gestÃo de pessoas no governo de luiz inÁcio da … · pessoas se destaca pelo intenso embate...

25
Centro de Convenções Ulysses Guimarães Brasília/DF 16, 17 e 18 de abril de 2013 GESTÃO DE PESSOAS NO GOVERNO DE LUIZ INÁCIO DA SILVA (LULA): ANÁLISE DAS POLÍTICAS DESENHADAS E IMPLEMENTADAS E DE SUA RELAÇÃO COM O MODELO DE GESTÃO PÚBLICA DO GOVERNO FEDERAL Fernanda Lima Silva e Silva Pedro Marin

Upload: ngodung

Post on 11-Nov-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Centro de Convenções Ulysses Guimarães Brasília/DF – 16, 17 e 18 de abril de 2013

GESTÃO DE PESSOAS NO GOVERNO DE LUIZ INÁCIO DA SILVA (LULA): ANÁLISE DAS

POLÍTICAS DESENHADAS E IMPLEMENTADAS E DE SUA RELAÇÃO COM

O MODELO DE GESTÃO PÚBLICA DO GOVERNO FEDERAL

Fernanda Lima Silva e Silva Pedro Marin

2

Painel 42/160 Experiências de avaliação de desempenho

GESTÃO DE PESSOAS NO GOVERNO DE LUIZ INÁCIO DA SILVA

(LULA): ANÁLISE DAS POLÍTICAS DESENHADAS E IMPLEMENTADAS E DE SUA RELAÇÃO COM O MODELO DE

GESTÃO PÚBLICA DO GOVERNO FEDERAL

Fernanda Lima Silva e Silva Pedro Marin

RESUMO A gestão pública no governo Lula é um tema recente e que ainda demanda maior profundidade de análise. Para alguns autores, neste governo não houve uma politica pública explícita para a gestão pública. Para outros, o governo Lula produziu uma notável reforma do Estado, mas nunca apresentou um plano claro de gestão pública ou uma discussão profunda de suas consequências. Ademais, autores como Francisco Gaetani (2003) e Caio Marini (2009) argumentam que ele foi estruturado pela coexistência de forças motrizes antagônicas, como as agendas gerencialista, burocrática e de governança pública. No âmbito deste debate, o tema da gestão de pessoas se destaca pelo intenso embate teórico e político: houve ou não um inchaço na máquina pública? O governo Lula possui uma política de gestão de pessoas clara? Em que medida ela difere da aplicada nos governos anteriores? Destarte, o objetivo geral desta pesquisa é realizar uma análise das políticas de Gestão de Recursos Humanos do governo Lula para identificar suas características estruturantes, assim como compreender como elas se aproximam ou se distanciam das agendas supracitadas, visando contribuir com o debate sobre a gestão pública no governo Lula. Palavras-chave: Gestão de Recursos Humanos. Gestão Pública. Governo Lula. Mito do Inchaço.

3

INTRODUÇÃO

Apesar da existência de iniciativas anteriores, o tema da gestão pública

ganha relevância no cenário político brasileiro durante a presidência de Fernando

Henrique Cardoso (FHC), entre os anos de 1995 e 2002, tornando-se objeto de

notável produção acadêmica e de debates na mídia, no Congresso e com o

empresariado (Marini, 2009).

A inserção do tema da gestão pública na agenda nacional foi

acompanhada por um processo de institucionalização e, em 1995, foi criado o

Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE)1, que iniciou o

que ficou conhecido como Reforma da Gestão Pública do Estado Brasileiro ou

Reforma de 95.

Esta reforma foi inspirada na agenda gerencialista da Nova Gestão

Pública (NGP), cujos aspectos constitutivos, em linhas gerais, são o estabelecimento

de uma administração pública mais eficiente, a descentralização de atribuições e a

abordagem orientada ao usuário e à gestão por resultados (Pacheco, 2010). Ela

também foi fundamentada na experiência de reformas de cunho gerencialista de

países como Inglaterra, Austrália e Nova Zelândia, que iniciaram suas reformulações

sobre a gestão governamental a partir do final dos anos 80. Cumpre destacar que

este processo de questionamento do papel do Estado e de reorganização do seu

funcionamento emergiu como uma resposta às pressões sociais e diminuição das

capacidades financeiras do Estado, a partir da crise financeira mundial iniciada nos

anos 70. Ademais, faz-se necessário realçar que, apesar de se inserirem no âmbito

das iniciativas fundamentadas na NGP, as reformas administrativas não foram

implementadas de maneira idêntica nos distintos países, visto que elas visavam

responder aos desafios e especificidades nacionais, e que o movimento

gerencialista evoluiu ao longo de seu desenvolvimento, tendo passado por diferentes

fases na qual os reformadores tinham preocupações e objetivos distintos, ainda que

orientadas para a melhoria da eficiência da provisão de serviços públicos e da ação

governamental (Abrucio, 1998).

1 O MARE foi criado pela medida provisória nº 813/95, que foi reeditada inúmeras vezes, e em 1998

foi convertida na lei nº 9.649/98.

4

O projeto de reforma do Estado brasileiro foi sistematizado no Plano

Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (Pdrae), sob a liderança de Luiz Carlos

Bresser-Pereira, e tinha os objetivos de melhorar aumentar a eficiência do setor

público e consolidar os quadros permanentes da burocracia, fortalecendo o núcleo

estratégico do governo. Assim, o Pdrae continha um projeto claro e inovador para o

estabelecimento de uma nova gestão pública brasileira, que abrangia uma definição

precisa dos setores do Estado (núcleo estratégico, atividades exclusivas, atividades

não-exclusivas e produção de bens para o mercado), assim como os seus papeis e

tipos de administração (burocrática e gerencial). Entre os princípios fundamentais da

Reforma de 1995 está o de que o Estado só deveria se ocupar diretamente das

tarefas exclusivas de Estado, como a formulação e controle das políticas públicas e

da lei. Todos os demais serviços públicos seriam financiados pelo Estado, mas

executadas por organizações não-estatais, que teriam maior autonomia de gestão e

poderiam oferecer melhores serviços.

Apesar da sofisticada elaboração conceitual, o Pdrae não logrou ser

implementado como planejado. Por conta de inúmeros fatores, que não serão

explorados neste artigo por não serem o foco da análise2, o MARE foi extinto em

1999, pela medida provisória nº 1.795/99 e suas atribuições foram transferidas para

então Ministério do Orçamento e Gestão, atual Ministério do Planejamento, pelo

decreto presidencial nº 2.923/99.

Apesar de sua perda de relevância política no segundo mandato do

governo FHC, o legado gerencialista do Pdrae continuou válido e influenciando a

gestão pública no governo federal durante este período, além de ter sido absorvido

por alguns governos estaduais, como Minas Gerais, e municipais, como Porto Alegre

e Santo André (Pacheco, 2010).

Não obstante os avanços e retrocessos encontrados pelo tema da gestão

pública no governo FHC, observa-se uma notável inflexão no governo posterior, de

Luis Inacio Lula da Silva (2003 -2010). Inicialmente destaca-se que, ao contrário do

governo de FHC, o governo Lula não organizou claramente sua proposta de gestão

pública, conduzindo suas iniciativas de gestão de um modo aparentemente

descoordenado e fragmentado.

2 Para mais informações, consulte o livro organizado por Luiz Carlos Bresser Pereira e Peter Spink

sobre a Reforma de 95, cujo título é Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial (1998).

5

Considerando-se as cinco dimensões técnicas da reforma administrativa

estabelecidas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

(OCDE) – gestão do gasto público e prestação de contas financeiras

(accountability), gestão de recursos humanos, estrutura da administração pública,

alternativas na provisão de serviços e reformas do lado da demanda (Manning et

al, 2009), este trabalho se concentrará na abordagem de umas das dimensões

mais polêmicas no debate sobre a gestão pública no governo Lula, qual seja, a de

gestão de recursos humanos.

Destarte, o objetivo geral desta pesquisa é ampliar a compreensão sobre

a política de gestão de recursos humanos do governo Lula, relacionando-a com as

principais correntes interpretativas sobre a gestão pública em seus mandatos. No

âmbito deste debate, no qual o tema da gestão de pessoas se destaca pelo intenso

embate teórico e político, a pesquisa visa também responder aos seguintes objetivos

específicos: é possível afirmar que houve um inchaço da força de trabalho? Em que

medida a gestão de recursos humanos do governo Lula difere da aplicada no

governo anterior?

Nesse intuito, realizar-se-á uma análise das principais medidas de gestão

de recursos humanos empreendidas pelo poder executivo federal entre 2003 e 2009,

com base no Inventário das Principais Medidas para Melhoria da Gestão Pública no

Governo federal Brasileiro (Marini, 2009). Destaca-se que esta análise pressupõe

que o governo Lula orientou suas ações baseado em uma visão própria sobre o

funcionamento e o papel do Estado, ainda que ela aparentemente não estivesse

organizada, implementando um projeto de gestão de recursos humanos diferente

daquele desenhado e executado durante o governo de FHC, ainda que também

influenciado pelo legado gerencialista da Reforma de 95.

Para alcançar esse objetivo, esta pesquisa está estruturada em quatro

seções: a primeira será destinada a revisitar as principais interpretações teóricas

sobre a gestão pública no governo Lula; a segunda apresentará as principais

medidas de gestão de recursos humanos deste governo, com vistas a relacioná-las

com as interpretações sobre gestão pública do governo Lula, em terceiro virá uma

apresentação do debate sobre a magnitude do funcionalismo público no governo

Lula; que será seguido por uma conclusão, que conterá um balanço sobre a política

de gestão de recursos humanos do governo Lula, analisada à luz da literatura

exposta nas seções anteriores e na utilização de materiais teóricos e

governamentais sobre os temas em questão.

6

2 INTERPRETAÇÕES SOBRE A GESTÃO PÚBLICA NO GOVERNO LULA

Para alguns autores, como Regina Pacheco (2004), a política de gestão

pública do governo Lula se realizou de maneira fragmentada e pouco planejada, ou

seja, não houve uma politica pública propriamente dita para a gestão pública.

Aproximando-se da agenda gerencialista da Nova Gestão Pública, a autora elenca

objetivos considerados essenciais para uma política pública voltada à melhoria do

funcionamento do Estado, tais como, a efetividade das políticas públicas, a

capacidade real do governo de formulação e avaliação de políticas públicas, a

eficiência do gasto público, a transparência e a responsabilização dos agentes

públicos (accountability).

A análise de algumas iniciativas de gestão pública empreendidas durante

os dois primeiros anos do governo Lula oferecem elementos para que Pacheco

reconheça alguns avanços, como a reforma da previdência, a unificação dos

programas de transferência de renda e a tentativa de organizar um espaço e um

método para monitorar e supervisionar as ações prioritárias do governo, mas

também alguns retrocessos, como o retorno à “administração burocrática”-

caracterizada por ser altamente politizada e pelas indicações para cargos baseados

em critérios políticos - e o aumento dos salários dos servidores públicos

proporcionalmente acima da taxa de inflação vigente. Além disto, a autora também

critica a inexistência de um documento compreensivo e sistematizado para a gestão

do aparelho do Estado e de um lócus institucional claro para a gestão de política

pública, sendo estes temas originalmente alocados sob responsabilidade do

Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), mas na prática tocados

pela Casa Civil.

Por fim, Regina Pacheco apresenta os elementos substantivos tidos como

necessários para uma política pública voltada à melhoria do funcionamento do

Estado, e demonstra como a gestão pública do governo Lula não se encaixa

satisfatoriamente neste modelo. Assim, em relação aos objetivos supracitados, por

exemplo, alguns não estão desdobrados em ações (efetividade das políticas

públicas e capacidade do governo de formulá-las e avaliá-las), outros entram em

conflito com a política salarial (eficiência do gasto público) e outros parecem ter

retrocedido ou não avançado (transparência, responsabilização dos agentes

7

públicos). Por conta disto, a autora chama a atenção para a possibilidade da

existência de uma não-política de gestão pública neste governo e para os riscos à

accountability democrática e “construção de capacidades de Estado”.

Entretanto, a análise de Pacheco parece concentrar-se exclusivamente na

comparação da Reforma Gerencialista de 95, tida como tipo ideal, com o modelo de

gestão pública do governo Lula, interpretando-o negativamente. Ainda que a autora

cite o surgimento de uma linha interpretativa que advoga o retorno ao paradigma

burocrático, afirma que estes esforços são mais normativos do que concretos.

Assim, Pacheco não considera a possibilidade de que este retorno ao paradigma

burocrático ou mesmo outro modelo de gestão pública sejam adequados, em algum

grau, à realidade política brasileira.

Em diálogo com o exposto acima, Marcelo Viana Estevão de Moraes

(2009) defende que as inovações referentes à gestão pública no governo Lula

seguem a linha do “Estado neo-weberiano”, um conceito cunhado por Politt &

Bouckaert, em 2004, que logra conciliar os extremos do paradigma burocrático

weberiano e da Nova Administração Pública. Segundo o autor, este novo conceito

fundamenta-se na reafirmação do papel primordial do Estado na resolução dos

problemas da atualidade, na “orientação para fora”, ou seja, para a satisfação dos

cidadãos, no fomento à participação cidadã direta, indo além da democracia

representativa, no foco em resultados, e não em processos, na profissionalização

do serviço público e na manutenção de um corpo de servidores públicos com

status diferente dos trabalhadores da iniciativa privada, aqui afastando-se

explicitamente da tendência à terceirização e fortalecimento do núcleo estratégico

da reforma gerencialista.

Superando o debate sobre as tentativas de classificar dicotomicamente as

iniciativas de gestão pública do governo Lula entre os paradigmas gerencialista, neo-

weberiano ou isento de política organizada, outros atores defendem que o governo

Lula produziu uma notável reforma do Estado, caracterizada pela influência de

diversas forças e bebendo das experiências governamentais anteriores, ainda que

ele nunca tenha apresentado um plano claro de gestão pública ou uma discussão

aprofundada de suas consequências.

8

Assim, Francisco Gaetani (2003), ressalta que o início do governo Lula foi

atingido pela fragmentação e falta de articulação das iniciativas de gestão, pela

divisão da coordenação destas ações entre a Casa Civil e o MPOG, assim como

pela baixa prioridade da gestão pública na agenda presidencial. Contudo, o autor

enxerga a gestão pública neste governo como promissora e destaca que houve um

aumento das atividades no âmbito da gestão pública, como a unificação dos

programas de transferências condicionadas de renda, a proposta para consolidar o

modelo das agências reguladoras, o fortalecimento da atuação da CGU junto aos

municípios e o debate público sobre o Plano Plurianual (PPA). Não obstante, ainda

que o autor ressalte as boas iniciativas, ele destaca que o governo ainda tem um

enorme desafio no tocante à coordenação das ações. Por fim, Gaetani inova ao

apresentar que o avanço da política de gestão do governo Lula não poderia ser

interpretado a partir de uma ótica dicotômica e excludente, mas que ele era um

fenômeno complexo e determinado por quatro vetores, economicista, burocrático,

gerencial e corporativista, como exemplificado no anexo 1.

Em outro texto mais recente, de 2009, Francisco Gaetani reforça a noção

de que o governo Lula não logrou construir um programa bem-estruturado de gestão

pública, exemplificando que o país teve seis lideranças na Secretaria Nacional de

Gestão Pública entre 2003 e 2009. Ele explica esta ausência de política de gestão

pública com a afirmação de que em nenhum dos dois mandatos as reformas da

gestão pública foram percebidas como potencialmente úteis para o desempenho

governamental. Assim, as prioridades do governo Lula foram a estabilização

macroeconômica e a promoção da inclusão social durante seu primeiro mandato, e a

recuperação do crescimento econômico e da implementação de projetos prioritários

na área de infraestrutura no segundo mandato. Destarte, o autor descontrói a

possível relação de causalidade entre as reformas de gestão pública e a melhoria do

desempenho econômico de um país. Ademais, Gaetani argumenta que iniciativas de

reforma de gestão pública dos governos anteriores, inspiradas em diversas agendas,

coexistem no governo federal, como pode ser observado no texto abaixo:

“Olas de intentos de reforma tuvieron lugar en las dos ultimas décadas. Las motivaciones fueron variadas: burocráticas, ‘gerencialistas’, participativas, conducentes a la eficiência u orientadas a la lucha contra la corrupcion. La yuxtaposición em el tiempo de varias reformas de la gestión publica produjo um mosaico de estructuras organizacionales publicas y de legislaciones sobre el empleo. El resultado institucional está plagado de contradicciones que expresan las diferentes visiones que orientaron esos esfuerzos de reforma (Gaetani, 2009, p. 03)”

9

Numa linha similar à de Gaetani, Caio Marini (2009), em um trabalho de

consultoria encomendado pela Secretaria de Gestão do MPOG, que listou as ações

de melhoria da gestão pública entre 2001 e 2009, também argumenta que a gestão

pública neste período teve diversas influências, sendo estruturada pela coexistência

de forças motrizes diferentes, correspondentes às três grandes agendas da reforma

da gestão pública: gerencialista, de profissionalização e de governança pública,

como detalhado no anexo 2.

O autor destaca que, apesar destas três agendas terem sido concebidas

como contraponto às anteriores, elas não são necessariamente antagônicas, e

convivem simultaneamente na gestão pública brasileira. Ou seja, é possível afirmar

que a reforma da gestão pública no Brasil, para Marini, é tingida pelo caráter

incompleto das reformas: três agendas foram iniciadas, mas seguem inconclusas e

coexistem no governo Lula.

Ademais, Marini destaca a existência de “um novo padrão de gestão

pública no Brasil”, que ele caracteriza a partir dos seguintes elementos:

Relevância do tema da gestão pública: embora não apresente

evidências, Marini afirma que, nos últimos anos, os políticos

começaram a perceber a importância da gestão para o alcance dos

objetivos apresentados em seus programas de governo;

Diversidade e Fragmentação: Marini defende que o período analisado

foi muito fértil em termos de produção de iniciativas de melhoria da

gestão pública, mas que estes avanços não se deram de forma

integrada e foram marcados pela coexistência da diversidade,

entendida a partir da pluralidade de atores, valores, visões e

coalizações atuando em convergência, e da fragmentação,

compreendida pela divergência, pela reduzida integração e pelo

estabelecimento de bloqueios, obstáculos e posições contrárias;

Compartilhamento Federativo: ainda que alguns autores, como Marta

Arretche, defendam o crescente processo de centralização das

políticas públicas no contexto federativo brasileiro, Marini afirma que,

nos anos estudados, a liderança das iniciativas de gestão pública foi

compartilhada com atores subnacionais, em oposição ao protagonismo

exclusivo da União nas reformas dos anos 30 e 60.

10

Caráter incompleto das reformas de administração pública

empreendidas: segundo Marini, as agendas de profissionalização da

gestão (reforma burocrática, iniciada no fim do século XIX),

gerencialista (fundamentada nos princípios da Nova Gestão Pública do

fim do século XX) e da governança pública (conceito que entende o

Estado a partir de sua inserção em uma rede, que emergiu na

atualidade) foram iniciadas, mas seguem inconclusas.

Assim, segundo o autor, é necessário encarar as reformas não como

etapas sucessórias em que o surgimento de uma tendência de reforma implica no

esvaziamento da anterior, mas como um processo em que as diversas abordagens

coexistem e se complementam.

Por fim, o autor analisa como se deu o “novo padrão de gestão pública no

Brasil” nos governos FHC e Lula. Em ambos ele identifica a existência de elementos

das três agendas de reforma citadas anteriormente e cita exemplos dos quatro

elementos desta nova gestão pública em cada período. No que tange ao primeiro

governo Lula (2003-2006), Marini destaca as iniciativas vinculadas às três agendas

de gestão: na de governança o exemplo citado foi a criação do Conselho de

Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), em 2003; na gerencial, a retomada

da agenda influenciada pela Nova Gestão Pública por meio do lançamento do Plano

de Gestão para um Brasil de Todos, que contemplou medidas nas áreas da

estratégia governamental, estrutura e gestão de recursos humanos, e na agenda de

profissionalização, a implementação de iniciativas de recomposição da força de

trabalho, o estabelecimento de percentuais mínimos para ocupação de cargos de

livre provimento por servidores de carreira, a intensificação de programas de

capacitação e a instituição de órgãos no âmbito do poder executivo para promover e

coordenar políticas voltadas à igualdade de gênero e raça, aos direitos humanos e

ao desenvolvimento social. Em relação às características desta nova gestão pública,

o autor cita que a relevância do tema da gestão teve comportamento oscilante: a

iniciativa do Plano de Gestão foi descontinuada, a partir de 2004, representando

uma perda de orientação estratégica no governo. Não obstante, algumas iniciativas

diversificadas tiveram destaque, como as ações voltadas para fortalecer as

instituições e a capacidade operacional das agências governamentais envolvidas

com as áreas sociais e de infraestrutura, consideradas prioritárias pelo governo.

11

No período seguinte analisado, que engloba parte do segundo mandato

do governo Lula (2007-2009), a principal característica foi o redirecionamento da

agenda de gestão para apoiar a realização dos programas prioritários do governo,

como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Plano de

Desenvolvimento da Educação (PDE), os Territórios da Cidadania e a Política

Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE). Destaca-se a existência de

elementos típicos da agenda gerencialista na atuação do Comitê Gestor, que é

coordenado pela Casa Civil e tem a responsabilidade de monitorar o PAC,

estabelecendo metas e sua execução. Ademais, no que tange à agenda da

profissionalização, o governo continuou implementando iniciativas para recompor a

força de trabalho orientando-as principalmente para as áreas prioritárias do governo,

por meio de medidas que promoviam a substituição de terceirizados e a retenção de

talentos na administração pública federal, através de um novo padrão de salarial e

do aumento de gratificações e de capacitações. Também foram iniciadas, ou pelo

menos propostas, medidas de aperfeiçoamento do marco jurídico, como novos

concursos, Fundação Estatal, revisão da Lei de Licitações.

3 AS PRINCIPAIS MEDIDAS DE GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS NO PERÍODO 2003/2009

A seguir será apresentada uma relação das principais medidas para a

melhoria da gestão pública do governo federal, com ênfase na gestão de recursos

humanos, para o período de 2003-2009. Elas serão apresentadas em duas tabelas

diferentes, sendo que a primeira corresponde ao primeiro mandato presidencial

(2003-2006) e a segunda a uma parte do segundo mandato (2007-2009). A

apresentação destas medidas foi complementada com uma tentativa de

classificação em uma das três agendas de gestão da reforma administrativa

apresentadas anteriormente (profissionalização, gerencialista e governança pública).

Todas as informações foram extraídas do Inventário das Principais Medidas para

Melhoria da Gestão Pública no Governo federal Brasileiro (Marini, 2009), tendo sido

coletadas por meio de entrevistas com atores-chave, análise documental, pesquisa

em websites e artigos acadêmicos.

12

Tabela 1: Iniciativas de Gestão de Recursos Humanos do Poder Executivo Federal (2003-2006)

Profissionalização Gerencialista Governança

Recomposição da força de trabalho

(servidores de carreira) do Poder Executivo

Federal, com destaque para agências

reguladoras, órgãos vinculados aos

programas sociais prioritários, órgãos de

controle, Polícia Federal e órgãos de defesa

Lançamento do Plano de Gestão para um

Brasil de Todos (interrompido a partir de

2004) e instituição do Programa Nacional

de Gestão Pública e Desburocratização

(GesPública)

Instituição de órgãos no âmbito do poder

executivo para promover e coordenar políticas

voltadas à igualdade de gênero e raça, aos

direitos humanos e ao desenvolvimento social

Estruturação e profissionalização das agências

reguladoras: agências passam a contar com

carreiras próprias (2004)

Intensificação de programas de

capacitação, com destaque para ações de

qualificação dos gestores públicos federais

na área de avaliação e monitoramento

Fortalecimento do caráter participativo nos

PPA

Intensificação de programas de capacitação,

com destaque para ações de qualificação dos

gestores públicos federais na área de

avaliação e monitoramento

Anteprojeto de lei de contratualização,

regulamentando os artigos 37 e 39 da

Constituição Federal (ampliação da

autonomia gerencial, orçamentária e

financeira)

Realização de eventos de capacitação em

Processo Administrativo Disciplinar para

todos os servidores de carreira do Poder

Executivo Federal

Alterações na Lei nº 8.745/93, que dispõe

sobre a contratação temporária de agentes

públicos, autorizando, por exemplo, a a

contratação de agentes temporários para

situações emergenciais

Estabelecimento de percentuais mínimos para

ocupação de cargos de livre provimento por

servidores de carreira

 Lançamento do Programa Nacional de

Apoio à Modernização da Gestão e do

Planejamento dos Estados Brasileiros e do

Distrito Federal – PNAGE

Elaboração de projeto de lei sobre a

democratização e solução de conflitos nas

relações de trabalho, dispondo sobre a

negociação coletiva e o direito à greve e

associação sindical

Desenvolvimento e implantação da

Política Nacional de Desenvolvimento de

Pessoal (PNDP)

Reajuste salarial para todos os servidores

públicos

2003-2006

13

Tabela 2: Iniciativas de Gestão de Recursos Humanos do Poder Executivo Federal (2006-2009)

A análise das tabelas acima demonstra que as agendas de

profissionalização e gerencialista tiveram maior influência na política de gestão de

recursos humanos do governo Lula tanto no primeiro como no segundo período

abordado, sendo que a agenda de profissionalização parece ter tido um impacto

ligeiramente superior. Destaca-se também que houve iniciativas vinculadas ao tema

da governança pública. Confirma-se, portanto, a partir da análise das principais

medidas de gestão de recursos humanos do governo Lula (2003 – 2009), a hipótese

inicial de que ela foi marcada pela coexistência e complementariedade das três

agendas de governo destacadas anteriormente, embora tenha havido uma

preponderância do vetor de profissionalização em relação aos demais.

Profissionalização Gerencialista Governança

Programas prioritários do governo (PAC):

substituição de terceirizados, retenção de

talentos

Programas prioritários do governo (PAC):

instrumentos gerenciais

Criação de novos Conselhos e Ouvidorias

Públicas Federais

Aumento de gratificações e capacitações Ano Nacional da Gestão Pública (2009)

Carta de Brasília sobre Gestão Pública:

mobilização em rede em prol da melhoria da

gestão pública

Criação de novas carreiras nas áreas

prioritárias: Especialista em Infraestrutura,

Analista de Infraestrutura, Analista Técnico de

Políticas Sociais, Analista de Tecnologia da

Informação

Projeto de Lei n. 1992 (2007): autoriza

regime de previdência complementar para

servidores públicos

Autorização de concursos para substituir os

trabalhadores terceirizados em situação

irregular no Poder Executivo Federal

Implementação de sistemática para

avaliação de desempenho individual dos

servidores: Lei nº 11.784/08.

Profissionalização dos cargos de direção:

projeto de Lei nº 3.429/08 cria as Funções

Comissionadas do Poder Executivo (FCPE),

que destinam parte dos cargos de livre

provimento a servidores públicos do quadro

efetivo, com a definição de requisitos de

mérito para sua ocupação

Implantação do Sistema de

Desenvolvimento na Carreira (SIDEC)

pela Lei nº 11.890/08

Realização de eventos de capacitação em

Processo Administrativo Disciplinar para

todos os servidores de carreira do Poder

Executivo Federal

2007-2009

14

4 O DEBATE SOBRE A MAGNITUDE DO FUNCIONALISMO PÚBLICO NO GOVERNO LULA

O tema da gestão de recursos humanos no governo Lula é politicamente

sensível e complexo, visto que se relaciona com construções políticas acerca do

papel e das funções do Estado, e foi objeto de intenso debate teórico acerca do

“mito do inchaço”: teria o governo Lula aumentado desproporcionalmente o número

de servidores públicos federais? Neste debate há duas posições claras: de um lado

situa-se a posição defendida no texto “O mito do inchaço da força de trabalho do

Executivo Federal”, de autoria de Marcelo Viana Estevão de Moraes, Tiago Falcão

Silva e Patrícia Vieira da Costa, que refutam a tese do super-dimensionamento da

força de trabalho no poder executivo federal por meio de uma análise baseada em

dados quantitativos e qualitativos. De outro lado, há a postura defendida no texto

“Uma radiografia do emprego público no Brasil: análise e sugestões de políticas”,

escrito por Nelson Marconi, que problematiza a argumentação dos autores

supracitados e defende a necessidade da existência de um planejamento da força

de trabalho.

Tendo em vista este debate pré-existente, a análise das principais

iniciativas de gestão de recursos do governo Lula será apresentada inicialmente a

partir de uma ótica quantitativa, ou seja, de uma investigação acerca do número

efetivo de servidores públicos, e, num segundo momento serão apresentadas

informações qualitativas sobre esta força de trabalho, como o perfil e a

profissionalização dos servidores públicos.

4 A) Análise quantitativa

No tocante à análise quantitativa, o principal dilema abordado é sobre o

número efetivo de servidores públicos do governo federal. Segundo Moraes, Costa e

Silva (2009), a tese do super-dimensionamento da força de trabalho no poder

executivo federal não pode ser comprovada ao se realizarem comparações com

outros países e outros estados brasileiros.

15

No tocante às comparações internacionais, os autores oferecem dois

argumentos. Inicialmente, demonstram que, no Brasil, o emprego público representa

cerca de 12% do total das pessoas ocupadas no mercado de trabalho, enquanto que

em outros países, com destaque para aqueles da Europa Ocidental, esta taxa é

notavelmente superior. De acordo com os pesquisadores, na França, o emprego

público representa 28% das pessoas ocupadas, nos Estados Unidos 15%, no

Uruguai 15% e no México 14%. Este ponto de vista, contudo, é problematizado por

Marconi (2010), que além de questionar a própria comparação com parâmetros

internacionais, que pressupõe que o tamanho do emprego público nos outros países

seria um referencial adequado, também chama a atenção para a utilização de

critérios diferentes para medir a magnitude do emprego público: enquanto o critério

utilizado nos países da OCDE inclui não apenas o emprego gerado diretamente pelo

governo, mas também aquele criado no seio de organizações privadas sem fins

lucrativos que recebem financiamento do Estado para proverem serviços públicos, a

contagem brasileira abrange apenas os servidores públicos diretamente

empregados no Estado, ou seja, a base comparativa no Brasil é menor, o que pode

dificultar a comparabilidade entre o número de servidores nos países.

Em segundo lugar, os autores argumentam que um estudo do IPEA, que

compara a quantidade de servidores por habitantes, tampouco corrobora a noção do

super-dimensionamento da máquina pública brasileira, pois enquanto, em 2000, o

Brasil tinha 5,52 funcionários públicos a cada mil habitantes, outros países com

estruturas políticas parecidas possuíam indicadores mais elevados. Assim, como

demonstrado na Tabela 3, no mesmo ano, a Alemanha possuía 6,10 servidores por

mil habitantes, no México, 8,46 servidores por mil habitantes e, nos Estados Unidos,

9,82 funcionários públicos por mil habitantes.

16

Tabela 3: Proporção de servidores públicos por mil habitantes

No tocante à análise nacional, Moraes, Costa e Silva argumentam que

não houve um crescimento explosivo do funcionalismo público, mas que sua

magnitude parece estar vinculada ao ambiente econômico e capacidade fiscal.

Assim, após um período de redução no quantitativo de servidores ativos a partir de

1995, que é interpretada a partir da crise e contenção fiscal dos anos 1990, houve

um período de estabilidade do tamanho do funcionalismo público, que foi

posteriormente substituído pela retomada do crescimento econômico e pela

recuperação do crescimento do número dos servidores públicos a partir de 2004,

como pode ser visto no gráfico 1. Desta forma, o número de servidores públicos em

novembro de 2008 (538.797) seria similar ao existente no período antes do início da

trajetória de diminuição do funcionalismo público: em 1997, havia 531.725 servidores

civis na ativa no poder executivo federal.

Fonte: Moraes, Silva e Costa (2009)

17

Gráfico 1: Evolução do quantitativo de servidores civis ativos do Poder Executivo Federal

Não obstante, ainda que a pesquisa em questão apresente a

possibilidade do estabelecimento de uma relação de causalidade entre o

desenvolvimento econômico e a magnitude do serviço público, os autores não

exploram os mecanismos explicativos para fundamentar esta conexão entre os

elementos analisados. Adicionalmente, o texto não aborda a possibilidade de

relação entre a magnitude dos servidores públicos e o possível projeto de

funcionalismo público existente no governo Lula, que, inclui, por exemplo, a

realização de concursos públicos para “não só expandir e fortalecer a atividade dos

órgãos beneficiados, mas também recuperar a força de trabalho perdida em razão

de aposentadorias, evasões e outras situações, como a dos trabalhadores

terceirizados em situação irregular, que devem ser substituídos por servidores

concursados (Moraes, Costa e Silva, p.08)”.

Ademais, os autores utilizam outra argumentação para refutar a tese do

super-dimensionamento dos servidores públicos no governo federal: durante o

governo Lula, o crescimento da quantidade de funcionários públicos atingiu 1,7% ao

ano, enquanto que a População Economicamente Ativa (PEA) cresceu

aproximadamente 1,8% ao ano.

Apesar da argumentação exposta por Moraes, Costa e Silva com o objetivo

de contextualizar e justificar, em comparação com outros países e com níveis

históricos brasileiros, a retomada do crescimento do funcionalismo público no governo

Fonte: Boletim Estatístico de Pessoal

18

federal, considera-se que não há como negar que houve uma elevação numérica da

força de trabalho no poder executivo federal em relação ao período anterior.

Marconi (2010), por sua vez, realiza uma pesquisa detalhada sobre o

emprego público no Brasil, analisando-o com base nos diferentes níveis de governo

(federal, estadual e municipal) e no tipo de contratação, classificado da seguinte

forma: estatutário, ou seja, o funcionário público que é regido pelo estatuto dos

servidores, tem estabilidade formal e regime previdenciário diferenciado; celetista,

incluindo os funcionários não estatutários com carteira assinada e que seguem o

regime da CLT e os não estatutários sem carteira, categoria que abrange tanto

aqueles em cargo de comissão sem vínculo quanto aqueles funcionários que

possuem um vínculo empregatício mais precário e ocasional com o setor público.

Assim, o autor aprofunda o debate sobre o tema e traz à tona uma nova informação:

enquanto no governo FHC houve uma diminuição no geral do emprego público, fato

que pode ser explicado pelo aumento da terceirização e pela privatização de

agências estatais ocorridos no período, no governo Lula houve uma retomada do

crescimento do funcionalismo, com destaque para o crescimento da contratação dos

servidores estatutários e não estatutários sem carteira assinada, como demonstra a

tabela 4.

Tabela 4: Evolução do número de servidores do governo federal e tipo de vínculo

Fonte: Marconi (2010)

Neste ponto, cumpre ressaltar que, considerando o aumento do número

de profissionais não estatutários sem carteira no período estudado e que o número

de comissionados elevou-se 9% entre 2002 e 2008 (19.887 em 2002 para 21.715

em 2008), é possível deduzir que a maior parte do crescimento observado deve

residir nos funcionários que possuem um vínculo empregatício mais precário e

19

93

19

99

20

02

20

07

Par

tici

paç

ão p

or

tip

o d

e

regi

me

(2

00

7)

Var

iaçã

o e

ntr

e 1

99

3 e

20

07

(%

)

Var

iaçã

o e

ntr

e 2

00

2 e

20

07

(%

)

Estatutários 622.554 557.322 554.217 750.133 48 20 35

Celetistas 510.631 318.938 340.247 377.338 24 -26 11

Não estatutários sem carteira 103.519 281.589 140.080 195.353 12 89 39

19

ocasional com o setor público. Esta observação está alinhada com as alterações na

Lei nº 8.745/93, realizadas durante o primeiro mandato do presidente Lula, que

dispõe sobre a contratação temporária de agentes públicos, autorizando, por

exemplo, a contratação de agentes temporários para situações emergenciais,

atendendo à necessidade de se criarem novos tipos de contratação, menos

precárias e mais flexíveis, mas que respondam às necessidades governamentais.

4 B) Análise qualitativa

Além da necessidade de se refletir sobre o número dos servidores

públicos no governo federal, o debate também atinge o perfil destas vagas. Moraes,

Costa e Silva, por um lado, argumentam que o recrutamento de novos servidores

públicos ocorreu levando em consideração a necessidade de qualificação do

funcionalismo público, a priorização dos setores mais carentes e as demandas

institucionais para viabilizar a implementação do projeto de desenvolvimento que o

Partido dos Trabalhadores (PT) tinha para o país.

No tocante à abertura de vagas em setores prioritários, os autores

afirmam que, em 2008, 70% de um total de 43.044 vagas foram destinadas para o

setor educacional, e ressaltam que outras áreas consideradas importantes e

marcadas por déficits de recursos humanos – tanto em termos quantitativos como

qualitativos - receberam novos funcionários. Eles citam, como exemplos, as

agências reguladoras, os quadros do ciclo de gestão, e os programas sociais. A

criação de concursos públicos para as carreiras de Analista e Especialista em

infraestrutura e de Analista Técnico de Políticas Sociais, no segundo mandato do

presidente Lula, pode ser interpretada como um argumento que corrobora com esta

argumentação, pois ambas as áreas foram consideradas estratégicas no governo

Lula, sendo que o tema social recebeu destaque no primeiro mandato do presidente,

marcado pela unificação dos programas de transferência condicionada de renda e

lançamento do Bolsa Família, e o tema da infraestrutura recebeu bastante atenção

no segundo mandato, principalmente após o início do Programa de Aceleração do

Crescimento (PAC). Esta argumentação, por sua vez, é problematizada por Nelson

Marconi, que afirma que o aumento das vagas no setor público federal, entre 2002 e

2007, se deu principalmente na área de educação e áreas-meios, que, segundo o

autor, deveriam ser reduzidas, privilegiando as áreas-fins.

20

No tocante à profissionalização, segundo Moraes, Costa e Silva, o

governo Lula, proclamando o objetivo de aumentar a profissionalização e diminuir as

indicações políticas, aprovou um decreto que reserva uma porcentagem mínima dos

cargos em comissão do Grupo Direção e Assessoramento Superiores (DAS) para

serem ocupadas por servidores efetivos de cargos públicos, o que limitou a entrada

de profissionais externos ao governo (Decreto n. 5.497, de 21 de julho de 2005).

Em relação à remuneração, observa-se que o governo Lula objetivou

reverter o processo de normalização do setor público, ou seja, de aproximação com

o setor privado, iniciado no governo FHC: enquanto o último visava fortalecer o

núcleo estratégico do estado, o que implicava em reajustes maiores para os

servidores mais qualificados, quebrando a tradição do “reajuste linear para todos” e

diminuindo a disparidade salarial entre o que estes profissionais poderiam ganhar no

setor privado e no público, o primeiro defendeu reajuste salarial para todo o

funcionalismo público com vistas a beneficiar os servidores que haviam sido

afetados pela política de arrocho salarial e de redução do aparelho do Estado do

governo FHC.

5 CONCLUSÃO

A política de gestão pública do governo Lula pode ser entendida como

fruto da interação de três agendas políticas distintas: a de profissionalização, a

gerencialista e a de governança pública, como apresentado por Marini (2010). A

análise de uma parte específica desta política, a gestão de recursos humanos, visa

responder ao objetivo geral desta pesquisa, qual seja, ampliar a compreensão sobre

a política de gestão de recursos humanos do governo Lula, relacionando-a com as

principais correntes interpretativas sobre a gestão pública em seus mandatos.

Assim, como demonstrado ao longo do texto, a análise da gestão de recursos

humanos do governo Lula demonstra que esta foi influenciada pelos elementos das

três agendas, com destaque, em maior grau, para as iniciativas da agenda

burocrática, como a recomposição da força de trabalho dos servidores de carreira e

da retomada da capacidade salarial dos servidores públicos, e, para a agenda

gerencialista, como as medidas para fortalecer a avaliação de políticas públicas e

21

seu desempenho, a inserção de instrumentos gerenciais para monitoramento dos

programas prioritários de governo e as alterações na Lei nº 8.745;93, que rege a

contratação temporária de agentes públicos.

No tocante aos objetivos específicos, como demonstrado ao longo do

texto, é possível afirmar que houve um aumento na magnitude do funcionalismo

público no governo federal. Não obstante, não é possível, pela análise aqui

apresentada, assumir uma posição sobre a tese acerca do super-dimensionamento

da força de trabalho. Afinal, a avaliação sobre a adequação da força de trabalho

depende de uma reflexão sobre se ela atende ou não aos objetivos da organização,

ou seja, se ela responde adequadamente às expectativas sobre o papel do Estado e

suas responsabilidades na provisão ou coordenação da provisão do serviço público.

Como esta pesquisa não logrou identificar uma política clara e estruturada de gestão

de pessoas ou um planejamento da força de trabalho durante o governo Lula, não foi

viável erigir uma conclusão sobre a adequação do tamanho do funcionalismo público

às responsabilidades que a ele cabem.

Adicionalmente, cumpre ressaltar que a política de gestão de pessoas do

governo Lula esteve vinculada a uma determinada visão política sobre o papel do

Estado, sendo este considerado como protagonista na promoção do

desenvolvimento do país e na provisão de serviços públicos. Entretanto, esta

concepção sobre o Estado, oposta àquela apresentada na Reforma de 95, não foi

acompanhada por uma revisão sistematizada e clara sobre como deveria ser a nova

gestão de recursos humanos. Assim, a gestão de recursos humanos no governo

Lula, ao fim e ao cabo, foi marcada por iniciativas diversas orientadas para recompor

a força de trabalho e a capacidade operacional do governo, com ênfase nas áreas

prioritárias, como os órgãos sociais e de infraestrutura, mas não logrou unificar suas

interpretações.

Por fim, ainda que exista uma maior identificação da política de gestão de

pessoas do governo Lula com a agenda burocrática e gerencialista, cumpre ressaltar

que as três agendas continuaram influenciando a gestão de recursos humanos no

Brasil, tendo em vista, por exemplo, que não houve um rompimento explícito com as

propostas da Reforma de 1995, o que permitiu que ela avançasse nos Estados e

municípios.

22

Anexos

Anexo 1: Vetores que determinam o avanço da política de gestão do governo

Lula (Gaetani, 2003)

-Contratos -3º setor -Del. e Desc. -Desempenho -Gestão -Flexibilidade

Legado Gerencial

-Eficiência -Corte de Custos

-Incentivos

-Minimalismo

-Competitividade

Limitações Fiscais

-Mérito -Profissionalismo -Carreiras -Controle -Anti-Corrupção

Agenda Histórica da Progressive Pub. Adm.

-Salários -Benefícios -Estabilidade -Barganhas -Distinção

Pressões Corporativistas

Elaborado pela autora com base no texto de Gaetani (2003).

23

Anexo 2: Principais agendas de reforma do setor público e “forças motrizes”

Modelo Gerencial Modelo Burocrático

Governança Pública

- Pressões Corporativistas

- Pressões por Controle

- Anti-Corrupção

- Não-diferenciação das regras (“Isonomia jurídica”)

- Contrário à normalização

- Legado do Plano Diretor de 1995

- Limitações Fiscais

- Eficiência e Eficácia do serviço público

- Privatização e Terceirização de serviços públicos

- Qualidade do gasto público

- Accountability

- Participacionismo

- Democracia Direta

- Compartilhamento Federativo

- Eficiência e Eficácia (Centralizar ou descentralizar?)

Elaborado pela autora com base no texto de Marini (2009).

24

REFERÊNCIAS

Abrucio, Fernando. L. (1998). Os avanços e os dilemas do modelo pós-burocrático: a reforma da administração pública à luz da experiência internacional recente. In Bresser-Pereira, Luiz Carlos e Peter Kevin Spink. Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial. Rio de Janeiro: Editora Fundação Vargas, pp. 173-199.

Bresser-Pereira, Luiz Carlos (2009). Os primeiros passos da Reforma Gerencial do Estado de 1995. In Medeiros, Paulo César e Evelyn Levy (orgs.), Novos Caminhos da Gestão Pública: olhares e dilemas. Rio de Janeiro: Qualitymark, pp.3-44.

Gaetani, Francisco (2003). “As iniciativas de políticas de gestão pública do governo Lula”. ResPvblica nº 3, pp.104-138. Brasília

Gaetani, Francisco (2009). Debate sobre políticas de gestión publica en el contexto de la Organización para la Cooperación y el Desarollo Económicos (OCDE): notas desde la perspectiva brasileña. Publicado na Revista do CLAD Reforma y Democracia. Nº 44 (Junho, 2009), Caracas.

Manning, Nick et al (2009). Reformas de Gestão Pública: o que a América latina tem a aprender com a OCDE? In Medeiros, Paulo César e Evelyn Levy (orgs.), Novos Caminhos da Gestão Pública: olhares e dilemas. Rio de Janeiro: Qualitymark, pp.97-116.

Marconi, Nelson (2010). “Radiografia do emprego público no Brasil: análise e sugestões de políticas”. In Abrucio, Loureiro e Pacheco (orgs.).

Moraes, Marcelo Vianna Estevão de (2009). O Mito do Inchaço da Força de Trabalho do Executivo Federal. Revista ResPvblica, Vol. 7 - No. 2. Brasília: ANESP.

SEGES (2009). Inventário das Principais Medidas para melhoria da Gestão Pública no Governo Federal Brasileiro. Brasília: Ministério do Planejamento. Trabalho realizado por Caio Marini.

Pacheco, Regina Silvia (2004). “Governo Lula: ausência de uma política para a gestão pública”. Texto apresentado à 2004 IPMN Conference - International Public Management Network. Rio de Janeiro: EBAPE.

25

___________________________________________________________________

AUTORIA

Fernanda Lima e Silva – Mestranda em Administração Pública e Governo na FGV/SP.

Endereço eletrônico: [email protected] Pedro Marin – Doutorando em Administração Pública e Governo na FGV/SP.

Endereço eletrônico: [email protected]