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QUEM VAI IMPOR LIMITES?
Por Paolo Manzo e Rodrigo Martins
Os interesses da FIFA e do R. Teixeira não são necessariamente os mesmos do país.
Não causará espanto se pelos próximos quatro anos, o presidente da
república, independentemente de quem vença as eleições, ficar à sombra dos
holofotes de Ricardo Teixeira, chefe da CBF e do COL da Copa de 2014: será
ele o imperador do Brasil a palpitar sobre qualquer obra pública relacionada á
realização do Mundial.
Amigo próximo do francês Jerome Valcke, poderoso secretário geral da FIFA,
com quem está em perfeita sincronia, terá plenos poderes para decidir o que
deve ser feito e como. A menos que alguém se disponha a colocar um freio.
As primeiras reações, ainda que limitadas, começam a aparecer. Autoridades
paulistas deverão reapresentar à FIFA a candidatura do estádio do Morumbi
para sediar os jogos em SP, a despeito da vontade de Teixeira, que vetou a
arena.
A primeira opção é o Morumbi, a segunda é o Palestra Itália, e a terceira o
Pacaembú, afirmou Caio Carvalho, presidente da SPTurismo e coordenador do
Comitê Paulista. “Não queremos investir dinheiro em uma nova arena e confiar
um projeto a um empreendimento que possa deixar a conta para o poder
público mais tarde”.
O presidente Lula reforça a defesa do Morumbi, além de demonstrar
publicamente sua indignação com a pressão da FIFA em construir obras
públicas que podem se converter em elefantes brancos. No âmbito da
sociedade civil, também há desagrado.
Eduardo Rocha Azevedo, ex-presidente do Bovespa, e um dos fundadores,
decidiu encabeçar um movimento pela renovação da CBF e pela transparência
no Mundial. “A campanha está batizada como TT, de ‘Tira Teixeira”. “Não dá
mais para confiar nessa dinastia que se perpetua no poder há mais de 50
anos”, afirmou. “Outro absurdo é a composição do COL, no qual apenas cinco
pessoas apitam além do Teixeira: sua filha e mais quatro parceiros de longa
data”.
Desde o fim da Copa de 2010, na África do Sul, a imprensa noticia amplamente
os atrasos do Brasil na organização do evento, e, sobretudo, as acusações da
FIFA: de que ‘falta tudo’, disseminadas por Valcke e amplificadas pelo seu
aliado verde-amarelo, com quem costuma passear de iate pela costa brasileira.
O primeiro, ex-repórter do Canal+, misteriosamente promovido à cúpula d FIFA
depois de dar um prejuízo de 90 milhões de dólares à entidade chefiada pelo
suíço Joseph Blatter.
Como se fosse o secretário-geral das Nações unidas, Valcke ameaçou punir a
França e a Nigéria por ‘ingerência indevida’ do Estado nas questões da bola.
Também celebrou a exclusão do Morumbi como “uma notícia esplêndida” e
apresentou a lista de compras para o Brasil, caso queira obter uma boa
avaliação da sua Copa.
“Precisamos construir estádios, estradas o sistema de telecomunicações,
aeroportos e ver se há número suficiente de hotéis.”
Contrariado, Lula reagiu: “Terminou uma Copa do Mundo na África do Sul,
agora já começam aqueles a dizer: “Cadê os aeroportos brasileiros? Cadê os
estádios? Cadê os corredores de trem? Cadê os metrôs?, como se fôssemos
um bando de idiotas que não sabemos fazer as coisas e não soubéssemos
definir as nossas prioridades”.
Apesar da rusga, que reverberou na mídia internacional, o governo tem feito de
tudo para cumprir as exigências da FIFA. Concedeu ao staff da entidade, bem
como ás empresas parceiras e aos patrocinadores, um pacote de renúncias
fiscais. E tem se esforçado para aprovar leis para flexibilizar o processo de
licitação para as obras do Mundial, além de reservar rios de dinheiro para elas.
A Copa de 2010 foi um negócio sem precedentes para a FIFA. A competição
na África do Sul rendeu ao menos 3,2 bilhões de dólares à entidade que
comercializa o futebol mundial, receita 50% maior que a obtida na Alemanha
quatro anos antes, anunciou Valcke. Não por acaso, Blatter rasga-se em
elogios ao país que abrigou os jogos. “A África do Sul merece nota 9. A
perfeição não existe, sempre há coisa a melhorar. Nove em dez é aprovado
com louvor”.
Trata-se de um elogio e tanto. Aos alemães, desorganizados sob o olhar
confiabilíssimo da FIFA, restou a nota 8 pelo mundial de 2006.
A despeito do canto da sereia, os anfitriões sul africanos tem poucas razões
para comemorar. Estima-se que o evento deixou para a economia do país 4,9
bilhões de dólares, equivalente a –% do PIB.
Só que o governo central e as províncias que receberam os jogos tiveram de
desembolsar mais de 6 bilhões de dólares em investimentos. No fim das
contas, o prejuízo foi de 1,1 bilhão, a ser pago pelos próximos 10 anos,
segundo analistas.
A apenas para a construção de cinco estádios e a reforma de outros cinco,
foram gastos 2,4 bilhões. Passado o circo da FIFA, diversas arenas, como
Green Point, erguido na Cidade do Cabo com a promessa (não cumprida de
abrigar o jogo inaugural) terão de ser readequadas para as partidas de rúgbi, o
esporte mais popular da África do Sul e correm sério risco de ficar ociosas.
Além disso, pouco legado restou para as cidades sede, nas mais a miséria
atinge 60% da população, e a disparidade entre ricos e pobres é semelhante à
existente no Brasil, uma das mais altas do mundo. Um dos raros benefícios da
Copa foi a oportunidade dada aos brancos de visitar o paupérrimo bairro de
Soweto sem serem agredidos pela população negra que lá vive.
Na Alemanha, de nota 8, as coisas foram diferentes. Dos cerca de 2 bilhões
investidos em estádios, apenas um terço foi financiado pelo Poder Publico (no
Brasil, 9 dos 12 estádios serão construídos ou reformados com $ estatal).
Além disso, o governo da premier Angela Merkel se impôs sobre a FIFA.
Primeiro, por manter o tradicional estádio olímpico de Berlim como a arena
para a final da Copa (a FIFA queria um estádio novo). Segundo, por não
permitir alterações na fachada da edificação dos anos 30, como pretendia a
entidade. Para fazer a cobertura da arena, as vigas ficaram do lado de dentro,
contrariando pela terceira vez os projetos ‘anti pontos cegos’ de Blatter e Cia.
O exemplo sul africano deve servir de alerta para o Brasil. Para sediar o
Mundial de 2014, estão reservados 24 bilhões de reais entre investimentos
federais, estaduais e municipais envolvidos no evento. A cifra, na verdade,
pode ser muito maior. A pedido do Ministério do Esporte e da CBF, A
Associação Brasileira de Infraestrutura fez um levantamento ano passado que
estima em 100 bilhões de reais a conta do evento.
A julgar pelo mal exemplo do Pan Americano de 2007, sobram desconfianças.
Orçado inicialmente em 400 milhões de reais, o pan terminou com um gasto
público superior a 4 bilhões de reais e uma avalanche de denúncias de
superfaturamento e corrupção. Além disso, os investimentos para a Copa têm
de seguir a cartilha do COL, no qual Teixeira reina absoluto. O seleto grupo,
que presta conta somente á FIFA, não possui nenhuma representação da
sociedade civil ou do poder público, fato inédito nas edições do Mundial.
Se na África do Sul o COL possuía centenas de integrantes, no Brasil é um
grupo de apenas seis pessoas. Na presidência, Teixeira, que completará 25
anos no comando da CBF em 2014 e foi indicado por 13 crimes nas CPIs do
futebol Em 2001, foi condenado por sonegação fiscal pela 22ª Vara Federal do
RJ. O episódio, conhecido como vôo da muamba, parece tragicômico. Após a
vitoria na Copa de 1994, Teixeira tentou entrar no território nacional sem
passar as bagagens da delegação pela alfândega.
Os fiscais da Receita encontraram 13 toneladas de mercadorias importadas,
incluindo máquinas de chope para cervejaria que o dirigente possui no Jockey
Club do Rio. A imprensa suíça também noticiou que Teixeira teria recebido
propinas da ISL, empresa que negociava os contratos de marketing e direitos
de tv em nome da FIFA até 2001, quando quebrou. O dinheiro, num total de 2,5
milhões de francos suíços, teria sido depositado na conta da Benfor
Investments, que o próprio Teixeira admitiu ser sócio, juntamente com o genro
João Havelange, em entrevista ao jornalista Jean François Tanda.
O Comitê da Copa de 2014 é composto ainda por Joana Havelange, filha de
Teixeira, nomeada secretária-executiva. A diretoria jurídica ficou a cargo de
Francisco Mussnich, advogado número 1 de Daniel Dantas e companheiro de
Verônica, a irmã do banqueiro condenado a 10 anos por corrupção ativa.
Rodrigo Paiva, assessor de imprensa da CBF atua na mesma função no
Comitê.
O arquiteto Carlos de La Conte, que assessoria o Ministério do Esporte 2002
para projetos de centros esportivos, tornou-se o consultor de estádios. Na
diretoria financeira, Carlos Langoni, ex-presidente do Banco Central e
administrador do patrimônio pessoal de Teixeira. É tudo.
Na avaliação do deputado federal Silvio Torres, o governo federal demorou
demais para tomar as redes do processo. “Esse comitê impôs o que quis até
agora.” Para evitar a repetição das maracutaias do pan, o parlamentar aposta
no trabalho de uma rede de fiscalização montada por deputados, senadores e
representantes dos tribunais de contas. “Só precisamos ter a garantia de
acesso á informação”.
O assessor especial de futebol do Ministério do Esporte, Alcino Rocha,
minimiza a importância da ausência do poder público no COL. Cada país tem
características próprias e uma maneira de agir. No Brasil, o comitê é uma
entidade privada, um berço da FIFA. “Mas o governo federal também tem um
grupo interministerial, que dialoga muito bem com o COL e os comitês
regionais”.
De acordo com Rocha, as discordâncias com Valcke são pontuais. “Dizer que
falta tudo
é descabido. Talvez ele não conheça a estrutura do Brasil, Temos uma boa
rede hoteleira e um excelente quadro de tele comunicações, tanto que somos o
segundo país que mais acessa internet no mundo. Os principais gargalos são
os aeroportos, o que já era um consenso e a readequação e construção de
estádios para a Copa.
De acordo com um estudo divulgado recentemente pelo IPEA, das 12 cidades
sedes, 3 aeroportos operando no limite da capacidade máxima, e, em alguns
casos, estão ‘beirando o colapso operacional” Para equacionar o problema, o
presidente Lula deve anunciar, na segunda-feira, um investimento de 5,2
bilhões de reais, garantido com recursos de orçamento da União.
Quanto ao PAC da Mobilidade, especialistas mostram-se preocupados com as
obras de VLT em Manaus e Brasília e o monotrilho de SP, que demandam um
tempo maior de construção e ainda não foram licitados. “O grosso do
investimento do PAC são os corredores de ônibus de alto desempenho, que
podem ser finalizados entre 2 e 3 anos, diz Marcos Filho, presidente da
Associação nacional das Empresas de Transportes Urbanos. Em relação aos
estádios, causa preocupação a Arena das Dunas, em Natal. Com investimento
previsto de 400 milhões de reais a licitação da PPP não virá á mesa antes de
agosto. Também está com problemas gravíssimos a Arena da Baixada, de
Curitiba, que, a exemplo de Natal, corre o risco de ser excluído por falta de
garantias financeiras.
Nenhuma cidade enfrenta um drama maior, no entanto, do que São Paulo,
cidade mais rica e populosa da America do Sul. Graças à vontade de Teixeira e
Cia, o estádio do Morumbi, que apresentou 5 projetos de reforma com
financiamento privado, acabou sendo vetado.
O COL tentou impor ao clube uma reforma de 650 milhões de reais, o que faria
o SPFC, proprietário da arena, assumir uma dívida pelos próximos 30 anos. Os
projetos recusados, orçados entre 185 milhões e 250 milhões de reais, são
assinados pelo escritório alemão GMP, o mesmo que reformou 6 estádios para
as últimas duas Copas. A misteriosa exclusão do Morumbi surpreendeu a todos
os que não estão acostumados com os bastidores do futebol brasileiro. Juvenal
Juvêncio é um dos tradicionais opositores de Teixeira, e fez forte campanha
pela reeleição de Fabio Koff na presidência do C13, que defende os interesses
dos clubes brasileiros, especialmente negociação de direitos de tevê. Teixeira
sofreu um revés, pois promoveu a campanha do derrotado Kleber Leite.
Em conversas reservadas, diretores são-paulinos afirmam que, desde o início,
houve má vontade por parte dos organizadores, que faziam novas exigências a
cada projeto apresentados. Um deles, envolvido na negociação com a FIFA,
afirma que, ao contactar investidores para a reforma do Morumbi, eles
informavam que já haviam sido procurados pelo empresário J Hawilla, dono da
Traffic, que agencia jogadores. A intenção era criar um fundo privado e erguer
um novo estádio em SP. Tudo com o aval de Teixeira, seu amigo. Hawilla e a
Traffic negam a articulação pelo novo estádio na capital.
Tão logo ficou evidente a indisposição de Teixeira e da FIFA com o Morumbi,
empresas, lobistas e políticos em busca de oportunidades começaram a
trabalhar nos bastidores pela construção de um novo campo em SP, com
orçamento bilionário. O prefeito da capital paulista, Kassab, que hoje se declara
defensor do Morumbi, tentou acelerar um projeto engavetado desde 2006,
quando o governo municipal planejava criar um centro de exposições com o
triplo do tamanho do Anhembi.
Com a ampliação do equipamento tornou-se inviável pela falta de terreno no
entorno do Anhembi. Kassab escolheu Pirituba para abrigar o novo
empreendimento, que inclui a construção e hotéis, de uma arena multiuso para
40 mil espectadores.
Dali a aproveitar o ensejo da Copa e oferecer aos presidentes dos principais
clubes paulistanos a oportunidade de aderir ao projeto Piritubão.
De acordo com fontes ligadas ao governo municipal, Kassab mostrou o projeto
para Del Nero, da FPF e Andrés Sanches, presidente do Corinthians,
Rosenberg, vice de marketing do Corinthians, afirma que jamais houve
interesse de aderir à empreitada.
“Temos um projeto de estádio por R$ 250 milhões, em Itaquera, bairro com
maior concentração de corintianos, com terreno próprio próximo do metrô. Para
que desistir disso em busca de uma aventura que pode custar o triplo do
preço?
Não foi apenas por falta de interesse que o Piritubão naufragou. O terreno,
ainda não desapropriado, está contaminado com metais pesados. Estima-se
que a despoluição demore, no mínimo, 1 ano. Além disso, as obras precisariam
de uma licença ambientais, que não costuma sair em menos de 2 anos
segundo especialistas.
Hoje, todo mundo admite ser uma bobagem construir um estádio de 1 bilhão de
reais só para abrigar a abertura da Copa. O que fazer após a competição com
uma arena com mais de 65 mil lugares desvinculada de qualquer clube?
Segundo fontes ouvidas por Carta Capital, Teixeira, após vetar o Morumbi,
encaminhou uma carta para representantes do governo de SP que causou
muito descontentamento entre funcionários do primeiro escalão.
Uma resposta em tom professoral e seca, na qual explica, sem mais detalhes,
as razões da exclusão do estádio, uma questão fechada. Houve quem
quisesse respondê-la á altura, mas se optou por evitar o desgaste.
Certo é que, caso se confirma a decisão do Comitê Paulista de apresentar a
candidatura do Morumbi e de não apoiar a construção de uma nova arena na cidade, esta
será a primeira vez que o longevo presidente da CBF terá de recuar. Dispensar a capital
paulista como cidade sede é uma situação difícil de explicar até mesmo para a FIFA, onde o
dirigente sonha em ser eleito presidente em 2015. Seu principal adversário é o parceiro de
ocasião Jerome Valcke.
Fonte: CARTA CAPITAL