geografia das representaÇÕes e vivÊncia … · acompanhados e mentores dos mapas mentais foi um...
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GEOGRAFIA DAS REPRESENTAÇÕES E VIVÊNCIA ESPACIAL NA COMUNIDADE RURAL QUILOMBOLA DE BARRO PRETO - SANTA MARIA
DE ITABIRA (MG) E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO ESCOLAR
Aline Neves Rodrigues Alves
Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Raciais e Ações Afirmativas (NERA-CNPQ)
Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
José Antônio Souza de Deus
Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
Nilma Lino Gomes
Coordenadora Geral do Programa de Ações Afirmativas na UFMG e do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações Raciais e Ações Afirmativas (NERA/CNPQ)
Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG
Resumo A pesquisa buscou compreender a experiência e a memória, de crianças quilombolas em relação ao seu lugar de vivência. Para isso, o estudo se baseou no pressuposto teórico da Geografia Humanística Cultural em conceituar a categoria lugar, bem como a metodologia de elaboração e interpretação de mapas mentais proposta por Kozel (2007). Os principais sujeitos acompanhados e mentores dos mapas mentais foi um grupo de 17 crianças e incluíram entrevistas com 10 adultos, moradores e não moradores da comunidade. Em contrapartida, à proposta apresentada, foi construído um material de apoio pedagógico para a escola local. Dentre as conclusões destacamos a topofilia (elo afetivo) das crianças em relação ao lugar, a partir de elementos naturais e culturais da paisagem, com ênfase a elementos da paisagem construída. O estudo de caso se situa na Região Metropolitana de Belo Horizonte, porém numa comunidade cujos traços sócio-culturais os aproximam do ambiente rural. Palavras-chave: Quilombo – Mapas Mentais – Crianças – Lugar. Introdução O Decreto 4.4487, que “Regulamenta o procedimento para a identificação,
reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por
remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o Artigo 68 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias” (ADCT) nos apresenta um novo caráter
fundiário, dando ênfase à cultura, à memória, à história e à territorialidade dessas
comunidades que podem ser urbanas ou rurais.
Sendo assim, o estudo das comunidades quilombolas que, por sua vez, se encontra em
grande número no Brasil, traz consigo a necessidade de (re) pensarmos e indagarmos
como o processo de reconhecimento é vivido e percebido no cotidiano das crianças que
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fazem parte dessas comunidades. Perguntamos-nos se há algum tipo de influência do
modo de vida dessa comunidade quilombola sobre o seu seus limites territoriais. E em
caso afirmativo, como isso acontece? Há uma predominância da “cultura” quilombola
da comunidade sobre o município e região ou isso é uma troca equivalente? Como a
questão territorial quilombola é percebida pelas crianças da escola local?
A comunidade quilombola de Barro Preto, reconhecida pelo Instituto Nacional de e
Reforma Agrária (INCRA) através da Fundação Cultural Palmares (FCP) no ano de
2006, traz consigo importantes constatações: trata-se de um quilombo rural situado em
região metropolitana.
Surgida em meados do século XIX, Barro Preto também chamado de Córrego do Santo
Antônio, tem sua origem em outra comunidade, denominada Indaiá, em que os
primeiros habitantes teriam comprado terras onde viveram, depois de trabalharem em
fazendas próximas e anteriormente terem sido trazidos escravizados do Rio de Janeiro.
Atualmente sua população é de aproximadamente 600 habitantes distribuídos em cerca
de 150 casas. A forte vocação agrícola e a indisponibilidade de serviços tais como
atendimento médico, comunicação (apenas um telefone público e ausência de caixa de
Correios), transporte público, acesso, saneamento básico (precário abastecimento de
água) e rede elétrica rural com baixa atividade comercial traz características mais do
rural do que do urbano. (SILVA, 2010)
Em relação à economia local, esta se caracteriza por trabalhos sazonais nas fazendas do
entorno e trabalhos de capina em duas empresas locais de recuperação e recomposição
vegetal de áreas degradadas pela mineração. Além desses, a extração do palmito,
garimpo rudimentar e a troca de produtos como de doces e bordados. Outras rendas
advém de doações de parentes que moram fora da comunidade, auxílio invalidez e
aposentadorias, precário atendimento do programa governamental Bolsa Família e a
subsistência, que persiste visando o sustento familiar, com a criação de galinhas, e em
menor proporção suínos e gado leiteiro, assim como os cultivos.
O trabalho na roça, em Barro Preto, sofre modificações influenciadas pela precariedade
de infra-estrutura e conseqüentemente outras formas de trabalho. Situação essa que
acomete toda a comunidade, mas, notadamente a população jovem que migra para
grandes centros urbanos, no caso, Belo Horizonte-MG e São Paulo-SP, e cidades
próximas, como Itabira-MG. Esses jovens buscam complemento dos estudos, pois na
comunidade há apenas uma escola que atende as séries iniciais do ensino fundamental,
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além desses, visam melhor remuneração salarial. Dentre outros fatores condicionantes
dessa migração se destaca o confinamento territorial qual sofre a comunidade, o que
impede a construção de novas casas.
Segundo o Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva - CEDEFES, os limites da
área ocupada pelos antigos moradores do Barro Preto não condizem com o atual uso e
acesso ao território, tal constatação foi corroborada por esta pesquisa através de
observação em campo e pelos depoimentos colhidos dos moradores, os quais, afirmam
ter possuído uma “área” maior do que hoje se apresenta.
Endividamento com fazendeiros provocando o pagamento através de porções de terras,
bem como o uso da força por parte desses latifundiários que implantaram cercas
próximas às moradias e documentos falsos, ou mesmo, intimidando os moradores por
não possuírem documentos de propriedade dessas glebas, causaram a perda de faixas
territoriais e provocaram o uso seletivo dessas áreas que outrora se configuravam mais
coletivas no cultivo.
Dentre os problemas territoriais temos atualmente a dificuldades no acesso e
abastecimento de água dentro da comunidade. Os poços artesianos que abastecem a
comunidade são exemplos das tensões territoriais in loco, pois, para serem construídos
foram travadas negociações entre poder público, comunidade e fazendeiros.
Cabe lembramos que o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
(ADCT) reconhece aos quilombolas o direito à propriedade de suas terras devendo o
Estado emitir-lhes os títulos. Tal preceito constitucional traduz a necessidade de
reparação a uma injustiça história de acesso à propriedade de suas terras, agora possível
por seus descendentes. Assim, Barro Preto se encontra com processo aberto junto ao
INCRA desde o ano de 2007.
E para melhor compreender o histórico de reconhecimento da comunidade e seu modo
de vida quilombola através da experiência e memória de crianças-moradoras é que
recorremos aos pressupostos teóricos da Geografia Humanística Cultural. Essa ao
conceituar a categoria lugar nos aproxima da vivência, que podem ser traduzidos por
meio dos mapas mentais. Esses, enquanto imagens passíveis de decodificação e aliados
a outras técnicas nos permitem analisar códigos que traduzem a cultura, a memória e a
história da comunidade, bem como podem apontar como os conflitos territoriais locais
poderão ser percebidos por essas crianças.
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O Lugar na Geografia Cultural
A discussão do conceito de lugar dentro da perspectiva humanística ganhou força na
ciência geográfica principalmente a partir da década de 1970. Porém, como nos lembra
Filho, a geografia humanística possui marco fundamental notadamente no final do
século XIX com a evolução dos estudos de percepção ambiental. (FILHO, 1999, p.140)
Segundo Tuan (1980) a percepção se dá através dos sentidos (mecanismos biológicos), entretanto a cultura influencia a forma de perceber, construir uma visão de mundo e de ter atitudes em relação ao ambiente. Descreve como as características culturais dos diferentes grupos humanos interferem no modo de perceber o ambiente, porém combinadas a elas, destaca o importante papel da sensibilidade biológica humana nesse processo perceptivo. Os seres humanos atribuem significado e organizam o espaço de acordo com os símbolos que constroem a partir de sua percepção. (KOZEL, 2010)
A categoria lugar recebe uma nova concepção ligada a valores subjetivos que podem
estar ainda referenciados por aspectos localizacionais, classificatórios ou determinando
a presença de fenômenos, porém, nesta nova abordagem, conferindo-lhe significados.
(KOZEL, 2001, p.152). Cabe lembrar, que o lugar poderá ser um bairro, um povoado,
uma casa, uma rua e outros.
(...) o lugar é uma unidade entre outras unidades ligadas pela rede de circulação; o lugar, no entanto tem mais substancia do que nos sugere a palavra localização; ele é uma entidade única, um conjunto “especial” que tem história e significados. O lugar encarna as experiências e as aspirações das pessoas. O lugar não é só um fato a ser explicado na ampla estrutura do espaço, ele é a realidade concreta a ser esclarecida e compreendia sob a perspectiva das pessoas que lhes dão significados. (TUAN, apud HOLZER, 1999, p.70)
A experiência por sua vez, implica na capacidade do ser humano aprender a partir da
própria vivência, atuando sobre o dado e criando a partir dele. Dado este não conhecido
em sua essência. O que significa que experienciar seja vencer os perigos. (TUAN, 1983,
p.10)
Dessa forma, em Tuan, proeminente geógrafo chinês, o lugar é afetivamente recortado e
emerge da experiência, sendo um “mundo ordenado e significado”. Antes, porém, existe
o espaço que sendo amplo e vulnerável provoca medo e ansiedade e é desprovido de
valores e significação afetiva. Portanto, o espaço pode ser transformado em lugar nas
experiências cotidianas, enfim, tornam-se lugares no contato do eu com outros sujeitos.
(TUAN, 1983, p. 61-65)
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Para, a doutora em Geografia, Salete Kozel, o lugar seria “a dimensão mais concreta do
espaço da qual ninguém pode desligar-se, por ser o espaço das relações imediatas,
proveniente de uma multiplicidade de tempo e relações referentes a um domínio
territorial específico”. Assim, num contato mais próximo, a realidade das comunidades
quilombolas, que se apresentam por laço de parentesco, referencias de identidade e
pertencimento territorial entre seus próximos ganham nitidez ao observarmos a relação
construída entre os sujeitos e seu entorno físico e simbólico. (KOZEL, 2001, p.154)
Nesta perspectiva, não se pode deixar de apresentar dois conceitos dos estudos em
percepção. Da relação dos homens entre si e com o meio físico, temos topofilia e
topofobia. O primeiro foi discutido inicialmente por Bachelard e em seguida por Tuan
em 1979, e por este descreve o sentimento e afeição das pessoas para com o lugar.
Assim, relacionada à categoria lugar, a Topofilia seria o elo afetivo entre a pessoa e o
lugar ou ambiente físico. A palavra topofilia é um neologismo, útil quando pode ser
definida em sentido amplo, incluindo todos os laços afetivos dos seres humanos com o
meio ambiente material. Estes diferem profundamente em intensidade, sutileza e modo
de expressão. Outro conceito importante seria topofobia, que inversamente ao primeiro
decorre da idéia de paisagem do medo. (TUAN, 1980)
Com a geografia humanística-cultural contemporânea há assim o privilégio da
subjetividade, das experiências, dos simbolismos que por sua vez diminuem a
capacidade homogeneizante que muitas teorias geográficas produziram sobre o espaço e
sobre fenômenos sociais, tais como as comunidades quilombolas e seu movimento de
luta por terra e reconhecimento de suas identidades.
Para Compreensão do Lugar: Mapas Mentais
A metodologia de interpretação do lugar que utilizaremos trata-se da abordagem da
“cartografia cultural” ou mapas mentais, que são representações do vivido, uma
expressão de nossa história com os lugares experienciados. Ou seja, revelam como o
lugar é vivido e compreendido pelas pessoas. Enfim, é uma representação que se faz
integrada ao englobar várias representações que colaboram para a interpretação da
realidade ao redor.
O conceito de mundo vivido discutido pela fenomenologia é importante no
entendimento dos mapas mentais, pois se trata de uma análise que permite ir além das
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representações espaciais assumindo também caráter sociocultural em suas
interpretações.
Na elaboração dos mapas mentais a ideia principal é deslocada para o centro de uma
folha de papel em branco e utilizada na horizontal para proporcionar maior visibilidade.
Cabe lembrarmos que, embora utilizemos a imagem enquanto representação do espaço
desde a pré-história, foi a partir da década de 60 que houve a busca por novas
perspectivas de comunicação e preocupação em desvendar essa imagem. Lynch foi um
dos pioneiros a associar a percepção do “meio” ao comportamento e ação humana, a
partir dos mapas mentais.
A função dos mapas mentais, de acordo com Oliveira (2002), é tornar visíveis
pensamentos, atitudes, sentimentos. Isto para o mundo real ou da imaginação de seu
confeccionador. O que não significa que sejam construções imaginárias de lugares
imaginários. E por sua relevância atrai o interesse, principalmente, de psicólogos,
antropólogos, urbanistas e geógrafos.
Os mapas mentais, portanto, são imagens construídas por “sujeitos históricos reais,
reproduzindo lugares reais vividos, produzidos e construídos materialmente”. E que
portanto, devem ser lidos como produtos em movimento, ou seja, não estáticos e não
apenas cartográficos1 (KOZEL E NOGUEIRA, 1999, p.240)
A ‘metodologia Kozel’, utilizada para interpretação dos mapas mentais parte do
pressuposto que a imagem é apenas uma faceta da representação. Em Kozel (2007)
temos que essa representação é indissociável de tudo que envolve o sujeito e a
linguagem. Esta linguagem uma vez referendada por signos que são construções sociais
refletem o espaço vivido representado em todas as suas nuances. E ancorando-se na
sociolingüística é que Kozel nos apresenta um referencial teórico-metodológico para
interpretação ou decodificação desses signos construídos socialmente.
A autora entende que o objeto de análise é uma forma de linguagem e encontra em
Mikhail Bakhtin (1986) o referencial para análise dos signos (mapas mentais) como
enunciados. Assim, os mapas mentais enquanto construções sígnicas que requerem
interpretação/decodificação estão inseridos em contextos sociais, espaciais e históricos
coletivos apresentando singularidades e particularidades. (KOZEL, 2007, p. 114-115).
O método Bakhtiniano nos apresenta o Dialogismo que estuda a linguagem e o homem
numa interação ou encontro dialógico. O ser humano é visto como ser social, portanto
sua teoria leva em consideração expressões ou interações entre a linguagem e a
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importância do ser humano como elemento de expressão da sociedade. Assim, o signo
produzido dentro de um contexto que lhe dá sentido poderá ser decodificado como
forma de linguagem.
Kozel (2007) em sua metodologia entende que o ser humano utiliza signos para
representar a realidade, de modo que a construção destes não ocorre de maneira vazia,
mas a partir da consciência que geralmente coincide com a orientação semântica-
ideológica de sua realidade. O que, numa perspectiva sociológica significa dizer que os
signos quando retirados do contexto real vivido transformam-se em apenas sinais.
Assim, a codificação dos signos que formam a imagem na medida em que,
compartilham valores, significados com comunidades e redes de relações tornam se uma
representação não apenas individual, mas coletiva referendando um signo social em
comum. (KOZEL, 2007)
O Desenvolvimento dos Mapas Mentais em Barro Preto
No campo prático, propomos aos estudantes do quinto ano da Escola Municipal Padre
Estevam Viparelli e demais estudantes situados fora dos limites da sala de aula, porém
dentro de Barro Preto, a elaboração de dois desenhos da comunidade e a participação
em duas oficinas: auto retrato e contação de história. A primeira ocorreria em sala de
aula e a segunda situada em local eleito pelos estudantes.
Estes desenhos para eles e mapas mentais para nós se basearam nas recordações que os
estudantes tinham da comunidade. Segundo Kozel (2009), os ambientes percebidos pela
imaginação não podem ser locais indiferentes, mas sim, espaços vividos, e estes se
revelariam nas imagens representadas nos mapas mentais realizados pelo sujeito.
As oficinas ao precederem a confecção dos mapas mentais tinham por objetivo criar um
primeiro diálogo e tornar-se-ia o meio de estimular a memória dos estudantes sobre suas
experiências para com o lugar em que vivem de maneira mais lúdica. Assim, optamos
por não utilizar perguntas estruturadas às crianças.
A oficina O Auto Retrato e a Identidade realizada na escola da comunidade e idealizada
pelo Projeto Negras Imagens em Movimento do Programa Ações Afirmativas na
UFMG2 foi modificada para adequar à realidade dos estudantes de Barro Preto.
Nesta oficina foi possível verificarmos a partir das falas dos estudantes o entrosamento
entre eles, as brincadeiras em comum, diferenciadas notadamente pelo gênero, e os
locais de uso em comum. Notamos também a forte ligação entre eles identificável a
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partir de algum nível de parentesco, como primos ou irmãos de leite. Além do fato de
estarem juntos desde as séries iniciais.
Sobre identidade, recorremos a várias indagações sobre beleza, então aludidos em
conversas à respeito do cabelo, do corpo, e não intencionalmente à respeito da visão de
África. E estas, por sua vez, se aproximavam de uma visão midiática, em que os padrões
de beleza se limitavam a valoração de olhos claros, pele clara e cabelos lisos, para eles,
e a compreensão de que as crianças africanas passavam fome e eram muito pobres. Com
isto, vimos que eles não se viam próximos às situações vivenciadas por seus ancestrais,
tampouco não demonstraram conhecimentos sobre o vínculo de práticas culturais atuais
com o legado da cultura africana em nosso país.
Após exibição de um trecho do DVD produzido pelo Programa Ações Afirmativas na
UFMG, intitulado África Aqui, que por sua vez discorre sobre a estética dos modelos de
penteados afro-brasileiros, refletimos sobre beleza negra e todos foram convidados a
realizarem a atividade denominada auto-retrato. Em papel kraft em tamanho suficiente
para o desenho de todo o corpo todos se auto desenharam imbuído nas particularidades
do seu EU.
Para Tuan (1983) o corpo humano é aquela parte do universo material que conhecemos
mais intimamente, não sendo apenas a condição para experenciar o mundo, mas como
objeto é também passível de observação. Sua contribuição para a construção dos mapas
mentais esteve ligada a importância dada ao corpo, em várias culturas, em que analogias
entre o corpo humano e a fisiognomonia da terra é amplamente difundida3.
Antes, porém, podemos ainda em Tuan (1983) vislumbrarmos o homem enquanto
medida de todas as coisas, em sentido literal, ou seja, seus princípios de organização
espacial encontram se no resultado da relação de seu corpo com outras pessoas
organizando o espaço a fim de conformá-lo às suas necessidades biológicas e sociais. O
corpo humano é a medida de direção, localização e distância4. E até mesmo as medidas
populares de comprimento são derivadas de partes do corpo como o uso dos dedos ou
do polegar.
Na oficina Contação de História, foi possível conhecermos a comunidade através de
caminhadas com as crianças que se apresentaram para participar da atividade. E às
estudantes foram apresentados5 quatro livros dentre aqueles o escolhido foi Betina, de
autoria da professora Nilma Lino Gomes (2009), da editora Mazza com ilustrações de
Denise Nascimento.
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O local escolhido para a atividade era elevado em relação à comunidade o que sugeria
uma visão panorâmica da mesma6. Devemos levar em consideração que neste momento,
a participação das crianças se resumiu ao sexo feminino e foram elas que deram
desenvolvimento aos mapas mentais no alto da serra. Esses, por sua vez, foram
denominados “mapas mentais panorâmicos”, os quais foram realizados por meio da
experiência direta do observador com o objeto observado.
Segundo Lynch (1999), o observador ao visualizar a imagem pode aprender a
interpretá-la, por meio de dicas e indícios. Assim, pode rever detalhes anteriormente não
observados e, por meio da repetição da experiência de observação, o modelo de
percepção do ambiente poderá ser alterado.
Essa observação estava mediada à história de Betina, assim, a cada passagem do livro
eram feitas intervenções que buscavam um deslocamento proposital da história fictícia
para o mundo daquelas meninas, e elas se viram instigadas a fazerem reflexões sobre a
protagonista: A menina negra que se sentia linda. E possuía os cabelos bem cuidados,
tinha uma ótima convivência com sua avó e também com a escola. Mas também
refletiram sobre Barro Preto, seus moradores, seus hábitos, os costumes e sua história.
As meninas de Barro Preto tinham em comum, com Betina, o hábito de trançarem os
cabelos, não necessariamente trançados pela avó, mas também pelas irmãs, as tias e até
mesmo vizinhas. A mãe até sabia trançar, mas sempre estava muito ocupada, já que
trabalha fora, foi o que afirmavam. Os ancestrais que a avó de Betina mencionava,
foram relembrados também pelas meninas, elas nos contou que eles vieram de África,
que antes moradores de fazendas próximas, conseguiram fundar a comunidade e
mencionaram a existência de um canavial, plantações de banana, arroz, feijão, em que
os primeiros habitantes da comunidade plantavam para subsistência e comércio7.
Além disso, fizemos uma merecida reflexão sobre a importância de se preservar o
hábito da oralidade e como este pode ser necessário para a memória coletiva de um
grupo, prática essa ancestral.
Enquanto desenhavam os mapas mentais contavam sobre seus afazeres diários, entre
eles as tarefas da escola e outros como lavar louças, alimentar algum animal, “acender o
fogo” e regar plantas. As imagens produzidas repetiam lugares como cachoeira,
porteiras, cercas, as casas dos moradores mais conhecidos, o rio cortando o povoado,
rua principal, a igreja, a quadra, as serras, a natureza.
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A Análise dos Mapas Mentais
Os aspectos de interpretação dos mapas mentais foram realizados de forma qualitativa a
partir da metodologia proposta por Kozel (2007), que adaptada, assim define os
seguintes aspectos:
1. Interpretação quanto à forma de representação dos elementos na imagem;
2. Interpretação quanto à distribuição dos elementos na imagem;
3. Interpretação quanto à especificidade dos ícones;
Representação dos elementos da paisagem natural
Representação dos elementos da paisagem construída
Representação dos elementos móveis
Representação dos elementos humanos
4. Apresentação de outros aspectos ou particularidades.
Entre as interpretações realizadas pela pesquisa elegemos algumas imagens que seguem
abaixo agrupadas a partir de seus aspectos ou particularidades:
A. Relações com a água e relevância subjetiva:
Mapas analisados nessa ótica:
Júlia, 10 anos Vanessa, 10 anos
Durante a construção dos mapas mentais não foi perceptível a importância dada aos
desenhos que contemplavam casas e suas caixas d’água. Mais tarde pelas entrevistas,
depoimentos coletados e informações adicionais da pesquisa, foi possível compreender
a dimensão das imagens. Essas apresentam a água em diversos locais, em precipitações,
no rio, na cachoeira, pessoas pescando e repetidamente caixas de água sobre as casas,
um grande reservatório de água no alto da serra ou mesmo a bomba d’água da
comunidade. Demonstrando satisfação de ter água encanada ou mesmo a preocupação
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em mantê-la, já que a nascente que abastece o reservatório encontra-se em terras
vizinhas e há conflitos sobre a sua captação. Para Tuan, muitos lugares, altamente
significantes para certos indivíduos e grupos, têm pouca notoriedade visual para seus
visitantes. São conhecidos emocionalmente, e não através do olho crítico ou da mente.
(TUAN, 1983).
B. Relações com o lazer e experiência:
Mapas analisados nessa ótica:
Luis, 11 anos Adenilson, 11 anos
A quadra, construída no ano de 2008, talvez seja o elemento da paisagem construída
com maior recorrência entre os mapas mentais analisados. Embora seja local que possa
demandar a participação de crianças do sexo masculino, observamos, no entanto, que
são disputados com as meninas. Já na quadra da escola o seu uso acontece de maneira
mais equilibrada, pois conseguem brincar juntos. O fato é que embora seja importante
para as crianças, a quadra da comunidade, não coberta, encontra-se em vias de
degradação pelo “tempo” (agentes geológicos). E por ser elemento de grande
importância e associada à satisfação, a maioria das crianças, a representou em maiores
proporções e bastante colorida.
C. Relações com a religiosidade e memória:
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Mapas analisados nessa ótica:
Maicon, 11 anos Andréia, 11 anos
As igrejas, católica e protestante, da comunidade de Barro Preto, notadamente a
primeira, se apresentaram como grande referência nas imagens. Normalmente
centralizada nos mapas mentais, maior tamanho se comparada às moradias, por isso de
grande destaque; a igreja encontra-se no imaginário das crianças e traz elementos de
compreensão sobre o lugar de vivência. A igreja católica de Barro Preto tem a função de
reunir coletivos dentro da comunidade. Aí funcionam grupos de oração e mesmo
reuniões da Associação de Bairro e Associação Quilombola de Barro Preto e Indaiá
(AQUBI), bem como as principais manifestações religiosas da comunidade: Natal,
Semana Santa, Festa de São João e celebrações do 13 de maio e 20 de novembro.
D. Relações com os limites e laços afetivos.
Mapas analisados nessa ótica:
Luana, 10 anos Rosiane, 10 anos
As fronteiras criadas a partir da existência de porteiras no território, não parecem sugerir
a limitação à circulação das pessoas. Alguns desenhos retrataram esses ícones como um
símbolo que de alguma forma (de) marca e/ou limita os lugares de forma física. A
autora da imagem, à esquerda - Luana, conseguiu também externalizar a sutil diferença
entre AQUI e LÁ: a quadra para esta moradora de Cambraia está distante, bem como o
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calçamento, que existe em apenas em um pequeno trecho da comunidade e que ela
intitula, a partir de sua escrita na imagem, como rua. Dessa forma, as porteiras ganham
dimensões de limites no uso dos espaços, mas não impedem o vínculo afetivo com
outros lugares.
E – Relações com o entorno e dinâmica rural-urbano.
Mapas analisados nessa ótica:
Eliel, 10 anos Tomás, 10 anos
Barro Preto nessa representação recebe elementos que demonstram a modernização na
comunidade. O carrinho de areia, na imagem à esquerda, destacado por seu conteúdo
revela a construção de novas casas (verticalmente, uma vez que os limites da
comunidade estão definidos pela vizinhança latifundiária). Notoriamente equipamentos
característicos do urbano, aí representados, revelam-se no interior de um quintal em
meio a uma antiga mangueira. Além da infra-estrutura, como no uso da energia elétrica
e TV a cabo, atentemos aos veículos circulantes na rua principal da comunidade; o
mapa mental da direita recupera através de símbolos sonoros a alegria de um final de
semana, em que ex-moradores, normalmente jovens, voltam à comunidade, em grupos,
para visitarem os amigos e familiares.
Conclusões: Os Mapas e o Material de Apoio Pedagógico
De forma mais geral, o desenvolvimento dos mapas mentais permitiu entendermos
como os estudantes de Barro Preto compreendem o lugar em que vivem: compreender
como se relacionam com os lugares; traz reflexões sobre o uso dos espaços; como
percebem a dinâmica urbano-rural e as questões de evolução tecnológica. Ao contribuir
para a construção do material de apoio pedagógico voltado para a escola local,
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conseguimos nos aproximar também de questões territoriais, em que as crianças tomam
para si lugares que estão ocupados por seus familiares, mas estão distantes no espaço
físico, porém situados na comunidade.
Contudo, demonstrou-se viável durante a pesquisa o uso de outras fontes, como por
exemplo, depoimentos orais com os adultos da comunidade e mesmo as oficinas com as
crianças-estudantes, que por sua vez, enriquecem as possíveis análises das imagens
produzidas. O elo entre teoria e prática no uso dos mapas mentais nos leva a duas
importantes questões, uma de ordem política e outra pedagógica.
As interpretações dos mapas mentais sugerem ser um indicador de políticas públicas,
guardadas as devidas proporções. Os estudantes ainda que com pouca idade
conseguiram apontar importantes situações/modificações dentro da comunidade e que
foram construídas com recurso público. Podemos apontar: a importância dada ao
abastecimento de água, embora a mesma não seja tratada adequadamente e a
valorização dos espaços de lazer, embora a quadra construída na comunidade se
encontre degradada. Contraditoriamente essas recentes construções aumentam a
topofilia (elo afetivo) que eles possuem pelo lugar.
São olhares e experiências com o lugar que apontam soluções, conflitos e
problematizações que podem ser discutidas e trabalhadas pelo poder público local, aí
considerando também a especificidade destes cidadãos: quilombolas. Outra área de
possível abrangência da metodologia que se apresenta com o caráter de “Cartografia
Cultural” é a educação básica. Enquanto instrumento pedagógico torna-se importante no
ensino fundamental ao trazer subsídios aos trabalhos na disciplina de geografia, pois
proporciona uma análise ampla do estudante no contexto sócio-cultural ao realizar
relações dialógicas entre EU e o OUTRO.
Esta experiência de uso dos mapas mentais na comunidade de Barro Preto nos
aproximou de um movimento em que falar da memória se traduz também em fazer
história. Exercício pedagógico já utilizado por professores da comunidade que visam
ampliar a capacidade e habilidade de seus alunos, estimulando-os a estabelecer
conexões significativas. Em Barro Preto há atividades que trabalham indiretamente a
ancestralidade africana na escola através de aulas de capoeira, maculelê e grupo de
dança, adulto e infantil. E de forma geral há muitos homens e mulheres guardiões da
memória, situação recorrente em comunidades de origem africana.
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A dinâmica rural observada em Barro Preto e sua proximidade com grandes cidades
geram influências sobre o modo de vida de seus moradores. Entre as crianças, por
exemplo, o gosto musical pelo Hip-hop, cortes de cabelo e desejo de conhecer novos
lugares como já fazem os jovens. Já o contato mais imediato, nas redondezas, parece
sugerir uma troca de informações, possíveis pela mídia local que noticiam
positivamente as apresentações culturais dos quilombolas em eventos públicos. Isso traz
subsídios sobre maior visibilidade da luta quilombola na região e indica oportunidades
de reflexão por parte da população do entorno sobre as contribuições do povoado à
história local e nacional, bem como a secular ocupação territorial de Barro Preto no
atual município de Santa Maria de Itabira-MG.
Notas _____________ 1Vale lembrar que os mapas mentais são imagens que os homens constroem dos lugares, paisagens e regiões. Assim houve na geografia uma tentativa de se trazer para o campo das técnicas cartográficas estas representações, que na verdade devem ser tratadas enquanto fatos cartográficos com significações subjetivas. (FILHO, 1999, p.141) 2O Programa Ações Afirmativas na UFMG situa-se no contexto das políticas de ações afirmativas para população negra no ensino superior. Desde o ano 2002, vem implementando uma política de permanência bem sucedida para os jovens negros/as, principalmente os de baixa renda, regularmente matriculados/as nos diversos cursos de graduação da UFMG. Além disso, desenvolve ações direcionadas para a formação continuada de professores da Educação Básica, projetos de pesquisa, extensão, seminários, cursos e oficinas destinados aos/as alunos/as bolsistas, com a possibilidade de participação da comunidade externa. 3 “Os Dogon da África ocidental vêem as rochas como ossos, o solo como partes internas do estômago, a argila vermelha como sangue, e os seixos brancos do rio como artelhos”. (TUAN, 1983, p.100) 4As preposições espaciais são necessariamente antropocêntricas, quer sejam substantivos derivados de partes do corpo humano ou não. “No Egito Antigo, a palavra para “rosto” é a mesma para “sul”, e a palavra “nuca” está associada com “norte”. Muitas línguas da África e dos Mares do Sul extraem suas preposições espaciais diretamente de termos das partes do corpo como “costas” para “trás”, “olhos” para “em frente de”, “pescoço” para “acima”, e “estômago” para “dentro”. (TUAN, 1983, p.50) 5Os livros apresentados foram selecionados levando em consideração sua importância enquanto literatura que contemple protagonistas negros, que elevam a auto-estima de crianças negras e geram respeito por todas, negras e não negras. 6 Acreditamos que escolha do local não ocorreu de forma aleatória, Tuan verifica em seus estudos o prestígio dado a muitas culturas na escolha de locais que sejam elevados. (TUAN, 1983) 7No trabalho as entrevistas e depoimentos fizeram parte do conteúdo dentro do material e em outra dimensão eram subsídios importantes para interpretação dos mapas mentais confeccionados pelas crianças.
Referencias
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