ecc, ecc (…)”91
. Lucia atribui a brusca queda do uso do
chapéu à diminuição do número de casamentos e cerimônias de verão. Até a sétima década do
87
“Vamos ver, se eu sei responder; pode até ser que não”. (Tradução da Mestranda) 88
“Era a sua paixão o chapéu, quero dizer o chapéu ainda antes de ser feito, porque nós não trabalhamos com
chapéus prontos; temos os chapéu antes de virarem chapéu. Era a sua paixão, mas meu pai morreu em 1992.
Quando ele morreu, o chapéu ainda estava na moda, se vendia, entende? Agora: pouco. Se meu pai agora
estivesse vivo, ele se sentiria para morrer, vendo que não tem mais trabalho. Nós, na nossa empresa, tínhamos
até 12 funcionários, agora são praticamente 6, talvez até menos, pois fazem meio período; por isso, existiu um
flexão incrível”. (Tradução da Mestranda) 89
“E as tranças de palha de Florença?”. (Tradução da Mestranda) 90
“Hoje não se encontram mais”. (Tradução da Mestranda) 91
“Todos, Todos! Aqueles que custavam pouco, o povo usava. Aqueles caros, os chefes de Estado, não sei,
também a rainha Elizabeth, essas personalidades reaiss da Espanha… etc., etc. (...)”. (Tradução da Mestranda)
93
século passado, as pessoas frequentavam muitos casamentos e, para cada casamento,
compravam um chapéu. Hoje, as pessoas que compram um acessório de chapelaria para uma
cerimônia, geralmente são pessoas com possibilidades aquisitivas maiores, como as que foram
ao casamento do príncipe da Inglaterra ou que frequentam as corridas de cavalo. No mar, as
pessoas acabam não usando tanto chapéu quanto deveriam. Já, no caso do inverno, as pessoas
comuns acabam usando mais gorros e toucas, por exemplo.
Terminamos nossa conversa quando os colaboradores, do lado de fora da sala
começaram a chamar pela Lucia. As vozes e risadas do grupo sugeriam uma comemoração:
comemoravam o aniversário de um colega de trabalho. Não foi minha primeira vez na antiga
empresa e esses eventos e conversas amistosas sempre existiram lá. As imensas estantes que
forram as paredes, do chão até o teto, com todas as cores possíveis de um Pantone92
, materiais
de épocas distintas que dividem a mesma prateleira (Figura 27).
Figura 27 - Materiais vendidos no estabelecimento de
Giulia e Lucia, onde as cores são quase
infinitas.
Fonte: Pesquisadora (2013).
O cheiro da palha e do feltro se misturou com o cheiro de café e do bolo e com as
conversas e sorrisos do grupo. Não sei se são os chapéus que fazem isso com as pessoas ou se
são as pessoas do chapéu que colocam mágica no acessório.
92
Conforme Canha (2007, s/p), “O Pantone, ao contrário do que muitos pensam, na verdade, é uma empresa, e
não marca de tinta. Fundada em 1962 em New Jersey, Estados Unidos, a Pantone Inc. é famosa pela ‘Escala de
Cores Pantone’ (‘Pantone Matching System’ ou PMS), um sistema de cor utilizado em uma variedade de
indústrias especialmente a indústria gráfica, além de, ocasionalmente, na indústria têxtil, de tintas e plásticos.”
94
4.1.2 O chapéu em “forma” de Madeira
Dentro do grande galpão de paredes forradas de cones de chapéu, liguei para o Sr.
Gian Piero. Ele me atendeu com sua voz tão gentil, como de costume, e me respondeu “-
Vado già a prenderla!”93
Enquanto esperava sua chegada, que levaria, no máximo, 10
minutos, me sentei no meio fio da calçada e pensei no Sr. Gian Piero. Calmo, tranquilo, um
verdadeiro gentleman dos dias de hoje. Gosto do seu suave sorriso quando encontra as
pessoas. É de uma docilidade difícil de explicar com palavras.
Não demorou muito para eu avistar seu carro chegar. Ao descer do carro, percebi que
ele era tal qual como em minha memória e já fazia quase 2 anos que não o via. Calmo,
tranquilo, um verdadeiro gentleman com o seu perfume de madeira. Sim, o Sr. Gian Piero tem
cheiro de madeira, assim como seu pai e também seu avô tinham. Isso é coisa de família. Gian
Piero é a terceira geração de uma família que fabricava formas de madeira, que serviam para
dar o formato do chapéu. Assim, chapeleiros puxavam os cones, e os chapéus adquiriam a
forma da base na madeira.
Ao fazer o percurso até a sua casa, passamos por ruelas de chão cercadas por
plantações de cereais, e a conversa sempre girava em torno do chapéu e dos tempos em que a
acessório estava em pleno vigor. Gian Piero me contou, com saudosismo que, nessa região,
todas as pessoas trabalhavam com a palha para fazer os chapéus. Havia muitos chapeleiros.
Uma história curiosa contada por ele é que era comum, “naqueles tempos”, as mulheres irem
de um lugar ao outro, como até a casa da vizinha, ou à mercearia, trançando suas palhas. Para
elas, era um processo tão natural que podiam fazer suas coisas, conversar, e, nas mãos,
movimentos ágeis de trançar e trançar. Quando indago sobre quando seria “naqueles tempos”,
Gian Piero menciona que recorda disso quando criança, suas irmãs, tias, vizinhas… todas
faziam as tranças que formavam o famoso chapéu de palha de Florença.
Ao chegar a sua casa, fomos diretamente a sua oficina, onde as antigas máquinas de
torno e serra se encontram ativas em meio à serragem fina. Gian Piero ainda faz alguns
moldes para chapéu (Figura 28).
93
Já vou buscá-la. (Tradução da Mestranda)
95
Figura 28 - Gian Piero realizando uma forma de madeira
Fonte: Pesquisadora (2013).
Apesar de já estar aposentado e da baixa demanda, Gian Piero passa a maior parte de
seu dia em sua oficina (Figura 29).
Figura 29 - Gian Piero em seu local de trabalho
Fonte: Pesquisadora (2013).
Nas paredes da oficina, antigos quadros de chapéus e fotos de família foram cobertos
pelo pó da madeira. Entre todas essas imagens e quadros, percebo a de um diploma antigo,
que descrevia “Anzianità Artigiana” e que datava de 1960. “- Diploma di Anzianità
artigiana. Pensa, il mio babbo… allora, qui dice che lui ha iniziato nel 1910. Questo è del
96
sessanta sicchè erano già cinquant’anni di lavoro, ma lui ha lavorato ancora trent’anni. Lui
ha lavorato fino ai novant’anni!”94
(Figura 30).
Figura 30 - Diploma “Anzianità Artigiana” do pai de senhor Gian Piero
Fonte: Pesquisadora (2013).
Com a palma da mão, limpou o pó presente no vidro do porta-retrato que continha
uma foto de seu pai na época que foi a Paris para aprender algumas técnicas novas e onde
ficou por uma semana (Figura 31).
Figura 31 - Fotografia do pai de Gian Piero, fazendo
uma forma de madeira
Fonte: Pesquisadora (2013).
94
“Diploma de Antiguidade artesã. Pensa, o meu pai… então, aqui diz que ele iniciou em 1910. Esse é de 1960,
o que quer dizer que eram 50 anos de trabalho, mas ele trabalhou ainda mais 30 anos. Ele trabalhou até os 90
anos”! (Tradução da Mestranda)
97
“-Però suo nonno, anche lui lavorava con questo mestiere, vero?”95
perguntei ao Sr.
Gian Piero. “- Si, anche mio nonno! Lui era del 1855, e mi ricordo che nel quarantaquattro
ancora lavorava, perché nel quarantaquattro nel periodo della Guerra dal trentotto,
trentanove fino a che non ci fu la Guerra il cappello praticamente non è che… insomma
c’erano, pero non c’era da spendere”96
. Ele me contou que, durante o período da Segunda
Guerra, como o chapéu quase não era usado, a pequena fábrica da família, passou a fazer
saltos de sapato de madeira “- (…) I cappelli con le forme praticamente si smise di farli e fu
fatto le mezze zeppe per sostituire il pellame, cioè la zeppa e la mezza zeppa di legno per
sostituire diciamo il cuoio con il legno, perchè anche li c’era la penuria di materie prime, di
cuoio, di tutto…. Mancava tutto in questo periodo”97
. O avô de Gian Piero faleceu no ano de
1947, com 93 anos. Mesmo assim, durante a Guerra, muito idoso, precisou trabalhar para
ajudar a família.
Quase me esqueço de um fator importante sobre o Sr. Gian Piero: ele geralmente me
espera, com a merendina98
. Um suco de caixa e um croissant. Ele bate a mão sobre sua roupa
para sacudir a poeirada, lava as mãos e encontra um lugar adequado para nos sentarmos.
Naquele dia, quando nos sentamos e ficamos alguns instantes em silêncio, me emocionei com
uma colocação feita por ele a respeito do chapéu: “- (…) nel cappello chi riesce a tenere le
ditte di cappello ci vuole uno che abbia tanta passione al cappello. Penso sia un pò per tutte
le cose, ma il cappello per quello che posso dire io, solo ai chi ama il cappello, a chi gli piace
il cappello (…)”99
. Ao lhe perguntar se acreditava no chapéu como um vício, ele me contestou
dizendo: “- No, è una… perchè forse è un lavoro un pò particolare, forse… no lo so perchè…
forse è un lavoro che richieda tanta, tanta dedicazione di tempo a allora se una non c’ha
passione resta più difficile (…)”100
.
95
“Mas o seu avô, também trabalhava com esse ofício, verdade?”. (Tradução da Mestranda) 96
“Sim, também meu avô! Ele era de 1855, e me lembro que, em 1944, ainda trabalhava, porque, em 1944, no
período de Guerra de 1938, 1939, até que não passou a Guerra, o chapéu praticamente não existia… sim,
existiam, mas ninguém podia gastar”. (Tradução da Mestranda) 97
“(...) o chapéu e as formas de chapéu praticamente paramos de fazer; então eram feitos meia solas para
substituir a pele, quero dizer, o salto e a meia sola de madeira para substituir o couro com a madeira, porque ali
vivíamos a penúria de matérias-primas, de couro, de tudo… Faltava tudo naquele período”. (Tradução da
Mestranda) 98
Lanche/ merenda. (Tradução da Mestranda) 99
“(...) no chapéu quem consegue manter as fábricas, é necessário um que tenha muita paixão pelo chapéu.
Acredito que, para tudo, mas o chapéu, por aquilo posso dizer, somente quem ama o chapéu, quem gosta do
chapéu (...).” (Tradução da Mestranda) 100
“Não, é uma… porque talvez seja um trabalho um pouco particular, talvez, não sei por que… talvez seja um
trabalho que necessite de muita, muita dedicação de tempo e, então, se não tem a paixão, fica bem mais difícil
(...)”. (Tradução da Mestranda)
98
Continuamos nossa merendina, em silêncio, pensando no chapéu, nas pessoas do
chapéu… Ambos nostálgicos pelo adorno. Acredito que ele com saudade do tempo que viveu
com o chapéu e eu, com saudade do que nunca vivi.
O pai do Sr. Gian Piero faleceu faltando 25 dias para seu 104o aniversário e, até os 90
anos, trabalhou em seu ofício de fazer moldes de madeira para os chapéus, assim como seu
avô trabalhou até seus últimos anos de vida. Gian Piero hoje desfruta de sua juventude de 82
anos, ainda trabalhando, mesmo que não haja mais trabalho. Vício? Não. Segundo Gian Piero,
paixão. Isso também só pode ser família.
4.2 O “mestiere”101
4.2.1 A chapeleira modista
No ano de 2008, quando a chapelaria estava iniciando em minha vida, comprei um
livro em um estabelecimento que ficava situado na Piazza della Reppublica, centro histórico
de Firenze, que ensinava a tradicional técnica do ofício da chapelaria. Esse livro passou a ser
um dos meus “livros de bolsa”. Carregava-o em todas as partes e foi com ele que compreendi
todo o processo para confeccionar esse acessório. Durante as minhas investigações em Signa,
em janeiro de 2014, conversando com uma informante, a mesma comentou que teria o contato
de uma antiga chapeleira e que, quem sabe, ela poderia me atender. Fiquei extremamente
feliz, pois, até então, não havia conhecido, de fato, algum chapeleiro, tamanha a dificuldade
de encontrá-los por sua raridade. Quando digo chapeleiro/a, me refiro àqueles(as) que detêm a
tradicional técnica do ofício. A chapeleira que minha informante mencionou era a autora do
livro que me seguiu durante toda a minha ‘jornada do chapéu’.
Na tarde do dia 3 de fevereiro de 2014, me encontrei com a Sra. Anna Maria.
Confesso que, ao subir as escadas do prédio onde mora, me coração bateu muito forte. Não,
não era o cansaço de dois lances de escada, mas estava emocionada por conhecer uma pessoa
que me acompanhou durante muito tempo. Paradoxa não é somente essa minha última frase,
mas também meu sentimento. Quando estou a 5 degraus de sua casa, vejo que ela me espera
com a porta aberta. A Sra. Anna vestia um cardigã azul claro e cabelos que pareciam nuvens.
(Figura 32)
101
O ofício (Tradução da Mestranda)
99
Figura 32 - Senhora Anna Maria
Fonte: Pesquisadora (2014).
Anna Maria me acomodou em sua sala e, sentadas em sua poltrona com estampas de flor,
iniciei algumas perguntas. Ela me disse que começou nesse ofício aos 14 anos de idade quando, por
acaso, uma amiga de sua mãe, que fazia chapéus, disse que teria vaga para uma “ragazzina”102
. Aos
28 anos, a Sra. Anna começou seu próprio atelier onde trabalhou até o ano de 1991.
O trabalho de seu atelier consistia na criação e na confecção de modelos. Após ter uma
coleção de amostras razoável, aproximadamente 15, ou modelos do acessório, eram enviados
para os clientes, que eram geralmente lojas ou marcas. Escolhidos os modelos, Anna recebia o
pedido com a quantidade e as cores desejadas. Os clientes mais importantes da chapeleira
ficavam em Milão, na Itália. Todavia, trabalhou, também, para empresas espanholas que
ficavam na zona de Valencia. Essas empresas lhe pagavam ao fim de cada estação, após a
venda de todos os acessórios. Anna criava todos os tipos de chapéus. Desde chapéus de noite,
para cerimônia até os usados no dia a dia (Figura 33).
Figura 33 - Antigos catálogos com chapéus feitos por Anna Maria
Fonte: Pesquisadora (2014).
102
Jovenzinha. (Tradução da Mestranda)
100
Quando perguntei para Anna como era o período de alta do chapéu na região Toscana,
ela me respondeu: “- Mah, tutto sommato anche bello, semplice, però bello. Senza tutte quelle
angoscie, tutte quelle… sa, era una vita diversa, non c’era bisogno di rincorrersi l’uno con
l’altro. Sì… un pò d’ambizione, un pò di… però, insomma neanche più di tanto. (risos)”.
Segundo a chapeleira, mesmo sendo um bom período para quem trabalhava com isso, sempre
ouvia lamentações sobre o ofício e mencionou uma frase que era dita por um dono de uma
antiga empresa da região – “- a fare il cappello non si dorme, ma si vive! (risadas)” –,
expressando, assim, as dificuldades desse labor que exige tanta dedicação
Anna também mencionou que todos usavam chapéus e que, tporém, existiam os
chapéus de luxo que distinguiam a alta sociedade. Seus chapéus eram, assim, criados para a
alta sociedade, sendo que, inclusive, condessas o vestiam.
Para ela, em 1950, quando Brigitte Bardot começou a usar foulard na cabeça, em vez
dos chapéus, a moda para as jovens de classe menos favorecida passou a ser esta: o foulard.
Com o passar dos anos, as pessoas começaram a usar cada vez menos chapéus e passaram a
usar esses famosos lenços na cabeça. No entanto, esses foulards também podiam pertencer a
uma classe distintiva, sendo que o top consistia em ter um lenço Hermès. A chapeleira
acredita que essa troca na moda possa ter ocasionado o quase desuso do chapéu.
Os chapéus de luxo, sobre os quais Anna tem maior conhecimento, tinham o preço do
salário de uma semana de uma trabalhadora do setor: “- Una lavorante aveva dalle ottocento alle
novecento, novecentocinquanta lire al giorno, sicchè un cappello, li moltiplichi per sei (…)”103
Para encerrar a nossa conversa, perguntei se o chapéu é, para ela, uma paixão. Anna
realmente conseguiu me surpreender com a sua resposta: “- Mah… fino ad un certo punto. Io
la passione la metto in tutto quello che dedico di fare (…)”104
. A chapeleira relatou que o
chapéu entrou por acaso em sua vida e ficou, mas que tem certeza que, em qualquer outro
trabalho que realizasse, colocaria a mesma dedicação, empenho, respeito… Sua colocação foi
bem objetiva “- Si deve fare le cose tanto per farle? Meglio farle bene.”105
Fiquei na casa da Sra. Anna algum tempo depois da entrevista. Ela me mostrou fotos
dos chapéus que fez, as marcas para quem trabalhou, as pessoas que conheceu por meio do
acessório. Ouvir e conhecer a Anna me deu uma perspectiva diferente sobre a chapelaria.
Esqueci um pouco a magia do chapéu, assim como do ofício, que insistiam em me seguir e
103
“Um trabalhador ganhava 800, 900, 950 liras por dia, assim sendo, basta multiplicar por 6 (...)”. (Tradução da
Mestranda) 104
“Olha… até um certo ponto. Eu, a paixão coloco em tudo o que me dedico a fazer (...)”. (Tradução da
Mestranda) 105
“Se você deve fazer as coisas tanto por fazer? Melhor fazê-las bem!” (Tradução da Mestranda)
101
passei a vê-lo também como elemento de uma moda efêmera, que tinha como principal
objetivo sua venda para a movimentação de uma economia.
4.3 Os empreendedores do chapéu
4.3.1 O entusiasta herdeiro do chapéu
Quase desisti da entrevista que agora apresento. Estava impossível encontrar horários
compatíveis entre minhas breves estadas em Florença e os horários de disponibilidade de Giuseppe.
Não por falta de vontade da sua parte, absolutamente, somente porque o tempo ia contra. Nosso
encontro aconteceu em meu último dia em Florença, quando o céu começou a ficar escuro e minhas
esperanças estavam quase acabadas. Giuseppe me ligou e marcamos nosso encontro na loja de
chapéus da empresa, que fica na charmosa Via della Spada, no centro histórico.
O estabelecimento perece um pequeno porta-joias, ou melhor, um porta-chapéus. Foi,
nesse local, em meio aos lindos adornos de cabeça, que Giuseppe chegou, correndo da chuva
e com a simpatia estampada no rosto. Acomodamo-nos no meio do pequeno negócio,
vigiados pelos chapéus que estavam acomodados nas prateleiras e por clientes que entravam a
todo momento. Assim, conversamos por mais de uma hora.
A empresa existe desde 1875 e foi fundada por Attilio Greve (Figura 34).
Figura 34 - Attilio Greve, fundador da empresa
Fonte: Imagem cedida por Giuseppe Grevi.
102
Giuseppe faz parte da quarta geração. Ele contou que, no início, até os anos 1980, a
fábrica produzia chapéus para grandes marcas nacionais e internacionais. Foi somente nos
anos de 1980, com a entrada da quarta geração, que a empresa começou a produzir coleções
do acessório com marca própria.
Igualmente relatou que, praticamente, todas as empresas de chapéus dessa região
nascem das famosas palhas de Florença: “- (…) da lí è nata l’industria della paglia e da lì è
partita l’industria del cappello, infatti io sono il presidente di un consorzio che raggrupa
quindici imprese dell’area fiorentina e tutte sono nate appunto dalla tradizione della
paglia”106
. O empresário mencionou, naquele momento, sobre o consórcio que existe em
Florença e região que reúne uma grande parte das empresas que trabalham com esse
acessório. Nem todos são fabricantes de chapéu, mas também existem fornecedores de
matéria-prima. Quando o projeto teve início, em 1986, eram somente cinco ou seis empresas
que se associaram. Hoje, o consórcio conta com, aproximadamente, quinze. “- Tutte queste
aziende, che ci sono oggi, derivano tutte dalla vecchia tradizione della paglia come noi, sono
tutte, quasi tutte centenarie”107
. Giuseppe acredita que a integração e a união entre essas
empresas podem gerar coisas muito positivas para esse tradicional mestieri108
da região, como
eventos que foram produzidos pelo grupo em Los Angeles, em 2013, e outros que ocorrem
frequentemente na região Toscana. O empresário disse que um evento importante que o
consórcio patrocinou foi um musical de ópera de Nino Rota “Il cappello di paglia di
Firenze”109
, inspirado na famosa ópera francesa de 1600, Chapeau de paille d’Italie110
.
Hoje, todos que, por muitos anos, nem se conheciam e nutriam uma atmosfera de
competição e de concorrência, se juntam com o intuito de promover o chapéu feito na região
de Florença.
“- Tutti!111
” foi a resposta que Giuseppe me deu para quem usava o chapéu. “- Era
bellissimo! Noi, noi nasciamo con i cappelli da uomo (referindo-se a empresa). Nel novecento
o molto prima del novecento, tutti mettevano i cappelli, che essi fossero ricchi, che fossero
poveri (…) Il cappello era un segno, che potevi riconoscere anche lo stato sociale delle
persone, no? Sapevi quand’era principe, sapevi quand’era il professionista, qual era
106
“(...) dali nasceu a indústria da palha e dali partiu a indústria do chapéu, de fato eu sou o presidente de um
consórcio que reagrupa 15 empresas florentinas e todas nasceram nessa tradição da palha”. (Tradução da
Mestranda) 107
“Todas essas empresas que existem hoje derivam da antiga tradição da palha. Como nós, são todas assim
também, quase todas centenárias”. (Tradução da Mestranda) 108
Ofício. (Tradução da Mestranda) 109
“O chapéu de palha de Florença”. (Tradução da Mestranda) 110
“O chapéu de palha da Itália”. (Tradução da Mestranda) 111
“Todos”. (Tradução da Mestranda)
103
l’operaio…, lo vedevi dal cappello (…) poi purtroppo è andato in disuso.”112
Quando
Giuseppe terminou essa colocação, logo lhe perguntei ao que se deu esse semidesuso. Ele
disse que, como entrou na empresa já com o semidesuso do chapéu, nunca se perguntou do
por que de tal acontecimento. O empresário acredita que, hoje, estamos iniciando novamente
um bom momento para o chapéu, pois muitos jovens estão querendo usar o acessório
novamente… “-Però noi, siamo abituati alla crisi, no?”113
colocou Giuseppe.
Giuseppe recebeu minha próxima pergunta com um sorriso no rosto. “- Sig. Giuseppe,
e per lei, fare un cappello è lo stesso che fare qualunque sia pezzo della moda?”114
A resposta
foi “- Secondo me, io… è chiaro che la mia risposta è un pò scontata. Io sono inamorato del
mio lavoro, quindi per me c’è una magia in più. C’è una magia in più anche perchè è cosi
tanti anni che lo facciamo che comunque si conoscono piccoli segreti, tanti anedotti, tante
storie dietro, tanta… c’è tante cose belle e anche momenti difficili e tutto però c’è un grande
affetto. Poi secondo me il cappello è un pò un accessorio diverso, perchè è un accessorio che
va vicino al viso e che quindi come un vestito, vede vestire”115
. Para Giuseppe, usar uma bolsa
é mais um objeto, destacado do corpo, assim como um sapato. Mas o chapéu, quando visto na
cabeça, se faz parte dela. Giuseppe disse que para cada pessoa existe um chapéu adequado,
sendo necessário prová-lo e se sentir parte do acessório. A vestibilidade é muito importante
para quem usa um chapéu, pois o conforto é necessário.
Nos tempos em que seus pais e avós tocavam a empresa, Giuseppe contou que houve
altos e baixos no mercado do chapéu, assim como em qualquer outro. Sofreram as duas
Grandes Guerras, a enchente de 1966 que destruiu Florença e região… Todavia houve
momentos de grande expansão que ocorreram nos anos de 1930 e também de 1960. “- (…) e
di racconti di cose incredibili, come forniture per famiglie reali, o attori, o star, o stilisti…
comunque anche noi oggi, un pò ci teniamo le nostre soddisfazioni. Abbiamo fatto tanti
cappelli per il cinema. Adesso stiamo facendo una produzione teatrale importante. E anche
112
“Era belíssimo! Nós nascemos com os chapéus masculinos. Em 1900 e muito antes de 1900, todos usavam os
chapéus, sendo ricos ou pobres (…) o chapéu era um signo, que fazia reconhecer o status social das pessoas,
não? Sabia-se quando era um príncipe, quando era um profissional, quando era um operário… podia-se ver pelo
chapéu (…) depois, infelizmente, caiu em desuso”. (Tradução da Mestranda) 113
“Mas nós somos habituados à crise, não?”. (Tradução da Mestranda) 114
“Sr Giuseppe, para você, fazer um chapéu é o mesmo que fazer qualquer artigo de moda?” (Tradução da
Mestranda) 115
“Para mim,… é claro que a minha resposta deve ser um pouco desconsiderada. Eu sou apaixonado pelo meu
trabalho. Por isso, existe uma magia a mais. Existe uma magia a mais porque são tantos os anos que trabalhamos
com isso, que conhecemos pequenos segredos, muitas anedotas, muitas histórias, muitos… são tantas coisas
bonitas e também momentos difíceis, mas existe um grande afeto. Depois, para mim, o chapéu é um acessório
diferente, que fica perto da face, e, assim como um vestido, deve vestir”. (Tradução da Mestranda)
104
noi abbiamo fatto produzione per il cinema che comunque è un modo di conoscere attori e
divertirsi.. insomma!”116
. (Figura 35)
Figura 35 - Cher no filme um Tè con Mussolini, usando um
chapéu da marca Grevi, empresa de Giuseppe
Fonte: Imagem cedida por Giuseppe Grevi.
Quando Giuseppe se lembrou do filme Tè con Mussolini117
, seus olhos brilharam e até
o tom de sua voz mudou. Ele descreveu os detalhes do dia em que ele, na época um garoto
muito jovem, entrou no camarim de Cher para entregar os chapéus que ela usaria em cena “-
(…) ero tutto emozionato! (risadas)”118
.
Ao final da longa conversa, Giuseppe suspirou fundo e concluiu: “- (…) e quindi… e
niente, ora è un momento cosi in cui il lavoro è duro peró riuscire a fare qualcosa tutti
insieme per tutti è un bel messaggio.”119
, referindo-se não somente a sua empresa, mas
também ao Consórcio (Figura 36).
116
“(…) contam coisas incríveis, como de fornecimento para famílias reais, ou atores, ou estrelas, ou estilistas…
Contudo, nós, hoje em dia, temos nossas satisfações. Fizemos muitos chapéus para o cinema. Agora, estamos
fazendo uma famosa produção teatral. Também fizemos produções para o cinema, que é uma maneira de
conhecer atores e se divertir… em resumo”! (Tradução da Mestranda) 117
“Comédia dramática de Franco Zeffirelli lançado em 2000”. (Tradução da Mestranda) 118
“(...) estava todo emocionado”! (Tradução da Mestranda) 119
“(…) agora é um momento em que o trabalho é duro, mas conseguir fazer algo, todos juntos, também é uma
bonita mensagem”. (Tradução da Mestranda)
105
Figura 36 - Giuseppe em sua loja em Florença
Fonte: Pesquisadora (2014).
O entusiasta do chapéu falou do acessório sempre com um brilho no olhar e com um
sorriso no rosto. Muitas vezes gesticulava e levantava da cadeira tamanha era sua satisfação
em reviver tudo sobre o adorno. A história que ele contou antecede a sua, mas ele a relatou
como se estivesse estado lá, tanto no apogeu do chapéu quanto no seu declínio. Giuseppe é
muito jovem, mas arrisco-me a dizer que é um jovem que nasceu em 1875.
4.3.2 A guardiã da história do chapéu de Blumenau
Hoje, as histórias da Fábrica de Chapéus Nelsa, de Blumenau, estão guardadas na
memória de uma senhora chamada Ellen. Ela sabe, como ninguém, preservá-las, assim como
os objetos que sobreviveram os anos e, hoje, dividem lugar com as “modernidades”da vida.
Dona Ellen me recebeu na sala de sua casa em uma tarde quente do verão blumenauense. E
bastaram poucas palavras para que eu pudesse ver a pessoa forte que ela é. Ela contou, com
nostalgia, sua polivalência como mulher, empresária e mãe. Dona Ellen cuidava dos seus
filhos e de todos os serviços do lar, traduzia cartas e documentos do alemão para o português
(e vice-versa). Sempre gostou de fotografar e, ainda quando possível, contribuía com seu
marido e sua mãe na fábrica de chapéus. (Figura 37)
106
Figura 37 - Sra. Ellen, em sua casa, mostrando os antigos chapéus que ainda guarda
Fonte: Pesquisadora (2014).
A mesa cheia de materiais de diversas épocas demonstrava que a Dona Ellen estava
preparada para me contar tudo o que sabia sobre a antiga fábrica. Ela iniciou contando-me
todo o processo produtivo para a fabricação do chapéu, desde a coleta e seleção de peles e lãs,
seu tingimento até os acabamentos finais. No meio de toda essa conversa, ela abriu um
parênteses na conversa e comentou: “- É a primeira vez que falo sobre isso com alguém, além
de ser cansativo, ninguém mais quer saber!” Sim, Dona Ellen tem razão: o chapéu ficou
esquecido por um tempo como urso hibernando. Eu que investigo a chapéu e vivo em
Blumenau, somente vim a saber da antiga fábrica Nelsa há pouco mais de dois anos!
Ellen contou que a fábrica era de seu avô, mas que seu marido foi quem deu
continuidade à administração da fábrica junto a sua sogra, Cecília. Um fato importante
mencionado por ela foi que, em 1939, aquele que viria a ser seu marido embarcou com seus
pais para a Alemanha para conhecer a família que vivia lá e, consequentemente, acabou
servindo na Segunda Guerra Mundial. Fazia uma semana que um grande amigo dele havia
contatado a Dona Ellen para dizer que encontrara cartas de seu marido do ano de 1951,
quando ele informava que havia noivado com ela. Nessas trocas de carta, o amigo perguntou a
ele se não gostaria de voltar à Alemanha e lá viver. Sua resposta foi: “- Não, preciso ficar no
Brasil para fazer chapéus.” A fábrica produzia somente chapéus masculinos, e seu principal
mercado era o Rio Grande do Sul e também São Paulo. Além de chapéus, para ocupar toda a
capacidade da empresa, produziam boinas escolares e ombreiras para terno. (Figura 38)
107
Figura 38 - Fábrica de Chapéus Nelsa nos anos de 1940
Fonte: Arquivo Histórico José Ferreira da Silva de Blumenau.
Enquanto Ellen atendia ao telefone, vi uma nota de jornal do ano de 2005 sobre a mesa
que dizia: “A imagem mostra a Fábrica Nelsa, um dos exemplos de empresas de Blumenau
que tiveram uma administração feminina. (…)” (Figura 39).
Figura 39 - Jornal de Santa Catarina, Almanaque do Vale, reportagem sobre a antiga
fábrica de chapéus Nelsa
Fonte: Wollmer (2014, s/p).
108
Durante a Segunda Guerra, o pai de Ellen ficou preso em Florianópolis e, por isso sua
esposa, mãe de Ellen, assumiu a direção da empresa junto com o genro.
Quando Ellen e seu marido viajavam pela Europa, faziam visitas a fábricas de
chapéus. Em uma dessas visitas, ele quis ir sem chapéu. Foi quando Ellen Wollmer se voltou
para ele e perguntou: “- Você vai para uma fábrica de chapéus sem chapéu?” Essas viagens
também serviam como pesquisa de produto e mercado. Por isso compravam chapéus de
marcas famosas no setor. Enquanto comentava isso, Ellen abriu um chapéu italiano que tem
mais de 50 anos. Seus olhos ficaram fixos nele, admirando profundamente o acessório. “- (…)
é, quem não tinha chapéu, não era chic. Tinha que usar chapéu!” Exclama ela. “- Para
assistir aos jogos de futebol, naquela época, os homens iam de terno, gravata e chapéu.”
Dona Ellen mencionou que os costumes e moda mudaram muito ao longo dos anos, “(…) mas
que era mais elegante, isso era!”.
Ela lamentou que, hoje em dia, o tradicional ofício da chapelaria é dificilmente
encontrado e que os adornos, de qualidade muito inferior, são presos com cola, enquanto,
antes, os chapéus de feltro eram todos costurados a mão com agulha inglesa (devido à
resistência do material). As fitas eram em cetim de seda, e a carneira120
, em couro.
Dona Ellen acredita que o auge do chapéu se deu em 1930 e, baseando-se em uma
leitura que fez, disse que o declínio do acessório se deu após a criação do automóvel, pois
tendo um teto, não era mais necessário usar o adorno. E concluiu: “- Se é verdade, não se
sabe, mas ajuda a entender.”
A Fábrica de Chapéus Nelsa fechou suas portas nos anos de 1960. “- o chapéu não
dava mais”, disse Ellen. Assim, abriram uma nova empresa, também no segmento do
vestuário, que confeccionava pijamas sanfonados, inspiração obtida pela mãe de Ellen após
receber da Alemanha uma roupa íntima feita dessa maneira. Essa produziu até 1994.
Ao finalizar, Ellen relatou as palavras do antigo chapeleiro da fábrica Nelsa em uma
conversa com seu marido: “- Sr. Harald, quando eu falecer, morre uma profissão comigo: a
de chapeleiro.” (Figura 40)
120
Parte de reforço interno dos chapéus masculinos fica próximo à aba.
109
Figura 40 - Sr. Rudolfo Leder, chapeleiro da fábrica de
chapéus Nelsa em 1920
Fonte: Imagem cedida do Arquivo Histórico José Ferreira da Silva de Blumenau.
Se pudesse escolher uma palavra para a Dona Ellen, eu diria “fibra”. Ela, assim como
os chapéus de feltro, são feitos com fibras fortes, resistentes, que contam e guardam histórias
em si.
4.4 O chapéu vira museus
4.4.1 Museo della Paglia e dell’Intreccio - Signa
Em poucos minutos, o trem de Firenze chegou a Signa. Quando desci na pacata
cidade, pensei em pegar um táxi para ir até o museu, mas cancelei a ideia e resolvi ir a pé.
Não era tão longe, e a pequena localidade parecia uma boa companhia. Já no início do
caminho, encontrei uma placa com os dizeres: “Signa, città della paglia.”121
Após caminhar
em meio a cidade com suas típicas e charmosas casas toscanas, no alto de uma colina, estava
o museu. (Figura 41)
121
“Signa, a cidade da palha”. (Tradução da Mestranda)
110
Figura 41 - Placa entrada do Museo della Paglia
e dell’intreccio di Signa
Fonte: Pesquisadora (2013).
Fui recebida por Emirena, a simpática museóloga que, prontamente se dispôs a me
apresentar o museu e a responder às perguntas sobre o ofício, o chapéu e a palha. Hoje, seu
trabalho consiste nisso. No entanto, nem sempre foi assim. Emirena, que leva o mesmo nome
de sua bisavó, sabe, na prática, essa arte do trançado. Sua família teve um pequeno negócio de
trançar palha onde faziam sapatos e chapéus. Ela se formou em História da Arte e mencinou
que o conhecimento técnico é fundamental para quem trabalha com isso: “- Io ho studiato
storia dell’arte, mi sono laureata a storia dell’arte, però come fai a studiare, a capire,
aspiegare un cappello se non capisci come si intreccia, cioè hai bisogno di collegare teste e
mani, no? Conoscenza e tecnica.”122
(Figura 42)
Figura 42 - Emirena, museóloga do Museo della
Paglia e dell’Intreccio di Signa
Fonte: Pesquisadora (2013).
122
“Eu estudei História da Arte, me formei em História da Arte, mas como você pode estudar, entender, explicar
um chapéu se não compreende como se trança uma palha, quero dizer, é necessário fazer a ligação entre cabeça e
mãos, não?” (Tradução da Mestranda)
111
Sua bisavó, que nasceu em 1865, já trabalhava como trançadora das famosas palhas da
Toscana e era totalmente agradecida ao seu patrão, chamado Cinelli, pela oportunidade. A
museóloga comentou que as jovens moças (época de sua bisavó) eram reconhecidas por seus
trabalhos e, frequentemente, ganhavam pequenos “abonos” e agrados, como passeios no mar,
almoços em restaurantes, que, para a época, era um grande prestígio. Emirena, bisneta de
Emirena, soube passar as informações não somente do ponto de vista técnico, mas também
emocional, de uma história que também é a sua.
Ela apresentou todo o processo produtivo desde o plantio da palha, seu trançado e
técnicas até o produto final. A palha que era plantada tinha uma única finalidade: virar um
chapéu. Não servia para fazer pão, pizza ou massa, mas para obter uma palha de qualidade e
beleza indiscutíveis. (Figura 43)
Figura 43 - Palhas e trançados do Museo della Paglia e
dell’Intreccio di Signa, feitos na Província
de Firenze
Fonte: Pesquisadora (2013).
Essa obra se deve ao bolonhês Domenico Michalacci que, em 1714, levou esse tipo de
cultivo à região. Neste ano, é comemorado o aniversário de 300 anos da fundação. O museu
leva o nome do benfeitor, e a comunidade reconhece, ainda hoje, sua façanha mencionando
ditados como: “L’arte di Michelacci: mangiare, bere e andare a spasso”123
, ou seja, a
localidade está em boas condições graças a ele. Não era possível semear a palha obtida nessa
em qualquer outro lugar da Europa. Por isso, os outros países a compravam.
Emirena comentou sobre a importância do chapéu, tanto para a região quanto para
123
“A arte de Michellacci: comer, beber e passear!” (Tradução da Mestranda)
112
toda Itália: “- (...) e appunto è il primo prodotto made in Italy esportato.”124
Antes mesmo da
unificação da Itália, o produto já caracterizava uma nação: “- E poi considera che prima
dell’unità d’Itália milleottocentosessantuno il cappello di paglia nella metà dell’ottocento era
considerato rappresentativo di una nazione che ancora non c’era. Era lo Chapeau de Paille
d’Italie e ancora l’Italia non c’era, quindi era un prodotto che identificava tutto un paese,
tutto un popolo.”125
(Figura 44)
Figura 44 - Chapéus e trançados de palhas do Museo
della Paglia e dell’Intreccio di Signa, típicos
da Província de Firenze
Fonte: Pesquisadora (2013).
O ápice da palha trançada nessa região se deu nos anos de 1700 até a metade de 1800.
A partir daí, começaram a chegar as palhas da China, que também era muito bonitas e
custavam muito menos. Após esse evento, houve uma ruptura nesse tipo de trabalho, mas
iniciou outro. A palha era importada do Oriente, muitas vezes já trançada, e, na Toscana, eram
feitos os chapéus, “- Quindi, diciamo un insegnamento nei momenti di crisi a non temere la
crisi perchè qualcosa si può fare (…)”126
, completa Emirena.
Questionei Emirena sobre quanto ganhavam as mulheres que trançavam ou faziam os
chapéus: “- Bisogna sempre fare confronto con i generi alimentari.”127
Uma mulher muito
talentosa conseguia fazer da manhã até a noite a trança de palha e o chapéu acabado.
Vendendo o chapéu, podia comprar um pão de 2 quilos, que alimentava toda a família.
124
“(…) e, no entanto, é o primeiro produto made in Italy exportado”. (Tradução da Mestranda) 125
“E considere que, antes da Unificação da Itália, e m 1861, o chapéu de palha, na metade de 1800, era
considerado a representação de uma nação que ainda nem existia. Era o Chapéu de palha da Itália e ainda não
existia Itália. Portanto, era um produto que identificava todo um país, todo um povo”. (Tradução da Mestranda) 126
“Portanto, um ensinamento nos momentos de crise: não temer a crise porque alguma coisa se pode fazer”.
(Tradução da Mestranda) 127
“Precisa sempre fazer um confronto com produtos alimentícios”. (Tradução da Mestranda)
113
O comércio da palha foi muito além das fronteiras Italianas. Comprando a palha e
tendo na Itália, era possível trançar em qualquer parte do mundo, como na Suíça, por
exemplo. Por esse motivo, ainda hoje, em Florença é possível constatar que existe uma
comunidade de suíços que se encontra na região desde essa época.
Com as exportações em alta e o Rio Arno que ligava direto Signa a Livorno, onde
estava o porto, os homens viam ótimas possibilidades de trabalho e oportunidades. Assim
sendo, todo o labor manual da palha passou a ser unicamente feminino. Por isso, as mulheres,
muitas vezes, tinham seus filhos consigo durante o trabalho e muitas meninas já eram
ensinadas desde muito cedo: “- il fatto è quello che per ottenere questa manualità si doveva
imparare dai tre anni in poi. I bambini cominciavano intrecciando tre fili, da tre a cinque,
sette e poi ad aumentare via, via, però solo le più brave, realizzavano questi intrecci. Le altre
imparavano do loro como si faceva e come machine producevano.”128
(Figura 45)
Figura 45 - Mulheres, em 1950, na região de Signa, trançando as palhas e iniciando a
confecção dos chapéus
Fonte: Imagem cedida por: Archivio Fotografico del gruppo Archeologico Signese (2010).
Questionei Emirena sobre o declínio e semidesuso do acessório, e ela me respondeu
com dito popular da região: “- La donna in capello e la signora in cappello”129
Esse dito
significa que uma mulher sem chapéu era, certamente, da baixa sociedade. Já, uma que levava
128
“O fato é que , para obter a manualidade exigida, era preciso aprender com mais ou menos 3 anos. As
crianças começavam trançando 3 fios, de 3 a 5, 7 e, depois, iam aumentando, mas somente as melhores
realizavam esse trançado. As outras aprendiam sozinhas como se fazia e, assim como máquinas, produziam”.
(Tradução da Mestranda) 129
“A mulher de cabelo e a senhora de chapéu”. (Tradução da Mestranda)
114
o chapéu era alguém importante. Ela mencionou que todos usavam chapéu. A classe menos
favorecida tinha um chapéu de verão e outro de inverno. Já, as pessoas com mais dinheiro
tinham vários chapéus e com qualidade muito superior. Mas todos usavam! “- Il cappello
prima era necessario, perchè era proprio un elemento dell’abigliamento, era necessario per
uscire e ripararsi la testa, poi tra che siamo andate dal parrucchiere, ci siamo tagliate i
capelli, anche le donne, si comincia… si guida la macchina, si va in auto, il cappello diventa
una cosa a volte fastidiosa. Sicchè un pò la moda, un pò perchè naturalmente la paglia è una
cosa che porti solo d’estate (…) è cambiato proprio il costume.”130
No entanto, mesmo que,
hoje em dia, seu uso não seja uma necessidade, para Emirena, o acessório está sempre ali,
com materiais diferentes, outras formas… “- Quindi c’è sempre questa produzione, perchè il
cappello lo porta chi ha l’occasione di frequentare ambienti da cappelli.”131
(Figura 46)
Figura 46 - Sala de mostruários da empresa de chapéus
Cristianini, em Signa, ainda ativa
Fonte: Archivio Fotografico del gruppo Archeologico Signese (2010).
Emirena disse que a palha e o chapéu fazem parte da rotina das pessoas da cidade e,
por esse motivo, muitas vezes desconsiderada e esquecida. Hoje, as pessoas começam a se dar
conta de que não existe mais ninguém que sabe trançar, e muito do conhecimento desse ofício
130
“O chapéu, antes, era necessário, porque era um elemento da indumentária. Era necessário, para sair, tê-lo na
cabeça. Depois, iniciamos a ir ao cabeleireiro, cortamos os cabelos, também as mulheres; se começou a dirigir os
carros, se anda somente de carro, e o chapéu se transformou em algo que incomoda. Assim, um pouco a moda,
um pouco porque a palha era algo que se usava somente no verão…”. (Tradução da Mestranda) 131
“Existe uma produção, porque o chapéu é usado, mas por quem tem a ocasião e os ambientes para usá-lo”.
(Tradução da Mestranda)
115
foi perdido. Outro agravante, além da perda do conhecimento manual, é que encontrar a palha
é quase impossível. Durante a Segunda Guerra, a palha foi feita em laboratório e semeada,
pois não era possível importar da China e o que restou foi somente a desse período e sua
quantidade é minima.
Foi justo desse “não se dar conta” do que havia sido perdido em Signa que nasceu o
museu. Em 1991, um filme com Gerard Depardieu venceu o Oscar de melhor figurino. Os
chapéus desse figurino foram todos realizados por empresas de Signa. E foi com uma
brilhante ideia de um fabricante de chapéus dali que nasceu o Museo della Paglia e
del’intreccio di Signa: “- (...) Se è fatto vincere l’Oscar la Squarciapino per I cappelli, siamo
a Signa e non c’è un museo? Facciamolo!”132
(Figura 47)
Figura 47 - Vista interna do Museo della Paglia e
dell’Intreccio di Signa
Fonte: Pesquisadora (2013).
Para Emirena, o chapéu é um elemento de identidade. Por isso mencionou Anna
Piaggi, uma jornalista que usava chapéu e esse acessório lhe caracterizava como tal. Na moda,
mesmo que somente nas passarelas, o chapéu é visto com frequência. Em uma das redomas de
vidro do museu, ela me mostrou um chapéu muito curioso que foi confeccionado nos anos de
1960 por uma empresa americana que recebeu um pedido de um cliente muito exigente e
elegante que queria ir à piscina, sem levar a bolsa, mas não renunciava ao chapéu, ao óculos
de sol, ao protetor solar… Então foi criado um chapéu “recipiente” que, além de sua
funcionalidade habitual, poderia servir como bolsa.
132
“Poxa! Se fez a Squarciapino vencer o Oscar pelos chapéus; nós estamos em Signa e não tem um Museu?
Vamos fazê-lo!” (Tradução da Mestranda)
116
Ao terminar, Emirena apontou com o dedo um chapéu feito com capim dourado e
sorri, fazendo uma gentil menção ao Brasil ali.
4.4.2 Museu de hábitos e costumes - Blumenau
Era meu último dia no Brasil, quando pude encontrar a historiadora responsável pelo
arquivo histórico da cidade, bem como do Museu de Hábitos e Costumes, Sueli. A conheci
nos tempos da faculdade quando a me deu aulas de história da moda. A professora Sueli é
certamente uma guardiã das histórias de Blumenau e região e uma apaixonada pela moda. Por
esse motivo, a pessoa ideal para as informações que envolvem moda e história. (Figura 48)
Figura 48 - Sueli no Museu de Hábitos e Costumes de Blumenau
Fonte: Pesquisadora (2013).
Passeávamos pelo museu, enquanto a historiadora me mostrava os produtos que eram
fabricados na antiga fábrica de chapéus. Caixas redondas de diversos períodos em que a
fábrica esteve em funcionamento, chapéus de feltro de diversos modelos, carapuças de lã e
pele… Esse museu não é dedicado exclusivamente à chapelaria, mas conta com um acervo
considerável sobre o tema, doações feitas pela Sra. Ellen, a proprietária da antiga Fábrica de
Chapéus Nelsa. (Figura 49)
117
Figura 49 - Antigas embalagens e chapéus da Fábrica de Chapéus Nelsa,
acervo do Museu de Hábitos e Costumes de Blumenau
Fonte: Pesquisadora (2013).
Sueli contou que a maioria dos funcionários da antiga fábrica de chapéus já faleceu.
Aassim sendo, grande parte da história também morreu com eles. Ela comentou que o que
ainda existe hoje em dia na cidade, que reguarda a antiga fábrica, são as histórias da Sra.
Ellen, uma seção do museu e o prédio onde funcionou a empresa.
“A ideia visionária de desenvolvimento e progresso em Blumenau, era muito
frequente, pois o município não é somente essa área restrita que temos hoje, mas sim uma
área de 10.610 km2
(…)”. Para Sueli, a possibilidade comercial em uma região tão vasta e tão
sedenta de produtos fez com que a fábrica obtivesse sucesso na época. Além de o chapéu ser
um acessório indispensável na indumentária do período, Blumenau era constantemente
influenciada por dois fatores importantes: pelo cinema, pois, desde 1900, a cidade contava
com uma sala de cinema. “- Uma das pioneiras a nível nacional”, segundo a historiadora.
Então, ao verem os filmes e personagens que usavam chapéu, as pessoas desejavam o
acessório de moda apresentados. E também pelas tendências lançadas pelas mulheres e
homens empresários da região que, ao viajarem para a Europa, compravam chapéus usados,
“última tendência”, assim como traziam revistas e materiais com os modelos usados.
118
Ao observar essa possibilidade mercadológica, no início de 1920, empresários da
época listaram as necessidades para a abertura de uma fábrica de chapéus e iniciaram o
processo. Um fator imprescindível para que ela existisse foi ter um expert no tema, alguém
que soubesse fazer chapéus: um chapeleiro. Assim, a fábrica estava completa: mão-de-obra
adequada, uma moda que fomentava o consumo e espaço de venda (Figura 50).
Figura 50 - Primeira sede da fábrica de chapéus Nelsa – 1924-1925
Fonte: Imagem cedida por: Arquivo Histórico José Ferreira da Silva.
Um detalhe relevante colocado pela historiadora é que existiam muitas chapeleiras
artesanais em Blumenau durante o século passado (Figura 51). “- Os acessórios (decorações e
adornos), vinham todos do exterior, normalmente da Alemanha, pois tínhamos casas de comércio
que importavam esses produtos, adereços, fitas, rendas… para atender a esta demanda.”
Figura 51 - Chapéu feito por chapeleiras artesanais
de Blumenau
Fonte: Acervo do Museu de Hábitos e Costumes.
119
Em 1965, devido ao declínio do chapéu, a fábrica fechou. Todavia, ainda existe uma forte
indústria têxtil e da indumentária, características até hoje presentes em Blumenau. Sueli lamentou
o quase desuso do chapéu na região, por uma questão ligada à saúde: “- Nós temos, hoje, no vale
do Itajaí, um dos maiores índices de câncer de pele do Brasil, devido às peles claras e ao sol forte
presentes aqui.” Ela mencionou que, por essa razão, o uso do chapéu deveria voltar como uma
tendência e que haveria possibilidade mercadológica para isso na região.
Subimos uma escada de madeira íngrime, pois a historiadora reservara alguns antigos
chapéus feitos pelas modistas artesanais que havia em Blumenau. Os amassados e o cheiro de
nostalgia presentes nos acessórios me fizeram lembrar que eles já não fazem parte do nosso
dia a dia. Por um momento, em nossa conversa, consegui viver a antiga Blumenau e sua
relação com o chapéu.
4.5 Interpretações
Hoje, o chapéu é lembrança de outros tempos para aqueles que, algum dia, o tiveram
como rotina e labor, até mesmo os que ainda trabalham com o acessório e que têm muito
menos idade das empresas que dirigem. Eles guardam em si algo antigo, que não pertence aos
dias atuais nem as suas vivências, mas pertencem, sim, às suas histórias pessoais. Histórias
contadas de pai para filho, de avô para neto… não somente histórias, mas também um labor,
um ofício e uma paixão. Das pessoas que se conheceu, com as quais se conviveu e se
entrevistou, poucas não ligam o chapéu a uma grande paixão. História de amor mesmo!
Romance romântico, em que o apaixonado só consegue superar os obstáculos e dificuldades,
porque adora o “ser” amado.
Sim! Houve muitas dificuldades no setor. A Segunda Guerra Mundial foi mencionada
nas entrevistas de ambas as cidades e surgiu como uma ruptura no setor. O chapéu mudou sua
forma nesse período. Segundo Laver (1989, p. 253), “eram frívolos, sérios, pequenos, de
feltro com ar militar”, mas continuavam sendo usados, mesmo com materiais reaproveitados e
sendo confeccionados em casa. A moda é assim: não fica inerte aos acontecimentos do
mundo, tanto em momentos de crise quanto na bonança. Aliás, a moda é isso mesmo. Retrata
esteticamente o período que se está passando e como se está sentindo.
Para Carlyle (2003, p. 76),
Whatsoever sensibly exists, whatsoever represents Spirit to Spirit, is properly a Clothing, a suit
or Raiment, put on for a season, and to be laid off. Thus in this one pregnant subject of clothes,
rightly understood, is included all that men have thought, dreamed, done, and been: the whole
120
External Universe and what it holds is but Clothing; and the essence of all Science lies in the
philosophy of clothes.133
E é desse sentir que se acredita que a moda nasce e é criada. Esse feeling dos
acontecimentos cotidianos do Planeta Terra se manifestam, materializados em forma de
roupa. O chapéu, como componente dessa moda, não foge às regras e é submetido também
aos costumes do momento. Todavia, uma parte desse feeling do momento em que se vive e
com o qual o elemento de moda já não “combina” mais consiste em fatores práticos da rotina.
Para uma pessoa, que necessita de transportes públicos hoje, por exemplo, onde se sobe e
desce de ônibus cheios de gente, ficaria completamente desconfortável utilizar um chapéu de
abas largas, se tornando necessário tirá-lo com frequência da cabeça para não atormentar os
outros passageiros com abas nos olhos. Não foi somente o chapéu que teve seu quase
desaparecimento como elemento de moda com o passar dos anos. As luvas, usadas
frequentemente, compunham a indumentária, não somente para proteger do frio, como é
utilizada nos dias de hoje, mas como acessório para todas as estações e com pesar estético.
Foi durante a entrevista da Sra. Anna, em 03/02/2014, que se ouviu algo muito
surpreendente. Ele mencionou que, no período da Guerra, as mulheres, especialmente as de
classe menos favorecidas começaram a usar foulard na cabeça. Assim, como relata Laver
(1989, p. 253), “As mulheres acrescentavam toques alegres como lenços na cabeça, moda que
surgiu durante a Guerra”.
Percebe-se que o chapéu, lentamente, poderia estar sendo substituído por outros
elementos como aconteceu com o foulard (Figura 52).
Figura 52 - Brigitte Bardot anos de 1950 – ícone de
beleza, propagou a moda de foulard na
cabeça
Fonte: Werneck (2014, s/p).
133
“Tudo o que existe no domínio do sensível, tudo o que representa o espírito ao espírito, é propriamente uma
roupa, um vestido completo, vestido, por um determinado tempo, e depois logo deixado de usar. Assim, esse
grave e vasto tema sobre a roupa, se bem compreendido, contém em si tudo o que os homens pensaram,
sonharam, fizeram e quem foram: todo o universo exterior e tudo o que é contido no Universo do não vestir: é a
essência de cada ciência encontrada na filosofia das roupas.” (Tradução da Mestranda)
121
O interessante a se notar é que o chapéu foi “saindo da cabeça” aos poucos e sem se
dar conta disso. Algo precisava ser colocado na cabeça, pela necessidade da indumentária e
do costume da época. Todavia, as dificuldades de encontrar materiais, fenômenos gerados
pela Guerra, fizeram com que um hábito aos poucos fosse revertido, podendo ocasionar,
inclusive, um processo de quase desuso de um elemento.
Durante a Guerra, mesmo o chapéu sendo usado, seu mercado e seu ofício ficaram
imobilizados pela falta de giro econômico, como ocorreu com muitos bens supérfluos.
Segundo Von Boehn (1951, p. 160), tem-se que a moda Italiana Topolino,
Moda creada y lanzada en la Italia de Duce Mussolini, que universaliza y perpetúa el nombre
de topolino dado originalmente a un tipo de automóviles de igual procedencia. (…) Algunos han
querido ver en el topolino reminiscencias clásicas, de resurrección del coturno y otras bellas cosas
antiguas… Mas !ay! mucho más serio parece que estas modas y modos de calzado (topolinos,
sandalias, talon o punta o ambas cosas al descubierto, suelas de madera, de corcho y demás
excesos134
.
Surgiu, nesse período de Guerra, quando os calçados tinham salto e solas de madeira.
Gian Piero, um dos entrevistados, contou que, durante o período de Guerra, para sobreviver,
foi preciso readaptar-se, utilizando as ferramentas com que já trabalhavam, mas produzindo
elementos considerados mais necessários: “- (…) I cappelli con le forme praticamente si smise
di farli e fu fatto le mezze zeppe per sostituire il pallame, cioè la zeppa e la mezza zeppa di
legno per sostituire diciamo il cuoio con il legno, perchè anche li c’era la penuria di materie
prime, di cuoio, di tutto (…) Mancava tutto in questo periodo.” 135
(Figura 53)
134
“Moda criada e lançada na Itália de Duce Mussolini, que universaliza e perpetua com o nome de ‘Ratinho’,
dado originalmente a um tipo de automóvel de igual procedência (…) Alguns quiseram ver no ‘Ratinho’
reminescências clássicas, da ressurreição do coturno e outras belas coisas antigas … Mas, cuidado! muito mais
sério, parece que estas modas e modos de calçados (ratinhos, sandálias, salto ou ponta ou ambas as coisas, solas
de madeira, de cortiça e demais excessos.” (Tradução da Mestranda) 135
- (...) o chapéu e as formas de chapéu, praticamente paramos de fazer; então eram feitas meia solas para
substituir a pele, quero dizer, o salto e a meia sola de madeira para substituir o couro com a madeira, porque ali
vivíamos a penúria de matérias-primas, de couro, de tudo (…). Faltava tudo naquele período. (Tradução da
Mestranda)
122
Figura 53 - Publicidade de 1941, com solas e saltos de madeira,
utilizados no período
Fonte: Turner (2014, s/p).
Além da moda das solas feitas em madeira, muitos, ao perceberam suas solas e saltos
gastos, os substituíam por madeira, pois a falta de material era tamanha que não podiam
colocar solas de couro, por exemplo. Além disso, a durabilidade da madeira era levada em
conta. Devido a essa necessidade, os solados de madeira se transformaram, também, em uma
tendência de moda.
Em Blumenau, a história do chapéu, com a Segunda Guerra, não consistiu tanto no
fator mercadológico, produtivo e estético do acessório, como ocorreu na Itália, certamente por
não ser um país diretamente afetado, mas na entrada da mulher como liderança administrativa
da fábrica. O pai da Sra. Ellen (entrevistada em janeiro de 2014), por ser alemão, ficou preso
em um campo de concentração em Florianópolis durante todo o período da Segunda Guerra.
Por esse motivo, sua mãe, Cecília, assumiu a direção da fábrica até quando foi fechada em
123
1965. A Fábrica de Chapéus Nelsa foi um exemplo para a cidade de empresa com gestão
feminina, segundo Avendano (2005). Em Blumenau e região, podem-se observar, atualmente,
outras empresas do ramo do vestuário onde a administração feminina está presente.136
No decorrer os estudos, foi possível observar algumas divergências entre a teoria e a
prática em si. Conforme revisão teórica sobre o acessório e seu quase desuso, teve início o seu
processo de declínio nos anos de 1930 e, segundo Von Boehn (1951, p. 162), “la derrota del
sombrero se inició, lentamente, más que como una tendencia, como un capricho pasajero, a
partir de 1932 o 1934 (…) para lucir el peinado.”137
. Além disso, o chapéu já não era mais
tratado como um acessório necessário a partir dos anos de 1960.138
De acordo com as
entrevistas realizadas na região Toscana, o chapéu, até os anos de 1980, teve seu período de
“ouro”, quando ainda era muito usado e também consumido. Segundo entrevista com Lucia,
“- Il periodo più d’oro diciamo anni settanta, ottanta (…)”139
, o que também foi mencionado
por Giulia e Giuseppe.
Os pontos contraditórios entre a teoria e a prática talvez ocorram, pois a história da
moda busca pontos gerais de todos os lugares do mundo e, aqui, trata-se de um local
específico. Assim sendo, possíveis variações podem ocorrer, como clima, costumes regionais,
gostos estéticos, valores simbólicos, entre outros.
No caso da cidade de Blumenau, a fábrica de chapéu fechou concretamente suas
portas em 1965, pois, segundo relatos da Sra. Ellen, “(…) - o chapéu não dava mais.”
Baseando-se nesse fato, é possível constatar que, para essa região, o período do declínio do
chapéu encontra-se em concordância com as referências teóricas estudadas. Tanto para Ellen,
ex-proprietária da fábrica de chapéus, quanto para a historiadora Sueli, os anos de apogeu do
chapéu no século passado foram de 1920 e 1930, conforme entrevistas concedidas em janeiro
de 2014, o que justificou a necessidade de abrir uma fábrica do acessório, em Blumenau,
nesse período.140
Os museus criados nas cidades pesquisadas – Signa e Blumenau – materializam o
contexto em que o chapéu se encontra hoje. Um acessório de tal valor simbólico e estético, de
tamanha importância para a indumentária e economia até determinado período, quando seu
uso era dinâmico e interativo – sim, pois o chapéu interagia com as pessoas diretamente –
136
Dudalina, empresa do ramo de vestuário, que produz camisaria, é um exemplo atual de gestão feminina na
região de Blumenau, conforme Leal (2014). 137
A derrota do chapéu teve seu início, lentamente, mais que como tendência, como uma capricho passageiro, a
partir de 1932 ou 1934 (…) para aparecer o penteado. (Tradução da Mestranda) 138
Nessa década o chapéu não é caracterizado como um adereço de moda frequente, e sim o cabelo solto,
segundo o livro de Laver (1989) A roupa e a moda. 139
O período de ouro do chapéu foi nos anos 1970, 1980. (Tradução da Mestranda) 140
Abertura fábrica 1925.
124
hoje, já aposentado, merece um local de destaque. Dentro do museu, o chapéu se transforma.
De acessório passa a ser um objeto. Da cabeça passa para uma vitrine, onde é admirado como
elemento distante. O museu tem essa característica: congelar os objetos no tempo. Render um
atributo a algo que passou pelas pessoas, mas já não pertence a essa realidade. O chapéu se
tornou tão saudoso quanto no conto de Aurélio Buarque de Holanda, O chapéu de meu Pai.
No conto, o chapéu é abandonado pela cabeça “falecida” de seu pai. No museu, o chapéu é
abandonado pelas “cabeças” vivas que andam de lá para cá, sem a companhia diária dele.
Para Serén (2006, p. 135),
Ficam, a nu, os espaços da produção e o labirinto de um taylorismo sempre útil, de uma
circulação que se queria instrumental. Resta substituir a arqueologia industrial pela arqueologia da
memória. Hoje, mais do que nunca, essa memória é capital a haver, pois o homem mexe-se num
mundo progressivamente fantasmático e virtual onde a sua natureza se afunda sobre camadas de
uniformização e homogeneização sócio-mundial. Então a reconversão destes espaços em museus de
uma história que, ela também, constituiu o homem e o fez herdeiro deste patrimônio.
Signa concentra no museu somente a arte da antiga chapelaria presente na cidade, nas
tranças de palha, na qualidade dessa palha, na confecção do chapéu e tudo o que cerca a
história do objeto. Blumenau possui uma parte dedicada ao chapéu, especialmente aos
chapéus que eram feitos na antiga fábrica da cidade, onde é possível ver alguns exemplares e
as suas embalagens. A relação das cidades com seus respectivos museus ilustra, também, a
relevância do elemento para cada uma delas. Signa e Toscana tiveram o acessório como
marco histórico, econômico e simbólico durante 300 anos. Ainda hoje, é possível encontrar
fábricasna região, ainda que com as devidas mudanças causadas no decorrer dos anos. Para
Blumenau, o chapéu foi um dos elementos que esteve presente na história empresarial e no
desenvolvimento industrial da cidade durante 40 anos.
Quando um ofício como esse quase desaparece, não somente fecha suas portas para o
mercado, mas também para um futuro, que passa a ser irrelevante para as mudanças de gostos
e costumes. Entretanto, a necessidade de manter uma identidade para essa memória local faz
dos museus uma espécie de templo, onde as memórias e objetos de outros tempos são
guardados e expostos. A identidade desses lugares passa de ofício ou de elemento em pleno
movimento tanto social e econômico para uma memória ou recordação, ou seja, a memória do
chapéu e de seu ofício passa a ser a identidade desse local, e não a profissão e o acessório em
si. (Figuras 54 e 55)
125
Figura 54 - Museo della Paglia e dell’Intreccio di Signa
Fonte: Pesquisadora (2014).
Figura 55 - Museu de Hábitos e Costumes Blumenau
Fonte: Imagem cedida pelo Museu (2014).
Certamente não se pode dizer que o chapéu está em seu completo desuso.
Absolutamente não, como menciona Longoni (2003, p. 41): “Il prodotto circola in mercati
particolari o, come si usa dire, ‘di nicchia’”141
. Todavia, suas “aparições”, hoje, são ligadas a
centros tradicionalistas, como os rodeios, centros de umbanda, por exemplo, conforme afirma
Miño (2010) ou como mencionou Emirena (entrevista em 18/12/2013) é preciso de
personalidade e um ambiente adequado para usá-lo.
O chapéu ainda se encontra “vagando” por aí. Conhece-se sua forma, seu uso, seu
valor estético e simbólico, mas não se pode negar: ele não faz mais parte do dia a dia. Ao se
levantar, todas as manhãs, os calçados são vestidos, as bolsas engatam no braço, mas o chapéu
141
O produto circula em mercados especiais ou em mercados de nicho. (Tradução da Mestranda)
126
não compõe a indumentária. Seria preciso, um dia especial, uma ocasião propícia, para uma
pessoa de personalidade… então, talvez, ele estaria ali outra vez, presente.
Para Longoni (2003), o semidesaparecimento do chapéu provoca, também, o
desaparecimento de um oficio ou dos vários que são necessários para criá-lo: chapeleiro,
carpinteiro – que faça os moldes de madeira –, trançadoras de palha, comerciantes de
materiais…) Trata-se, neste estudo, da chapelaria feita de modo tradicional e artesanal, cujo
ofício, de chapeleiro, era, inclusive, considerado uma arte.142
É claro que, em ambas as
cidades estudadas, a chapelaria tomou um rumo industrial com o passar dos tempos, quase
inevitável aos labores dos últimos dois séculos. Contudo, a chapelaria, mesmo que tenha
sofrido um processo de industrialização, teve sempre em si, como característica própria, a
colaboração entre artesanal e industrial. Segundo Nicolini (2006, p. 18), “Collaborazione fra
industria ed artigianato che permette di sfruttare al meglio i due aspetti: diffusione di un
prodotto accessibile e di buona qualità e adattabilità dello stesso ai mutamenti della moda e
alle esigenze di chi lo indossa.”143
E da junção dessas duas formas distintas de trabalho,
nasceu a economia gerada pelo chapéu que, no caso da Toscana, foi uma das principais fontes
econômicas desde o século XVIII, sofrendo trocas, altos e baixos, mas, mesmo assim,
permanecendo viva. Prova disso são as empresas lá presentes, uma espécie de herança do
chapéu na região. Certamente, não se trata do melhor período do chapéu. Todavia, ele
continua, não de maneira cotidiana na cabeça das pessoas, mas presente como acessório. Em
algumas entrevistas realizadas, relatos positivos sobre um futuro próximo ao uso do chapéu,
assim como da revitalização do ofício, foram externalizados: “- Sta tornando tutta l’arte della
modisteria, tanti ragazzi giovani vogliono imparare a fare i cappelli, quindi si sta tornando
quest’arte che si era un pò persa perchè ci era stato uno stacco generazionale.”144
(Giulia)
“- Ora, ora anzi è un momento buono rispetto, a prima perchè ai ragazzi sembra he
piaccia un pochino di più mettersi Il cappello.”145
(Giuseppe)
“- (...) qui vengono prodotti i cappelli anche per grande magazzini (...) però c’é sempre
142
Segundo Svendsen (2004), na típica categorização do século XVIII, entre a arte e o artesanato, os costureiros
e todos os que trabalhavam com vestimentas foram colocados no grupo dos artesãos. Por isso, até o século XIX,
a vestimenta ficou em uma esfera extra-artística. Com o surgimento da Haute Couture, a moda passou a nutrir a
ambição de ser considerada arte, de especial modo evidenciado pelos estilistas Charles Frederick Woth e Paul
Poiret. 143
Colaboração entre indústria e artesanato que permite desfrutar o melhor dos dois aspectos: difusão de um
produto acessível e de boa qualidade e adaptabilidade das mudanças da moda e as exigências de quem o usa.
(Tradução da Mestranda) 144
Está voltando toda a arte da chapelaria. Muitos jovens querem aprender a fazer os chapéus; por isso está
voltando essa arte que tinha se perdido um pouco em um período de paralisação geral. (Tradução da Mestranda) 145
Agora, é, inclusive, um momento bom comparado a antes, porque parece que os jovens gostam mais de vestir
o chapéu. (Tradução da Mestranda)
127
una nicchia che è rimasta (...) Quindi c’è sempre questa produzione, è sempre in alta perchè il
cappello lo porta chi ha l’occasione di frequentare ambienti da cappelli.”146
(Emirena)
O caso de Blumenau é diferente, pois não foi uma cidade que teve a economia
fundamentada nesse ofício, mas foi uma oportunidade mercadológica de uma região que
necessitava de diversos produtos, sendo um deles o chapéu. Mesmo a antiga fábrica sendo um
evento particular na cidade, foi considerada um case de sucesso, durando 40 anos, e
fornecendo chapéus não somente para a região, como também para outros estados. A antiga
fábrica de chapéus fez parte do início da base econômica atual, ou seja, Blumenau, hoje,
certamente não é reconhecida pelos chapéus, mas por uma tradicional indústria de vestuário e
têxtil nela presentes.147
Assim sendo, antes mesmo de a Fábrica de Chapéus Nelsa fechar suas
portas, em 1965, a mesma família abriu a Malharia Maju, em 1953, que confeccionou pijamas
sanfonados até 1994, conforme relatos da entrevistada Ellen Wollmer.
Tanto Blumenau quanto a Toscana são conhecidos pelos ofícios ligados à
indumentária. A Toscana fundamenta-se no artesanato148
e no design que, desde o pós-guerra
se tornou ainda mais mencionado e evidente.149
Já, Santa Catarina, especialmente Blumenau,
tem uma forte economia embasada no ramo de vestuário e têxtil, não sendo, todavia, seu
enfoque no design e, sim, na produtividade, cenário que, pouco a pouco, está sendo mudado,
conforme afirma De Masi (2000, p. 29): “Santa Catarina tem grandes indústrias têxteis, então
tem a matéria-prima da moda. O desafio agora é somar à disponibilidade de matéria-prima, a
inteligência e a sensibilidade estética.”
Portanto, em vista do panorama atual econômico das duas localidades, pode-se dizer
que a moda é, todavia, muito presente. Na região de Florença, especialmente Signa, apesar do
já assinalado declínio do chapéu, ainda existem algumas empresas150
que trabalham com o
tradicional ofício de fazer chapéus, tendo seu mercado de venda e, no caso, de algumas
146
Aqui são produzidos chapéus para grandes magazines (...) mas sempre existiu um nicho que ficou (...) Por
isso, existiu sempre essa produção, é sempre em alta porque o chapéu o usa quem tem a ocasião de frequentar
ambientes para usar chapéus. (Tradução da Mestranda) 147
A economia blumenauense se baseou, historicamente, no desenvolvimento quase exclusivo de setores
manufatureiros tradicionais. A principal atividade econômica ainda é a indústria têxtil, conforme o Guia Santa
Catarina (2014). 148
Ma è la dimensione medio-piccola delle attivita imprenditoriali toscane quella che rappresenta il maggior
traino dell'economia regionale: su tutte il tessile. (…) Grande rilievo va poi attribuito all'artigianato di alto
livello qualitativo che da sempre ha costituito l'asse portante dell'economia Toscana. (Tradução da Mestranda)
Mas é a dimensão médio-pequena das atividades empreentoriais da Toscana que representa a maior parte da
economia regional: o têxtil (…) Grande parte também é atribuído ao artesanato de alto nivel qualitativo que
constituiu base da economia. 149
A consolidação da Itália como fonte de bom design continuou com a ajuda do governo italiano e a promoção
oficial do Made in Italy. (…) Isso preparou o terreno para as décadas seguintes, sendo que Florença e, depois,
Milão, tornaram-se capitais da moda junto com Paris, Nova York e Londres, conforme Hahn (2013). 150
Aproximadamente 17, informação cedida por Cammera del Commercio di Signa, conforme anexo 1
128
marcas específicas com lojas próprias, inclusive fora da Itália.151
Blumenau já não possui uma
ligação tão direta com a chapelaria tradicional e com o acessório nos dias atuais. Por ser uma
cidade de colonização alemã, chapéus são vistos na cidade nos períodos de Oktoberfest, que
acontecem todos os anos no mês de outubro. Contudo, são os já citados “chapéus de nicho”,
que se enquadram na categoria tradicionalista típica e, em alguns casos, como fantasia152
,
sendo que uma grande parte advém de importação. (Figura 56)
Figura 56 - Oktoberfest em Blumenau, onde os chapéus são
utilizados para compor a indumentária típica
Fonte: Rosa (2014, s/p).
Em uma cidade próximo a Blumenau, chamada Jaraguá do Sul, existe uma indústria
chapeleira. Porém, como não está situada no cenário estudado, esta pesquisa não se estendeu
até ela nesse momento.153
Para concluir, se questionou os entrevistados sobre um possível retorno do chapéu
atualmente. Assim, foi possível constatar as diferentes respostas, não somente na dimensão
pessoal, mas também geográfica. Em Signa, a maioria considera que, de qualquer modo,
mesmo que não tão frequente quanto eram, as aparições dos chapéus estão ainda presentes, só
não como complemento indumentário como foi até os anos de 1980.154
Uma específica
entrevistada de Blumenau abordou um tema importante que compreende a chapelaria, ou seja,
sendo Blumenau uma localidade de descendentes alemães e italianos, com peles muito claras,
o nível de câncer de pele nessa região é um dos mais altos do Brasil, conforme o portal Boa
Saúde (2000). Para essa entrevistada, usar chapéu não seria somente uma questão de
simbologia e beleza, mas também de saúde.
151
Grevi – loja em Florença e Paris. 152
Dependendo do contexto, usar um traje típico, pode ser por tradição, quando este respeita normas e regras, ou
como fantasia, quando a intenção é fantasiar-se de alemão, por exemplo. 153
Realizar-se-ão investigações mais profundas futuramente na tese doutoral. 154
Conforme entrevistas, na Itália, o chapéu fez parte do dia a dia até 1980.
129
Hoje, pode-se dizer que, por ser um sovrappiù155
, o chapéu se enquadra no mercado de
luxo ou em mercados de nicho, como motivos tradicionalistas, fantasias, ou em casos como o
do câncer e seu tratamento de quimioterapia, em que as pessoas podem “trocar” seu cabelos
por esses acessórios.
Uma fatia considerável do mercado de chapéu atual é destinada ao segmento de luxo,
pois, nos gostos e costumes de hoje, é necessário ter eventos compatíveis para o acessório e
esses eventos, na maioria das vezes, são ligados à classe alta. Basta observar que o chapéu,
atualmente, é ligado aos casamentos reais, às realezas, às corridas de cavalos, aos jogos de
tênis. Continua distinguindo, como sempre o fez; mas, antes, dois chapéus eram comparados.
Hoje, quem usa o acessório distingue-se de quem não o usa, ou melhor, hoje, o chapéu
compete não com outro chapéu, mas com cabeças vazias. (Figura 57)
Figura 57 - Casamento de Kate Middleton e Príncipe
Willian em 2011
Fonte: Convidados (2011, s/p).
Na Figura 50, é possível visualizar a quantidade de chapéus presentes no evento, no
qual o objeto assume valor simbólico de luxo.
De acordo com Lipovetsky e Roux (2004, p. 132), “(…) el motivo es que el lujo no
tiene nada que ver con la razón, sino con el exceso y con las emociones extraordinarias e
intensas (…)”.156
Quando se lê essa menção de Lipovetsky e Roux (2004), percebe-se que
nenhum lugar é tão certo para colocar o chapéu atualmente quanto nessa categoria. Não que
se queira elitizá-lo, absolutamente não, mas, fora dos museus e das histórias das pessoas do
chapéu, é ali que ele pode ser encontrado com mais frequência.
Em Blumenau, o elemento e a fábrica são símbolos do progresso de uma cidade que,
155
Supérfluo. 156
O motivo é que o luxo não tem nada a ver com a razão, mas sim com o excesso e com as emoções
extraordinárias e intensas. (Tradução da Mestranda)
130
na flor de seus juvenis 75 anos de colonização, galgava rumo ao desenvolvimento. Hoje, esse
futuro preparado em 1925, tendo a fábrica de chapéus também como responsável, faz da
região um importante polo industrial do ramo têxtil e do vestuário.
Na cidade de Signa, em Florença, o chapéu é visto, até hoje, como o responsável pela
riqueza e desenvolvimento da região, um motivo de orgulho para a localidade. O valor simbólico
do acessório nessa localidade foi maior que adornar ou proteger. Foi o pão de cada dia, o dinheiro
do fim do mês, as paredes da casa, a taça de vinho, a roupa dos filhos. O chapéu formou pessoas e
deformou as mãos das mulheres que trançavam as palhas, desde cedo. (Figura 58)
Figura 58 - Mãos deformadas com passar dos anos devido aos trançados
das palhas do chapéus
Fonte: Imagem feita no Museo della Paglia e dell’Intreccio di Signa.
O chapéu é primeiramente visto como símbolo de distinção para os que estudam sobre
o adorno, porém muda sua colocação na lista de significados quando observado por meio do
ângulo do seu criador e feitor. O chapéu construtor de casas e de sonhos é visto nas duas
localidades como a cabeça, responsável por diversos progressos, tanto pessoais como
coletivos, materiais e impalpáveis.
131
5 CONCLUSÕES
Por meio de um elemento tão simbólico e, por um longo período, necessário para a
composição da indumentária, pode-se responder e compreender a relação entre o chapéu e seu
ofício na contribuição do sistema de moda e da economia das duas regiões estudadas.
Florença e Signa possuem fortes laços com a chamada l’arte del intreccio e di fare i
cappelli que, há 300 anos, compõe a rotina das pessoas que lá vivem. As habilidades toscanas
de cuidado, qualidade, bem como a criatividade e a dedicação ao artesanato, faz da região um
pequeno porta-joias de obras manuais. Basta observar somente o principal ponto da cidade, Il
Duomo – Santa Maria del Fiore, para compreender que o esmero nele retratado representa
esse grupo. Esse zelo com a beleza e com a estética reverbera em todos os labores presentes.
Dssa maneira, com o chapéu não poderia ser diferente! O chapéu está presente na região,
antes mesmo de a própria moda Florentina ser lançada e considerada como uma capital de
estilo. Esse acontecimento se deu após a Segunda Guerra Mundial, sendo Florença uma das
cidades italianas referência no tema. Nesse momento, o talento da região foi declarado para o
mundo todo, tendo seu enfoque na manualidade, no capricho, no apreço ao belo…
características já presentes na chapelaria da localidade muitos anos antes. Não se pode dizer
que o chapéu originou isso. Certamente não, mas ele serviu como antecedente de um passado
carregado de talentos manuais e cuidados, juntando a moda ao artesanato. Todavia, o
artesanato nada é sem mãos talentosas, cabeças criativas e corações emocionados. Esses
artesãos, os detentores do ofício, transformam suas ideias e sentimentos em produtos
palpáveis, além de serem os guardiões da história e das técnicas. Técnicas que fazem, até
hoje, a região de Florença ter o ramo vestuário e têxtil como um de seus pilares econômicos.
Ainda que a chapelaria tenha sofrido o declínio e as mudanças com o passar dos anos, o
chapéu ainda é presente nessa região. Prova disso são algumas fábricas centenárias que lá
ainda se encontram.
Mesmo que o chapéu tenha estado presente por pouco tempo na cidade de Blumenau,
e que sua influência tenha sido menor que em Florença e Signa, pode-se afirmar que foi
importante para o contexto atual da cidade, sendo a fábrica de chapéus uma das indústrias do
vestuário precursoras em Blumenau, ajudando a construir o atual polo têxtil e de vestuário,
uma das principais fontes econômicas da cidade. Sobre a chapelaria na cidade, hoje, é
possível apontar três resquícios: a construção arquitetônica da antiga fábrica Nelsa, a
proprietária, a Sra Ellen, um segmento do museu de hábitos e costumes, tendo a historiadora,
a Sra. Sueli também como informante. Por meio da pesquisa, pode-se notar que Blumenau
132
concentra seu pesar da moda e do vestuário na produção industrial quantitativa, pois tem seu
enfoque na produção e no mercado de massa, gerando, todavia, também muito emprego e
fomentando o campo fabril da região.
Por meio da memória coletiva das duas localidades, foi possível cumprir com os
objetivos estipulados no início das investigações, visto que se pôde catalogar as histórias e os
omportamentos presentes nas duas comunidades, relacionados com a chapelaria, bem como
compreender o ofício em questão considerando os costumes da sociedade da época e a
economia gerada pelo acessório, entender o valor da moda para cada uma das cidades assim
como a importância que a chapelaria tem, nos dois locais, no presente ano.
Tendo como base as hipóteses que circundavam o presente estudo, os prováveis
motivos do quase desaparecimento do chapéu teve inúmeras colocações, nem sempre tendo a
efemeridade da moda como ponto central. O uso do automóvel e, por isso, a falta de
praticidade do acessório ao entrar em carros cobertos, a troca do chapéu pelo foulard no post
Segunda Guerra, o desejo em mostrar os cabelos e penteados foram algumas das colocações
encontradas no decorrer da pesquisa. Existe uma classificação objetiva para o quase
desaparecimento do chapéu? Ou foi a mescla disso tudo que gerou o seu declínio? Acredita-se
que todas as colocações mencionadas possam ter gerado o quase desuso do acessório.
Todavia, dar objetividade a essa colocação seria utilizar-se de um argumento não verdadeiro,
pois muitas são as prováveis suposições. Os impactos gerados nas comunidades, após o
semidesuso do chapéu foi principalmente econômico.
Em Blumenau, ao sentir o declínio do acessório, a única fábrica fechou as portas no
ano de 1965. Já, no caso de Florença, tendo Signa como principal local do chapéu na
Província, por ter maior quantidade de fábricas e por ser um forte pilar na economia local, o
impacto econômico foi maior, gerando o fechamento de muitas empresas. No entanto,
conforme já mencionado no decorrer deste trabalho, Florença e região de Signa ainda contam
com relevantes fábricas chapeleiras. Assim sendo, apesar das dificuldades, a chapelaria ainda
é uma realidade nessa localidade e, por esse motivo, é mais fácil de encontrar pessoas
relacionadas com a chapelaria, tanto em sua história, quanto na possessão da técnica, diferente
do que ocorre na cidade a Blumenau.
Atualmente, muitos profissionais que trabalharam com a chapelaria no seu período de
ouro, em ambas as cidades, encontram-se aposentados e são muitos difíceis de serem
encontrados. Porém, mesmo já idosos, guardam histórias preciosas tanto para a história da
chapelaria, quanto para as cidades em questão, bem como as técnicas do ofício. Muitos
lamentam saudosamente a sua juventude da qual o chapéu foi companheira e protagonista.
133
Eles mencionam, também, os costumes da época, com o qual o acessório era totalmente
ligado como elemento necessário na indumentária, manifestando sua opinião sobre a moda e a
estética “muito mais bonita” daqueles anos. Em Florença e Signa, os mais jovens, que são
herdeiros dessas empresas ligadas ao chapéu, não deixam de serem nostálgicos quando o
assunto é o acessório. Contam histórias de um tempo que, muitas vezes, nem presenciaram,
mas que fazem parte das suas histórias, das histórias de suas famílias. É possível perceber que
o amor ao chapéu já estava neles antes mesmo de nascerem. Quanto ao seu retorno nos
costumes e na moda, baseando-se nas pesquisas realizadas, acredita-se, sim, em uma
reaproximação mais efetiva do objeto com os usuários. Se o seu uso será um hábito diário na
composição da indumentária é uma hipótese aberta. Todavia, a moda possui essas
particularidades de fazer um elemento ir e vir.
Utilizar a antropologia da moda e do desenho, bem como uma breve passagem da
antropologia econômica, foi fundamental para a união das duas disciplinas: antropologia e
moda. Moda como comportamento humano, se reflete diretamente no estudo central da
antropologia. Todavia, uma importante parte da moda também consiste no fator econômico
gerado por ela. Assim sendo, ficaria inevitável não abordar, mesmo que de maneira singela, a
antropologia econômica. Sendo a indumentária o corpo físico da moda, a simbologia é a sua
alma. Para compreender essa “alma” da moda, especialmente o chapéu, elemento dela,
estudado no presente trabalho, utilizou-se o método de descrição densa e interpretação, pois se
acreditou que, assim, as experiências vividas nas duas comunidades pudessem ser expressas
da melhor maneira, tendo em conta não somente as perguntas e respostas diretas, mas também
a simbologia contida nos cenários, nos personagens, nos olhares, nas palavras não ditas, no
sentimento e na memória.
Também a memória coletiva como forma de coleta de dados foi muito adequada para
esta pesquisa. Contou-se com 6 entrevistados na Itália e duas entrevistadas em Blumenau.
Pelo menos, 90% das histórias foram recorridas à memória coletiva devido à longa distância
entre o apogeu do chapéu, o seu declínio e os dias atuais. Mesmo as pessoas que, ainda hoje,
trabalham com o acessório, é inevitável não buscar apoio fundamentando-se em histórias
vividas na infância ou, ainda, mais além, nas histórias dos pais, dos vizinhos, dos conhecidos,
dos amigos, dos avós e, até, dos bisavós. Com dois personagens desta pesquisa, se teve a
oportunidade de contar com a história de vida, com os quais não somente se realizaram
entrevistas e observações, mas também se pode estar presente por um maior período, em suas
casas, compartilhando refeições, relacionando-se com a família, os amigos e conhecendo não
somente o lado profissional, mas também o pessoal. Entre as trocas de ‘máscaras’ –
134
profissional para pessoal –, foi possível analisar como um labor, um elemento de trabalho,
infleuncia a vida pessoal do indivíduo e como esse indivíduo seria sem o ofício que o
acompanhou por toda uma vida. São diversos os momentos em que a mescla é tão
homogênea, entre profissional e pessoal, entre pessoa e chapéu, que é impossível saber
quando termina um e começa o outro.
Portanto, este trabalho buscou relatar, da maneira mais verdadeira, o estudo realizado
sobre esse enigmático elemento de moda chamado chapéu e de seus companheiros de uma
vida toda: as pessoas do chapéu. Talvez as descrições pareçam sentimentais demais.
Entretanto, não se poderia deixar de passar essa parte, a parte mais relevante de todas: os
sentimentos que as pessoas do chapéu têm pelo acessório. E em relação a essas pessoas, pode-
se afirmar que o chapéu nunca sairá de suas “cabeças”. São pessoas que, mesmo não usando o
acessório físico, palpável, o portam com toda elegância e amor em suas memórias.
5.1 Utilidade da investigação
Além do resgate histórico e técnico de um antigo ofício de moda que está
desaparecendo, esta investigação busca ser um aporte, uma inspiração e o encorajamento para
futuras pesquisas, não somente sobre o chapéu ou o ofício de chapeleiro, mas, de modo geral,
que instigue a moda a ser estudada e interpretada por meio da ótica antropológica, sendo a moda
vista como um sistema, que gera fenômenos de distinções sociais, envolve o comportamento
humano, tem forte valor simbólico e representativo, praticamente desde a existência do homem.
Por meio dessa perspectiva, a moda deixa de ser vista como mera frivolidade para o campo das
ciências e passa a dar explicações do porquê a estética e a beleza são relevantes para homem –
caso não fossem, ele se vestiria somente por proteção e, talvez, pudor –, bem como sua
efemeridade, as mudanças de gostos dentro dos vários grupos e sociedades e o que faz alguns
elementos de moda tão apreciados e simbólicos em determinado período desaparecerem em
outro. Esses são somente alguns exemplos de estudos em que a atropologia da moda e do
desenho é de tamanha relevância para o desenvolvimento de novas pesquisas.
5.2 Limitações
O presente trabalho contou com duas limitações: uma de caráter bibliográfico e outra,
na restrita quantidade de pessoas para entrevista, de especial modo na cidade de Blumenau.
135
Além disso, por ser uma linha de pesquisa consideravelmente nova na antropologia, a
antropologia da moda e do desenho, conta com um número restrito de bibliografia, por esse
motivo, buscou-se em sociólogos e filósofos, como Bourdieu (2004, 2007), Lipovetsky (1990,
1996, 2007), Barthes (2003), Svendsen (2004), os apoios literários necessários.
Não somente a literatura relacionada à antropologia da moda foi um desafio para a
pesquisa. Livros e artigos relacionados ao ofício da chapelaria também foram de difícil
acesso. Sobre o chapéu e as palhas trançadas na Província de Florença, graças ao Museo della
Paglia e dell’Intreccio di Signa, publicações a respeito do assunto podem ser encontradas.
Todavia, para os estudos da chapelaria na cidade de Blumenau, esses materiais científicos são
quase inexistentes.
A maioria das pessoas que trabalhou na Fábrica de Chapéus Nelsa, de Blumenau, já
está falecida. Outras foi impossível localizar. Os habitantes da cidade, muitas vezes, nem
sabem da passada existência de uma fábrica de chapéus. Assim sendo, pode-se contar somente
com dois depoimentos sobre ela.
5.3 Futuro das investigações
Esta pesquisa serviu como inspiração e base para prosseguir com estudos relacionados
ao quase desaparecimento do chapéu e de seu ofício, com enfoque em outras cidades ou
regiões que tiveram esse trabalho como fonte econômica. Notou-se que também a Espanha
possui forte ligação com o acessório e com a tradicional técnica da chapelaria, bem como a
cidade de São João da Madeira, em Portugal, ambas com o mesmo discurso do semidesuso do
chapéu e do quase desaparecimento do ofício. Ressalta-se, também, o interesse em investigar
outras cidades, como Londres, detentora, também, das antigas técnicas. Estima-se, entretanto,
que possua um mercado mais amplo para absorver o chapéu, fundamentando-se na quantidade
de pessoas que ainda usam o acessório, bem como pelo número de chapeleiros ainda ativos
nessa localidade.
O chapéu foi o precursor das pesquisas de elementos de moda que estão em seu quase
desaparecimento. Porém, muitos são os objetos de moda que passam pelo mesmo caminho,
assim como os ofícios. Compreender o porquê desses desaparecimentos; o que fez o chapéu
ser usado em um determinado momento e estar no completo esquecimento hoje; como eram
as sociedades nos determinados períodos; quais os valores simbólicos, sociais, econômicos e
estéticos contidos no elemento; qual o peso da moda na sociedade estudada; como isso se
136
reflete na categoria; e o resgate de memórias e técnicas são somente alguns pontos-chave para
futuras pesquisas que envolvam esses elementos e seu semidesuso.
Portanto, manifesta-se o interesse em prosseguir com estas pesquisas de moda,
estudadas por meio da antropologia, tendo sempre o ser humano como espinha dorsal das
investigações e como se relacionam com esses objetos.
137
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147
APÊNDICES
148
Apêndice 1 - Perguntas para guiar a Entrevista Dirigida Indireta
Entrevista realizada de modo dirigido indireto, sendo estas algumas perguntas-chave. Muitas
vezes, por utilizar esse método de entrevista dirigida indireta, surgiam perguntas inesperadas
no decorrer da investigação.
1) Que clientes tinham/tem*?
2) Quem usava/usa os chapéus?
3) Para que usavam/usam?
4) Fazer um chapéu, é o mesmo que fazer qualquer peça de roupa?
5) Existe na cidade algum traço da chapelaria (nomes de ruas, praças, construções…)?
6) Quando o chapéu iniciou seu declínio?
7) Quando foi o auge do acessório?
8) O que recpresentava o chapéu, em seu apogeu, no ultimo século?
9) O que representa o chapéu para você?
10) Onde usavam/usava o chapéu?
11) Como era /é o mercado desse acessório?
12) Por que você acredita que o chapéu entrou em quase desuso?
13) Quais eram os preços dos chapéus em seu apogeu do século passado?
14) Você acredita que existe mercado ainda para esse acessório?
15) Como era o período em que o chapéu vivia seu apogeu?
16) Como era/é viver dessa arte?
*Muitas perguntas estão no tempo presente dependendo de quem foi entrevistado.
149
Apêndice 2 - Carta de Consentimento Livre e Esclarecimento
Prezado(a) participante:
Por meio deste, eu Gabriela Poltronieri Lenzi, mestranda do curso de Antropologia de
Iberoamerica da Universidad de Salamanca – Espanha, convido-o a participar da pesquisa
intitulada: Memórias de Pessoas e de Chapéus (Blumenau e Florença), cujo objetivo é
compreender, através da memória coletiva, de que forma a chapelaria tem contribuído para o
sistema de moda assim como para a economia, das regiões de Florença, Itália, e Blumenau,
Brasil, no século XX até os dias atuais.
Sua participação nesse estudo é voluntária e por esse motivo, as entrevistas serão gravadas por
uma câmera bem como serão realizadas fotografias dos participantes no momento das
entrevistas. Estas entrevistas têm a finalidade de coletar dados, com perguntas dirigidas
indiretas para de compreender o ofício da chapelaria, bem como todos os atributos
relacionados aos acessórios.
Esta entrevista não oferece nenhum risco ou dano ao participante, sendo que a responsável
pela pesquisa garante aos participantes, a genuinidade e a veracidade das informações
concedidas.
Pelo presente Termo, eu___________________________________________ consinto a
minha participação desta pesquisa que será realizada sob a responsabilidade da mestranda em
Antropologia de Iberoamerica, Gabriela Poltronieri Lenzi, orientada pelos Professores
Doutores Angel B. Espina Barrio e Mario Helio Gomes de Lima.
Quaisquer dúvidas relativas à pesquisa poderão ser esclarecidas pela pesquisadora no telefone
(+5547) 9909-6186 ou por correio eletrônico [email protected].
__________________________ ____________________________
Assinatura do Participante Assinatura do pesquisador
_________________________________
Local e data
150
ANEXO
151
Anexo 1 - Planilha de empresas no ramo de acessórios da localidade de Signa, das 24,
aproximadamente 17 trabalham com chapelaria
Fonte: Dados cedidos pela Camera di Commercio di Signa.