geografia e história na localidade: a experiência de uma visita prévia de professores antes do...

3

Click here to load reader

Upload: grupo-de-estudos-da-localidade-elo

Post on 28-Jul-2015

135 views

Category:

Documents


4 download

TRANSCRIPT

Page 1: Geografia e História na localidade: A experiência de uma visita prévia de professores antes do estudo do meio

1 2

GeoGrafia e história na localidade: a experiência de uma visita prévia de professores

antes do estudo do meio

Sandro Luiz Sartorio1

[email protected]

Adriana Cristina de Godoy1

[email protected]

Daniel Bueno Junta1

[email protected]

Introdução

Este trabalho tem como objetivo relatar parte de uma prática educativa de estudo do meio envolvendo uma antiga fazenda de café localizada no município de Ribeirão Preto, conhecida por “Baixadão”, com alunos do 7º ano do Ensino Fundamental do ensino público. Tal prática vincula-se a uma iniciativa do ELO (Estudo da Localidade), que é constituído por alunos e professores de Pedagogia, História e Geografia do ensino público e privado. Trata-se da produção de práticas educativas sobre a localidade e o cotidiano de Ribeirão Preto/SP, voltadas a diferentes públicos incluindo alunos desde o Ensino Básico (Funda-mental e Médio) até o Superior.

Desenvolvimento da temática

O município de Ribeirão Preto tem a cana de cana-de-açúcar como principal produto agrícola, articulador do desenvolvimento econômico da localidade e da região. No passado recente esse desenvolvimento econômico era propiciado pela cultura do café. Para expor esta transição escolhemos estudar a antiga fazenda “Baixadão”, por possuir tanto equipamentos ligados ao cultivo do café, terreiro e tulha, como ao da cana-de-açúcar, posto que na mesma havia um engenho de pinga.

Este texto relata uma visita prévia a esta fazenda, por nós efetuada antes de levar os alunos, como orientam os Parâmetros Curriculares Nacionais de História e Geografia

1. Universidade de São Paulo / Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto / Laboratório Interdis-ciplinar de Formação do Educador – LAIFE.

(BRASIL, 1997, p.63). O objetivo da mesma é o de reforçar o caráter científico e de formação crítica deste tipo de atividade (BITTENCOURT, 2009, p.273), tanto para os alunos quanto para os professores-pesquisadores. Alentejano e Rocha-Leão (2006) destacam a necessidade de uma preparação prévia. Este exercício deve propiciar aos professores instrumentos para instigar “os alunos a problematizar o que vão ver, a preparar o que vão perguntar e refletir acerca do que vão observar” (ALENTEJANO, ROCHA-LEÃO, 2006, p.63).

Para Pontuschka et al (2009, p.173), o “estudo do meio é uma metodologia de ensino interdisciplinar”, por isso, neste ponto, traçamos uma relação entre a História e a Geografia na prática, destacando as mudanças e permanências, diferenças e semelhanças na localida-de. Ainda segundo os autores, este tipo de trabalho “pretende desvendar a complexidade de um espaço determinado extremamente dinâmico e em constante transformação, cuja totalidade dificilmente uma disciplina escolar isolada pode dar conta de compreender” (PONTUSCHKA, PAGANELLI, CACETE, 2009, p.173).

Entendemos também que o estudo do meio permite ao aluno vivenciar conteúdos estudados localmente, os quais não são apontados pelos livros didáticos. Pois estes abordam temas ligados aos grandes centros urbanos, às antigas capitais do país e às cidades que fizeram parte dos grandes “ciclos” da história econômica ou política.

Para Cavalcanti (2008) a paisagem é categoria fundamental para a compreensão do espaço (CAVALCANTI, 2008, p.66-7). Por meio da paisagem urbana podemos observar a historicidade da sociedade pela materialização dos prédios e formas antigas, e a espacia-lização das diferentes classes sociais existentes, como as áreas nobres, deterioradas, em processo de valorização, entre outras. Podemos utilizar esta mesma leitura para compreen-der o espaço rural, seja por meio das antigas construções em fazendas, como a “Baixadão”, ou até mesmo nos atuais complexos agroindustriais (usinas/destilarias de açúcar e álcool).

A observação da paisagem local nos possibilita identificar objetos e estruturas do passado e do presente. Como exemplos, podemos citar as construções atuais dos conjuntos habitacionais que hoje ocupam antigos espaços usados pela fazenda, e a antiga sede que foi transformada em posto de saúde para a comunidade local (Complexo Paiva). A fazen-da “Baixadão” foi adquirida pela Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto em 1997 para a construção de moradias populares, os Jardins Paiva I e II, além do projeto de criação do Parque Ecológico e Social Dr. Rubem Cione.

Durante o trabalho de campo, coletamos com um trabalhador da propriedade informações referentes à extensão, funções e algumas das mudanças ocorridas na antiga fazenda. Em nosso percurso, além de observamos o estado de deterioração do patrimônio material, também constatamos a presença de moradores locais nas antigas casas de colônia, que as utilizam como local de recreação e moradia.

Localizada no vale do Córrego dos Campos, da antiga fazenda “Baixadão” restaram alguns prédios. A antiga sede é o único prédio preservado por estar ocupada por um posto de saúde municipal. A maioria das casas de colônia restantes encontra-se deteriorada. O

Page 2: Geografia e História na localidade: A experiência de uma visita prévia de professores antes do estudo do meio

3 4

terreiro ainda conserva suas características originais contando com os antigos trilhos por onde era escoada a produção de café. Já a antiga tulha e o maquinário de beneficiamento de café estão em processo de deterioração. Observamos que o telhado destruído em vários pontos deixa exposto o equipamento e o prédio às intempéries naturais prejudicando uma possível restauração. Notamos ainda, em uma parte do prédio da tulha vestígios de um incêndio recente. Do antigo prédio do engenho de pinga restam apenas colunas.

Figura 1: Terreiro de café e tulha Figura 2: Setor do engenho de pinga

Este resquício de patrimônio histórico de Ribeirão Preto está cercado de casas populares. Novas construções ainda em andamento estão sendo erguidas muito próximas ao alambrado que separa e limita o parque, logo ao lado do terreiro de café.

Em geral, como nos lembra Garcia Canclini (2006, p.160), “é como se o patrimô-nio histórico fosse competência exclusiva de restauradores, arqueólogos e museólogos: os especialistas do passado”. Acreditamos que os habitantes da localidade precisam assumir o patrimônio histórico local como parte integrante da cidade e um elemento na construção da identidade da comunidade, ou seja: um bem comum. Ademais, da formação de uma memória mutável e passível de reflexão, um objeto de conhecimento (ALMEIDA, VAS-CONCELLOS, 2001, 107). A escola tem papel fundamental ao apresentar os patrimônios para os estudantes. É preciso conhecer, para respeitar e preservar.

Considerações finais

Entre o conhecimento teórico apresentando em sala de aula e a vivência do estudo do meio algumas considerações podem ser levantadas.

Do ponto de vista histórico podemos apontar com destaque o descaso com o pa-trimônio histórico. A arquitetura do lugar nos diz muito do contexto histórico das antigas fazendas de café com seus equipamentos, da mudança do trabalho escravo para o livre,

das divisões de classes sociais e das condições de trabalho e moradia, Segundo as palavras de Silva e Fonseca (2007):

[...] o patrimônio histórico - edificado ou disperso em diferentes fazeres e saberes - contém inestimáveis elementos para a discussão daquele universo, possibilitando ao ensino da história se beneficiar da reflexão sobre objetos e experiências existentes no cotidiano de cidades e campos, em visita orientada a lugares adequados ao projeto de curso (SILVA, FONSECA, 2007, p.69).

Por meio deste enfoque podemos relacionar o cotidiano da antiga fazenda com os dias atuais. Do ponto de vista geográfico destacamos a localização da antiga fazenda no meio urbano e não mais no meio rural como no passado. A espacialidade dos prédios permite concluir a divisão de classes sociais, a atividade econômica e a extensão da propriedade.

Pela observação da paisagem atual concluímos que o córrego dos Campos, que atravessa a propriedade, servia não apenas para o abastecimento de água humano e para a produção do café como também para o lazer. A inexistência de mata ciliar e da vegetação atualmente suscita algumas considerações como assoreamentos, contaminação de nascentes e perda da biodiversidade. Observamos ainda, por meio da paisagem, o contraste entre o padrão das casas populares construídas atualmente e a pujança dos antigos prédios da fazenda, incluindo as casas de colônia.

Do ponto de vista interdisciplinar e pedagógico iremos solicitar aos alunos que pesquisem a localização da antiga fazenda por meio de mapas antigos do município de Ribeirão Preto, assim como os bairros que se originaram a partir dos desmembramentos da propriedade. Os estudantes serão instigados a investigar como se dava o funcionamento diário de uma fazenda de café (cotidiano), com seus equipamentos e atividades dos fun-cionários, seus hábitos diários de cuidado com as casas de colônia e do uso dos córregos e da vegetação existentes na época. Para isso, deverão pesquisar sobre o bioma original de nossa região para saber quais tipos de árvores e animais eram os mais comuns.

Entendemos que por meio das pesquisas, do estudo do meio, dos debates e das reflexões, os alunos serão capazes de ter um contato mais próximo e significativo com a antiga fazenda “Baixadão”, reconhecendo a sua importância. O estudo do meio vai permitir aos alunos problematizar os fenômenos sociais e naturais e a interação entre eles, e assim, perceber as mudanças/permanências e as diferenças/semelhanças no tempo/espaço em que ocorreram, e ainda estão presentes; participar da realidade do local onde habitam, podendo estabelecer relações com outros lugares e tornar-se parceiros na preservação do patrimônio histórico/ambiental e no planejamento urbano do município de Ribeirão Preto. Enfim, trata-se de contribuir para aumentar a capacidade dos alunos atuarem como agentes críticos e transformadores a partir de suas experiências locais/cotidiana.

Page 3: Geografia e História na localidade: A experiência de uma visita prévia de professores antes do estudo do meio

5

REFERÊNCIAS

ALENTEJANO, ROCHA-LEÃO. Trabalho de campo: uma ferramenta essencial para os geógrafos ou um instrumento banalizado? Boletim Paulista de Geografia, n.84, São Pau-lo, jul./2006. p.51-68.ALMEIDA, A. M., VASCONCELLOS, C. M. Por que visitar museus. BITTENCOURT, C. (org.) O saber histórico na sala de aula. 4.ed. São Paulo: Contexto, 2001. (Col. Repen-sando o Ensino).BITTENCOURT, C. Ensino de História: fundamentos e métodos. 3. ed. São Paulo: Cor-tez, 2009. (Col. Docência em formação).BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: História, Geografia – primeira à quarta série do ensino fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997.CAVALCANTI, L. S. A Geografia escolar e a cidade: ensaios sobre o ensino de Geogra-fia para a vida urbana cotidiana. Campinas-SP: Papirus. 2008. (Col. Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico).GARCIA CANCLINI, N. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernida-de. Trad. Heloisa Pezza Cintrão, Ana Regina Lessa. 4.ed. São Paulo: EDUSP, 2006. (Ensaios Latinoamericanos, 1).PONTUSCHKA, N.; PAGANELLI, T. I. Y.; CACETE, N. H. Para ensinar e aprender geografia. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2009. (Col. Docência em formação).SILVA, M.; FONSECA, S. G. Ensinar História no século XXI: em busca do tempo enten-dido. Campinas-SP: Papirus, 2007. (Col. Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico).