gatos e homens - mama san ra-ab rampa
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GATOS E HOMENS
Mama San Ra'ab Rampa
Tal como em seu primeiro livro, MENTE FELINA , publicado pela Record,
Mama Rampa aborda em GATOS E HOMENS temas transcendentais, profundos,
mais uma vez imprimindo ao seu texto um característico tom leve e ameno.
O budismo — mais como filosofia de vida do que como religião — muitas
reminiscências do tempo da Segunda Guerra Mundial na Inglaterra, extraordinárias
e, às vezes, divertidas passagens autobiográficas das quais se evola um perfume de
outras épocas, incidentes descritos com ternura e senso de humor, envolvendo
gatos tão ilustres como Mr. T. Catt, Miss Cleo, Miss Tadalinka, Miss Kuei, tudo isso
se reúne para formar estranha mas fascinante tapeçaria contra a qual se recorta a
proposição central do livro.
GATOS E HOMENS é uma narrativa rica de experiências e vivências,
cheia de conselhos utilíssimos e curiosos, especialmente quando se referem aos
cuidados a serem dispensados ao "povinho felino", como a autora lhe chama.
Mama Rampa nos ensina neste seu novo livro o que é a transmigração, diz-nos
como se deu a "partida" de Cari e como foi o "advento" do Dr. Rampa, a autora
mantém a teoria de que a morte não representa o fim e afirma que os gatos têm uma
importante missão a Cumprir na Terra — coisa que pessoas de baixa vibração não
podem compreender.
GATOS E HOMENS é, em suma, um livro para ser lido com grande
deleite por pessoas de altas vibrações, pois segue uma linha filosófica próxima da
que o famoso T. Lobsang Rampa, marido da autora, prega em suas obras, também
publicadas pela Record.
Capa: Foto Abril Press
RECORD
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GATOS E HOMENS
por
Mama San Ra'ab Rampa
Tradução de
VERA NEVES PEDROSO
EDITORA RECORD
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Título original norte-americano
TIGERLILY
Copyright © 1976 by Sarah Rampa
Direitos de publicação exclusiva em língua portugue sa no Brasil
adquiridos pela
DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVIÇOS DE IMPRENSA S.A.
Av. Erasmo Braga, 255 — 8.° andar — Rio de Jan eiro, RJ
que se reserva a propriedade literária desta traduç ão
Impresso no Brasil
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Um pensamento
Só quem é capaz de ver o invisível
É capaz de conseguir o impossível.
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"Há mais coisas entre o céu e a terra do que a gente pode
supor ."
Shakespeare
http://groups.google.com/group/digitalsource
Este livro e dedicado ao Capitão-Médico Reginald
Thompson, da Marinha Real Britânica, já falecido,
que muito me ajudou e que continua a me ajudar
do lugar onde se encontra.
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A pena é mais poderosa
do que a espada.
Alimentai a mente com grandes pensamentos,
pois jamais subireis mais alto do
que sois capazes de pensar.
Disraeli
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Índice
Capítulo 1....................................................................................................................8 Capítulo 2..................................................................................................................12 Capítulo 3..................................................................................................................16 Capítulo 4..................................................................................................................22
UM PEQUENO SKETCH.......................................................................................25 Capítulo 5..................................................................................................................28 Capítulo 6..................................................................................................................34 Capítulo 7..................................................................................................................40 Capítulo 8..................................................................................................................46 Capítulo 9..................................................................................................................51 Capítulo 10................................................................................................................57 Capítulo 11................................................................................................................63 Capítulo 12................................................................................................................69 Interlúdio....................................................................................................................76 Capítulo 13................................................................................................................84 Capítulo 14................................................................................................................89 Capítulo 15................................................................................................................94 Capítulo 16...............................................................................................................99 Capítulo 17..............................................................................................................105 Capítulo 18..............................................................................................................113 Capítulo 19.............................................................................................................123 Capítulo 20..............................................................................................................128 Capítulo 21..............................................................................................................134 Capítulo 22..............................................................................................................140 Capítulo 23..............................................................................................................148
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Capítulo 1
Tive a boa sorte de nascer numa época em que a família ainda tinha
significação, em que as mães se realizavam dentro do seu lar e não tinham
necessidade de uma segunda ocupação para se sentirem perfeitamente integradas
como seres humanos. A coisa mais difícil era voltar da escola e encontrar a casa
vazia: mamãe estava sempre em casa, ora costurando, ora fazendo crochê (arte que
me ensinou quando eu ainda era bem menina) e havia sempre um ótimo chá
esperando pelas crianças esfomeadas.
Como eu era voluntariosa, sem dúvida uma disciplina um pouco mais
firme não calharia mal — mas mamãe era toda bondade e doçura.
Os momentos mais felizes eram passados quando o dia já estava
terminando e a noite se aproximava, antes da hora de acender as luzes.
Mamãe gostava de recitar esta quadrinha:
"Entre a escuridão e a luz do dia,
Quando a noite começa a cair,
Há uma pausa nas tarefas diárias,
Que é a chamada hora das crianças."
Ela fazia questão de dedicar muito do seu tempo aos filhos e de cuidar
das suas necessidades mentais e espirituais, bem como do seu bem-estar físico.
As coisas que se aprendem na infância parecem ficar para sempre na
lembrança, permanecem muito mais do que num computador com o seu "banco de
memória". Eu gostava de ir à escola, gostava de estudar — mas isso fazia parte do
cotidiano, era algo que se tinha que fazer. Do que eu realmente gostava era de ouvir
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mamãe contar histórias verdadeiras sobre a família e os parentes próximos. Como
parecem estar longe, já que estou agora escrevendo isto num apartamento de um
edifício, aqueles dias em que o lar era uma casa, onde a gente se sentava junto à
lareira, nas longas noites de inverno!
À medida que minha mãe ia contando, com sua voz calma e pausada, eu
imaginava uma menininha dos seus cinco anos, sendo levada para morar com a
avó, que vivia muito longe da cidade grande onde a menina nascera e morava.
Embora eu nunca tivesse me separado da MINHA família, procurava sentir o que
seria, para uma meninazinha, adaptar-se à vida numa aldeia, com pessoas que lhe
eram estranhas, embora fossem parentes. Minha mãe contava pouca coisa sobre o
avô, mas a avó aparentemente se esquecera de tudo o que uma menina pequena
poderia necessitar.
A princípio, a ida da menina fora encarada como algo apenas temporário,
enquanto a mãe se recuperava de uma doença grave. Mas os dias foram-se
passando, depois semanas, meses e anos, e minha mãe nunca mais voltou ao lugar
onde nascera, por isso acabou considerando os primos mais como sua família do
que os seus irmãos e irmãs.
Olhando para trás, lembro-me ainda de algumas interessantes
experiências e histórias que ela costumava contar. Naqueles dias, eu achava que
eram apenas "sonhos diferentes" mas, à luz de acontecimentos posteriores, acho
que minha mãe era capaz de ver o futuro. Contou-nos como, num sonho, vira o que
chamou de carruagens sem cavalos, e isso quando ela era bem menina, isto é,
antes do começo deste século. Além dessa capacidade de prever o futuro, acho que
ela também via o passado, pois nos contou de como vira vasilhas cheias de luz de
uma brancura fora do comum — e de como, em sonho, visitara uma cidade de uma
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civilização anterior. Também via pessoas, só que elas não ficavam paradas,
moviam-se, avançavam para ela.
Os trabalhos de agulha e a leitura eram a nossa principal recreação e
acho que o meu amor pelas citações e pelos provérbios — interesse que continua
até hoje — vem desses dias. Antes de saber ler, adorava que lessem para mim, e
histórias como A Pequena Nell e A Cabana do Pai Tomás proporcionavam alimento
de sobra para a minha imaginação.
Mais tarde, passei pela usual fase "adolescente" das novelas românticas,
identificando-me com as alegrias e as decepções dos personagens de Hall Caine e
de Ethel M. Dell. Certa vez, eu estava devolvendo um livro à biblioteca da escola, e
todo mundo caiu na risada, ao me ouvir dizer:
— Trouxe de volta O Topo do Mundo.
— Você deve ser um bocado forte! — comentou uma voz sarcástica.
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Procurei a minha alma
Mas não a pude ver.
Procurei o meu Deus
Mas Ele me escapou.
Procurei um amigo
E encontrei os três.
William Blake
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Capítulo 2
Tive também a boa sorte de casar com alguém interessado em algo mais
do que os aspectos materiais da vida. Ele, a quem chamarei Cari, era uma pessoa
muito sensível e, desde o nosso primeiro encontro, tivemos a certeza de que os
nossos caminhos já se haviam cruzado antes. Quase não tínhamos necessidade de
palavras, pois éramos, por assim dizer, capazes de ler os pensamentos um do outro.
"Que chato!", pensarão alguns; mas, quando não há nada a esconder, esse é, sem
dúvida, o meio mais simples de comunicação. Há quem diga que, quando duas
pessoas vivem juntas durante muitos anos, vão aos poucos ficando parecidas
fisicamente e se entendendo perfeitamente, sem precisar falar. Nós como que
tomamos um atalho e, em vez de esperar pelo fim da vida, começamos logo a nos
entender e a nos beneficiarmos desse entendimento.
A primeira tarde que passamos juntos foi uma alegria para ambos — uma
data a ser recordada para sempre.
Enquanto contemplo a paisagem norte-americana, relembro um dia
maravilhoso, na Inglaterra. Foi no fim do verão, em meados de setembro, que as
vidas de duas pessoas destinadas a se encontrar tomaram um rumo decisivo.
Havia um homem, na Inglaterra, que quando tinha de escrever algo
desagradável numa carta avisava antes:
— Se não gostar do que se segue, por favor, leia com os olhos fechados.
Acho que vou fazer uma sugestão semelhante. Quem não acreditar em
astrologia, feche os olhos, porque vou contar algo para quem acredita:
Um eminente astrólogo, conhecido em todo mundo, que se interessou em
nos fazer um horóscopo, disse:
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— O encontro de vocês era inevitável. Saturno está na mesma casa, em
ambos os horóscopos, sinal de união duradoura e profunda.
Este astrólogo era muito cuidadoso no que predizia, conhecia bem as
fraquezas da natureza humana e a responsabilidade da sua profissão, e parecia
algo perplexo com certas coisas que via nos nossos horóscopos. Tendo em vista as
experiências incomuns por que passaríamos nos dias e semanas seguintes, isso
não era de espantar. Percebia-se que, embora nem sempre víssemos da mesma
forma as coisas do dia-a-dia, não havia dúvida de que, nas coisas mais profundas e
mais permanentes, tínhamos o mesmo ponto de vista. Essa certeza sempre me
sustentou através dos altos e baixos, das subidas e descidas da gangorra que é a
vida a dois. Sabia que, por trás de tudo, havia um propósito e, mesmo quando tudo
parecia negro, tinha a certeza de que todas as vicissitudes valeriam a pena.
Poucos dias depois de nos conhecermos, Cari quis que eu conhecesse a
mãe dele, com quem morava. De aspecto algo atemorizante, com opiniões
inabaláveis sobre muitos assuntos, ela mostrou-se amável comigo, mas eu sempre
tive a impressão de que ressentia a minha aparição em cena. Como acontece com
muitas mães, queria conservar o filho só para si, embora nunca tivesse demonstrado
nenhum afeto especial por ele. Provavelmente, queria apenas se agarrar a algo que
corria o perigo de perder. Eu tinha a certeza de que suportaria tal situação, pois era
natural um rapaz querer encontrar a felicidade com uma moça, e sentia que
estávamos fazendo o que fora traçado para nós. Havia já alguns anos que me
defendia sozinha, de modo que tinha experiência em enfrentar diferentes situações e
aquela era apenas uma a mais. Não sei por que, mas por diversas vezes, na minha
vida, tive que me haver com a "animosidade" de várias mulheres, e há ocasiões em
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que me pergunto se isso não me acompanhará até o fim da vida. O astrólogo deu a
isso o nome de ciúme!!!
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A melhor parte da vida
de uma pessoa
está nas suas amizades.
Abraham Lincoln
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Capítulo 3
A maneira pela qual eu e meu futuro marido acabamos nos encontrando
foi interessante, embora tudo indicasse ter havido várias tentativas, por parte dos
"poderes ocultos", no sentido de que isso acontecesse. Acabamos sendo
apresentados por um homem, conhecido de ambos, que afirmou ter tido como que o
palpite de que caberia a ele aproximar-nos. Isso mostra que devemos sempre seguir
as nossas intuições, ou, pelo menos, não rechaçá-las sem antes pensar bem; e que
ninguém deve, jamais, considerar-se demasiado insignificante para atuar como
instrumento no plano geral das coisas. A certa altura da vida, eu tinha uma atitude
bastante depreciativa quanto às minhas próprias capacidades e a tendência a seguir
os conselhos dos outros — achando que eles sabiam muito mais do que eu — mas
sofri por causa disso. Hoje em dia, sei que devo me responsabilizar pelas minhas
crenças e pelos meus atos. Graças a isso, adquiri um bocado de confiança em mim
mesma.
A primeira vez que eu e Carl nos vimos foi num sábado, em setembro, e
logo sentimos que já tínhamos estado juntos antes. Era como se cada um de nós
tivesse voltado de uma viagem e fosse reencenar a vida a partir de onde a tínhamos
deixado, após termos nos afastado para cumprir as nossas respectivas missj5es.
Naquele primeiro dia e nos dias que se seguiram, muitas vezes eu ia começar a
dizer algo... fazer algum comentário ou perguntar alguma coisa.. e logo estacava,
dizendo: — Ora, mas eu já disse isso! — ou — Já lhe perguntei isso antes!
Onde e quando nos tínhamos conhecido? Desse tempo até hoje, acho
que fiquei bem mais esclarecida a respeito dessas coisas e muitas vezes desejei ter
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tido, naquela época, um pouco mais do conhecimento e da compreensão que depois
me seriam concedidos.
Esse foi o primeiro de muitos agradáveis interlúdios, em que
costumávamos caminhar ou sentar junto ao rio, tomando chá numa das muitas
confeitarias ao ar livre, ao longo das margens do Tamisa, perto de Londres.
Costumávamos também tomar um barquinho a remo e passar uma hora passeando;
quando eu caí na água Carl riu muito, embora para mim o incidente nada tivesse de
divertido.
Apesar de, na ocasião, nos parecer que não havia outra escolha, no dia
em que resolvemos ir morar em Weybridge, tomamos uma decisão infeliz: o lugar
não combinava conosco e, olhando para trás (expressão que ficou muito popular
desde o Watergate ..), compreendemos que tínhamos cometido um erro.
Contudo, "o homem põe e Deus dispõe", e não se podia viver em Londres
sem trabalhar, pelo menos, não se podia no tempo sobre o qual escrevo; porque, a
julgar pelo que se ouve dizer a respeito da assistência social, dos fundos de
desemprego e dos vários benefícios e auxílios concedidos .. talvez seja possível,
hoje em dia, viver em Londres sem trabalhar.
Como aconteceu com muita gente, a guerra de 39/45 veio alterar em
muito a nossa vida. O lugar onde Carl trabalhava como gerente foi bombardeado e
muitas mudanças tiveram que ser feitas. Uma manha, ele saiu de Knightsbridge,
como de costume e, ao chegar a Conduit Street, encontrou toda a área cercada e a
polícia impedindo as pessoas de entrar. Após explicar o seu caso a um oficial de
polícia, ele pôde passar e alcançar os escritórios da companhia de instrumentos
cirúrgicos, que fora atingida por uma bomba.
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Quando a gente afasta a neblina da memória é que percebe quão
horríveis eram aqueles tempos. O edifício de apartamentos (ou bloco de
apartamentos, como o chamavam) em que morávamos também foi atingido por uma
bomba, para meu grande susto. Nervosa, gritei por Carl, com medo que o prédio
viesse abaixo; mas ele demorou muito a aparecer, embora eu sacudisse
alucinadamente a maçaneta da porta, pois fazia algo que ninguém podia fazer por
ele. A bomba fez com que todos os inquilinos fossem evacuados do edifício até a
manhã do dia seguinte. Demos graças a Deus por conhecer alguém que nos
pudesse acomodar e rumamos para Earl's Court, onde caímos direto na cama.
Muitas vezes comentei que o melhor café da manhã que jamais tomei foi naquele
dia, quando voltamos para o nosso apartamento e fizemos uma refeição com bacon,
ovos e salsichas. Aparentemente, havia o risco de um escapamento de gás e não
seria prudente permitir que alguém pernoitasse no edifício.
Muitas vezes nos perguntaram como conseguíamos dormir, em meio a
ataques aéreos tão perigosos e barulhentos, e custam a acreditar que eu fosse
capaz de dormir apesar de tudo. Nunca me preocupei em saber se estaria viva ou
não no dia seguinte e não me esquecerei da noite em que Carl me despertou (nós
ainda não estávamos acostumados aos bombardeios) durante um ataque aéreo,
particularmente barulhento, para me dizer que eu não devia dormir tão
profundamente.
— Se você morresse de uma hora para a outra — disse ele — levaria
muito tempo para saber o que lhe tinha acontecido, de modo que é melhor estar
acordada e consciente do que está acontecendo .
Esfreguei os olhos e pensei naquilo. Quanto mais pensava, mais sentido
o que ele dissera fazia... a tal ponto, que desde então nunca mais isto me saiu da
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cabeça. Desde que não esteja com algo que me incomode ou com alguma dor, nem
uma bomba é capaz de me acordar; evidentemente, devo descer a um "nível" muito
profundo no sono, o que me faz um bem enorme. A maneira pela qual eu durmo, o
nível de sono alcançado, determina o meu estado e a minha eficiência no dia
seguinte.
Ainda no mês passado, dois ou três carros de bombeiros foram chamados
à minha rua pela madrugada, e devo confessar que não ouvi nada — só soube do
que tinha acontecido quando me contaram. Dormir profundamente não quer dizer
que a gente durma a noite inteira... no meu caso, durmo apenas algumas horas, no
máximo três, o que me parece ser mais benéfico do que dormir oito horas seguidas.
O falecido Sir Winston Churchill aparentemente também achava isso
suficiente — juntamente com os seus "cochilos" diurnos.
Achei interessante o que li no Livro do Sono, do Dr. James Paupst. Diz
que "algo parece estar faltando nas pesquisas sobre o sono feitas até agora".
Escreve ele:
"Se os cientistas resolvessem não só olhar — como
quem está de fora — para essa outra vida que levamos à noite,
mas tomar parte nela, como Alice no País das Maravilhas
atravessando a porta mágica, talvez pudessem obter alguma
prova real. Porque, se existe uma outra vida, ela pode ser mais
'real' do que aquela que vivemos. Quem sabe que papéis cada
um de nós desempenha nela? Quem pode registrar as nossas
atividades e as nossas reações?"
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Ao ler esse livro, lembrei-me de um incidente ocorrido durante a nossa
estada em Surrey, quando Carl certa manhã me perguntou:
— Que é que você estava fazendo, enquanto dormia?
— Por quê? — retruquei, curiosa.
— Bem — sorriu ele — você disse que ia mandar pintar o nosso carro de
azul.
Aquilo me fez pensar, pois não me lembrava de nada.
— Você falou claramente — continuou ele — e quando lhe perguntei por
que, respondeu que ia pintá-lo de azul porque era dessa cor que o carro de Warwick
Deeping ia ser pintado.
Mais tarde, nesse mesmo dia, estávamos folheando uma revista e, para
nossa surpresa, vimos uma referência ao carro AZUL de Warwick Deeping.
Quem era Warwick Deeping? Um escritor que estava na moda, embora a
sua obra apresentasse um estilo bastante empolado. Deeping era um mero
pseudônimo, não o seu nome verdadeiro.
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Se aceito o sol
e o calor,
devo também aceitar
o trovão e o relâmpago.
Kahlil Gibran
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Capítulo 4
O dono da companhia de material cirúrgico achou pouco prudente
continuar em Londres, pois não havia forma de garantia contra os ataques aéreos.
Começou a procurar um lugar mais seguro, escolhendo, por fim, um local na área de
Midland, um bocado distante de Londres.
Ouvimos falar em outra companhia que também tinha saído da cidade
devido à guerra e se mudado para Weybridge, em Surrey. Soubemos que estavam
precisando de funcionários. Exigiam uma entrevista pessoal, de maneira que, após
termos marcado hora, para lá nos dirigimos de ônibus, chegando antes do Diretor-
Gerente. Carl teve que esperar enquanto eu descia à rua a procura de um café...
onde esperei o que me pareceu horas intermináveis pelo meu marido. O Diretor-
Gerente (que era também o patrão, o dono) esquecera-se da entrevista, por isso
chegara tarde. Mas, aparentemente, ficara impressionado com a experiência e a
capacidade de Carl e resolvera dar-lhe o cargo.
Eram raras as pessoas que se dispunham a se embrenhar em Weybridge,
principalmente quando acostumados à vida em Londres. Nós também não
achávamos muita graça, mas não havia mais nada em vista, tínhamos de
aceitar; qualquer coisa.
A firma era uma espécie de instituto de Tecnologia por correspondência e
não faltavam alunos, pois todo mundo queria estar bem preparado para o futuro e
procurava ampliar os seus conhecimentos. Em tempos de guerra, as pessoas se
preocupam muito com o futuro, interrogando-se a respeito das condições do pós-
guerra e acham que, aumentando os seus conhecimentos, terão melhor chance de
arrumar um bom emprego.
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A firma floresceu durante alguns anos é, embora os ordenados do
pessoal deixassem muito a desejar, parece que o dono não demorou a ficar
milionário. Como tantas vezes acontece, não conseguia entender que os seus
empregados também precisavam de dinheiro.
Mais tarde, viemos a saber que, se tivéssemos esperado mais um pouco,
outras oportunidades se teriam apresentado e uma oferta muito mais satisfatória
poderia ter surgido. Se as pessoas em geral tivessem o dom de prever as coisas,
como as suas vidas seriam melhores! Ou não? Parece tão fácil escolher o caminho
errado...
O verão provou ser bem mais agradável, porque podíamos alugar um
bote e remar no rio Wey. Mas isso só foi possível depois de seis ou sete meses, pois
tínhamos nos mudado numa época horrível, em pleno novembro.
Íamos sentir falta dos passeios nos parques, e dos fins de semana
passados em Green Park e nos jardins de Kensington. Carl adorava visitar museus,
principalmente o Museu de Ciências, em South Kensington; quanto a mim, gostava
de ir ao museu de cera de Madame Tussaud e também, de vez em quando, de
jantar fora. Um dos nossos lugares prediletos era o Empire Restaurante, em Victoria
Street, onde íamos às vezes, depois que Carl saía do escritório... e muitas vezes
fiquei pensando se ele não faria isso por minha causa, para me dar prazer. Sabia
que ele gostava muito de cinema, de modo que sugeria irmos a um, antes do voltar
para casa.
Nosso vizinho mais próximo, em Weybridge, era um jardineiro, que
morava com a mulher numa pequena casa e tinha uma horta onde cultivava vegetais
para si e seus "fregueses". Não devia haver nada de ilegal nisso, mas ele não
parecia contente em ter vizinhos (nós) capazes de observar as suas atividades. As
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coisas entre nós corriam mais ou menos bem, excetuando-se a sua queixa de que
um gato — que ele achava ser o nosso — vinha-lhe cavando os canteiros de flores e
hortaliças.
Certa manhã, muito cedo, fomos acordados por batidas fortes na porta e
uma voz agitada. Abrimos a porta e demos com a mulher do jardineiro, muito
nervosa, vestindo apenas uma camisola. Suplicou-me que a acompanhasse, pois
achava que o marido estava morrendo e queria a minha opinião. Vi-a tão aflita, que
não pude deixar de aceder, embora ela e o marido não tivessem senão mostrado
ressentimento contra nós. Enfiei um robe e dirigi-me com ela para a casinha, cuja
soleira atravessei pela primeira vez. Fiquei um momento olhando para o jardineiro e
vi que era demasiado tarde e que nada havia a fazer, pois o espírito já se havia
desligado do seu corpo. A mulher olhou para mim, compreendendo aos poucos o
que acontecera. Consolei-a, enquanto ela ia gradativamente recuperando o
autocontrole e procurando se comunicar com o médico e os parentes.
Deve ser uma das situações mais tristes essa em que um dos cônjuges é
de repente levado (a maioria das pessoas não sabe para onde), enquanto o outro
fica na Terra, enfrentando a vida sozinho.
Neste caso em particular, o varal de roupa do quintal dos fundos foi
conservado por muito tempo como estava, quando normalmente a corda era retirada
tão logo a roupa estivesse seca. Isso porque o varal fora uma das últimas coisas que
o jardineiro colocara, e a esposa não se sentia com forças para recolhê-lo pois
achava que a ajudava a manter contato com o marido.
Muitas vezes me pergunto por que razão não somos instruídos para
aceitar a morte, por que não nos dizem que a morte é uma coisa natural e não o fim.
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A maioria dos jovens de hoje parece ter uma concepção confusa do que seja a
morte, mas o que eles hão de fazer, se não há ninguém para lhes ensinar?
UM PEQUENO SKETCH
A calçada era fria e dura ao contato do seu corpo, que caiu do alto de
vinte andares e ficou ali, imóvel, à mercê do vento gélido e da curiosidade mórbida
dos transeuntes.
Teria ele nascido com a Lua na oitava casa, sinal de morte em lugar
público?
Depois que os três carros da polícia foram embora e o corpo levado para
o necrotério, a calcada foi lavada e os curiosos, aos poucos, se dispersaram.
Perto dali vivia um avatar e, após algumas horas, o espírito do jovem
chegava diante do Grande Ser.
— Onde estou? — perguntou o jovem, que não vivera mais de dezoito
anos. — Vim até aqui porque vi uma luz de compreensão, mas a primeira criatura
que encontrei foi um gato.
Com uma expressão intrigada, acrescentou que achava que devia estar
doido, pois tinha entendido o que o gato lhe dissera.
O avatar olhou para o rapaz com simpatia e perguntou-lhe por que estava
tão preocupado (o jovem parecia ignorar tudo o que se relacionasse com a morte e
não podia aceitar o fato de estar realmente morto).
— Você nunca ouviu falar na vida após a morte? — indagou o avatar. —
Não acredita em Deus?
— Ora — retrucou o jovem — isso é um conto da carochinha!
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A fim de convencê-lo de que estava morto, sugeriram que o rapaz fosse
até a capela fúnebre e visse o seu corpo.
Quando ele voltou, disse:
— Puxa, que lugar tão cheio de defuntos!
O avatar suspirou, com pena do jovem, e dedicou muito tempo à procura
de um modo de fazê-lo compreender tudo aquilo. Acabou conseguindo, e o jovem
ficara perplexo ante a sua falta de ensinamentos religiosos.
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Se desejas ver os vales,
Sobe ao topo da montanha;
Se desejas ver o topo da montanha,
Sobe a uma nuvem;
Mas, se quiseres compreender a nuvem,
Fecha os olhos e pensa.
Kahlil Gibran
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Capítulo 5
Weybridge era bastante movimentada durante os anos de guerra. A
Fábrica de Aviões Vickers Armstrong ficava nas vizinhanças, proporcionando
emprego para milhares de pessoas. Todas as manhãs, à hora do café, a avenida
onde morávamos ficava cheia de carros, caminhões e bicicletas — todos a caminho
da Vickers. Uma hora depois, a rua estava quase totalmente deserta. Sim, nunca
podíamos esquecer a guerra! Havia também o hipódromo de Brooklands, situado
também no distrito de Weybridge, e conhecido em todo o mundo.
Aquele foi um período bastante sossegado para nós, pois não fazíamos
muita vida social e tínhamos poucas visitas. Carl não gostava de vida social e o
patrão estava sempre censurando-o por isso. Se alguém quiser triunfar nos negócios
ao que parece, deverá fumar, beber e ser sociável, o que quer que isso signifique!
Alguns dos meus conhecidos vinham nos visitar "naqueles cafundós" e
ainda me lembro de uma enfermeira que contrariara os regulamentos do hospital em
que trabalhava e se casara recentemente com um dos seus pacientes. Embora não
me recorde mais do seu nome, tenho várias razões para me lembrar dessa moça,
uma delas é o fato de que era uma excelente enfermeira, admirada por todos. Antes
de se casar, seu marido sofrera um acidente de motocicleta e tivera uma perna,
amputada. Durante o tempo em que ficara hospitalizado, sob os cuidados
proporcionados pela enfermeira, ele se apaixonara por ela. Após ter recebido alta do
hospital, tinham-se encontrado várias vezes, depois do expediente, e não tardou que
os dois se casassem. Por esse tempo, um conhecido ator de cinema também tivera
uma perna amputada e recorrera a uma perna artificial. Minha amiga e seu marido
passavam horas no cinema, estudando os movimentos de perna do ator, a ver se
podiam tornar as coisas mais fáceis para eles.
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Eu ia dizer que não me lembrava do nome do ator mas, de repente, as
pulsações elétricas dentro do meu crânio "estalaram", trazendo à tona o nome de
Herbert Marshall — famoso ator britânico desse tempo.
Outra pessoa com quem mantínhamos contato era o Dr. Murray,
patologista. Sempre que nos encontrávamos nas proximidades, íamos até o hospital
onde ele trabalhava, para bater um papo. O Dr. Murray era um homem muito culto,
autor de vários livros e candidato a um lugar no parlamento britânico; mas, como nós
não gostávamos do partido que ele representava, não ficamos aborrecidos quando
ele não conseguiu os votos suficientes. Teria sido muito triste um médico brilhante
desperdiçar o seu tempo com política.
O Dr. Murray não está mais no plano da Terra — mas será sempre
recordado com afeto.
Não gostamos de nos lembrar da guerra. Não tínhamos nenhum prazer
em morar perto de uma fábrica de aviões, o que para certas pessoas é uma fonte de
glamour artificial. Os salários são altos e o homem comum, o chamado Homem-da-
Rua, pode ascender a um status que nunca seria capaz de alcançar em tempos de
paz.
Além dos aviões Vickers Viscount, a fábrica Vickers de Brookland também
fabricava o Bombardeiro Wellington (o Wimpey), que foi o primeiro avião geodésico.
Fabricava também um dos primeiros aviões anti-submarinos dotados de radar, que
no alto mostrava uma coisa parecida com um disco voador, e costumava sobrevoar
o mar à noite, quando os submarinos vinham à superfície para recarregar as
baterias. O radar possibilitava-lhe detectar os submarinos e lançar contra eles as
suas cargas de profundidade.
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Não há prazer em reviver os horrores da guerra, com todo o seu ódio e
desentendimento e a gama de sofrimento que ela acarreta. Bastava se passar pelo
Lar dos Inválidos, perto de Richmond Park, para se ter idéia de como os homens
podem ser maus uns com os outros. Todos aqueles inválidos e aleijados tinham sido
vítimas da Primeira Grande Guerra.
Vivendo relativamente isolados, tínhamos mais tempo para pensar, ler e,
à noite e nos fins de semana, explorar os arredores, pedalando as bicicletas que
tínhamos trazido de Londres. Muitas vezes íamos de bicicleta até Walton-on-Thames
ou, em direção oposta, até um lugarejo chamado Addlestone (perto de Chertsey).
Outras vezes, tomávamos o trem e íamos até Woking ou Guildford. Um dos médicos
mais encantadores que jamais conheci morava em Woking. Era irlandês e, devido à
sua capacidade como médico e à sua atitude naturalmente humanitária, a maioria
dos seus clientes achava que tinha muita sorte em ser tratada por ele. Esse
autêntico CAVALHEIRO partiu para um plano mais elevado, com a certeza de que a
sua passagem pela Terra não foi em vão.
Um dia, estávamos pedalando na direção de Heath Road, a caminho de
casa, quando passamos por um pequeno restaurante e vimos um cartaz que dizia:
"Vendem-se gatinhos". Resolvemos parar e pedir informações. A dona do
restaurante era uma simpática inglesa e a sua família de gatos tinha um aspecto
saudável e feliz, de modo que decidimos ficar com um dele, ao qual demos o nome
de Mr. T. Catt.
T. Catt era uma bolinha de gato, com uma cauda muito curta e uma
carinha linda e sensível. Ficamos entusiasmados com a idéia de adotá-lo. Durante
as duas semanas que tivemos que esperar que ele tivesse idade suficiente para ser
desmamado, compramos pratos (fundos e rasos), vasos onde ele fazia "as
31
necessidades" e um cesto para ele dormir; pois os gatos, como todas as criaturas,
sentem-me mais felizes quando têm os seus próprios utensílios.
Quando fomos buscá-lo, já estava tudo pronto. Ele era tão pequeno, que
cabia facilmente no bolso de Carl e foi assim que o levamos de uma casa para a
outra.
Foi um momento feliz quando T. Catt transpôs nossa porta e penetrou em
nossas vidas. Quando um gatinho começa a explorar os seus novos domínios e
mostra interesse pela comida, você pode ter quase a certeza de que ele vai se
ambientar. E foi isso o que aconteceu.
A vida como que adquiriu um novo significado, pois tínhamos estado por
demais "fechados em nós mesmos" e precisávamos ampliar os nossos interesses e
afetos. Eu e Carl tínhamos passado tanto tempo a dois, que havia poucos "espaços"
na nossa união — como diz Kahlil Gibran:
"Permiti que haja espaços na vossa união e que os ventos dos
céus dancem entre vós. Amai-vos um ao outro, mas não façais
desse amor um grilhão; deixai que um mar se mova entre as
praias das vossas almas."
A chegada de Mr. Catt trouxe, pois, uma nova dimensão às nossas vidas
e eu iria aprender muito com ele. A experiência mais fascinante foi um dia, quando
Mr. Catt já atingira a maioridade. Eu estava com ele ao colo, diante de um espelho.
Sem me concentrar no que fazia, virei-me para deixar que ele se visse, porque sabia
que os gatos podem ver a sua imagem, desde que estejam interessados. Às vezes,
se convencem de que há um gato do outro lado e é muito divertido vê-los procurar
32
atrás do espelho, para ver se encontram o "intruso". Nessa ocasião, porém, não quis
saber se T. Catt estava olhando ou não o espelho, pois só estava interessada no
que eu estava vendo: refletida no espelho, havia em volta do gato, uma estreita faixa
de substância cinza-azulada, de alguns centímetros de espessura e que mais tarde
vim a identificar como sendo o corpo etérico que circunda todos os seres vivos. Foi,
para mim, uma descoberta muito importante, porque, bem mais tarde, após ter lido a
respeito, pude dizer para mim mesma: "Sim, é verdade, porque eu vi com os meus
próprios olhos." Às vezes, é possível ver coisas desse tipo com maior clareza com o
auxílio de um espelho; isso me deu a certeza de que o etérico realmente existia,
possibilitando-me gradativamente vê-lo sem qualquer ajuda artificial.
33
No meio do inverno, compreendi, finalmente,
que dentro de mim
havia um verão invencível.
Albert Camus
34
Capítulo 6
Quando olho para trás percebo cada vez mais que o tempo que
passamos em Weybridge foi uma espécie de preparação para uma outra fase das
nossas vidas. Não estávamos destinados a ter amigos ou mesmo conhecidos, e não
demorou que ficássemos isolados em nós mesmos — os poucos amigos que eu
tivera estavam ocupados com os seus próprios problemas e, de uma maneira ou de
outra, a guerra exercia a sua influência na vida de todo mundo.
Eu e Carl viramos guardiães de ataques aéreos. Tínhamos os nossos
plantões, durante os quais patrulhávamos o bairro, cuidando que ninguém
acendesse a luz e violasse o regulamento do black-out, à noite. Certa vez, fomos
acusados de deixar passar uma fresta de luz — mas foi mais um caso de despeito
do que uma violação do regulamento.
Carl adorava animais e estávamos cada vez mais felizes por termos o
nosso gatinho, que por sua vez mostrava um grande interesse em tudo o que
fazíamos e parecia saber que a sua missão na vida era tomar conta de nós. Carl
sugeriu que comprássemos uma coleira para Mr. T. Catt, antes de nos aventurarmos
a sair com ele. Foi o que fizemos e, embora ele não gostasse de se sentir cerceado,
acabou aceitando a trela como parte do processo de se tornar civilizado, ou mesmo
humanizado. O gato considera-se um membro da família; por que, então, não
considerar-se também "humanizado"? Às vezes, fico pensando se os meus bichos
não me consideram um membro da família deles. Em casa, freqüentemente me
chamam de "Mãe Gata" e há ocasiões em que quase sinto as coisas do ponto de
vista deles.
Afinal de contas, se você é capaz de visualizar algo mentalmente, não há
nenhuma razão pela qual a coisa não possa se transformar em realidade. Quase
35
todos nós já ouvimos comentar: "Gosto mais do meu cão do que da maioria das
pessoas", ou "Quanto mais conheço as pessoas, mais gosto dos cães". Tem-se dito
muitas vezes que, o que a pessoa é capaz de visualizar, pode existir. Quem é capaz
de ver o invisível, é capaz de conseguir o impossível.
Gostaria de citar um trecho de Alice no País das Maravilhas, que tão bem
se adapta aqui, pois nos ajuda a acreditar nas chamadas coisas impossíveis.
Alice riu.
— Não adianta tentar — disse ela. — A gente não pode acreditar em
coisas impossíveis.
— Creio que você não tem praticado muito — replicou a Rainha. —
Quando eu era mais moça, praticava sempre pelo menos meia hora cada dia. As
vezes, chegava a acreditar em seis coisas impossíveis antes do café da manhã."
Quem poderia acreditar que, em certa época, os gatos andavam eretos,
sobre duas patas? Pois bem, eu acho que, de acordo com certas lendas, eles
andavam mesmo; e que se dedicavam a várias atividades que, hoje em dia,
constituiriam uma surpresa para nós, humanos.
Com o correr dos meses, T. Catt tornou-se um gatão lindo e eu
costumava dizer que ele parecia um lírio tigrino — tinha as listras do tigre e o
aspecto delicado de um lírio. A expressão da sua carinha era o que se pode chamar
de angélica.
A medida que os dias passavam fomos compreendendo que quando se
adota um bichinho e se lhe dá todo o afeto que ele merece a gente nunca se
decepciona — pois os animais são capazes de mostrar de todas as maneiras a sua
devoção. Nunca esquecerei o quanto devo ao meu gatinho vira-lata, ao meu Lírio-
Tigrino.
36
Como levávamos uma vida muito isolada, o dia em que nos tornamos
donos de um pequeno automóvel foi um acontecimento. O gerente da firma onde
Carl trabalhava esperava que ele servisse de mecânico para os carros dele e
continuasse no cargo de consultor para o qual fora contratado, e eu me tornei uma
assistente de mecânico bastante aceitável. Certa vez, ajudei a trocar todo o motor de
um carro (espero me lembrar da marca; ah, sim, era um Standard e, pelos padrões
atuais, provavelmente seria considerado uma lata velha).
O tal senhor tinha também um belo Chrysler preto e, amante da
velocidade, fazia com que os pedestres pulassem fora do caminho, quando ele
voava pela avenida, a caminho do escritório. Esse carro também estava aos
cuidados de Carl, já que o seu conhecimento de motores era grande. Mas, como
Carl detestava esse tipo de trabalho, acabou exigindo que o patrão procurasse outra
pessoa para fazê-lo.
Possuir um carro próprio, porém, era algo inteiramente diferente e fiquei
entusiasmada quando Carl me disse que ouvira falar num Morris Minor quase novo,
à venda por um preço bem razoável.
Dirigimo-nos à garagem de Baker Street, experimentamos o carro e
fechamos negócio, fazendo com que a vida ficasse muito mais interessante.
Exploramos todo o distrito e muitas vezes íamos até o aeroporto de Londres
(Heathrow), que estava em fase de acabamento, pois achávamos muito divertido ver
os aviões. Com surpresa verifico que o nome "Heathrow" continua a ser usado, pois
naquele tempo se dizia que a sua pronúncia representava um problema para muitos
estrangeiros, que não conseguiam dizer o th. Mas, como o nome persistiu, o
problema não devia ser tão grande assim.
37
Às vezes, íamos até outros locais de interesse, como Epsom Downs ou
Boxhill, de onde podíamos descortinar uma vista maravilhosa; ou mesmo até
Londres, para contemplar os estragos causados pela guerra.
Ficamos desapontados em constatar que T. Catt cada vez se interessava
menos por sair. Preferia meter-se debaixo do carro e examiná-lo quando voltávamos
de um passeio. Sempre que tentávamos levá-lo conosco, ele opunha as maiores
objeções — como se fosse a coisa mais desagradável do mundo. Talvez
pressentisse mais do que nós que havia algo de estranho relacionado com o carro.
Para nosso espanto, o carro mostrava-se às vezes difícil de controlar,
como se uma entidade misteriosa procurasse tomar o volante e levá-lo na direção
oposta. Outras vezes, parecia andar para trás, algo que era logicamente impossível,
pois não estávamos dando marcha à ré.
Parte do mistério acabou sendo explicado quando ficamos sabendo mais
a respeito do carro. Aparentemente, estivera envolvido num acidente, no qual uma
pessoa morrera e, segundo o homem que nos contou a história, o carro era tido
como mal-assombrado. Por isso fora tão barato e talvez aí residisse o segredo de
Mr. Catt não querer andar nele, resistindo sempre às tentativas de levá-lo conosco.
O que o nosso tigre adorava era passear no jardim, nos fins de semana
ou à noitinha, geralmente usando uma coleira, para que não se afastasse de nós.
Gostava principalmente de subir nas árvores (antes de ser transformado em
escritórios, aquele terreno fora uma propriedade particular, com cerca de três acres
e meio de terra). Era muito, agradável passearmos por entre as árvores e as fiares,
nas noites de verão acompanhados por Mr. Catt e conversando sobre uma porção
de coisas do nosso interesse.
Um dia, Carl disse:
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— Sabe, Ra-ab, esse gato me faz lembrar um bichinho que eu tive antes;
embora a cor seja diferente, tinha os mesmos maneirismos e muitas vezes penso no
meu gato preto, quando olho para este.
Como ambos acreditávamos que tanto as pessoas quanto os animais
voltam várias vezes à Terra, aceitamos o fato de que o gato preto John voltara de
novo à Terra sob a forma de um gato listrado — para olhar por nós e adquirir mais
experiência. Acreditávamos que T. Catt, antes conhecido como John, já estivera
conosco em muitas vidas e continuaria conosco por muitas mais.
Carl era extremamente delicado com os animais e pegava nos gatos com
todo o cuidado, com as duas mãos — e não pelo cachaço, como tanta gente faz.
Costumava dizer que nunca se devia rir de um gato, pois eles se sentiam ofendidos,
principalmente os vira-latas. Parece que os siameses não ligam tanto para isso; em
compensação, sofrem muito com a solidão, precisam da companhia das pessoas
para viverem felizes e saudáveis.
Ficamos muito preocupados, uma noite em que Mr. Catt não voltou para
casa à hora de dormir. Tínhamos saído para o quintal, numa noite quente de verão,
e, de repente, ele disparara como uma flecha, indiferente aos nossos chamados.
Nunca tinha passado a noite fora e, preocupados, não conseguimos dormir, apenas
cochilar. Foi com alegria que, pela manhã, ao olhar pela janela, o vi sentado debaixo
de uma árvore, esperando que a porta se abrisse para ele poder entrar.
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Eu faço o que posso
E você faz o que pode.
Não estou neste mundo
Para fazer o que você espera,
E nem você está no mundo
Para fazer o que eu espero.
Você é você
E eu sou eu.
Mas se, por acaso, a gente se encontrar,
Como vai ser bom!
Fritz Peris
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Capítulo 7
Era a coisa mais engraçada, quando Mr. Catt começava a 'se exibir'
diante de uma visita: deitava-se de costas e ficava à espera de que o admirassem.
Sendo um nativo de Leão, era orgulhoso... e muito bonito —; todo mundo elogiava a
sua beleza. Até mesmo o rabinho curto crescera e ficara lindo. Eu passava muito
tempo com ele no quintal, lendo ou cultivando um pequeno canteiro de flores,
plantando sementes que, esperávamos, acabariam dando amores-perfeitos de
várias cores.
O nosso tigrezinho comia um bocado de capim, que é muito bom para os
gatos pelo seu efeito emético; felizmente, botava tudo para fora antes de entrar em
casa. Atualmente, tenho de cultivar capim dentro de casa, em vasos, e é divertido
ver as pessoas entrarem pela primeira vez no nosso apartamento e perguntarem o
que vem a ser aquilo. Quando lhes dizemos: "A, é capim", olham para nós de
maneira estranha, pensando que é maconha, até se darem conta de que é capim
mesmo, cultivado especialmente para os gatos.
— Por que o efeito emético? — perguntarão vocês. — Não deve ser bom,
fazer um gato vomitar!
— Claro que é bom — respondo eu — pois ajuda-o a pôr para fora o pêlo
que ele engole quando se lava e que forma uma bola dentro do estômago do bicho.
Quando essas bolas, muitas vezes demasiado grandes e duras para poderem
passar pelos intestinos do animal, não são expelidas, podem gerar obstruções e
outros males.
Algumas pessoas fazem o gato tomar um pouco de azeite de oliva ou
parafina líquida, que ajuda a amolecer a bola de pêlo, permitindo com isso que o
bolo passe pelo trato digestivo; mas é preciso estar sempre alerta aos sintomas que
41
o problema acarreta. A fim de preveni-lo e manter o gato saudável e livre de prisão
de ventre, deve-se ter o cuidado de lhe colocar sempre ao alcance uma vasilha com
água, de manhã e de noite. Muita gente fica surpresa, ao saber que a maioria dos
gatos prefere água a leite e que, na maior parte dos casos, a água é mesmo melhor
para eles. Todos os gatos deveriam ser escovados e penteados diariamente, para
evitar que engolissem pêlo solto. Não só os gatos de pêlo comprido, mas também os
de pêlo curto precisam desses cuidados.
É espantoso constatar quanta gente tem animais de estimação e não se
dá ao trabalho de aprender a cuidar deles, de saber o que é melhor para eles, o que
se lhes deve dar de comer etc. Da mesma forma que os seres humanos, os bichos
sofrem e sentem-se desprezados quando não se liga para eles — sejam peixinhos
de aquário, passarinhos de gaiola ou bichos maiores. Sabe-se agora que as próprias
plantas caseiras se desenvolvem muito melhor numa atmosfera amiga, quando os
chamados "donos" falam com elas e lhes fazem companhia.
Muitos de nós somos culpados de não agir logo, quando um bicho está
doente ou não parece muito bem. No caso dos gatos, principalmente, um dia, ou
mesmo umas horas de demora no tratamento podem fazer muita diferença. Todos
os veterinários concordam nesse ponto e, certa vez, o Dr. Randall (nosso atual
veterinário) nos falou sobre isso.
— Não há perigo — apressou-se ele em dizer — de que os seus gatos
fiquem muito tempo sem cuidados médicos.
Ele sabe que nós o chamamos só para ter a certeza de que os nossos
bichinhos estão passando bem.
A guerra continuava e todos nós estávamos cansados de racionamentos
de roupa e de comida, sem falar na escassez de gasolina. Ovos desnutridos não
42
servem para fazer uma boa refeição para um ser humano e um gatinho novo pode
ficar logo farto de comer sardinhas em lata — além de que as mulheres,
provavelmente mais do que os homens, acham monótono e desmoralizante ter que
usar sempre as mesmas roupas. Naquele tempo, eu adorava roupas bonitas e
estava sempre buscando uma maneira de aumentar o meu guarda-roupa. Tive a
sorte de entrar em contato com a editora de modas de um jornal de Londres, que
ficava com algumas roupas para fotografar e anunciar. Como eu vestia o mesmo
número que ela, consegui que ela me desse algumas peças que não queria... o que
fazia um bem enorme ao meu ego. Até que fiquei irritada, quando ela me ofereceu
um lindo casaco de lã vermelha, "que precisava ficar com ela somente por uns dias,
para um desfile" e logo depois se arrependeu e retirou o oferecimento. Uma ninharia,
talvez, mas que na hora me aborreceu bastante.
T. Catt adorava flores e nós brincávamos com ele, dizendo que parecia o
Touro Ferdinando, cujo maior prazer era cheirar as flores. Lembro-me que passamos
um dia inteiro plantando sementes — trabalhando com afã e energia — e depois
ficamos à espera de que a Natureza as fizesse desabrochar. Na época própria,
nossos esforços foram recompensados e deparamos com um belíssimo canteiro de
amores-perfeitos das mais variadas cores e tons de azul, roxo, laranja e amarelo;
alguns tinham a cor exata de um lírio tigrino.
Há pessoas que parecem ter mais sorte que outros no cultivo de flores.
Mas será mesmo sorte ou outra coisa? Se a gente pensa um pouco e se dá ao
trabalho de pesquisar o assunto, pode chegar a conclusões bastante interessantes
sobre a famosa expressão "ter mão para as plantas".
Assim, constata-se que as pessoas com "mão para as plantas" são,
geralmente, as nascidas sob um signo da Terra, como os sólidos nativos de Touro
43
— nascidos em maio — os de Virgem, que aniversariam em setembro ou os
capricornianos de janeiro. Essas pessoas vivem em maior harmonia com a Mãe
Terra. Enquanto se entregam com entusiasmo às atividades da horticultura, suas
emanações etéricas são absorvidas, propiciando a energia extra que resulta num
crescimento mais rápido e saudável das plantas. Conheço uma pessoa que possui
uma abundância de qualidades de Touro e Capricórnio. Como era de se esperar, o
seu jardim é o seu hobby e o seu grande amor.
Passa horas e horas cultivando-o e o resultado causa inveja a todos os
seus amigos que também têm jardim.
Os que possuem essas qualidades podem ajudar a curar uma pessoa
doente transmitindo-lhe energia através do toque, já que as emanações etéricas são
mais poderosas na região das mãos.
Eu e Carl passávamos um bocado de tempo na nossa câmara escura,
algo, por assim dizer, improvisado: por causa da guerra, as cortinas do blackout
ajudavam a escurecer o quarto, mas não havia água corrente, de modo que
tínhamos de transportar as soluções do banheiro para a câmara e vice-versa, tendo
o máximo de cuidado para evitar que a poeira se juntasse nas bacias. Logo aprendi
que é preciso manter toda a limpeza possível ao processar filmes e fazer revelações,
quase tanta limpeza quanto num hospital. Também aprendi que, se a pessoa
realmente se interessa e se dedica ao que está fazendo, poderá obter bons
resultados, apesar das condições de trabalho adversas. Só os maus artesãos
culpam as suas ferramentas, os bons vencem todos os obstáculos.
Vendo Cari trabalhar e ouvindo-lhe as explicações, pude aprender um
bocado a respeito de fotografia. Com a grande Thornton Packard e a pequena Agfa
de 35 mm, as possibilidades de obter boas fotos tornavam-se maiores.
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Muita gente se pergunta por que existem películas de tamanho reduzido.
Parece que a vantagem está em tornar o filme mais acessível ao grande público,
principalmente pelo fato de ser mais fabricada que as outras. A firma belga Gevaert
fabricou o filme, em colaboração com a Agfa, cuja câmara de 35mm foi uma das
primeiras no mercado. Acho que fomos um dos primeiros consumidores dessa
câmara, posteriormente tão popular.
Por essa época, uma firma britânica de Kingston-on-Thames, Surrey,
lançou no mercado a Compase, uma câmara de pulso, que utilizava uma película
circular de 16mm e, os centro-europeus inventaram uma câmara "espiã", utilizando
também esse filme, que é mais ou menos a metade do tamanho da de 35mm. Pouco
mais tarde, na Itália, inventou-se outra pequena câmara fotográfica, considerada
uma das melhores jamais fabricadas mas que, não sei por que, não recebeu a
necessária promoção e nunca se tornou popular. Trata-se da Gami, que apresentava
a novidade de tirar três fotos diferentes a cada disparo do obturador. Se isso
representava uma vantagem, é coisa discutível. Vi algumas fotos tiradas com essa
câmara e devo dizer que, do ponto de vista de qualidade, eram quase perfeitas.
45
A amizade é o
conforto indescritível
de se sentir seguro com
uma pessoa, sem ser preciso
pesar o que se pensa,
nem medir o que se diz.
George Eliot
46
Capítulo 8
A vida é feita de sol e de sombra e não seria bom para ninguém se tudo
fossem experiências deprimentes ou extasiantes. Não sei quem disse que "Se o sol
brilhasse dia e noite, depressa as árvores murchariam!"
Digo isto para ilustrar os caminhos do dia-a-dia. Embora os mal-
entendidos e as brigas sejam muito desagradáveis, há um maravilhoso sentimento
de triunfo quando duas pessoas resolvem as suas diferenças e a harmonia volta a
ser restaurada. É como quando a gente se afastasse de alguém com quem está
diariamente — o fato de ter havido uma separação temporária faz com que o
reencontro adquira um significado extra.
Estou tentando explicar que a história do "Lírio Tigrino" é constituída de
uma mistura como a que acabei de descrever, onde nem tudo foi alegria e felicidade
perpétua. Se eu procurasse dar essa impressão, estaria fugindo à verdade, pois
tivemos os nossos problemas, grandes e pequenos, como ocorre com todas as
pessoas que pensam e têm consciência.
Muita gente tem mostrado interesse ou curiosidade a respeito da minha
vida, achando que ela deve ter sido diferente devido às circunstâncias pouco
comuns, em que uma pessoa deixou esta divida e o seu lugar foi tomado por outra.
Vocês, que: têm seguido os ensinamentos contidos nos livros de Lobsang Rampa (a
quem devo tanto, que acho que não vai ser possível pagar-lhe, nem em muitas
outras vidas), por certo conhecem em detalhe a longa caminhada. Como a sua
descrição tem muito mais força do que a minha, não vou me estender mais sobre o
assunto.
Lobsang Rampa tem a vida mais difícil do que a maioria das pessoas
possa entender. Vê os seus esforços sabotados por gente mentalmente inferior e,
47
quando eu olho para trás, para antes da vinda dele, vejo que as minhas próprias
ações (ou falta delas) poderiam ter facilitado em muito as condições para aquele que
já estava aqui e para o que iria substituí-lo.
Eu e Carl, presos por sólidas vibrações à terra e não tendo adquirido os
refinamentos necessários, encontrávamo-nos muitas vezes num dilema e faltava-me
a compreensão que nos poderia ter ajudado mutuamente.
Passávamos horas conversando sobre a nossa vida anterior, comparando
experiências e chegando à conclusão de que havia muita coisa que não
compreendíamos, coisas que esperávamos fossem um dia esclarecidas. Sentíamo-
nos sempre intrigados ao pensar na força especial que fizera com que nos
encontrássemos e no propósito que devia haver por trás dela. Eram tantos os
incidentes, as recordações de coisas que deviam ter-se passado, mas que pareciam
nebulosas, como se envoltas numa espécie de fog! Foi só quando Lobsang Rampa
entrou em cena, que a luz se fez sobre muita coisa e é por essa luz, que iluminou os
recessos mais escuros do subconsciente, que eu me sinto tão grata à Rampa.
À medida que se vai compreendendo melhor os caminhos da vida em
direção ao alto, a gente vai percebendo que não é aconselhável, nem mesmo
sensato, discutir e anunciar todos os nossos pensamentos e experiências
particulares. Recordo-me do conselho do Dr. Rampa, sobre dar um nome ao
subconsciente: dê-lhe um nome mas não diga a ninguém qual é, ou o seu poder — o
poder do subconsciente — não será tão grande, ficará diminuído.
Seria ótimo contar várias experiências, dar conselhos que pudessem
ajudar alguém na caminhada, mas o que pode ajudar uma pessoa pode prejudicar
outra, de modo que vamos guardar as nossas experiências para nós mesmos, de
maneira a beneficiar pelo menos uma pessoa, ao invés de espalhar uma porção de
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"receitas" que provavelmente não beneficiariam ninguém — em parte, porque não
acreditariam nelas, achariam que era apenas "papo-furado".
Há algo, porém, que pode ser passado adiante, na certeza de que irá
ajudar pelo menos alguém que ache a sua cruz pesada demais. Várias vezes
cheguei à conclusão de que ninguém recebe uma cruz ou alguma carga de
problemas que não seja capaz de suportar. Há sempre alguma circunstância que
intervém, quando sentimos que estamos quase chegando ao ponto máximo de
tolerância, e isso acontece com todo mundo, em determinada altura, a menos que
sejamos um desses raros indivíduos que, por uma razão qualquer, sofreram numa
outra vida e estejam tendo um descanso, ou que não tenham alcançado o estágio
em que uma experiência desse gênero seja considerada benéfica ao seu progresso.
Posso dizer, através da minha experiência pessoal, que recebi, quando
precisei, uma sensação de força que não julgara possível ter. Estou dizendo isto
para mostrar que, quando a pessoa acredita, sempre tem ajuda.
Muitas pessoas manifestaram a esperança de que a Sra. Rampa
escreveria um livro sensacional, cheio das coisas excitantes que quase todo mundo
gosta de ouvir. Bem, embora não queira desiludir ninguém, nunca tive a intenção de
escrever uma história "sensacional". Não há nada de sensacional no meu livro (toda
a minha vida tem sido vivida segundo a lei da Natureza), de modo que o meu maior
desejo é que, aqueles que lêem estas páginas, as aceitam como elas são, uma
relação de acontecimentos na vida de uma família bastante comum, que inclui um
gato muito inteligente e alguém que eu creio ter alcançado um nível bastante alto na
escala evolutiva.
Talvez haja quem ache interessante saber que, sempre que me sento à
máquina para continuar a escrever sobre as nossas experiências, diante de mim
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aparece a figura ou impressão — como quiserem — de um gato, sob uma forma ou
outra. É quase como se eu fosse impelida a fazer com que ele fosse o tema central
da minha história e não tivesse outra escolha. Agora mesmo, enquanto escrevo, há
uma gata muito inteligente sentada bem à minha frente, com os olhos semicerrados,
mas com um ar de quem está alerta. Essa criatura, uma das mais inteligentes que
tive a honra de conhecer, parece estar me dizendo que eu escreva mais acerca de
gatos e do seu mundo felino — e que, se eu não estiver suficientemente a par desse
mundo, devo perguntar. O Guv — como todos nós chamamos, afetuosamente, o Dr.
Rampa — está sempre pronto a dar conselhos e dicas tirados do seu vasto
conhecimento e, em assuntos relacionados com os problemas do dia-a-dia,
contamos com um ótimo veterinário, igualmente pronto a nos dar os frutos da sua
experiência. Por tudo isso, a minha Lady Cleópatra não vê razão para que eu não
escreva um livro todo sobre felinos, contando muita coisa que as pessoas gostariam
de saber, mas não sabem. Por conseguinte, talvez seja boa idéia voltarmos a falar
de gatos, assunto que tanta alegria e felicidade traz aos amantes dos bichanos.
50
O amor não consiste
em olhar um para o outro,
e sim em olhar
na mesma direção.
Antoine de Saint-Exupéry
51
Capítulo 9
NAVIOS QUE PASSAM...
Diz-se que as pessoas são como navios que passam, mas isso também
pode ser aplicado a outras criaturas, e vou me referir aqui, particularmente, aos
gatos. Todos nós, criaturas humanas e animais, somos como navios que se
encontram em alto mar, param para se cumprimentar e depois continuam, cada qual
o seu caminho, para acabar chegando a destinos diferentes.
O Rei George V da Inglaterra costumava dizer:
— Se houver algum ato de bondade que eu possa
fazer, deixai que o faça agora, pois talvez eu não volte a passar
por este caminho.
Sempre achei importante não esquecer isso, pois muitas vezes só
demasiado tarde reparamos no gesto amigo que poderíamos ter tido, ou na palavra
de apoio que poderíamos ter dito, e que sem dúvida teria dado ânimo à pessoa a
quem ela se dirigiria.
Outro dia, eu estava folheando as páginas do meu livro A Mente Felina e
fiquei espantada ao ver quanta coisa mudou desde que o livro foi iniciado, há dois
anos atrás. Várias das pessoas nele referidas, senão todas, já desapareceram da
nossa vida. Pensar nisso pode ser bastante desconcertante, se você for dessas
pessoas que abominam mudanças.
52
Recordando e ainda tratando do tema felinos, cabe a lembrança da Sra.
Potter, que tinha um gatil muito bem montado e ocupava uma posição de
responsabilidade num hospital veterinário local.
Eu gostava de bater papo com a Sra. Potter e de visitar o seu gatil, para
ver os lindos gatos e gatinhos. Nunca nos passaria pela cabeça que a situação
mudasse, e tão depressa; mas, quando o Amor entra em cena, tudo pode acontecer.
Ela enviuvara muito cedo e conservara este estado durante alguns anos, quando
resolveu casar de novo e partir para os Estados Unidos com o segundo marido,
levando, segundo creio, alguns dos gatos aos quais mais se afeiçoara.
Antes de ir embora, ela teve a idéia de gravar uma fita com as impressões
sonoras de sua família de gatos, antes de uma das refeições do dia. Assim, sempre
que pomos a fita para tocar, nos lembramos daqueles tempos felizes. Além disso, a
gravação nunca deixa de atrair a atenção das nossas Miss Cléo e Miss Taddy, que
não aprovam toda aquela miadeira, achando-a de bastante mau gosto.
Um gato batizado com o nome de Manxie, por ser um gato de Manx —
aquela raça que não tem rabo — era muito querido da Sra. Potter e não tenho
dúvidas de que a acompanhou. Não sei se Mr. Ming, o cão cuja tarefa era guardar o
gatil, também viajou, mas espero que sim, pois era uma criatura extremamente
simpática e dedicada, que levava muito a sério os seus deveres. Uma das coisas
mais tristes deve ser ter que abandonar um serzinho querido, principalmente um
animalzinho, que não pode dizer o que está pensando e para quem é tão difícil
acostumar-se a uma vida diferente, após ter vivido tanto tempo num lugar e passado
tantos anos cumprindo com os seus deveres. Mr. Ming sempre foi muito gentil
comigo, quando eu ia visitar o gatil, de modo que tenho a certeza de que, onde quer
que ele esteja, continuará sendo apreciado e amado.
53
Quem quer que tenha lido o meu livro A Mente Felina se lembrará de dois
gatos siameses, chamados Tiki e Shara, que haviam sido adotados pela Sra. Potter,
enquanto ela procurava encontrar um lar permanente para eles. Não tinham a
necessária liberdade no gatil, porquanto a Sra. Potter recebia pensionistas
temporários e não podia arriscar-se a uma briga entre gatos desconhecidos. Em vez
de conservar os pensionistas fechados, ela os deixava andar um pouco, o que
causava um problema para Tiki e Shara. Por isso, foi um dia feliz, aquele em que um
casal de velhinhos apareceu no gatil da Sra. Potter à procura de um gato.
Aparentemente, o homem ficou encantado com os dois, embora não estivesse
pensando em gatos siameses. Shara, principalmente, que era muito temperamental,
mostrou logo interesse pelo casal e especial afeto pelo homem, influindo na sua
escolha. E assim foi que aquele casal de ex-fazendeiros, que estava em Calgary
apenas de passagem, pôde propiciar um lar feliz e permanente para dois bichinhos
que, sem culpa nenhuma, tinham sido mais ou menos abandonados pelos antigos
donos e acabariam provavelmente morrendo se tivessem sido levados para a
Sociedade Protetora de Animais, se o destino não fizesse com que um motorista de
táxi mencionasse a existência, de um gatil capaz de lhes proporcionar um novo lar.
Seria bom que todas as histórias de gatos terminassem de maneira tão feliz, pois
esses dois gatinhos encontraram uma família que soube apreciá-los e o ex-
fazendeiro e sua esposa receberam, em troca, toda a gratidão que só os bichos são
capazes de oferecer.
As pessoas passam, vão e vêm, e as circunstâncias podem influenciar as
ações não só dos humanos, mas também de outras criaturas de Deus, Estou
pensando numa certa família felina. Já escrevi sobre a mãe-gata siamesa Nikki que,
com a idade de doze anos, teve de ser mandada para o Outro Lado, por estar
54
sofrendo de uma doença fatal e galopante. O Vovô Gato conhecera Nikki toda a sua
vida e, como ele próprio chegara à avançada idade de dezesseis anos, deve ter
sentido muito a falta dela. A medida do seu sofrimento só foi, porém, perfeitamente
apreciada quando, algumas semanas depois da morte de Nikki, ele foi aos poucos
se recusando a comer e acabou caindo doente, e não tardar a se juntar à querida
companheira de tantos anos. Ficou apenas Ichabod, com dez anos, que nunca se
afastara da mãe Nikki ou do Vovô Gato. E, como, pelos padrões humanos, ele teria
setenta anos, pode-se imaginar a sua solidão e o seu desespero, principalmente
porque ele nunca fora o que se diz um gato "normal", devido a uma doença que
tivera.
Penso muitas vezes em Ichabod, vivendo sozinho e triste o resto dos seus
anos, esperando pacientemente o momento de se juntar à sua mãe-gata e ao avô
bichano. Poucos dentre nós temos a noção exata do tormento que, conscientemente
ou não, podemos causar através do que geralmente não passa de puro egoísmo,
por não sermos capazes de suportar o fato de perder um bicho — sofra ele ou não
— adiantando-lhe o momento final, confiando o serviço a um bom veterinário, não
compreendemos que isso seria a coisa mais humanitária a fazer. Quando o animal
está sofrendo e não há esperanças de recuperação, não devemos permitir que o
nosso egoísmo fale mais alto, embora eu reconheça que seja uma atitude difícil de
tomar. Procurando bem, sempre se encontra um veterinário compreensivo e humano
que lhe dê uma injeção indolor, tornando mais fácil ao animalzinho atravessar o rio
para o outro lado da vida, onde o esperam amigos da mesma espécie e onde ele
descansará e receberá todos os cuidados adequados à sua condição.
Todos os seres são recebidos do outro lado por entidades desencarnadas
e compreensivas de modo que podemos estar certos de que os nossos bichinhos de
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estimação não estarão sós quando chegar a hora de atravessar o rio para a Grande
Incógnita, o verdadeiro lar. Muitas pessoas ficam desesperadas quando perdem um
ente querido, seja ele humano ou animal, e se perguntam onde ele estará, se estará
se sentindo bem, ou sozinho. Quem tiver lido os livros de Lobsang Rampa, não terá
dúvida quanto às experiências passadas pelos seus entes queridos. Saberá que vai
poder encontrá-los durante o sono e que, quando chegar a hora de fazer a viagem
para o País da Luz Dourada, encontrará todos aqueles com quem esteve em
harmonia na Terra — e também com aqueles com quem não esteve em perfeita
harmonia podem ter compreendido os seus erros, da mesma forma que você pode
ter mudado de idéia a respeito de muitas coisas.
Ensinam-nos os livros de Rampa que não devemos nos preocupar
demasiado, que devemos ser mais plácidos, principalmente em relação aos nossos
entes queridos. Quanto mais a gente se preocupa, mais difícil é para eles. Os que
estão do outro lado sentem-se atraídos por nós, na Terra, através de fios invisíveis
(vibrações), resultando daí um sofrimento ainda maior para eles, porquanto as
sensações extracorpóreas são mais agudas do que as experimentadas por aqueles
que ainda estão encarnados. Isso é fácil de dizer, mas não tão fácil de fazer, mas
pelo menos podemos nos esforçar nesse sentido, pois ninguém que tenha
consciência quererá causar dor ou sofrimento a outrem, principalmente quando se
trata de pessoa com uma doença incurável.
Quantos animaizinhos doentes são mantidos vivos, quando seria muito
mais humano deixá-los partir para o Verdadeiro Lar! E, muitas vezes, as pessoas
que os impedem de descansar afirmam amar os animais!
56
O que fica atrás de nós
e o que jaz à nossa frente
têm muito pouca importância,
comparado com
o que há dentro de nós.
Ralph Waldo Emerson
57
Capítulo 10
Como esta narrativa parece avançar dos acontecimentos passados para o
futuro e voltar ao presente, espera-se que, por causa disso, a clareza não venha a
sofrer. Quando uma amiga inglesa leu o original datilografado de A Mente Felina,
comentou que todos aqueles nomes de lugares no Canadá lhe deixavam um bocado
confusa. Já que nunca tinha visitado este país e não tendo alma de viajante, ficava
tonta só de ler sobre os vários lugares por onde tínhamos andado e onde tínhamos
vivido. Tenho quase a certeza de que não era questão de querer estar em nosso
lugar; a inveja é um defeito que não se lhe podia atribuir, pelo menos a esse
respeito.
Antes de voltar a Weybridge e tocar em fatos que lá aconteceram,
deixem-me dizer que, às vezes, a gente encontra um "navio" (uma pessoa) pela
segunda vez, mesmo que apenas por correspondência. Eis um exemplo:
No ano passado, sem mais nem menos, recebi uma carta de alguém com
quem há quase dezessete anos não tinha contato e de quem não esperava ter
notícias, pois vivíamos em países diferentes e, sendo ela muito mais jovem, então
uma adolescente, não possuíamos o que se poderia chamar de interesses comuns.
Não obstante, Adrienne me escreveu porque a Família Rampa "não lhe saía da
cabeça". Contou que deixara a loja de flores em que trabalhava quando a
conhecemos, em Dublin, onde ocupávamos o apartamento acima do florista.
Durante esse período, de vez em quando eu tinha de ir a Londres e, numa dessas
viagens, Adrienne me acompanhou. Como era a primeira vez que saía de casa, foi
uma experiência e tanto para ela — e uma responsabilidade enorme para mim.
Disse-me, na carta, que depois disso fora muitas vezes a Londres e que sempre
pensara em nós, principalmente ao passar diante do hotel em que tínhamos ficado
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— o Whites Hotel, em Bays-water Road, num fim de semana, feriado nacional, o
único lugar que ainda tinha quartos. Apesar disso, aproveitamos bem a viagem e,
como o avião era pequeno e voava baixo, pudemos apreciar a beleza da paisagem
— principalmente quando sobrevoamos as montanhas de Gales, famosas pelo seu
esplendor agreste. Adrienne divertiu-se visitando o museu de cera de Madame
Tussaud, que reunia figuras de gente famosa, e infame. A masmorra dava arrepios,
pois nela se viam, lado a lado, os assassinos e os assassinados. Esse museu é
muito interessante e ninguém que vá a Londres deve deixar de visitá-lo. Fizemos um
tour de ônibus pela cidade, com um guia apontando-nos os lugares de maior
interesse, como as Casas do Parlamento, o n.° 10 de Downing Street, a Catedral de
São Paulo, onde se pode ver a obra de Sir Christopher Wren e, naturalmente, o
famoso Big Ben, além da Abadia de Westminster, o Palácio de Buckingham, onde
assistimos à mudança da guarda, e também a Trafalgar Square, com seus pombos.
Adrienne ficou encantada com os parques, como os Jardins de Kensington e o Hyde
Park, em cujos lagos homens e crianças punham seus pequenos barcos na água
para navegar.
Achamos que seria boa idéia ir a um cinema, desde que houvesse algum
filme interessante passando. Alguma força superior devia estar nos guiando, pois
não demoramos a achar um filme muito adequado para Adrienne. Contava a vida de
uma freira e, como a minha jovem amiga era católica, a escolha não podia ter sido
melhor. Nunca esquecerei o título do filme, Heaven Knows, Mr. Allison, no qual
Deborah Kerr fazia o papel da freira. Adrienne ficou fascinada. Hoje em dia, ela está
casada, tem um casal de filhos e, neste ano que passou, recebi várias cartas dela,
recordando os tempos em que éramos mais jovens e despreocupadas. Esse é, pois,
um exemplo de alguém que "passou pelo meu caminho" mais de uma vez e se, por
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acaso, Adrienne pensasse que tudo tinha sido um sonho e que nunca tinha feito
aquela viagem a Londres, precisava apenas puxar da carteira e olhar para as fotos
que sempre a acompanham, para se certificar de que foi verdade.
Naturalmente, seria impossível manter contato com todas as pessoas que
encontramos em nossa vida, porque o que devemos fazer é andar em frente não
viver no passado, para que possamos progredir no nosso caminho, subindo, sempre
que possível, mais um degrau na escada do sucesso.
Muitas vezes deparamos com uma pessoa que vive muito feliz, mas sem
pensar em progredir, portanto vive num perfeito marasmo. Embora algumas pessoas
se dêem a esse luxo, a maioria precisa abrir caminho para poder alcançar o objetivo
almejado. Infelizmente, há muita gente que não possui energia suficiente e se
contenta em ficar sentada à beira do caminho, mesmo com o objetivo em vista,
embora o tempo não pare de correr e, se não abrirmos bem os olhos, talvez depois
seja demasiado tarde, e seria muito triste se fôssemos obrigados a voltar à Terra
para concluir uma tarefa deixada incompleta. Quantas vezes me disseram para não
"olhar para trás" e sim para ir em frente, com um objetivo em mente. E essa a idéia
expressa no episódio da mulher de Lot, na Bíblia: ela olhou para trás, quando a
cidade ardia, e se transformou numa coluna de sal! É preciso não esquecer a
necessidade de ir em frente, conhecer novas pessoas e nunca perde de vista o
nosso objetivo.
Fechemos os parênteses e voltemos a Weybridge, onde todos os dias
decorriam quase iguais uns aos outros, sem que nada de muito interessante
acontecesse.
Só quando Mr. T. Catt, o nosso "tigre", tinha os seus quatro anos, é que o
deixamos sair sozinho. Eu e Cari discutimos o assunto e decidimos que ele ficaria
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em segurança andando nas vizinhanças da casa, desde que não tentasse
atravessar a estrada, o que esperávamos ele não fizesse. A princípio, ficávamos um
bocado apreensivos, principalmente quando alguém do escritório nos vinha dizer
que tinha visto um gato rajado atravessando a estrada e entrando no jardim de
algum vizinho.
Felizmente, os automóveis não andavam tão depressa como aqui, no
Canadá. Em Ontário, por exemplo, é terrível ver o número de mortos em desastres
de automóvel, muitos dos quais poderiam ter sido evitados.
Uma das atrações para o nosso "tigre" era o fato de os vizinhos criarem
galinhas e pintos. Aparentemente, T. Catt adorava ir visitá-los, o que nos trouxe
outro problema — pulgas! Era um dia aziago para ele, quando o levava para o
quintal e, com todo o cuidado (sem afetar os olhos e as orelhas) lhe esfregava pó
contra pulgas no pêlo, pois cada vez que ele visitava o galinheiro voltava com uma
porção desses bichinhos.
Além de evitar contatos com galináceos, muitas vezes infestados de
pulgas, deve-se catar cuidadosamente os gatos e evitar que eles andem perto de
esquilos e pombos, principalmente se ainda forem pequenos e não souberem cuidar
do pêlo, como acontece com os gatos já adultos.
Nós nos divertíamos muito com Mr. T. Catt. Ele adorava pegar nas mais
variadas coisas e trocá-las de lugar, atrasando-nos a vida, quando precisávamos
delas com urgência. Lembro-me de certa vez em que Carl estava à procura de um
instrumento, uma espécie de faca em forma de escalpelo e, por mais que
revirássemos a casa, não conseguíamos encontrá-lo. Após algum tempo, o culpado,
isto é, Mr. Catt, saiu de um peitoril onde costumava passar horas sentado, trazendo
na boca a faca, que depôs, todo satisfeito, aos pés de Carl. Devia ter estado fora
61
muito tempo, pois ficara enferrujada. Foi um episódio que terminou bem, porque, até
encontrarmos o instrumento, Carl deve ter pensado que eu o tivesse tirado do lugar.
De outra feita, o nosso tigre chegou a casa com aspecto de quem brigou
e levou a pior, pois estava todo lanhado e com uma orelha mordida Talvez fosse o
resultado de seu gosto pela fanfarronada, pois era nativo de Leão. Ainda muito
novinho, caíra do mesmo peitoril onde costumava sentar-se e fora parar no chão, um
andar abaixo. Foi miar na porta da frente, como se nada lhe tivesse acontecido. Sem
dúvida, porém, isso lhe diminuiu em uma as sete vidas que se atribuem aos gatos.
Tínhamos passado a maior parte dos anos de guerra naquela localidade,
mas continuávamos com poucos amigos. Entre estes, um oficial da Real Força
Aérea e sua esposa. Um dia, resolvemos alugar um barco e passar a tarde vagando
no rio Wey. Pensamos que não seria má ideia levar o nosso tigre, seria uma boa
mudança para ele. Uma boa mudança, vírgula! Tenho a certeza de que foi o dia
mais infeliz da sua vida. Ficou o tempo todo ofegando como um cachorro e
parecendo que ia morrer. Foi essa a primeira e última vez que Mr. Catt andou de
barco...
62
O grande homem (ou mulher)
nem sempre
é aquele que mais se destaca.
63
Capítulo 11
Algo importante aconteceu quando estávamos vivendo na região de
Weybridge: o casamento da então Princesa Elizabeth com o Príncipe Philip, hoje reis
da Inglaterra. Foi um momento feliz, aquele em que, do nosso posto, na ponte que
dá para St. George's Avenue, vimos passar a comitiva real, levando o jovem casal
para gozar parte da sua lua-de-mel com seus parentes, Lord e Lady Mountbatten.
Era um dia frio de novembro, com a chuva molhando os que faziam questão de
assistir à passagem da carruagem real. Onde quer que a família real se encontre,
podem ter a certeza de encontrar também uma multidão de súditos felizes. Os
ingleses têm grande afeto pelos seus reis e rainhas e por tudo o que a monarquia
representa.
Tínhamos de tirar o máximo proveito de cada acontecimento, pois eram
poucas as oportunidades de presenciar coisas memoráveis.
Durante um certo período, durante a guerra, Mary, a filha mais nova de Sir
Winston Churchill, passou algum tempo na região, junto com outras moças do Corpo
Auxiliar Feminino, aparentemente em missão de treinamento. Mais tarde, Miss
Churchill casou com Christopher Soames, atualmente Sir Christopher.
Grande parte do nosso tempo passávamos lendo e escutando rádio. A
obra de Shaw Desmond era, então, muito popular, bem como os. livros de Paul
Brunton, escritor sério e interessante. Carl gostava de ler sobre ocultismo e
metafísica e, aos poucos, fui também me interessando por esses assuntos. A
princípio, não gostava de vê-lo ler tanto, pois achava que ele ficaria sabendo muito
mais do que eu. Era uma forma estúpida de pensar, mas não tão incomum como se
possa crer, a julgar pelas cartas que recebemos. Hoje em dia, sei que todo mundo
pode progredir espiritualmente, através de estudos de metafísica e ocultismo —
64
principalmente quando se conta com a orientação de alguém mais culto. Como
acontece com tanta gente que casa, ainda tínhamos muito que aprender um sobre o
outro, de modo que passávamos muitos momentos falando sobre a vida que
tínhamos levado antes de nos conhecermos.
A juventude de Carl não foi muito feliz. Era um rapaz distante, difícil de ser
compreendido. Ao terminar o colegial, teve que trabalhar como aprendiz de
mecânico, coisa que ele detestava. Enfrentando intempéries, ficou com problemas
pulmonares e foi obrigado a largar o emprego. Mais tarde, estudou publicidade,
coisa que achava muito mais interessante e para a qual parecia ter uma certa
vocação. Na companhia em que trabalhava quando nos conhecemos, Carl tinha sob
a sua responsabilidade toda a publicidade, de maneira que o seu trabalho já era
bem mais satisfatório. O cargo que ele ocupava em Weybridge também era ligado à
publicidade, e Carl desempenhava-se bem nele, o que prova que uma pessoa que
faz um trabalho que gosta tem muito mais chance de ser bem-sucedida do que
alguém que é empurrado para fazer algo de que não gosta e por que não se
interessa.
Ele costumava falar da irmã, que nunca tive oportunidade de conhecer, e
talvez tenha sido bom, porque os dois não se davam bem. Aparentemente, a irmã
era a favorita dos pais, conseguindo deles tudo o que desejava, ao passo que Carl
tinha de lutar sozinho. Às vezes penso que talvez Carl cedesse muito facilmente, em
vez de exigir um tratamento igual dos pais, principalmente da mãe, que parecia
cortar-lhe todas as ambições. Mas é muito fácil ver o que as outras pessoas
deveriam fazer, e não tão simples resolver os nossos próprios problemas, por isso
não devemos censurar tanto os outros, principalmente quando não estamos a par de
todos os fatos. Cari costumava falar com afeto do pai. Eles sempre tiveram um bom
65
relacionamento e isso ajudava a equilibrar a situação, pois de outra forma teria sido
muito ruim para Carl. Ele falava freqüentemente do pai e parece que sua mãe tinha
um temperamento ditatorial, muito impositivo, em contraste com o marido, de
têmpera mais sóbria. Porém não tive o prazer de conhecê-lo, pois morreu alguns
meses antes que eu e Carl nos conhecêssemos. Sempre gostei muito de ouvir falar
sobre ele e sobre a sua personalidade naturalmente encantadora. John, o gato
preto, foi um companheiro fiel, principalmente nos seus últimos dias de vida, ficando
no seu colo de inválido até ele partir para regiões mais felizes. Carl costumava falar
na bênção que esse gato tinha representado, pois parecia ter o dom de confortar o
velho, e de como, quando seu pai fora, John sentira a perda do seu dono querido.
Fiquei sabendo também que o nome completo do gato preto era Johnny
Shanko. Mais tarde, Johnny Shanko teve que ir dormir antes da hora, pois a família
se dissolveu e resolveu mudar para muito longe e não seria possível levá-lo. Muitas
vezes pensei se não teria sido possível achar outra solução, que certamente
acabaria sendo encontrada, se a mãe de Carl tivesse mais paciência. Ouvindo Carl
falar do gato, senti o doloroso que deveria ter significado para ele. Não obstante,
tínhamos agora o prazer da companhia de Mr. T. Catt, porque, se Johnny Shanko
tivesse vivido até o fim da Terra, não teria voltado para nós sob a forma do nosso
pequeno tigre. Realmente, não há mal que não venha para bem!
Antes de prosseguir, permitam-me uma explicação. Caso o leitor esteja
estranhando os meus comentários, sugiro que leia todos os livros de T. Lobsang
Rampa, autor conhecido no mundo inteiro. Pode ser que não compreenda coisas
como a reencarnação, a Lei do Karma, etc., de modo que, lendo as obras de
Lobsang Rampa, o leitor ficará entendendo como Johnny Shanko, o gato preto de
Carl, pôde voltar à Terra como Mr. T. Catt, a fim de completar o ciclo de vida que
66
antes lhe fora negado, ao ser enviado para o seu lar celestial antes do tempo. É
muito confortador ficar sabendo dessas verdades, que eliminam a tristeza
geralmente experimentada por quem perde um animalzinho de estimação. Saber
que vamos voltar a nos encontrar neste plano terrestre ou no próximo, que não vai
mais haver separação. Se vocês lerem os livros que mencionei, poderão ter uma
vida muito mais rica, desde que os levem a sério, pois todos os dezessete títulos —
e parece que em breve vai sair o décimo oitavo — não dizem senão a verdade.
Muita inverdade se tem escrito sobre Carl e sobre Lobsang Rampa, seu
sucessor, pois a imprensa, como sempre, procura o sensacionalismo, tratando as
pessoas de maneira infame. O pai de Carl era o Engenheiro Hidráulico Chefe do
distrito em que morava, na cidade de Plympton, Devonshire, mas a imprensa prefere
dizer que ele era bombeiro-hidráulico. Que diferença faz que Carl seja filho de um
padeiro, de um alfaiate, de um fabricante de velas? É coisa que não entendo, a não
ser que isso possa trazer satisfação a certas pessoas que pretendem denegri-lo e
influenciar os editores no sentido de não publicarem os livros de Lobsang Rampa. É
um exemplo do que o ciúme e a inveja podem fazer quando um homem é diferente e
possui uma mentalidade superior, algo que as pessoas que tentam destruí-lo não
entendem. Mas o que nunca consegui entender foi o que pode haver de errado em
ser bombeiro — Cristo não era filho de um carpinteiro, de alguém que trabalhava
manualmente com madeira? Qual a diferença entre madeira e água? Precisamos de
ambas. Por que colocar um estigma num bombeiro ou num carpinteiro? Pelo que se
sabe da vida de Cristo, ele foi ridicularizado, chacoteado e, finalmente, açoitado e
crucificado. No meu entender isso é um sinal de que todos os grandes seres,
homens ou mulheres, que vêm à Terra antes do seu tempo, são perseguidos pelo
simples fato de não serem compreendidos e por terem um conhecimento maior e
67
muito mais adiantado do que a maioria das pessoas que vivem nela. Isso faz com
que sejam malvistos pelos que não podem entendê-los. Diz-se que as pessoas
temem e procuram destruir o que não entendem, assim, pode ser essa uma das
razões pelas quais esses seres superiores têm tanta dificuldade em levar avante a
sua missão e transmitir a sua mensagem. Nós, da Terra, julgamo-nos muito
inteligentes, mas isso não impede que procuremos destruir tudo aquilo que não
compreendemos! É uma sorte que essas criaturas como o Yeti (também chamado o
abominável homem das neves), o monstro de Lochness e os humanóides, que, de
vez em quando, são vistos saindo dos Objetos Voadores Não-Identificados, nunca
tenham sido capturados pelo homem. Às vezes, confesso que me envergonho de
pertencer à raça humana.
68
Nenhum livro é tão
mau que não tenha
algo de bom.
Plínio
69
Capítulo 12
Não devemos nos esquecer que há alguns anos atrás as condições de
vida eram inteiramente diferentes das de agora, e eu gostava de ouvir Carl contar
como a sua família vivera no penúltimo condado do sul da Inglaterra, em
Devonshire, um condado antes de Cornwall, onde fica Land's End.
A cidadezinha natal não ficava longe de Plymouth (o seu nome atual é
Plympton) e, naquele tempo, havia uma grande diferença de classes. A família de
Cari morava numa casa conhecida como a Prefeitura, pois fora anteriormente
residência do prefeito. Era uma casa enorme, construída numa elevação, e tinha
cinco andares, solicitando os serviços de muitos empregados para que fosse
mantida em condições. Na parte da frente, o andar térreo ficava subterrâneo, devido
à inclinação do terreno mas, na outra extremidade, tinha portas envidraçadas que
abriam para um jardim de cerca de três acres — que também exigia pelo menos um
jardineiro. Nesse jardim, à esquerda, havia uma casa de pedra com janelas de vidro
colorido, onde costumavam se reunir os gatos da vizinhança, saindo de lá, após
algum tempo, quase vesgos e meio tontos, devido aos efeitos causados pela luz
multicolorida.
A primeira parte do jardim era um pequeno gramado, recortado em forma
de forte, com canhões à volta. Depois, desciam-se alguns degraus até um grande
tanque com peixinhos dourados, que tinham sido ensinados a puxar um fio quando
estavam com fome. Eu ficava fascinada, ouvindo Carl contar coisas sobre a sua
infância. O tanque tinha no meio uma estatueta representando um garoto que
segurava duas rodas. Quando se abria uma torneira, a água jorrava e ouvia-se uma
musiquinha, ao mesmo tempo em que a água fazia girar as rodas. À esquerda do
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lago ficava um grande aviário, construído contra um muro. Era muito espaçoso e as
pessoas podiam entrar e andar nele à vontade.
Espero que os leitores não fiquem entediados com estas descrições, mas
acredito que a maioria ficará tão fascinada quanto eu, ao imaginar aquele jardim de
outros tempos.
Carl tinha a capacidade de, ao contar coisas da sua juventude, fazer com
que tudo fosse revivido. Eu sentia que estava literalmente vivendo em meio àquela
obra da Natureza, ajudada pela mão do homem.
Quero contar mais alguma coisa a respeito desse jardim, mas vamos
agora mudar um pouco de assunto, porque os que, como eu, forem amigos de
mudanças, devem estar querendo evitar essa horrível sensação de tédio e sem
dúvida erguerão aos céus uma silenciosa prece de gratidão. O nome do chefe de
família que habitava a Casa da Prefeitura era William. É importante assinalar este
fato porque ele tinha dois nomes, mas William será suficiente para identificá-lo. Muito
bem, esse senhor, que era engenheiro hidráulico chefe do distrito, morava bem em
frente à prefeitura propriamente dita que, por sua vez, ficava ao lado do Quartel
Central de Polícia.
Pode parecer estranho, meio século mais tarde, entender que Wiliam,
além do cargo que exercia, possuísse também o único carro de bombeiros da
região, acumulando também as funções de chefe dos bombeiros. Como já dissemos,
a prefeitura ficava ao lado do Quartel Central da Polícia e, do outro lado, havia um
pequeno caminho que subia o morro e passava em frente à Casa da Prefeitura,
estendendo-se até o Castelo de Plympton, que tinha uma bela torre de menagem,
ao lado da qual havia um alto, sobre o qual se erguia o castelo original.
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As muralhas do castelo estavam em ruínas, mas ainda se podia perceber
o seu plano originário. Eram muralhas extremamente grossas, tão grossas, que
havia um túnel passando por elas e levando a uma câmara escondida, sob a
elevação onde se erigia o castelo. Essa câmara fora recentemente obstruída por
pedras que haviam caído. Do lado de fora das muralhas havia uma grande pedra
vermelha. A lenda — como sempre, imprecisa — contava que o Príncipe Negro tinha
visitado o castelo e, por ter muito mau gênio, castigara um guarda menos obediente,
espatifando-lhe os miolos contra a tal pedra, que desde então ficava vermelha do
sangue do coitado.
O chefe de bombeiros, William, costumava percorrer a região numa
pequena caleça puxada por um pônei, carregando o seu comprido estetoscópio, que
naquele tempo era de madeira e comprido, como se fosse uma bengala: numa das
extremidades havia uma espécie de auricular e, na outra, uma ponta grossa.
De vez em quando, Papai William pulava da caleça, enfiava a ponta
grossa do pau no chão e ficava escutando, para ver se a água estava saindo do
reservatório. Depois, subia de novo e prosseguia na sua inspeção, sempre fumando
o seu curto cachimbo irlandês.
No fundo do jardim havia uma estufa muito ampla, e seguindo-se a aléia
da direita, ia-se ter a um pomar. O jardim era muito grande. Uma horta ocupava
cerca de dois acres e, entre ela e o jardim, havia uma casa onde eram guardadas as
bombas contra incêndio que William adquirira, pois não havia outro Corpo de
Bombeiros nas proximidades. Tanto as bombas como o carro de bombeiros de
Papai William eram puxados por cavalos. Cada vez que havia um incêndio, seguia-
se uma reunião do Conselho, que votava quanto se devia pagar aos bombeiros.
72
Todos esses bombeiros usavam uniformes azul-escuro e reluzentes
capacetes metálicos. A Brigada contra Incêndios, como a chamavam, era muito
popular nas paradas, principalmente quando se precisava de arranjar fundos para
algum empreendimento.
Papai William colecionava antiguidades, principalmente quadros e móveis,
influenciado por seu irmão Richard, que pertencia à Academia Real, onde, inclusive,
havia vários quadros seus. Mas William era de temperamento impulsivo, o que fez
com que comprasse várias "antiguidades" que nada tinham de autêntico, empatando
dinheiro nelas. Ao descobrir mais tarde que muitos dos quadros e obras de arte
eram falsificados, todos da família ficaram perplexos. Depois que William faleceu,
verificou-se que, embora no papel os seus bens valessem muito dinheiro (graças,
sobretudo, às antiguidades), grande parte não tinha valor, por ser constituída de
falsificações.
Volto a afirmar aqui que Papai William nunca foi bombeiro hidráulico (só
se a confusão for devida ao fato de ele apagar fogo ..) e sim engenheiro hidráulico
chefe do distrito. Insisto nisso porque muita gente, principalmente jornalistas, tem
dito, em tom de sarcasmo: — Como é que o filho de um bombeiro pode saber algo
além de mexer com canos? Felizmente, isso não mais me afeta, pois aprendi coisas
mais importantes do que ligar para a imprensa, que não se importa em provocar
suicídios, desde que os seus jornais vendam bem.
Aprendi a valorizar a felicidade, a dar e a compartilhar e a saber que é
possível manter o ânimo em meio a mais cruel das doenças. Aprendi a sentir
satisfação neste planeta, tantas vezes decepcionante. Vi como uma pessoa ajudou
outras pessoas que só procuraram causar-lhe mal e, se nem sempre eu própria
tenha agido assim, o fato de ter estado imersa nesse clima de bondade decerto
73
deixou marcas no meu subconsciente, o que permite que cada vez mais eu me torne
uma pessoa melhor.
Não, William não era encanador, mas que importância tem se tivesse
sido? Eve, a mulher de William, pertencia a uma riquíssima família de fazendeiros de
Brentnor, com muitas propriedades, mas as famílias de Papai William e de Mamãe
Eve tiveram consideráveis batalhas legais a respeito do direito de passagem entre
os dois campos. Ambas as famílias (naquele tempo ricas) foram à Justiça e, quando
uma família perdia uma ação, entrava com uma apelação. A coisa continuou assim
até todos ficarem pobres.
Como costuma acontecer, quando um patrão importante tem vários
homens sob suas ordens, esses homens trabalham horas extras, fazendo serviços
extraordinários. Certo dia, o Chefe de Bombeiros mandou um dos seus
comandados auscultar a água do reservatório, para ver se estava fluindo pela
tubulação, conforme devia. Aconteceu que esse homem, que não era lá muito
inteligente, estava freando o pônei para saltar da caleça, quando o animal se mexeu
e o fundilho de suas calças ficou preso na lâmpada da caleça. Ele estava justamente
pulando da caleça e as calças cederam. Correu imediatamente para o banheiro com
a intenção de remendá-las e assim poder reaparecer em público. Mas, bem no
momento em que acabara de tirar as calças o alarme de incêndio soou e o homem
lembrou-se de que estava de plantão. Na pressa, não pensou mais nas calças e
correu para o carro de bombeiros, que já estava saindo. De repente, o cocheiro
parou o carro, ao ouvir uma tremenda risada. Eram os outros bombeiros, rindo do
colega, com o seu capacete reluzente, mas sem calças e com as fraldas da camisa
esvoaçando... Um dos colegas atirou-lhe uma túnica e o pobre homem desapareceu,
sem dúvida para tentar remendar as calças rotas.
74
Antes de deixarmos o interessante assunto da água e seus usos, quero
relatar um caso que li no The Albertan, ainda esta manhã, 1.° de dezembro de 1976:
Um médico teve necessidade de chamar um bombeiro-hidráulico, que não
tardou a lhe bater à porta. Pôs-se ao trabalho e em breve tinha consertado o defeito.
— Quanto é? — perguntou o médico.
— Setenta e cinco dólares — disse o bombeiro.
— O quê! — retrucou o médico. — Eu cobraria, por uma visita, menos de
um quarto do que o senhor me pede.
— Eu também, quando era médico — respondeu, rindo, o bombeiro.
Talvez vocês já tenham, como eu, ouvido essa piada, mas a verdade é
que ela reflete as mudanças que estão ocorrendo. Bombeiros ricos, médicos
pobres...
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ODE À MONTANHA
No alto da montanha
É onde eu quero estar.
Olhando para o horizonte,
É onde eu quero estar.
Quero comungar contigo, árvore,
Só tu e eu,
Pois é belo estarmos juntos,
Só tu e eu.
Uma folhinha de verde erva
E uma colorida flor de montanha.
Uma joaninha que traz boa sorte
E uma colorida flor de montanha.
Será egoísmo desejar tanto para mim?
Deveria, antes, pensar nos outros?
Mas eu busco as coisas da Natureza
Para aprender a amar os outros.
76
Interlúdio
Vocês já repararam como o tempo parece voar mais rápido e os anos
parecem ter uma pressa desesperada em chegar a algum lugar, sem poder esperar
por ninguém?
Hoje é Páscoa, domingo de Páscoa do ano de mil novecentos e setenta e
sete e, ao mexer nas primeiras páginas desse livro vejo que a última (ou será melhor
dizer "a primeira?") parte dele foi concluída em princípios de dezembro de 1976. Que
aconteceu nesse intervalo? Doenças na família, doença fatal num dos casos,
questões financeiras e domésticas a resolver, cartas a responder.
É como se a gente se tivesse separado de alguém — tanta coisa mudou,
nestes quatro meses! Mas, pelo menos, eu posso dizer: "Saudações, Lírio Tigrino,
vamos continuar com a nossa história!" Talvez este seja o momento adequado para
estender as nossas saudações a pessoas que nos escrevem de muitos países,
espalhados à volta do nosso planeta. Quero dizer àqueles que me escreveram após
terem lido o meu primeiro livro, A Mente Felina, que muito apreciei as suas palavras
de estímulo e que foram elas que me fizeram continuar escrevendo. Sinto-me
especialmente feliz por ver que, através das suas páginas, muita gente ficou
entendendo melhor os seus bichinhos de estimação, formando assim um elo mais
sólido de companheirismo com eles.- Uma dessas pessoas que me escreveu disse
que desde jovem sempre tivera cães e pouco sabia a respeito de gatos. O gato do
vizinho ignorava-a quando se encontravam, mas, para sua grande surpresa, depois
de ler as histórias de A Mente Felina, o gato começou a lhe dar atenção. E ainda há
quem diga que os gatos são pouco inteligentes!!! A maioria das pessoas inteligentes
conhece algo sobre a história dos gatos, como eles foram torturados, tidos como
feiticeiros (e, em certas épocas, adorados como deuses). Bem, se como talvez seja
77
possível, eles tinham que pagar por erros passados, reais ou imaginários, a
"humanidade" cuidou de que pagassem muito caro, mas agora eles se redimiram.
Muita gente talvez não saiba, mas os gatos fazem tanto para ajudar os humanos,
que vai levar muito, muito tempo, para que possamos pagar-lhes o mal que nós lhes
causamos e o bem que ora estão fazendo em prol da humanidade. Espero, pelo
menos, contribuir um pouco para mostrar aos que estiveram interessados como é
simples e compensador dedicar um pouco mais de tempo a uma maior compreensão
das necessidades dos nossos irmãozinhos gatos.
Como a maioria das pessoas, também gosto de me afastar um pouco das
obrigações cotidianas e a Páscoa me permite isso, fazendo com que eu possa usar
outras partes do meu cérebro, dedicar-me a fazer coisas diferentes da rotina que o
dia-a-dia exige e que não envolve grande esforço intelectual. No caso de escritoras
como eu, a ocasião permite que paremos para bater papo e não tenhamos que
correr à caixa postal para apanhar a correspondência e ter que responder às cartas,
o que nos consome a maior parte do dia. Não me entendam mal. Nós recebemos
cartas encantadoras, de gente de todas as partes do mundo — não estou
reclamando e sim dizendo apenas que é bom poder parar um pouco a fim de
"recarregar" o mecanismo.
Conheço uma senhora que não pode funcionar se não parar de vez em
quando para se sentar, fechar os olhos e esquecer o mundo à sua volta. Ou então
vai até o jardim e cuida dos canteiros de flores, a fim de relaxar. Atualmente, ela está
vivendo momentos de grande tensão, causados pela doença de duas pessoas muito
idosas da sua família, que não têm esperança de se recuperar. Felizmente, ela está
agora aposentada, após ter passado muitos anos viajando de um lado para o outro,
pois ocupava um cargo importante como técnica em estatística.
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Há uns dias atrás, tivemos ocasião de nos falar, e ela me disse quanta
coisa aprendeu nos últimos anos, coisas que anteriormente só tinham existido como
teorias na sua cabeça, mas que aos poucos ela foi pondo em prática. Por ter mais
tempo disponível, após a aposentadoria, e antes de ocorrerem às doenças na
família, ela constatou que, quanto mais trabalhava com as mãos, num hobby com a
jardinagem, em vez de ler ou ver televisão, mais "sensível" e "atenta" às coisas da
mente ela ficava. Foi com grande interesse que a ouvi contar isso, pois o mesmo
aconteceu comigo. Às vezes, acho que não aprendo com facilidade e que deve ter
havido uma porção de falhas na minha instrução, com relação a conceitos que eu
deveria ter aprendido antes.
No que diz respeito à sensibilidade, ainda no outro dia ouvi no rádio algo
muito interessante com referência a terremotos, um fenômeno muito comum nos
dias que correm. O entrevistado dizia que os cientistas só podem prever a
ocorrência de um terremoto dentro de um período de seis anos aproximadamente,
ou seja, sabem que vai haver um terremoto dentro de seis anos, mas não podem
precisar quando. Disse também ter sido constatado que as humildes baratas são,
dentre todas as criaturas, aquelas cujo comportamento indica a iminência de um
terremoto. E que os psíquicos e outros sensitivos também são bons indicadores
desse tipo de fenômeno. Essa minha amiga que tem os parentes doentes me contou
que, de vez em quando, tem umas sensações estranhas e que "você pode apostar o
que quiser como, dentro de três ou quatro dias, outro terremoto sacudirá o planeta".
Contou que, há algumas semanas atrás, estava preocupada com a doença dos
parentes quando sentiu os primeiros sintomas de uma gripe e, ainda por cima houve
um desses terríveis ataques que precedem um tremor de terra — tremor esse que
logo foi noticiado. Não há dúvida de que se trata de uma pessoa altamente sensitiva.
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Trabalhar com as mãos é, realmente, algo que pode nos ajudar a
progredir e até, em certos casos, a preservar a saúde mental. Como acontece com a
maioria das coisas, bastando que se saiba vê-las, o trabalho manual tem o seu lado
bom.
Neste fim de semana de Páscoa, vimos uns filmes do National Film Board
e um deles tratava dos hippies e seus imitadores. Ao que parece, eles estão
causando bastantes problemas numa certa região de Toronto ê a solução
encontrada foi convidá-los para uma reunião com o Prefeito, no seu gabinete. O
Prefeito procurou convencer esses "reformadores do mundo" de que era essencial,
para todo o mundo, trabalhar, ter um emprego, pagar pelas coisas que se
consomem na vida.
— Trabalhando, a pessoa sente-se feliz — disse o Prefeito e,
naturalmente, isso provocou uma discussão.
— Então, por que é que todo mundo procura trabalhar o menos possível?
— perguntou um dos jovens. — Se trabalhar faz as pessoas se sentirem felizes, elas
estão querendo sentir-se infelizes.
E eu pensei:
— Sr. Prefeito, está vendo como é difícil convencer alguém?
Cada segmento da sociedade acredita estar com a razão e parece não
haver ponto de contato, ponte de comunicação entre eles, de modo que todos se
sentem como que perdidos. Felizmente, a gente pensa que em breve a humanidade
chegará ao "fundo do poço" e depois teremos outra Idade de Ouro, pois não haverá
outro jeito senão subir. Mesmo que muitos de nós não vivamos para ver isso,
conforta-nos pensar que as gerações futuras serão beneficiadas (a menos que,
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nesse meio tempo, destruamos o planeta...) e se sentirão orgulhosas, e não
envergonhadas, de pertencer à raça humana.
Pessoalmente, esta Semana Santa trouxe-me muitas recordações e me
fez sentir grata. Há sete anos atrás, quando estávamos vivendo em New Brunswick,
parecia iminente uma mudança na minha vida e na da minha família. Se eu
acreditasse piamente nos médicos, ficaria esperando que nossa família se
desagregasse dali a três a seis meses e teria sido muito triste. Que faria eu com os
meus dois gatos siameses, que naquele tempo eram ainda bebês, mas que já
mostravam tanto amor por Lobsang Rampa (o Guv), sentimento esse recíproco?
Agora, sete anos mais tarde, novamente nos divertimos vendo filmes,
como naqueles dias que nos parecem já tão longínquos. Ainda recentemente, vimos
de novo o encantador curta-metragem do Sr. Gafanhoto e de Dona Formiga, feito
por Lotte Reiniger, essa brilhante alemã, de que já falei em A Mente Felina e que no
The Albertan de 21 de abril ganhou uma encantadora reportagem, juntamente com
uma fotografia. Gostamos principalmente de saber que essa célebre alemã está
morando em New Barnet, na parte norte de Londres, e se associou a John Grierson,
da British Broard Casting Corporation, que mais tarde fundou o National Film Board.
Lotte Reiniger, ao que parece, foi a pioneira do filme de silhuetas e fez o primeiro
longa-metragem de animação da história do cinema. Atualmente com setenta e sete
anos, continua viajando muito e cheia de vivacidade. Foi uma grande experiência,
conhecê-la mesmo que apenas através de um jornal. É bom constatar que o nosso
jornal local de vez em quando se lembra de publicar algo interessante e educativo.
Se não fosse a dor constante, presente na nossa órbita, eu poderia me
sentir como a gatinha, que se sentia tão ancha pelo fato de estar incluída no quadro
de Buda, que acabou sobrando neste planeta e teve de ir para o outro mundo. De
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modo que, se todos nós não tivéssemos as nossas tristeza se as nossas tensões,
poderíamos ficar demasiado complacentes- e nunca atingir os objetivos a que nos
propúnhamos.
Nestes feriados, tivemos tempo de falar de muitas coisas e eu gostei
porque, nos dias úteis, há tanta gente pedindo ajuda, principalmente por carta, que
não me sobra tempo para nada.
Mas houve também um pequeno contratempo. Depois de ter datilografado
a primeira página deste "Interlúdio", a beleza do tempo fez com que eu pusesse de
lado a máquina de escrever e levasse as minhas gatas para um passeio de cerca de
uma hora. Temos um encantador motorista, que adora Cléo e Taddy, de modo que
me sinto segura quando as deixo com ele e saio do carro para comprar algo ou fazer
uma visitinha. Quando ele vê alguém se aproximando, sobretudo crianças (que
muitas vezes são endiabradas), fecha todas as portas do carro e guarda as minhas
gatas com zelo de pai. Cléo e Taddy têm Keith na mais alta estima e, acostumadas
que estão com ele, podem se esquecer da sua presença e devotar todas as suas
energias psíquicas e mentais a observar o ambiente e as pessoas que estão
sentadas nos carros estacionados, ou que passam por nós (comentando "Que lindos
gatos!"), ou então fazendo o que Cléo e Taddy mais gostam, correr e deixar para
trás os outros carros.
Tínhamos andado muito pouco, quando Mama San sentiu que os óculos
estavam frouxos e, mal tinha comentado a respeito, a lente direita caiu. Keith pulou
logo para fora do carro, abrindo a porta de trás e mostrando-se, como sempre,
solícito. Mas a lente foi rapidamente achada dentro do carro e logo nos metemos de
novo a caminho, Mama San sentindo-se meio cega. Foi um contratempo e tanto,
pois parte da minha missão era dar um pulo na casa de uma senhora minha
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conhecida, que desejava me mostrar uns trabalhos que está fazendo. Essa senhora
faz de tudo, inclusive macramê, e seus dois filhos são artistas profissionais, um
trabalhando como free-lance e outro como professor de arte em Montreal. O marido,
por sua vez, faz histórias em quadrinhos, de modo que não pude apreciar como
devia as coisas que me mostraram. Outro hobby dela é fazer turbantes. Tinha um
quase pronto para mim e queria que eu o provasse. Achei melhor ela decidir
sozinha, pois não confiava na minha visão de um só olho.
Assim foi que, após um agradável interlúdio ao longo de Elbow Drive,
voltamos para casa.
A tarde do domingo de Páscoa foi bem menos agradável, porque o
terceiro membro da nossa família acabou no pronto-socorro do hospital local,
esperando cerca de duas horas de uma linda tarde para que lhe dessem sete pontos
no dedo. Foi apenas um pequeno acidente, uma luta para abrir uma lata de
conservas, em que a lata ganhou.
Realmente, foi uma Páscoa a ser recordada por muitas razões. Após
esperar em casa mais de duas horas, telefonei para o hospital, a fim de saber o que
estava acontecendo, e me responderam:
— Ah, sim, estão dando os pontos neste momento!
Isso fez-me lembrar uma ocasião, em Montreal, quando comigo
aconteceu uma coisa parecida, e Taddy perguntou ao Guv:
— Você acha que vamos voltar a ver mamãe? Aqui termina o nosso
Interlúdio.
83
Se você está sempre
imaginando que tem uma doença,
poderá acabar contraindo-a
por auto-sugestão, e o inverso também
é verdadeiro: se você tem uma doença,
poderá ver-se livre dela se
tiver bastante confiança
em si mesmo!
84
Capítulo 13
Terminado o interlúdio, talvez seja boa idéia voltar à história central de
lírio tigrino, antes de perder completamente o fio da meada, porque eu gosto mesmo
é de viver e de escrever o presente. Isso é compreensível, pois me sinto muito mais
feliz hoje em dia, que tenho a vantagem de experiências passadas, vantagem essa
que procuro utilizar para tornar a vida um pouco mais agradável aos outros membros
da minha família. Antigamente, eu sofria de uma aparente insatisfação que causava
grande preocupação a Cari. Tínhamos os nossos desentendimentos e muitas vezes
não conseguíamos encarar uma situação sob o mesmo ponto de vista.
Naturalmente, isso levava a momentos difíceis, que por sua vez resultavam em
sofrimento para Cari, pessoa extremamente sensível. Felizmente, porém, ele nunca
abrigou qualquer ressentimento — passado algum tempo, tudo voltava a ser como
antes. O mesmo não acontecia com a Ra'ab, que ficava "morando" no assunto,
aumentando tudo o que fora dito e fazendo o papel do elefante, que nunca esquece.
Hoje, que a Ra'ab tem mais conhecimento das coisas, ela compreende as diferenças
que existem em cada pessoa e sabe que procurar controlar o leão e o touro,
principalmente quando eles coexistem na mesma pessoa, é tarefa muito difícil, pois
ambas as criaturas são voluntariosas e dotadas de boa memória no tocante a
ofensas, reais ou imaginárias.
Uma coisa que me enfurecia era ser objeto de brincadeiras, mas hoje eu
vejo que isso era pura infantilidade da minha parte. Eu era demasiado "quadrada"...
Mas que é que vocês achariam se fossem empurrados para fora da cama, só por
brincadeira? Por trás de tudo isso, porém, eu sabia que a vida era muito mais do que
procurar se divertir e tirar o máximo partido possível dela. Sabia que se eu
procurasse fugir à situação, às minhas responsabilidades, alguma coisa, alguém,
85
num lugar qualquer, seria afetado, e que os meus atos, se eu me desviasse do
caminho que escolhera, poderiam causar um sério problema e resultar pelo menos,
numa grande perda pessoal. Nos nossos momentos de harmonia, eu ficava muito
feliz » em ouvir Cari dizer que a sua vida presente era a melhor que ele jamais
conhecera e que ele achava a minha companhia estimulante. Quando nos
conhecemos, ele costumava me dizer que, do ponto de vista espiritual e mental, teria
achado a minha companhia interessante fosse eu homem ou mulher! Para mim, isso
era um maravilhoso tributo a outro ser humano e ele costumava fazer observações
desse tipo nos momentos menos esperados.
Naqueles primeiros tempos eu usava muita maquilagem, coisa de que ele
não gostava. Dizia sempre:
— Ra'ab, você sabe exatamente a quantidade de maquilagem que
precisa para ficar ainda mais bonita!
Isso até eu resolver deixar de me pintar, por perceber que era o que ele
queria. Não havia dúvida que ele usava de psicologia. Mas, se você não se esforça
por agradar o seu marido, a quem mais você pretende agradar? Diz-se que as
mulheres se vestem para as outras e, não raro, para vantagem das outras. Procuram
competir umas com as outras e só se pode concluir que têm tão pouca confiança em
si próprias, que tentam ser melhores do que as outras para compensar o seu
sentimento de inferioridade!!!
Antes de conhecer Carl, mandei fazer o meu retrato e dei-o de presente a
ele quando começamos a sair juntos. Para minha surpresa, quando Carl o pendurou
na parede do seu apartamento, vi que o tinha alterado.
— Que aconteceu com os meus brincos? — perguntei.
— Ah, pintei-os — respondeu ele — não gostava deles.
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Carl não suportava artificialismos de nenhum tipo, fazendo-me lembrar o
Faraó Akenaten — o herege — pois sempre me interessei muito por egiptologia.
Esse faraó, que era fisicamente disforme, recusava-se a ser pintado diferente do que
era na realidade. Falando do Egito, já quase não me lembro por que comecei a ser
chamada pelo nome egípcio de "Ra'ab". Parece que, se as pessoas me chamavam
pelo meu verdadeiro nome, eu não me dava conta de que estavam falando comigo.
Às vezes, suspeito que o nome seja o diminutivo de um nome mais longo, mas isso
não tem importância. Já fui chamada de várias maneiras, durante a minha vida, mas
Ra'ab é o nome de que mais gosto!
Não obstante,- os nomes têm a sua força. Sabe-se de muitos atores e
atrizes que nunca tiveram sorte e não conseguiram ir para a frente enquanto não
mudaram de nome. Depois que mudaram, foi como que uma porta se abrisse e eles
passaram a ser aclamados onde que fossem. Alguns nomes parecem dar azar e
impedir que a pessoa progrida, ao passo que outros são harmônicos e protetores.
Conheço uma pessoa que acrescentou apenas uma letra ao seu nome para poder
obter melhores resultados nos seus negócios.
Bem, enquanto morávamos em Weybridge, mudamos também de nome
mas, como isso foi descrito em foi assim! um dos últimos livros de Lobsang Rampa,
não há necessidade de eu me ater a detalhes com relação aos motivos da
mudança. O que eu sei é que tivemos de suportar muita maldade e sarcasmo de
pessoas de posição elevada. Um certo "cavalheiro", uma autoridade, achou
divertido compor uns versos de pé-quebrado e conteúdo mordaz, que vivia
repetindo! Sim, nós tivemos a nossa parcela — acho que até mais do que a parcela
normal — de aborrecimentos, principalmente quando Carl teve a inspiração (ou
recebeu a instrução, qual a diferença?) de usar roupas orientais e deixar crescer a
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barba. Tenho boas razões para crer que algumas dessas pessoas, que nos
achavam loucos, não estão tão bem assim hoje em dia, umas deste lado do véu da
vida, outras do outro, onde é demasiado tarde para pedir desculpas e o máximo que
elas podem fazer é arrepender-se da sua cegueira. Às vezes, a gente sente uma
certa empatia pelos que foram avisados do seu propósito, da sua missão na vida,
mas preferiram ignorar a mensagem, e estão agora condenados à Terra, seja no
estado encarnado ou no desencarnado, de vez que, tendo deixado escapar a
oportunidade, têm que esperar muito tempo para poderem ver os seus erros e voltar
ao "ciclo de vida" num futuro distante, ficando, enquanto isso, a chafurdar no
remorso e no arrependimento.
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Acho que nunca hei de ver
um cartaz tão belo quanto uma árvore
e, a menos que o cartaz caia,
nunca hei de ver uma árvore.
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Capítulo 14
É muito fácil a pessoa ficar amargurada, desanimada, e culpar tudo e a
todos pelas suas mágoas, em vez de olhar bem para si mesma e compreender que
é dentro de nós que está a maior parte, ou mesmo todo o mal. Há quem acuse todo
o sistema de estar errado, quem culpe o establishment pela sua falta de sorte, ou os
seus pais, ou o fato de não haver trabalho (às vezes, ha trabalho, mas não é
considerado à altura dos seus talentos imaginários). É por isso que tanta gente
metida a hippie resolve não fazer absolutamente nada.
O que acabei de dizer não é conversa fiada, pois quando olho para trás,
para a minha juventude, ainda me parece ouvir-me dizer, sempre que estava em
maus lençóis (pois nenhuma família é imune a isso):
— Ora, eu não pedi para nascer!
Passaram-se alguns anos antes que eu compreendesse a imbecilidade
de tal comentário. Agora, eu sei que todos planejamos nascer, embora o resultado
possa ser um pouco diferente do que nós pretendíamos. A verdade que há nisto
veio-me à mente com maior nitidez há alguns dias atrás, quando estava relendo o
livro de Lobsang Rampa, Eu Creio, que acabou de ser publicado e dedica quase
dois terços das suas páginas a esse tema. Por isso, o rubor da ignorância deve, a
esta altura, ter empalidecido, à medida que me fui dando conta da verdade.
Talvez agora seja hora de voltar a Weybridge e ao nosso tigre-gato, que
tanta felicidade trouxe às nossas vidas e que ainda está conosco sob outra forma,
pronto a me saudar com alegria quando chegar a minha vez de ir para a terra onde
ele agora habita.
Mr. T. Catt ficou todo excitado e entusiasmado, quando pela primeira vez
lhe permitimos percorrer, sozinho, os três e meio acres, mas a princípio a sua "mãe"
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humana ficou muito apreensiva. Acho que já mencionei isso, mas há pessoas que
não se importam com as repetições. Talvez eu esteja utilizando o método de outra
pessoa ou dando a desculpa de que, quando a gente fica mais velha, costuma
repetir as coisas.
O nosso tigre passou a maior parte da sua vida na região de Weybridge e,
quando chegou a hora de ir embora, foi para ele um grande golpe, embora nós, na
ocasião, não percebêssemos isso. A primeira noite depois que mudamos (e nem foi
para um lugar muito distante) ele ficou sentado, sem comer nem ir ao banheiro, até o
dia seguinte. Nesse tempo, a sua "mãe" era bastante ignorante e Carl era quem
entendia de gatos, mas talvez Ra'ab esteja aos poucos compreendendo que essas
criaturinhas precisam de mais atenção e consideração do que a maioria das pessoas
está preparada para dar. Como talvez eu já tenha dito, os gatos são extremamente
sensíveis e os chamados felinos domésticos não suportam que riam deles — eles
podem rir com vocês (quem já ouviu falar em que a coisa aconteceu me parecesse
uma calamidade, uma espécie de terremoto.
Refletindo bem, cheguei à conclusão de que um gato pode facilmente
sentir-se muito só. Embora eles sejam capazes de entender os humanos, seguindo-
lhes os pensamentos, muitos humanos, talvez a maioria, são incapazes de
compreender o que os gatos estão tentando lhes transmitir. Ainda há pouco, isto é,
há alguns meses, li a respeito de um gato doméstico, "o bichano de estimação da
família", como dizia no jornal, que acordou os ocupantes da casa quando esta
começou a pegar fogo, salvando-os de uma morte horrível. Se o gato tivesse sido
capaz de gritar:
— Ei, a casa está pegando fogo! — o alarme teria sido dado mais
depressa e teria havido menos pânico. Recentemente, um jovem me escreveu,
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dizendo: "Sempre achei os gatos estúpidos". Pobre rapaz, pensei, você é que é
estúpido!
Voltamos, pois, a Weybridge. No fim da década de quarenta, passamos lá
um dos invernos mais frios de que tenho notícia, em que tudo parecia congelado.
Um apartamento situado em cima de uma garagem nunca é muito quente e eu tinha
um sifão de soda num armário do hall, que não só congelou, como também explodiu!
Estávamos muito preocupados com Mr. T. Catt, sentando na sua poltrona,
com o ar mais infeliz do mundo. Tínhamos posto um cobertor forrando a poltrona e
coloquei-lhe outro por cima, tentando aquecê-lo. Tinha medo de pôr um saco de
água quente perto dele, temendo que o furasse com as garras e se queimasse. Hoje
em dia, já sei que não há perigo e que os gatos adoram esse conforto, mesmo
quando não faz tanto frio assim. Os gatos siameses parecem sentir mais frio do que
os outros, talvez por terem o pêlo mais curto. Aconselho os leitores que estejam
pensando em esquentar os seus gatos com um saco de água quente a terem o
cuidado de apertar bem a rolha e não fazerem a coisa de qualquer jeito, como
aconteceu comigo uma ou duas vezes, resultando num banho do estofo do sofá
onde as minhas atuais gatas se sentam. Como o sofá estava forrado com uma
fazenda listrada, agora o que há é uma confusão de azuis, verdes, vermelhos e
amarelos.
Sem dúvida, muitos leitores se lembram ainda do terrível inverno de mil
novecentos e quarenta e sete, de que tanto se falou na Inglaterra.
Nossa estada naquele distrito de Weybridge estava chegando ao fim, mas
nós ainda não sabíamos disso. Com o passar do tempo, Carl muitas vezes parecia
pensativo, como se tivesse uma porção de coisas na cabeça, e de fato tinha. Às
vezes, eu me sentia um pouco perdida e tomada de um sentimento de solidão,
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embora soubesse que as coisas iam mudar. A solidão foi sempre um dos meus
maiores problemas e eu bem sabia que a coisa toda estava dentro de mim. Foi só
nos últimos anos que essa atitude mudou e, atualmente, sinto quase o contrário.
Talvez o passar dos anos me tenha feito mudar — embora eu não me atreva a
perguntar à família se para melhor, se para pior, com medo da resposta!
Carl estava trabalhando muito, sua saúde nunca fora boa (o serviço de
recrutamento das Forças Armadas classificou-o como reservista de quarto grau) e
essa fora uma das principais razões por que tínhamos decidido morar perto do seu
local de emprego. Como tantos outros, naqueles tempos, ele era alvo de insultos por
não estar na ativa e ficou em silêncio quando, um belo dia, recebeu anonimamente,
pelo correio, uma pena branca, símbolo de covardia.
Havia muito trabalho acumulado no escritório e Carl escrevia artigos e
mensagens publicitárias, instigado pelo patrão, que nunca lhe elogiava nem
reconhecia o trabalho. Havia um bocado de ciúme e inveja no ar, pois Carl era capaz
de fazer mais do que os outros. Foi, realmente, um período bastante infeliz. O
crédito ia sempre para a pessoa para quem Carl escrevia a matéria e nunca para
ele.
Acabamos decidindo que era hora de mudar e, de certa maneira, isso nos
foi imposto, mas preciso deixar claro que foi nossa a decisão de sair, pois mais tarde
correram boatos segundo os quais Carl fora despedido. O chefe também queria que
eu trabalhasse, gratuitamente, claro, atendendo telefonemas e fazendo outros
serviços, mas o leão que há em Ra'ab não se mostrou disposto a colaborar.
Decidimos, então, mudar de ares.
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Escreve sem cobrar até que
alguém te ofereça dinheiro;
se ninguém te oferecer dinheiro
depois de três anos, é porque
nasceste para cortar lenha.
Mark Twain
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Capítulo 15
O lugar que seria o nosso destino ficava a caminho de Londres, depois de
Walton-on-Thames e Esher, não muito longe de Kingston-on-Thames e Surbiton,
que era um pouco menor e mais perto. A localidade mais próxima para fazer
compras era Kingston-on-Thames, onde a grande loja de departamentos de Bentall
constituía a grande atração. Hoje em dia, estamos tão acostumados a centros
comerciais gigantescos, que a Bentall's passaria quase despercebida.
Para nós, foi como que um arrancar de raízes, pois tínhamos morado
durante muito tempo em Weybridge, mas não estávamos tristes por ir embora.
Excetuando a passagem da atual Rainha Elizabeth pelos arredores da nossa
cidadezinha e as atividades próprias da guerra, muito pouca coisa ficou na minha
memória. Houvera uma certa agitação quando a filha de Sir Winston, Mary Churchill,
chegou comandando um batalhão de mulheres do corpo auxiliar feminino, para
treinamento. Tínhamos vendido o carro, de modo que recorremos a um serviço de
mudanças, mas eram muito poucas as coisas que íamos levar conosco e até as
roupas eram escassas. O nosso "tigre", foi quem sentiu mais, ia deixar o único lar
que jamais conhecera e do qual nunca se afastara, nem de noite. Estava,
evidentemente, muito abalado e, no dia da partida, tive de ir dar um recado a uma
vizinha, dessas que adoram bater um papo. Ao voltar, encontrei o tigre a ponto de
ter um ataque. Felizmente, Carl ficara com ele e soube contornar a situação melhor
do que eu seria capaz. Ia ser muito duro para ele e para nós ficar sem o grande
jardim, sem a boa vizinhança, e ter que ficar fechados dentro de dois quartos que
nem sequer se comunicavam. Mas não havia outra alternativa, as circunstâncias
assim o ordenavam.
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A senhoria, em Thames Ditton, parecia ansiosa por nos ter como
inquilinos, chegando ao ponto de discutir com o anterior inquilino a fim de nos
possibilitar alugar dois quartos, pois tínhamos deixado claro que não poderíamos
ocupar um. Isto passou-se por volta de agosto ou talvez setembro, é uma das datas
de que não tenho certeza, coisa rara em mim, que geralmente guardo bem datas.
Lembro-me é de como costumávamos nos sentar no quintal, nos fundos da casa,
durante as claras noites de verão, e como sofríamos com as picadas de mosquitos
aparentemente enormes. Não foram tempos felizes. Tudo era inconveniente e a
gente sentia-se deslocada naquela região, que parecia completamente estranha.
Tínhamos um banheiro comum a todos e instalamos um pequeno fogão no quarto,
coisa hoje em dia completamente ilegal. A senhoria era muito temperamental e
pensava que podia mandar nos inquilinos. Passava muito tempo no seu quarto e
dava-nos a entender que era uma espécie de "conselheira sentimental", por
correspondência, e a julgar pelas suas conversas respondia a consultas mediante
pagamento. Gostava de prever o futuro. De qualquer maneira, o departamento dos
correios se beneficiava com um bom dinheiro.
Era uma mulher de caráter forte e, aqueles que acreditam em
reencarnação podem facilmente chegar à conclusão de que ela (ou ele) fora alguém
de importância em outras vidas — na vida atual, tinha tido estreito contato com uma
alta personalidade da Ásia e agia com se ainda lá estivesse. Suas roupas fora de
moda mostravam claramente que pertencera à classe alta e, embora bastante velha,
tinha um companheiro jovem. Desejava poder conjurar telepaticamente um quadro,
pois duvido muito que possa descrever adequadamente, com palavras, um episódio
de que ela foi protagonista.
96
Morávamos ainda com Madame quando chegou o Natal e, como é de
costume, a maioria das pessoas, nesse dia pelo menos, gosta de irradiar amizade.
Algo como ir à igreja aos domingos e passar o resto da semana vivendo como
ímpios.
Bem, o nosso quarto de dormir ficava em frente ao de Madame e, quando
já íamos nos recolher, na véspera do Natal, ouvimos um barulho de papel e um
ofegar bem alto, seguidos de um estrondo terrível, enquanto "algo" rolava pela
escada abaixo e Madame, sem a peruca, abria a porta do seu quarto para ver o que
estava acontecendo. Aparentemente, estivera embrulhando uma lata de ração para
gatos, ou algo parecido, para dar de presente a Mr. T. Catt, saíra do quarto e
deixara-a no alto da escada, onde ela se agüentara alguns segundos para depois,
quando Madame já estava recolhida ao quarto, começar a rolar degraus abaixo.
Não, não acho que a descrição esteja à altura da cena. Mas tudo terminou bem, com
todos nós, inclusive Madame, rindo às gargalhadas!
É difícil dizer se a situação era pior para Carl ou para o tigre. Muita gente
já passou por algo semelhante e sabe o que é estar sem emprego. Na Inglaterra, a
pessoa era considerada liquidada quando não estava estabelecida na vida aos
trinta anos. Quando se largava um emprego por vontade própria, sem se ter sido
despedido, não havia esperanças de conseguir ajuda. Que diferença do que ocorre
na Inglaterra dos nossos dias, onde se pode obter todo tipo de ajuda sem se ter
trabalhado um só dia, quando há assistência social e bolsas para estudantes! Mas
será isso uma boa coisa? Não estará contribuindo para se criar uma nação de
molengas? Carl passava horas indo de bicicleta até East Molesley, onde ficava a
Agência de Desemprego, esperando conseguir trabalho de qualquer espécie mas
recebendo sempre um tratamento nada agradável, embora, como sempre ocorre,
97
houvesse uma exceção e um dos funcionários se portasse de maneira humana com
ele e viesse nos visitar uma ou duas vezes. Os poucos empregos que havia eram
dados a pessoas que tinham sido despedidas dos cargos anteriores e não aos que
se tinham despedido por conta própria, não obstante os motivos que os tivessem
levado a isso Eu sabia que Mr. Catt estava muito preocupado, porque os gatos
(quando tratados com um mínimo de consideração) sempre se identificam com a
sua família humana, e ele devia estar aflito com o nosso futuro. Felizmente,
tínhamos algumas apólices de seguro, que pudemos resgatar, de outra maneira a
situação teria sido desesperadora. O emprego de Weybridge não nos permitira
economizar nada, mas. uma coisa veio em nosso socorro. Alguns anos antes, eu
tivera a intuição de fazer um seguro por minha livre e espontânea vontade. As
prestações eram muito altas e não era possível continuar a pagá-las, na situação em
que estávamos, mas a restituição foi boa e, à nossa maneira, continuamos nos
mantendo.
Pequenas tarefas de publicidade apareciam de quando em quando, mas
era apenas um quebra-galho, que nos proporcionava algumas libras. O nosso living
tinha uma sacadinha, mas isso foi depois de termos saído da casa de Madame, o
que ocorreu menos de uma semana após a troca de gentilezas natalinas. Madame
gostava de caras novas e nos ofereceram o apartamento superior de uma casa de
poucos andares, que logo tratamos de aceitar. Era uma suíte mobilhada, que
atendia às nossas necessidades, com um quarto, uma sala de estar e cozinha. T.
Catt ficava horas a fio na sacada, desfrutando do sol da tarde e vendo os pássaros.
98
Um clássico é um livro
que todo mundo gostaria de ter
lido, mas que ninguém quer ler.
De A Sabedoria de Mark Twain
99
Capítulo 16
Thames Ditton deve ter sido um lugar muito importante em tempos
passados, principalmente na época de Elizabeth I. Podia-se imaginar a rainha
vogando, na sua lancha, sobre o Tamisa, até Hampton Court, onde parece que ela
passava longas temporadas. Atualmente, como quando lá vivemos, acho que é
possível visitar a suite que ela utilizava e contemplar a cama onde ela dormia — ou
ficava acordada. Na Inglaterra, há uma frase muito conhecida usada para atrair
turistas: "A Rainha Elizabeth dormiu aqui" — e designa vários lugares. Todos nós
gostamos de visitar tais lugares.
Isso me traz à lembrança a história dos turistas (terei coragem de
acrescentar que deviam ser americanos, desses que gostam de percorrer vários
lugares em poucas horas?). Acabavam de deixar a Inglaterra e estavam no
continente, falando dos diversos lugares históricos que tinham visitado.
— Viram a Magna Carta? — perguntou um deles. ,
— Não, chegamos muito tarde e ela já tinha ido embora.
Meus conhecimentos de história não são tão grandes como eu desejaria
mas, viajando e visitando lugares históricos, pode-se aprender mais do que
folheando um livro de história e foi para mim uma satisfação visitar o palácio que
Henrique VIII mandou construir para o Cardeal Wolsey. Meu propósito, ao escrever
estas páginas, não é falar de Hampton Court ou discorrer sobre assuntos históricos,
e sim escrever sobre a minha família que, naturalmente, inclui os felinos. Muito bem,
quero apenas mencionar outro item de interesse: a fileira de casas que há em frente
do Court e que foram desenhadas por Sir Christopher Wren, personalidade que
sempre me interessou muito.
100
Por isso, sendo medianamente obediente, vou voltar à minha história
particular, que talvez deva frisar ser verdadeira, pois é meu desejo descrever, da
maneira mais acurada possível, exatamente o que aconteceu durante esse período
da nossa vida. Tanta gente tem procurado levar o público a pensar que os livros de
Lobsang Rampa não passam de ficção (embora a maioria das pessoas saiba que
ele só escreve a verdade), que faço questão de insistir em que, da mesma forma,
Lírio Tigrino só trata de acontecimentos nos quais eu tomei parte.
A metade da casa, a parte que nos cabia, era, sob muitos pontos de vista,
bastante conveniente porque podíamos descer a pé até o rio, e gozar da sua calma
pensando em quantas histórias o velho Tamisa não teria para contar se pudéssemos
entender a linguagem da água.
A estação ferroviária ficava muito perto, de modo que era fácil ir até
Surbiton, nosso mais próximo centro comercial, ou até Wimbledon, ou a Kingston-
on-Thames e mesmo a Londres, que também não ficava muito distante.
Naturalmente, não viajávamos muito, mas Carl tinha que ir de um lado para o outro
esforçando-se ao máximo para encontrar um emprego, apresentando-se para
entrevistas ou fazendo testes.
Mr. T. Catt ficava em casa comigo e fazíamos muita coisa juntos. Tenho a
certeza de que os gatos exercem boa influência e, quando a gente os trata de
maneira correta, podem nos ajudar. Sentada à mesa, estudando grafologia, eu
sempre tinha a sensação de que o nosso tigre estava ligado no que eu fazia, da
mesma forma que as duas bichanas que agora me fazem companhia.
Não havia independência entre os dois apartamentos. Alguns degraus
levavam à parte de cima, onde nós morávamos, mas não havia privacidade e
tínhamos que sair pela única porta, da mesma forma que os inquilinos idosos que
101
habitavam no andar térreo. Naturalmente, ninguém gostava disso, mas não
tínhamos outra alternativa, de modo que nos conformávamos. Muitos anos se
passaram, mas eu nunca esqueci um pequeno incidente.
Acho que um dos casais idosos devia ser ligeiramente surdo, porque o
homem costumava gritar bem alto e aparentemente a mulher estava sempre
reclamando de uma coisa ou outra. Ela trabalhava, mesmo sendo bem velha, mas
acho que o homem devia ser aposentado. Seja como for, certa manhã, quando ela
estava saindo, após a briga de costume, ouvimos o homem gritar, logo atrás dela:
— Setenta anos e ainda saindo para trabalhar!
Pessoalmente, acho que ele devia estar era muito satisfeito, e por dois
motivos: tinham um pouco mais de dinheiro (a menos que ela o escondesse dele!) e,
na ausência dela, ele podia ter um pouco de sossego!!!
A vida sem dúvida tem momentos mais felizes e tenho a certeza de que
Mr. Catt muitas vezes deve ter pensado:
— Puxa vida, por que será que esses humanos não concordam nunca,
nem que seja para variar!
Conforme creio já ter mencionado, os gatos não toleram atritos e é essa
uma das razões pelas quais sofrem de males físicos e nervosos. Quando há atritos
demais e de menos o gato desiste de viver, deita-se e morre, ou então some de vez.
Olhando para trás, vejo que uma boa parte da minha vida foi passada
aparentemente esperando — mas esperando o quê? — e mesmo que, em certas
ocasiões, eu tenha dado a impressão de estar olhando "através de um vidro escuro"
(citação bíblica) sempre, no fundo, eu sentia que havia algo por trás de tudo. Agora,
sei que todos os períodos de reclusão, principalmente depois de ter conhecido Carl
e no tempo que se seguiu à sua partida deste planeta, tiveram uma razão especial.
102
Já que mencionei uma citação bíblica, vou fugir um momento ao assunto
para contar uma experiência de há dois dias atrás, quando dois homens, entre meia-
idade e idosos, bateram à porta do nosso apartamento. Abri-a e eles me
perguntaram se podia lhes dar um minuto de atenção.
— Com que fim? — perguntei, pois tenho uma certa desconfiança de
desconhecidos, nestes dias de tantos crimes.
— Bem — disse um deles — somos da Sociedade Bíblica e gostaríamos
de conversar um pouco com a senhora.
Educadamente, respondi:
— Não, acho que não adianta conversar — eu tinha uma porção de
coisas para lazer, àquela hora da manhã — porque nós aqui somos budistas.
Os dois deram um passo atrás, mas logo recuperaram o sangue-frio e
exclamaram:
— Que interessante!
Aproveitei para contar-lhes algo que me acontecera nas últimas semanas.
Uma jovem tinha expressado o desejo de ler o meu livro A Mente Felina e, como eu
tinha um exemplar extra, emprestei-o. Uma ou duas semanas mais tarde, recebi pelo
correio um bilhete de agradecimentos, junto com um livro da Sociedade Bíblica, que
ela me informava ser uma história verídica. O bilhete estava escrito de maneira a
sugerir que a minha história era apenas uma fábula. Da mesma forma que meu
marido, também eu sou contra essa atitude missionária, pois ambos acreditamos
que podemos ser salvos sem fazermos parte da Igreja de Cristo. Quando muito
jovem, eu achava, como tantas outras pessoas, que devíamos procurar converter os
outros à fé cristã, nem que fosse pela força. Agora, que entendo as coisas, sei que o
verdadeiro budista não tem missionários e não acredita nas tentativas de modificar
103
as crenças dos outros. As pessoas parecem não entender que o budismo, em vez
de ser uma religião, é um modo de vida, um esforço para tratar os outros como
gostaríamos de ser tratados. Cristo não viveu segundo essa lei? Então, por que
tanta briga?
104
Se você não sabe o que
está procurando, como
vai saber, quando encontrar?
105
Capítulo 17
Tinha sido um dia daqueles, em que tudo parece sair errado. O tempo —
bem, vocês sabem como é o tempo em Calgary, frio, ventoso, com uma grande faixa
de neblina amarelo-esverdeada no horizonte, o smog dos carros, porque aqui, em
Calgary, acho que há mais carros per capita do que em qualquer outro lugar da
América do Norte, e os carros roncam durante todo o dia e toda a noite. À noite,
então, os motoristas parecem enlouquecer.
É estranho, mas os guardas de trânsito se omitem completamente. À
noite, os carros passam voando. Na maioria das vezes, ignoram inteiramente os
sinais. Uma noite, eu estava à janela, quando dois carros passaram à toda. O
primeiro parou no sinal, mas o motorista do segundo resolveu não parar! Ouviu-se
um bater de lataria, felizmente não foi nada grave, mas o chofer do segundo carro
pulou para fora do veículo, o do primeiro também e começaram a se esmurrar no
rosto e a berrar como loucos. Ambos pareciam estar bêbedos. O sinal ficou verde,
depois vermelho, depois verde outra vez, e eles brigando. Aí, o sinal ficou de novo
vermelho e os motoristas, como que combinados, voltaram para seus carros,
furaram o sinal vermelho, pararam do outro lado do cruzamento, saltaram de novo.
e. recomeçaram a se esmurrar! Sinal dos tempos,.
Bem, o dia tinha sido difícil. A toda a hora gente na porta, o homem da
Companhia Telefônica, um entregador, o síndico do edifício, para avisar que eu não
deixasse escoar água pela pia da cozinha porque havia um vazamento no andar de
baixo — tinham que substituir os canos e, se não tivéssemos cuidado o pessoal de
baixo provavelmente tomaria um banho de água suja.
É, fora um desses dias horríveis, em que tudo parece conspirar para dar cabo da
energia da gente. Olhei pela janela ao anoitecer, quando as sombras noturnas
106
começam a cair e as luzes se acendem nos altos edifícios, de trinta e quarenta
andares. O grande edifício novo, à esquerda, sede de uma companhia de petróleo,
estava todo aceso. Mais à esquerda, o novo aeroporto, ainda em construção, estava
tendo a iluminação testada. Fazia um belo clarão no céu e combinava bem, quase
que artisticamente, com algumas das lâmpadas cor de âmbar da rua e com as
azuladas, fluorescentes. Continuando a olhar, vi as luzes do trânsito piscar e, depois,
passando por cima dos arranha-céus, um grande jato 747, com centenas de
passageiros. Do nosso posto de observação, sempre vemos a luz de bombordo da
asa. É a vermelha, e só quando o vento muda e o avisão está de-colando é que
vemos a luz verde de estibordo, mas este avião estava iluminado como uma cidade
sobre asas e eu pude imaginar as pessoas apagando os seus cigarros, apertando os
cintos de segurança e se perguntando se a Tia Fanny ou o Tio Cicrano estariam no
aeroporto, à sua espera.
Mas eu me sentia muito cansada. Miss Cleo estava indócil, andando de um lado
para outro em volta dos meus pés e me atrapalhando, porque queria dar uma
corridinha pelo corredor antes de se recolher. Com um suspiro de resignação, abri a
porta e deixei-a sair. Temos que ter muito cuidado, porque Miss Cleo é uma gata
muito sociável e gosta de se sentar na frente dos três elevadores, de modo a poder
cumprimentar as pessoas que saem. Há outros apartamentos no andar e Miss Cleo
gosta de atuar como recepcionista oficial. É engraçado, ver como tanta gente a
ignora, parece nem sequer vê-la, mas temos que estar vigilantes, porque Miss Cleo
já muitas vezes tentou entrar num elevador. Não se considera uma gata, considera-
se uma pessoa, talvez porque ela e Tadalinka foram tratadas como seres humanos
desde que nasceram. Finalmente, cansada de estar no corredor, voltou, com a
107
cauda erguida e soltando gritinhos de satisfação por estar regressando a casa,
depois de ter cumprido o seu dever.
O Guv estava em seu pequeno quarto, onde tudo o que ele pode ver do
mundo é através de um espelho, isto é, ao contrário. Tem um telescópio equipado
com um espelho, o que faz com que, naturalmente, a esquerda e a direita sejam
invertidas.
Eu estava ficando exausta. Gosto de me deitar cedo, dá-me a
oportunidade de pensar, de meditar sobre os problemas do dia e de especular sobre
o dia seguinte. O Guv já tinha tomado o seu remédio e estava pronto para se
recolher. Pus para fora o jantar das gatas. Ou melhor, a ceia. Elas fazem questão de
ter uma boa ceia todas as noites. Assim que eu encho os pratinhos, elas vêm
cheirar, para ver o que é, e depois se retiram. Não querem comer logo. Gostam de
esperar até ser bem tarde e as luzes estarem todas apagadas.
Meu quarto também é pequeno e, numa das paredes, tenho um belo
poster. É uma paisagem havaiana, uma linda praia de areia branca e mar muito azul,
além das inevitáveis palmeiras, tão bem fotografadas que, com um pouco de
imaginação, a gente pode vê-las ondular ao vento. Tenho também um quadro com
motivo brasileiro, que combina muito bem com o poster.
Há sempre tanto que fazer, antes de ir para a cama! Verificar se a porta
está trancada e que a tranca está no lugar. Tem havido tantos assaltos em Calgary,
que mandei fazer uma tranca de aço especial. Uma das pontas se encaixa no chão
e a outra — em forma de forquilha — debaixo da da maçaneta, de modo que
ninguém pode entrar. Coloquei a tranca no lugar, recolhi jornais e coisas pela casa
toda e guardei-os antes de ir para o meu quarto. Como já disse, é um quarto
pequeno, mas tenho uma linda cama de metal dourado, dessas do tipo antigo.
108
Assim que deitei ouvi um ronronar satisfeito. Miss Tadalinka se acomodara ao meu
lado e ronronava para expressar o seu contentamento de que o dia tivesse,
finalmente, terminado e ela pudesse encostar a cabecinha e mergulhar nos seus
belos sonhos de gata.
Miss Cleo ainda não terminara as suas obrigações. Teve de ir ver se o
Guv estava bem e, após ouvir as palavras tranquilizadoras dele, atravessou o
corredor do nosso apartamento e pulou para a minha cama — mas aí viu a gorda
Taddy já instalada e, com um ar ofendido, foi se deitar no que é realmente a cama
delas, ao lado da minha. Não demorou que estivesse toda enroscada e ressonando
baixinho.
Durante alguns momentos, fiquei ouvindo rádio e lendo algumas cartas
que tínhamos respondido durante o dia, pois todo dia chega muita correspondência.
O Guv é quem responde às cartas, mas depois eu faço uma revisão, à procura de
erros de ortografia, de gramática ou de datilografia. Tentei concentrar-me na leitura,
mas estava me sentindo tonta de sono. Não adiantava insistir, estendi a mão direita,
apaguei a luz e enrodílhei-me ao lado de Tadalinka, que emitiu um pequeno
grunhido de satisfação, ao sentir a minha mão sobre o seu corpinho. Fui-me
sentindo cada vez mais pesada, até que o sono me venceu.
Não sei quanto tempo dormi, mas acordei sobressaltada. Não podia
imaginar o que estava errado, mas sentia que "algo" não estava certo. Era como se
alguém estivesse ali no quarto comigo, além de Cleo e Taddy. Olhei para cima e, à
luz da rua, refletida nas paredes do quarto, vi Miss Kuei sentada aos pés da minha
cama. Miss Kuei deixou-nos faz já algum tempo para viver no astral, mas continua
nos dando conselhos e, muito frequentemente, o prazer de vê-la outra vez. Não
existe isso a que chamam morte. Algumas pessoas chamam-lhe "transição", mas o
109
nome que lhe não importa. A chamada morte é apenas o abandono do corpo
terreno, algo assim como tirar a roupa antes de partir para a terra do sono.
Miss Kuei estava sentada nos pés da minha cama, sorrindo para mim.
— Ma — disse ela — você está escrevendo coisas erradas nesse livro,
devia era escrever mais sobre os gatos.
Olhei para ela, pensei um pouco e .cheguei à conclusão de que ela
estava. certa porque tanta gente me escreve fazendo as perguntas mais
surpreendentes sobre gatos. Como alimentá-los corretamente? Como pegar neles?
Deve-se escová-los ou penteá-los? Que se deve fazer com um gato que tem
pulgas? E com um gato que sofre de prisão de ventre? As pessoas parecem não
saber nada a respeito das necessidades básicas dos gatos.
Taddy ressonava profundamente, Cleo sentou-se e ficou olhando, com ar
de quem aprovava. Mlss Kuei voltou a falar:
— Você pode responder a todas essas perguntas, Ma! Pode tornar a vida
muito mais fácil para nós, gatos. As pessoas acham que nós somos criaturas
estranhas, que não precisamos de nada. Mas você sabe que isso não é verdade,
não sabe? Quero que você escreva sobre os gatos: como é possível tornar os gatos
mais felizes, por que nós temos uma missão a cumprir. Nós somos os Olhos dos
Jardineiros e o que vemos determina o que deve ser feito em prol dos humanos e
dos animais. Mas, — e sorriu — não somos todos animais? Afinal de contas, os
humanos não passam de uma outra espécie de animais.
Eu estava me sentindo um pouco desnorteada, porque já tive muitos,
muitos gatos, de todos os tipos, de temperamentos diferentes e todos com
necessidades diferentes. Miss Kuei leu o meu pensamento e disse:
110
— Não, Ma, você está enganada. Não são necessidades diferentes, todos
os gatos precisam das mesmas coisas. Precisam de um certo tratamento básico, de
uns certos remédios básicos. Por que você não escreve sobre isso?
Voltei me um pouco ná cama e disse:
— Que é que você acha disso, Cleo, como vamos poder responder a
uma pergunta dessas?
Miss Kuei interrompeu:
— Claro que você vai poder, você já teve gatos bastantes para saber o
que os faz ficar felizes, o que os faz ficar doentes!
Hesitei, só de pensar em escrever coisas desse tipo, porque achava que
isso cabia a um especialista, mas repliquei:
— Miss Kuei, a melhor coisa que eu posso fazer é escrever o que penso
e pedir a um veterinário para corrigir ou acrescentar algo.
Miss Kuei franziu a testa e retrucou:
— Como você quiser, Ma, mas acho que não é preciso.
Mesmo assim, decidi telefonar, no dia seguinte, para o Dr. Peter Randall,
o excelente veterinário que cuida de Cleo e Taddy desde que viemos para Calgary.
Cleo dá-se muito bem com ele. Taddy bufa, faz uma encenação completa, mas
nunca tenta avançar para ele. Prometi, então, a Miss Kuei:
— Muito bem, de manhã bem cedo vou entrar em contato com o médico
de gatos e lhe pedir para ler algumas páginas do que escrevi, dizendo-me se estou
cem por cento certa nas minhas recomendações.
Miss Kuei fez que sim e disse:
— Não se esqueça de escrever sobre como fazer para curar gatos que
sofrem de prisão de ventre, gatos que sofrem de diarreia, sobre qual a melhor
111
maneira de alimentá-los — tanta gente pensa que os gatos bebem só leite, quando
precisam igualmente de água. Escreva sobre todas essas coisas! Diga que os gatos
precisam de uma alimentação variada, com alguns vegetais, além da carne. Os
gatos não são inteiramente carnívoros — gostam também de vegetais. Mais do que
isso, os vegetais são necessários à sua boa saúde. Escreva sobre como obter
sementes de capim e cultivá-la em vasos, pois o capim é a melhor coisa para limpar
o gato por dentro, botando para fora as bolas de pêlo. Faça isso, Ma, que você
estará nos prestando um grande serviço.
Miss Kuei piscou o olho para mim, levantou-se, espichou-se, e
desapareceu, voltou para o mundo astral que habita desde que deixou a Terra.
Suspirei profundamente ante a ideia de alterar os planos para o meu
segundo livro e acho que voltei a dormir porque, quando acordei, o sol da manhã
estava penetrando através da névoa que envolve Calgary e formando desenhos na
parede em frente à minha cama.
112
Eu me preocupo com a tua felicidade
assim como tu te
preocupas com a minha.
Eu não poderia estar em paz
se tu não estivesses.
Kahlil Gibran
113
Capítulo 18
Não demoramos a tomar o café. O Guv come muito pouco, e geralmente
em companhia de Miss Cleo, que gosta de se sentar na beira da cama e ficar
olhando. Assim que Guv termina, ela se senta no peito dele! Por uma razão
qualquer, que nós ainda não conseguimos entender, Cleo nunca se senta no colo
dele, sempre no seu peito, às vezes tão próximo, que ele não pode nem virar a
cabeça. Sentou-se e ficou ronronando, ronronando, até que eu tive de sair para ir
buscar a correspondência na caixa postal, pois não queremos que as pessoas
venham nos visitar. Já tivemos muitos aborrecimentos e resolvemos não dar o nosso
endereço particular.
Ainda há bem pouco tempo, recebemos um casal que tinha vindo de
avião do Peru. Queriam passar o fim de semana conosco. Nunca tínhamos ouvido
falar neles, nem sequer recebido uma só correspondência deles mas, no mesmo dia
em que saíram de Calgary, recebemos uma carta pedindo que Guv entrasse em
contato com eles, pois tinham vindo do Peru para passar o fim de semana conosco e
pedir conselhos a ele. Disseram também que tinham pedido a ajuda da polícia, do
correio, de todo mundo que lhes passara pela cabeça, tinham procurado vários
hotéis e motéis, mas não tinham conseguido descobrir o nosso endereço e, como
disse o Guv, "tínhamos que dar graças aos céus."
É a coisa mais irritante, quando as pessoas vêm a Calgary para tentar nos
achar. Pensam que vão ser recebidas como o filho ou a filha pródiga e, para
conseguir isso, removem céus e terra. Muitos chegaram a ir à polícia e inventar uma
história patética sobre um caso extremo — alguém estava morrendo etc. etc. — e
logo um policial vinha até a portaria do nosso edifício, anunciar "Polícia!" pelo
interfone. Naturalmente, os boatos não tardam.
114
— Por que será que os Rampa estão sempre recebendo a visita da
polícia?
Não é nada agradável.
Faz-me lembrar quando morávamos em Habitat, Montreal. Guv tinha uma
cadeira de rodas que pretendia dar a um policial que ficara inválido, depois de ter
sido alvejado na espinha por um assaltante. Mandamos chamar um detetive, que
olhou para a cadeira e achou que convinha. Depois, veio um enorme sargento da
Polícia, tratar da remoção da cadeira e, imediatamente mandaram um camburão
para apanhar a cadeira. Muito bem, Guv desceu com a cadeira de rodas pelo
elevador e atravessou a calçada da rua principal de Habitat, até o camburão. Foi
realmente divertido — para quem tem esse sentido de humor — ver uma porção de
cabeças espiando por trás das cortinas e os jardineiros se esconderem atrás dos
arbustos, tudo para ver o Guv sendo levado num camburão. Deve ter sido uma
decepção, quando viram a cadeira ser içada para dentro do veículo, as portas se
fecharem, o carro partir e Guv voltar para o edifício em outra cadeira. Por tudo isso,
não gostamos de visitas. Temos uma caixa-postal para evitar visitantes e devia ficar
claro que, se quiséssemos visitas, tornaríamos público o nosso endereço. Da
mesma forma, já tivemos algumas experiências com pessoas que nos telefonam.
Numa ocasião, por volta da meia-noite, dois policiais foram até a nossa
casa, em New Brunswick, e houve uma longa troca de palavras, pois eles insistiam
para que nós ligássemos para alguém do outro lado de Montreal e se recusavam a ir
embora antes que o fizéssemos. Uma mulher, que se negou a pagar o chamado,
queria que Guv telefonasse para o marido dela e lhe dissesse que não tinha
relações sexuais com ela, pois ela não o tolerava.
115
Mas os dias foram passando, dias comuns, sem nenhum acontecimento
extraordinário — café da manhã, pilhas e pilhas de cartas, almoço, mais trabalho,
chá, a hora do recreio das gatas, que é quando elas dão para correr e subir na casa
de árvore, até a hora de ir de novo para a cama. O Guv passa 99 por cento do seu
tempo na cama, contemplando o mundo através de um espelho. Deitei-me na minha
linda cama de metal e, mal adormeci, senti que me batiam no ombro. Tonta de sono
e, consequentemente, não muito disposta a papos, abri um olho e lá estava de novo
a Lady Kuei!
— Acorde, Ma — disse ela — ainda não terminamos aquele assunto que
começamos ontem à noite!
Não tive outro remédio senão abrir os dois olhos e esperar que ela
falasse.
— Que é que você vai dizer quanto ao sofrimento dos gatos? Agora
mesmo chegou aqui uma gata que se tornou minha amiga: As pessoas com quem
ela vivia não lhe ligavam, não tinham tempo para ela. Era apenas uma gata,
pensavam! Foram de férias e deixaram a gata, chamada Pansy, sozinha, trancada
em casa. Ela morreu de fome, porque as pessoas se demoraram mais do que
esperavam. Que é que você diria a gente como essa? Bem, ela tocou num ponto
nevrálgico, pois muita gente pensa que um gato é apenas um enfeite, um
ornamento dentro de casa, que não merece atenção. Ora, é possível deixar peixes
dias a fio sem comida, porque, se tiverem um bom aquário, podem se sustentar
bastante tempo das plantas aquáticas e dos microorganismos existentes na água.
Além disso, a maioria das pessoas sempre pede a alguém para dar comida aos
peixes, mas parecem não se preocupar com os gatos. Foi o que fiquei pensando, ali
116
deitada na cama, com o luar entrando pela janela e um avião chegando e saindo
periodicamente do aeroporto de Calgary.
As pessoas que possuem animais de estimação têm deveres para com
esses animais. Se não estiverem preparadas para dispensar os cuidados
necessários devem passar sem eles. Os animais têm direitos, tanto quanto as
crianças. São criaturas de Deus. São seres inteligentes. Quando as pessoas viajam,
devem deixar os seus animaizinhos com um veterinário de confiança. Os
veterinários costumam ter espaços cercados, especiais para alojar cães e gatos.
Naturalmente, os donos dos bichos têm que pagar — mas não pagariam pelos filhos,
se tivessem que deixá-los com alguém? Pagariam para ir ao cinema ou ao teatro.
Pagariam para se embriagar. Pagariam por qualquer diversão mas, quando se trata
de pagar por um pobre animalzinho inofensivo e sem defesa, que não pode tomar
conta de si mesmo, agem como miseráveis. Choram tudo, até a comida que lhes
dão. Essas pessoas deveriam ser postas numa jaula ou, então, presas por
praticarem crueldades contra animais.
Se você tiver que viajar, pergunte ao seu veterinário se pode ficar com o
seu bichinho por tantos dias. Se ele não puder, decerto saberá indicar-lhe quem
possa. Você viajará sabendo que o seu animalzinho está sendo bem tratado. Não se
sentirá só e receberá você de volta com alegria e gratidão.
Por que você tem um bichinho? Para enfeitar a casa? Mesmo sendo esse
o motivo, você afinal de contas cuida dos seus enfeites, faz questão de que eles
estejam limpos, num lugar seguro. Um enfeite é um enfeite — por mais artístico que
seja, é algo inanimado. Já os animais são uma das maravilhas deste mundo, com
sentidos muito mais desenvolvidos do que os dos humanos. Você seria capaz, por
exemplo, de farejar um tapete e saber quem andou em cima dele, três ou quatro dias
117
antes? Cleo é capaz, Taddy também. Todos os nossos gatos foram capazes de tal
façanha. Se você não se comunica com o seu gato, a ignorância é sua, quem perde
é você. Seu gato sabe o que você está pensando. Se você estiver pensando nele
com amor, seu gato lhe demonstrará amor. Se você irradiar ódio, seu gato
simplesmente desaparecerá da sua casa.
Há também a questão da prisão de ventre. Não são só os humanos que
sofrem de prisão de ventre, os gatos também, mas só devido à negligência das
pessoas. Dão-lhes comida errada, restos, tudo o que não presta para os homens é
geralmente jogado para o gato ou o cão comerem. E por quê? Se você realmente
ama o seu animalzinho, não acha que ele merece uma alimentação adequada?
Existem muitas rações para gatos e cães no mercado. A ração para gatos
só serve para eles, não para os cães. A ração para cães, é adequada aos cães e
nem sempre aos gatos, mas, seja qual for a ração, por melhor que ela seja, por si só
não é suficiente. Gostaria de poder escrever isto em manchetes de jornal
sensacionalista: ração para gatos ou para cães, sozinha, não é suficiente. Outras
coisas são precisas. Vegetais, por exemplo. É necessário dar-lhes carne e também
água. Muitas pessoas têm a ideia errada de que os gatos só bebem leite. Não é
assim. Eles também precisam de beber água.
Você sabe o que causa a prisão de ventre? Dentro dos intestinos há
uma porção de pêlos, chamados vilosidades. Na realidade, essas vilosidades são
pequenos tubos, algo assim como agulhas hipodérmicas. Penetram na massa que
está sendo expelida através dos intestinos. Ora, no intestino delgado, o conteúdo é
líquido, tornando-se semilíquido ao se aproximar do início do intestino grosso.
118
Quando a matéria chega ao cólon, está-se transformando de um estado
semilíquido para o que se poderia chamar de semi-sólido, porque as vilosidades
extraem dela todos os nutrientes, juntamente com a água.
A medida que a matéria — agora se transformando em matéria fecal —
sobe pelo cólon, torna-se mais dura, como que uma pasta e, quando desce para o
cólon descendente, em direção ao reto, vai endurecendo cada vez mais, mas
sempre ao alcance do esforço muscular necessário para a sua expulsão.
Se um animal — ou um humano, tanto faz — não tem suficiente água no
seu organismo, a matéria fecal endurece cada vez mais e, no fim, o pobre animal
tem que tomar uma lavagem, a fim de obter a água necessária para amolecer a
massa dura e possibilitar aos intestinos expeli-la.
Um animal — ou homem — corretamente alimentado e "regado" nunca
sofrerá de males como esse, porque a matéria fecal nunca endurecerá. Às vezes,
quando a criatura está debilitada, os músculos dos intestinos ficam por demais
enfraquecidos para dar início aos movimentos peristál-ticos, ocorrendo então a
prisão de ventre crónica. Nesse caso, é preciso introduzir um elemento irritante —
algo que irrite o cólon e o faça contrair -se, provocando a expulsão da matéria fecal.
Quando se tem que tomar um laxante (que é um irritante do intestino), deve-se
tomar também bastante água, para amolecer a massa fecal. Com os gatos
descobrimos que, usando leite em pó, o gato lambe tudo até à última gota e vai
direto, aos pulos evacuar. Dá ótimos resultados, mas é preciso ter cuidado porque,
dando leite demais, obtém-se o oposto da prisão de ventre, que é a diarreia, e um
gato com diarreia não é nada agradável de se ver — além de dar muito trabalho — o
melhor é tratar os nossos animais com os devidos cuidados.
119
Ração demasiada pode causar prisão de ventre. Um pouco de carne crua
ajuda a vencer esse problema, mas também não se deve abusar, porque, se o gato
come carne crua em excesso pode ficar com vermes. A prática fará com que você
aprenda a dosar adequadamente a alimentação do seu bichano.
Mas — para que é que eu estou dizendo tudo isto? Se você consultar um
bom veterinário, ele lhe dirá qual a melhor maneira de tratar o seu gato. Não lhe vai
custar muito uma consulta, pois constatamos que os veterinários são bem mais
humanos e menos comerciantes do que muitos médicos de gente. Guy sempre diz
que gostaria de poder ter um veterinário; sem dúvida teria muito mais compaixão,
pois não há muita compaixão pelas pessoas que têm doenças fatais. Negam-lhes
vaga nos hospitais e os médicos não têm tempo para visitá-los, de modo que a vida
se resume numa espera, ao longo de dias intermináveis e noites mais ainda, de que
o Senhor lhe ponha um fim.
Os gatos são criaturas peculiares. Têm uma característica que nem todo
mundo conhece. São algo parecidos com os patos que acabaram de sair do ovo.
Quando um patinho sai do ovo trata a primeira pessoa que vê como se fosse a sua
mãe. É isso mesmo! Já foram feitas experiências muito divertidas a esse respeito.
Bem, o mesmo acontece com os gatos. Um gato nunca esquece a primeira comida
que lhe dão, de modo que, se você der a um gatinho novo um pouco de peixe, ele
toda a sua vida adorará peixe. Se você lhe der carne, gostará de carne toda a vida.
Os gatos são criaturas extremamente fiéis aos hábitos adquiridos — não gostam de
novidades. A maioria dos gatos gosta de um único tipo de comida, o que não é bom.
Devem ter uma dieta bem equilibrada, em que entrem diversos alimentos. Algumas
rações para gatos são excelentes; outras são exatamente o contrário, de modo que
o melhor é experimentar várias delas até constatar qual o animal prefere e depois
120
usá-la como alimento básico, acrescentando-lhe outras coisas: um pedacinho de
batata, de repolho ou de alface e, naturalmente, carne, fígado ou peixe. Acima de
tudo, é indispensável ter sempre um pratinho com água ao alcance do animal.
Uma outra coisa: não se esqueça de ter um vaso ou uma caixa de
madeira cheia de capim plantado. É uma coisa muito fácil de fazer. Basta arranjar
um pouco de terra, umas sementes de capim e plantá-las. Em mais ou menos uma
semana, você terá um belo canteiro de capim, que o seu gato poderá mastigar à
vontade, até vomitar, pois é esse o propósito do capim: limpar o estômago e remover
a bola de pêlos nele acumulada. Uma bola de pêlos no intestino do gato pode
causar entupimento intestinal e morte, de maneira que você pode estar salvando a
vida do seu bichinho certificando-se de que ele consome capim fresco. É muito fácil
plantar um caixote de capim e, quando ele começar a crescer, plantar outro, de
modo a ter capim sempre fresco, quando o primeiro murchar ou for consumido!
Muita gente se queixa de que os gatos arranham os móveis. Não é
verdade. Um gato nunca arranhará um móvel se tiver algo próprio onde exercitar os
músculos das garras. As nossas gatas têm o que se chama "casa na árvore". Trata-
se de uma coisa comprida, que se estende do chão até o teto e é mantida firme por
uma espécie de mas tro, formado de um pau que desliza dentro de outro, e a parte
interna impelida para fora por uma mola forte. Esta espécie de árvore coberta de
tapete, tem várias plataformas, cada uma com um buraco. Os gatos sobem pelo
mastro, passam através do buraco e chegam ao alto, onde arranham e arranham,
exercitando os músculos das garras.
Temos também um pedaço de madeira, mais ou menos do dobro do
comprimento do gato e revestido por um tapete grosseiro. As gatas atiram-se à
madeira e arranham o tapete. Afirmo-lhes que as nossas gatas não arranham
121
nenhum móvel nem estofo, pois reconhecem nessas duas coisas sua propriedade
particular, sabem que elas foram postas ali para a sua conveniência e nunca
abusam da confiança que a gente deposita nelas.
Uma outra coisa, muito importante. Quando você tiver que se afastar por
um certo número de horas, diga isso ao seu gato. Pegue nele com carinho, olhe bem
para sua carinha e diga-lhe, em voz lenta e firme, que vai sair, mas que dentro de
tantas horas vai voltar. Constatei essa necessidade há um tempo atrás. Tive de sair
para fazer umas compras e disse:
— Bem, gatinhas, vou sair, mas não vou demorar. Até logo.
Infelizmente, me atrasei algumas horas. Vocês sabem como é, comecei a
olhar vitrinas, vi uma porção de coisas que não podia comprar, mas fiquei
namorando com os olhos, o tempo passou mais depressa do que eu esperava e,
quando voltei para casa, soube que as duas gatas por pouco não tinham
enlouquecido de preocupação. Tinham ficado como loucas e, finalmente, se deitado
na cama e virado a cara para a parede, que é uma espécie de preparação para a
morte.
Pois é, os gatos podem morrer assim, facilmente. Quando um gato se vê
separado de um ente querido e não vê esperanças de voltar a encontrar, o gato —
não estou exagerando — vira a cara para a parede e morre. Infelizmente, vimos isso
acontecer.
Um animalzinho querido, seja ele um gato ou um cão, só nos traz alegria.
É um companheiro que nunca nos deixa mal, em quem a gente sempre pode confiar,
um bom amigo, que sabe expressar o seu carinho, nos dar ânimo e demonstrar que,
embora o mundo inteiro se vire contra a gente, ele continua a nos compreender e
amar.
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Deus me dê
SERENIDADE
Para aceitar as coisas
Que não posso modificar,
CORAGEM
Para modificar as coisas
Que estiverem ao meu alcance
SABEDORIA
Para ver a diferença.
123
Capítulo 19
Os gatos, como as pessoas e os automóveis, têm diferentes formas,
tamanhos, cores e tipos. Têm uma pata em cada extremidade do corpo, da mesma
forma que um automóvel tem uma roda em cada ponta, e a maioria dos gatos possui
cauda, embora o gato de Manx não a tenha, e isso atrapalhe o pobrezinho quando
tem de virar uma esquina correndo.
Primeiro, há o gato doméstico comum e fleugmático. Os gatos desse tipo
têm a peculiaridade de serem muito agarrados à casa onde vivem e, quando a
família se muda, é muito frequente que este tipo de gato não se acostume e queira
voltar à casa primitiva.
O gato doméstico comum tem as quatro patas aproximadamente do
mesmo comprimento. Já o gato siamês é bem diferente. Tem patas mais compridas
atrás, de modo que, quando você vê um gato siamês pela primeira vez, pensa que o
pobre bicho está descendo uma ladeira. Mas o gato dessa raça é muito inteligente,
muito sensível e, ao contrário do gato comum, se liga mais à família do que à casa.
Quando as pessoas se mudam, o gato siamês pensa:
- Ora bolas, ainda bem que vamos sair desta espelunca! — E parte feliz
com os chamados "donos" para o novo endereço.
Os gatos birmaneses são muito parecidos com os siameses e pode-se
dizer que eles são os Rolls-Royce e os Cadillacs do mundo felino, mas têm que ser
tratados com muito carinho. Extremamente sensíveis, precisam de amor em grandes
quantidades. Se a pessoa tem que sair para trabalhar, é muito cruel ter apenas um
gato siamês. Dois não custam mais a manter e fazem companhia um ao outro. Se
você tem um gato siamês e não o ama, ele também não o amará, na maioria das
vezes, nem vai querer ficar com você. Um dia, acabará fugindo e pronto, você nunca
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mais o verá. Irá para um lugar onde as pessoas o ame. Assim, se você quer um
bichinho só para enfeitar, prefira um gato comum — eles estão acostumados a isso.
São independentes e capazes de suportar quase tudo. Mas, se você quer uma
companhia e passa muito tempo em casa, arranje um gato siamês ou birmanês. Se
você tiver que sair durante muitas horas por dia, arranje dois gatos.
Algumas pessoas têm dificuldade em arranjar um segundo gato, devido
às brigas, ressentimentos e ciúmes que os gatos possam ter, mas isso, na verdade,
não constitui problema. Fecha-se o siamês residente (chamemo-lo assim) num
quarto, e o recém-chegado no quarto ao lado ou em frente. Abre-se a porta uns dois
centímetros, de modo a eles poderem se olhar, tirarem as suas conclusões um sobre
o outro e bufarem à vontade. Dentro de muito pouco tempo, os dois se tolerarão e
não acontecerá mais nada. Naturalmente, se você trouxer um gato novo e atirá-lo
junto do outro que você já tem, a coisa vai dar em briga e eles nunca serão amigos.
Você precisa usar de psicologia felina. Tem de dar muita atenção ao primeiro gato,
depois dar muita atenção ao segundo e, quando eles tiverem resolvido as suas
diferenças e decidido qual dos dois vai ser o gato número um, você terá paz em
casa. Os dois viverão muito bem juntos, cuidarão um do outro e não se sentirão sós
quando você tiver de sair.
Muita gente me pergunta o que eu acho sobre castrar gatos. Acho que é
uma boa coisa. No caso de uma gata, por exemplo, depois de operada ela fica muito
mais carinhosa e não é a mesma coisa que praticar uma histerectomia numa mulher.
Numa mulher, uma operação dessas geralmente provoca uma grande mudança de
personalidade. Isso não acontece com as gatas. Elas têm um metabolismo diferente
e a única coisa que acontece é você se livrar dos miados e gritos, ganhando em
troca uma companheira ainda mais amorosa. Se você não mandar operar a sua
125
gata, ela fará um barulho horrível quando estiver no cio, um barulho que não deixará
você dormir sossegado e, se você permitir que ela engravide, em breve toda a
vizinhança estará inundada de filhotes de siamês.
Os gatos machos devem ser castrados quando bem jovens, pois possuem
uma glândula especial, que faz com que excretem um líquido sobre os móveis e em
volta das paredes, líquido esse que é um autêntico chama-gatas. Castrando o seu
gato, ele vai ficar mais calmo, e a sua casa livre de cheiro.
Por falar em cheiros, todos os gatos devem ter um lugar onde fazer as
necessidades. Este lugar precisa ser mantido limpo, ou seja, a sujeira deve ser
jogada no vaso sanitário, porque de outra forma o cheiro fica demasiado forte e o
gato não pode ser responsabilizado por preferir um canto escuro, sujar debaixo da
cama ou coisa parecida. Você não faria o mesmo? Gostaria de usar um vaso
entupido ou com sinais de ter sido usado por outros, antes de você? Claro que não!
Então, procure ter com o seu gato os mesmos cuidados básicos que você teria
consigo mesmo ou com os outros.
Muita gente diz que os gatos são destruidores. Não são não. Os humanos
é que são os culpados. Se você acha que as suas unhas estão muito compridas,
pega uma tesoura e corta-as. Já um gato não pode fazer o mesmo. Tem que ter algo
onde possa aparar as garras e, se você lhe proporcionar o que ele precisa, não terá
que se preocupar com estofos rasgados. Nós temos o que se chama uma casa-na-
árvore. Acho que já a descrevi. Tem duas plataformas e as gatas sobem pelo
"tronco" ou poste, atravessam o buraco existente em cada plataforma, sobem mais
um pouco e acabam chegando ao alto, onde se firmam nas patas traseiras e ficam
arranhando o poste, que é recoberto por um tapete grosseiro. Compreendem que
têm o direito de arranhar ali e deixam os móveis sossegados.
126
Temos essa casa-na-árvore e também uma espécie de tapete especial,
do comprimento de dois gatos, para elas arranharem. Formam um ângulo em
relação ao chão e as gatas se jogam de lado em cima dele e arranham com vontade
o tapete que recobre a madeira, desgastando, dessa maneira, as garras.
Guv é muitas vezes acusado de se repetir, mas sempre, inevitavelmente,
depois de receber uma carta acusando-o de se repetir, recebe uma outra carta de
alguém que elogia a repetição e diz que a segunda ou terceira vez que ele falou de
um mesmo assunto é que o tornou absolutamente claro, de modo que, se eu estiver
me repetindo, bem, é tudo em prol da minha campanha pelo bom tratamento dos
gatos!
127
Quando alguém se preocupa conosco
É mais fácil falar,
É mais fácil ouvir,
É mais fácil se divertir,
É mais fácil trabalhar.
Quando alguém se preocupa conosco É mais fácil sorr ir.
Susan Polis Schutz
128
Capítulo 20
Recebi uma carta com algumas perguntas que podem ser de interesse
geral. Uma delas é sobre os gatos e o carma. Bem, os gatos têm um carma diferente
dos humanos, pois estão isentos de muitas das influências cármicas por serem "os
olhos dos deuses". Isto é, os gatos são criaturas completamente estranhas,
colocadas na Terra para relatarem coisas, para agirem como — digamos assim —
câmeras de televisão remotas, de maneira que os Jardineiros da Terra saibam o que
está acontecendo. Ãs vezes, têm que fazer algo que normalmente incorreria em
carma mas, nesse caso particular, o carma é anulado pelo fato de eles estarem
trabalhando para os deuses.
Outro assunto que parece intrigar muito as pessoas é a reencarnação. Os
humanos nunca se transformam em animais — claro que nós também somos
animais, mas teimamos em ser chamados de humanos — e os animais tampouco se
transformam em humanos. As pessoas têm a idéia errada de que os humanos são
os deuses da Terra, ao passo que os animais não passam de criaturas a serem
chutadas de um lado para o outro pelos "humanos". É um conceito inteiramente
errado. Tanto os humanos quanto os animais podem ter igual valor na comunidade
superior que exista além da Terra e, em certas condições, um animal pode ser
muito mais valioso para os Jardineiros da Terra do que um ser humano. Depende
das circunstâncias, mas não se pense que um animal pode ser "elevado" ao status
humano. O animal pode achar que, ao contrário, isso seria uma degradação.
O homem comete um crime gravíssimo contra a natureza quando utiliza
animais para experiências ou vivissecção. É um verdadeiro absurdo o representante
de uma indústria farmacêutica dizer que o seu produto foi experimentado em não sei
quantos camundongos. Um camundongo não é um homem. Se os homens desejam
129
fazer experiências, que as façam em prisioneiros. Hoje em dia, os criminosos são
muito mimados. Aqui em Calgary temos uma prisão que mais parece um hotel de
primeira, com televisão em todas as celas, uma piscina e tudo quanto é esporte.
Acho que é uma maneira errada de tratar os criminosos. Se eles têm uma dívida
para com a sociedade pelo mal que fizeram, por que não pagar servindo de cobaias
para experiências com medicamentos?
Guv tem uma opinião ainda mais radical a respeito. Diz ele:
— Por que não utilizar os hippies e as adeptas do Women's Lib nessas
experiências? Afinal de contas, eles ficam o tempo todo sem fazer nada, a não ser
dizer aos outros o que está errado no mundo. Mas não mexem uma palha para
endireitá-lo.
Vemos muitos animais serem atropelados. Ainda há pouco tivemos aqui
em Calgary um caso desses. Foi de noite. Um cão — desses cães-guia de cegos —
estava sentado perto de uma cerca, numa calçada ampla, à espera do dono. De
repente, um jovem criminoso surgiu num carro todo amassado e, com um olhar
diabólico, jogou-o em cima do cão, subindo a calçada e esmagando o pobre animal.
Depois, fugiu à toda. A polícia tentou pegar o carro, mas tratava-se de um veículo
roubado e o sujeito conseguiu fugir. Tem havido muitos casos tristes aqui, como o
dos marginais que foram até ao Jardim Zoológico e alvejaram os pobres animais
com flechadas. Esse não era o carma dos animais, mas não há dúvida de que
contribuiu para o carma dos "humanos".
A carta de que falei, pergunta a respeito de Lobsang Rampa e os animais.
— Sim — respondo — é certo que o Guv é capaz de se comunicar com
os animais aqui na Terra e no astral. Tem, por exemplo, três gatos amigos que
moram no astral e que lá permanecem para poderem auxiliá-lo sempre que ele
130
precisa de ajuda. Um chama-se Shindi, outra chama-se Jasmine e a terceira, Phyllis.
Todos três ensinam muita coisa a Guv.
Além disso, ele conversa muito e, por vezes, durante longo tempo com
Miss Cleo Rampa e Miss Tadalinka Rampa. Muitas vezes vejo Cleo entrar no quarto
dele, pular para cima do seu peito e ficar sentada, conversando com ele. Também
me perguntam sobre o que acontece quando os animais são mortos por outros
animais. Por exemplo, um gato caça um camundongo ou um pássaro. O pássaro e o
camundongo não padecerão, antes de serem mortos, uma verdadeira agonia de
terror? A resposta é: não, porque a Natureza faz com que, ao se aproximar a hora
da morte, o animal não tenha consciência disso. Não fica paralisado de medo e sim
tranquilo, sentindo que vai ser libertado de todas as dificuldades, sofrimentos e
amarguras desta vida.
Naturalmente, isso não se aplica no caso do homem matar animais,
porque é muito comum ele ferir um animal e o pobrezinho ficar com uma pata
quebrada ou uma artéria sangrando, procurando abrigo e impossibilitado de caçar. O
animal fica, então, sofrendo de fome e dor até que finalmente a morte venha libertá-
lo. Só aí receberá a ternura e a piedade que aparentemente não existiam entre
humanos de vibrações tão baixas, que não pareciam sentir amor por nenhuma
criatura, além de si mesmos.
A dor que é causada pela insensibilidade do homem é uma dívida
acrescentada, com toda a justiça ao carma desse homem. Numa outra ocasião,
nesta vida ou quando ele voltar de novo à Terra, irá padecer uma agonia semelhante
à que causou ao pobre animal.
131
Não é a mesma coisa quando um animal é morto humanamente, ou seja,
num matadouro, pois aí a morte é quase instantânea, não leva mais de dois minutos
para que o animal morra. Falo nisto porque tenho a certeza de que alguém vai dizer:
— Puxa, esta mulher tem uma obsessão contra a caça!
Eu retrucaria que existe uma enorme diferença entre matar um animal de
forma humana, para alimentar pessoas, e a matança indiscriminada de pássaros e
outros animais, só para satisfazer o instinto de caça do homem. As caçadas à
raposa, que através dos séculos prevaleceram na Inglaterra, principalmente entre
a chamada "classe aristocrática", de cuja educação e tradição se esperaria muito
mais são, para mim, inspiradas diretamente pelo demônio. Como você se sentiria, se
de repente lhe atiçassem uma matilha de cães em cima??? É a única coisa em que
a família real britânica deixa a desejar: sua responsabilidade é tão grande, e o seu
exemplo tão importante, que precisavam levar isso em consideração, antes de
cederem à sua preferência por esse "esporte" de aspectos morais tão repulsivos!
Muitas pessoas não sabem ver quando a morte realmente ocorre, não
conseguem distingui-la da morte aparente, quando a pessoa pode estar apenas em
estado de choque, sofrendo de catalepsia ou em coma profundo. Só um clarividente,
como o Guv, seria capaz de responder a isso. Diz ele:
— A morte ocorre quando o cordão de prata é partido.
E acrescenta:
— Quando o cordão de prata é partido, a separação do corpo e da alma
é inevitável e irreversível.
A grande maioria dos humanos é incapaz de ver esse fenômeno. Somos
cegos à visão dessa separação entre corpo e alma, de modo que precisamos nos
servir de outros meios para podermos saber se a vida realmente se extinguiu.
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Procuramos sentir o pulso da pessoa, erguer-lhe as pálpebras, para ver se os seus
olhos reagem. Há também o método de colocar um espelho diante da boca do
paciente — se o espelho ficar embaciado, há uma chance de a pessoa se recuperar.
O estado cataléptico pode ser muito difícil de diagnosticar. Mas, enquanto estamos
vivos, todos nós, animais, humanos e demais criaturas da Natureza, devemos viver
realmente e fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para que os outros fiquem
felizes e satisfeitos. Com relação aos animais de estimação, gatos e também
cãezinhos, Guv sempre diz que eles devem ter os seus brinquedos. Pode ser
apenas um camundongo de pelúcia, recheado de serragem, mas, quando você se
mudar para um lugar diferente, não se esqueça de levar também os objetos de uso
do seu animalzinho. Leve-os consigo, como objetos pessoais, pois pode ter de
esperar algum tempo para que a mudança chegue. Leve um tapete velho, uma
casa-na-árvore, a manta que seu bichinho costuma usar e qualquer brinquedo predi-
leto, de maneira a que o animal não se sinta perdido. Os gatos são muito sensíveis e
o fato de serem, de uma hora para a outra, trasladados para um novo ambiente, com
cheiros desconhecidos, pode ser terrível e resultar até num desfecho triste, como
posso garantir por experiência realizada. Use a mesma vasilha de água e o mesmo
prato de comida que sempre usou para ele. O seu bichinho sentirá menos a
mudança.
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Quando se está curado de
uma doença, importa
que doença era?
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Capítulo 21
Pronto, felinos, já lhes dei uma oportunidade. Agora, deixem-me voltar a
falar do Lírio Tigrino e das minhas atividades familiares daqueles tempos.
Era uma sorte naquele tempo não haver televisão, pois tenho a certeza
de que nos sentíamos muito mais felizes com o rádio que, após todos estes anos,
continua sendo a minha principal fonte de entretenimento, contribuindo para o
relaxamento, principalmente ao fim de um dia cansativo, e durante os raros
momentos de descanso após o almoço.
Dois programas semanais, do tempo em que morávamos em Thames
Ditton, permanecem na minha lembrança, ambos muito interessantes, embora um
deles tivesse mais utilidade para Carl. Fred Hoyle, o famoso cientista, ora Sir Fred
Hoyle, tinha um programa sobre astronomia e, embora eu soubesse muito pouco a
respeito, estava desejosa de aprender. Achava o assunto fascinante, mas Carl era
mais adiantado intelectualmente do que eu e, consequentemente, capaz de
acompanhar melhor as dissertações. Mesmo que grande parte do que diziam
estivessem além dos meus conhecimentos, eu gostava de ficar junto de Carl
ouvindo, nem que fosse para lhe fazer companhia, pois essa era a única coisa que,
segundo ele, lhe faltara na juventude.
Uma coisa que me enervava era quando Carl dava para desmontar um
velho rádio, a fim de estudar o seu mecanismo e consertar, desde que possível, o
aparelho. Quando a pessoa está mexendo num rádio, fica girando todos aqueles
botões, passando de uma estação para a outra, coisas que, para quem está de lado,
podem ser extremamente irritantes, principalmente quando se pegam algumas
palavras de um programa interessante e, de repente, já se está em outra estação.
Sem dúvida, eu era hipersensível — o que ainda sou, embora em grau um pouco
135
mais atenuado — mas, recordo-me nitidamente do dia em que perdi a cabeça,
quando Carl estava entretido consertando um rádio. Precisava tanto de um pouco de
paz, que rumei para o armazém, com o pretexto de comprar umas coisas, e a
caminhada me acalmou os nervos, fazendo com que depois tudo melhorasse.
Acho que este é um bom momento para confessar que não tenho sido
uma pessoa de convívio fácil e gostaria de ser eu mesma a dizer isso. Talvez, em
dias futuros, quado muito se escrever sobre Carl e sobre T. Lobsang Rampa, parte
verídica e muita coisa, talvez, fruto da vívida imaginação de algum escritor, a
"mulher da história", que sou eu, possa merecer uma ou duas palavras. É em parte
por esse motivo que achei boa ideia a própria Mama San escrever sobre Mama
San Ra'ab.
É certo que me sinto tão satisfeita quanto é possível estar, nesta Terra,
mas isso não quer dizer que eu seja uma pessoa fácil de se conviver. Intimamente,
sinto-me muito satisfeita, mas influências estranhas tendem a me tirar desse estado.
Quando a vida decorre tranquila eu funciono melhor. As circunstâncias atuais não
nos permitem ter visitas, principalmente devido à doença do Guv, o que para mim é
altamente satisfatório, mas provoca ressentimentos em algumas pessoas, que
parecem não ter muita compreensão das coisas. Gostaria de pagar tributo a uma
pessoa que representa uma exceção nesse aspecto: a Sra. Gertrud Heals, uma de
minhas amigas. A Sra. Heals é proprietária de uma livraria e de uma galeria de arte
que também se encarrega de fazer molduras e atua igualmente como guarda-livros
da firma. Mas sempre lhe sobra tempo para fazer muitas coisas extras e, por vezes
vem ao nosso apartamento numa missão qualquer, mas nunca procura aproveitar-se
da situação e estender a visita por muito tempo. Embora seja grande admiradora de
Rampa, nunca pede uma entrevista com ele — pelo que lhe estou muito grata.
136
Por outro lado, acontece de algumas pessoas se queixarem de que Guv
lhes escreveu uma carta num tom um pouco mais amistoso, diferente do tom
impessoal a que estavam habituadas. A isso Guv contesta:
— Muito bem, se é isso o que elas querem, vou voltar a lhes escrever da
maneira antiga, mais formal! Para mim dá no mesmo!
Há ocasiões em que as pessoas parecem insensíveis e intolerantes.
Outra pessoa muito compreensiva, também do mundo dos livros, é a Sra.
Cármen Moore, que temos na mais alta estima.
Quantas vezes Lobsang Rampa, nos seus dezessete livros, tentou
explicar que, se você quiser progredir espiritualmente, ter mais consciência das
coisas etc., não pode andar de um lado para o outro, colecionando amigos e
conhecidos como quem coleciona borboletas! Até mesmo a Bíblia, que norteia
espiritualmente a maioria das pessoas do mundo ocidental, nos aconselha a ficar
quietos e meditar, o que vem a dar no mesmo que "Fique quieto e procure se
conhecer". Por isso, não acho que seja errado levar uma vida quieta e sossegada e
sinto que sou feliz por não ser tão sensível quanto o Guv, que é altamente afetado
por vibrações não harmoniosas. Claro que a harmonia também o afeta e oxalá essa
harmonia existisse em abundância...
Voltemos uma vez mais a Thames Ditton, ao meu marido e ao meu
"tigre". Para Carl os tempos foram ainda mais difíceis do que para mim, pois uma
grande mudança estava prevista para ele, mais ainda do que para mim, embora eu
também estivesse inquieta só de pensar no que o futuro nos reservava. Revendo
agora o passado, com a maturidade que então não possuía, percebo o quanto isso
deve ter sido interessante para Mr. T. Catt que, como todos os gatos, vivia ao
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mesmo tempo em dois planos. Mais tarde, Guv me disse que o tigre lírio deve ter
pensado consigo mesmo:
— Lá está ela, vive em meio a acontecimentos tão cheios de interesse e
não consegue ver além do plano físico.
— Bem, se eu fosse uma gata, talvez pudesse ver além do físico e do
etérico! — retruquei.
Carl costumava sair para dar longas caminhadas solitárias, entre as
árvores que abundavam em Thames Ditton e eu acreditava que ele receberia
inspiração e instruções sobre o que se esperava que ele fizesse. Em retrospecto,
vejo que, embora ele tivesse concordado em renunciar ao seu corpo por uma
causa maior, às vezes devia sentir-se perplexo diante de todo o processo.
Aos domingos costumávamos ter um dia bastante tranquilo. Nesse dia
tínhamos por hábito ouvir o outro programa de rádio que nos interessava, as
palestras do Professor Joad, da British Broadcastíng Company, estação que também
irradiava o programa de Fred Hoyle o qual, incidentalmente, hoje em dia conta com a
ajuda de um colega, o seu filho.
Como todos nós gostamos de uma história divertida, nunca esqueci as
declarações do professor, cuja tradição familiar e formação pertenciam à era
vitoriana. O Professor Joad contou certa vez que nunca vira as pernas de sua mãe,
o máximo que ele vira fora os tornozelos e, mesmo assim, por descuido dela.
Quando ele era criança, até mesmo a mesa, as poltronas e o piano eram cobertos
de pano, de modo a não serem vistos "nus".
— Será possível? — pensei.
Se o professor pudesse olhar para baixo agora, sem dúvida ficaria sem
fala. Imaginem se ele tivesse visto algumas minisaias...
138
Não pretendo descrever o advento de Lobsang Rampa, pois ele já
escreveu sobre isso em seu livro Foi Assim e estou certa de que a maioria dos
leitores deste meu Lírio Tigrino, se não o leram pelo menos terão ouvido falar, de
modo que lhes recomendo comprá-lo, para saberem como tudo aconteceu, de viva
voz.
139
O que nos fez amigos
Quando nos conhecemos?
Bem, eu acho que sei:
O melhor que há em mim
E o melhor que há em você
Saudaram-se um ao outro
Porque ambos sabiam
Que sempre, desde o começo da vida,
O fato de sermos amigos
já estava escrito por Deus.
George Webster Douglas
140
Capítulo 22
Durante algum tempo depois da mudança cada um de nós teve uma
sensação estranha — e deve ter sido muito pior para Guv. Saíamos de vez em
quando, coisa que eu gostava muito de fazer e, de vez em quando, íamos comer
num restaurante, após os nossos passeios exploratórios pelo campo. Ele parecia se
adaptar muito depressa àquela vida nova e estranha, e eu me sentia grata por isso.
Num dia memorável, fomos até Mortlake, lugar conhecido em todo o mundo, mesmo
que apenas de nome, pois lá se desenrolam, anualmente, as competições de remo
entre as Universidades de Oxford e Cambridge. Aconteceu pouco depois do
"advento" de Lobsang Rampa e, segundo me lembro, havia à nossa volta uma
atmosfera desusada, aparentemente inexplicável, enquanto subíamos a ponte em
Mortlake. Tínhamos deixado Mr. T. Catt montando guarda ao apartamento e acho
que ele passara a maior parte do tempo dentro do seu cesto, na varanda porque,
quando chegamos, dormia satisfeito. Bem, em Mortlake atravessamos a ponte de
Chiswick e pouco falamos, pois Guv parecia imerso nos seus pensamentos. Devia
estar passando em revista algumas cenas do passado e fez alguns comentários a
respeito. Uma das coisas que comentou comigo foi sobre a era da Rainha Elizabeth
I, três ou quatro séculos antes. Falou no Dr. John Dee, o célebre alquimista, que era
também astrólogo da rainha, e que tinha morado em Mortlake com a família. O Dr.
Dee tivera uma vida movimentada, ora gozando dos favores da Corte, ora sendo
repudiado por ela. Nunca fora rico, por vezes passara necessidades. No fim da vida,
a rainha demonstrara-lhe a sua gratidão concedendo-lhe uma pensão. O Dr. Dee
fora uma pessoa muito franca e algo desconcertante. Tudo isso o Guv me disse,
mencionando também Sir Christopher Wren, o Cardeal Wolsey, William
Shakespeare e outros da mesma época. O nome de Shakespeare me traz à mente o
141
processo da transmigração e muitas vezes fiquei pensando, a propósito da
controvérsia de quem escreveu as obras a ele atribuídas, se esse não seria um caso
de transmigração, fenômeno mais comum do que muitos podem pensar.
Pessoalmente, eu acreditaria mais nessa explicação do que nisso de que alguém,
como Sir Francis Bacon, ter sido o autor das obras-primas. Minha suposição não
parece descabida.
A conversa daquela tarde prosseguiu, mais intensa, depois que voltamos
para casa, pois eu estava fascinada com o que Guv me dizia. Nunca lhe serei
suficientemente grata pela paciência por ele demonstrada e o tempo dedicado à
ampliação dos meus conhecimentos, ao meu progresso intelectual e espiritual.
Uma coisa que sem dúvida interessará aos que lerem estas páginas é
saber como Guv se adaptou ao novo ambiente. Logo comecei a me dar conta de
que ele agia muito mais normalmente do que o seu antecessor. Até a voz era
diferente, o Guv fala num tom mais profundo, uma espécie de barítono, ao passo
que a voz de Carl era de tenor. Nenhum dos dois tinha, porém, voz de cantor, coisa
que eu também lamento, pois tampouco tenho voz boa. Guv sempre foi mais
adaptável, no que dia respeito a se dar com as pessoas. É mais sociável, não tão
fechado com as pessoas quanto Carl, que era muito reservado. Antes de ficar tão
doente, Guv ajudou muita gente, através de contatos pessoais, mas agora chegou a
um ponto em que, por um motivo ou outro, as visitas não são permitidas, nem
sequer cogitadas. Muitas vezes fiquei pensando se não teria sido melhor que Carl
tivesse adotado uma atitude mais firme para comigo, pois eu era teimosa e
precisava de um marido capaz de usar de firmeza e que soubesse lidar com alguém
com a minha força de vontade. Felizmente, essa situação parece ter sido remediada
e Mama San está muito satisfeita em ser orientada por alguém mais forte do que ela,
142
fazendo com que a sua vida seja mais disciplinada do que antes. É, a disciplina é
muito boa, permite que a pessoa encontre a felicidade naquilo que realiza.
Sei que há muitos, mas muitos, exemplos de transmigração, mas algumas
religiões, como a nossa fé cristã, a consideram algo estranho ou mesmo inaceitável;
isso porque os ensinamentos originais de Cristo foram alterados na Convenção de
Constantinopla (60 a.C), dando aos padres maior poder graças à supressão dos
conhecimentos sobre a transmigração. Como fui uma das vítimas desses
ensinamentos adulterados, tive, a princípio, muitas dificuldades em perceber isso,
mas agora sei que a transmigração não é um fenômeno raro. Conheci uma pessoa
que esteve envolvida num acidente e sofreu ferimentos na cabeça, resultando num
estado de concussão, com perda temporária de memória. Enquanto se recuperava
do acidente, a pessoa começou a agir de maneira desusada, a ter pontos de vista,
gostos e ojerizas diferentes, para surpresa dos que já a conheciam. Não é
impossível que uma outra entidade, um outro espírito tenha tomado conta dela,
enquanto a pessoa estava desorientada devido ao choque, mas isso não quer dizer
que a coisa toda não tivesse sido preestabelecida, pois talvez tivesse chegado o
momento de o primeiro indivíduo concluir o seu ciclo de vida. Quem pode dizer,
exceto os que "estão por dentro", se um ser de outro planeta não poderia utilizar-se
do processo conhecido como "transmigração" para obter experiência e estudar a
vida no nosso planeta? Vale a pena pensar nisso, pois tudo o que a pessoa imagina
é possível, e nós, habitantes da Terra, estamos muito atrasados nesses assuntos,
em parte porque os nossos governos não permitem a publicação de informações
vitais. Dão a impressão de que têm medo de originar pânico entre o povo, que
provavelmente não é tão medroso quanto os governos pensam. Talvez os
governos temam perder o poder, de ter de competir com seres mais adiantados.
143
É um assunto sobre o qual não me sinto em condições de prolongar e
nem é esse o propósito deste livro. Alguém me mandou um cartão no outro dia e
acredito que se referisse à sua própria situação. Vou tentar descrevê-lo, pois acho
que transmite um sentimento, uma atitude bastante familiar a todos nós. No cartão,
um homem está olhando pelo binóculo e a legenda diz: gostaria MUITO DE
CONHECER PELO MENOS ALGO SOBRE o desconhecido, mas a pessoa que
o enviou escreveu embaixo: "Eu, olhando na direção errada." Ele costuma me
mandar citações divertidas, embora eu deva dizer que recebemos uma verdadeira
avalanche de recortes de jornais. Os de John, porém, são curtos e acurados, como
também os enviados pelo nosso amigo comum Eric Tetley que mora na Inglaterra e
tem o dom de nos divertir com as suas cartas. Isso muito contribui para aliviar as
preocupações do dia-a-dia, de modo que, Mr. Tetley, muito obrigado!
Passado algum tempo, eu e Guv tivemos uma conversa sobre as coisas
em geral e, em particular, sobre a nossa situação e o futuro. Ele decidiu que não
podíamos pensar em permanecer onde estávamos, lugar que, sob muitos aspectos,
era um atraso de vida, mas que fora um refúgio muito útil enquanto se processavam
as mudanças preparatórias do futuro que Lobsang Rampa tinha em mente. Os
escritórios do The Milk Marketing Board, parte importante de Thames Ditton, não nos
eram mais interessantes e a maioria dos habitantes aparentemente optara por uma
rotina confortável, coisa que absolutamente não combinava com os nossos planos.
Havia muitos aposentados, outros viajavam todos os dias para a cidade, onde
trabalhavam, de modo que Thames Ditton era ótima para passar os fins de semana
e, graças à sua localização, à margem do rio Tamisa, ideal para uma vida
descansada e de lazer. Conheci uma encantadora família judia, composta de pai,
mãe e bebê, e pude ajudá-los um pouco, principalmente à mulher, que mostrou a
144
sua gratidão de um modo típico aos judeus, povo muito generoso desde que
"gostem da sua casa". Foi para mim uma honra quando, muitos anos depois, tendo
que tratar com um judeu, ele me perguntou, em meio à conversa:
— A senhora não é judia também?
Minha pele morena e os meus — então — cabelos quase pretos e olhos
castanhos fizeram com que muita gente especulasse sobre a minha ancestralidade.
Eu mesma especulei!
Passados uns meses, começamos a nos conhecer melhor, eu e o Guv, e
descobri que ele era muito mais firme e tinha uma personalidade muito mais forte do
que o seu antecessor, descrição essa que usamos ao falar no Carl da época pré-
Rampa. Guv tinha propósitos de vida bem mais definidos e não tinha tempo a
perder. Era capaz de lidar de maneira mais adequada com os meus ocasionais
ataques de mau humor e, através dessas experiências, concluí que o seu método dá
certo. Embora ele possa estar sentindo uma grande compaixão por alguém
"desesperado", muitas vezes não o demonstra, ao contrário, pode até dizer algo
duro, pelo menos na opinião da vítima. Ora, eu sei que o que ele diz e o modo pelo
qual trata os problemas são corretos, principalmente quando expressa a opinião de
que o que se deveria fazer com os jovens de hoje em dia era pô-los a trabalhar em
qualquer coisa, para que eles não tivessem tempo livre nem energia para estar
sempre malhando a situação e o establishment. Nunca deixarei de me sentir grata
ao fato de, através da minha associação com ele, ter aprendido a enfrentar muitos
dos problemas da vida e a não me deixar arrastar por pensamentos impulsivos,
podendo assim ajudar um pouco aqueles que não tenham tido tanta sorte. Claro que
ainda me sinto, às vezes, aborrecida, mas já não deixo que os pequenos
aborrecimentos me deprimam. É melhor rir dos aborrecimentos, pois dessa maneira
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a gente não fica com tantas rugas no rosto, economizando em cosméticos, que na
verdade não escondem mesmo nada, principalmente quando você encara a vida
com amargura. Ainda outro dia, comentei com Guv:
— Por que será que me sinto tão satisfeita? Todos os momentos do dia
são bons, ir para a cama é maravilhoso, pois posso visitar todos os gatos e pessoas
que significaram algo para mim, e acordar às seis da manhã não é nenhum esforço,
pois que cada novo dia traz acontecimentos interessantes que me permitem
aprender algo.
Guv não hesitou:
— Bem, Ra'ab, vou lhe dizer. A resposta é que você sabe para onde está
indo, esse é o único segredo!
Achei que valia a pena meditar sobre o assunto, mas logo ele fez outro
comentário:
— Sabe, Ra'ab, que você é osso duro de roer? Retomando o fio da
meada, acabamos nos mudando para uma localidade maior e mais movimentada,
um subúrbio de Londres, ainda na região sudoeste, onde tínhamos encontrado um
pequeno apartamento mobiliado, com um jardinzinho e uma velha macieira junto à
porta dos fundos, onde o Mr. Catt costumava ficar horas sentado num galho que
formava um ângulo de quase noventa graus com o tronco da árvore. Nosso "tigre"
levou algum tempo a se acostumar com mais essa mudança, pois já estava ficando
velho e tivemos que deixá-lo trancado durante alguns dias até que voltasse a se
orientar, o que para ele foi muito duro, principalmente porque eu saía muito e
deixava-o só enquanto fazia compras ou tratava de outros assuntos, e Guv também
precisava sair bastante. Por tudo isso o "tigre" ficava muitas vezes sozinho e, sendo
mais velho, sofria mais do que, na ocasião, eu poderia imaginar. Arrependi-me muito
146
de, devido a minha falta de idéia, tê-lo feito sofrer de solidão, coisa que muitas vezes
podia ter evitado. Depois que ele nos deixou para sempre, meu remorso foi enorme
e durante algum tempo fiquei muito abalada, só me recompondo graças à atitude
incrivelmente compreensiva e ao apoio de Guv.
O "Tigre" passou conosco cerca de um ano, nessa última casa. De vez
em quando, Guv colocava-o na frente da sua bicicleta e levava-o para um passeio
pelas ruas. Era algo que ambos adoravam, principalmente quando o passeio era de
noite, pois no escuro os gatos vêem melhor.
Já no fim da vida, Mr. Catt passava muito tempo dormindo ou
descansando — e muitas vezes ia até o jardim, bater um papo com a Dona Árvore.
Foi na véspera do Ano Novo que ele contraiu pneumonia e eu fiquei toda a noite
estendida com ele no chão da sala, vendo-o piorar a olhos vistos. Quando, por fim,
ele partiu, a sala foi inundada por uma luz brilhante, sem dúvida provocada pela
presença de entidades desencarnadas, que tinham vindo especialmente para
conduzi-lo até em Casa. Sei que vou vê-lo de novo, quando chegar a minha hora de
partir também.
Pouco depois de ele ter nos deixado, eu tive um sonho — ou o que se
convencionou chamar sonho. Parecia haver uma espécie de chama ardendo — algo
que eu não entendia, mas que sentia estar ligado a Mr. Catt. Guv explicou-me que
era exatamente isso — o espírito puro do meu Lírio Tigrino, que eu vira porque as
minhas vibrações haviam sido temporariamente ampliadas. Muitas vezes pensei
nisso e sei que teria tido outras experiências se não me tivesse deixado vencer de
tal maneira pela dor.
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Agarre-se aos sonhos
Porque, se eles morrerem,
A vida será como um pássaro
De asas partidas, incapaz de voar.
Agarre-se aos sonhos
Porque, se eles se forem,
A vida será como um campo estéril,
Gelado de neve.
Langston Hughes
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Capítulo 23
À medida que este meu livrinho vai chegando âo fim, parece-me boa idéia
tecer alguns comentários com relação a um assunto que talvez ocupe os
pensamentos de muitos leitores. Muita gente nos tem escrito pedindo que
comentemos por que "o assunto não costuma ser discutido hoje em dia". Ainda esta
manhã, recebi uma carta que pelo conteúdo, vi que não veio parar em minhas mãos
por mero acidente. Era como um lembrete mencionando o que tantos outros leitores
me tinham escrito, durante os últimos meses. Como conheço bem o autor da carta,
talvez não se incomode que eu cite o parágrafo principal:
"Seria uma ótima idéia escrever mais a respeito da morte, porque é algo
que afeta a todos nós e ajudaria a romper as barreiras do medo que a maioria das
pessoas tem."
E continua:
"No século passado, na era vitoriana, o sexo era tabu, mas agora, ao
contrário, ele está na moda. Agora, o tabu é a morte do corpo físico. Esperemos que
este assunto venha a ser tratado mais abertamente num futuro não muito distante,
sem medo, e tenho a certeza de que você poderá ajudar, tocando nisso."
Acho que Lobsang Rampa é a pessoa mais indicada para escrever sobre
a morte e, muito mais do que isso, sobre o que acontece depois da morte. Em seu
último livro Eu Creio, foi exatamente o que ele fez e muita gente expressou a opinião
de que é esse o melhor dentre os dezessete que ele já escreveu. Todos nós
esperamos que ele possa ter força física suficiente para levar avante a sua intenção
de publicar o décimo oitavo livro. A julgar pelos seus comentários, tenho a certeza
de que esse poderá ultapassar, em interesse, até mesmo o décimo sétimo, embora
um venha a complementar o outro.
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A idéia de morrer, pessoalmente, não me preocupa, pois estou mais
preocupada com o meu desempenho enquanto viva. Se eu fizer o melhor que posso
na vida, há sempre a esperança (na verdade, a certeza) de que não será preciso me
preocupar quando chegar a minha hora. Outro dia, li que alguém se considerava "um
homem com pressa", querendo com isso dizer que os anos estavam passando e ele
ainda tinha muito que fazer. Sinto-me na mesma posição, pois não acho que tenha
feito ainda o máximo possível da minha vida e preciso esforçar-me por recuperar o
tempo perdido.
Estou mais ou menos na situação de um homem que conheço. Ele
chegou ao Canadá como imigrante e, embora esteja agora numa posição de
destaque, como editor mundialmente famoso, homem de televisão e produtor, na
sua juventude trabalhou em várias lojas lavando vidraças. Recentemente, foi
entrevistado e disse:
— Eu tinha ao todo oito vitrines para lavar. Cada uma delas me levava um
dia de trabalho, assim, como a semana útil tem apenas seis dias, eu sempre estava
duas vitrines atrasado.
Receio ser essa a minha situação atual.
Acho que não é importante os anos que vivemos e sim como vivemos,
sejamos nós humanos ou "animais", pois todas as criaturas estão na Terra para
aprender certas lições e cumprir certas missões. Faz umas semanas, recebi de
Eric Tetley um recorte de jornal, que guardei para incluir em Lírio Tigrino. Mr. Tetley
costuma mandar muitos artigos sobre gatos e vocês precisavam ver o meu acúmulo
de fotos de bichanos, enviadas de todo o mundo. Qualquer dia vou precisar de um
álbum! De quaquer maneira, foi com muito interesse que li a respeito do gato mais
velho do mundo, segundo o Livro de Recordes Guinness. O nome dele era Butch e
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morava com um certo Sr. Arthur Baxter, em Claxby Lincolnshire. Butch fora
apanhado, coberto de óleo, nas docas de Immington, em 1942, quando tinha apenas
semanas, e viveu até os trinta e quatro anos. Multipliquem isso por sete vejam o
resultado, em anos-gato: duzentos e trinta e oito. Deve ter sido um gato feliz e bem
tratado, para ter vivido um número tão surpreendente de anos.
Muitas vezes penso no mundo dos gatos no chamado Além e sei que é
um lugar belíssimo. Guv, como muitos de vocês devem saber, possui maravilhosos
poderes de descrição e eu gosto de pensar que, nos meus "sonhos", ou viagens
astrais, visito aqueles que eu conheci um dia, e que, num futuro não muito distante,
voltaremos a nos unir.
Morte — Vida. Esta experiência terrena não é mais parecida com a morte
e o além com a Vida Real? É assim que eu penso e deve ter sido esse o conceito
que levou Longfellow a escrever O Salmo da Vida, que eu tive de aprender de cor
quando estava na escola:
Não me diga, em tons sombrios,
Que a vida não passa de um sonho vazio,
Pois a alma que dormita está morta
E as coisas não são o que aparentam,
A Vida é Realidade, a Vida é Seriedade
E a cova não é o seu fim.
És pó e ao pó voltarás
Nunca à alma se aplicou!
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Gosto também das palavras de Mark Twaín, presumivelmente ditas no
seu leito de morte:
Morte, a única coisa imortal que nos trata
a todos igualmente, cuja piedade,
paz e refúgio são para
toda a gente — os puros e os impuros,
os ricos e os pobres, os amados e
os desprezados.
De A Sabedoria de Mark Twain.
E aqui termina a história do Lírio Tigrino, concluída no dia do Jubileu de
Prata da Rainha Elizabeth II, um dia de saudade para todos aqueles que, como nós,
aportamos a esta terra, na qualidade de imigrantes, há muitos e muitos anos atrás.
Embora muitos sejamos agora cidadãos canadenses, Sua Majestade Graciosa
continua sendo a nossa rainha.
Quanto tempo nós, aqui no Canadá, permaneceremos nesta situação é
coisa que não sabemos, por se tratar de assunto muito controvertido, assim como o
separatismo e o bilinguismo.
A rainha e seu esposo, o Príncipe Philip, estão, naturalmente, muito a par
do que aconteceu e eu não pude deixar de rir quando, na sua fala de Jubileu, Sua
Majestade disse:
— Todos nós sabemos o que a Comunidade NÃO é.
Acrescentando:
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— É um passatempo popular, atualmente! Bem dúvida o mundo seria
bem melhor se nós fôssemos tão conscientes quanto a nossa rainha e seu ilustre
pai, o falecido Rei Jorge VI.
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