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GILMAR TALARICO E SILVA
A DIMENSÃO DA EDUCAÇÃO ESTÉTICA NA FORMAÇÃO DOCENTE E
PROFISSIONAL EM SAÚDE: UM ESTUDO A PARTIR DAS DIRETRIZES
CURRICULARES NACIONAIS DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM FISIOTERAPIA
UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO
SÃO PAULO
2014
GILMAR TALARICO E SILVA
A DIMENSÃO DA EDUCAÇÃO ESTÉTICA NA FORMAÇÃO DOCENTE E
PROFISSIONAL EM SAÚDE: UM ESTUDO A PARTIR DAS DIRETRIZES
CURRICULARES NACIONAIS DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM FISIOTERAPIA
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Educação da Universidade da Cidade de São Paulo - UNICID, como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Margaréte May Berkenbrock Rosito.
UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO
SÃO PAULO
2014
Ficha elaborada pela Biblioteca Prof. Lúcio de Souza. UNICID
S586d
Silva, Gilmar Talarico e.
A dimensão da educação estética na formação docente e
profissional em saúde: um estudo a partir das diretrizes
curriculares nacionais do curso de graduação em Fisioterapia
/ Gilmar Talarico e Silva --- São Paulo, 2014.
117 p.; Anexos
Bibliografia
Dissertação (Mestrado) - Universidade Cidade de São
Paulo. Orientador Profa. Dra. Margaréte May Berkenrock-
Rosito.
1. Educação. 2. Estética. 3. Formação profissional em
saúde – Fisioterapia. 4. Biossegurança. I. Berkenrock-Rosito,
Margaréte May, orient. II. Título.
CDD 371.13
Banca Examinadora
________________________________________ Prof.ª Dr.ª Margaréte May Berkenbrock Rosito (Orientadora)
________________________________________ Prof.ª Dr.ª Maria de Fátima Ramos de Andrade
________________________________________ Prof.ª Drª. Aline Bigongiari
Dedico este trabalho à minha Família,
porto seguro, e a todos os professores
que encontrei e encontrarei pela vida.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus e às forças da natureza, por terem guiado meus passos até
aqui, dando-me amparo nas horas mais difíceis da minha vida.
À minha orientadora, Profª Drª Margaréte May Berkenbrock Rosito, a quem
aprendi a admirar pelo seu conhecimento científico abrangente e pela sua
capacidade e disponibilidade em ajudar o próximo. Em todos os nossos encontros,
sempre trouxe palavras incentivadoras, instigantes e desafiadoras, mas, sempre
apoiada em sua autonomia e estética, fez com que a caminhada até aqui se
tornasse não só um aprendizado, mas uma Experiência Estética.
A todos os professores do Programa de Mestrado em Educação da UNICID,
pelas inúmeras contribuições, e às secretarias Sheila e Cláudia, pela disposição e
carinho.
Às Professoras Doutoras Maria de Fátima Ramos de Andrade e Aline
Bigongiari que compuseram a banca de qualificação e defesa, pelas ricas
observações para um melhor direcionamento da Dissertação.
Ao casal de amigos Edward e Alice Jack, que me encorajaram a saltar rumo
ao desconhecido, por acreditarem em mim.
Aos amigos Raquel, Ricardo, Tiago, Édina, Thais, Gabriela, Daniela, Nina,
Solange Souza, Solange Folha Verde, Marcelo, Driely, Mirna, Cecília, Cassiano,
Andressa, Regina, Marta, Geison, Cláudio e Márcio, por estarem sempre ao meu
lado nas horas de alegria e tristeza, estendendo-me a mão sempre que necessitei.
A meus pais, minha irmã, meu companheiro, minha filha e seu esposo e o
filho do coração e meu netinho que sempre acreditaram, e continuam acreditando,
nos meus sonhos, e que se desdobraram várias vezes para me auxiliar nessa
caminhada.
Meus sinceros agradecimentos!
RESUMO
As Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso Superior de Graduação em Fisioterapia se destacam como um divisor de águas para a profissão. Em decorrência das limitações em relação às definições da profissão, elas surgem com uma visão de ressignificação, propiciando novos rumos para a formação acadêmica em Fisioterapia, redefinindo os objetivos, as habilidades e as competências desenvolvidas durante a formação acadêmica do Fisioterapeuta, conferindo-lhes maior autonomia nas diversas áreas que competem sua atuação. Este estudo tem como principal objetivo analisar através do enfoque hermenêutico o Parecer nº 1210/2001, em 12 de setembro de 2001, pelo MEC/CNE, instituídas pela Resolução CNE/CES 4, em 19 de fevereiro de 2002 com o intuito de desvendar a dimensão da Educação Estética durante o processo de formação do docente e do profissional em saúde. Ao conceituar dignidade humana, foi possível estabelecer relações entre biossegurança, bioética e ética como um possível caminho para compreender os vínculos entre Educação Estética e as referias Diretrizes. Ao final desta constatamos que a formação acadêmica do Fisioterapeuta a partir de tais Diretrizes reflete de forma a prevenir, manter ou restabelecer sua integridade física com qualidade, a partir da autonomia e emancipação. Palavras-chave: Educação Estética; Graduação em Fisioterapia; Biossegurança; Hermenêutica.
ABSTRACT
The National Curriculum Guidelines of the Superior Course of Graduation in Physiotherapy stand out as a watershed for the profession (Brazilian expression for something that changed history (of the profession)). Due to the limitations from the definitions of the profession, they emerge with a vision of reframing, providing new directions for academic training in physiotherapy, refiniding goals, skills and competencies developed during the academic formation of a physiotherapist, given them greater autonomy in several areas that compete its performance. This study aims to analyze through the hermeneutical approach Opinion number 1210/2001, on September 12th, 2001, for MEC/CNE, instituted by the Resolution CNE/CES 4, on February 19th, 2002 in order to unravel the aesthetic dimension of education during the formation process of teaching and professional in health. To conceptualize human dignity, it was possible establishing relations between biosecurity, bioethics and ethics as a possible way to understand the links between Aesthetic Education and the aforementioned technical guidelines. At the end of this, we find that the academic formation of the Physiotherapist from such guidelines reflectes to prevent, maintain or restore their physical integrity with quality, from the autonomy and emancipation. Key words : Aesthetic Education; Graduation in Physiotherapy; Biosecurity; Hermeneutics
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ART – Artigo
CES – Câmara de Educação Superior
CFE – Conselho Federal de Educação
CHM – Carga Horária Mínima
CNE – Conselho Nacional de Educação
DCN’s – Diretrizes Curriculares Nacionais
IES – Instituição de Ensino Superior
LDB – Lei de Diretrizes e Bases
MEC – Ministério da Educação e Cultura
PPP – Projeto Político Pedagógico
SESu – Secretária de Educação Superior
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 12 1. “A METÁFORA DO INFINITO”: A NARRATIVA AUTOBIOGRÁFICA COMO CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO 16
1.1 História de vida: momentos charneiras 17
1.1.1 A cicatriz em sala de aula 17
1.1.2 A escolha profissional 20
1.1.3 A transição de aluno em pesquisador 21
1.1.4 Profissional fisioterapeuta e docente no Curso de Fisioterapia 21
1.1.5 A arte de reinventar-se como pesquisador: uma experiência de transformação pessoal e profissional 21
1.2 A somatória de acontecimentos: uma compreensão da identidade do docente, profissional e pesquisador 25
1.3 Análise documental: uma compreensão hermenêutica sobre o estudo 29
1.3.1 Diretrizes Curriculares Nacionais: o Curso de Graduação em Fisioterapia em foco 35 2. EDUCAÇÃO ESTÉTICA: REFLEXÕES EM BUSCA DO SENTIDO DA FORMAÇÃO DO DOCENTE E DO PROFISSIONAL NO CURSO DE FISIOTERAPIA 42
2.1 Educação e Experiência Estética: Conceituações 42
2.1.1 Ética e Biossegurança: uma leitura Bioética 53
2.2 Olhar estético: o alcance à formação docente e profissional no Curso de Fisioterapia 60
2.3 Processos formativos: a arte como possibilidade da recriação da autonomia e emancipação dos sujeitos 63 3. “A ESTÉTICA DO JALECO”: UMA REFLEXÃO A PARTIR DAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM FISIOTERAPIA 69
3.1 A estética do currículo: uma visão de humanização 70
3.2 A estética do corpo e da pessoa: vínculos indissociáveis na formação profissional e docente 83
3.3 A estética da dignidade humana: sobre autonomia, emancipação e vulnerabilidade dos sujeitos 92 CONSIDERAÇÕES FINAIS 102 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 107 ANEXOS..................................................................................................................116 ANEXO 1: PARECER CNE/CES 1.210/2001..........................................................117 ANEXO 2: RESOLUÇÃO CNE/CES 4, DE 19 DE FEVEREIRO DE 2002..............126
12
INTRODUÇÃO
Este estudo tem como objeto o sentido da dimensão Estética na identidade da
formação docente e profissional em saúde, a partir das Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCN’s) do Curso de Graduação em Fisioterapia, visando à importância
da Educação Estética nos processos formativos.
A motivação do estudo surgiu da experiência como docente, do pesquisador
deste estudo, na área da saúde, no Curso de Fisioterapia, em Instituições de Ensino
Superior (IES), sobre o uso do jaleco fora do local de atendimento ao cliente. É
comum, profissionais, docentes e alunos da área da saúde, trajando jalecos como se
fossem parte de seu vestuário habitual, desconsiderando as normas de utilização da
vestimenta em locais específicos.
Essas normas fundamentam os critérios de utilização e uso de equipamentos
de proteção e suas funções e o cuidado com o vestuário no ambiente de trabalho,
fazem parte do conteúdo da Biossegurança, adotado na formação dos profissionais
da saúde. A Biossegurança tem relação com a Bioética e a ética, uma vez que diz
respeito à garantia da reprodução da vida humana e oferecem fundamentos
adequados para tratar e garantir uma atitude ética dos profissionais.
A partir da participação na disciplina “Fundamentos da Educação Estética”, no
segundo semestre de 2011, como aluno ouvinte, no Programa de Mestrado em
Educação, na Universidade Cidade de São Paulo, permitiu a este pesquisador, uma
ampliação do olhar inicial para a percepção da dimensão da Educação Estética e da
ética na compreensão da Bioética e da Biossegurança na formação dos profissionais
e docentes dos cursos em saúde.
Neste sentido, ao empreender uma reflexão sobre os conceitos de estética
em Adorno, Schiller, Freire e Perissé, foi possível atentar para a pertinência do
estudo sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Fisioterapia, que
devem se posicionar sobre os problemas que dizem respeito ao não cumprimento
das diretrizes à Biossegurança, fundamentada nos pressupostos da Bioética, nos
cursos de graduação em Fisioterapia.
Para composição do quadro teórico adotam-se, os seguintes autores: Dussel
(2000), Amorim Neto (2007) sobre a conceituação de ética e moral, sobre estética
em Freire (2009; 2010; 2011), extraindo o processo de conscientização e autonomia,
13
em Adorno (1985; 1995), a estética da massificação da indústria cultural e
emancipação dos sujeitos.
Diante do exposto elege-se como problema de estudo: o sentido da Educação
Estética na formação do docente e do profissional em saúde presente nas Diretrizes
Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia.
A hipótese baseia-se no fato de que a Educação Estética é um referencial
adequado para fundamentar a prática docente e a formação do profissional em
saúde no curso de Fisioterapia. É por meio do componente da estética que surge a
possibilidade de profissionais, docentes e alunos, tornaram-se mais atentos às
questões da Biossegurança, que auxiliam na construção de respostas às questões
da Bioética e da ética.
Sendo assim, estabelece-se como o objetivo geral: compreender a
importância da Educação Estética, na prática do docente e nos processos formativos
do profissional em saúde, visando o desenvolvimento da autonomia e da
emancipação dos sujeitos no Curso de Graduação em Fisioterapia.
Já os objetivos específicos são: conceituar dignidade humana; estabelecer
aproximações e distanciamentos entre a Biossegurança e a Bioética e a Ética;
refletir sobre a dignidade humana como um caminho para a compreensão dos
vínculos entre Educação Estética e as DCN’s do Curso de Graduação em
Fisioterapia.
A relevância do tema está na reflexão sobre a dignidade humana, sobretudo,
na contemporaneidade, quando o sujeito parece ameaçado, questão que urge, pois
o ser humano parece ter sido transformado em coisa ou objeto para consumo.
Nesse contexto, torna-se relevante pensar a condição da prática docente em
situações de ensino e aprendizagem para evitar que a relação entre docentes e
alunos se transforme em coisa ou objeto, na relação com o conteúdo.
O estudo da Biossegurança à luz da Bioética e da ética nos cursos de
formação de profissionais da saúde, manifesta sua relevância, em dois âmbitos: o
social e o acadêmico. Trata-se de uma contribuição para com a reflexão sobre a
responsabilidade do processo formativo que objetiva alcançar e fortalecer a meta
maior, que é a reprodução da vida humana e desenvolvimento da dignidade humana
- um desafio para a prática docente na área da saúde à luz dos estudos da Ética e
Bioética com argumento da Educação Estética.
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Desta maneira, justifica-se o estudo diante da preocupação em atribuir
importância à Educação Estética, como fundamento da Bioética e da ética,
especificamente, neste estudo, no curso de Fisioterapia. Para a compreensão dessa
meta, é necessária a consciência de que a formação do profissional em saúde, em
instituição do ensino superior (IES), deve respostas aos problemas que a
humanidade vive, hoje, no sentido de elaboração de procedimentos adequados, aos
problemas que ameaçam à sua dignidade. Portanto, a Biossegurança diz respeito à
melhoria da espécie humana, como um caminho para a realização da justiça entre
os homens. É precisamente na área da Bioética, que o profissional em saúde
encontra as vias da consolidação, de sua universalidade, uma vez que é pauta em
todos os países do mundo, garantir a reprodução, manutenção e desenvolvimentos
da dignidade humana, que, segundo Dussel (2000), são princípios que
fundamentam o conceito de vida, sentido da ética na perspectiva do autor.
Estas são reflexões possíveis que podem oferecer respostas às questões
referentes à Bioética e à Biossegurança, no entrelaçamento entre as DCN’s do
Curso de Graduação em Fisioterapia e da Educação Estética, para a partir deste
ponto refletir se a prática docente vem sendo construída próxima ao que Freire
chama de “educação bancária”. Trata-se de um procedimento pedagógico que
impede o aluno de olhar-se como o protagonista do processo formativo de refletir
sobre o sentido do conceito de Biossegurança, se trata de uma normatização de um
pacote de medidas imposto aos alunos sem que eles tenham a oportunidade de
refletir.
As contribuições de Adorno e Freire para a compreensão da Educação
Estética, na prática docente, consistem na articulação de emancipação e autonomia,
para que se atinja o objetivo de formar alunos professores autônomos, conta-se com
a revisão das práticas pedagógicas tradicionais. Tais procedimentos suscitam a
formação profissional na área da saúde contrapondo-se à desumanização ocorrida
no cenário das Instituições de Ensino Superior (IES).
Assim sendo, a Educação Estética ocorre por meio da participação em um
procedimento importante de desenvolvimento, que auxilia os alunos e alunas-sujeito
a se tornarem conscientes de sua autonomia e emancipação na conjuntura da
contemporaneidade, proporcionando um olhar reflexivo, uma possibilidade de
romper com a educação bancária.
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A reflexão será concretizada a partir da análise das Diretrizes Curriculares
Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia. A análise documental será
utilizada como procedimento de coleta de dados. Será utilizado o enfoque
hermenêutico na perspectiva de Gadamer (2007), para a compreensão dos dados.
A descrição do material analisado abrangerá as referências importantes que
fundamentam a estrutura e o funcionamento dos critérios da Biossegurança, em
suas propostas de ações e intervenções. Faz parte do estudo a revisão bibliográfica
sobre Biossegurança, Bioética e Educação Estética.
Pretende-se organizar o estudo a partir da seguinte estrutura: no primeiro
capítulo, utilizou-se a narrativa autobiográfica escrita e oral, como caminho da
pesquisa-formação. A narrativa escrita é transformada em documento, como fonte
da própria trajetória pessoal e profissional, que permite pesquisar momentos de um
processo de autoformação, do individual construído no coletivo, compreendê-lo e
teorizá-lo como fonte de autoria desta pesquisa. Como metodologia da dissertação
será abordada com o enfoque da perspectiva hermenêutica num primeiro olhar para
a análise das DCN’s do Curso Superior de Graduação em Fisioterapia.
No segundo capítulo, aborda-se o conceito de Educação Estética e a prática
docente e analisa-se a evolução conceitual para apresentar a formação profissional
no campo da saúde, para a humanização do homem.
No terceiro capítulo, apresenta-se o caminho de reflexão visando à
compreensão da pertinência da adoção e cumprimento das DCN’s do Curso
Superior de Graduação em Fisioterapia da Biossegurança à Luz da Bioética nos
cursos de formação do profissional da área da saúde, cujas respostas podem estar
nas reflexões sobre o entrelaçamento entre a prática do docente e a Educação
Estética.
Assim busca-se a compreensão do conceito de Biossegurança, Bioética e
Ética como sendo um referencial adequado de melhorar a relação entre
profissionais, docentes e alunos, vinculado à compreensão da conceituação de
dignidade humana como princípio ético, conforme destaca Dussel (2000). Dentro
deste contexto é possível afirmar que a manutenção da dignidade humana do sujeito
tem, como consequência, a responsabilidade do profissional da saúde diante da
reprodução da vida.
16
1 A METÁFORA DO INFINITO”: A NARRATIVA AUTOBIOGRÁFICA COMO
CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO
Este capítulo foi elaborado a partir da disciplina História de Vida: formação e
pesquisa, houve um aprofundamento dos aspectos teóricos e práticos da narrativa
autobiográfica como caminho da pesquisa-formação.
A narrativa da história de cada um são recortes de lembranças, fatos que
deixaram marcas e influenciam as tomadas de decisões dos sujeitos como pessoas
e profissionais. A fim de perceber essas marcas utilizou-se o conceito de “momentos
charneiras”, em Josso (2004) que são aqueles acontecimentos vividos que marcam
uma mudança, portanto, um “divisor de águas”, quando há uma transformação em
decorrência de uma aprendizagem, que resulta na mudança de referenciais de visão
de mundo.
A narrativa da história de vida do pesquisador foi um processo que teve como
ponto de partida fundamental a metodologia da Colcha de Retalhos, desenvolvida
por Berkenbrock-Rosito (2009) concretizada dentro da abordagem da pesquisa
(Auto) Biográfica, que suscitou um importante momento de reflexão sobre as
lembranças/recordações de situações vividas.
Nesta metodologia, a narrativa escrita é produzida utilizando-se do “Quadro
da linha da Vida”, buscando “os momentos divisores de água”, inspirados nos
“momentos charneiras”, em Josso (2009) que fazem parte do processo de formação.
O Quadro Linha da Vida consiste em ter foco nas categorias de espaços e tempos,
as subcategorias vida familiar, escolar/acadêmica, profissional, pessoas,
professores, livros, filmes, relações amorosas, deslocamento geográfico, buscando,
no percurso de vida da pessoa, no fazer o mapeamento dos momentos “divisores de
água”. A narrativa escrita é transformada em documento, como fonte da própria
trajetória pessoal e profissional, que permite pesquisar momentos de um processo
de autoformação, do individual construído no coletivo, compreendê-los e teorizá-los
como fonte de autoria desta pesquisa.
Assim como conduziu à compreensão da narrativa autobiográfica e
autoformativa por meio da narrativa escrita, oral e pictórica, foi essencial recorrer à
hermenêutica, como instrumento que possibilitará o entendimento de diversas
possibilidades de ler, compreender e perceber o mundo. A hermenêutica é um
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recurso de suma importância para que se possa recuperar o sentido da experiência
de um percurso formativo.
Por fim, apresenta-se a hermenêutica, na perspectiva de Gadamer, elegendo
o conceito de compreensão do círculo hermenêutico, dentro do qual há um
movimento rotacional entre uma parte do texto e seu significado total, que
fundamenta a hermenêutica filosófica para estudos das Diretrizes Curriculares
Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia.
1.1 História de Vida: Momentos charneiras
Vale, neste contexto, destacar que Josso (2008) observa que ao identificar
“momentos charneiras” possibilita a identificação de si, os quais caracterizam a
distinção dos momentos transformadores dos referenciais vividos, para que durante
sua compreensão haja uma transmutação da vivência em experiência formadora,
um movimento “para uma compreensão que libera criatividade em nossos contextos
de mutação sociais e culturais”. (JOSSO, 2008, p. 25)
O percurso é material empírico, que necessita ser averiguado através de uma
investigação científica que envolve pesquisa e formação no processo de analisar,
compreender, interpretar a aprendizagem que vem da narrativa de vida, que é
transformada em conhecimento para a compreensão da educação e a reflexão
crítica sobre a formação profissional no Curso de Fisioterapia.
A exposição da história sob dois aspectos: o primeiro refere-se às reflexões
passíveis de exteriorizações, ou seja, aquilo que desejo partilhar com o outro. O
segundo diz respeito ao que não se consegue externar, assemelha-se a uma linha
tênue entre os movimentos de reflexões suficientemente amadurecidas e, as que
não estão ainda, percebê-los é importante para cuidar daquilo que se quer
preservar.
1.1.1 A cicatriz em sala de aula
A narrativa autobiográfica encontra o seu sentido desde que se compreende
que: “nós não fazemos a narrativa de nossa história de vida porque temos uma
história, temos uma história porque fazemos a narrativa da nossa história de vida”.
(DELORY-MOMBERGER, 2009, p.9).
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O primeiro momento charneira, a cicatriz da sala de aula e o defeito
congênito. A classe fazia leitura em voz alta e era sabido que a Professora Suzete,
de Língua Portuguesa e de música da 4ª série, pediria para o aluno que sentava
atrás continuasse a leitura. O próximo aluno sempre aguardava a sua vez com muita
apreensão. Era comum quando eu estava a ler, ouvir risadas, gargalhadas, no
pronunciamento da quarta palavra. Os colegas de classe, meninos e meninas,
pediam a professora para que eu parasse de ler. Diziam eles que nada entendiam e
que era muito engraçada a minha voz.
A Professora Suzete, olhando-me com ternura, pediu silêncio, para que
continuasse a leitura e eu prosseguia, porém meu rosto queimava de tanta
vergonha, as palavras saiam cada vez mais baixas e lentas. A professora insistia:
“Leia com voz mais alta pois!”; Para que eu pudesse ouvir minha própria voz.
Na época eu ainda não tinha consciência da forma como falava, e até mesmo
minha irmã mais velha disse-me que falava diferente. Para que eu pudesse resolver
esta incógnita, gravei a voz, em uma fita cassete. Ao ouvir minha voz, senti uma dor
enorme. Era uma voz fanhosa, tortuosa e medonha. Foi possível compreender meus
colegas, o motivo do riso. Eles estavam certos. Chorei muito abraçado à minha irmã,
que me consolava e acenava um futuro melhor assim como fazia minha mãe.
Era uma tortura ir à escola. Nos intervalos ouvia os apelidos: “boca rachada”,
“boca torta”, “defeituoso”. Diziam uns que sentiam nojo, outros, pena!; Alguns
chegavam a me agredir fisicamente, enquanto implorava a minha mãe para que me
tirasse daquele colégio. Ela dizia “Seja forte!”; Ela tinha a esperança de que o
tratamento com a fonoaudiológa, três vezes por semana, seguido de cirurgias fariam
com eu me tornasse igual a todos.
Tornei-me uma criança triste, tímida, calada e sempre com a mão tampava a
boca. Sentia vergonha de mim mesmo, não era do problema, apenas medo dos
outros. Estudava muito, sempre estava com os livros, tinha um propósito que se
tirasse boas notas nas provas, logo sairia da escola.
Quando tinha nove anos, fiz três cirurgias. O pós-operatório exigia mais de
um mês ingerindo apenas alimentos triturados, coados e passados por um pano
para extrair qualquer fragmento sólido, pois não poderia haver nenhum fiapo de
comida, o que poderia gerar uma infecção nos pontos e acarretar uma nova cirurgia.
No final daquele ano, houve uma festa de encerramento, na escola. No dia
anterior, a professora Suzete pediu para que ninguém faltasse, pois faria uma
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homenagem a alguém muito especial. A professora Suzete trouxe bolo, tortas e
doces. Havia música de criança. Todos comiam! Corriam! Brincavam!; Apenas eu
permanecia quieto no canto. A professora Suzete chamou todos. Hora de cortar o
bolo. Antes, porém, ela disse o seguinte:
“Queridos alunos foi um imenso prazer ensinar vocês neste ano. Tenho
certeza que nunca me esquecerei da turma da quarta série do período da manhã de
1988.” Em seguida, ela ofereceu o primeiro pedaço do bolo para mim. As crianças
riam, novamente, o meu rosto pegava fogo. A professora pediu silêncio. Contou
emocionada para a classe a história do garoto que todos riam. Disse que era um
menino muito especial e que todos deveriam sentir orgulho de ser meu amigo. Dizia
que nem sempre eles teriam a chance de passar por uma situação tão linda.
Em seguida, ela perguntou ao Guilherme, o garoto que mais me atormentava:
“Alguma vez interessou-se em saber porque ele fala assim tão engraçado? O colega
de vocês nasceu com um problema que se chama: lábio leporino. É uma má-
formação congênita, seus lábios nasceram abertos, não tinha céu da boca e
garganta. As pessoas que nascem com este tipo de anomalia possuem faces
assimétricas devido a fissura no lábio que se estende internamente pelo nariz. Além
disso, carregam consigo distúrbios da fala sendo o mais comum a voz anasalada
(fanha).”
Todos ficaram espantados e eu encolhia-me cada vez mais. Afinal, a voz
anasalada foi até o final do ensino fundamental, motivo de bullying, ou seja, sofria
atos constantes de violência psicológica por parte de colegas de turma, que
causavam dor e angústia, levando-me a desenvolver um complexo de inferioridade.
Passava a maior parte do tempo encolhido, calado e sempre com a mão na boca
com objetivo de escondê-la.
A professora continuava: “Ele já passou, nestes nove anos, por vinte cirurgias
construtivas e corretivas e passará por outras. Por isso, ele fala com dificuldades. Às
vezes, ele falta, para ir até Bauru, cidade do interior do estado de São Paulo, para
tratar do problema com médicos especialistas. Portanto, em vez de ficarem rindo,
vocês deveriam se aproximar e trocar experiências e entender que as diferenças
devem ser compreendidas como parte de um processo de amadurecimento para um
bom convívio em sociedade. Apesar de tudo isso, ele foi o primeiro aluno da classe!”
Ela parabenizou-me e entregou um diploma de primeiro aluno da classe a mim.
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Os alunos aplaudiram. Todos vieram me abraçar! Alguns estavam meio
tímidos outros, curiosos, perguntavam se as cirurgias eram doloridas. Um colega
mencionou que seu pai tinha um avião e pediria ao mesmo para levar-me até Bauru.
A partir daquele dia, ninguém mais me desrespeitou ou permitiu que alguém o
fizesse. O gesto da professora provocou em mim o desejo de ser professor, pois
percebi a importância do papel do professor em tornar os lugares e as pessoas mais
humanizados.
Apesar de cinquenta e quatro, a cicatriz é a História de meu esforço e de
minha mãe em superar o problema de má-formação congênita. Atualmente, o que
mais me deixa feliz é a sala de aula. A possibilidade de construir conhecimento e
saberes com os alunos. Não podemos escapar dos fantasmas, encará-los é o
melhor caminho, para fazer do fantasma a alma da pessoa, do docente, do
profissional.
1.1.2 A escolha profissional
O segundo momento charneira: a decisão de ser fisioterapeuta. Enquanto
vivia, aos 18 anos, o conflito da escolha do curso universitário, minha mãe teve uma
doença que a deixou, sem movimentos, por um ano. Foram seis meses no hospital e
seis meses em casa acompanhada do serviço de home-care, que era composta por
uma equipe multidisciplinar de médicos, fisioterapeutas, enfermeiros, psicólogos e
nutricionistas. Em nenhum momento saí do lado de minha mãe e vê-la recuperando
seus movimentos progressivamente com a ajuda da fisioterapia foi uma alegria
incondicional.
No ano seguinte, 2001, ingressei no Curso de Fisioterapia. Em 2004, com 23
anos, já estava no último ano do curso, porém, até aquele momento, não havia
trabalhado. Além de estudar, pretendia fazer estágios, uma possibilidade de aplicar
toda a teoria aprendida em três anos. A prática não era com papéis, números ou
coisas, mas, com pessoas reais, com histórias de vida, às vezes, marcadas por
sequelas físicas. O profissional ouviria seus relatos, suas dores, seus medos e
expectativas de até mesmo voltar a andar através das mãos do fisioterapeuta.
Ao refletir sobre a cena marcante no estágio, é possível perceber que a
relação com o conhecimento adquirido, ocorreu, em muitos momentos, de forma
obediente e regrada, afinal, em várias situações, era invadido por uma sensação de
21
inferioridade diante de alguns professores, prepotentes e donos da verdade. Em
outros casos, como por exemplo, professores que eram acessíveis, havia uma
proximidade com o aluno, era uma relação de admiração e esse sentimento
provocava um maior interesse por aquela disciplina.
1.1.3 A transição de aluno em pesquisador
O terceiro momento charneira foi a transição do aluno em pesquisador,
preocupado com questões sociais e éticas, fiz um estágio extracurricular voluntário
na Associação Brasileira de Distrofia Muscular (ABDIM), um lugar para atender
crianças com distrofia, proporcionar aos distróficos o máximo de independência
dentro de suas limitações. Esta experiência foi tema de minha monografia, sob a
orientação da Profa. Ms. Maria Clariane Berto, com quem aprendi a importância da
pesquisa e da responsabilidade social, em consonância com Paulo Freire: "É porque
eu amo o mundo que luto para que a justiça social venha antes da caridade".
1.1.4 Profissional fisioterapeuta e docente no Curso de Fisioterapia
O quarto momento charneira: uma mutação do profissional fisioterapeuta em
docente, no Curso de Fisioterapia. Neste momento, surgem questionamentos da
prática docente como relação pedagógica, em sua tridimensionalidade: conteúdo,
professor e aluno, nos processos de formação, ensino e aprendizagem. Foi a
necessidade de compreensão do sistema pedagógico como docente que me levou a
buscar o Mestrado em Educação, na UNICID.
1.1.5 A arte de reinventar-se como pesquisador: uma experiência de
transformação pessoal e profissional
Durante o Mestrado em consonância com o projeto de pesquisa da
orientadora deste estudo, com bases nos referenciais teóricos, compreendi com
relutância que a Estética está na relação de sujeitos com outros sujeitos, com o
ambiente, com a arte, com a literatura, com documentos, com discursos. Sua beleza
se manifesta tanto para um gostar como para um não gostar, essa experiência
22
estética, quando exteriorizada por uma reflexão na tentativa de explicar o que nos
provoca a beleza tanto no belo como no feio, constitui uma Educação Estética.
Refletindo sobre esse novo olhar o pesquisador deste trabalho iniciou um
atendimento fisioterápico a um senhor de 56 anos, vítima de um Acidente Vascular
Cerebral leve (AVC), com quadro de hemiparesia à direita, melhor dizendo, este
cliente possui um comprometimento leve de toda a musculatura de membros
inferiores e membros superiores do lado direito de seu corpo.
Antes de realizar o Mestrado, o pesquisador como profissional entraria na
casa deste cliente com foco no trabalho técnico realizaria uma anamnese com o
cliente para compreender quais as suas limitações e, a partir daí, traçar um
tratamento fisioterápico para proporcionar o máximo de independência dentro de
suas limitações com objetivo principal de melhorar sua qualidade de vida.
Após deparar com os saberes aprendidos com o Mestrado, sobre a Educação
Estética, a busca pela importância da arte na formação pessoal e profissional, vivia a
angústia que esse saber não se encaixava com o saber técnico do profissional
fisioterapeuta. Entretanto, quando entrei na casa desse cliente, deparei-me com um
piano exposto na sala, logo a esposa do cliente me levou até o quarto que estava ali,
numa manhã linda de sol, deitado em sua cama, de pijama com um olhar triste e
desesperançoso. Durante a anamnese, como de praxe, perguntas sobre a profissão
e o hobby do cliente foram feitas, o mesmo relatou que era administrador de
empresas agora aposentado e que em seu tempo livre gostava de estudar partituras
para tocar seu piano. O mesmo ainda relatou que sabia muito bem sobre sua
doença e que suas chances de curas eram remotas e que a fisioterapia teria o papel
de manter o seu quadro evitando pioras. Diante disto ele mencionou que sua vida e
seus sonhos estavam acabados e percebia que daquele momento em diante tudo se
resumiria em ficar na cama ou no sofá.
No trajeto de volta da casa do cliente, pensando em quais técnicas utilizaria
para proporcionar mais independência diante do seu quadro, houve um insight uma
transformação no meu olhar para o trabalho técnico, advindo de minhas leituras e
reflexões sobre a importância da estética, um gostar do piano emergiu, como uma
experiência estética, levou o pesquisador a refletir sobre este sentimento. Neste
momento foi achado o ponto gatilho, e porque não afirmar que ocorreu um momento
charneira para o pesquisador e para o cliente, naquele momento, a teoria da
Educação Estética através do jogo lúdico, da união do sensível (aqui um sentimento
23
de dó daquele cliente que tinha uma vida ativa e agora perderá tudo) e do racional (o
dever de através das técnicas aprendidas na faculdade garantir mais qualidade de
vida a ele), eu percebi através da arte, daquele instrumento musical, o piano, a
possibilidade da união da teoria da Educação Estética na prática profissional pelo
caminho da arte para desenvolver naquele cliente autonomia e emancipação diante
do seu quadro.
Durante o segundo atendimento fisioterápico, perguntei ao cliente se ele não
tinha vontade de voltar a tocar música em seu piano, o mesmo disse que sim, mas
sabia que era impossível diante de suas limitações e que estava inclinado a vender
o instrumento musical, pois olhar para ele todos os dias o deixava cada vez mais
triste. Neste momento solicitei ao cliente se havia possibilidade dele me mostrar o
piano e explicar como o mesmo funcionava e com um olhar espantado o cliente
perguntou, mas agora no meio da fisioterapia e eu disse sim, pois no trajeto do
quarto até a sala aproveitaríamos para realizar exercícios para melhorar o seu
equilíbrio e consequentemente sua marcha.
Ao chegar próximo do piano o cliente relatou um sentimento de medo e
frustração, mesmo assim ele contou sobre a história daquele instrumento e de
quando começou a estudar para tocá-lo, era possível perceber que por vários
momentos ele sentiu vontade de chorar, mas se conteve.
Perguntei ao cliente se haveria algum incômodo se eu me sentasse ali para
tentar tocar o instrumento, o mesmo disse que não havia problema e que poderia
fazê-lo, ao sentar em frente ao piano perguntei como fazia para abrir o
compartimento das teclas, e para minha surpresa ele não explicou, se inclinou e
mostrou como que abria a caixa. Quando aberta a primeira coisa que relatou foi que
as teclas do piano estavam cheias de pó e que quando ele tocava isso nunca
acontecera, pois ele mesmo se encarregava da limpeza e da afinação do
instrumento.
Logo comecei a dedilhar o teclado do piano intencionalmente somente com a
mão esquerda, o cliente na terceira ou quarta nota tocada falou, coloque as duas
mãos sobre o teclado, pois desta forma o som saí melhor, eu disse que como aquele
era o primeiro contato que tinha com aquele instrumento me sentia mais seguro
utilizando somente uma mão. Neste instante, o cliente olhou fixo para mim e sem
titubear falou, você está tentando me mostrar que eu posso tocar o meu piano
mesmo com a doença que tive, respondi que sim e que além de voltar a tocar com
24
uma mão só ele poderia limpar e afinar o instrumento como sempre o fizera e que
daquele dia em diante todas as sessões de fisioterapia seriam voltadas para que ele
voltasse a tocar e cuidar do seu piano.
Em meio ao um sorriso no rosto, o cliente disse que havia uma música que
ele gostava muito e que era tocada somente com a mão esquerda e me perguntou
se gostaria de ouvir, o mesmo disse que adoraria, então ele pediu para que eu o
ajudasse a sentar em frente ao piano, ao sentar em frente ao instrumento ele ainda
com um pouco de dificuldade para equilibrar o tronco disse : “vamos ter que
melhorar o meu equilíbrio com a fisioterapia, pois se vou voltar a tocar preciso ter
postura”. Eu com um sorriso no rosto argumentei que havia exercícios ótimos e
quem em pouco tempo ele teria equilíbrio de tronco para tocar sem que alguém
tivesse que ajudá-lo.
O cliente pediu para que pegasse suas partituras e o ajudasse a manter o
equilíbrio do tronco e disse que a peça que tocaria se chamava “Polca-tango” e era
tocada com a mão esquerda, pois quem a criou era canhoto, e ele a tocou no início
meio tímido, parou umas duas vezes, respirou fundo e tocou a peça toda, ao final,
em meio às lágrimas que, não conseguiu conter, disse-me: “você trouxe luz à minha
vida, a música acalenta a alma e respira vida”.
No terceiro atendimento ao chegar à casa do meu cliente, já o encontrei
sentado na sala, vestido sem o pijama e com uma alegria em seu olhar. A partir
daquele dia todas as sessões fisioterápicas estavam voltadas para solucionar
dificuldades que ele relatava com o piano.
Esta experiência mostra que a arte, no caso a música, trouxe ao cliente a
possibilidade de se reinventar, proporcionado através da criticidade a possibilidade
de desenvolver a sua autonomia, trouxe ao fisioterapeuta a possibilidade de sua
reinvenção como profissional ao articular a arte com o saber técnico.
Quando falamos do ensino cartesiano fundamentado em técnicas relacionado
ao tratamento de doenças, o primeiro sentido é o de castração, ou melhor, cria-se
um paradigma que os atendimentos fisioterápicos devem ser executados pura e
simplesmente através das técnicas para cada tipo de doença. Entretanto queremos
com esta reflexão nos posicionar que a aprendizagem e o domínio das técnicas são
importantes para tratar um cliente, mas não devem ser únicos, pois somos seres
criativos e se dominamos as técnicas podemos a partir delas desenvolver outras
maneiras de tratar os clientes.
25
Condenar o aprendizado de técnicas defendendo que as mesmas
impossibilitam os profissionais de se tornarem autônomos seria o mesmo que
afirmar que a Educação Estética, que não deixa de ser uma técnica para o
desenvolvimento da autonomia de profissionais e docentes fisioterapeutas, também
limita os sujeitos, pensando assim entendemos que esta pesquisa perderia todo seu
valor. Portanto acreditamos que o domínio de técnicas são essenciais, contudo não
devem caminhar sozinhas, e sim agregadas aos conhecimentos adquiridos ao longo
de uma educação continuada. Neste sentido, o autor desta pesquisa cita um
exemplo real da importância do domínio de técnicas associado a outros saberes, no
caso a Educação Estética.
Portanto, é essencial ressaltar que a transformação é condição de abertura
para as outras possibilidades de atuação profissional. Para tal, é necessário quebrar
a cultura da educação bancária que só vê sentido naquilo que tem uma aplicação
imediata. Nesta perspectiva, buscar seu próprio caminho é sempre interpretado com
desconfiança. Com isso, o sujeito se aprisiona na fantasia de que só conhecimento
técnico científico autorizado é o que legitima a formação profissional.
Entretanto, a formação integral é uma necessidade diante da vida real, o
cliente não segue o roteiro estabelecido por tais conhecimentos, afinal a
competência profissional é um processo de conscientização de si. Neste processo
tão complexo não existem regras, ironicamente, este caso não pode ser uma regra,
em outro cliente com características semelhantes talvez não houvesse o mesmo
sucesso.
1.2 A somatória de acontecimentos: os nós na compreensão da identidade do
docente, profissional e pesquisador
Figura 1: O infinito da história tecida em retalho. Fonte: Gilmar Talarico e Silva.
26
A metáfora do infinito emergiu da história escrita tecida em retalhos,
traduzindo-o na valorização da história vivida, a construção da identidade de ser
professor, fisioterapeuta e pesquisador que proporciona a narrativa autobiográfica. A
exteriorização da história de vida, em diferentes formatações (escrita, pictórica ou
oral), é uma somatória de acontecimentos que produzem uma história singular.
Nesse sentido, a história baseada em recortes, de tempo e espaço, momentos que
marcaram, positivamente ou negativamente, é constituinte da formação e da
autoformação da trajetória de vida dos sujeitos.
A narrativa da própria trajetória é um processo de produzir histórias sobre si mesmo; por meio dele, descobre-se a própria maneira de compreender o mundo, o outro e a si mesmo. Há um encontro de histórias de infância, da família, da comunidade, da formação, que estão ocultas e esquecidas no momento presente do indivíduo adulto. Estas histórias precisam de atenção. Assim, é essencial que o professor reconheça e pesquise sobre como foi produzido e como produziu a história que lhe habita. (BERKENBROCK-ROSITO, 2009, p. 4).
A história vivida é o que cada sujeito experimenta em seu cotidiano de
maneira singular, os acontecimentos, ações interativas e iterativas, reedificam-se a
cada interpretação da história, portanto, a narrativa é indefinidamente retomada e
revista, pois sempre há história para contar e recontar. As amálgamas infinitas da
história de vida podem e devem ser escritas e reescritas para se compreender como
sujeito na contemporaneidade.
Nesse sentido, não é tanto a história da vida reconstruída que importa em si, mas sim o sentimento de congruência experimentado entre o eu - próprio e o passado recomposto, a impressão de conveniência que essa história toma para mim no aqui e agora de sua enunciação. Ela é a história que eu me atribuo e na qual eu me reconheço, é a que me convêm e à qual eu convenho, a versão ‘suficientemente boa’ que eu me dou da minha vida. (DELORY-MONBERGER, 2006, p. 361).
Esse processo de debulhação do acervo de momentos charneiras permite dar
sentido às palavras escritas que vividas se constituem parte da experiência vivida do
pesquisador para compreensão do que foi formador em sua própria história de vida.
A compreensão da singularidade, de ser pesquisador e docente, atribui
sentido às suas próprias experiências no próprio processo de narrar, quando estas
interrogam-nos, há um fornecimento de sentido, a construção de outra
representação de si, e ao passar por esta experiência ocorre uma transformação
27
(LARROSA, 2002). A narrativa traz à tona momentos de experiências formadoras,
advindas de situações de aprendizagem, momentos de transformações.
Falar das próprias experiências formadoras é, de certa maneira, contar a si mesmo a própria história, as suas qualidades pessoais e socioculturais, o valor que se atribui ao que é “vivido” na continuidade temporal do nosso ser psicossomático. (JOSSO, 2004, p. 48).
Do processo narrativo, houve o encontro de cinco momentos charneiras, que
no estudo de Josso (2006) “Figuras de ligação nos relatos de formação”, foi possível
perceber que é uma história envolta na metáfora de laços e nós de marinheiro,
enraizados pelos nós de pescador, o nó de atracação, uma trama de fios torcidos
que permitem amarrar uma embarcação, permitindo efetuar paradas e, seguir a
viagem. Já os nós enforcado e górdio estão relacionados aos laços que não podem
ser desatados, laços de parentesco e representam nós e laços que ligam momentos
e situações de nossa existência pertencentes a um espaço e tempo, distantes ou
próximos, que apresentam recorrências.
A tentativa do uso dessa metáfora é dar a perceber que a ligação é, ao mesmo tempo, o que dá uma sustentação, que prende e que mantém uma relativa estabilidade, que permite o movimento em um perímetro definido, mas também o que impede sair desse perímetro, o que entrava, o que pode ficar machucando quando se tenta a liberdade sem consegui-la, o que se desfaz mais ou menos facilmente para encontrarmos a liberdade de movimento. (JOSSO, 2006, p. 373).
O nó górdio relaciona-se aos laços que não podem ser desatados, os
familiares. Portanto, meus laços de parentesco foram os responsáveis pelos sonhos,
pelas criações, pela formação de meu caráter, da ética, tendo como princípio a
responsabilidade, características bastante representativas em nossa família.
Meus pais acreditavam que através dos estudos seria possível conquistar
objetivos e melhorar de vida. A capacidade de sonhar e criar foi aprendida com
minha avó materna, uma excelente contadora de estórias, porque enquanto ela as
contava, eu ficava imaginando as pessoas, os lugares e as cenas, se eram reais ou
fictícias, apenas importava a capacidade de criar e sonhar.
Essas relações podem ser equiparadas com o nó de espia, cujo significado
ilustrado por Josso (2006) evocam relações relativamente equilibradas e mesmo
com o passar dos anos permanecem intactas.
28
A edificação da própria narrativa é um prognóstico da transformação do
sujeito que através da valorização da história vivida, estabelece com autonomia uma
nova ligação com o saber: “a conquista de identidade pessoal, situada social e
historicamente.” (DURAN, 2009, p. 33).
Trata-se dos caminhos percorridos da arquitetura da identidade profissional,
do ser docente e fisioterapeuta. Portanto, a compreensão dos elos de angústias,
medos, tropeços e realizações. Enfim, sentimentos e situações que tornam o
profissional, um processo de autoformação em permanente transformação,
construindo e desconstruindo, um modo de pensar, agir e fazer.
Pensar, sentir, criticar, refletir, intuir, criar são valores estéticos e éticos, que permeiam a formação humana do profissional, como sujeito e ser criativo a busca da originalidade de sua singularidade é incessante. Ninguém pode renunciá-la. É o que move o sentido da existência do ser humano. (BERKENBROCK-ROSITO, 2010, p. 48).
A somatória dos acontecimentos conduz à compreensão da construção da
identidade pessoal, profissional e social. Dubar (2009, p. 60) defende que a
“construção da identidade pessoal” é um processo intrínseco, efêmero e em
constante construção, que está fincado na relação da edificação da identidade
pessoal e das formas identitárias, associadas ao terreno “societário” e aos vínculos
pessoais (familiar), do trabalho (profissional) e político religioso (social).
Os momentos charneiras podem ser entendidos como mínguas, ou seja,
durante as dificuldades passadas em momentos vividos o sujeito precisa transgredir.
Considerando os já apresentados, através da superação surge a vontade de ser
docente, de aprender um ofício, no caso, ser fisioterapeuta, pesquisador e mais
tarde um docente mais humanizado.
Para encarar seriamente o que aparece frequentemente como uma catástrofe, seria preciso poder mudar de referências, de modelos, de crenças, de valores, mudar-se “a si mesmo”. Para enfrentar isso, seria preciso “requestionar tudo”, resignar-se a perder aquilo a que a gente se apega há tanto tempo e que acaba de ceder... Melhor renunciar a isso. (DUBAR, 2009, p. 198).
As identidades contemporâneas precisam ser revistas, num processo infinito,
pois somos desafiados o tempo todo nos processos laborais, em relacionamentos
familiares e principalmente na maneira de agir frente às novas exigências sociais.
Conforme esclarece Dubar (2005) o trabalho exercido pelo sujeito é visto como fator
29
que participa dos processos de sua construção identitária, que não são estáticos,
mas sim infinitos, e se adaptam ou readaptam na medida em que os sujeitos
vivenciam novas experiênciais.
Essa quase rotina da descontrução/construção, muitas vezes, é encarada
como uma crise que se dá com o movimento das identidades na tentativa de se
adaptar às situações que transcorrem no cotidiano que, de acordo com Dubar (2005)
recebe o nome de “crise das identidades”.
Elas tocam amiúde no que há de mais profundo e mais íntimo em sua relação com o mundo, com os outros, mas também consigo mesmo, que é também a mais obscura. Pois o “si mesmo” assim agredido, às vezes humilhado, faz sofrer, sente-se órfão de suas identificações passadas, ferido em suas crenças incorporadas, envergonhado muitas vezes dos sentimentos dos outros em relação a “si mesmo”. Essas crises são identitárias porque perturbam a autoimagem, a auto-estima, a própria definição que a pessoa dava “de si para si mesmo.” (DUBAR, 2009, p. 197).
O referido autor ainda esclarece que estas crises identitárias acompanham
todo o decorrer da existência, mesmo no futuro, porque ela tornou-se incerta e as
possibilidades cada vez mais diversificadas.
1.3 Análise documental: uma compreensão hermenêutica sobre o estudo
Sob o pilar de que a mudança é constante, podemos afirmar também que
educação é infinita e por isto está em constante processo de construção, cabe a nós
pesquisadores realizarmos pesquisas com intuito de aprimorar o que já é sabido, se
apropriar de conhecimentos desconhecidos ou ainda produzir novos conhecimentos.
A metáfora do infinito está na possibilidade infinita de leituras, de perguntas e
respostas para os que buscam participar dos seus jogos e tentam ver novamente o
“não dito” no dito de obras (livros, pinturas, partituras) que levam em sua passagem
histórica, leituras, reconhecimentos, críticas e repercussões na busca de um novo
sentido.
Desta forma, pode-se contar com a hermenêutica a fim de interpretar,
traduzir, explicitar e compreender, o que demanda:
a consciência de que nossa compreensão depende da linguagem que se realiza no diálogo que somente no encontro com outras pessoas que pensam de outra forma podemos superar nossos próprios horizontes interpretativos. (HERMANN, 2002, p.60).
30
Sendo assim, o pesquisador produz sentidos a respeito do estudo do tema, e
ao produzir e ampliar sentidos produz um conhecimento e um saber ler o dito e o
não-dito, relacionar parte e todo, a compreensão se dá na totalidade da dissertação,
oferece um saber ser pesquisador.
O enfoque hermenêutico aplica-se à compreensão de textos escritos ou de
qualquer comunicação (oral, visual, gestual) reduzida a um texto ou documento. O
objetivo é compreender criticamente o sentido das comunicações, seu conteúdo dito
ou não, as significações explícitas ou ocultas.
Para Gadamer (2000) a arte de interpretar na hermenêutica filosófica está em
criar situações de equilíbrio na compreensão de um texto, mesmo que não o
dominando totalmente, se faz o pensar e o conhecer para realizar sua compreensão.
Esta interpretação não necessita estar de acordo com o que ou quem se
compreende, e sim, apenas pensar e ponderar o que o outro pensa, sendo que este
caminho vai da palavra ao conceito, para a descoberta do conceito à palavra para o
alcance de uma compreensão racional do texto, com objetivo de delatar e desnudar
a pseudo primazia do conceito.
Compreender não é, portanto, uma dominação do que nos está à frente, do outro e, em geral, do mundo objetivo. Pode até também se compreender, que se compreenda para dominar. Assim, é também natural a vontade de dominação dos homens sobre a natureza, o que, de fato, torna possível a nossa sobrevivência. (GADAMER, 2000. p. 23).
Flickinger (2000) afirma que a hermenêutica tem como pressuposto a
descoberta do processo de instauração do sentido, cuja origem remete à relação do
sujeito com o mundo. Afinal esta experiência hermenêutica abrange algo que se está
além do apresentado claramente nos conceitos teóricos, sem, entretanto, renunciar
à pretensão de validade enquanto saber. O autor ainda esclarece que
Enquanto interpretação, portanto, a “hermenêutica filosófica” tenta lembrar à racionalidade moderna os seus fundamentos na experiência pré-lógica. Tenta lembrá-la, assim, daquela tradição do saber humano que, à base de um conceito muito mais amplo de filosofia, acusa as ciências objetivadoras de exibirem uma postura de dominação ilegítima. A verdade da hermenêutica consiste, portanto, na redescoberta dessa tradição de pensamento, a qual confia mais na experiência da interpretação e no reconhecimento do estranho, do outro enquanto tal, do que na subsunção da realidade vivida às delimitações impostas pela lógica conceitual. (FLICKINGER, 2000. p. 30).
31
Desta forma, aquele que interpreta precisa ter consciência de buscar o
sentido do texto e não aquilo que se supõe que o autor disse, já que infinitos são os
sentidos de toda frase pronunciada. Cada um precisa fazer o esforço de interpretar e
compreender o sentido da frase no contexto.
Compreender, para Gadamer, é um movimento que vai da palavra ao
conceito e do conceito à palavra. A compreensão, para Gadamer (2007) é um
processo de abertura de horizontes, para encontrar no texto o sentido de algo que
diz por si mesmo. Para o autor, toda compreensão tem caráter de aplicação, isto é,
há uma pergunta que o texto quer responder. Os conteúdos de sentido se
apresentam como algo presente no texto e que necessita ser descoberto. O
procedimento hermenêutico pode enriquecer nossa bagagem, o gnosticismo, assim
ampliando nosso horizonte do mundo (GADAMER, 1998).
Gadamer evidencia o conceito de fusão de horizontes em sua hermenêutica
na discussão da problemática da verdade histórica e da possibilidade de
compreensão do passado, de maneira que somos inseridos na tradição, ressaltando
que não há espaços fora dela para que possamos fazer críticas. Incorporados nessa
tradição, cada um de nós, e cada cultura em particular, tem o seu horizonte, ou seja,
tem um ponto de vista através do qual pode ver o mundo.
Este horizonte, diverso em cada época e cultura, está arraigado na tradição,
mas não selado a ela com propósito de reproduzi-la, pois cada cultura, em geral e
em suas peculiaridades, na medida em que se insere na cultura, constrói uma
perspectiva de mundo. Esta não é fixa ou estanque, mas algo em constante
mutação, por um processo de expansão.
Na perspectiva de Gadamer, deve-se considerar a particularidade de cada
horizonte dentro do que se concebe como a “fusão de horizontes” como um objetivo
a ser sempre perseguido e como um projeto sempre inacabado. Sem conceber a
ideia de fusão de horizontes, a compreensão do passado estará comprometida, pois
o entendimento se dá pela aproximação de horizontes separados inclusive pelo
tempo, como esclarece Lawn (2011).
Compreensão não significa necessariamente estar de acordo com o que ou
quem se compreende, mas pensar e ponderar o que pensa o outro, isto é, os
autores e teóricos da educação, desdobrando-se o estudo em explicitações de
conceitos, interpretações e apreensões. O falar acontece no diálogo em que é
possível a comunicação e a compreensão, constituindo-se o movimento dialógico da
32
construção de sentidos.
Lawn (2011) ainda destaca, em sua obra intitulada Compreender Gadamer,
a preocupação de que os termos interpretação e hermenêutica sejam tratados como
sinônimos e que essa confusão pode ter sido iniciada devido à origem da palavra
hermenêutica que deriva do verbo grego hermeneuein, que significa interpretar. Com
o uso de uma metáfora em que Hermes (que deriva de hermeneuein) um
mensageiro dos deuses gregos que fazia o papel de transmitir as mensagens destes
aos mortais, a partir desta idéia foi criada a hermenêutica, ou seja, “a arte de
interpretar” com seus próprios procedimentos e técnicas. Desta forma, inicialmente a
hermenêutica teria o papel de proteger e de, concomitantemente, revelar a
mensagem dos acontecimentos.
Essas mudanças parciais e a mudança no todo, é conhecida como Círculo
Hermenêutico. Nesta perspectiva, buscar os conceitos elaborados por autores é
abordar o tema na sua exterioridade. Ao refletir sobre o que cada autor significa para
o sujeito é abordar o que tem na interioridade do pesquisador.
Assim é possível comunicar a compreensão e a interpretação do conceito,
valendo ressaltar que a comunicação ocorre não só pela linguagem escrita,
sobretudo, pela linguagem metafórica, simbólica, músical, para comunicar a
compreensão do conceito da palavra de cada pesquisador.
A primeira regra da hermenêutica é estudar textos, imagens, filmes,
fotografias no contexto em que foram produzidas, analisando a intencionalidade do
autor, que é o retrato de sua época. Além disso, faz-se necessário perceber o
sentido e significado das metáforas utilizadas para fazer a crítica à época ou
reconhecer os avanços de sua época.
Deste modo, pode-se perceber a obra como uma experiência de ler
metáforas, imagens, imaginações, distanciando-se do lugar comum, das
interpretações óbvias e nem sempre consistentes, logo, as interpretações não
devem e não podem ser feitas às pressas, sem saborear.
Na Hermenêutica, a primeira interpretação ou compreensão é feita da pré-
compreensão, de pré-juízos, de pré-conceito. Aquele que interpreta precisa ter
consciência disso para esvaziar a sua mente e buscar o sentido do texto e não
aquilo que se suponha que o autor disse. Toda frase pronunciada tem muitos
sentidos e cada um precisa fazer o esforço de interpretar e compreender e
argumentar o sentido da frase no contexto.
33
Partindo deste princípio, a história não nos pertence, e sim pertencemos a ela
e na medida em que a interpretamos surge um modelo de como pensamos e
agimos, o passado não pode ser considerado como algo ultrapassado, pois os
mesmos estão repletos de saberes que com o uso da hermenêutica iluminam nossa
compreensão atual, para Gadamer esta é a ferramenta mais efetiva a disposição
para interpretarmos o Mundo (GADAMER, 2007).
Conforme elucida Lawn (2011), Gadamer, em sua obra Verdade e Método,
não tem como foco estabelecer uma base filosófica para conceituar a arte e nem o
belo, e sim, certificar-nos de que a mesma é uma forma de verdade sobre o mundo
e não um estado alterado do sentimento individual, demonstra que a arte é uma
maneira de interação às verdades fundamentais sobre o mundo e o significado do
que é ser humano e que a mesma é capaz de revelar verdades sobre nós mesmos.
Sendo assim, “ao aproximar a significação do belo com a verdade, seu intento
parece ser uma ampliação crítica da noção de estética moderna, em benefício da
experiência da arte como experiência de vida” (SILVA JUNIOR, 2005, p.193).
Gadamer estilhaça a interação entre sujeito e objeto, ou seja, a experiência
estética, em contato com a arte, transforma o ato de ver, pois ele deixa de ser
sensação singular para ser a articulação, pois de acordo com a fundamentação do
conhecimento do ser em relação a arte “algo se torna uma outra coisa, de uma só
vez e como um todo, de maneira que essa outra coisa em que se transformou passa
a constituir o seu verdadeiro ser, em face do qual o seu anterior é nulo” (GADAMER,
2007, p.166) gerando a verdadeira experiência, ou seja, a experiência da
historicidade do próprio sujeito. Neste ponto de vista,
analisar a dimensão da experiência estética no horizonte hermenêutico de Gadamer significa identificar as etapas de um procedimento que é paradigmático. Pensá-la, primeiramente como procedimento de crítica, destruição e recuperação e, posteriormente, como desenvolvimento de uma reflexão sobre seu modo de ser, como experiência de finitude essencialmente determinadas pela noção de consciência histórica e pela cifra de linguagem. (SILVA JUNIOR, 2005. p. 193).
O desafio da hermenêutica, ciência da arte de interpretar não só textos, mas
também todos os elementos da própria vida, constituindo-se numa batalha infinita de
compreender que cada interpretação é realizada a partir do que se sabe, e o que se
sabe muda, ou seja, está na desconstrução, na luta para encontrar o sentido daquilo
que foi questionado, para (re) construir o sentido que lhe é dado com o exercício da
34
hermenêutica. Para Gadamer (2000, p 19) “A hermenêutica é, muito antes, uma
visão fundamental acerca do que significa em geral, o pensar e o conhecer para o
homem na vida prática, mesmo se trabalhando com métodos científicos”. Desta
forma, é necessário permitir que o texto fale para que seja compreendido, pois o
mesmo não foi idealizado para que só o intérprete mostre o que pensa.
Em Gadamer, a hermenêutica assume uma tarefa crítica e não se restringe, como ocorria em outras épocas, a uma teoria ou metodologia de compreensão e interpretação da fala e do texto. Cabe-lhe determinar o verdadeiro sentido das ciências do espírito e a verdadeira amplitude e significado da linguagem humana. Verificar, também, que o fenômeno da compreensão perpassa não somente tudo que diz respeito ao mundo do ser humano, mas também o terreno da ciência, da filosofia, da arte, da história, seja como exegese, seja como método de interpretação e compreensão, seja como um aspecto universal da filosofia. (BRITO, 2007, p. 11).
Alicerçados na concepção de que um texto sempre tem algo a dizer, durante
sua compreensão não é exigido o esquecimento das opiniões prévias, contudo é
preciso que haja uma conscientização da necessidade de abertura para a opinião do
outro estabelecendo uma relação. A principal característica desse exercício é o
esforço para perceber em que medida o texto tem algo a dizer, não para confirmar
nossos pré-conceitos, mas para permitir que o texto fale em nós.
O experimento do exercício hermenêutico para encontrar “o sentido” num
texto empregando o círculo hermenêutico está na utilização de um apetrecho que vai
além de um desejo de saber tudo, e sim encontrar a sua própria realização, não no
conhecimento definitivo, mas nessa infinita chance do experimento estimulado por
ele próprio, afinal é correto afirmar que “quem sabe usar uma ferramenta não a
converte em objeto, mas trabalha com ela.” (GADAMER, 2007, p.382).
Com o exercício hermenêutico absorvido em Gadamer (2000) através da
escavação dos horizontes interpretativos, ou seja, escancarando esses horizontes
com o auxílio da narrativa autobiográfica e utilizando o círculo da compreensão
apoiado aos momentos charneiras, o olhar da hermenêutica sobre a formação do
profissional salta aos olhos. O autor desta dissertação se regozija pela compreensão
adquirida durante o processo de desconstrução de sua trajetória da história de vida,
partindo de momentos transformadores isolados para a relação do sujeito com o
mundo na busca do sentido, bem como a ânsia de ser professor, a escolha da
fisioterapia como profissão, a necessidade de se aprimorar através da pesquisa e o
ser docente de fato têm a sua base, ou melhor, o seu sentido num sentimento de
35
superação. Almeida (2000, p. 149) afirma que “A compreensão começa quando algo
nos chama a atenção. Esta é a principal das condições hermenêuticas”.
A hermenêutica idealizada por Gadamer (2007) apresenta em suas raízes
uma consideração por esta caminhada histórica e, a partir disso, busca repensar o
seu papel inserido na contemporaneidade, fazendo com que também seja uma
maneira construtiva de verdade frente à noção autoritária de fidedignidade edificada
pela ciência moderna.
O processo de interpretar é um aprofundamento da compreensão a partir do
conhecimento adquirido. Ao empregar a Hermenêutica para compreender as DCN’s
do Curso de Graduação em Fisioterapia, a leitura inicial deve ser feita
cuidadosamente aproveitando o saber já adquirido até o presente momento. Se algo
no documento chamar atenção, seja por sua singularidade ou por sua estranheza, é
preciso atingir um nível mais profundo de entendimento o que exigirá pesquisas,
estudos, investigações, indagações, etc. É exigido um trabalho intelectual baseado
no depósito de informações, deixados no passado por alguém. De posse dessas
novas luzes, habilitamo-nos ao exercício da interpretação, a qual, em sua
continuação, ocasiona a mudança no sentido, ou no significado de cada item e
consequentemente o sentido da análise do documento também se altera.
1.3.1 Diretrizes Curriculares Nacionais: o Curso de Graduação em Fisioterapia
em foco
De acordo com Gadamer (2007) para se realizar a hermenêutica é preciso
considerar o percurso histórico a fim de promover uma reflexão fidedigna do seu
papel inserido na contemporaneidade frente à noção autoritária da verdade imposta
pela sociedade moderna.
Para tanto, se faz necessário nesta dissertação o conhecimento da edificação
da Fisioterapia, num cenário mundial e nacional demonstrando de que maneira ela
foi gerada, marcada ou praticada durante sua evolução e assim entendermos o seu
contexto histórico, social e político com o propósito de desvendar seu sentido, isto é,
chegarmos a compreensão da importância da Educação Estética, na prática docente
e nos processos formativos deste profissional em saúde, visando o desenvolvimento
da autonomia e da emancipação dos sujeitos no referido curso.
36
Rebelatto e Botomé (1999) trazem uma contribuição da história da
fisioterapia, compreendida na antiguidade até o surgimento do Currículo Mínimo
vigente até 2001. Define-se por antiguidade o período de 4.000 a.C e 395 d.C,
durante o qual haviam preocupações com as denominadas “diferenças incômodas”
das pessoas e em como ajudá-las através de recursos, bem como técnicas,
instrumentos e procedimentos. Na Idade Média, séculos IV e XV, em decorrência da
influência religiosa, o corpo humano passou a ser considerado algo inferior, e os
exercícios eram visionados pelo clero para o aumento da força física de soldados
para batalhas e para a burguesia como um meio de diversão.
Durante os séculos XV e XVI, mais precisamente no Renascimento,
transparece a preocupação em ter um corpo saudável, demonstrado através de
tratamentos e cuidados com o corpo lesado e na manutenção das condições
normais já existentes em corpos saudáveis. No período da Industrialização, ocorrida
nos séculos XVIII e XIX, as populações foram submetidas a exaustivas e excessivas
jornadas de trabalho em condições alimentares e higiênicas precárias, que
acarretam uma série de doenças e acidentes de trabalho. Em consequência, a
classe dominante, preocupada em perder sua mão-de-obra, investe em pesquisas,
que desenvolveram métodos para o tratamento de tais doenças e de suas sequelas
utilizando recursos elétricos, térmicos e hídricos, além de exercícios físicos para o
tratamento dos indivíduos doentes.
As circunstâncias históricas descritas por Rebelatto e Botomé (1999)
comprovam uma trajetória intensificada para a cura de doenças e não para
regulação ou prevenção das mesmas. Nesta perspectiva, ao final do século XX, a
Fisioterapia entra para a chamada “Área da Saúde” voltada exclusivamente para o
tratamento de doenças.
De acordo com Novaes (1998) a Fisioterapia se torna conhecida no Brasil
depois da invasão de Napoleão Bonaparte em Portugal, em 1808, que obriga a
família real vir ao referido país e com ela traz recursos de todas as áreas utilizadas
em seu país.
Na década de 30, Rio Janeiro e São Paulo possuíam serviços de Fisioterapia idealizados por médicos que tomavam para si a terapêutica de forma integral, experimentando recursos físicos que outros médicos, à época, não ousavam buscar para minimizar as sequelas de seus pacientes. Esses médicos eram distintos dos outros por estarem preocupados não apenas com a estabilidade clínica de seu paciente, mas com sua
37
recuperação física para que pudessem voltar a viver em sociedade, com iguais ou parecidas funções anteriores ao agravo da saúde. (NOVAES, 1998, p.1).
Todavia é durante a Segunda Guerra Mundial que esses médicos, conhecidos
como médicos de reabilitação utilizam a Fisioterapia e a aprimoram enquanto prática
reabilitadora de sequelas físicas nos pracinhas enviados as guerras. Neste período,
já existia uma preocupação no que diz respeito a resolutividade dos tratamentos e a
Fisioterapia passa de uma disciplina do curso de Medicina para em 1951, na
Universidade de São Paulo (USP) ser reconhecida como um curso técnico, com
duração de um ano em período integral e ministrado por médicos que, conforme cita
Novaes (1998) foram formados os primeiros “fisioterapistas”.
Estes “fisioterapistas” eram auxiliares de médicos e não possuíam qualquer
tipo de conhecimento como aponta Novaes (1998):
Os primeiros profissionais eram auxiliares do médico, seus ajudantes de ordem; não possuíam os conhecimentos necessários para o diagnóstico, o funcionamento normal e patológico avaliação do corpo humano, nem os mecanismos de lesão e conduta terapêutica. (NOVAES, 1998, p. 68).
A trajetória da Fisioterapia no Brasil passa de curso tecnicista de nível médio
a curso superior de Fisioterapia em 1964, juntamente com o curso de Terapia
Ocupacional, sendo que o Currículo Mínimo do Curso Técnico em Fisioterapia
vigorou de 1964 a 1983, enquanto o Currículo Mínimo do Curso de Graduação em
Fisioterapia vigorou de 1983 a 2001.
Durante a vigência do Currículo Mínimo, as faltas de definições em relação à
profissão estavam ligadas as limitações que restringiam a atuação do Fisioterapeuta
em relação a sua compreensão e execução de suas funções. De acordo com Doll
(2002) o perfil do Fisioterapeuta tendia para uma visão de mundo cartesiana-
mecanicista, tradicional e fechada.
A legislação brasileira com o Parecer 388/63 e a Portaria Ministerial 511/64,
de acordo com Novaes (1998) definiam o fisioterapeuta como:
Auxiliar médico; explicita que lhe compete a realização apenas de tarefas de caráter terapêutico (ou seja, incapaz de avaliar o paciente); e que a execução das mesmas tarefas deve ser precedida de uma prescrição médica - o exercício profissional é desempenhado sob a orientação e responsabilidade do médico. (NOVAES, 1998, p. 69).
38
Sendo considerado como membro da equipe de reabilitação em saúde, o
fisioterapeuta não podia realizar diagnósticos de doenças e muito menos da
deficiência, mesmo estas características tendo apenas aspectos curativos ou de
reabilitação de sujeitos para sua inserção em sociedade com o mínimo de
independência, deixando bem claro que este profissional é, em sua síntese, um
técnico em Fisioterapia, entretanto deveria ter formação superior.
Acreditamos que essas contribuições errôneas quanto a Fisioterapia e a
atuação do fisioterapeuta se devem ao fato de não existir um estudo que
acompanhasse a evolução da profissão através dos tempos fazendo com que estes
não tivessem suas habilidades mais definidas.
Os documentos oficiais relativos ao profissional de Fisioterapia, com exceção,
talvez, do seu Código de Ética Profissional, parecem ter sido elaborados sob a ótica
da concepção saúde-doença, pois em nenhum momento citam ou deixam
transparecer os diversos níveis, tipos ou âmbitos de atuação que esse profissional
poderia ou deveria exercer ao atuar na assistência às condições de um indivíduo ou
de uma comunidade. Por outro lado, enfatizam a atuação desses referidos
profissionais como quase que exclusivamente voltado para a assistência a
indivíduos doentes. Esse fato parece criar um significativo grau de limitação para a
atuação profissional em Fisioterapia, pois reduz os objetivos do trabalho da profissão
a um universo limitado de tipos de atividade que seriam a recuperação.
Quanto mais se prolongam essas confusões e indefinições, relacionadas
tanto ao profissional de fisioterapia quanto ao seu campo de atuação profissional, as
condições para que o fisioterapeuta tenha uma atuação característica de um
profissional da área da saúde, sendo capaz de lidar com os diversos níveis de
condições de saúde da população, ficam prejudicadas e, consequentemente, sua
atuação se ressente, limitando-se por critérios inadequados.
Através da análise realizada pelos autores Rebelatto e Botomé (1999) em
relação aos documentos existentes até a década de 1990, quando ainda contavam
com o Currículo Mínimo do Curso de Fisioterapia, é interessante destacar que:
Na medida em que não existe um consenso, um “eixo” mais ou menos comum ou uma maior clareza sobre as disciplinas ou classes de aptidões que deverão compor a formação profissional do fisioterapeuta, menores serão as probabilidades de se ter definidas as características (ou o objeto de trabalho) desses profissionais enquanto tais. Da mesma forma, a ausência de uma formação científica do profissional que permita a
39
elaboração de pesquisas (inclusive sobre o próprio objeto de trabalho da profissão) diminui a possibilidade de um desenvolvimento da profissão que seja pensado, estudado, adequado e suficiente. (REBELATTO E BOTOMÉ, 1999, p. 56).
Diante de todo o contexto exposto, vale ressaltar que examinar e analisar
esses documentos com o uso da hermenêutica permite outra visão sobre o objeto de
trabalho da Fisioterapia e também do profissional fisioterapeuta, e explicitar as
relações do dito e do não dito nesses documentos e a forma como eles se
delimitam, dificultam ou desvirtuam a função da Fisioterapia, nos permitem uma
melhor compreensão acerca da profissão trazendo reflexões pertinentes na tentativa
de desvelar o sentido da formação e do profissional do referido curso.
Devido à criação das DCN’s do Curso de Graduação em Fisioterapia ser um
assunto novo e considerando o contexto da regularização da profissão no país e a
sua data de criação 2001, acreditamos que pesquisas que abrangem este assunto,
tanto na área da educação como na área da saúde, no caso a Fisioterapia, estão
sendo edificadas na tentativa de compreender o que de fato mudou para o
Fisioterapeuta em relação ao Currículo Mínimo adotado anteriormente.
O fato é que as pesquisas encontradas abordam análises específicas sobre
as Novas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia,
na busca da compreensão do novo perfil a partir do referido documento, o que difere
deste trabalho que lança, através da análise da perspectiva hermenêutica, a busca
do sentido da Educação Estética na formação docente e profissional do
fisioterapeuta.
Dentre as pesquisas que mencionam o referido documento, destacamos a de
Rebelatto e Botomé (1999) intitulada Fisioterapia no Brasil: Fundamentos para
uma ação preventiva e perspectivas profissionais, já mencionada neste trabalho
anteriormente. Vale destacar que nesta obra, os autores discorrem sobre o processo
de desenvolvimento e criação da profissão através dos tempos no mundo e no
Brasil, a relação saúde-doença e as práticas curriculares. Mais especificamente em
relação à profissão no Brasil, os autores traçam os caminhos desde o início da
legislação brasileira, até a criação das referidas diretrizes, tanto o trajeto, assim
como as DCN’s do Curso de Graduação em Fisioterapia, que são apenas citadas,
sem o intuito de serem analisadas.
40
Outro estudo foi realizado por Tavares (2001) que apresentou uma pesquisa
qualitativa no curso de Fisioterapia da Universidade da Região de Campanha em
Bagé/RS, problematizando o referido curso quanto ao processo de ensino-
aprendizagem. As reflexões foram feitas acerca do processo de ensino
predominante no curso, a fragmentação do currículo, a atuação do fisioterapeuta na
sociedade brasileira e a necessidade de mudanças nas mesmas. Esta pesquisa
concluiu que o curso em questão vivenciava um processo de transição devido à
criação das novas DCN’s do Curso Superior de Graduação em Fisioterapia.
Já Tombini e Araújo (2002) contribuíram com discussões existentes sobre as
Diretrizes Curriculares propostas para o ensino em Fisioterapia, dialogando e
procurando propor uma maneira de viabilizar a pesquisa e a extensão, com caráter
interdisciplinar e intercomplementar, como uma forma de superação da dicotomia
teoria-prática, a fim de possibilitar novos espaços de diálogos e também oportunizar
as transformações necessárias para melhorar a qualidade de vida na qual vivemos.
Novacki (2002) em sua pesquisa comparou as novas DCN’s do Curso de
Graduação em Fisioterapia com o Currículo do Curso de Fisioterapia da Univali.
Neste último, o autor analisou o projeto político pedagógico do curso contemplando
os objetivos propostos pelas referidas diretrizes, com vistas a investigar se havia
uma tendência ou não de interdisciplinaridade nesse currículo.
Enquanto Teixeira (2004) contribui com uma análise que percorre desde o
surgimento da profissão até a criação da referidas diretrizes com o objetivo de
identificar o perfil do profissional fisioterapeuta. A autora relata que atualmente esse
profissional tem um perfil que vai além dos conhecimentos técnicos, está refletido na
identidade cultural do indivíduo e a mesma deve ser ressignificada constantemente
através da educação continuada.
Outro trabalho que colaborou tanto para a Educação como para a Fisioterapia
é o de autoria de Pivetta (2006). Em sua pesquisa, apontou que as IES brasileiras
buscam novas propostas curriculares, baseadas nas novas DCN’s do Curso de
Graduação em Fisioterapia, a fim de adequar a formação profissional às demandas
da sociedade, baseado nesta afirmação faz-se necessário que o profissional
repense sua prática. Buscando identificar e analisar quais eram as concepções de
formação e de docência dos professores do curso de Fisioterapia do Centro
Universitário Franciscano frente ao novo currículo instituído, observou que essas
concepções apresentam forte influência do projeto do curso sobre o pensar e o fazer
41
docente, ao mesmo tempo em que professores identificaram nas reuniões
pedagógicas e na prática docente espaços privilegiados de formação e
aprendizagem docente.
Em sua pesquisa, Ilkiu (2009) relaciona o Currículo Mínimo e as DCN’s do
Curso de Graduação em Fisioterapia, com o propósito de compreender quais foram
as mudanças no perfil do fisioterapeuta, neste estudo a pesquisadora identificou que
o fisioterapeuta deve ter um perfil crítico, reflexivo e resiliente.
O aumento de IES e de vagas oferecidas aos fisioterapeutas, desde a
primeira proposta curricular de 1964, foi abordado por Oliveira (2009) que também
ressalta que com isso há uma preocupação em observar a humanização da saúde
que foram observadas através da análise das matrizes curriculares de três IES nos
Cursos de Graduação em Fisioterapia. Esta análise propôs discutir as tendências
curriculares que norteiam a formação do fisioterapeuta e apontou para o fato de
serem identificados importantes movimentos na linha da humanização, de romper
com a lógica exclusiva da hipervalorização da doença e da reabilitação, mas com
evidências de uma concepção de currículo pautada na racionalidade técnica.
42
2. EDUCAÇÃO ESTÉTICA: REFLEXÕES EM BUSCA DO SENTIDO DA
FORMAÇÃO DO DOCENTE E DO PROFISSIONAL NO CURSO DE
FISIOTERAPIA
Levando-se em consideração que a regularização do Curso Superior de
Graduação em Fisioterapia no Brasil é recente, pouco se sabe sobre a prática deste
profissional, seja na assistência, na docência, na gestão de serviços de saúde ou
educacionais reflexões se fazem necessária na tentativa de compreender, na
perspectiva da Educação Estética, quem é e como atua o fisioterapeuta.
2.1 Educação e Experiência Estética: Conceituações
O paradigma da experiência estética foi exposto por Kant, ao descrever os sentimentos do homem diante de um céu estrelado. A experiência estética nasce do encontro do indivíduo com o infinito do universo, e ele como parte desse universo. É nesse momento de encantamento que ocorre o encontro de dois grandes sentimentos humanos: o de ser infinitamente pequeno, contido na imensidão do infinito, mas também o de ser infinitamente grande, contendo em si todo o universo. (ALVARES, 2010, p.107).
A ética e a estética estão inseridas no cotidiano das instituições de ensino, a
estética surge em diversos momentos, bem como na ordenação, na relação entre
docentes e discentes, na edificação do currículo e dos conteúdos, no ambiente
físico, na higiene, enfim nas ações em geral, enquanto que a ética ocorre nos
moldes da estética, ou seja, no sentido da manifestação humana que incluem sua
beleza estética singular e o aperfeiçoamento destas manifestações. De acordo com
Freire (2011) a boniteza não é imunidade de uma comunidade, mas uma elaboração
em que todos participam e que em sua infinitude é preciso ser ganha nas relações,
nas decisões, através de ensaios, de maneira que se torne possível através das
atitudes de produzir e reproduzir o mundo.
A necessária promoção da ingenuidade à criticidade não pode ou não deve ser feita à distância de uma rigorosa formação ética ao lado sempre da estética. Decência e boniteza de mãos dadas. (FREIRE, 2011, p.34).
Para Dussel (2000) o conceito de vida está no alicerce formado pelas
seguintes esferas: reprodução, manutenção e desenvolvimento da vida, pois o autor
43
defende que o mais valioso é o que possui relação com a vida, como a Educação
que é essencial ao desenvolvimento do ser humano.
Cabe à Educação a responsabilidade pelo desenvolvimento da vida, tendo como referência a dignidade humana. Um projeto político pedagógico mal elaborado compromete o desenvolvimento das potencialidades criativas dos sujeitos. Desse modo, a ética é tratada na Filosofia no campo teórico, na Educação no campo da prática. (AMORIM NETO; BERKENBROCK-ROSITO, 2007, p. 619).
Dussel (2000) entende o conceito de ética como universal, que, ao mesmo
tempo que respeita o outro, tem o ofício de motivar mudanças locais e globais na
medida que se detecta riscos para a dignidade humana. Por sua vez, a moral é um
conceito que deve ser compreendido no interior das culturas regionais. A cultura é
compreendida como herança. Por esta razão, a atitude ética que se exige é de
respeito à conservação das morais locais, seja da cidade, bairro e instituições que
são espaços educativos e formativos de uma determinada visão de mundo.
Ainda Dussel (2000) elucida que a crítica faz sentido quando uma
determinada cultura, lei, regras e regulamentos, coloca em risco a sobrevivência
humana, lançando milhares de pessoas a viver na miséria que fere na raiz a
dignidade humana, considerando que a ética conceituada por Dussel se trata de
uma ética crítica, ou seja, “da transformação como possibilidade da reprodução da
vida da vítima e como desenvolvimento factível da vida humana em geral”.
(DUSSEL, 2000, p. 564).
Falar de ética e moral é falar de convivência humana, já que há necessidade
da ética porque o outro existe, porque os seres humanos não vivem isolados. Desta
forma, são os problemas da convivência que geram o problema da ética.
A ética na educação acontece quando os valores no conteúdo e no modo de
exercitar o ato de educar são valores humanos e humanizadores de respeito à
dignidade humana, que significa: o desenvolvimento da reflexão, do exercício da
participação como condição de desenvolvimento de autonomia, na intervenção da
realidade, que se manifesta na capacidade de escolha e decisão.
As políticas públicas de educação, DCN’s, leis, LDB, regulamentos,
dispositivos, têm uma dimensão ética e moral no modo de proceder dos governantes
de cada país para garantir o acesso e permanência de todos em escolas de
qualidade.
44
A dimensão ética e moral manifestam-se no processo pedagógico,
compreende-se por processos pedagógicos: o processo de ensinar, o processo de
aprender e o processo de formação. A ética e a moral normatizam os procedimentos
de conviver no interior da escola.
O conceito de educação é compreendido em dois sentidos, que se
complementam: desenvolvimento e intervenção. A educação como desenvolvimento
da potencialidade do pensamento, imaginação, visando a intervenção na realidade
com qualidade de valoração da dignidade humana.
Faz-se necessário ressaltar que a educação ocorre em todos os espaços da
sociedade, desenvolvida por humanos para os humanos, na convivência entre
pessoas e natureza, entre pessoas e pessoas, que ocorre em instituições sociais de
todas as áreas com o propósito de perpetuar as experiências que proporcionam bem
estar, felicidade e prazer.
A prática educativa supõe uma ética que contribua à formação de sujeitos morais e à construção de grupos, instituições e sociedades com relações baseadas em princípios éticos universais, como a justiça, o cuidado e o respeito. (AMORIN NETO; BERKENBROCK-ROSITO, 2007, p. 620).
Há uma ponte, ou melhor, um elo entre os autores Henrique Dussel e Paulo
Freire, que se faz na filosofia pedagógica com base na libertação do primeiro e em
especial nas obras Pedagogia do oprimido e Pedagogia da autonomia do
segundo. Dussel demonstra preocupação com relação ao modelo opressivo da
relação pedagógica, que em Freire conhecemos como educação bancária, “Desta
maneira, a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os
depositários e o educador, o depositante” (FREIRE, 2011, p.80). Tanto a pedagogia
de Dussel, como a de Freire nos projetam para reflexão do exercício pedagógico em
que a educação deve seguir para a libertação.
A Educação Estética se origina na estética, Herwitz (2010) descreve que a
disciplina da estética filosófica surge no século XVIII, sendo que a mesma já havia
sido analisada por filósofos como Platão que a tratava negativamente, pois a mesma
estava no campo do sensível. Para ele, a beleza, em sua filosofia, estava nas
formas ideais que eram compreendidas através da verdadeira realidade das coisas,
Platão tratava como insanidade. Herwitz pontua que:
45
pensar que a beleza, e muito menos a arte, constitui um objeto de estudo filosófico genuíno [...] a arte é tudo que há de pior, pois, se a poesia e uma droga performativa, então, a pintura e a escultura são meras cópias de cópias, tentativas de simular o mundo de um modo indecifrável a partir de seu modelo. (HERWITZ, 2010, p. 19).
Platão mimoseia a poesia quando comparada à filosofia, ou seja, quando a
mesma brinda o conhecimento, endossado por Aristóteles que admira a poesia, ou
seja, o drama trágico, por ser profunda e reconhecer que ela é “mais filosófica do
que a história” (HERWITZ, 2010, p. 22). Assim,
a estética nasce como uma disciplina quando a beleza se torna o foco central. A beleza somente pode tornar-se o foco central, porque a filosofia está pronta para libertar sua experiência de conhecimento, quando ela está pronta para entender o valor da experiência na medida que ela tem seu próprio fim. (HERWITZ, 2010, p. 25).
Nesta perspectiva, Perissé (2009) em seu livro Educação e Estética nos
esclarece que:
A Estética volta-se para a realidade como um todo, atenta ao belo ou ao que de algum modo manifesta beleza, harmonia, impacto ou grandeza: obras de arte, elementos da natureza, o corpo humano, objetos em geral. E o faz reflexivamente, filosoficamente, recolhendo e elaborando o que os sentidos (em particular a visão e a audição) nos transmitem de prazeroso. (PERISSÉ, 2009, p.24)
A experiência de relação estética é a experiência do sujeito com o outro,
consigo mesmo e com o mundo, mediada por uma postura que contraria as relações
baseadas apenas no utilitário com o mundo externo. Por sua vez,
o estético só se dá na dialética do sujeito e do objeto e que, portanto, não pode ser deduzido das propriedades da consciência humana, de certa estrutura dela, da psique ou de determinada constituição biológica do sujeito. A consciência estética, o sentido estético, não é algo dado, inato ou biológico, mas surge histórica e socialmente, sobre a base da atividade prática material que é o trabalho, numa relação peculiar na qual o sujeito só existe para o objeto e este para o sujeito. (VASQUÉZ, 1968, p.97).
A estética (do grego aesthesis), conhecimento sensorial, experiência sensível,
sensibilidade. No século XIX Friedrich Schiller (2013), poeta, filósofo e dramaturgo
alemão escreveu a Educação Estética do homem, em 1795, escritas ao príncipe
Augustenburg, elegemos Schiller por ser ele o precursor no emprego do conceito de
46
Educação Estética. Na mesma, o autor questiona os princípios e os meios da
Revolução Francesa, assim como seus ideais de liberdade, igualdade e fraternidade,
já dizia que o homem é um ser sensível e racional e propõe uma via para libertação
do homem, voltada para a reunificação entre corpo e mente. Sendo este sensível
inerente à natureza humana, emerge de forma espontânea e o racional que é
cultural.
Schiller estabelece uma relação tridimensional, ou seja, apesar da força
existente entre opostos, ele acredita numa relação entre o impulso sensível que “é
aquele ao qual se prende, por fim, toda a aparição da humanidade” e o “impulso
formal que parte da existência absoluta do homem ou da sua natureza racional”
(SCHILLER, 2013, p. 60). Ambos resultam numa terceira dimensão: a do impulso
lúdico, cuja significação está baseada na compreensão da beleza, no qual o sensível
e o racional se fundem, desta maneira “este impulso lúdico seria direcionado,
portanto, a suprimir o tempo no tempo, a ligar o devir ao ser absoluto, a modificação
à identidade (SCHILLER, 2013, p.70).
O autor ainda esclarece que o impulso sensível parte da existência sensível
do homem, já o impulso formal parte da existência racional do homem. Num primeiro
momento, parece que o ser humano se reduz a isso e não há conciliação possível,
mas para Schiller existe um terceiro impulso que é o impulso lúdico, que se
apresenta como um jogo. Não podemos ser pura sensibilidade, nem razão pura. A
solução é o equilíbrio entre estas duas forças que acontece neste jogo lúdico, no
qual a beleza exerce o papel de mediação.
Essas espécies de efeito de beleza, contudo, devem ser uma só segundo a Ideia. Ela deve dissolver quando faz igualmente tensas as duas naturezas, e deve dar tensão quando as dissolve por igual. Isso resulta desde logo do conceito de uma ação recíproca em que as duas partes se condicionam mutuamente com necessidade, ao mesmo tempo que são mutuamente condicionadas, e cujo produto mais puro é a beleza. (SCHILLER, 2013, p. 79).
Schiller (2013) articula também que através da veracidade e da equidade
inseridas em seus conceitos, a arte e o belo, como intervenção para o impulso lúdico
e para o ideal do homem, não podem se corrompidos. Ele acredita que a libertação
tem de acontecer no interior para que seja extravasada exteriormente. Deste modo,
Schiller elabora os conceitos de impulso sensível, formal e lúdico e propõe a
Educação Estética, ou seja, a formação do homem sensível, de maneira que
47
proporcione ao ser humano a apreciação do belo, pois este, como os outros gostos,
são aprendidos. O sensível aqui não se refere apenas à sensibilidade artística, mas
ao todo da existência humana, como meio para a conquista do homem ideal, o
homem que domina sua natureza selvagem e busca a humanidade com ética. É
através da intervenção de uma Educação Estética, que ocorre a possibilidade do
nascimento de um sujeito moral e ideal.
Daí nascem as duas tendências opostas no homem, as duas leis fundamentais da natureza sensível-racional. A primeira exige racionalidade absoluta; deve tornar mundo tudo o que é mera forma e trazer ao fenômeno todas as suas disposições. A segunda exige a formalidade absoluta: ele deve aniquilar em si mesmo tudo que é apenas mundo e introduzir coerência em todas as suas modificações; deve exteriorizar todo o seu interior e formar todo o exterior. (SCHILLER, 2013, p.57).
Para Schiller, estética e ética estão associadas, de maneira que a estética
gera a ética como um caminho eficiente para a melhora da humanidade, a arte,
aliada à sensibilidade e a racionalidade, é um caminho que leva ao desenvolvimento
da autonomia do sujeito, pois a Educação Estética, ou seja, a relação do sensível
com o racional, ou ainda a possibilidade de aprendizagem do belo, e as mudanças
que essa aprendizagem pode trazer para quem o aprende, podem contribuir para
essa conscientização do homem como ser interligado com o mundo.
Em nosso corpo habita o sensível, que nos possibilita condição de vida e do
conhecimento. O ser humano estético valoriza as emoções e os sentimentos, mas
sem esquecer o racional. Não é possível, nem desejável desprezar a razão, mas a
própria ciência já avançou o suficiente para saber que apenas o conhecimento
técnico-científico não é capaz de dar conta do ser humano em suas múltiplas
dimensões.
A experiência estética abre porta para uma compreensão radical da realidade e do ser humano. Uma obra de arte com a qual se possa relacionar de maneira a iluminar a concepção de mundo é uma via privilegiada de acesso também a si mesmo, um convite instigante para se repensar a própria conduta, para se reavaliar a hierarquia dos valores, uma provocação para se questionar possíveis conivências pessoais com a mediocridade, com a falta de criatividade que se nota em comportamentos intolerantes, autoritários, rígidos, pragmáticos, egocêntricos, materialistas, niilistas, reducionistas etc. (PERISSÉ, 2004. p. 75).
Pensando num sujeito estético devemos pensá-lo como um ser em busca do
equilíbrio entre emoção e razão e se como diz Larrosa (2010, p. 50) “caminhar não é
tanto ir de um lugar a outros, mas levar a passear o olhar. E o olhar não é senão
48
interpretar o sentido do mundo, ler o mundo”, ousamos pensar o sujeito estético
como um homem capaz de passear e pousar o olhar, interpretando e agindo diante
do cenário que tem diante dos seus olhos.
Em À Sombra desta Mangueira, escrita por Freire, é apresentada uma
relação contundente quando comparada a Educação Estética elaborada por Schiller,
estabelecida hermeneuticamente em suas considerações, no que diz respeito a
curiosidade estética e a curiosidade epistemológica que de acordo com Freire
(2012):
Não apenas estamos sendo e temos sido seres inacabados, mas nos tornamos capazes de nos saber inacabados, tanto quanto nos foi possível saber que sabíamos e saber que não sabíamos ou saber que poderíamos saber melhor o que já sabíamos ou produzir o novo saber. E é exatamente porque nos tornamos capazes de nos saber inacabados que se abre para nós a possibilidade de nos inserir numa permanente busca. (FREIRE, 2012, p.123).
Portanto, Freire (2012) ainda destaca que é preciso ficar bastante claro que a
consciência ou sua intencionalidade não se encerra na racionalidade do sujeito e
completa:
A consciência do mundo que implica a consciência de mim no mundo, com ele e com os outros, que implica também a nossa capacidade de perceber o mundo, de compreendê-lo, não pode ser reduzida a uma experiência racionalista. É como uma totalidade – razão, sentimentos, emoções, desejos, que meu corpo consciente do mundo e de mim capta o mundo a que se intenciona. (FREIRE, 2012. p. 124).
Ainda segundo o autor, é a partir da curiosidade estética que os sujeitos
desenvolvem a curiosidade epistemológica. A estética é mais do que um ramo da
filosofia, uma teoria da arte, é um conceito polissêmico que foi sendo construído ao
longo do tempo. A estética está presente em todas as áreas/dimensões de nossa
vida. As relações humanas são estéticas, as nossas atitudes para com os outros
podem ser bonitas ou feias, um prédio, o bairro, nossa cidade, o ambiente escolar,
tudo ao nosso redor é estética, o que incomoda é a estética do feio presente nas
guerras, na fome, na violência, na miséria de milhões de pessoas que é a expressão
estética do feio.
É a partir da curiosidade estética, que o mundo desperta em nós, que
desenvolvemos nossa curiosidade epistemológica, que procuramos ir além do senso
comum e procurar explicações para os fenômenos naturais e sociais no qual
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estamos inseridos. A curiosidade é inerente a todos os seres humanos, não é
apenas um sentimento, a curiosidade é biofísica.
Esta disposição permanente que tem o ser humano de espantar-se diante das pessoas, do que elas fazem, do que elas dizem, do que elas parecem; diante dos fatos, dos fenômenos, da boniteza, da feiúra, esta incontida necessidade de compreender para explicar, de buscar a razão de ser dos fatos sem ou com rigor metódico. Esse desejo sempre vivo de sentir, de viver, de perceber o que se acha no campo de suas “visões de fundo.” (FREIRE, 2012. p. 124).
A curiosidade estética, ou que nos emociona comparado ao impulso sensível
descrito por Schiller é sentida na “cotidianeidade” citada por Freire (2012, p. 126).
Associando este conceito ao foco desta pesquisa, pode se observar que o labor
executado por profissionais da área da saúde depende de alguns fatores, bem como
regras estabelecidas pela bioética que, em suas premissas, citam que estes
profissionais ao realizarem procedimentos em instituições ligadas à área da saúde
devam fazer uso de jalecos como requisito mínimo de preservar a sua vida, bem
como a de seus clientes. Contudo, o que tem sido visto é que esta conscientização
está fincada na “estética do jaleco”, o que queremos dizer com isto, e que está
ocorrendo uma “memorização mecânica dos conteúdos, em certos casos, com
exercícios repetitivos que ultrapassam o limite razoável e não damos nenhuma
atenção quase a uma crítica educação da curiosidade.” (FREIRE, 2012. p. 125).
Neste contexto, é essencial que devemos sair do automatismo estratificado e
questionar o porquê estamos fazendo determinadas coisas e isto se faz através da
validade do conhecimento (gnosiologia) e para que isto ocorra é necessário que haja
crítica, ou uma curiosidade epistemológica, impulso formal na visão de Schiller.
Somente assim será possível que o sujeito entenda a importância do uso do jaleco e
não deixe que o mesmo vire objeto de mudança de status social que em nossa
sociedade capitalista pode ser lida como um ganho de poder orientado pelas honras
e prestígios sociais trazidas por ele (WEBER, 1974, p. 211).
De acordo com Santos Neto (2010) esse automatismo estratificado das ações
tem sua fundamentação no Neoliberalismo, que dentro do tempo cronos levam-nos
ao processo de desumanização, para ele é preciso que haja um movimento
individual e coletivo para alcançar a liberdade de ações apressadas, superficiais,
simples reproduções da estrutura social vigente.
50
Grande parte de nós também vive sob a dominação do tempo cronológico definido pelos interesses de produção da sociedade capitalista. Para esta importa a acumulação e a reprodução de sua estrutura dominante e, portanto, o estabelecimento de ciclos de organização da vida humana muito mais atentos aos resultados finais da produção e do consumo do que na qualidade de vida vivida. Não à toa o trabalho, para muitos, vai se efetivando cada vez mais, de fato, como instrumento de sofrimento e adoecimento – tripalium – muito mais do que como instrumento de humanização, realização e transformação saudável do mundo. (SANTOS NETO, 2010, p. 118).
A sociedade contemporânea tem o consumo como importante aspecto, por
isso é necessário manter em alerta nossa curiosidade para não haver uma dicotomia
da capacidade de imaginação e na percepção na elaboração do conhecer. O
automatismo vivenciado atualmente pela sociedade acaba, de certa forma,
aniquilando o potencial criativo do sujeito e como consequência o sujeito perde a
capacidade de resolver novos problemas.
Sendo assim, é primordial desvelar-se do automatismo, ou melhor, sair da
sombra da mangueira, da zona de conforto utilizando o jogo lúdico de Schiller
(2013). Além disso, é indispensável a consciência de que não podemos ficar
somente na curiosidade estética e partir para a curiosidade epistemológica de Freire
(2012). Esta é a possibilidade de aprender a Educação Estética em suas entranhas,
tornando-se o homem sensível, apreciando que o significado da beleza da utilização
do jaleco não estão contidas no pseudo-status adquirido em seu uso e nem no
automatismo que ocorre na cotidianeidade da sua utilização sem críticas e sim como
de fato uma possibilidade da preservação da dignidade humana.
É possibilidade. E não há nenhuma possibilidade que não seja, ao mesmo tempo, impossibilidade. Ou em outras palavras, não há possibilidade que não se exponha à sua negação. Como a coisa impossível pode servir a ser um dia possível. Daí que, na História como possibilidade e não como determinismo, não haja como não sejamos a não ser enquanto seres responsáveis, por isso éticos. (FREIRE, 2012. p. 133).
Em consonância, Adorno desenvolve a concepção da estética da
massificação cultural, advinda do termo criado por ele e por Horkheimer, filósofos
alemães da escola de Frankfurt, cunhado sob a teoria da indústria cultural a fim de
designar a situação da arte na sociedade capitalista industrial empregaram o termo
no capítulo: “O Iluminismo como massificação das massas”, no ensaio Dialético do
Esclarecimento, escrito em 1942, mas publicado somente em 1947. De acordo com
Adorno (1985) na indústria cultural, tudo se torna negócio e enquanto negócio, seus
51
fins comerciais são realizados por meio de sistemática e programada exploração de
bens considerados culturais. Um exemplo disso, dirá ele, é o cinema:
O cinema e o rádio não precisam mais se apresentar como arte. A verdade é que não passam de um negócio, eles a utilizam como uma ideologia destinada a legitimar o lixo que propositalmente produzem. Eles se definem a si mesmos como indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de seus diretores gerais suprimem toda dúvida quanto à necessidade social de seus produtos. (ADORNO, 1985, p.114).
O que antes era um mecanismo de lazer, isto é, uma arte, agora se tornou um
meio eficaz de manipulação. Colocado assim, podemos dizer que a indústria cultural
traz consigo todos os elementos característicos do mundo industrial moderno
exercendo o papel de portador da ideologia dominante.
Em primeiro lugar, há uma transformação básica na chamada superestrutura, confundindo-se os planos da economia e da cultura. A indústria cultural determina toda a estrutura de sentido da vida cultural pela racionalidade estratégica da produção econômica, que se inocula nos bens culturais enquanto se convertem estritamente em mercadorias; a própria organização da cultura, portanto, é manipulatória dos sentidos dos objetos culturais, subordinando-os aos sentidos econômicos e políticos e, logo, à situação vigente. (ADORNO, 1995, p. 21).
Através de uma análise dos meios de comunicação em massa, Adorno e
Horkheimer (1985) explicitam que isto funciona como uma indústria de produtos
culturais visando o consumo, para eles a indústria cultural transforma as pessoas em
consumidores de mercadorias culturais, suprimindo toda a seriedade da cultura
erudita, assim como sua autenticidade. A indústria cultural tem como objetivo a
alucinação dos homens, pois não é democrática, e sim submetida a elevar-se da
técnica que é usada pelos meios de comunicação de forma original e criativa que
impede o homem de pensar de forma crítica, de imaginar, doutrinando as
consciências através dos gostos padronizados e a indução de consumir produtos de
baixa qualidade. Assim a indústria cultural substituiu o termo cultura de massa, pois
não se trata da valorização da cultura, mais de uma ideologia imposta às pessoas,
os meios de comunicação em massa são visualizados como um desestímulo à
sensibilidade, que desconsidera diferenças culturais e padroniza todo mundo, com
forte apelo publicitário, definindo os meios de comunicação em massa como simples
lazer e entretenimento, não encorajando o público a pensar, tornando-os passivo e
conformista com tudo.
52
Na contemporaneidade, os meios tecnológicos tornaram possível produzir
obras de arte em escala industrial, essa produção em escala não democratizou a
arte e sim a banalizou, descaracterizando-a e fazendo com que o público perdesse o
senso crítico, se tornando um consumidor passivo de todas as mercadorias
anunciadas pelos meios de comunicação em massa.
A massificação cultural impede a autonomia dos sujeitos, promovendo sua
retificação. Adorno busca na estética contemporânea a viabilidade de um resgate da
percepção dos sentidos, pois sabemos que a obra de arte não estabelece uma
identificação imediata, mas de mediação com a realidade social que a produziu. Se
a dimensão estética da obra artística por si só não se constitui como determinante
de mudanças das condições sociais, nela está contida pelo menos a possibilidade
de articular tais mudanças.
O processo de adaptação da educação às características culturais
disseminadas pelos valores por meio da indústria cultural, denominado por Adorno
(1996, p. 388) de “semiformação”, nos mostra que a educação também é vítima de
um produto de consumo conformado às propriedades econômicas, objetivando os
homens e suas relações, bem como, excluindo os valores que não conspiram com a
continuidade desse sistema. Desta maneira, a educação, tal qual a indústria cultural,
perde-se do ideal iluminista que trazia consigo a idéia da razão suprema. A queda
do Iluminismo, proposta por Kant, enquanto ideologia é criticada por Adorno, em que
o pensamento crítico não é tolerado em razão da massificação da ideologia
dominante.
Para esta teoria a idéia de cultura não pode ser sagrada – o que a reforçaria como semiformação -, pois a formação nada mais é que a cultura tomada pelo lado de sua apropriação subjetiva. Porém a cultura tem um duplo caráter: remete à sociedade e intermedia esta e a semiformação. Na linguagem alemã de hoje se entende por cultura, em oposição cada vez mais direta à práxis, a cultura do espírito. Isto bem demonstra que não se conseguiu a emancipação completa da burguesia ou que esta apenas foi atingida até certo ponto, pois já não se pode pensar que a sociedade burguesa represente a humanidade. (ADORNO, 1996, p. 388).
Existe um elo entre a Educação Estética proposta por Schiller e idealizada por
Freire em sua visão positivista e como alvo da crítica ao não desenvolvimento
concreto do Iluminismo em Adorno, que elucidadas neste capítulo nos revelam a
sede destes autores em alcançar a emancipação dos sujeitos com um fim único, o
de que a educação é uma forma de intervenção no mundo e que esta deve ser
adquirida livre de autoridade formando sujeitos autônomos.
53
As reflexões em busca do sentido da formação do docente e do profissional
em fisioterapia que tem como ponto de partida a “estética do jaleco” estão implícitas
nas ideologias de Schiller, Freire e Adorno. Explicitadas aqui demonstram que a
Educação Estética é um fio condutor para a desmistificação de que o jaleco possa
ser visto como um adereço, ou mesmo, um status fruto do advento mutilador da
estética da massificação cultural, impedindo o desenvolvimento destes para a
autonomia.
Deste modo, para isto é necessário despertar nestes sujeitos durante o
processo de formação a criticidade, o interesse em saber o porquê de cada coisa,
este processo humanizador proposto pelos filósofos em questão abre horizontes
para que docentes e futuramente profissionais fisioterapeutas se percebam
protagonistas de suas funções e as executem dentro dos princípios éticos da sua
profissão, conscientes de que o processo de formação de qualquer profissional da
área da saúde, ou não, é infinito.
Sem isto estamos fadados ao que Kant chama de heteronomia e que para
Freire desestimula o desenvolvimento da capacidade de iniciativa, criatividade,
emancipação e a construção de “ser para si”. (FREIRE, 2011).
2.1.1 Ética e Biossegurança: uma leitura Bioética
O conceito de bioética será aqui apresentado através de autores brasileiros e
estrangeiros que apregoam necessidade de uma fundamentação para dar suporte
às questões bioéticas que envolvem o Direito na contemporaneidade. Desta forma,
busca-se discutir a Bioética e a Biossegurança diante da velocidade dos avanços
científicos e tecnológicos, a consciência da responsabilidade, além das questões
sobre vida e morte, das transformações e suas repercussões para o ethos da vida
humana.
Como campo de estudos, a bioética no Brasil, passa a adquirir uma
perspectiva mais acadêmica a partir dos anos de 1990. Afinal, diante de tantas
situações que se referem à dignidade humana, era exigido um posicionamento
maduro e consistente sobre o caminho ético nas respostas da resolução das
situações conflitantes, inicialmente, na área da saúde.
Neste contexto, Leo Pessini e Christian de Paul de Barchifontaine (2005)
auxiliam para a compreensão da importância da bioética a respeito da saúde:
54
A preocupação com a saúde é tão antiga quanto o homem. Na Antiguidade os povos não letrados atribuíram a saúde ou as doenças a desejos divinos. Para os egípcios, hebreus, gregos e romanos, a saúde era considerada em termos de saúde física. Neste século, nossos pontos de vista começaram a dar ênfase à pessoa como um todo, e em relação também a sociedade. Assim, o conceito de bioética abrange vida e saúde no sentido mais amplo. (PESSINI & BARCHIFONTAINE, 2005, p. 99)
Desta maneira, através da obra Uma Ponte para o Futuro, do
norteamericano Van Rensselaer Potter, na década de 1970, a bioética foi definida
como a “ciência da sobrevivência humana”. No título, a palavra “ponte” significa a
comunicação entre ciência biológica e ética e a bioética poderia ser assim
entendida:
À medida que chego ao acaso de minha experiência sinto que a Bioética ponte, a Bioética profunda e a Bioética global alcançaram um umbral de um novo dia que foi muito além daquilo que eu imaginei. Sem dúvida, necessita recordar a mensagem do ano de 1975, que enfatiza a humildade com responsabilidade com uma bioética básica que logicamente segue de uma aceitação de que os fatos probalísticos, ou em partes a sorte, tem consequências nos seres humanos e nos seres viventes. A humildade é a consequência característica que assume o posso estar equivocado e exige a responsabilidade para aprender da experiência e do conhecimento disponível. Concluindo, o que lhes peço é que pensem a Bioética como uma nova ética científica que combina a humildade, responsabilidade e competência numa perspectiva interdisciplinar e intercultural e que potencializa o sentido da humanidade. (POTTER apud PESSINI; BARCHIFONTAINE, 2005, p. 45).
Nesta perspectiva, Pessini (2006) esclarece o sentido etimológico de Bioética,
que seria a união dos termos gregos bios (vida), que representa o conhecimento
biológico, a ciência dos sistemas viventes e ethos (ética), que significa o
conhecimento dos valores humanos. Assim o termo significaria Ética da Vida,
contudo Pessini e Barchifontaine (2005) trazem a definição de Bioética presente na
Encyclopedia of Biothics:
Bioética é um neologismo derivado das palavras gregas bios (vida) e ethike (ética). Pode-se defini-la como sendo o estudo sistemático das dimensões morais – incluindo visão, decisão, conduta e normas morais – das ciências da vida e da saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas num
contexto interdisciplinar. (PESSINI; BARCHIFONTAINE, 2005, p. 31).
Esta conceituação de bioética é completada por Zancanaro (2006) da
seguinte maneira:
55
O que ela aspira são os grandes desafios que historicamente a humanidade sempre almejou: a dignidade humana, a qualidade de vida, a justiça, a autonomia. Educar para a autonomia é ensinar a buscar a realização e não a destruição. Este é o verdadeiro significado de uma educação voltada para a Bioética. Cada geração necessita fazer esse esforço. (ZANCANARO, 2006, p. 174).
“A Declaração sobre ciência e o uso do conhecimento científico”, documento,
publicado em 1999 pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a
Educação, Ciência e Cultura), ressalta a ética e a responsabilidade da ciência,
através do alerta para que os profissionais adquiram consciência sobre os dilemas
éticos que estão presentes na sociedade e com os quais se depararão em seu
futuro, quando profissionais, atuando nas diversas áreas. Ainda cabe ressaltar a
importância do código de Nuremberg (1947) no surgimento da bioética. Neste
contexto, Leone, Privitera, Cunha, (2001) estabelecem que:
A aplicação do saber científico pode conduzir a que se cometam abusos, tal como aconteceu quanto às experimentações levadas a cabos nos campos de exterminação nazis, abusos da experimentação em seres humanos mentalmente diminuídos ou pertencentes a minorias raciais, entre outros casos. O código de Nuremberg (1947) elaborado precisamente a partir da reacção da comunidade internacional relativamente àqueles crimes praticados nos campos de concentração, constitui o primeiro instrumento internacional em matéria de Bioética, consagrando o princípio de consentimento informados em todas as experimentações no ser humano. (LEONE, PRIVITERA, CUNHA, 2001, p. 311).
Os autores também apontam a necessidade da Bioética diante dos avanços
científicos e tecnológicos.
A legislação, em áreas multidisciplinares como é a bioética, nasce
naturalmente como resposta do Direito à evolução do progresso científico
resultante da necessidade de regulamentação das novas situações.
Situações essas que surgem em matérias tão diferentes que podem ir
desde a medicina, biologia, novas tecnologias da informação, aos direitos
das patentes, biotecnologias, ou seja, praticamente todas as relações
tocantes ao homem, às intervenções em seu corpo, no seu patrimônio
genético, e, até o próprio meio ambiente em que vive e se move. [...] No
entanto, o uso de novas tecnologias pode gerar conflitos. Conflitos de
natureza ética, mas igualmente conflitos no que respeita aos direitos
humanos fundamentais, e que se estendam também a ramos do Direito
mais tradicionais como ramos do Direito da Família, dos contratos ou das
patentes. [...] pode conduzir a respostas complexas para as quais o Direito
tradicional não tem resposta ou não tem resposta adequada. (LEONE,
PRIVITERA, CUNHA, 2001, p. 311).
56
Leone, Privitera, Cunha, (2001) a respeito da Convenção dos Direitos do
Homem e da Biomedicinha do Conselho da Europa, assinada em 04 de abril de
1997, explicam que ela:
estabelece normas específicas relativamente a aspectos importantes como a investigação em seres humanos, a utilização do corpo, transplantes. [...] Tratando-se do primeiro grande instrumento jurídico internacional sobre bioética, encerra ainda a obrigatoriedade dos seus signatários tomarem no seu direito interno, as medidas necessárias para tornarem efetivas as disposições nele contidas. (LEONE, PRIVITERA, CUNHA, 2001, p. 313).
Assim, é possível compreender que a Bioética trata do direito à vida e do
homem. Na sociedade contemporânea são diversos os dilemas da bioética:
transplantes de órgãos e tecidos, a fertilização in vitro, genoma, embriões
congelados em laboratórios, pesquisas com células tronco; ciências aplicadas nos
laboratórios, pesquisa com seres humanos; sobre as intervenções no corpo humano
por meio de técnicas e máquinas, manipulação genética, a clonagem da ovelha
Dolly, transhumanismo; transgenia, transexualidade; reprodução assistida; clonagem
reprodutora. Além dos temas polêmicos, principalmente relacionados ao início e ao
fim da vida, tais como: aborto; eutanásia; distanásia; cuidado paliativo; pena de
morte; prolongamento da vida, sofrimento, meio ambiente e outros ligados ao ser
humano.
Diante deste quadro, surgem necessidades diante de novas demandas:
Comitês de Ética para as pesquisas, o Biodireito, a Biossegurança. Sobre estas
questões, Leone, Privitera, Cunha (2001) asseveram que:
não estamos no campo da pura ciência jurídica. É um Direito imperfeito e incompleto no sentido de que como acompanhante do progresso científico, está sempre em crescente evolução, sujeito às modificações trazidas pela evolução dos conhecimentos científicos. É também um direito vivo e participativo, na medida em que muitos casos, se reporta a decisões individuais, é certo, mas inseridas numa sociedade em mudança, susceptível de mudanças rápidas e radicais, a que, muitas vezes, o direito clássico não está habituado. Vejam-se, por exemplo, as alterações em matéria de Direito de Família introduzidas pelas técnicas de reprodução medicamente assistida, ou as profundas divergências que a discussão sobre a eutanásia conduz no palco das controvérsias sociais. [...] Não só factores tecnológicos influenciam o Biodireito. Também a indústria, sobretudo, a farmacêutica, introduz novos interesses, designadamente de natureza econômica, que o Direito tem igualmente de tomar em consideração. (LEONE, PRIVITERA, CUNHA, 2001, p. 311).
57
Assim, a bioética passa a ser entendida como essencial para a valorização da
dignidade humana, com uma perspectiva voltada para a proteção do ser humano,
como um todo, e a ética da vida como valor universal. Os autores ainda esclarecem
que:
Ao falarmos de universalização, não podemos deixar igualmente de considerar que o homem não vive sozinho no mundo, mas é uma peça na panóplia de seres vivos que povoam nosso planeta. Assim, entende-se que Bioética não se restringe a seres humanos, mas ao restante dos seres vivos deste planeta, passando pelo meio ambiente, em outras palavras, ao mundo em mudança. (LEONE, PRIVITERA, CUNHA, 2001, p. 313).
Diante de todo o exposto, é claro o compromisso mais amplo da bioética com
as relações humanas, abarcando os ecossistemas e a vida do planeta. Desta
maneira, é possível assinalar um significativo avanço relacionado à bioética na
promulgação em 2005 da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos.
Pessini (2006) elucida.
Esse documento é um precioso instrumento de apoio aos esforços internacionais para elaboração de diretrizes éticas em questões ligadas ao progresso científico, que interfere, cada vez mais, na vida do ser humano, bem como, também, as questões éticas ligadas com justiça na área da saúde, desigualdade no acesso às benesses dos progressos científicos nos países em desenvolvimento. (PESSINI, 2006, p. 14).
Neste contexto, Garrafa (2005) menciona a posição de diversos países
acerca da Declaração:
As nações desenvolvidas defendiam um documento que restringisse a bioética aos tópicos biomédicos e biotecnológicos. O Brasil teve um papel decisivo na ampliação do texto para os campos sanitário, social e ambiental. Com o apoio inestimável de todas as demais delegações latinoamericanas presentes, secundada pelos países africanos e pela Índia, o teor final da Declaração pode ser considerado como uma grande vitória das nações em desenvolvimento. (GARRAFA, 2005, p. 86).
Sendo assim, é possível entender que esse documento é essencial à
compreensão da bioética na atualidade, pois a bioética assumiu a vocação de olhar
para a vida, para todas as áreas do conhecimento que, de uma forma ou de outra,
têm implicações sobre a vida, não podendo ficar restrita às Ciências da Saúde.
A respeito da ética, Dussel (2000) defende que ela tem sentido de valor
universal da vida, compreendendo como conceito de vida o tripé formado por
58
reprodução, manutenção e desenvolvimento da dignidade humana. Assim, as áreas
da saúde cabem a responsabilidade pela reprodução da vida; à educação cabe o
desenvolvimento da vida. Já o Direito e Psicologia são responsáveis pela
manutenção da vida.
Neste viés, Santinelli (2006) reconhece o grande benefício que o
desenvolvimento da ciência e da tecnologia teve para a humanidade e que estes
avanços precisam promover sempre o bem-estar da humanidade e no
reconhecimento da dignidade humana e no respeito universal e observância dos
direitos humanos e das liberdades fundamentais. O autor ainda esclarece que:
A saúde não depende, unicamente, dos desenvolvimentos decorrentes das pesquisas científicas e tecnológicas, mas também de fatores psicossociais e culturais. As decisões sobre questões éticas na medicina, ciência e da vida e tecnologias associadas podem ter um impacto sobre indivíduos, famílias, grupos ou comunidades e dos indivíduos, famílias, grupos ou comunidades como um todo. A diversidade cultural é necessária aos seres humanos, patrimônio da humanidade, mesmo enfatizando que este não pode ser invocado à custa dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. (SANTINELLI, 2006, p.46).
Já Lins Junior (2002) abaliza o que a bioética é capaz de resolver, enfocando
que apenas como um tipo de controle ela não conseguiria resolver as inúmeras
situações.
Assim, baseado em princípios éticos, especialmente bioéticos, o Direito aparece com um controle, que se bem dosado, pode ser eficaz, uma vez que legislar sobre as novidades da ciência é algo muito complexo: envolve questões que dizem respeito não só a Ética e à Moral, mas a Política, à Economia etc. (LINS JUNIOR, 2002, p. 200).
No campo do saber, a bioética tem, entre tantas tarefas, que reunir
contribuições de diferentes áreas do conhecimento em plena liberdade de atuação
pluralista, inter e transdisciplinar. Desta forma, seria possível agregar ciências
biológicas com os demais ramos do conhecimento, principalmente, ciências
humanas, sociais e também as exatas, a fim de entender melhor a realidade social,
econômica, política e cultural e a inserção dos sujeitos de direitos, deveres, valores,
compromissos e sentimentos éticos.
Neste contexto, o principal desafio da prática do profissional de saúde seria
lidar com as questões de justiça, o sujeito de liberdade e vontade, capaz de ética.
Cassol (2006) oferece uma contribuição à reflexão à vida:
59
A vida está acima de tudo e de todos, a vida com dignidade. É ela o fundamento de todas as ações científicas e pesquisas realizadas. A vida é o horizonte último para o qual devem convergir todos os conhecimentos e construções. A Bios, aplicação da qual se ocupa a ética, é cosmológica, total, plena e não pode estar limitada a discussões distanciadas da realidade dos povos pobres. O Ethos latinoamericano precisa estar incluído, nas reflexões e na aplicabilidade da Bioética. (CASSOL, 2006, p. 110).
Santos (2009, p. 44) também colabora neste tema questão quando lembra
que a Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos (2005) é composto por
grupos de caráter multidisciplinar, o que possibilitaria a inclusão de profissionais de
diversas áreas em Comitês de Ética em pesquisa, entre eles, até mesmo o
engajamento de juristas.
A composição desses grupos prevê a inclusão de profissionais da área da saúde, das ciências exatas, sociais e humanas, incluindo por exemplo, juristas, teólogos, filósofos, bioeticistas e, pelo menos, um membro da sociedade representando os usuários da instituição. (SANTOS, 2009, p.44).
Sendo assim, é necessário perceber o compromisso ético dos profissionais
em assumir a solidariedade como possibilidade de qualificar o ser humano e de
dignificar os sujeitos, inserindo adultos, jovens e crianças numa condição de respeito
e solidariedade, além de serem responsáveis por impedir uma situação de relação
de desigualdade de dominação.
Um aspecto importante para situar a aplicabilidade da bioética é ressaltado
por Siqueira, Porto e Fortes (2007):
Critica a forma de como o poder pessoal foi percebido e distorcido pela visão angloamericana de autonomia. Ao privilegiar tomadas de decisões individualistas, etnocêntricas e antropocêntricas, essa interpretação conduz ao que Foucault descreve como imposição assimétrica do poder dos mais fortes sobre os mais fracos. Por isso, essa vertente chama a atenção para a inadequada utilização da Bioética como instrumento neutro de interpretação acrítica dos graves conflitos morais da sociedade de mercado. Mostra que amarrada ao desenvolvimento científico e tecnológico, a lógica capitalista transformou as sociedades humanas em ambiente de força de interesses onde sempre acaba prevalecendo a força sobre a razão, desconsiderando quaisquer parâmetro ético que visem à construção de sociedade mais justa e solidária. (SIQUEIRA; PORTO; FORTES, 2007, p. 172).
Os autores enfatizam a importância da Bioética, a partir da constatação do
que “Foucault descreve como imposição assimétrica do poder dos mais fortes sobre
os mais fracos”, diante de avanços científicos e tecnológicos. Através disso, os
60
autores apontam a vulnerabilidade de grupos e segmentos sociais, sendo possível
deduzir, como segmentos mais vulneráveis as crianças, adolescentes, idosos.
2.2 Olhar estético: o alcance à formação docente e profissional no Curso de
Fisioterapia
ensinar exige ética e estética
(FREIRE, 2011, p. 32)
Apurar o olhar, conforme cita Chauí (1988, p. 62) “o olhar ensina um pensar
generoso que, entrando em si, sai de si pelo pensamento de outrem que o apanha e
o prossegue”, é essencial para entender o todo explícito.
Iniciamos a reflexão sobre a formação docente com Houssaye (2007). O autor
faz uma análise pertinente sobre a ausência de diálogos presentes nos modelos
pedagógicos existentes, no campo educacional, no interior das escolas. Para o
autor, há o perigo de que o vazio possa ser ocupado pelo autoritarismo, uma atitude
que caracteriza a cultura brasileira e a do mundo.
“Triângulo pedagógico”, “Jogo do bridge” e “quem fica no lugar do morto” são
as metáforas utilizadas pelo autor, para sustentar a compreensão do processo
pedagógico em sua tridimensionalidade: formar, ensinar e aprender. Considera-se
uma relação, também triangular, entre o saber, o professor e o aluno.
Neste sentido, critica-se o seguinte fenômeno: os modelos pedagógicos vêm,
historicamente e sistematicamente, fundamentando-se na lógica da ênfase a apenas
um eixo pedagógico. Na escola tradicional, o eixo pedagógico era o ensino, tendo no
centro da relação o professor e o lugar do morto era ocupado pelo aluno. Já na
Escola Nova, com enfoque, por exemplo, no sócio-interacionismo, enfatiza-se o eixo
pedagógico, a aprendizagem, e o centro é a relação entre o aluno e o
saber/conteúdo. Inevitavelmente, o professor fica no lugar do morto. Já, a ênfase
pode recair no eixo pedagógico, a formação, que está presente na escola
progressista e democrática, fundamentada na formação política. Nesse caso, o
centro é a relação entre professores e alunos e, portanto, o saber/conteúdo fica no
lugar do morto. Há a necessidade do equilíbrio do triângulo pedagógico, o que se
constitui numa condição própria da educação.
Proporcionar experiências que sejam de um diálogo fecundo, entre docentes
e alunos, alunos e alunos, como marca de uma genuína reflexão, requer uma
61
disposição que nem sempre compreendida ou aceita pela cultura imediatista. Desta
forma:
Sendo a formação transdisciplinar inclusiva dos diferentes níveis do sujeito e dos diferentes níveis de realidade, o processo pedagógico deve incluir os três pólos do triângulo pedagógico proposto por Houssaye, numa visão sistêmica, dialética e trialética entre os três pólos, onde os pólos Professores e Alunos devem ser considerados em seus diferentes níveis ontológicos (corporal, emocional, psico-anímico, espiritual) e em seus diferentes níveis perceptivos-cognitivos (sensível, racional, intuitivo, imaginativo, intelectivo, contemplativo), e o pólo do saber deve ser considerado em seus diferentes aspectos: saber saber (disciplinar), saber fazer (competências e multidisciplinar) e saber ser (transdisciplinar) e em seus diferentes campos: o saber das disciplinas, o saber das ciências exatas, o saber das ciências humanas, o saber das artes, o saber das práticas corporais, etc. (SOMMERMAN, 2003, p.6).
A relação ensino-aprendizagem é um assunto questionável no universo dos
docentes universitários e, conforme cita Masetto (2003) a integração entre o ensino
ministrado ao aluno e como este o aprende recebe um grande destaque.
Entre as possibilidades de harmonizar o triângulo pedagógico percebemos
duas classes distintas de professores, sendo que na primeira de acordo com
Legrand (1976) estão aqueles que levam o ensino com a arte da exposição e seu
papel primordial é ensinar e o faz como reprodução dos processos adquiridos ao
longo de sua formação é ousamos dizer que seu alicerce é o egocentrismo,
orientado em sua própria pessoa, em suas qualidades e habilidades deixando bem
claro que nesta situação o aluno fica no lugar do morto.
No segundo caso, em que os alunos estão no centro, ou melhor, como os
principais agentes dos processos educativos, os docentes tem como função a
mediação, facilitando a aprendizagem e suas preocupações estão em identificar
aptidões, desenvolver habilidades a fim de promover uma transformação do olhar
destes discentes para o mundo e para a sociedade, estes docentes progressistas
estão atentos a uma educação que gera mudanças com foco na autonomia com
criticidade para seu desenvolvimento singular e societário.
Quando a aprendizagem está no centro do triângulo, o papel que antes era
predominante do docente, o ensinar, transfere-se para o de ajudar o aluno a
aprender, assim o educar deixa de ser a “arte de introduzir ideia na cabeça das
pessoas, mas de fazer brotar ideias.” (WERNER; BOWER, 1984, p.1-15).
Infelizmente notamos que para muitos docentes universitários a pedagogia
fica no senso comum, ou seja, muitos ou aprendem fazendo ou se espelham em
62
professores que tiveram ao longo de sua formação e este fato ocorre principalmente
por falta de uma preparação pedagógica. Desta forma, o ensino é feito basicamente,
por transmissão, não podemos generalizar, portanto é possível encontrar
professores conservadores e professores antenados às mudanças.
Neste embarace descrito, percebemos que o ensino é muito mais eficaz
quando ocorre com participação dos discentes e que através de suas indagações
tira o docente da zona de conforto e faz com que este perceba que se atualizar é
mais do que necessário é crucial.
Em “Introdução a Psicologia Escolar”, Freire (1977) o autor faz uma crítica à
metáfora da “educação bancária”, pressuposta por uma relação vertical entre o
educador e o educando, neste caso o primeiro detêm o conhecimento, enquanto que
o segundo é o objeto que recebe este conhecimento, propiciando uma relação de
depósito de conhecimentos por parte do educador em seus educandos, gerando
seres acomodados, acríticos, arreflexivos, sem possibilidade de transformações.
Para isto ele propõe a educação libertadora ou problematizadora em que não
existe uma fração entre educador e educando, e estes por sua vez são educados
através do diálogo com o propósito de haver uma transformação. Este processo
humanizado tem a finalidade de promover a autonomia, a libertação dos sujeitos.
A estética da massificação da indústria cultural de Adorno, citada
anteriormente, que aqui chamaremos de pedagogia não escolar, e que dela faz
parte as mídias, bem como cinema, internet, televisão, rádio, livros, jornais e
revistas. Além disso, carrega a ideia da pedagogia bancária, uma vez que esses
expectadores a recebem passivamente sem criticidade, sem diálogo, este poder
influenciador não é absoluto, assim como o modelo de educação bancária há o
impedimento do desenvolvimento da autonomia e emancipação dos sujeitos.
Contudo, Max Webber defende que isto é uma escolha, pois nos deixamos
influenciar se houver interesse.
Vale aqui destacar a relação com o desenvolvimento da consciência crítica
que percebe os limites e possibilidades de transgressões e de autoria percebido em
Fusari (2004):
Além disso, anter-se a essa realidade problemática da comunicação e mídias específicas à educação escolar, da qual o professor é o principal responsável, deve caracterizar-se como revigoradora da busca de reflexões, de posicionamentos, de rumos, de orientações sobre as ações a serem praticadas na comunicação escolar, de tal forma que a transforme para melhor. (FUSARI, 2004, p. 39).
63
Ainda relata a autora que na última década do século XX os conhecimentos
práticos-teóricos que temos sobre comunicação e seus meios ainda são
insuficientes para que a educação escolar efetivamente forme cidadãos, e completa:
Ações e reflexões que contribuam para a produção desses conhecimentos são necessárias e urgentes, por parte de professores e pesquisadores, tendo em vista as mudanças que queremos fazer nas relações comunicacionais das quais somos resultados e as quais, simultaneamente, produzimos na escola inserida no mundo da contemporaneidade. (FUSARI, 2004, p. 40).
O olhar estético nos dá a possibilidade de construir conhecimentos, e através
destes, conseguimos desvelar os detalhes e a estratificação do olhar
proporcionando a possibilidade dos sujeitos desenvolverem em profundidade a
leitura e a interpretação de seu cotidiano, se libertando e extraindo sentidos da
massificação que nos envolve.
2.3 Processos formativos: a arte como possibilidade da recriação da
autonomia e emancipação dos sujeitos
De acordo com Schiller (2013) é através da arte que o homem se faz
verdadeiramente livre, esta condição de liberdade não está no sensível e nem no
racional, e sim na beleza, e é através dela, que ocorre o jogo lúdico, ou seja, a
explicitação de um sentimento na fusão dos horizontes entre sensibilidade e razão
há possibilidade do sujeito ético e autônomo.
A explicação para tal fato está baseada nos pensamentos de Schiller que
demonstram que o agir humano, no que se refere ao belo e à arte, está relacionado
aos seus princípios (obrigação da lei moral) e aos seus sentimentos (regido por
forças naturais).
A arte, na visão de Schiller, é uma metáfora que traduz a liberdade, pois, em
meio a Revolução Francesa em que os filósofos discutiam o cenário político, ele
encontrou através da expressão do belo um caminho para a libertação dos sujeitos
por meio da obra de arte alcançada na união da razão e da sensibilidade
denominada Educação Estética.
A heteronomia, termo criado por Kant (1974) deve ser superada na busca da
razão na ação moral, para ele a vida moral não pode ser guiada por sentimentos,
mas conduzida pela razão. Em Schiller, compreendemos que o homem não é um
64
ser interiorizado e, portanto está condenado à exterioridade e por isso sua dignidade
deve ser traduzida na exteriorização da humanidade através do cultivo das artes.
Somente desta maneira o homem se liberta das dimensões da sensibilidade, o que
podemos traduzir em um ser selvagem preso aos seus sentimentos e da razão
condenado à heteronomia imposta pela sociedade através de dogmas perpétuos e
ecumênicos.
Schiller defendia a beleza com o propósito de que a humanidade considere o
papel do gosto no agir, num encontro entre matéria e forma. É pela beleza que
ocorre a Educação Estética e que este homem sensível se encontra num estado
intermediário entre sensibilidade e razão. Através da manifestação da arte o sujeito
vivencia a relação de reciprocidade entre o racional e o sensível.
O desenvolvimento dos sujeitos, de acordo com Schiller, é pleno com a
Educação Estética, pois os leva a uma autonomia adquirida na compreensão do que
sentimos através do jogo lúdico entre a razão e sensível.
Segundo Adorno e Horkheimer (1985) existe uma banalização em que tudo
pode ser medido, produzido e vendido, este homem contemporâneo exibe uma
representação da realidade repetitiva e previsível, pois através de cópias transfere
para imagens uma mera reprodução sem conteúdo, havendo assim uma castração
da autonomia do indivíduo.
Nesta perspectiva, com a massificação cultural, a arte é transformada em
comércio e lazer perdendo seu caráter reflexivo, que é uma possibilidade para que
ocorra uma transformação, pois com essa propriedade a arte resiste a pseudo
universalidade de integração preservando o seu valor de produzir sentidos.
Os autores deixam claro que para que haja uma mutação desse fenômeno de
massificação cultural é preciso pensar em arte autônoma, pois a mesma mantém o
seu valor de verdade proporcionando um caminho para a libertação e emancipação
dos sujeitos.
Adorno (1995) nos diz que a emancipação é uma maneira de resistir às
formas de dominações atuais e a mesma é manifestada ao realizar o exercício
crítico e reflexivo, de tal modo que a arte passa a ter um horizonte reflexivo,
tornando os sujeitos autônomos através da relação da arte com a crítica filosófica,
ou em outras palavras, o sujeito parte de uma reflexão para transformação de suas
práticas.
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O caminho da emancipação pela arte, ou seja, a reflexão para transformação
das práticas pode e deve servir como projeto de base para uma prática pedagógica,
pensar em um projeto de educação em prol da autonomia de discentes e docentes
parece uma tarefa difícil, mas não utópica, é sim possível e necessária.
É importante ressaltar que a arte abre horizontes proporcionando aos
indivíduos o seu desenvolvimento, pois através do exercício para desenvolver um
raciocínio criativo e imaginativo, essa arte como expressão de vida leva à
emancipação, e através do criar, sujeitos apropriam-se de suas responsabilidades e
limites, tornando-se únicos e fazendo escolhas com autonomia. “É neste sentido que
a arte e a educação não podem ser vistas e analisadas separadamente, pois ambas
buscam a emancipação e a autonomia dos sujeitos como produtores de um saber.”
(BERKENBROCK-ROSITO; OLIVEIRA, 2012, p. 56).
Refletindo acerca da ideia de que “se a arte vai além da representação de
algo, então ela é linguagem” (BERKENBROCK-ROSITO; OLIVEIRA, 2012, p. 56),
pode-se presumir que esta linguagem, desde a existência humana no mundo até o
presente momento, ou seja, das cavernas até a era digital, apresenta o mundo em
formas, materiais, cores, movimentos, sons, despertando os sentidos e criando
modos de comunicações.
Através da arte as possibilidades são inúmeras, pois ela (re) configura
situações, faz surgir novas indagações, objetivando novas respostas. Na expressão
artística, há uma visão de mundo com conteúdos significativos e muitas vezes nos
emociona por estar ligada a nossa condição humana, pois trata de linguagem da
interpretação da realidade do artista, sua visão de mundo, seu contexto histórico e
sócio cultural. Vale destacar que na arte está o individual e o coletivo, a visão
individual do artista e o contexto em que está inserido de forma que ao apreciar ou
criar uma obra de arte essas realidades se misturam.
De acordo com Dewey (2010) a arte pode ser vista como uma função moral,
que é capaz de eliminar preconceitos aprimorando a capacidade de percepção, pois
rasgam os véus decorrentes dos hábitos e dos costumes. Pensamos que o ensino
da arte deva ser cada vez mais intensificado, não só na área da saúde como na
fisioterapia, mas também, em todas as áreas, por se tratar de uma possibilidade de
se livrar dos pré-conceitos que impossibilitam um desenvolver para a autonomia,
pois como dito anteriormente a arte possibilita novos significados e através desse
66
estímulo nos movemos, nos transformamos e desta forma novos caminhos e olhares
surgem para questões individuais e coletivas.
Quando o homem conhece arte, ele conhece sua história. Quando ele produz arte, inaugura um conhecimento próprio, original, genuíno. O conhecimento da história e da arte torna possível a construção de uma identidade social, a sua prática facilita a construção da identidade individual. (CARBONELL, 2010, p.31).
A arte e o belo são preocupações no processo de formação do homem e em
seu processo de conhecimento, o pensamento na expressão e na linguagem
artística, enfatizando assim as questões estéticas. Ainda em conexão com essas
questões, surgiram também os problemas da determinação da natureza da retórica
e do discurso retórico, ou seja, o discurso que visa convencer e a habilidade de
saber persuadir, questão que teve tão grande importância na Antiguidade. As artes
enciclopédicas, como chamavam os gregos, e as artes liberais, como diziam os
romanos, são educativas porque preparam o homem para a liberdade e preparam o
espírito para a virtude.
Neste sentido, a Paideia assume a educação como uma ação de consciência.
A moral e a ética definem o propósito da educação para a formação do homem
grego, no clássico conceito grego, de formação plena do sujeito para a vida na pólis
(cidade), com grande foco na ética, na estética, na moral, na política, no poder,
como diretrizes racionais da boa convivência do homem em sociedade.
Para atingir uma expressão normativa da formação ideal do homem: Poiésis e
epistemologia se fundem na Paideia. Assim, as artes e a ginástica são maneiras de
formar e educar o homem grego para a atividade racional.
Desta forma, a ginástica visava o domínio de si e a sujeição geral das paixões
à razão, tendo como objetivo o desenvolvimento de princípios éticos como a
paciência, a tolerância, a força, a coragem, a lealdade, o compromisso, respeito e
consideração pelos direitos dos outros.
Já a música teria o poder de familiarizar o espírito de crianças e adultos com
o ritmo e a harmonia, de modo “a poderem crescer em gentileza, em graça e em
harmonia, e a tornarem-se úteis em palavras e ações; porque a vida inteira do
homem precisa de graça e de harmonia." (PLATÃO apud MONROE, 1979, p. 49).
Neste contexto, o Renascimento Carolíngio, o estudo clássico das Sete Artes
Liberais, divisão das disciplinas: Trivium e Quadrivium. A primeira abordava a
67
gramática, retórica e dialética e tinha como objeto de estudo as letras e literatura,
para desenvolver a arte de bem falar, história e lógica. A segunda disciplina abrangia
a geometria, aritmética, música e astronomia, cujo objeto de estudo era a geografia,
a lei dos números, a lei dos sons e a harmonia do mundo e física. Assim, podemos
inferir que a arte já possuía a função pedagógica de aguçar a inteligência,
sensibilidade. Afinal como defende Aristóteles a arte é produtiva enquanto a ação
não é.
Desta forma, podemos perceber que a relação com a arte como uma
possibilidade de Educação Estética no mundo contemporâneo, que desvela o sujeito
em sua verdadeira grandeza, mais afastado do impulso puramente sensível. Esta
concepção colabora para que o docente ajude a formar o olhar do discente
contribuindo para o desenvolvimento e para a humanização do sujeito, portanto
transcendem o individual se estendendo para uma dimensão sociocultural,
privilegiando, assim, a interação entre a universidade e a prática profissional.
Considerando que o curso de Fisioterapia tem como objeto a prevenção, a
promoção, a proteção e a reabilitação de sujeitos que sofrem ou sofreram de alguma
doença que de alguma forma afetaram seus movimentos, podemos vislumbrar a
possibilidade de tratar estes pacientes através das técnicas fisioterápicas com o
auxílio da arte representadas nas diversas linguagens artísticas (música, dança,
pintura, escultura, arquitetura, teatro, literatura, poesia, cinema, fotografia, jogos
eletrônicos). Assim, constituiríamos um ambiente prazeroso e facilitador para o
trabalho do fisioterapeuta, pois desta forma é possível alcançar a maturidade
psíquica, física resgatando a integridade da personalidade através do contato com a
experiência emocional, pela arte proporcionando ao paciente a sua participação na
sociedade que mesmo com limitações pode e deve ser de autoria, em outras
palavras conscientizá-lo de seu quadro e através deste entendimento lançá-lo do
papel de vítima para o de protagonista de sua história a reescrevendo com um novo
significado.
A arte se insere nesse contexto quando é percebida e compreendida como
um modo de pensar criativo, como uma possibilidade de viver o novo. A
compreensão do autor da pesquisa sobre a arte como um movimento capaz de
desenvolver a autonomia e a emancipação do docente, do profissional e do cliente
na área da saúde, na fisioterapia, se deu inicialmente através de muitas leituras,
todavia ao pesquisar e ler sobre o assunto, algo parecia não encaixar quando a
68
questão era a relação teoria e prática, talvez o fato do aprendizado puramente
técnico obtido na graduação velasse possibilidades de se reinventar.
69
3. “A ESTÉTICA DO JALECO”: UMA REFLEXÃO A PARTIR DAS DIRETRIZES
CURRICULARES NACIONAIS DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM FISIOTERAPIA
Sei que sei como sei que não sei o que me faz saber, primeiro, que posso saber melhor o que já sei, segundo, que posso saber o que ainda não sei, terceiro, que posso produzir o conhecimento ainda não existente. (FREIRE, 2012, p.29).
Neste capítulo, a estética do jaleco faz-nos perceber que se libertar, ou seja,
realizar a integração do sensível com o racional e exteriorizar de forma íntegra,
através do jogo lúdico, transparece a verdadeira beleza na utilização do jaleco que
assume um papel de responsabilidade social. Nesse sentido, o processo de
conscientização é a finalidade dos processos formativos como possibilidade da
intervenção dos sujeitos na preservação do meio ambiente, a melhorar a qualidade
de vida, a proteger a sua vida e a do seu cliente, assumindo um compromisso com a
dignidade humana.
O objetivo deste capítulo é refletir sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais
do Curso de Graduação em Fisioterapia na busca da dimensão da Educação
Estética na formação docente e profissional em saúde realizada através de
perspectiva hermenêutica de Hans-Georg Gadamer, cuja principal função é a de
interpretar o que ainda não foi compreendido.
Neste estudo, compreender o sentido e o significado do alcance pedagógico
da dimensão da Educação Estética considerando o conteúdo, finalidade do processo
formativo do profissional e docente do material analisado as Diretrizes Curriculares
Nacionais do Curso de Fisioterapia.
Por fim, a Educação Estética como a dignidade humana. No horizonte e
finalidade do conteúdo em Schiller tornar-se um ato criador, em que conceitos são
apropriados se recriam, é considerada uma Educação Estética, no qual conceitos
são apropriados e reconstruídos, para posteriormente serem postos em prática,
coletivamente e individualmente pelo profissional e docente em Fisioterapia.
Da mesma forma, Freire dá sua colaboração para a superação de uma visão
bancária na educação e/ou formação, realçando o valor do diálogo e das trocas,
para que ocorra a alteridade, o jogo entre o racional e o sensível para Schiller, e a
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percepção do uso tanto da racionalidade quanto da sensibilidade na fruição do belo
em Adorno, já que é também conhecimento.
3.1 A estética do currículo: uma visão de humanização
A compreensão do significado de estética das Diretrizes Curriculares do
Curso de Graduação em Fisioterapia propõe a formação generalista, humanista,
crítica, reflexiva, pautada em princípios éticos, com o princípio responsabilidade
social e compromisso com a cidadania, e a promoção da saúde integral do ser
humano. Embora de modo implícito, a dimensão estética é abordada nas Diretrizes
Curriculares Nacionais do Curso de Fisioterapia. Em relação à finalidade da
formação do profissional consiste em lhe desenvolver a consciência de sujeito,
pressupondo saúde de forma ampliada, capaz de busca de conhecimento relevante
e desenvolvimento de habilidade na perspectiva da necessidade do outro, que
deverá o maior estímulo para conduta ética enquanto ser que serve a alguém.
O Ministério da Educação e Cultura (MEC) é o órgão público responsável pela
elaboração dos currículos que direcionam a formação profissional universitária no
Brasil. A orientação para as Diretrizes Curriculares Nacionais — com base no
Parecer nº 776/97 e no Parecer nº 583/2001, emitidos pelo Conselho Nacional de
Educação (CNE) — propõe adequações para todos os cursos de graduação no
Brasil. Com esse intuito foram criadas as Diretrizes Nacionais dos Cursos de
Graduação, nas quais são definidos o perfil, as competências e as habilidades que
os acadêmicos deveriam alcançar ao término do curso.
Após a sanção da Constituição de 1988, entra em vigor no País a nova Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), sancionada em 20 de dezembro de
1996, como Lei nº 9.394/96, assegurada pelo Parecer nº 776/97, do MEC/CNE,
referente à orientação para as Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação.
Posteriormente, DCN’s nas diversas áreas do conhecimento determinam o
planejamento e a elaboração dos currículos dos cursos de graduação, em todas as
áreas do conhecimento, em todo o território nacional.
Neste sentido, a função reguladora da área educacional, como uma das
reformas ocorridas no Brasil, representa a transformação preconizada para a área
educacional juntamente com as transformações políticas, sociais e culturais.
71
É importante ressaltar que houve um caminho resultante de um processo
histórico envolvendo diversos documentos que, direta ou indiretamente, contribuíram
para a elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em
Fisioterapia, nosso objeto de estudo.
Sendo assim, merece destaque o Parecer n° 383/63, em 10 de Dezembro de
1963, deliberando que o extinto Conselho Federal de Educação (CFE) decretasse o
Currículo Mínimo do Curso de Fisioterapia no qual, de acordo com Rebelatto e
Botomé (1999), o profissional era considerado um auxiliar médico e executava suas
funções, bem como tarefas de caráter terapêutico, técnicas e exercícios sob a
orientação e responsabilidade médica.
Somente em 13 de outubro de 1969, através do Decreto-Lei nº 938/69, os
cursos de Fisioterapia e Terapia Ocupacional foram considerados cursos de nível
superior descritos no Art. 2º. Ainda no referido documento, no art. 3º, era
considerado como atividade privativa do fisioterapeuta a avaliação, a execução de
métodos e técnicas específicas e o diagnóstico cinético-funcional com objetivos de
restaurar, desenvolver e conservar a capacidade física do indivíduo.
Em continuação a este processo, foram criados o Conselho Federal e os
Conselhos Regionais de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, com a Lei nº 6.316, de
17 de dezembro de 1975.
No período compreendido entre 1964 e 1983, o curso de Fisioterapia possuía
um Currículo Mínimo do Curso Técnico de Fisioterapia, conforme apontam Rebelatto
e Botomé (1999, p. 80). A proposta inicial foi apresentada pela Portaria Ministerial n°
511/64, sendo substituída pela Resolução n° 4, de 28 de fevereiro de 1983,
estabelecendo um novo Currículo Mínimo para os fisioterapeutas que vigorou até
2001, quando foram criadas e aprovadas as Diretrizes Curriculares Nacionais do
Curso de Graduação em Fisioterapia. Nestas diretrizes, propõe-se a formação de um
fisioterapeuta com formação “generalista, humanista, crítica e reflexiva, com
capacitação para atuar em todos os níveis de atenção à saúde embasada no rigor
científico e intelectual”.
De acordo com esta resolução, o discente, no decorrer do seu processo de
formação, deverá obter competências e habilidades exigidas para exercer sua
profissão, com relação à atenção à saúde, tomada de decisões, comunicação,
liderança, administração e gerenciamento, e educação continuada. Além disso, este
profissional deverá ter visão holística, respeitando os princípios éticos/bioéticos e
72
culturais do indivíduo e da coletividade, objetivando em seu estudo o movimento
humano, nas alterações patológicas, cinético-funcionais, repercussões psíquicas e
orgânicas de modo a preservar, desenvolver restaurar a integridade de órgãos,
sistemas e funções (BRASIL, 2002).
O Currículo Mínimo mostrava-se improdutivo na preservação da qualidade na
formação acadêmica dos egressos nas mais diversas áreas do conhecimento. Além
de ser restrito quanto à possibilidade de inovação e diversificação na formação
oferecida pela Educação Superior, conforme observa-se no excerto abaixo:
Ao longo dos anos, embora tenha sido assegurada uma semelhança formal entre cursos de diferentes instituições, o currículo mínimo vem se revelando ineficaz para garantir a qualidade desejada, além de desencorajar a inovação e a benéfica diversificação da formação oferecida. (BRASIL, 1997, p.1)
Quando exposto e confrontado o currículo mínimo de 1983 com as Diretrizes
Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia, percebe-se uma
mudança no perfil do egresso. Antes esse profissional era um mero reprodutor e
executor de técnicas supervisionadas e desenvolvidas por médicos, com uma visão
de formação e atuação tecnicista. Isto, de acordo com Lemos (2005), faz com que a
dimensão do trabalho intelectual perca espaço, devido à ênfase em práticas aliadas
à alta carga horária semanal, privilegiando-se o automatismo e o tecnicismo do
curso de graduação. Percebe-se que, se não há tempo para o estudo, também não
há para a dúvida. Consequentemente, são desvalorizadas a crítica, a reflexão e a
mudança, vistas como um caminho que levam a autonomia desses sujeitos.
O perfil do egresso instituído nas DCN’s do Curso de Graduação em
Fisioterapia na Resolução CNE/CES nº 4, de 19 de fevereiro de 2002, é apresentado
da seguinte forma:
Fisioterapeuta, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, capacitado a atuar em todos os níveis de atenção à saúde, com base no rigor científico e intelectual. Detém visão ampla e global, respeitando os princípios éticos/bioéticos, e culturais do indivíduo e da coletividade. Capaz de ter como objeto de estudo o movimento humano em todas as suas formas de expressão e potencialidades, quer nas alterações patológicas, cinético-funcionais, quer nas suas repercussões psíquicas e orgânicas, objetivando a preservar, desenvolver, restaurar a integridade de órgãos, sistemas e funções, desde a elaboração do diagnóstico físico e funcional, eleição e execução dos procedimentos fisioterapêuticos pertinentes a cada situação. (BRASIL, 2002).
73
Considerando a estética uma ação ética, capaz de agir com justiça e proteger
o outro das injustiças, cometidas tanto por indivíduos como por instituições, somente
na perspectiva da necessidade do outro é que o fisioterapeuta será competente para
garantir a vida com dignidade de indivíduos e coletividades.
A transição do Currículo Mínimo para as DCN’s do Curso Superior de
Graduação em Fisioterapia representa um caminho para o desenvolvimento da
autonomia e da emancipação do docente e do profissional fisioterapeuta. Desperta a
criticidade nestes sujeitos, que, com uma estética da visão holística, enxergam seu
papel na sociedade e a possibilidade de transformá-la.
De acordo com o Parecer nº 1.210/2001, em relação ao objeto das DCN’s do
Curso de Graduação em Fisioterapia, este deve:
Permitir que os currículos propostos possam construir perfil acadêmico e profissional com competências, habilidades e conteúdos, dentro de perspectivas e abordagens contemporâneas de formação pertinentes e compatíveis com referências nacionais e internacionais, capazes de atuar com qualidade, eficiência e resolutividade, no Sistema Único de Saúde (SUS), considerando o processo da Reforma Sanitária Brasileira (BRASIL, 2001, p. 3).
Nesta perspectiva, é possível compreender que o objeto define que a
formação do egresso se faça com base em competências e habilidades em prol das
demandas sociais e que ele seja capaz de exercer sua função de forma qualitativa
com eficiência. Existe uma preocupação com a sociedade: a estética é uma pilastra,
entre outras — ética, poder, ideologia, moral, metodologia, conteúdo, da
competência do profissional e docente.
No que se refere aos objetivos das Diretrizes Curriculares dos Cursos de
Graduação na Área da Saúde, o Parecer nº 1.210/2001, do CNE, considera:
Levar os alunos dos cursos de graduação em saúde a aprender a aprender que engloba aprender a ser, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a conhecer, garantindo a capacitação de profissionais com autonomia e discernimento para assegurar a integralidade da atenção e a qualidade e humanização do atendimento prestado aos indivíduos, famílias e comunidade (MEC/CNE, Parecer nº 1210/2001, p. 3).
Desta forma, consideramos a dimensão estética o desenvolvimento da
criticidade que, de acordo com Freire, é um caminho para a autonomia, que por sua
vez gera qualidade, integralidade e humanização, refletida no individual e no
74
coletivo, para que o profissional dentro da sua área resolva os problemas da
sociedade.
Com relação à autonomia, o Edital n° 4/97, estabelece:
As Diretrizes Curriculares devem conferir uma maior autonomia às IES na definição dos currículos de seus cursos. Desta forma, ao invés do atual sistema de currículos mínimos, onde são detalhadas as disciplinas que devem compor cada curso, deve-se propor linhas gerais capazes de definir quais as competências e habilidades que se deseja desenvolver nos mesmos. Espera-se, assim, a organização de um modelo capaz de adaptar-se às dinâmicas condições de perfil profissional exigido pela sociedade, onde a graduação passa a ter um papel de formação inicial no processo contínuo de educação permanente que é inerente ao mundo do trabalho. (BRASIL, 1997, p.1).
A dimensão estética aparece na preocupação com a autonomia das IES,
conforme o Edital nº 4/97, do MEC/SESu, o desenvolvimento de um perfil
profissional que atenda às demandas sociais. Nesse contexto, contempla a ética na
graduação quando passa a ser entendida como formação inicial diante de um
processo de educação continuada, indispensável para atender as demandas do
mercado de trabalho. De acordo com o Parecer nº 776/97 (MEC/CNE, 1997, p. 2),
as Diretrizes Curriculares devem oferecer:
Elementos de fundamentação essencial em cada área do conhecimento, campo do saber ou profissão, visando promover no estudante a capacidade de desenvolvimento intelectual e profissional autônomo e permanente. Devem também pautar-se pela tendência de redução da duração da formação no nível de graduação. Devem ainda promover formas de aprendizagem que contribuam para reduzir a evasão, como a organização dos cursos em sistemas de módulos. Devem induzir a implementação de programas de iniciação científica nos quais o aluno desenvolva sua criatividade e análise crítica. Finalmente, devem incluir dimensões éticas e humanísticas, desenvolvendo no aluno atitudes e valores orientados para a cidadania. [...]
Neste documento, a beleza da estética é percebida com a preocupação de
superação da educação reprodutora e bancária, que suprime o alcance da formação
de um sujeito mais crítico e preparado.
Os cursos de graduação precisam ser conduzidos, através das Diretrizes Curriculares, a abandonar as características de que muitas vezes se revestem, quais sejam as de atuarem como meros instrumentos de transmissão de conhecimento e informações, passando a orientar-se para oferecer uma sólida formação básica, preparando o futuro graduado para enfrentar os desafios das rápidas transformações da sociedade, do
75
mercado de trabalho e das condições de exercício profissional. (MEC/CNE, 1997, p. 2)
Sendo assim, podemos compreender a dimensão estética nas DCN’s quando
prioriza a promoção da autonomia com o aprofundamento em cada área do
conhecimento, do saber ou profissão com objetivo de formar profissionais críticos e
adaptados à realidade da sociedade brasileira. Deste modo, é possível considerar
que as Diretrizes Curriculares preocupam-se com a educação continuada, visto que
consideram a formação acadêmica como uma formação inicial num processo
contínuo de formação profissional autônoma.
Com o intuito de assegurar a flexibilidade e a qualidade da formação
oferecida aos estudantes, o Parecer nº 1210/2001, do MEC/CNE, que delibera as
Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia,
estabelece os seguintes princípios:
-Assegurar às instituições de ensino superior ampla liberdade na composição da carga horária a ser cumprida para a integralização dos currículos, assim como nas especificações das unidades de estudo a serem ministradas; -Indicar os tópicos ou campos de estudo e demais experiências de ensino-aprendizagem que comporão os currículos, evitando ao máximo, a fixação de conteúdos específicos com cargas horárias pré-determinadas, as quais não poderão exceder 50% da carga horária total dos cursos. A comissão da CES, baseada neste princípio, admite a definição de percentuais da carga horária para os estágios curriculares nas Diretrizes Curriculares da Saúde; -Evitar o prolongamento desnecessário da duração dos cursos de graduação; -Incentivar uma sólida formação geral, necessária para que o futuro graduado possa vir a superar os desafios de renovadas condições de exercício profissional e de produção do conhecimento, permitindo variados tipos de formação e habilitações diferenciadas em um mesmo programa; -Estimular práticas de estudo independente, visando uma progressiva autonomia intelectual e profissional; -Encorajar o reconhecimento de conhecimentos, habilidades e competências adquiridas fora do ambiente escolar, inclusive as que se referiram à experiência profissional julgada relevante para a área de formação considerada; -Fortalecer a articulação da teoria com a prática, valorizando a pesquisa individual e coletiva, assim como os estágios e a participação em atividades de extensão; -Incluir orientações para a conclusão de avaliações periódicas que utilizem instrumentos variados e sirvam para informar às instituições, ao docente e aos discentes acerca do desenvolvimento das atividades do processo ensino-aprendizagem (BRASIL, 2001, p. 2).
Consideramos que, ao focar os processos formativos desses profissionais e a
realidade das necessidades do Brasil, as DCN’s representam um avanço para a
76
área da educação em saúde, no que diz respeito à conscientização de princípios
estéticos com a responsabilidade e o compromisso como profissional e docente na
área da saúde.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em
Fisioterapia definem, portanto, princípios, fundamentos, condições e procedimentos
da formação de fisioterapeutas. Estes princípios devem ser respeitados em âmbito
nacional na organização, no desenvolvimento e na avaliação dos projetos políticos
pedagógicos dos cursos.
A dimensão estética na formação do fisioterapeuta contempla o objetivo de
dotar o profissional de conhecimentos para o exercício de competências e
habilidades como:
I – Atenção à saúde: capacitar o profissional a estar apto a desenvolver ações de prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde de forma individual e coletiva. Cada profissional deve assegurar que sua prática seja realizada de forma integrada e contínua com o sistema de saúde dentro de padrões de qualidade e princípios de ética/bioética levando em conta que a responsabilidade da atenção à saúde não se encerra com o ato técnico, mas com a resolução do problema de saúde em nível individual e coletivo. II – Tomada de decisões: o trabalho dos profissionais precisa estar fundamentado na capacidade de tomada de decisões, eficácia e custo-efetividade, força de trabalho, medicamentos, equipamentos, procedimentos e práticas. Para que esta fundamentação seja realizada é preciso que os profissionais possuam competências e habilidades na avaliação, sistematização e decisão nas condutas tomadas, baseadas em evidências científicas. III – Comunicação: os profissionais de saúde devem ser acessíveis, manter a confiabilidade das informações recebidas e na interação com os demais profissionais da saúde e da população. Esta comunicação é a verbal, não-verbal e habilidades na escrita e leitura e requer o domínio de pelo menos uma língua estrangeira, domínio de tecnologias de comunicação e informação. IV – Liderança: Os profissionais devem estar aptos a assumir posição de liderança no trabalho em equipe multiprofissional com vistas ao bem estar da comunidade envolvendo características como: compromisso; responsabilidade; empatia; tomada de decisões; comunicação e gerenciamento. V – Administração e gerenciamento: os profissionais devem estar aptos a tomar iniciativas, gerenciar e administrar a força de trabalho e recursos físicos, materiais e de informação, ter capacidade de empreendedorismo, gestão, empregadores ou lideranças nas equipes de saúde. VI – Educação permanente: os profissionais devem estar em contínuo processo de aprendizado na sua formação e na sua prática, ter compromisso com a sua educação e treinamento/estágio de futuros profissionais e proporcionar condições de benefício mútuo entre os futuros profissionais e os profissionais dos serviços para a formação e a cooperação através de redes nacionais e internacionais (BRASIL, 2002).
77
Assim, a estética envolve o desenvolvimento de competências, como a
atenção integral à saúde, tomada de decisões, comunicação, liderança,
administração e gerenciamento e educação permanente. (Brasil, 2007, p.58).
No Art. 5º da Resolução em análise, está contemplado que a formação do
fisioterapeuta tem por objetivo dotar o profissional dos conhecimentos requeridos
para o desenvolvimento das competências e habilidades específicas e, ainda, a
formação profissional deverá atender ao sistema de saúde vigente no país.
Na dimensão estética do conteúdo para os cursos de graduação em
fisioterapia, conforme consta no art. 6º, estes devem estar relacionados com o
processo de saúde-doença do cidadão, da família e da comunidade, integrando à
realidade epidemiológica e profissional, e proporcionando a integralidade das ações
do cuidar em fisioterapia:
I – Ciências Biológicas e da Saúde – incluem os conteúdos (teóricos e práticos de base moleculares e celulares dos processos normais e alterados, da estrutura e função dos tecidos, órgãos, sistemas e aparelhos; II – Ciências Sociais e Humanas – abrange o estudo do homem e de suas relações sociais, do processo de saúde-doença nas suas múltiplas determinações, contemplando a integração dos aspectos psico-sociais, culturais, filosóficos, antropológicos e epidemiológicos norteados pelos princípios de saúde, educação, trabalho e administração; III – Conhecimentos Biotecnológicos - abrange conhecimentos que favorecem o acompanhamento dos avanços biotecnológicos utilizados nas ações fisioterapêuticas que permitam incorporar as inovações tecnológicas inerentes a pesquisa e a pratica clínica fisioterapêutica; e IV – Conhecimentos Fisioterapêuticos - compreende a aquisição de amplos conhecimentos na área de formação específica da Fisioterapia: a fundamentação, a história, a ética e os aspectos filosóficos e metodológicos da Fisioterapia e seus diferentes níveis de intervenção. Conhecimentos da função e disfunção do movimento humano, estudo da cinesiologia, da cinesiopatologia e da cinesioterapia, inseridas numa abordagem sistêmica. Os conhecimentos dos recursos semiológicos, diagnósticos, preventivos e terapêuticas que instrumentalizam a ação fisioterapêutica nas diferentes áreas de atuação e nos diferentes níveis de atenção. Conhecimentos da intervenção fisioterapêutica nos diferentes órgãos e sistemas biológicos em todas as etapas do desenvolvimento humano. (BRASIL, 2002).
Esta Resolução ainda estabelece que o estágio curricular supervisionado é
obrigatório e deve contemplar uma carga horária de 20% da carga horária total do
curso de graduação proposto, considerando aqui a dimensão da estética nos
ambientes de estágios supervisionados. Os ambientes de estágios supervisionados
ensinam uma estética, seja do belo ou da feiura, presente no ambiente físico e nas
relações interpessoais. Além disso, o projeto político-pedagógico (PPP) do curso
deverá também conter atividades complementares por meio de mecanismos de
78
aproveitamento dos conhecimentos adquiridos pelos estudantes através de
programas de monitorias, estágios, iniciação científica, programas de extensão,
estudos complementares e cursos em áreas afins. Ainda de acordo com esta
Resolução, o PPP deve ser construído coletivamente, apresentando o professor
como facilitador e mediador do processo de ensino-aprendizagem e o aluno como
sujeito central neste processo, que busca a formação adequada e integral.
No dia 6 de abril de 2009, foi publicada a Resolução CNE/CES nº 4, que
dispôs sobre a carga horária mínima e os procedimentos relativos a integralização e
duração dos cursos de graduação em Fisioterapia. Dentre outras determinações,
ficou estipulado que os estágios e atividades complementares dos cursos referidos
no documento não deverão exceder 20% da carga horária total do curso e que as
instituições de educação superior deverão fixar os tempos mínimos e máximos da
integralização curricular por curso, bem como sua duração. Por esta Resolução, o
curso de graduação considerado da área da saúde, bacharelado na modalidade
presencial, tem carga horária mínima (CHM), para a integralização do currículo, de 4
mil horas. Desta forma, o limite mínimo para a integralização dos cursos que fazem
parte do grupo com carga horária mínima entre 3.600 e 4.000 horas será de cinco
anos.
Esta resolução contempla também que as instituições que ofertam cursos no
sistema de créditos ou módulos acadêmicos deverão dimensioná-los em no mínimo
200 dias letivos, com duração da hora-aula em 60 minutos, com alterações
constando nos respectivos projetos pedagógicos dos cursos.
Fica claro, a partir do analisado até aqui, que o ensino superior vem sofrendo
alterações significativas, conforme considera Kuenzer (2001):
da formação especializada, passa-se à formação do generalista; dos currículos mínimos, passa-se às diretrizes curriculares amplas – que serão adequadas a cada curso, segundo as peculiaridades locais e dos alunos - ; de trajetórias unificadas, passa-se à diversificação dos percursos. (KUENZER, 2001, p. 19)
A formação mais especializada, prevista no Currículo Mínimo, preparava o
profissional para ser um executor de métodos e técnicas de avaliação e tratamento
fisioterapêutico em diferentes áreas de atuação; previa um profissional “preparado”.
Já o profissional generalista é aquele com capacidade crítica, reflexiva, capaz
de desempenhar suas atividades com base no rigor científico, elaborando o
79
diagnóstico cinético-funcional, com capacidade de adaptação às diversas alterações
que podem ocorrer em função do próprio cliente, da conduta realizada, do método
ou técnica escolhida ou, ainda, da evolução biotecnológica. Assim, observa-se que o
profissional generalista proposto pelas DCN’s é a de um profissional "adaptável" às
demandas do mercado de trabalho.
A proposta de um currículo integrado que propicie a formação generalista
parte da coletividade, ou seja, uma construção de um conhecimento pedagógico
apropriado a esse processo de formação que gere uma transformação do que foi
aprendido (PIVETTA, 2006, p. 4).
Nas DCN’s do Curso de Graduação em Fisioterapia, no campo das
competências e habilidades específicas, o artigo 2º destaca: "A formação do
fisioterapeuta deverá atender ao sistema de saúde vigente no país, a atenção
integral da saúde no sistema regionalizado e hierarquizado de referência e
contrarreferência e o trabalho em equipe" (BRASIL, 2001, p. 6).
Podemos depreender desse parágrafo o foco no atendimento do sistema
vigente de saúde. Considerando o Currículo Mínimo das DCN’s, observa-se que a
reforma curricular se fez a partir de um desconforto em relação às práticas
percebidas como ineficientes, que não estavam acompanhando as mudanças
propostas nos novos modelos de assistência, voltados para o contexto da realidade
brasileira. Neste processo, há uma redefinição do mercado de trabalho para o
fisioterapeuta.
A visão de integralidade presente no objetivo das Diretrizes Curriculares,
estabelece que:
“[...] garantindo a capacitação de profissionais com autonomia e discernimento para assegurar a integralidade da atenção e a qualidade e humanização do atendimento prestado aos indivíduos, famílias e comunidade.” (BRASIL, 2001, p.4).
Nesta perspectiva, é interessante destacar que a humanização da saúde é
um movimento internacional que surgiu na tentativa de sensibilizar o profissional da
área da saúde em relação ao distanciamento provocado pelo advento da indústria
da massificação cultural, bem como do avanço tecnológico que faz com que a
relação entre terapeuta e cliente torne a pessoa objeto da investigação clínica, ou
que acaba coisificando as pessoas e reduzindo "de modo artificial o irreal humano,
80
que supõe mentes abertas às inovações, por mais ‘hetéricas’ que pareçam."
(BERKENBROCK-ROSITO; LOTERIO, 2012, p. 140).
Deve-se pensar criticamente em relação às tecnologias e conhecimentos
científicos, refletir sobre sua validade e melhor modo de aplicação à vida humana,
respeitando a vontade e atendendo a necessidade de cada indivíduo, nas
dimensões estéticas, éticas, sociais, culturais e existenciais. A crítica e a reflexão
devem levar a mudanças de pensamento e comportamento para transformar a
sociedade. A formação crítica e reflexiva deve exigir uma postura ativa, portanto
política.
O processo de (des)coisificar essas relações, tornando-as mais humanizadas,
é um trabalho complexo, que necessita a compreensão de olhar a técnica como
instrumento que deve acolher o cliente, e não excluí-lo. Estas transformações
despertam inseguranças, pois, para alcançar tal objetivo, é necessário um trabalho
de abertura e de respeito ao outro como um ser singular.
Leite e Strong (2006) apresentam em suas pesquisas que a visão holística
tem seu enfoque no ser humano sob as óticas do microcosmo, em que cada parte
representa o todo, e do macrocosmo, em que o todo interage com os seus
componentes. Esta visão relaciona-se com o círculo de compreensão na perspectiva
hermenêutica, em Gadamer (2007): o sentido de um texto é extraído da parte, da
palavra ao conceito e do conceito à palavra, ampliando-se nosso horizonte de
mundo.
De acordo com Pessini et al (2003) a teoria do contexto macro influencia no
cotidiano do condicionamento e na determinação da cultura, na convivência no
contexto micro das instituições. Dessa forma, é possível compreender o ser humano
em sua totalidade, nas diferenças, no pluralismo e na diversidade estão relacionados
com o cuidado à vida. (BERRINELLI, WASKIEVICZ, ERDMANN, 2003).
De acordo com Leite e Strong (2006, p. 213), a humanização dos serviços de
saúde, com a ótica da visão holística,
evidencia que a noção de qualidade em saúde necessita transcender o senso de conformidade técnica dos agentes sobre o objeto de sua p´ratica, para considerar que um ato técnico se realiza num campo simbólico de trocas, em uma relação intersubjetiva que se inicia com o acolhimento ao outro, com a construção do vinculo e repercute intensamente em todos que dela participam pelo princípio da alteridade que ocorre em todo contato humano. [...] Os conhecimentos advindos da visão biomédica são muito importantes para a atuação do profissional, porém de igual importância tem-
81
se o estudo do ser humano com todas as suas facetas, em seu meio de relação. Assim, qualquer inclinação, para um lado ou outro, do que se considera um todo, incorre no risco de um tratamento fragmentado, desumanizado e, portanto, alienado e alienante. (LEITE; STRONG, 2006, p. 213).
Nesta perspectiva, é essencial incorporar a ótica da dimensão da Educação
Estética na formação de futuros profissionais da área da saúde com objetivo de
trilhar novos caminhos na educação e na saúde. Estes profissionais necessitam dar
mais atenção aos valores éticos, de dignidade considerando o processo de
humanização como possibilidade de desenvolver um novo olhar, uma nova forma de
atuar.
Questões como esta estão presentes, segundo Adorno, na estética da
massificação da indústria cultural, que pode levar a uma desnutrição filosófica pela
perda da criticidade, da desumanização dos sujeitos, de valores subjetivos que se
perderam com o avanço científico. Não é o caso de abandoná-las, mas de agregar
valores humanos no trato das instituições de educação e saúde ligadas a princípios
éticos, com respeito e valorização dos seres humanos.
Apesar destas discussões, ainda é perceptível a existência de uma lacuna
quando falamos em produção de conhecimentos nas IES no Brasil, pois existe uma
tendência dos países em desenvolvimento adotarem normas e procedimentos dos
países desenvolvidos. Com isso,
a possibilidade de descobrir outras maneiras de produzir conhecimento, tecnologia ou fazer ciência neles torna-se cada vez menor [...] Quanto mais o conhecimento for apenas “reproduzido” e “transmitido”, em vez de também ser produzido, levando em consideração a realidade circundante, mais distante estarão os futuros profissionais de obter resoluções para os problemas da população do País. (REBELATTO; BOTOMÉ, 1999, p.74).
Essa clonagem de produção de conhecimentos originários de países
desenvolvidos, que tem em suas entranhas problemas e realidades distintas,
prejudica os egressos das universidades brasileiras, despreparados para enfrentar
as reais dificuldades da população.
Rebelatto e Botomé (1999) exemplificam que esse tipo de problema é mais
visível em áreas industriais. Contudo, afirmam que essa situação é muito
semelhante na saúde, particularmente na Fisioterapia. A conivência com essa
situação faz com que os fisioterapeutas saiam das universidades brasileiras
despreparados para solucionar os problemas sociais da realidade que os circunda.
82
Os autores atribuem à universidade a busca de "caminhos próprios" para que
seus objetivos sejam realizados e assinalam que seria necessário que esses
objetivos fossem mais detalhados quanto a sua função social, bem como os
problemas que seriam abordados e quais as ações que o egresso necessitaria para
resolver esses problemas.
A proposta das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em
Fisioterapia busca a formação mais generalista e humanista, além da articulação de
conteúdos, o que reflete como as legislações educacionais pensam a relação do ser
humano, do seu corpo, e da sua saúde, com a perspectiva do trabalho.
Com relação às habilidades e competências relacionadas diretamente com as
necessidades sociais, as DCN's demonstram o desafio relacionado à representação
sobre a realidade da profissão e de uma análise concreta de suas práticas em
relação às necessidades da sociedade. Percebemos que, a partir das insatisfações
sociais observadas, ocorre a busca por solucioná-las. É preciso, portanto, inserir os
alunos em uma prática profissional que promova o envolvimento com a teoria,
sintonizadas com as demandas sociais. Ou seja, conhecendo, desde o início da sua
formação, a realidade com a qual se vai trabalhar, com uma aproximação às
mudanças propostas nos novos modelos de assistência, voltados para o contexto
brasileiro, redefinindo o mercado de trabalho para o profissional fisioterapeuta.
Acreditamos que, para alcançar tal objetivo proposto em relação às
habilidades e competências, é necessário que as IES passem a oferecer cursos de
capacitação aos seus docentes, a fim de se alcançar uma visão mais humanizada
da técnica, em que o cliente passe a ser tratado, levando-se em considerações suas
características individuais e socioculturais.
Mas compreendemos que pelo histórico da profissão de fisioterapia, a
naturalidade deste processo, enquanto proposta da mudança do perfil do
profissional e fisioterapeuta, desenrola-se lentamente, pois as novas vivências
acadêmico-profissionais que buscam uma consciência moral mais sensível e critica
ainda estão em processo de construção.
Compreendemos que as novas diretrizes contemplam um novo olhar que privilegia a
relação terapeuta-cliente, e que a porta de entrada para que se desenvolva esta
visão é a saúde coletiva, que insere o discente em realidades sociais diversas; este
contato com a comunidade pode sensibilizá-lo a respeito das disparidades que
acentuam o afastamento entre pessoas, de modo que essa questão da
83
humanização alavanque a criticidade, permitindo a ambas as partes compreender os
componentes técnicos e instrumentos utilizados na arte de um atendimento.
3.2 A estética do corpo e da pessoa: vínculos indissociáveis na formação
profissional e docente
Qual o sentido de beleza para a formação profissional e atuação docente no
Curso de Fisioterapia?
Entendemos aqui que o belo nas DCN’s do Curso de Graduação em
Fisioterapia está contido no princípio do ser fisioterapeuta, que, na fusão do saber e
do ser, materializa-se no gosto pelo agir, representado pelo exercício da profissão
da fisioterapia, a qual, sustentada pela ética, estética e dignidade, personifica-se na
beleza, na exteriorização de um trabalho focado na autonomia e na emancipação
dos envolvidos com fins de proporcionar transformações.
Uma proposta para que ocorram tais transformações no fisioterapeuta estão
nas contribuições acerca do paradigma do sensível provenientes dos estudos de
Bois, que, antes de se tornar doutor em ciências da educação e professor de
psicopedagogia, ao longo dos anos 1980, era fisioterapeuta e especialista em
osteopatia. Naquela época, esse autor explorou a vida subjetiva provocada por suas
mãos, descobrindo uma animação interna inovadora quando comparada a
encontrada na prática da osteopatia. Assim, houve uma consciência de que a
atividade interna que era percebida não correspondia aquela descrita pela
osteopatia. O autor experimentou um movimento interno que transforma o "corpo
objeto" em "corpo sujeito", na singularidade das pessoas; o sujeito entende a
presença de um movimento interno que se move no interior da matéria e traz
consigo o princípio primordial da subjetividade (BOIS, BOURHIS, 2012).
Para Bois e Austry (2008), o paradigma do sensível remete a uma ciência das
relações. Nestas relações, a que existe entre o sujeito e seu movimento interno e
entre o sujeito e o lugar do sensível denota qualidades esperadas, bem como
implicação, indiferença ou ainda interesse. No caso de um sujeito que sofreu uma
lesão, ocorre uma indiferença com o que mudou, com o que foi perdido:
Essas diferentes qualidades indicam um tipo de relação precisa entre o sujeito e seu corpo, um tipo de presença do sujeito com ele mesmo e com sua interioridade. Podemos observar que, a cada tipo de relação, está
84
associada uma qualidade específica do conteúdo perceptivo: a indiferença para com seu próprio corpo deixa percebê-lo apenas como objeto “indiferente”, o interesse por si mesmo dá acesso a conteúdos de sentimentos mais ricos etc. (BOIS; AUSTRY, 2008, p. 7).
O tipo de relação por meio da qual o sensível ocorre foi denominado por Bois
e Austry (2008) de "reciprocidade" atuante. Sua conotação transparece no sentido
de que o sensível discorre num modo de implicação partilhada pelo pedagogo com
seu educando, do terapeuta para seu paciente e, sobretudo, do próprio sujeito em
relação ao seu movimento interno.
É pela implicação total do sujeito na relação de percepção de si que o Sensível se revela: o Sensível não é um objeto exterior ao sujeito, o Sensível é o próprio sujeito em seu porvir atualizado. A evolutividade que nasce dessa implicação na relação com o Sensível, de causa e efeito, de efeito que se torna causa efetiva do efeito seguinte, é um sinal da reciprocidade entre a pessoa, o terapeuta “percebedor” e o que é percebido. (BOIS, AUSTRY, 2008, p.8).
Nesta perspectiva, podemos refletir sobre como durante a fisioterapia, tanto o
fisioterapeuta (percebedor) como o cliente (percebido) caminham juntos e se
influenciam mutuamente e permanentemente diante das respostas sensoriais e
cognitivas que emergem na relação com o corpo sensível.
Em sua tese, O corpo sensível e a transformação das representações no
adulto, Bois e Austry (2008, p. 8) estabelece relações com o corpo que se declinam
segundo o modo de percepção, do sujeito percebedor: “eu tenho um corpo”, “eu vivo
meu corpo”, “eu sou meu corpo”, enfim, “meu corpo ensina alguma coisa de mim
mesmo”.
Sendo assim, a fisioterapia pode auxiliar a transformação do “corpo objeto”,
aquele que não é percebido e visto somente como um executor de funções
voluntárias da pessoa na tradução do “eu tenho um corpo”, para o “corpo sujeito”,
processo que exige mudanças de atenção e percepção traduzidas nas expressões
“eu vivo meu corpo” ou “eu sou meu corpo”.
Entretanto, nesse estágio, a percepção está frequentemente reduzida a uma ligação com os estados físicos: tensão, descontração, dor, prazer etc. É somente quando ‘eu sou meu corpo’ que o corpo se torna realmente sujeito, lugar de expressão do si através do que é sentido, implicando um ato de percepção mais elaborado em relação ao corpo. (BOIS, AUSTRY, 2008, p. 8).
85
Através da percepção do “eu sou meu corpo” advinda pela transformação em
“corpo sujeito” se dá a relação, indicada pela expressão “meu corpo me ensina
alguma coisa de mim mesmo”, compõe o corpo que Bois e Austry (2008)
denominam de corpo sensível.
Em último lugar, no processo que vai da percepção do Sensível à apreensão do sentido que dele se desprende, assistimos à eclosão de um eu que ultrapassa o eu social ou psicológico, a que chamamos do eu que sente. Este nos interessa mais particularmente porque ele é, ao mesmo tempo, sujeito conhecente e sujeito que sente. Ele se distingue dos outros eu, na medida em que é um eu de relação, atingindo as camadas mais profundas da interioridade do homem. Ele tem acesso à experiência pessoal, às confidências corporais. (BOIS, AUSTRY, 2008, p. 9).
De acordo com Trezzi & Berkenbrock Rosito (2010) pessoas que entram em
contato com o “corpo sensível” são capazes de desenvolver um conhecimento mais
profundo de si mesmo e uma sensibilidade maior para conviver consigo mesmo e
com suas histórias e com as outras pessoas.
[...] resultados da prática, de mais de trinta anos, de Método de Terapia Manual, a Somato-psicopedagogia, de que Danis Bois é precursor, a partir do estudo da Osteopatia e da Fasciaterapia. Sentir a dor na própria pele e saber lidar com o sofrimento são enormes desafios de aprendizagem, que despertam a potencialidade da renovação do eu (TREZZI, BERKENBROCK ROSITO, 2010, p. 125).
O princípio da autonomia do sujeito como única referência para a ética e a
estética põe em dúvida um compromisso voltado para a humanização dos sujeitos.
Anjos (2006) diz que a vulnerabilidade se apresenta e marca o limite da autonomia
do sujeito em relação à corporeidade, e põe em discussão a questão da dignidade
humana.
O corpo não é um objeto, ou algo dado, mas um organismo em construção.
Segundo Merleau Ponty (2006) não há outra forma de conhecer o corpo senão vivê-
lo. O corpo humano é um processo, uma organização em constante mutação e
transformação, um movimento que precisa ser acompanhado de dentro e não
comandado por fora.
Anjos (2006) salienta que nossa corporeidade se dá em uma tripla dimensão
de vulnerabilidade: a vulnerabilidade apresentada em períodos de nossa existência
(infância e adolescência), da exposição enquanto corpos orgânicos e funcionais
86
(doenças e disfunções) e a situações relacionais como a exposição a
condicionamentos específicos.
Nesse sentido, é preciso compreender fatores históricos, ter consciência da
realidade e de que não estamos livres de fatores genéticos, culturais, sociais, de
classe e de gênero, que marcam nossa existência, podendo ocasionar obstáculos
que geram duras dificuldades a serem superadas no desenvolvimento de nossas
atividades mentais e físicas, por exemplo, Alzeihmer e Parkinson. Nessa
perspectiva, estamos todos expostos à concepção da vulnerabilidade como
condição humana.
A concretização da formação na dissertação se faz pelo entendimento do
termo pessoa, cujas definições são destacadas por valores metafísicos, teológicos,
morais, existenciais e políticos do ser humano.
De acordo com Abbagnano (2000), a origem etimológica da palavra "pessoa"
é a expressão latina per-sonare, que tem o mesmo sentido da voz grega prósopon,
que significa "máscara" — era o termo que designava a máscara que cobria o rosto
de um ator enquanto ele atuava, utilizada para lhe amplificar a voz, passando depois
a designar a própria personagem representada. Segundo Pegoraro (2005),
o conceito de pessoa engloba, em seu significado, a unicidade, a singularidade, a especificidade e a dignidade do ser humano. […] na definição teológica, a pessoa é o indivíduo subsistente na natureza racional criada por Deus. [...] a pessoa é também uma existência potencial, porque, sendo inteligente e livre, nunca termina de explicitar suas potencialidades. Dizemos que a pessoa cresce em valor e qualidade, do início ao fim da vida, pelo seu esforço. (PEGORARO, 2005, p. 371).
Kant (2005, p. 69) propõe sua definição de pessoa em termos éticos e
fundamentada na autonomia do ser humano, indicando que se deve agir de tal forma
que se considere "a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de todos os
outros, sempre como fim e não como simples meio". Já para Scheler (1989. p. 30),
"[...] a pessoa é considerada como depositária de valor, pois somente na pessoa é
possível realizar-se a apreensão de valores e, portanto, somente a partir da noção
de pessoa é que se pode adotar a noção de dignidade".
Deste modo, a pessoa e seu corpo constituem elementos indissociáveis que
encenam infinitas histórias de suas múltiplas transformações. O corpo de acordo
com o mundo que está inserido se expressa por simbologias singulares adquirindo
inúmeros significados.
87
O corpo é o elemento essencial do labor da fisioterapia. Portanto, a dimensão
estética na formação profissional do fisioterapeuta encontra-se no Currículo Mínimo,
prescrito pelas DCN’s: a ideia de que um corpo, além de suas características
orgânicas e fisiológicas, deve ser, antes de tudo, um corpo funcional, de que se deve
pensar a pessoa a partir do que a lesão permite que ela seja — ou, melhor: não
pensar no que foi perdido. mas na construção da pessoa a partir do quadro que se
encontra.
Sendo assim, é essencial organizar o processo de formação do fisioterapeuta
a partir de competências e habilidades, o que implica em uma batalha relacionada à
representação sobre a realidade da profissão e de um diagnóstico palpável de suas
práticas em relação às necessidades da sociedade.
A busca por mudanças ocorre a partir da clarificação das insatisfações sociais
em relação ao conjunto de habilidades da profissão fisioterapeuta que direcionem
suas ações para o desenvolvimento da prevenção, promoção, proteção e
reabilitação da saúde, tanto individualmente quanto coletivamente.
Apenas desta forma, o profissional conseguirá pensar criticamente,
considerando também o contexto social. Freire (1984) relembra Legrand, quando
aborda a questão do homem conseguir organizar reflexivamente seu pensamento,
inserindo um novo termo entre compreender e atuar, que seria o pensar.
Ainda sobre as necessidades de repensar a formação profissional, os autores
Perpétuo (2005), Pivetta (2006) e Rebelatto e Botomé (1999) concordam em que é
preciso adequar o aprendizado e a formação do fisioterapeuta à realidade brasileira,
com destaque para o caráter humanista e crítico reflexivo e ao rigor científico
fincados nos princípios da ética.
É possível perceber que há um conflito na área da educação. Muitos
profissionais reconhecidos em suas áreas técnicas, apesar de suas qualificações,
não possuem formação pedagógica e suas práticas são construídas a partir de
conhecimentos adquiridos ao longo de sua vida acadêmica, profissional e social,
somada a sua história de vida. Inseridos nesse contexto, estão o docente e o
profissional fisioterapeuta que ingressa na carreira docente, que, ao se deparar com
situações e conflitos, opta pelo seu desenvolvimento na educação continuada um
caminho para exercer a docência.
A formação na docência na contemporaneidade exige do professor um novo
olhar voltado para o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento crítico
88
reflexivo (FARIA E CASAGRANDE, 2004). Os profissionais responsáveis pela
formação de futuros fisioterapeutas, em sua grande maioria, foram formados por
modelos antigos de caráter tecnicista e reabilitador, Pivetta (2006) analisou a
situação específica dos cursos de Fisioterapia e nos diz que:
A docência, para esses profissionais, surge então como um desafio, pois precisam mobilizar seus saberes técnicos e científicos no campo da especificidade da profissão docente. E, neste momento, é inevitável o repensar da docência, pois se tornou desafiador trabalhar uma proposta de ensino modular diferenciada que se distancia do modelo formativo no qual os decentes envolvidos no processo obtiveram seus saberes. (PIVETTA, 2006, p. 3).
Em seus estudos acerca da concepção da formação e docência de
professores do Curso de Graduação em Fisioterapia, Pivetta (2006) aborda que os
atores, professores de fisioterapia, tiveram uma formação fincada na solução de
problemas para doenças instaladas, ou seja, aprenderam técnicas específicas para
o tratamento de cada doença. Isso, nas palavras de Santomé (1996) deixa claro que
esta proposta não abre espaço para a criticidade, sem falar que a parte social e a
humanização dos sujeitos se tornam secundárias.
Nesta perspectiva, Schon (2000) ressalta que esta abordagem é a de um
ensino normativo, no qual, em primeiro lugar, se aprende a teoria e, depois, a
prática. O autor afirma que esta modalidade inibe o talento artístico dos alunos, que
saem das universidades como mero reprodutores tecnicistas.
De acordo com Pivetta (2006), a estruturação modular no currículo permite
que alunos e professores usem a teoria e a prática mutuamente e que, desta forma,
o ser humano é estudado como um todo e não em fragmentos. Neste sentido,
Santomé (1996) destaca que esta estrutura possibilita que, através de atividades
integradas entre professores e alunos e entre teoria e prática, gera-se aprendizagem
e criticidade, porque existem debates e reflexões entre as partes. O autor ainda
afirma que a democratização em negociar as atividades e as possibilidades de
efetivá-las é uma proposta inovadora que necessita ser construída pelos atores do
processo.
Como já mencionado, grande parte dos professores de fisioterapia não
tem formação pedagógica para exercer a docência; sua formação está relacionada
com o tecnicismo. A consequência natural, mas não assertiva, é uma reprodução do
processo por que se passou durante a aprendizagem.
89
Deste modo, é possível perceber que as DCN’s do Curso de Graduação em
Fisioterapia sincretizam mudanças voltadas para a humanização e para a
capacitação do profissional em desenvolver ações de prevenção, promoção,
proteção e reabilitação da saúde de forma individual e coletiva. Este novo olhar
transfere para o professor de fisioterapia, como formador, a responsabilidade de
proporcionar ao sujeito que está em formação um desenvolvimento da autonomia
nos princípios da ética, bioética e biossegurança pelo uso da Educação Estética.
Nestas condições, o que resta é mudar e urgentemente, pois aquela
postura do professor de fisioterapia tradicional, baseada na transmissão do
conhecimento, não condiz com o novo olhar para a educação, em que a postura do
professor deve ser a de mediador, valorizando o aluno como sujeito ativo na
construção do conhecimento.
Apenas assim o aluno poderá ter sua formação adequada à proposta
nas DCN’s do Curso de Graduação em Fisioterapia, que, associada ao PPP
institucional, define a visão do homem e do profissional que se quer formar. Para
isto, é essencial uma não estagnação do professor, mas a renovação de uma
constante busca e revisão das práticas de ensino, como defendem Anastasiou e
Alves (2003). A formação dos alunos em fisioterapia, na contemporaneidade, está
calcada nas relações do professor com a IES, do professor com o professor e do
professor com os alunos.
A prática docente, quando construída e refletida, gera sentidos e significados próprios, pois mobiliza saberes reafirmando ou (re) significando o papel do professor como mediador do processo de construção do conhecimento. (PIVETTA, 2006, p. 7).
Neste contexto, o professor de fisioterapia necessita compor uma narrativa
que demonstre a nitidez garantindo aprendizado no seu fazer pedagógico. Desta
maneira, esse formador deixa de tratar o conhecimento isoladamente, processo no
qual a teoria é dissociada da prática, o que promove a perda da visão do todo.
A respeito das relações estabelecidas sobre a formação e os saberes
docentes, Nóvoa (1995) destaca a importância do desenvolvimento pessoal,
relacionado aos processos de produção de vida do docente, aos aspectos de
profissionalização docente e ao desenvolvimento institucional, baseado nas relações
de investimento e objetivos educacionais.
90
Já Tardif (2005) considera os saberes docentes pluralistas. Nestes, os
professores mantêm inúmeras relações entre os saberes adquiridos nas instituições
formadoras, na união das dimensões dos saberes iniciais e da educação continuada
junto a saberes de que dispõe a sociedade, saberes curriculares definidos pelas
escolas com seus objetivos, conteúdos e métodos e saberes experienciais advindos
da interação da prática diária com a das interações com a sociedade.
Através das reflexões acerca da arte com intuito de entender sua ligação com
o desenvolvimento de autonomia e emancipação dos sujeitos, neste caso os
fisioterapeutas, chegamos ao paradigma de que a formação na graduação deve
ocorrer no campo da curiosidade estética ou curiosidades espontânea dirigidas à
curiosidade epistemológica de Freire, com o propósito de manter ativa a criticidade
dos egressos para uma educação continuada, ou seja, um querer saber mais.
De acordo com Freire (2011), no "pensar para o fazer" e no "pensar sobre o
fazer", com a reflexão, surge a curiosidade ingênua que leva à curiosidade crítica
sobre os saberes e a prática docente. Assim, a reflexão crítica permanente deve
constituir-se como orientação prioritária para a formação continuada dos professores
que buscam a transformação através de suas práticas educativas. Além dessa ideia,
o autor afirma:
A curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao desvelamento de algo, como pergunta verbaliza ou não, como procura de esclarecimento, como sinal de atenção que sugere alerta faz parte integrante do fenômeno vital. Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fizemos. (FREIRE, 2011, p.53).
Deste modo, a reflexão sobre as práticas pedagógicas e os saberes docentes
deve ser permanentemente apoiada em uma análise emancipatória, propiciando aos
professores em formação a visualização das operações de reflexão no seu contexto
social, político, econômico e cultural.
Consoante, Pivetta (2006, p. 32) explana que as práticas pedagógicas estão
atuantes em um jogo representado pelo ensinar/aprender, e o papel do docente não
deve ser o de dominador na condução do "saber e do saber-fazer", mas o de
mediador com autonomia, envolvimento, motivação e humanização, respeitando as
experiências históricas e sócio culturais dos alunos.
91
De uma forma generalista, os docentes tendem a pensar que suas atuações,
baseada em suas técnicas e métodos, ocorrem em espaço neutro, isenta de uma
opção política. Todavia, “é uma ingenuidade pensar num papel abstrato, num
conjunto de métodos e técnicas neutros para uma ação que se dá em realidade que
também não é neutra.” (FREIRE, 2001, p.45).
Neste sentido, concordamos com Freire (2001, p. 46), quando diz que o
profissional da educação é um "trabalhador social", que, através de sua prática,
desvela a realidade, na tentativa de permitir que seu instrumento de trabalho (sua
disciplina) esteja a serviço da percepção crítica do aluno sobre sua realidade, como
consequência deste processo, o povo (oprimido) tende a acompanhar os modelos
culturais exatamente dos que o oprimem. Com isso, a prática docente deve
promover a construção de um cidadão consciente e crítico acerca de suas funções e
possibilidades sociais, não ficar atrelada à transmissão pura e simples de conteúdo.
No caso do fisioterapeuta, que ingressa na carreira docente, além do “saber e
do saber fazer” característicos da Fisioterapia, necessita também preocupar-se com
o PPP do curso, com as DCN’s estabelecidas pelo MEC e com as políticas de saúde
regionais e nacionais, acarretando uma perseverante (re) elaboração de seus
saberes e práticas. (PIVETTA, 2006).
Diante do que foi discutido neste item acerca do alcance da formação do
docente e do fisioterapeuta na contemporaneidade, acreditamos que exista a
tendência de que o fisioterapeuta adote uma postura herdada ou reproduzida no
senso comum como acadêmico, pois todos os sujeitos possuem uma história de vida
marcada por experiências que influenciam o desenvolvimento do seu processo
educativo e sua atuação profissional.
Sendo assim, o caminho da Estética, com intervenção nas relações estreitas
entre universidade e ensino, docentes e alunos, alunos e clientes no âmbito das
situações práticas, propicia aos egressos o desenvolvimento da autonomia, pois
estarão sintonizados com as demandas sociais, conhecendo, desde o início da sua
formação, a realidade com a qual vão trabalhar e na qual vão atuar. Para Freire
(2011), nunca se pode duvidar de que, considerando sua prática educativo-crítica,
experiência essencialmente humana, a educação é um modo de intervir no mundo.
Com isso, o objetivo aqui não é o de padronizar um método para exercer a
docência no ensino superior em fisioterapia, e o trabalho do profissional
fisioterapeuta. Queremos demonstrar que existem diferentes formas de se atuar no
92
processo ensino/aprendizagem com vistas a ultrapassar a barreira da visão
tecnicista da profissão historicamente incorporada, buscando uma nova composição
estrutural para a fisioterapia, de forma participativa e em sintonia com as
necessidades atuais da ética, da bioética e da biossegurança na preservação da
dignidade humana.
3.3 A estética da dignidade humana: sobre autonomia, emancipação e
vulnerabilidade dos sujeitos
Um motivo, entre outros, pelo qual o pesquisador deste estudo iniciou o
Mestrado em Educação na Universidade Cidade de São Paulo (UNICID) foi o de se
encontrar fisioterapeuta e por caminhos trilhados chegar à docência sem a
percepção nítida da importância do seu papel dentro da Educação. Além disso,
tentava compreender melhor o processo de ensino–aprendizagem, para alcançar a
formação do docente e do profissional no Curso Superior de Graduação em
Fisioterapia. Neste sentido, realizou essa pesquisa para se encontrar através da
Educação Estética, da ética e da biossegurança como um docente mais humanizado
e autônomo.
A dignidade humana articula os valores estéticos, éticos, bioéticos e de
biossegurança e confere o sentido da formação do profissional e docente na área da
saúde. A dignidade humana nasce com o conceito de pessoa humana, sempre
ligada ao homem e sua posição no mundo — logo, é uma qualidade de ser humano.
Com efeito, a dignidade humana é o fundamento da própria civilização, pois
estabelece uma relação de igualdade entre os seres humanos, possibilitando a
convivência em comunidade, voltada para o respeito das diferenças.
Nos estudos sobre a Bioética é possível verificar a concepção de dignidade
humana a partir de Siqueira, Porto e Fortes (2007), Nascimento (2009), Lovera e
Nogaro (2003), Sarlet (2002) e Mieth (2004) que os sentidos e significados são
movidos por problemas existenciais, que direcionam a intervenção na realidade.
Sarlet (2002) afirma:
a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais
93
que assegurem a pessoa tanto contra tudo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (SARLET, 2002, p.62).
Sarlet (2009) lembrando que nenhum ser humano vive isoladamente e
sempre está inserido num contexto social e histórico, apresenta o conceito de
dignidade no contexto da antiguidade clássica:
No pensamento filosófico e político da antiguidade clássica, verifica-se que a dignidade (dignitas) da pessoa humana dizia, em regra, com a posição social ocupada pelo individuo e o seu grau de reconhecimento pelos demais membros da comunidade, daí poder falar-se em uma quantificação e modulação da dignidade, no sentido de se admitir a existência de pessoas mais dignas ou menos dignas. Por outro lado, já no pensamento estóico, a dignidade era tida como a qualidade que, por ser inerente ao ser humano, o distinguia das demais criaturas, no sentido de que todos os seres humanos são dotados da mesma dignidade, noção esta que se encontra, por sua vez, intimamente ligada à noção da liberdade pessoa de cada individuo (o Homem como ser livre e responsável por seus atos e seu destino), bem como a ideia de que todos os seres humanos, no que diz com a natureza, são iguais em dignidade. (SARLET, 2009, p.32).
Nunes (2002) salienta que,
E aí, nesse contexto, sua dignidade ganha – ou, como veremos, tem o direito de ganhar – um acréscimo de dignidade. Ele nasce com integridade física e psíquica, mas chega um momento se seu desenvolvimento que seu pensamento tem de ser respeitado, suas ações e seu comportamento – isto é, sua liberdade -, sua imagem, sua intimidade, sua consciência –religiosa, cientifica, espiritual – etc., tudo compõe sua dignidade. (NUNES, 2002, p. 49).
Em Comparato (2005) a dignidade humana tem como sustentação o ideal de
igualdade:
Todos os seres humanos, apesar das inúmeras diferenças biológicas e culturais que o distinguem entre si, merecem igual respeito, como únicos entes no mundo capazes de amar, descobrir a verdade e criar a beleza. Reconhecer essa radical igualdade é que coloca o ser humano numa posição de nunca poder afirmar-se superior aos demais. (COMPARATO, 2005, p.01).
Comparato (2006) argumenta que historicamente, a excelência do homem no
mundo foi justificada a partir de três perspectivas complementares e não
excludentes: a religiosa, a filosófica e a científica.
Comparato (2004) constata:
94
A justificativa religiosa da preeminência do ser humano no mundo surgiu com a afirmação da fé monoteísta. A grande contribuição do povo da Bíblia à humanidade, uma das maiores, aliás, de toda a História, foi a ideia da criação do mundo por um Deus único e transcendente. Os deuses antigos, de certa forma, faziam parte do mundo, como super-homens, com as mesmas paixões e defeitos do ser humano. Iahweh, muito ao contrário, como criador de tudo o que existe, é anterior e superior ao mundo. (COMPARATO, 2004, p. 01-02).
Na filosofia, especialmente, na antropologia filosófica, temos o principal
questionamento: "quem é o homem?" O fato de ter a capacidade de fazer a pergunta
já diz das suas características de ser, capaz de fazer de si mesmo objeto de
questionamento. Assim, a racionalidade é a principal característica que distingue o
homem de outros animais. Comparato (2006) enfatiza ainda que a dignidade
humana está ligada à sua condição de animal racional, em suas diferentes
dimensões — técnica, artística, ética, estética, política, moral e ideológica —, como
valores de sustentação da consciência, individual e coletiva, de sua singularidade
no mundo.
Mieth (2004, p. 25) conclui:
A dignidade humana é considerada um princípio ético fundamental. Quando se diz que a dignidade do homem é inviolável, pressupõe-se que não seja possível, criticamente, ir-se além do critério constituído por tal dignidade. Este princípio da dignidade humana é reclamado na ética em muitos lugares e por muitas partes, sem que ao mesmo se esclareça quão grande seja o seu alcance ou a sua competência fundamental possa ser razoavelmente revogada em muitos casos particulares. (MIETH, 2004, p. 25).
No campo científico, Comparato (2006) indica que a dignidade humana surge
através da descoberta e explicação acerca do fenômeno da evolução das espécies,
na obra de Charles Darwin.
Por fim na perspectiva cientifica o que se pôs em realce é que a espécie humana representa, sem contestação, o ápice do processo evolutivo. Como hoje se reconhece unanimemente, o aparecimento dos hominídeos primitivos, na cadeia evolutiva dos primatas, e sua posterior transformação na espécie homo sapiens, é um processo único e insuscetível de reprodução. A partir do surgimento do homem o sentido da evolução, como já foi lembrado nestas paginas, passa a sofrer a influência decisiva da espécie humana. A criatura transforma-se em criador. (COMPARATO, 2006, p. 483).
Pode-se afirmar que a dignidade de cada um limita-se pelo princípio da
igualdade e atributo da pessoa humana individualmente considerada.
95
Sarlet (2009) destaca:
Construindo sua concepção a partir da natureza racional dos seres humanos, Kant sinala que a autonomia da vontade, entendida como a faculdade de determinar a si mesmo e agir em conformidade com a representação de certas leis, é um atributo apenas encontrado nos seres racionais, constituindo-se no fundamento da dignidade da natureza humana. Com base nesta premissa, Kant sustenta que “o Homem, é, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como um fim em si mesmo, não simplesmente como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade”. (SARLET, 2009, p.35-36).
Assim, a dignidade humana, considerada como valor, privilegia o indivíduo em
sua relação contraditória com a sociedade. Sobre esta questão, Sarlet (2009, p. 20-
21) explica:
retomando a ideia nuclear que já se fazia presente até mesmo no pensamento clássico – que a dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana, é irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado, de tal sorte que não se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que seja concedida a dignidade. Esta, portanto, compreendida como qualidade integrante e, em principio, irrenunciável da própria condição humana, pode (e deve) ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo, contudo (no sentido ora empregado) ser criada, concedida ou retirada (embora possa ser violada), já que existe – ou é reconhecida como tal – em cada ser humano como algo que lhe é inerente. (SARLET, 2009, p. 20-21).
Como princípio fundante constitucional, a dignidade humana, segundo Mieth
(2004, p. 26), é elemento
estruturalmente constitutivo para a Constituição, isto é, ele constitui a Constituição, e não a constituição histórica como tal constitui a dignidade humana. Não foi o fato, portanto, que nós, numa determinada situação histórica, em virtude de uma determinada experiência dos homens, tenhamos projetado a constituição, a tenhamos aprovado, com ela tenhamos vivido e tenhamos feito da dignidade humana o critério constitutivo, antes, foi a própria dignidade humana que, como priori sintético, se tornou constitutivas pelo fato que foi possível fazer a experiência histórica em conexão com a redação de uma constituição. (MIETH, 2004, p. 26).
Segundo Mieth (2004) o critério da dignidade humana precede como critério
de verdade qualquer critério de maioria. O autor explica que:
96
No campo jurídico, é preciso distinguir entre a importância constitutiva estrutural da dignidade humana, de um lado, e a sua aplicação categorial, e outro. A dignidade humana é, de fato, como princípio não só um pressuposto da constituição, antes é também imanente à constituição e, pois imanente ao direito. No direito positivo concreto é, portanto, possível se referir ao critério da dignidade humana interpretando-o. Esta é uma importância categorial da dignidade humana. (MIETH, 2004, p.26).
Deste modo, a responsabilidade na perspectiva dos estudos da bioética
responde à conceituação de dignidade humana, o eixo norteador das questões
éticas e da bioética, ao propor uma reflexão sobre a vida. Remete à prática do
profissional como a responsabilidade da manutenção da dignidade humana.
Jonas (2006) contribuiu com sua definição de responsabilidade
as antigas prescrições da ética “do próximo” – as prescrições da justiça, misericórdia, da honradez, etc. – ainda são válidas, em sua imediaticidade íntima, para a esfera mais próxima, quotidiana, da interação humana. Mas essa esfera torna-se ensombrecida pelo crescente domínio do fazer coletivo, no qual ator, ação e efeito não são mais os mesmos na esfera próxima. Isso impõe à ética, pela enormidade de suas forças, uma nova dimensão, nunca antes sonhada, de responsabilidade. (JONAS, 2006, p.39).
Neste sentido, Nascimento (2009) expõe que a ética da responsabilidade a
partir de Jonas desdobra-se em plano individual, público e planetário.
A responsabilidade individual refere-se ao papel e aos compromissos que cada sujeito tem que assumir frente a si mesmo e aos seus semelhantes, com ações privadas ou públicas. A responsabilidade pública aponta papéis e deveres do Estado frente a questões universais como a cidadania, Direitos Humanos, e a Constituição de cada país, de compromisso com a vida das pessoas. A responsabilidade planetária refere-se ao compromisso de cada um de nós, cidadãos do mundo e das nações, diante do desafio de preservar o planeta para futuras gerações. (NASCIMENTO, 2009, p. 46).
Nascimento (2009) destaca que a teoria da responsabilidade comporta a
fragilidade das ações humanas, levando em conta a fragilidade humana. Ressalta a
autora, que na perspectiva de Jonas (2006) a ética da responsabilidade trata da
consciência com as consequências das ações humanas.
Um novo continente da práxis coletiva que adentramos com alta ainda constitui, para a teoria ética, uma terra de ninguém. É nesse vácuo, que simultaneamente também é vácuo do relativismo de valores atual que a presente pesquisa assume posição. O que pode servir como bússola? A previsão do perigo. Antes de tudo nos seus relâmpagos surdos e distantes, vindos do futuro, na manifestação de sua abrangência planetária e na profundidade de seu comprometimento humano podem revelar-se os
97
princípios éticos dos quais permitem deduzir as novas obrigações do novo poder. Eu denomino isso de heurística do medo: somente então, com a desfiguração do homem, chegamos ao conceito de homem que deve ser preservado. Só sabemos o que está em jogo quando sabemos que está em jogo. Como se trata não apenas do destino do homem, mas também da imagem do homem, não apenas da sobrevivência física, mas também da integridade da sua essência, a ética que deve preservar ambas precisa ir além da sagacidade e tornar-se ética de respeito. (JONAS, 2006, p.21).
Nesse sentido, baseando-se em Jonas, Nascimento (2009) enfatiza que a
consciência significa considerar o direito de escolha sem colocar em risco as
gerações futuras, por conta de equívocos das ações da atualidade. Neste estudo
envolve um comprometimento com a formação de docentes e profissionais no
campo da saúde.
Com Jonas (2006) vislumbramos a ética de responsabilidade como horizonte
na valorização da vida, destacando fortemente a consciência sobre o compromisso
do sujeito, em refletir sobre o modo de agir de modo que as consequências de suas
ações garantam a permanência da vida humana. Esta concepção abarca novas
extensões para as ações, considerando tempo e espaço, deixando de lado o
imediatismo tão presente na contemporaneidade e preocupando-se indefinidamente
com a conservação da humanidade na terra.
Segundo Zancanaro (2002):
A ética da responsabilidade compreende necessária reflexão filosófica suscita pelo niilismo moderno alienante e divorciado das consequências do poder. A indiferença com relação à vida, o excesso de poder tecnológico vem modelando um estilo de vida que necessita ser confrontado por imperativos éticos que tornem possível o despertar da consciência para refletir, não por um idealismo, mas, sim, por uma questão de sobrevivência. (ZANCANARO, 2002, p. 449).
É por meio de abertura de espaços de reflexões que se traduz a ética de
responsabilidade das ações públicas de solidariedade e respeito dentro dos espaços
públicos, espaços na saúde, espaços nos cursos de formação docente e
profissional, como condição de maior responsabilidade sobre as intervenções
profissionais, a serviço da vida, refletindo sobre as formas de aplicar a bioética.
Também é mister assinalar a ética de responsabilidade da prática docente
perante os problemas do cotidiano, no campo da saúde, para que se tenha uma
compreensão das ações bioéticas sustentadas pelos princípios de solidariedade,
responsabilidade, respeito pela dignidade da vida humana. Com isso, comprova-se
98
que o profissional necessita da compreensão da dimensão humana, não apenas do
conhecimento técnico, do campo da saúde, mas de um conhecimento de ética e
bioética que se concretiza na boniteza da manutenção da dignidade do ser humano.
De tal modo, é possível compreender que a maior dificuldade para a prática
do profissional da área da saúde não parece ser a competência técnica e
conhecimento das normas e leis, embora, seja essa uma séria exigência que requer
estudo e preparo consistente. Nascimento (2009) aponta que o desafio maior é
aprender no cotidiano as necessidades de dignidade humana de crianças e jovens.
A capacidade do profissional na área da saúde em desenrijecer atitudes
cristalizadas e vislumbrar a possibilidade de proporcionar a dignidade em espaços
de acolhimento, confiança, solidariedade como elementos de um espaço de
relacionamento humano entre as pessoas, cabendo também aqui uma visão das
situações apresentadas. Contudo, Nascimento (2009) alerta que a pressa, a pressão
por resultados concretos e palpáveis, põe a perder a essência da relação humana —
e ainda aponta que:
a atividade de Sócrates era conversar, e conversar sobre conhecimento do homem sobre si mesmo e sobre virtudes, tais como sabedoria e justiça. Quando motivava uma conversa não motivava doutrinas preestabelecidas, apenas perguntava. Era assim, que o diálogo se tornava iniciador de progressos de descobertas. No diálogo o conhecimento não é atingido por um único individuo, mas por diferentes consciências que, chegam a acordos entre si, chegam a novos conhecimentos, é isso é construção. O diálogo se mostra como princípio filosófico ajuda para compreender a filosofia não como algo abstrato, mas como algo que faz parte da vida apontando a dimensão concreta ao lidar com questões essenciais da existência humana. (NASCIMENTO, 2009, p.81).
Na perspectiva de Lovera e Nogaro (2003), conversar significa
desenvolvimento humano, como capacidade de adentrar no universo de outras
pessoas e de conhecer o ponto de vista do outro, para compreendê-lo. Os autores
destacam ainda que o diálogo traz aos sujeitos uma relação de experiências
pessoais, a partir do momento que se preza os objetivos e crenças do outro.
Entretanto, os autores sinalizam que isso demanda tempo, humildade e grande
disposição para aprender com o outro sobre si mesmo.
A vulnerabilidade sempre estará inserida no respeito à autonomia das
pessoas, que na impossibilidade de exercê-la, física, psicológica ou moral, a decisão
é confiada à solicitude dos outros. Conforme Nascimento (2009), aqui está presente
99
a concretude da manutenção da dignidade como valor fundante e eminentemente
humana, exigindo sensibilidade e responsabilidade dos responsáveis.
Compreender o conceito de vulnerabilidade como seres humanos, de acordo
com Anjos (2006) significa compreender a relação poder e fraqueza. Assim, as
questões da autonomia, emancipação e vulnerabilidade humana envolvem do ponto
de vista ontológico, quando ocorre a perda da autonomia dos sujeitos, requer por
parte das pessoas e dos profissionais princípios estéticos e éticos de humanização.
Esse processo de alteridade tem em seu sentido o respeito à pessoa humana
e sua dignidade, pois, para que isto aconteça, é preciso o conhecer a si próprio,
para, em seguida, desvelar seu papel com o mundo e, consequentemente, com o
outro numa reciprocidade de relações.
Neste contexto, a Educação Estética significa desenvolver a sensibilidade
necessária para o processo de compreensão do outro e de si mesmo, como um ser
humano que, ao mesmo tempo, cria ao sujeito espaço de possibilidade de
desenvolvimento de autonomia e de emancipação, objetivos que são indicadores do
respeito à dignidade humana.
A Educação Estética é um caminho de desenvolvimento do docente na
relação ensino/aprendizagem com seus alunos para a autonomia e emancipação,
desde que, no papel de mediador deste ensino, esse docente desenvolva a
criticidade, com o intuito de preparar os alunos para atingir o perfil do profissional
fisioterapeuta nas referidas diretrizes analisadas que destacam "visão ampla e
global, respeitando os princípios éticos/bioéticos, e culturais do indivíduo e da
coletividade" (BRASIL, 2001, p. 4).
Depreendemos aqui a dimensão estética no dito sobre a finalidade da
formação do profissional em Fisioterapia. Neste sentido, é essencial compreender
que a dimensão estética, através dos pressupostos da hermenêutica, tem em suas
entranhas o sentido de formar o homem através do jogo lúdico, o sensível e a razão
como dimensões humanas dependentes e independentes ao mesmo tempo. Em
outras palavras, ao tratar um cliente não se pode fazê-lo no campo exclusivo da
racionalidade com base na anamnese, como, simplesmente, com a extração de
suas queixas clínicas para, a partir disto, elaborar tratamentos mediante roteiros e
protocolos preestabelecidos para o seu diagnóstico, nem, considerando o avanço
tecnológico, utilizar de forma excessiva aparelhos, que demonstram uma
100
impessoalidade, ou melhor, um automatismo que despreza a existência inseparável
do sensível e da razão.
Convém destacar que se respeita a utilização desses métodos. São eficientes
no tratamento do problema. Entretanto, não são suficientes para evitar o risco de
nos desvincularmos dos princípios da dignidade humana, desprezando a alteridade
e, consequentemente, não respeitando e não atingindo o perfil proposto nas DCN’s
do Curso de Graduação em Fisioterapia, se for velado o educar, o formar e o
aprender para a dignidade.
Percebemos que o processo de humanização da saúde surge na tentativa de
sensibilizar o profissional da saúde em relação ao distanciamento provocado pelo
avanço tecnológico sobre a relação fisioterapeuta/cliente, em que o último acabava
por ser um objeto de investigação clínica. Esse processo de humanização é um
trabalho complexo, pois estão envolvidas transformações que geram inseguranças
principalmente num ser e fazer no trabalho e no atendimento à saúde que se inspira
numa disposição de abertura e de respeito ao outro como um ser singular.
Saber mais e melhor sobre a vida do cliente, preocupar-se além da lesão,
criar um contato gradualmente próximo na ajuda na transformação do “corpo objeto”
par o “corpo sujeito” na teoria de Bois, citada no texto, nos leva a refletir que isto
também é uma forma de arte que promove tanto ao terapeuta como ao cliente um
desenvolver de sua autonomia e emancipação pelos caminhos da estética da
humanização pela preservação da dignidade humana.
Schiller, como exposto, mostra com suas reflexões que o jogo lúdico, ou
melhor, o trânsito do racional e do sensível como faculdades do homem, leva-nos ao
entendimento de que, em qualquer tipo de patologia ou promoção da saúde que se
aplica à Fisioterapia em seu tratamento, não basta utilizar uma técnica aprendida na
graduação e se conformar diante do quadro clínico do cliente. Neste cenário, é
imprescindível perceber no jogo lúdico o lugar da preservação da dignidade humana,
para que assim o fisioterapeuta se perceba como sujeito na relação com a doença e
o doente. Esta relação implica uma dimensão estética que emerge
espontaneamente das sensações de contentamento ou descontentamento.
Considerá-las leva à conscientização do seu papel e da sua profissão, e o seu olhar
ampliado no atendimento em todas as relações envolvidas durante o processo para
que ocorra uma transformação, como pessoal e profissional.
101
A própria vida supõe essa visão do existir do sujeito. Isso implica, profundamente, o processo de formação do profissional que liga ética e cuidado, enquanto coloca em evidência um ser humano que pensa ser possível sua participação e intervenção no mundo para melhorá-lo. Há, nesse ser humano, uma vocação ontológica de fazer rupturas e movimentar a história, por ter consciência de que é a ação transformadora de hoje que constrói o amanhã. (BERKENBROCK ROSITO, LOTERIO, 2012, p. 132).
Silva (2007, p. 185) esclarece:
Educar para a dignidade é, desse modo, educar para que a pessoa assuma uma identidade que comporte a noção de seu valor intrínseco e inalienável, ou seja, que ela perceba que vale por si própria e que não pode ser utilizada como valor ou troca em nenhuma situação. (SILVA, 2007, p. 185).
O autor diz ainda:
Freire, como documentam seus escritos e suas falas em muitas ocasiões, afirma que o homem é um ser com dignidade intrínseca, nasce incompleto e precisa de outros para desenvolver sua plena capacidade vital e humana. O ponto de chegada por ele proposto é, então, o desenvolvimento pleno de sua humanidade, que se manifesta na dupla capacidade de ser livre e ser responsável. O caminho, por sua vez, refere-se ao constante aprender e relacionar-se com a realidade, lendo seus significados, captando seu sentido. Trata-se de um processo permanente de compreensão do eu, dos outros, do mundo físico, cultural e político etc. Esse aprender ocorre pelo diálogo, que, alimentado pela hipótese da comunhão possível entre os homens, visa viver a comunhão já existente, mais ainda não totalmente percebida ou realizada. (SILVA, 2007, p. 190).
Podemos afirmar que o caminho para a autonomia e emancipação dos
docentes, alunos e profissionais do Curso de Fisioterapia passa por uma estética da
dignidade humana, trilhando pelo caminho do campo sujeito sensível e racional, no
tratamento de um cliente, na relação fisioterapeuta-cliente, como uma possibilidade
de se reinventar e de se perceber diante de sua patologia e buscar novos caminhos
com fins libertadores.
102
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao finalizar este estudo, que objetivou a compreensão da Educação Estética
na prática docente e nos processos formativos do profissional em saúde, no caso o
fisioterapeuta, propiciando autonomia e emancipação para exercer não só a
docência, mais também os outros campos da sua área de atuação, algumas
considerações merecem destaque, considerando os referenciais teóricos já citados e
desenvolvidos nesta dissertação.
A elucidação do tema e a metodologia da dissertação estão no primeiro
capítulo e contaram com o embasamento teórico acerca da história de vida do autor
da pesquisa. Procuramos constituir um melhor entendimento na edificação da
identidade do docente e profissional do pesquisador, para cunhar a pesquisa sobre o
enfoque hermenêutico e na finalização do capítulo, que lançou um primeiro olhar
sobre a história da fisioterapia.
A narrativa autobiográfica do autor da pesquisa foi fundamental para traçar as
justificativas para as escolhas dos temas e dos eixos teóricos da dissertação. A
eleição da hermenêutica como metodologia contribuiu para desvendar — através do
exercício da interpretação do que ainda não foi dito, num processo de desconstrução
e reconstrução do texto, no caso as Diretrizes Curriculares do Curso de Graduação
em Fisioterapia — a compreensão da Educação Estética neste texto.
As conceituações e fundamentações teóricas aparecem no segundo capítulo,
que apresentam a Educação Estética sincronizada com a experiência estética, no
que diz respeito a ética e biossegurança, para melhor compreensão da bioética.
Além disso, lançamos um olhar estético sobre a formação deste profissional da área
da saúde, demonstrando como, através da arte, pode-se trilhar um caminho para a
autonomia dos sujeitos.
O terceiro capítulo é marcado pelos resultados da pesquisa por meio da
análise hermenêutica do Parecer nº 1.210/2001 e da Resolução CNE/CES nº
4/2002, que regulamentam as Diretrizes Curriculares do curso em questão,
demonstrando que a Educação Estética e a arte são caminhos para a autonomia e
emancipação do docente e profissional fisioterapeuta. Por fim, buscamos evidenciar
que todo o estudo está ancorado na ideia da preservação da dignidade humana.
O nó de atracação possibilitou ao autor desta pesquisa efetuar uma parada
circunstancial em que, a partir de seus relatos autobiográficos, visualizou uma
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lacuna a ser preenchida — ou, melhor, a ser construída, pois, ao se deparar em sua
atual situação, a de docente no Curso de Graduação em Fisioterapia, com vários
questionamentos acerca dos processos pedagógicos, entendidos aqui como o
processo de ensinar, o processo de aprender e o processo de formação.
Tudo isso se constituiu no fio condutor desta pesquisa, com vistas à
possibilidade de se transformar e, consequentemente, desenvolver em seus alunos
e futuros profissionais fisioterapeutas a consciência crítica por meio da estética e da
arte, no desenvolver da experiência estética alcançar a Educação Estética, como um
caminho para o desenvolvimento da autonomia e emancipação desses profissionais
da área da saúde.
Partindo deste princípio, o objetivo deste estudo foi a busca do sentido da
Educação Estética nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em
Fisioterapia, na tentativa de ressignificar a representação da dignidade humana na
contemporaneidade, pois, com o advento da massificação da indústria cultural, que
como justificativa da proposta contida, parece estar ameaçada, juntamente com as
relações dentro das Instituições de Ensino Superior, que envolvem as relações de
ensino/aprendizagem, da prática docente, da ética e da biossegurança.
Neste contexto, as relações e demais processos estão se tornando produtos
de consumo, o que, em nossos estudos, pode ser verificado pela maneira com que
se dá a transmissão de conhecimentos, baseada em meras reproduções de técnicas
específicas para o tratamento de doenças, no caso da fisioterapia.
Este quadro, pode ser comparado ao "jogo de bridge", em que, nas bases,
estão o professor, o aluno e a aprendizagem; esta parece estar ocupando o lugar do
"morto", pois não basta aprender, é necessário que, através desse aprendizado,
ocorra uma transformação no aluno para o desenvolvimento de sua autonomia.
Dentro da perspectiva hermenêutica, para se analisar qualquer objeto de
estudo, foi necessário considerar seu percurso histórico, para que haja uma
compreensão livre de preconceitos oriundos de imposições da sociedade moderna.
Nessas condições, constatamos que a fisioterapia surge no Brasil como profissão de
nível técnico em 1951. Em 1983, houve a homologação do Currículo Mínimo, que,
de acordo com o Parecer nº 776/97, não garantia qualidade, inovação e
diversificação na formação acadêmica. Sendo assim, podemos dizer que era tido
como um instrumento de transmissão do conhecimento, em que não havia espaços
104
para mudanças curriculares. Vigorou até a instituição das Diretrizes Curriculares
Nacionais para os Cursos de Graduação em Fisioterapia, a partir do ano de 2002.
O Currículo Mínimo era fechado, e suas bases e princípios estavam na
formação tecnicista e científica considerada mais importante e que devia ser
transmitida aos alunos. Não se falava em qualidade; portanto, não havia
preocupação com o perfil do profissional fisioterapeuta. Entretanto, através da nova
LDB (Lei nº 9.394/96), ficou assegurada às IES maior autonomia institucional para a
criação e a organização dos seus cursos e programas.
Um ponto marcante identificado nas Diretrizes em questão é a apresentação
de propostas que vêm ao encontro de uma formação científica sólida, aliadas a uma
formação profissional com valores fincados em princípios éticos, bioéticos, sociais e
humanos, de sociedade e de política. Constatamos que há preocupação em formar
um profissional fisioterapeuta crítico e reflexivo, com uma visão de mundo atenta às
nas questões sociais.
Diferente da legislação anterior e com base nos estudos efetuados nas
referidas Diretrizes Curriculares, nota-se que são enfatizados conteúdos essenciais
para o curso de graduação em fisioterapia, as relações do processo saúde-doença
do cidadão, da família e da comunidade, baseados em fundamentos sociológicos,
psicológicos, políticos e filosóficos.
Vale destacar aqui que, para efeitos de estudos, elegemos o perfil
egresso/profissional, competências e habilidades, conteúdos curriculares,
organização do curso, acompanhamento e avaliação, estágios e atividades
complementares do referido documento para serem analisados.
No exame das Diretrizes, é possível notar que se pretende que o profissional
fisioterapeuta seja mais reflexível e adaptável a mudanças. A possibilidade de
formação acadêmica mais completa, baseada em competências e habilidades
específicas indispensáveis para exercer suas funções, promove uma mudança na
identidade deste profissional. Uma visão holística, voltada para o ser humano como
um todo, tem no exercício da sua profissão a qualidade, com suportes éticos e
bioéticos visando ao bem-estar da sociedade.
O documento reforça que, para que sejam alcançadas as competências e
habilidades estabelecidas, será necessária a inclusão, sempre que oportuna,
"conteúdos curriculares" constituídos nas diversas disciplinas, reforçando a ideia de
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que os conhecimentos devem favorecer o acompanhamento biotecnológico nas
ações fisioterápicas.
Em observância ao acompanhamento e avaliação, as DCN’s deixam claro
que as avaliações deverão ser baseadas nas competências, habilidades e
conhecimentos adquiridos pelos acadêmicos, sendo que este processo
ensino/aprendizagem deve-se basear nos critérios estabelecidos em seus PPP.
Com as novas DCN’s, as IES ganham maior flexibilidade e autonomia no
direcionamento de seus cursos de graduação. Mas é obrigatória a elaboração de um
PPP para cada curso, bem como as práticas inseridas gradualmente e a entrega de
um trabalho de conclusão de curso.
Com relação aos estágios supervisionados, os acadêmicos deverão ser
inseridos em diversos ambientes, com o intuito de aprimorar e buscar mais
conhecimentos. O supervisor dos estágios deve ser um profissional da própria
instituição. Espera-se com isso aumento do compromisso na relação
ensino/aprendizagem dos alunos estagiários. Além disso, para que os acadêmicos
entrem em contato com informações que, todavia, possam não estar inseridas nos
currículos da sua IES, foram estabelecidas as "atividades complementares", com
garantias de agregar conhecimentos em áreas específicas.
Através do estudo hermenêutico das Diretrizes identificamos duas linhas, a
primeira é com relação à ética e à bioética que representam para a educação,
valores humanos e humanizadores que garantem a preservação da dignidade
humana, os termos aparecem destacados nos: Art. 3°; Art. 4°, item I; Art. 5°, itens I,
III e V e Art. 6° item II, nas DCNs do Curso de Graduação em Fisioterapia.
A segunda está diretamente relacionada com a Estética personificada na
relação entre a transformação do conhecimento adquirido e sua aplicabilidade no
individual e no coletivo que estão presentes escritos de diferentes formas nas
Diretrizes analisadas que inseridas num contexto social, aptos a resolver os
problemas da sociedade, possibilitando sua ressignificação constantemente através
de uma educação continuada.
Desta forma, esperamos que este trabalho contribua para demonstrar como,
por meio da Educação Estética, é possível repensar os papeis desempenhados pelo
fisioterapeuta, no atendimento aos clientes ou na docência. Afinal, considerar a
Educação Estética na formação deste profissional é vislumbrar a possibilidade de
criação de um caminho de autonomia e emancipação, perpassando a estética da
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dignidade humana. Acreditamos que, desta maneira, o profissional torna-se capaz
de refletir acerca de suas ações e faz-se sujeito em sua trajetória, em busca de
novas possibilidades, indo além do que se espera, influenciando positivamente na
vida dos clientes e alunos, contribuindo para renovação social.
A arte e a dimensão da educação estética, como um caminho de
desenvolvimento da autonomia e emancipação dos sujeitos da área da saúde, estão
transparecidas na intermediação na tentativa de diminuir o distanciamento
desnivelado entre pessoas para que haja uma transformação. Constatamos que as
Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia, apesar
das grandes mudanças, ainda parecem ser, nessas considerações parciais,
incapazes de dar conta de uma visão mais integralizada do ser humano. Não
podemos deixar de reconhecer que as iniciativas de transformações são louváveis,
pois demonstram, em suas entrelinhas, a tentativa de humanizar as técnicas.
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ANEXO 1 - PARECER CNE/CES 1.210/2001 - HOMOLOGADO
Despacho do Ministro em 7/12/2001, publicado no Diário Oficial da União de 10/12/2001, Seção 1, p. 22.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INTERESSADO: Conselho Nacional de Educação / Câmara de Educação Superior UF: DF ASSUNTO: Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional. RELATOR (A): Éfrem de Aguiar Maranhão (Relator), Arthur Roquete de Macedo e Yugo Okida. PROCESSO(S) Nº(S): 23001.000258/2001-91 PARECER Nº: CNE/CES 1210/2001 COLEGIADO CES APROVADO EM: 12/9/2001 I – RELATÓRIO
Histórico A Comissão da CES/CNE analisou as propostas de Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação da área de Saúde elaboradas pelas Comissões de Especialistas de Ensino e encaminhadas pela SESu/MEC ao CNE, tendo como referência os seguintes documentos:
Constituição Federal de 1988; Lei Orgânica do Sistema Único de Saúde 8.080 de 19/9/1990; Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 9.394 de 20/12/1996; Lei que aprova o Plano Nacional de Educação 10.172 de 9/1/2001; Parecer CNE/CES 776/97 de 3/12/1997; Edital da SESu/MEC 4/97 de 10/12/1997; Parecer CNE/CES 583/2001 de 4/4/2001;
Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI da Conferência Mundial sobre o Ensino Superior, UNESCO: Paris, 1998;
Relatório Final da 11ª Conferência Nacional de Saúde realizada de 15 a 19/12/2000;
Plano Nacional de Graduação do ForGRAD de maio/1999; Documentos da OPAS, OMS e Rede UNIDA; Instrumentos legais que regulamentam o exercício das profissões da saúde.
Após a análise das propostas, a Comissão, visando o aperfeiçoamento das mesmas, incorporou aspectos fundamentais expressos nos documentos supramencionados e adotou formato, preconizado pelo Parecer CNE/CES 583/2001, para as áreas de conhecimento que integram a saúde:
Perfil do Formando Egresso/Profissional Competências e Habilidades Conteúdos Curriculares Estágios e Atividades Complementares Organização do Curso Acompanhamento e Avaliação
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Essas propostas revisadas foram apresentadas pelos Conselheiros que integram a Comissão da CES aos representantes do Ministério da Saúde, do Conselho Nacional de Saúde, da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação e do Fórum de Pró-Reitores de Graduação das Universidades Brasileiras e aos Presidentes dos Conselhos Profissionais, Presidentes de Associações de Ensino e Presidentes das Comissões de Especialistas de Ensino da SESu/MEC na audiência pública, ocorrida em Brasília, na sede do CNE, em 26 de junho do corrente ano.
Mérito A Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, ao orientar as novas diretrizes curriculares recomenda que devem ser contemplados elementos de fundamentação essencial em cada área do conhecimento, campo do saber ou profissão, visando promover no estudante a competência do desenvolvimento intelectual e profissional autônomo e permanente. Esta competência permite a continuidade do processo de formação acadêmica e/ou profissional, que não termina com a concessão do diploma de graduação. As diretrizes curriculares constituem orientações para a elaboração dos currículos que devem ser necessariamente adotadas por todas as instituições de ensino superior. Dentro da perspectiva de assegurar a flexibilidade, a diversidade e a qualidade da formação oferecida aos estudantes, as diretrizes devem estimular o abandono das concepções antigas e herméticas das grades (prisões) curriculares, de atuarem, muitas vezes, como meros instrumentos de transmissão de conhecimento e informações, e garantir uma sólida formação básica, preparando o futuro graduado para enfrentar os desafios das rápidas transformações da sociedade, do mercado de trabalho e das condições de exercício profissional.
Princípios das Diretrizes Curriculares:
Assegurar às instituições de ensino superior ampla liberdade na composição da carga horária a ser cumprida para a integralização dos currículos, assim como na especificação das unidades de estudos a serem ministradas;
Indicar os tópicos ou campos de estudo e demais experiências de ensino-aprendizagem que comporão os currículos, evitando, ao máximo, a fixação de conteúdos específicos com cargas horárias pré-determinadas, as quais não poderão exceder 50% da carga horária total dos cursos. A Comissão da CES, baseada neste princípio, admite a definição de percentuais da carga horária para os estágios curriculares nas Diretrizes Curriculares da Saúde;
Evitar o prolongamento desnecessário da duração dos cursos de graduação; Incentivar uma sólida formação geral, necessária para que o futuro graduado
possa vir a superar os desafios de renovadas condições de exercício profissional e de produção do conhecimento, permitindo variados tipos de formação e habilitações diferenciadas em um mesmo programa;
Estimular práticas de estudo independente, visando uma progressiva autonomia intelectual e profissional;
Encorajar o reconhecimento de conhecimentos, habilidades e competências adquiridas fora do ambiente escolar, inclusive as que se referiram à experiência profissional julgada relevante para a área de formação considerada;
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Fortalecer a articulação da teoria com a prática, valorizando a pesquisa individual e coletiva, assim como os estágios e a participação em atividades de extensão;
Incluir orientações para a conclusão de avaliações periódicas que utilizem instrumentos variados e sirvam para informar às instituições, aos docentes e aos discentes acerca do desenvolvimento das atividades do processo ensino-aprendizagem.
Além destes pontos, a Comissão reforçou nas Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação em Saúde a articulação entre a Educação Superior e a Saúde, objetivando a formação geral e específica dos egressos/profissionais com ênfase na promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde, indicando as competências comuns gerais para esse perfil de formação contemporânea dentro de referenciais nacionais e internacionais de qualidade. Desta forma, o conceito de saúde e os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) são elementos fundamentais a serem enfatizados nessa articulação. Saúde: conceito, princípios, diretrizes e objetivos:
A saúde é direito de todos e dever do estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (Artigo 196 da Constituição Federal de 1988);
As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes (Artigo 198 da Constituição Federal de 1988):
I – descentralização; II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III – participação da comunidade.
O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas, federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS). (Artigo 4º da Lei 8.080/90). Parágrafo 2º deste Artigo: A iniciativa privada poderá participar do Sistema Único de Saúde (SUS), em caráter complementar.
São objetivos do Sistema Único de Saúde (Artigo 5º da Lei 8.080/90): I – a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde; II – a formulação de política de saúde; III – a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas.
As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios (Artigo 7º da Lei 8.080/90):
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I – universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II – integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; VII – utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática; X – integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico; XII – capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência. Com base no exposto, definiu-se o objeto e o objetivo das Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação da Saúde:
Objeto das Diretrizes Curriculares: permitir que os currículos propostos possam construir perfil acadêmico e profissional com competências, habilidades e conteúdos, dentro de perspectivas e abordagens contemporâneas de formação pertinentes e compatíveis com referencias nacionais e internacionais, capazes de atuar com qualidade, eficiência e resolutividade, no Sistema Único de Saúde (SUS), considerando o processo da Reforma Sanitária Brasileira. Objetivo das Diretrizes Curriculares: levar os alunos dos cursos de graduação em saúde a aprender a aprender que engloba aprender a ser, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a conhecer, garantindo a capacitação de profissionais com autonomia e discernimento para assegurar a integralidade da atenção e a qualidade e humanização do atendimento prestado aos indivíduos, famílias e comunidades.
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM FISIOTERAPIA
1. PERFIL DO FORMANDO EGRESSO/PROFISSIONAL
Fisioterapeuta, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, capacitado a atuar em todos os níveis de atenção à saúde, com base no rigor científico e intelectual. Detém visão ampla e global, respeitando os princípios éticos/bioéticos, e culturais do indivíduo e da coletividade. Capaz de ter como objeto de estudo o movimento humano em todas as suas formas de expressão e potencialidades, quer nas alterações patológicas, cinético-funcionais, quer nas suas repercussões psíquicas e orgânicas, objetivando a preservar, desenvolver, restaurar a integridade de órgãos, sistemas e funções, desde a elaboração do diagnóstico físico e funcional, eleição e execução dos procedimentos fisioterapêuticos pertinentes a cada situação.
2. COMPETÊNCIAS E HABILIDADES Competências Gerais:
Atenção à saúde: os profissionais de saúde, dentro de seu âmbito profissional, devem estar aptos a desenvolver ações de prevenção,
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promoção, proteção e reabilitação da saúde, tanto em nível individual quanto coletivo. Cada profissional deve assegurar que sua prática seja realizada de forma integrada e contínua com as demais instâncias do sistema de saúde, sendo capaz de pensar criticamente, de analisar os problemas da sociedade e de procurar soluções para os mesmos. Os profissionais devem realizar seus serviços dentro dos mais altos padrões de qualidade e dos princípios da ética/bioética, tendo em conta que a responsabilidade da atenção à saúde não se encerra com o ato técnico, mas sim, com a resolução do problema de saúde, tanto em nível individual como coletivo;
Tomada de decisões: o trabalho dos profissionais de saúde deve estar fundamentado na capacidade de tomar decisões visando o uso apropriado, eficácia e custoefetividade, da força de trabalho, de medicamentos, de equipamentos, de procedimentos e de práticas. Para este fim, os mesmos devem possuir competências e habilidades para avaliar, sistematizar e decidir as condutas mais adequadas, baseadas em evidências científicas;
Comunicação: os profissionais de saúde devem ser acessíveis e devem manter a confidencialidade das informações a eles confiadas, na interação com outros profissionais de saúde e o público em geral. A comunicação envolve comunicação verbal, não-verbal e habilidades de escrita e leitura; o domínio de, pelo menos, uma língua estrangeira e de tecnologias de comunicação e informação;
Liderança: no trabalho em equipe multiprofissional, os profissionais de saúde deverão estar aptos a assumir posições de liderança, sempre tendo em vista o bem estar da comunidade. A liderança envolve compromisso, responsabilidade, empatia, habilidade para tomada de decisões, comunicação e gerenciamento de forma efetiva e eficaz;
Administração e gerenciamento: os profissionais devem estar aptos a tomar iniciativa, fazer o gerenciamento e administração tanto da força de trabalho, dos recursos físicos e materiais e de informação, da mesma forma que devem estar aptos a ser empreendedores, gestores, empregadores ou lideranças na equipe de saúde;
Educação permanente: os profissionais devem ser capazes de aprender continuamente, tanto na sua formação, quanto na sua prática. Desta forma, os profissionais de saúde devem aprender a aprender e ter responsabilidade e compromisso com a sua educação e o treinamento/estágios das futuras gerações de profissionais, proporcionando condições para que haja beneficio mútuo entre os futuros profissionais e os profissionais dos serviços, inclusive, estimulando e desenvolvendo a mobilidade acadêmico/profissional, a formação e a cooperação através de redes nacionais e internacionais.
Competências e Habilidades Específicas: O Curso de Graduação em Fisioterapia deve assegurar, também, a formação de profissionais com competências e habilidades específicas para:
respeitar os princípios éticos inerentes ao exercício profissional;
atuar em todos os níveis de atenção à saúde, integrando-se em programas de promoção, manutenção, prevenção, proteção e recuperação da saúde, sensibilizados e comprometidos com o ser humano, respeitando-o e valorizando-o;
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atuar multiprofissionalmente, interdisciplinarmente e transdisciplinarmente com extrema produtividade na promoção da saúde baseado na convicção científica, de cidadania e de ética;
reconhecer a saúde como direito e condições dignas de vida e atuar de forma a garantir a integralidade da assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;
contribuir para a manutenção da saúde, bem estar e qualidade de vida das pessoas, famílias e comunidade, considerando suas circunstâncias éticas, políticas, sociais, econômicas, ambientais e biológicas;
realizar consultas, avaliações e reavaliações do paciente colhendo dados, solicitando, executando e interpretando exames propedêuticos e complementares que permitam elaborar um diagnóstico cinético-funcional, para eleger e quantificar as intervenções e condutas fisioterapêuticas apropriadas, objetivando tratar as disfunções no campo da Fisioterapia, em toda sua extensão e complexidade, estabelecendo prognóstico, reavaliando condutas e decidindo pela alta fisioterapêutica;
elaborar criticamente o diagnóstico cinético funcional e a intervenção fisioterapêutica, considerando o amplo espectro de questões clínicas, científicas, filosóficas éticas, políticas, sociais e culturais implicadas na atuação profissional do fisioterapeuta, sendo capaz de intervir nas diversas áreas onde sua atuação profissional seja necessária;
exercer sua profissão de forma articulada ao contexto social, entendendo-a como uma forma de participação e contribuição social;
desempenhar atividades de planejamento, organização e gestão de serviços de saúde públicos ou privados, além de assessorar, prestar consultorias e auditorias no âmbito de sua competência profissional;
emitir laudos, pareceres, atestados e relatórios;
prestar esclarecimentos, dirimir dúvidas e orientar o indivíduo e os seus familiares sobre o processo terapêutico;
manter a confidencialidade das informações, na interação com outros profissionais de saúde e o público em geral;
encaminhar o paciente, quando necessário, a outros profissionais relacionando e estabelecendo um nível de cooperação com os demais membros da equipe de saúde;
manter controle sobre à eficácia dos recursos tecnológicos pertinentes à atuação fisioterapêutica garantindo sua qualidade e segurança;
conhecer métodos e técnicas de investigação e elaboração de trabalhos acadêmicos e científicos;
conhecer os fundamentos históricos, filosóficos e metodológicos da Fisioterapia e seus diferentes modelos de intervenção.
A formação do fisioterapeuta deverá atender ao sistema de saúde vigente no país, a atenção integral da saúde no sistema regionalizado e hierarquizado de referência e contra-referência e o trabalho em equipe.
3. CONTEÚDOS CURRICULARES
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Os conteúdos essenciais para o Curso de Graduação em Fisioterapia devem estar relacionados com todo o processo saúde-doença do cidadão, da família e da comunidade, integrado à realidade epidemiológica e profissional, proporcionando a integralidade das ações do cuidar em fisioterapia. Os conteúdos devem contemplar:
Ciências Biológicas e da Saúde – incluem-se os conteúdos (teóricos e práticos) de base moleculares e celulares dos processos normais e alterados, da estrutura e função dos tecidos, órgãos, sistemas e aparelhos.
Ciências Sociais e Humanas – abrange o estudo do homem e de suas relações sociais, do processo saúde-doença nas suas múltiplas determinações, contemplando a integração dos aspectos psico-sociais, culturais, filosóficos, antropológicos e epidemiológicos norteados pelos princípios éticos. Também deverão contemplar conhecimentos relativos as políticas de saúde, educação, trabalho e administração.
Conhecimentos Biotecnológicos - abrange conhecimentos que favorecem o acompanhamento dos avanços biotecnológicos utilizados nas ações fisioterapêuticas que permitam incorporar as inovações tecnológicas inerentes a pesquisa e a prática clínica fisioterapêutica.
Conhecimentos Fisioterapêuticos - compreende a aquisição de amplos conhecimentos na área de formação específica da Fisioterapia: a fundamentação, a história, a ética e os aspectos filosóficos e metodológicos da Fisioterapia e seus diferentes níveis de intervenção. Conhecimentos da função e disfunção do movimento humano, estudo da cinesiologia, da cinesiopatologia e da cinesioterapia, inseridas numa abordagem sistêmica. Os conhecimentos dos recursos semiológicos, diagnósticos, preventivos e terapêuticas que instrumentalizam a ação fisioterapêutica nas diferentes áreas de atuação e nos diferentes níveis de atenção. Conhecimentos da intervenção fisioterapêutica nos diferentes órgãos e sistemas biológicos em todas as etapas do desenvolvimento humano.
4. ESTÁGIOS E ATIVIDADES COMPLEMENTARES
Estágio Curricular: A formação do fisioterapeuta deve garantir o desenvolvimento de estágios curriculares, sob supervisão docente. A carga horária mínima do estágio curricular supervisionado deverá atingir 20% da carga horária total do Curso de Graduação em Fisioterapia proposto, com base no Parecer/Resolução específico da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação. Esta carga horária deverá assegurar a prática de intervenções preventiva e curativa nos diferentes níveis de atuação: ambulatorial, hospitalar, comunitário/unidades básicas de saúde etc.
Atividades Complementares: As atividades complementares deverão ser incrementadas durante todo o Curso de Graduação em Fisioterapia e as Instituições de Ensino Superior deverão criar mecanismos de aproveitamento de conhecimentos, adquiridos pelo estudante, através de estudos e práticas independentes presenciais e/ou a distância. Podem ser reconhecidos:
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Monitorias e Estágios,
Programas de Iniciação Científica;
Programas de Extensão;
Estudos Complementares;
Cursos realizados em outras áreas afins.
5. ORGANIZAÇÃO DO CURSO O Curso de Graduação em Fisioterapia deverá ter um projeto pedagógico, construído coletivamente, centrado no aluno como sujeito da aprendizagem e apoiado no professor como facilitador e mediador do processo ensino-aprendizagem. Este projeto pedagógico deverá buscar a formação integral e adequada do estudante através de uma articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão/assistência. As Diretrizes Curriculares e Projeto Pedagógico deverão orientar o currículo do Curso de Graduação em Fisioterapia para um perfil acadêmico e profissional do egresso. Este currículo deverá contribuir, também, para a compreensão, interpretação, preservação, reforço, fomento e difusão das culturas nacionais e regionais, internacionais e históricas, em um contexto de pluralismo e diversidade cultural. A organização do Curso de Graduação em Fisioterapia deverá ser definida pelo respectivo colegiado do curso, que indicará o regime: seriado anual, seriado semestral, sistema de créditos ou modular. Para conclusão do Curso de Graduação em Fisioterapia, o aluno deverá elaborar um trabalho sob orientação docente. A estrutura do Curso de Graduação em Fisioterapia deverá assegurar que:
as atividades práticas específicas da Fisioterapia deverão ser desenvolvidas gradualmente desde o início do Curso de Graduação em Fisioterapia, devendo possuir complexidade crescente, desde a observação até a prática assistida (atividades clínico-terapêuticas).
estas atividades práticas, que antecedem ao estágio curricular, deverão ser realizadas na IES ou em instituições conveniadas e sob a responsabilidade de docente fisioterapeuta.
as Instituições de Ensino Superior possam flexibilizar e otimizar as suas propostas curriculares para enriquecê-las e complementá-las, a fim de permitir ao profissional a manipulação da tecnologia, o acesso a novas informações, considerando os valores, os direitos e a realidade sócio-econômica. Os conteúdos curriculares poderão ser diversificados, mas deverá ser assegurado o conhecimento equilibrado de diferentes áreas, níveis de atuação e recursos terapêuticas para assegurar a formação generalista.
6. ACOMPANHAMENTO E AVALIAÇÃO
A implantação e desenvolvimento das diretrizes curriculares devem orientar e propiciar concepções curriculares ao Curso de Graduação em Fisioterapia que deverão ser acompanhadas e permanentemente avaliadas, a fim de permitir os ajustes que se fizerem necessários ao seu aperfeiçoamento.
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As avaliações dos alunos deverão basear-se nas competências, habilidades e conteúdos curriculares desenvolvidos tendo como referência as Diretrizes Curriculares. O Curso de Graduação em Fisioterapia deverá utilizar metodologias e critérios para acompanhamento e avaliação do processo ensino-aprendizagem e do próprio curso, em consonância com o sistema de avaliação e a dinâmica curricular definidos pela IES à qual pertence.
ARTHUR ROQUETE DE MACEDO Presidente da Câmara de Educação Superior
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ANEXO 2 - CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO CÂMARA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR
RESOLUÇÃO CNE/CES 4, DE 19 DE FEVEREIRO DE 2002.
Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia.
O Presidente da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacio nal de Educação, tendo em vista o disposto no Art. 9º, do § 2º, alínea “c”, da Lei nº 9.131, de 25 de novembro de 1995, e com fundamento no Parecer CES 1.210/2001, de 12 de setembro de 2001, peça indispensável do conjunto das presentes Diretrizes Curriculares Nacionais, homologado pelo Senhor Ministro da Educação, em 7 de dezembro de 2001, resolve: Art. 1º A presente Resolução institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fisioterapia, a serem observadas na organização curricular das Instituições do Sistema de Educação Superior do País. Art. 2º As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino de Graduação em Fisioterapia definem os princípios, fundamentos, condições e procedimentos da formação de fisioterapeutas, estabelecidas pela Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, para aplicação em âmbito nacional na organização, desenvolvimento e avaliação dos projetos pedagógicos dos Cursos de Graduação em Fisioterapia das Instituições do Sistema de Ensino Superior. Art. 3º O Curso de Graduação em Fisioterapia tem como perfil do formando egresso/profissional o Fisioterapeuta, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, capacitado a atuar em todos os níveis de atenção à saúde, com base no rigor científico e intelectual. Detém visão ampla e global, respeitando os princípios éticos/bioéticos, e culturais do indivíduo e da coletividade. Capaz de ter como objeto de estudo o movimento humano em todas as suas formas de expressão e potenc ialidades, quer nas alterações patológicas, cinético-funcionais, quer nas suas repercussões psíquicas e orgânicas, objetivando a preservar, desenvolver, restaurar a integridade de órgãos, sistemas e funções, desde a elaboração do diagnóstico físico e funcional, eleição e execução dos procedimentos fisioterapêuticos pertinentes a cada situação. Art. 4º A formação do Fisioterapeuta tem por objetivo dotar o profissional dos conhecimentos requeridos para o exercício das seguintes competências e habilidades gerais: I - Atenção à saúde: os profissionais de saúde, dentro de seu âmbito profissional, devem estar aptos a desenvolver ações de prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde, tanto em nível individual quanto coletivo. Cada profissional deve assegurar que sua prática seja realizada de forma integrada e contínua com as demais instâncias do sistema de saúde, sendo capaz de pensar criticamente, de analisar os problemas da sociedade e de procurar soluções para os mesmos. Os profissionais devem realizar seus serviços dentro dos mais altos padrões de qualidade e dos princípios da ética/bioética, tendo em conta que a responsabilidade da atenção à saúde não se encerra com o ato técnico, mas sim, com a resolução do problema de saúde, tanto em nível individual como coletivo; II - Tomada de decisões: o trabalho dos profissionais de saúde deve estar fundamentado na capacidade de tomar decisões visando o uso apropriado, eficácia e custoefetividade, da força de trabalho, de medicamentos, de equipamentos, de
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procedimentos e de práticas. Para este fim, os mesmos devem possuir competências e habilidades para avaliar, sistematizar e decidir as condutas mais adequadas, baseadas em evidências científicas; III - Comunicação: os profissionais de saúde devem ser acessíveis e devem manter a confidencialidade das informações a eles confiadas, na interação com outros profissionais de saúde e o público em geral. A comunicação envolve comunicação verbal, não- verbal e habilidades de escrita e leitura; o domínio de, pelo menos, uma língua estrangeira e de tecnologias de comunicação e informação; IV - Liderança: no trabalho em equipe multiprofissional, os profissionais de saúde deverão estar aptos a assumirem posições de liderança, sempre tendo em vista o bem estar da comunidade. A liderança envolve compromisso, responsabilidade, empatia, habilidade para tomada de decisões, comunicação e gerenciamento de forma efetiva e eficaz; V - Administração e gerenciamento: os profissionais devem estar aptos a tomar iniciativas, fazer o gerenciamento e administração tanto da força de trabalho, dos recursos físicos e materiais e de informação, da mesma forma que devem estar aptos a serem empreendedores, gestores, empregadores ou lideranças na equipe de saúde; e VI - Educação permanente: os profissionais devem ser capazes de aprender continuamente, tanto na sua formação, quanto na sua prática. Desta forma, os profissionais de saúde devem aprender a aprender e ter responsabilidade e compromisso com a sua educação e o treinamento/estágios das futuras gerações de profissionais, mas proporcionando condições para que haja beneficio mútuo entre os futuros profissionais e os profissionais dos serviços, inclusive, estimulando e desenvolvendo a mobilidade acadêmico/profissional, a formação e a cooperação através de redes nacionais e internacionais. Art. 5º A formação do Fisioterapeuta tem por objetivo dotar o profissional dos conhecimentos requeridos para o exercício das seguintes competências e habilidades específicas:
I - respeitar os princípios éticos inerentes ao exercício profissional; II- atuar em todos os níveis de atenção à saúde, integrando-se em
programas de promoção, manutenção, prevenção, proteção e recuperação da saúde, sensibilizados e comprometidos com o ser humano, respeitando-o e valorizando-o;
III- atuar multiprofissionalmente, interdisciplinarmente e transdisciplinarmente com extrema produtividade na promoção da saúde baseado na convicção científica, de cidadania e de ética;
IV - reconhecer a saúde como direito e condições dignas de vida e atuar de forma a garantir a integralidade da assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;
V - contribuir para a manutenção da saúde, bem estar e qualidade de vida das pessoas, famílias e comunidade, considerando suas circunstâncias éticas, políticas, sociais, econômicas, ambientais e biológicas;
VI - realizar consultas, avaliações e reavaliações do paciente colhendo dados, solicitando, executando e interpretando exames propedêuticos e complementares que permitam elaborar um diagnóstico cinético-funcional, para eleger e quantificar as intervenções e condutas fisioterapêuticas apropriadas, objetivando tratar as disfunções no campo da Fisioterapia, em toda sua extensão e
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complexidade, estabelecendo prognóstico, reavaliando condutas e decidindo pela alta fisioterapêutica;
VII - elaborar criticamente o diagnóstico cinético funcional e a intervenção fisioterapêutica, considerando o amplo espectro de questões clínicas, científicas, filosóficas éticas, políticas, sociais e culturais implicadas na atuação profissional do fisioterapeuta, sendo capaz de intervir nas diversas áreas onde sua atuação profissional seja necessária;
VIII - exercer sua profissão de forma articulada ao contexto social, entendendo-a como uma forma de participação e contribuição social;
IX - desempenhar atividades de planejamento, organização e gestão de serviços de saúde públicos ou privados, além de assessorar, prestar consultorias e auditorias no âmbito de sua competência profissional;
X - eitir laudos, pareceres, atestados e relatórios; XI - prestar esclarecimentos, dirimir dúvidas e orientar o indivíduo e os seus
familiares sobre o processo terapêutico; XII - manter a confidencialidade das informações, na interação com outros
profissionais de saúde e o público em geral; XIII - encaminhar o paciente, quando necessário, a outros profissionais
relacionando e estabelecendo um nível de cooperação com os demais membros da equipe de saúde;
XIV - manter controle sobre à eficácia dos recursos tecnológicos pertinentes à atuação fisioterapêutica garantindo sua qualidade e segurança;
XV - conhecer métodos e técnicas de investigação e elaboração de trabalhos acadêmicos e científicos;
XVI - conhecer os fundamentos históricos, filosóficos e metodológicos da Fisioterapia;
XVII - seus diferentes modelos de intervenção. Parágrafo único. A formação do Fisioterapeuta deverá atender ao sistema
de saúde vigente no país, a atenção integral da saúde no sistema regionalizado e hierarquizado de referência e contra-referência e o trabalho em equipe. Art. 6º Os conteúdos essenciais para o Curso de Graduação em Fisioterapia devem estar relacionados com todo o processo saúde-doença do cidadão, da família e da comunidade, integrado à realidade epidemiológica e profissional, proporcionando a integralidade das ações do cuidar em fisioterapia. Os conteúdos devem contemplar: I - Ciências Biológicas e da Saúde – incluem-se os conteúdos (teóricos e práticos) de base moleculares e celulares dos processos normais e alterados, da estrutura e função dos tecidos, órgãos, sistemas e aparelhos; II - Ciências Sociais e Humanas – abrange o estudo do homem e de suas relações sociais, do processo saúde-doença nas suas múltiplas determinações, contemplando a integração dos aspectos psico-sociais, culturais, filosóficos, antropológicos e epidemiológicos norteados pelos princípios éticos. Também deverão contemplar conhecimentos relativos as políticas de saúde, educação, trabalho e administração; III - Conhecimentos Biotecnológicos - abrange conhecimentos que favorecem o acompanhamento dos avanços biotecnológicos utilizados nas ações fisioterapêuticas que permitam incorporar as inovações tecnológicas inerentes a pesquisa e a prática clínica fisioterapêutica; e
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IV - Conhecimentos Fisioterapêuticos - compreende a aquisição de amplos conhecimentos na área de formação específica da Fisioterapia: a fundamentação, a história, a ética e os aspectos filosóficos e metodológicos da Fisioterapia e seus diferentes níveis de intervenção. Conhecimentos da função e disfunção do movimento humano, estudo da cinesiologia, da cinesiopatologia e da cinesioterapia, inseridas numa abordagem sistêmica. Os conhecimentos dos recursos semiológicos, diagnósticos, preventivos e terapêuticas que instrumentalizam a ação fisioterapêutica nas diferentes áreas de atuação e nos diferentes níveis de atenção. Conhecimentos da intervenção fisioterapêutica nos diferentes órgãos e sistemas biológicos em todas as etapas do desenvolvimento humano. Art. 7º A formação do Fisioterapeuta deve garantir o desenvolvimento de estágios curriculares, sob supervisão docente. A carga horária mínima do estágio curricular supervisionado deverá atingir 20% da carga horária total do Curso de Graduação em Fisioterapia proposto, com base no Parecer/Resolução específico da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação. Parágrafo único. A carga horária do estágio curricular supervisionado deverá assegurar a prática de intervenções preventiva e curativa nos diferentes níveis de atuação: ambulatorial, hospitalar, comunitário/unidades básicas de saúde etc. Art. 8º O projeto pedagógico do Curso de Graduação em Fisioterapia deverá contemplar atividades complementares e as Instituições de Ensino Superior deverão criar mecanismos de aprove itamento de conhecimentos, adquiridos pelo estudante, através de estudos e práticas independentes presenciais e/ou a distância, a saber: monitorias e estágios; programas de iniciação científica; programas de extensão; estudos complementares e cursos realizados em outras áreas afins. Art. 9º O Curso de Graduação em Fisioterapia deve ter um projeto pedagógico, construído coletivamente, centrado no aluno como sujeito da aprendizagem e apoiado no professor como facilitador e mediador do processo ensino-aprendizagem. Este projeto pedagógico deverá buscar a formação integral e adequada do estudante através de uma articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão/assistência. Art. 10. As Diretrizes Curriculares e o Projeto Pedagógico devem orientar o Currículo do Curso de Graduação em Fisioterapia para um perfil acadêmico e profissional do egresso. Este currículo deverá contribuir, também, para a compreensão, interpretação, preservação, reforço, fomento e difusão das culturas nacionais e regionais, internacionais e históricas, em um contexto de pluralismo e diversidade cultural. § 1º As diretrizes curriculares do Curso de Graduação em Fisioterapia deverão contribuir para a inovação e a qualidade do projeto pedagógico do curso. § 2º O Currículo do Curso de Graduação em Fisioterapia poderá incluir aspectos complementares de perfil, habilidades, competências e conteúdos, de forma a considerar a inserção institucional do curso, a flexibilidade individual de estudos e os requerimentos, demandas e expectativas de desenvolvimento do setor saúde na região. Art. 11. A organização do Curso de Graduação em Fisioterapia deverá ser definida pelo respectivo colegiado do curso, que indicará a modalidade: seriada anual, seriada semestral, sistema de créditos ou modular. Art. 12. Para conclusão do Curso de Graduação em Fisioterapia, o aluno deverá elaborar um trabalho sob orientação docente.
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Art. 13. A estrutura do Curso de Graduação em Fisioterapia deverá assegurar que: I - as atividades práticas específicas da Fisioterapia deverão ser desenvolvidas gradualmente desde o início do Curso de Graduação em Fisioterapia, devendo possuir complexidade crescente, desde a observação até a prática assistida (atividades clínicoterapêuticas); II - estas atividades práticas, que antecedem ao estágio curricular, deverão ser realizadas na IES ou em instituições conveniadas e sob a responsabilidade de docente fisioterapeuta; e III - as Instituições de Ensino Superior possam flexibilizar e otimizar as suas propostas curriculares para enriquecê-las e complementá- las, a fim de permitir ao profissional a manipulação da tecnologia, o acesso a no vas informações, considerando os valores, os direitos e a realidade sócio-econômica. Os conteúdos curriculares poderão ser diversificados, mas deverá ser assegurado o conhecimento equilibrado de diferentes áreas, níveis de atuação e recursos terapêuticas para assegurar a fo rmação generalista. Art. 14. A implantação e desenvolvimento das diretrizes curriculares devem orientar e propiciar concepções curriculares ao Curso de Graduação em Fisioterapia que deverão ser acompanhadas e permanentemente avaliadas, a fim de permitir os ajustes que se fizerem necessários ao seu aperfeiçoamento. § 1º As avaliações dos alunos deverão basear-se nas competências, habilidades e conteúdos curriculares desenvolvidos tendo como referência as Diretrizes Curriculares. § 2º O Curso de Graduação em Fisioterapia deverá utilizar metodologias e critérios para acompanhamento e avaliação do processo ensino-aprendizagem e do próprio curso, em consonância com o sistema de avaliação e a dinâmica curricular definidos pela IES à qual pertence. Art. 15. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
ARTHUR ROQUETE DE MACEDO Presidente da Câmara de Educação Superior