giroux, henry_deixando pra lá - juventude fronteiriça e educação pós-moderna

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R. FACED, Salvador, n.16, p.103-130, jul./dez. 2009 103 Deixando pra lá 1 : juventude fronteiriça e educação pós-moderna 2 Resumo: O texto argumenta que o pós-modernismo, como um espaço de forças contraditórias e tendências divergentes, torna-se pedagogicamente útil quando fornece elementos de um discurso de oposição para entender e responder à transformação cultural e à mudança educacional que afetam a juventude norte-americana. É apresentado em três sessões internas: Bem- -vindo à volta ao Pós-Moderno – com a defesa de que o pós-modernismo torna-se relevante na medida em que passa a fazer parte de um amplo projeto político no qual a relação entre o modernismo e o pós-modernismo se torne dialética, dialógica e crítica. Escolas Modernistas e Condições Pós-Modernas – com uma crítica que as instituições modernistas, as escolas públicas não têm sido capazes de criar a possibilidade de pensar através do caráter indetermi- nado da economia, do conhecimento, da cultura e da identidade. Juventude fronteiriça e cultura pós-moderna – um retrato, a partir de três filmes sobre a Juventude fronteiriça. E, ao final, aceitando que o pós-modernismo e o modernismo corroboram-se mutuamente ao invés de anular-se, propõe uma educação nova e diferenciada denominada Educação pós-moderna. Palavras-chave: Educação. Juventude fronteiriça. Pós-modernismo. A tarefa é mergulhar na “passagem para a pós-modernidade” período que se alastra desde o final dos anos 60 do século XX e com o fim do boom do pós-guerra na economia capitalista global para alcançar a compreensão da nova cultura emergente tempo-espacial e suas consequentes transformações com as formas de conhecimento e experiências no mundo (pós)-moderno. Barry Smart Para muitos teóricos, das mais variadas posições no espectro político, o momento histórico atual aponta menos para a necessidade de ir à busca de um entendimento profundo das novas formas de conhecimento, de experiência e de condições que constituem o pós-modernismo e mais para a necessidade de escrever o seu obituário. Os sinais de esgotamento são, em parte, medidos pelo fato de que o pós-modernismo tomou conta de duas gerações de intelectuais que têm ponderado interminavelmente sobre seu significado e implicações como “condição social e movimento cultural”. (JENCKS, 1992, p. 10) O “debate pós-moderno” tem gerado pouco consenso, muita confusão e também animosidade. Os temas já são bem conhecidos: rejeição das metanarrativas e das bases tradicionais dos princípios do conhecimento; suspeisão dos princípios filosóficos de canonicidade e da noção do sagrado; certeza epistêmica e os limites fixos do conhecimento acadêmico Henry A. Giroux University Park, Pennsylvania [email protected] Tradução: Maria Inez Carvalho Universidade Federal da Bahia [email protected] (1) No original slacking off. Termo literalmente intraduzível que, entre outros sentidos, retrata o espírito da geração objeto de análise deste artigo. Tanto é que o filme Slackers (comentado no próprio artigo) foi exibido no Brasil com o título no original inglês. (NT1) (2) Artigo originalmente publicado no Journal of Advanced Composition v. 14, n. 2, p. 347- 366, outono de 1994. Uma outra versão foi publicada com o título Education in the age of slackers no periódico The International Journal of Educational Reform v. 3, n. 2, p. 210-215, abr. 1994 (NT2).

Author: professorabarbaragroff

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  • R. FACED, Salvador, n.16, p.103-130, jul./dez. 2009 103

    Deixando pra l1: juventude fronteiria e educao ps-moderna2

    Resumo: O texto argumenta que o ps-modernismo, como um espao de foras contraditrias e tendncias divergentes, torna-se pedagogicamente til quando fornece elementos de um discurso de oposio para entender e responder transformao cultural e mudana educacional que afetam a juventude norte-americana. apresentado em trs sesses internas: Bem--vindo volta ao Ps-Moderno com a defesa de que o ps-modernismo torna-se relevante na medida em que passa a fazer parte de um amplo projeto poltico no qual a relao entre o modernismo e o ps-modernismo se torne dialtica, dialgica e crtica. Escolas Modernistas e Condies Ps-Modernas com uma crtica que as instituies modernistas, as escolas pblicas no tm sido capazes de criar a possibilidade de pensar atravs do carter indetermi-nado da economia, do conhecimento, da cultura e da identidade. Juventude fronteiria e cultura ps-moderna um retrato, a partir de trs filmes sobre a Juventude fronteiria. E, ao final, aceitando que o ps-modernismo e o modernismo corroboram-se mutuamente ao invs de anular-se, prope uma educao nova e diferenciada denominada Educao ps-moderna. Palavras-chave: Educao. Juventude fronteiria. Ps-modernismo.

    A tarefa mergulhar na passagem para a ps-modernidade perodo que se alastra desde

    o final dos anos 60 do sculo XX e com o fim do boom do ps-guerra na economia capitalista global

    para alcanar a compreenso da nova cultura emergente tempo-espacial e suas consequentes

    transformaes com as formas de conhecimento e experincias no mundo (ps)-moderno.

    Barry Smart

    Para muitos tericos, das mais variadas posies no espectro poltico, o momento histrico atual aponta menos para a necessidade de ir busca de um entendimento profundo das novas formas de conhecimento, de experincia e de condies que constituem o ps-modernismo e mais para a necessidade de escrever o seu obiturio. Os sinais de esgotamento so, em parte, medidos pelo fato de que o ps-modernismo tomou conta de duas geraes de intelectuais que tm ponderado interminavelmente sobre seu significado e implicaes como condio social e movimento cultural. (JENCKS, 1992, p. 10) O debate ps-moderno tem gerado pouco consenso, muita confuso e tambm animosidade. Os temas j so bem conhecidos: rejeio das metanarrativas e das bases tradicionais dos princpios do conhecimento; suspeiso dos princpios filosficos de canonicidade e da noo do sagrado; certeza epistmica e os limites fixos do conhecimento acadmico

    Henry A. Giroux University Park, [email protected]: Maria Inez CarvalhoUniversidade Federal da [email protected]

    (1) No original slacking off. Termo literalmente intraduzvel que, entre outros sentidos, retrata o esprito da gerao objeto de anlise deste artigo. Tanto que o filme Slackers (comentado no prprio artigo) foi exibido no Brasil com o ttulo no original ingls. (NT1)(2) Artigo originalmente publicado no Journal of Advanced Composition v. 14, n. 2, p. 347-366, outono de 1994. Uma outra verso foi publicada com o ttulo Education in the age of slackers no peridico The International Journal of Educational Reform v. 3, n. 2, p. 210-215, abr. 1994 (NT2).

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    foram desafiados por uma guerra totalidade e negao de que uma viso nica de mundo que possa ser abraada por todos; distines rgidas entre alta e baixa cultura foram rejeitadas pela insistncia que os produtos da chamada cultura de massa, popular, e as formas de arte popular so objetos de estudo adequados; a correspondncia iluminista entre histria e progresso e a f modernista na racionalidade, na cincia e na liberdade submergiu em um profundo ceticismo; a identidade fixa e unificada do sujeito humanista foi substituda por uma convocao narrativa espacial que plural e fluida; e, finalmente, mas longe de completar a lista, a histria rejeitada como um processo unilinear que move o Ocidente progressivamente em direo a uma realizao final de liberdade3.

    Estas e outras questes tornaram-se centrais para o debate ps-moderno e esto conectadas pelos desafios e provocaes que fazem s concepes modernas de histria, agenciamento, representao e cultura, assim como responsabilidade dos intelectuais. O desafio ps-moderno no se constitui apenas como um corpo distinto da crtica cultural, mas tambm deve ser visto como um discurso contextualizado que tem desafiado fronteiras disciplinares especficas em reas como estudos literrios, geografia, educao, arquitetura, feminismo, artes, antropologia, sociologia, entre outros4. Dado seu largo alcance terico, seu anarquismo poltico e seu desafio para legislar intelectuais, no surpreendente que tenha havido um movimento crescente por parte de diversos crticos de se distanciar do ps-modernismo.

    O ps-modernismo pode ter virado moda nos escritos acadmicos e na imprensa popular nos Estados Unidos durante os ltimos 20 anos, mas evidente, tambm, que um humor mais sinistro e reacionrio surgiu, o que se constitui uma espcie de retrocesso. Naturalmente, o ps-modernismo tornou-se, sim, em certa medida, uma tendncia de moda, e tais eventos so de curta durao e raramente levam qualquer assunto a srio. Apesar disso, o poder da moda e da mercantilizao no deve ser subestimado como em certas prticas que conferem questo um resqucio vago de irrelevncia e m interpretao. Nos recentes debates sobre ps-modernismo, h mais em jogo que os efeitos da moda e da mercantilizao; de fato, a frequente essencializao dos termos na qual as crticas ao ps-modernismo so enquadradas sugerem algo mais profundo. Nos floreios retricos excessivos que rejeitam

    (3) Para um exame mais sucinto do desafio do ps-modernismo a uma concepo modernista da histria, ver Vattimo, especialmente o Captulo 1.

    (4) Uma srie de antologias excelentes apresentam leituras sobre o ps-modernismo em uma variedade de campos. Alguns dos exemplos mais recentes incluem Jencks; Natioli e Hutcheon; e Docherty.

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    o ps-modernismo como niilismo reacionrio, moda passageira ou simplesmente uma nova forma de consumismo, surge um arraigado anti-intelectualismo, que d credibilidade ideia de que a teoria um luxo acadmico e tem pouco a ver com prticas polticas concretas. Anti-intelectualismo parte, a reao ps-moderna tambm aponta para uma crise no modo pelo qual o projeto de modernidade tenta apropriar, determinar e acomodar as questes sobre diferena e indeterminao.

    Grande parte das crticas, que agora to superficialmente desabona o ps-modernismo, aparece enraizada no que Zygmunt Bauman (1992, p. xi) se refere como utopias modernistas que serviram como balizas para a longa marcha instituio da razo, [utopias estas que] visualizaram um mundo sem margens, sem sobras e sem desaparecidos sem dissidentes e rebeldes. Contra a indeterminao, fragmentao e ceticismo da era ps-moderna, as metanarrativas do modernismo, particularmente o Marxismo e o Liberalismo, tm sido prejudicadas como discursos de oposio. Uma consequncia que toda uma gerao de intelectuais do ps-guerra tiveram uma crise de identidade... O resultado um clima de lamento e melancolia. (MERCER, 1968, p. 424)

    Os intelectuais de esquerda, que rejeitam o ps-modernismo como um estilo de crtica cultural e produo de conhecimento, parecem reafirmar o legado do essencialismo e da ortodoxia. Fato que, tambm, pode ser percebido na recusa por parte dos intelectuais em reconhecer os processos abrangentes de transformao social e cultural retomados nos discursos ps-modernos que so apropriados para captar as experincias contemporneas da juventude e a ampla proliferao de formas de diversidade em uma poca de declnio da autoridade, incerteza econmica, proliferao de tecnologias eletrnicas e a extenso do que chamo pedagogia do consumidor em quase todos os aspectos da cultura juvenil.

    A seguir, gostaria de inverter os termos do debate no qual o ps-modernismo est usualmente envolvido, especialmente por seus crticos mais recentes. Fao isto para argumentar que o ps-modernismo como um espao de foras contraditrias e tendncias divergentes. (PATTON, 1988, p. 89) torna-se pedagogicamente til quando fornece elementos de um discurso de oposio para entender e responder transformao cultural e mudana educacional que afetam a juventude norte-americana. Um ps-

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    modernismo resistente ou poltico parece-me inestimvel para ajudar educadores e outros a tratar as condies variveis de produo do conhecimento no contexto dos novos meios de comunicao eletrnica e o papel que estas novas tecnologias esto exercendo, na redefinio do escopo e do significado da pedagogia, como agncias crticas de socializao.

    Minha preocupao em ampliar o modo pelo qual os educadores e outros agentes culturais compreendem o alcance poltico e o poder da pedagogia no posicionamento da juventude em uma cultura ps-moderna sugere que o ps-modernismo no para ser nem romantizado nem casualmente recusado. Pelo contrrio, acredito que um discurso fundamentalmente importante que precisa ser explorado criticamente, a fim de ajudar os educadores a compreender a natureza modernista do ensino pblico na Amrica do Norte5. Tambm til para os educadores compreenderem a evoluo das condies de formao de identidade no interior de culturas eletronicamente mediadas e como elas esto produzindo uma nova gerao de jovens que esto entre as fronteiras de um mundo modernista de certeza e ordem, orientados pela cultura ocidental e sua tecnologia de impresso, e um mundo ps-moderno de identidades hibridizadas, tecnologias eletrnicas, prticas culturais locais e espaos pblicos pluralizados. Mas antes de desenvolver a relao crtica entre o discurso ps-moderno e a promessa pedaggica e sua relao com a juventude fronteiria, quero ainda comentar a recente reao contra o ps-modernismo e porque acredito que tal reao reproduz alguns dos problemas pedaggicos e polticos que afetam as escolas e a juventude contemporneas em vez de abord-los construtivamente.

    Bem-vindo volta ao ps-modernoEnquanto conservadores como um tal de Daniel Bell e seus

    seguidores podem ver no ps-modernismo a pior expresso do legado crtico da dcada de 1960, um nmero crescente de crticos de esquerda v o ps-modernismo como a causa de uma vasta gama de excessos tericos e injustias polticas. Por exemplo, recente artigo do crtico cultural britnico John Clarke afirma que a hiper-realidade do ps-modernismo celebra injustamente e despolitiza as novas tecnologias da informao e encoraja os intelectuais metropolitanos a proclamar o fim de tudo, para no

    (5) Eu trato deste problema em detalhe em Schooling and Border.

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    se comprometerem com nada (especialmente os problemas materiais das massas)6. O decano MacCannell (1992, p. 187) vai mais adiante e argumenta que as escritas ps-modernas [so] uma expresso de fascismo soft. A terica feminista Susan Bordo (1993, p. 291) desabona o ps-modernismo como apenas outra forma de estilo niilista e recrimina partidrios desta corrente por construir um mundo no qual a linguagem engole tudo. A reao ficou to predominante na Amrica do Norte que a crtica popular e os meios de comunicao parecem necessitar proclamar que o ps-modernismo est morto. Por conseguinte, comentrios em foros que vo desde as pginas editoriais do New York Times a textos populares, como 13thGen e revistas acadmicas, no menos populares, como a Chronicle of Higher Education, alertam o pblico em geral em inequvocos termos que no est mais na moda proferir a palavra p.

    Evidentemente, crticas mais srias como as de Jrgen Habermas, Perry Anderson, David Harvey e Terry Eagleton existem, mas o retrocesso atual tem uma qualidade intelectual diferente das crticas feitas por estes autores, um tipo de reducionismo que ao mesmo tempo perturbador e irresponsvel em sua recusa de envolver o ps-modernismo em qualquer tipo de dilogo/debate terico7. 5 Muitos destes crticos de esquerda, assumindo uma atitude frequentemente moralista, organizam seus dispositivos tericos em classificaes binrias que criam um ficcional quadro ps-moderno que situa, de um lado, o politicamente correto e, de outro, os lutadores materialistas pela liberdade. Uma consequncia disso que qualquer tentativa em dar valor e importncia aos discursos crticos ps-modernos sacrificada nos ventos frios do inverno da ortodoxia e do paroquialismo intelectual. Eu no estou sugerindo que todos os crticos do ps-modernismo caiam na armadilha de tal posio, nem estou sugerindo que as preocupaes sobre a relao entre modernidade e ps-modernidade, o status da tica, a crise de representao e subjetividade, ou a relevncia poltica dos discursos ps-modernos no devam ser problematizados. Mas, ver a ps-modernidade como um terreno a ser contestado sugere cautela terica em vez de abandono imprudente ou uma dispensa casual.

    O que muitas vezes est faltando a essas crticas controversas o reconhecimento de que o ps-modernismo no opera sob qualquer signo absoluto. Este reconhecimento pode ser mais produtivo do que a rejeio dos argumentos ps-modernistas a partir de

    (6)Ver Clarke, especialmente o Captulo 2. A anlise de Clarke tem menos a ver com uma leitura complexa sobre ps-modernismo do que uma reao defensiva de sua prpria recusa em levar a srio uma crtica ps-moderna dos elementos modernistas nas teorias marxistas.

    (7)Desnecessrio dizer que se pode encontrar muito material terico que no se recusa, to facilmente, a descartar os discursos ps-modernos e, assim sendo, prestam um servio terico ao separar as tendncias progressivas das reacionrias. Os primeiros exemplos deste tipo de trabalho podem ser encontrados em Foster; Hebdige; Vattimo; Ross; Hutcheon, Collins, e Connor. Exemplos mais recentes incluem Nicholson; Lasch; Chambers; Aronowitz e Giroux, Postmodern; Best e Kellner, Denzin e Owens.

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    uma posio tomada no cerne de uma poltica essencializada e/ou de um conjunto de estratgias. Um encontro mais produtivo, ao invs, seria tentar compreender como os principais insights do ps-modernismo auxiliam na compreenso de como o poder produzido e como sua circulao nas prticas culturais que mobilizam as mltiplas relaes de subordinao. Ao invs de proclamar o fim da razo, o ps-modernismo pode ser analisado criticamente pelo grau de sucesso dos questionamentos que faz aos limites do projeto da racionalidade moderna e suas reivindicaes universais para o progresso, felicidade e liberdade. Ao invs de assumir que o ps-modernismo tem abandonado o terreno dos valores, parece mais til focar em como este pretenso abandono influi no entendimento de como os valores so construdos histrica e relacionalmente, e como eles podem ser tratados como base ou pr-condio de uma crtica politicamente engajada. (BUTLER, 1992, p. 6-7) De forma semelhante, em vez de afirmar que a crtica do ps-modernismo ao sujeito essencializado nega a teoria da subjetividade, parece mais produtivo examinar como suas alegaes sobre o carter contingente da identidade redefinem a noo de agenciamento, a partir do entendimento de que as identidades so construdas em uma multiplicidade de relaes sociais e de discursos. Um exemplo deste tipo de investigao vem de Judith Butler, ao argumentar que reconhecer que o sujeito constitudo, no [o mesmo que afirmar] que determinado; ao contrrio, a constituio do sujeito a condio primeira de seu agenciamento. (BUTLER, 1992, p. 13) O argumento, j familiar de que o ps-modernismo substitui as representaes por realidade, indica menos um insight e mais um reducionismo operado pela recusa em entender como as teorias ps-modernas trabalham com a representao para dar significado realidade.

    A poltica ps-moderna de representao pode ser benfica se percebida como uma tentativa de entender como o poder mobilizado em termos culturais, como as imagens so usadas, em escala nacional e local, para criar uma representao poltica re-orientadora das noes tradicionais de espao e tempo. Um discurso ps-moderno tambm pode ser avaliado atravs das consequncias pedaggicas de sua chamada para expandir o significado da noo de alfabetizao, ampliando a srie de textos que lemos e... os caminhos nos quais os lemos. (BRUB, 1992/1993, p. 75) O fato em evidncia que a mdia desempenha um papel determinante

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    na vida dos jovens e a questo no se esses meios de comunicao perpetuam as relaes de poder dominante, mas como a juventude e outros experimentam a cultura da mdia diferentemente. (TOMLINSON, 1991, p. 40) O ps-modernismo pluraliza o significado de cultura, enquanto o modernismo rigidamente a situa, teoricamente, como aparato de poder. justamente nesta interao dialtica entre a diferena e poder que o ps-modernismo e o modernismo corroboram-se mutuamente ao invs de anular-se. A natureza dialtica da relao que o ps-modernismo tem com o modernismo justifica esta moratria terica quanto s crticas que afirmam ou negam o ps-modernismo e se centram na questo: o ps-modernismo representa uma ruptura do modernismo? O valor do ps-modernismo outro.

    Ao reconhecer os momentos reacionrios e progressistas do ps-modernismo, um trabalho cultural anti-essencialista pode assumir o desafio de escrever a poltica de volta para o ps-moderno, enquanto simultaneamente radicaliza o legado poltico do modernismo, a fim de promover uma nova viso de democracia radical em um mundo ps-moderno. (EBERT, 1991, p. 291) Um desafio no debate sobre o ps-modernismo saber se os seus elementos mais progressistas podem ajudar em nossa compreenso de como o poder produzido, como identidades sociais so formadas, e como a mudana das condies da economia global e as novas tecnologias de informao podem ser articuladas para enfrentar os desafios colocados pelos trabalhadores culturais progressistas e pelos novos movimentos sociais. Mais especificamente, a questo para os educadores crticos reside na apropriao do ps-modernismo como parte de um amplo projeto pedaggico, que reafirme a primazia da poltica e simultaneamente no descarte os aspectos mais progressistas do modernismo. O ps-modernismo torna-se relevante na medida em que passe a fazer parte de um amplo projeto poltico no qual a relao entre o modernismo e o ps-modernismo se torne dialtica, dialgica e crtica.

    A seguir, eu quero elucidar e, em seguida, analisar algumas das tenses entre a escola como instituio modernista e as fragmentadas condies de uma cultura ps-moderna de juventude atrelando esta tenso aos problemas que ela traz para educadores crticos. Em primeiro lugar, h o desafio de compreender a natureza modernista da escolaridade que est posta e sua recusa

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    em renunciar a uma viso de conhecimento, cultura e ordem que enfraquece a possibilidade de construo de um projeto radical democrtico, no qual uma concepo partilhada de cidadania desafie o crescimento de regimes de opresso, ao mesmo tempo em que luta pelas condies necessrias para construir uma democracia multirracial e multicultural. Em segundo lugar, h uma necessidade de trabalhadores culturais enfrentarem a emergncia de uma nova gerao de jovens que esto cada vez mais sendo formados no cerne das condies econmicas e culturais ps-modernas, quase totalmente ignoradas pela escola. Em terceiro lugar, h o desafio de criticar adequadamente aqueles elementos de uma pedagogia ps-moderna que possam ser teis para uma educao de jovens que tenha como objetivo torn-los os sujeitos da histria em um mundo que est cada vez mais diminuindo as possibilidades de uma democracia radical e da paz mundial.

    Escolas modernistas e condies ps-modernasUm clipe de War Games8 [o filme]: David Lightman (Matthew

    Broderick) v um panfleto de uma companhia de computador que promete um salto quntico que chegar com o Natal, na tecnologia dos jogos virtuais ... invade um sistema e, pensando que o jogo prometido pela companhia de computador, pede para brincar de guerra termonuclear global ... V na TV que, por trs minutos, o Strategic Air Command esteve em alerta mximo pensando que havia acontecido um ataque sovitico surpresa ... preso e interrogado... invade novamente o sistema e pergunta para o computador: Isto um jogo ou a realidade? O computador responde: Qual a diferena?. (PARKES, 1994)

    Atreladas linguagem de ordem, certeza e controle, as escolas pblicas esto frente a uma verdadeira mudana na composio demogrfica, social e cultural dos Estados Unidos para as quais esto radicalmente despreparadas. Como instituies plenamente modernistas, as escolas pblicas confiaram muito tempo na moral, nas polticas e em tecnologias sociais que legitimam uma f permanente na tradio cartesiana de racionalidade, de progresso e de histria. As consequncias so bem conhecidas. Conhecimento e autoridade nos currculos escolares so organizados no para eliminar as diferenas, mas, sim, para regul-las por divises culturais e sociais de trabalho. Diferentes classes, raas e gneros

    (8)Exibido no Brasil com o ttulo: Jogos de guerra. (NT1)

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    so ignorados nos currculos escolares ou subordinados aos imperativos de uma histria e de uma cultura que so lineares e uniformes.

    No discurso da modernidade, o conhecimento , quase exclusivamente, limitado a um modelo europeu de cultura e civilizao e conecta a aprendizagem a reas de conhecimento autnomas e especializadas. Apoiada nas tradies modernistas, a escolarizao torna-se agente dessas tecnologias polticas e intelectuais associada com que Ian Hunter chama de governabilizao da ordem social. O resultado um aparato pedaggico regulado por uma prtica de ordenao que v contingncia como um inimigo e ordem como uma tarefa. (BAUMAN, 1992, p. xi) A prtica de ordenao, autorizao e regulao que estrutura a escola pblica caracterizada pelo medo da diferena e da indeterminao. Os efeitos alcanam profundamente a estrutura da escola pblica e incluem: uma arrogncia epistmica e f na validez das prticas pedaggicas coercitivas e nas esferas pblicas nas quais as diferenas culturais so vistas como uma ameaa; o conhecimento torna-se, no currculo, um objeto de domnio e controle; o estudante individualmente privilegiado como fonte nica de agenciamento, independente de relaes injustas de poder; a tecnologia e cultura do livro so tratadas como a personificao da alta aprendizagem modernista e como nico objeto pedaggico legtimo.

    Embora a lgica de escola pblica possa ser totalmente modernista, ela (escola pblica) no monoltica nem homognea. Mas, ao mesmo tempo, as caractersticas dominantes de escola pblica so caracterizadas por um projeto modernista que cada vez mais confia na razo instrumental e na padronizao do currculo. Em parte, isto pode ser visto na regulao das diferenas de classe, raa e gnero atravs de formas rgidas de testar, classificar e acompanhar. A regra de razo revela um legado cultural ocidental em currculos altamente centralizados que frequentemente privilegiam as histrias, experincias e capital cultural da ampla classe mdia branca a que pertencem os estudantes. Alm disso, a natureza modernista de escola pblica evidenciada na recusa dos educadores de incorporar a cultura popular nos currculos ou levar em conta as novas mdias eletrnicas e os sistemas informacionais da era ps-moderna que esto gerando maciamente novos contextos de socializao para a juventude.

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    As emergentes condies de indeterminao e hibridizao que as escolas pblicas enfrentam, mas continuam ignorando, podem ser vistas em vrios elementos que caracterizam o que eu chamo livremente de cultura ps-moderna. Em primeiro lugar, os Estados Unidos esto enfrentando uma onda nova de imigrao que, at o final do presente sculo, pode exceder em volume e importncia a ltima onda da virada para o sculo XX. Importantes reas geogrficas no pas principalmente as grandes regies metropolitanas do Nordeste e Sudoeste, inclusive a Califrnia e principais instituies pblicas (especialmente as de assistncia social e educao) esto se debatendo com populaes completamente novas que trazem com elas novas necessidades. Em 1940, 70% dos imigrantes eram originrios da Europa, j em 1992 apenas 15%, sendo que nesta nova onda 44% so latino-americanos e 37 asiticos. A identidade nacional, j h algum tempo, no pode ser vista pela lente de uniformidade cultural ou pelo discurso da assimilao. Uma nova cultura ps-moderna emergiu marcada pela especificidade, diferena, pluralidade e mltiplas narrativas.

    Em segundo lugar, o sentido de possibilidade que sustentou o Sonho Americano de bem-estar material e mobilidade social j no apoiado por uma economia que possa sustentar tal sonho. Nas ltimas duas dcadas, a economia americana entrou em uma era prolongada de estagnao, pontuada por surtos de crescimento de curto prazo. No meio a uma recesso em curso e a um real declnio na renda dos grupos de baixa e mdia renda, as perspectivas de crescimento econmico para o prximo perodo de histria americana parecem extremamente limitadas. O resultado foi a expanso de empregos no setor de servios e um aumento no nmero de empresas que esto reduzindo e cortando custos em mo de obra, a fim de enfrentar a concorrncia global. No so s trabalhos de tempo integral que esto minguando, mas h uma emergncia no nmero de americanos talvez cerca de 37 milhes [que] so empregados em algo diferente de posies permanentes de tempo integral. (JOST, 1993, p. 633) Estes chamados trabalhadores temporrios recebem menos que os trabalhadores de tempo integral e frequentemente no tem benefcios como sade, penso e no recebem pagamento quando afastados por doena, feriados ou frias. (JOST, 1993, p. 628) Massivo desemprego e diminuio das expectativas tornaram-se o modo de vida de boa parte da juventude norte-americana. A

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    Revista MacLean divulga que, no Canad, pessoas entre 15 a 24 anos de idade esto enfrentando taxas de desemprego maiores que 20 por cento, bem acima da mdia nacional de 10.8 por cento. (BLYTHE, 1993, p. 35) Para a maioria da juventude contempornea, a promessa de mobilidade econmica e social j no justifica mais as reivindicaes de que se valiam legitimamente as geraes que antecederam a esta. Os sinais de desespero desta gerao esto em toda parte. Pesquisas sugerem fortemente que a juventude contempornea de diversas classes, raas, etnicidade e culturas acreditam que ser muito mais duro para eles seguirem em frente do que foi para seus pais e que so, predominantemente, pessimistas sobre o destino, em longo prazo, de sua gerao e da nao. (HOWE; STRAUSS, 1993, p. 16)

    Agarrando-se ao script modernista de que o crescimento tecnolgico necessita de progresso, os educadores se recusam a desistir da antiga suposio que as credenciais escolares fornecem a melhor rota para a segurana econmica e a mobilidade de classe. Apesar de tal argumento9 ter sido uma verdade para a era da industrializao, no mais sustentvel na economia ocidental ps-fordista. Novas condies econmicas questionam a eficcia da escolarizao de massa em fornecer a mo de obra bem-treinada que os empregadores requeriam no passado. Levando em conta estas mudanas, parece imperativo que os educadores e outros agentes culturais reexaminam a misso das escolas. Em lugar de aceitar a suposio modernista de que as escolas deveriam treinar os estudantes para tarefas especficas de trabalho, faz mais sentido, no presente momento histrico, educar os estudantes para, diferentemente, teorizar sobre o significado do trabalho em um mundo ps-moderno. Indeterminao, em lugar da ordem, deve se tornar o princpio de uma pedagogia em que vises mltiplas, possibilidades e diferenas so abertas como parte de uma tentativa de ler o futuro contigentemente e no na perspectiva de uma metanarrativa que assume mais do que problematiza as especficas noes de trabalho, progresso e agenciamento. Em tais circunstncias, as escolas precisam redefinir os currculos dentro de uma concepo ps-moderna de cultura ligada s diversas e variveis condies globais que necessitam novas formas de alfabetizao, um maior entendimento de como o poder produzido nos aparatos culturais, e uma percepo mais aguda de como a atual gerao est sendo forjada em uma sociedade

    (9)http://aprendemoscompartilhandoexp.blogspot.com/2010/11/seus-pensamentos-tem-produzido-frutos.html (NT4)

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    na qual os meios de comunicao de massa tm um decisivo, e talvez sem paralelo, papel na construo de mltiplas e diversas identidades sociais.

    Como Stanley Aronowitz e eu (1993, p. 6) pontuamos em algum lugar:

    Esto sendo feitos poucos esforos para repensar o currculo luz da nova migrao e imigrao, muito menos para desenvolver pedagogias inteiramente diferentes. Por exemplo, em escolas secundrias e faculdades comunitrias, os estudantes continuam estudando matrias - estudos sociais, matemtica, cincia, ingls e idiomas estrangeiros. Algumas escolas tm acrescentado cursos de histria e cultura asitica, latina, americana e das sociedades caribenhas, mas tm pouco refletido sobre transformar os currculos das humanidades e dos estudos sociais luz das transformaes culturais da escola. Nem esto sendo feitos srios esforos para integrar as cincias com estudos sociais e humanidades; consequentemente, cincia e matemtica em lugar de serem vistos como marcadores cruciais de uma aproximao genuinamente inovadora de aprender, ainda esto sendo desenvolvidas como ordenados legados na maioria das escolas.

    Como instituies modernistas, as escolas pblicas no tm sido capazes de criar a possibilidade de pensar atravs do carter indeterminado da economia, do conhecimento, da cultura e da identidade. Consequentemente, ficou difcil, seno impossvel, para tais instituies entenderem como as identidades sociais so formadas e desafiadas nas condies polticas e tecnolgicas que tm produzido uma crise nos modos pelos quais a cultura organizada no Ocidente.

    Juventude fronteiria e cultura ps-moderna

    As programadas instabilidade e transitoriedade, caracteristicamente difundidas entre a gerao de 18 a 25 anos de idade, esto intrinsecamente arraigadas a um amplo conjunto de condies da cultura ps-moderna assegurado pelas seguintes suposies: perda geral de f nas narrativas modernistas sobre o trabalho e a emancipao; reconhecimento de que a indeterminao em relao ao futuro leva ao confronto e a viver no imediatismo

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    da experincia; reconhecimento de que o desabrigo condio arbitrria substituiu, ou mesmo distorceu a segurana caseira fonte de conforto e segurana; compresso e fragmentao da experincia de tempo e espao em um mundo de imagens que cada vez mais mina a dialtica da autenticidade e do universalismo. Para a juventude fronteiria, pluralidade e contingncia independente se mediada atravs das mdias ou pelas deslocaes rejeitadas pelo sistema econmico, pelo crescimento de novos movimentos sociais ou pela crise de representao resultou em um mundo com poucos marcadores seguros, sejam eles psicolgicos, econmicos ou intelectuais. Este um mundo no qual se condenado a vagar atravs de, dentro de, e entre mltiplas fronteiras e espaos marcados pelo excesso, pela alteridade, pela diferena e por uma noo deslocada de sentido e ateno. O mundo modernista da certeza e da ordem deu lugar a um planeta em que o hip hop e o rap condensam tempo e espao no que Paul Virilio chama espao de velocidade. J no se pertence a qualquer lugar ou a um local, os jovens cada vez mais habitam esferas culturais e sociais mutantes marcadas por uma pluralidade de linguagens e culturas.

    Comunidades tm sido refiguradas medida que o espao e o tempo se transformam em redes mltiplas e sobrepostas do ciberespao. Em cafs de North Beach, Califrnia, jovens conversam uns com os outros ladeados por quadros de anncios eletrnicos. Cafs e outros lugares pblicos, antigos refgios dos beatniks, hippies e outros crticos culturais deram lugar ao pessoal da cultura hacker que reordenam a imaginao atravs de conexes com as tecnologias de realidade virtual, e se perdem em imagens que, em guerra com os significados tradicionais, reduzem todas as formas de entender a espetculos de acesso fortuito.

    Isto no significa endossar, na idade ps-moderna, a recusa da Escola de Frankfurt em relao s culturas de massa ou popular. Pelo contrrio, acredito que as novas tecnologias eletrnicas, com sua proliferao de mltiplas histrias e formas abertas de interao, no s alteraram o contexto para a produo de subjetividades, mas tambm o modo como as pessoas encaram a informao e o entretenimento. (PARKES, 1994, p. 54) Valores j no emergem da pedagogia modernista fundamentalista e de verdades universais, ou de narrativas tradicionais baseadas em identidades fixas com suas compulsrias estruturas fechadas. Para muitos jovens, o significado est em curso, a mdia tornou-se um

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    substituto da experincia, e o que constitui entendimento baseia-se num mundo descentrado e diasprico de diferenas, deslocamento e trocas.

    Quero discutir o conceito de juventude fronteiria atravs de uma anlise geral de alguns filmes recentes que tentaram retratar a situao dos jovens dentro das condies de uma cultura ps-moderna. Vou me concentrar em trs filmes: Rivers Edge (1986), My own private idaho (1991) e Slackers (1991)10 . Todos estes filmes pontuam no s algumas das condies econmicas e sociais em curso na formao da juventude, mas, muitas vezes, o fazem em uma narrativa que combina uma poltica de desespero com uma descrio razoavelmente sofisticada das sensibilidades e humores de uma gerao. O desafio para os educadores crticos questionar como uma pedagogia crtica poderia ser empregada para neutralizar as piores dimenses da crtica cultural ps-moderna e ao mesmo tempo se apropriar de alguns de seus aspectos mais radicais. Ao mesmo tempo, h a questo de como as polticas e os projetos pedaggicos devem ser elaborados para criar as condies para um agenciamento social e mudanas institucionalizadas entre a juventude ps-moderna.

    Para muitos jovens ps-modernos, atingir a maioridade no fin de sicle significa um baque na esperana e uma tentativa de protelar o futuro ao invs de encarar o desafio modernista de tentar amold-lo. A crtica cultural ps-moderna tem capturado muito do enfado existente entre os jovens e deixou claro que o que costumava ser o pessimismo de uma minoria radical agora a suposio compartilhada por toda uma gerao. (ANSHAW, 1992, p. 27) A crtica cultural ps-moderna tem contribudo para alertar os educadores e outros interessados para as fraturas que, independente de raa ou classe, marcam uma gerao que parece no estar motivada nem pela nostalgia gerada por algumas perdas decorrentes do declnio da viso conservadora na Amrica e, nem mesmo, a vontade na Nova Ordem mundial pavimentada pelas promessas de expanso das vias de informao eletrnicas. Para a maioria dos analistas, a juventude tem se tornado estranha, estrangeira e desconectada do mundo real. Por exemplo, no filme de Gus Van Sant, My own private idaha, o principal personagem Mike, um garoto de programa, um sonhador perdido entre fragmentadas recordaes de uma me que o abandonou ainda criana. Flagrado entre flashbacks da me, em cores, em 8 mm,

    (10) Filmes exibidos no Brasil com os ttulos: Juventude Assassina, Garotos de Programa e Slakers (o mesmo ttulo do original ingls). (NT3)

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    e o mundo em vdeo da variada/heterognea rua dos garotos de programa e seus clientes, Mike se move atravs de sua existncia, adormecendo em tempos de tenso apenas para acordar em diferentes locais. O que liga as viagens psquicas e geogrficas de Mike a metfora do sono, o sonho de fuga, e a constatao de que mesmo as memrias das ltimas realizaes no podem abastecer de esperana o futuro. Mike se torna uma metfora para toda uma gerao forada a se vender em um mundo sem esperana, uma gerao que no aspira a nada, trabalha em degradantes McJobs, e mora em um mundo no qual chance e aleatoriedade traam os seus destinos mais do que a luta, comunidade e solidariedade.

    Um quadro mais perturbador pode ser encontrado em Rivers Edge. Anomia adolescente e a apatia causada pelas drogas tomam uma expresso dolorosa no retrato casual de um grupo de jovens proletariados traado por John, um dos membros do grupo, que contou que tinha estrangulado sua namorada, que tambm fazia parte do grupo, e abandonado o corpo nu nas margens do rio. Os membros do grupo, em momentos distintos, visitam o local, para ver e examinar o corpo morto da menina. Aparentemente incapazes de compreender o significado do evento, os jovens evitam inicialmente informar a quem quer que seja do assassinato e, em diferentes nveis de pertinente cuidado, inicialmente, tentam proteger John, o adolescente sociopata, de ser pego pela polcia. Os jovens em Rivers Edge movimentam-se por um mundo de famlias desestruturadas, vociferando rock music, com a escolaridade marcada por tempo morto, e uma indiferena geral para a vida como um todo. Descentrados e fragmentados, eles veem a morte, assim como a vida, meramente, como um espetculo, uma questo de estilo e no de substncia. Neste sentido, os jovens dos dois filmes compartilham a caracterstica de estarem adormecidos que retratada em My own private idaho. Mas, o que mais perturbador em Rivers Edge que aquela inocncia perdida no resulta apenas de uma miopia adolescente, mas em uma cultura na qual a vida humana vivida como uma seduo voyeurstica, um video game, bom para passar o tempo e desviar a si mesmo da dor do momento. Desespero e indiferena anulam a linguagem das discriminaes ticas e da responsabilidade social, ao mesmo tempo em que elevam o imediatismo do prazer momentneo como definidor de seus agenciamentos. Em Rivers Edge, a histria como memria social, remontada por meio de vinhetas dos anos 60,

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    retratada quer atravs de um qualquer ciclista desmotivado ou de um ex-radical que virou professor cuja moralizao relega a poltica a um simples oportunismo barato. As trocas entre os jovens em Rivers Edge aparecem como projees de uma gerao que espera apenas adormecer ou cometer suicdio. Depois de contar como assassinou a namorada, John deixa escapar, Voc faz merda, est feito, e ento voc morre. Prazer, violncia e morte, neste caso, reafirmam como uma gerao de jovens leva a srio o ditado de que a vida imita a arte ou como a vida moldada por uma cultura violenta de imagens na qual, como pondera outra personagem, poderia ser mais fcil estar morto. Para quem o namorado, em estilo John Wayne, responde, Papo furado, voc no poderia estar mais chapada. Rivers Edge e My own private idaho revelam o lado obscuro e sombrio de uma cultura jovem, enquanto empregados de Hollywood misturam fascinao e horror para excitar os espectadores atrados por estes filmes. Empregando a esttica ps-moderna de abominao, localismo, aleatoriedade e insensatez, os jovens nesses filmes parecem ser formados margem de uma paisagem cultural e econmica mais ampla. Em vez disso, eles se tornam visveis somente por meio de expresses viscerais de comportamento psictico ou de depressivas experincias de uma alienao inconsciente e autoimposta.

    Um dos filmes sobre juventude mais famosos da dcada de 90 Slacker de Richard Linklater. Incontestavelmente, filme de baixo oramento, Slacker tenta tanto na forma como no contedo capturar os sentimentos da juventude branca de 20 poucos anos que rejeita a maioria dos valores da era de Reagan/Bush, mas tem dificuldade em imaginar como seria uma alternativa. No linear em seu formato, o filme Slacker se passa em um perodo de 24 horas na cidade universitria de Austin. Utilizando uma estrutura antinarrativa tpica de filmes como o Phantom of liberty, de Luis Bunuel e La Rhonde de Max Ophlus, Slacker est afrouxadamente organizado em torno de breves episdios na vida de uma variedade de personagens, nenhuma das quais esto conectadas umas s outras, a no ser como pretexto para conduzir os espectadores ao prximo personagem do filme. Passando por livrarias, cafs, depsitos de carros velhos, quartos e boates, Slacker focaliza um grupo dspar de jovens que possui pouca esperana no futuro e vagueia de emprego em emprego, comunicando-se atravs de um dialeto bomio hbrido, de um balbuciar tpico da cultura pop e

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    new-age. O filme retrata uma horda de jovens que aleatoriamente se deslocam de um lugar para outro, atravessando fronteiras sem noo de onde vm ou para onde vo. Neste mundo de realidades mltiplas, a esquizofrenia emerge como a norma psquica do capitalismo tardio. (HEBDIGE, 1988, p. 88) Os personagens trabalham em grupos com nomes como Ultimate Loser, Perdedor Final, conversam sobre terem sido hospitalizados fora pelos pais, e uma neo-punker tenta vender o material de um teste de Papanicolaou de Madonna (a cantora) para dois conhecidos que encontra na rua: Olha s, eu sei que nojento, mas uma forma de chegar Madonna real. Trata-se de um mundo em que a linguagem uma mistura estranha de nostalgia, filosofia de pipoca, e blablabla de MTV. As conversaes esto organizadas em torno de comentrios, como: Eu no sei. Eu viajei, e quando voc volta, no pode dizer se realmente aconteceu com voc ou se voc acabou de ver na TV. A alienao interior e emerge em comentrios, como: eu me sinto preso. Ironia que esconde um pouco a recusa de imaginar qualquer tipo de luta coletiva. A realidade parece desesperadora demais para que se preocupe com ela. Isto espirituosamente capturado em um instante no qual um rapaz sugere: Voc conhece o slogan: Trabalhadores do mundo, uni-vos? Ns dizemos: trabalhadores do mundo, relaxem! As pessoas conversam, mas parecem desconectadas delas mesmas e dos outros; vidas se interpenetram sem sentido de comunidade ou qualquer outra conexo. Aparece forte em Slacker o paradoxo de uma gerao envolta com as novas tecnologias, pois ao mesmo tempo em que estas contm as aspiraes destes jovens de outro lhes roubam a garantia de um sentido de agenciamento.

    Em raros momentos no filme, a paralisia poltica de recusa solipsista compensada em instncias em que alguns personagens reconhecem a importncia da imagem como um veculo para a produo cultural, como um aparelho de representao que no pode apenas tornar algumas experincias disponveis, mas tambm pode ser usado para a produo de realidades alternativas e prticas sociais. O poder da imagem est presente na maneira como a cmera segue personagens ao longo do filme, ao mesmo tempo perseguindo-os (caando-os) e confinando-os a um olhar que simultaneamente limitador e incidental. Em uma cena, um homem jovem aparece em um apartamento cercado de televises que ele alega que teve por muitos anos. Ele se diz inventor de um jogo

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    chamado Vdeo Vrus em que atravs do uso de uma tecnologia especial ele pode apertar um boto e se inserir em qualquer tela e executar qualquer uma de uma srie de aes. Quando perguntado por outro personagem qual o significado do jogo, responde: Bem, ns todos sabemos os poderes psquicos da imagem televisiva. Mas precisamos tirar proveito dela, faz-la trabalhar a nosso favor em vez de trabalhar para ela. Este tema retomado em duas outras cenas. Em um clipe curto, a histria de um estudante universitrio que d um tiro na prpria cmera que est usando para se filmar, indicando ao mesmo tempo uma autoconscincia sobre o poder da imagem e uma habilidade para control-la. Na cena final do filme, um carro lotado de pessoas, cada uma delas com uma cmera Super 8 nas mos, se dirige at uma imensa colina de onde lanam suas cmeras em um canyon. O filme termina com as imagens sendo registradas pelas cmeras medida que caem, como uma cascata, ao fundo do precipcio, o que sugere um momento de alivio e de liberao. Na cultura ps-moderna retratada nesses trs filmes, no h nenhuma metanarrativa, nenhum sonho modernista pico, nem est l qualquer elemento de agenciamento social acompanhando a percepo individualizada de abandono, de autoconscientemente cortejar o caos e a incerteza.

    Em muitos aspectos, estes filmes apresentam uma cultura slacker da juventude branca, que tanto aterrorizada como fascinada pela mdia, que parece subjugada pelo perigo e pela maravilha das tecnologias do futuro, a banalidade do consumo, a seduo das grifes, [e] a dificuldade do sexo em relaes alienadas. (KOPKIND, 1992, p. 183) O significado desses filmes reside, em parte, na tentativa de capturar o sentimento de impotncia que permeia cada vez mais raa, classe e gerao. Mas o que est faltando nesses filmes, assim como em vrios livros, artigos e reportagens sobre o que frequentemente chamado de A Gerao Nowhere, Gerao X, 13thGen ou Slackers a total falta de percepo/conhecimento das condies polticas e sociais mais amplas nas quais a juventude est sendo moldada. O que de fato poderia ser um comentrio social sobre o fim do capitalismo emerge simplesmente como uma celebrao da recusa vestida de uma retrica da esttica, estilo, moda e protestos solipsistas. Neste tipo de comentrio, a crtica ps-moderna til, mas limitada pela sua incapacidade, muitas vezes terica, de levar avante a discusso da relao entre identidade e poder, a biografia e a mercantilizao

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    da vida cotidiana, ou os limites das agncias, em uma economia ps-Fordista, como parte de um projeto mais amplo de possibilidades ligadas a questes de histria, luta e transformao. Os contornos desse tipo de crtica so capturados em um comentrio de um observador perspicaz da cultura slacker, Andrew Kopkind (1992, p. 187):

    No provvel que as relaes domsticas e econmicas que criaram uma nova conscincia avancem nestes poucos anos que restam neste sculo, ou no incio do prximo, quando os slackers estaro na meia-idade. As escolhas dos jovens sero cada vez mais restritas. Em poucos anos, um emprego estvel em uma loja de shopping center ou em uma rede de supermercados pode ser tudo o que restar para a maioria dos diplomados em nvel superior. A vida cada vez mais como uma loteria uma loteria com nada mais que a sorte do sorteio que determina se voc recebe um contrato de gravao, consegue patrocnio para seu roteiro de filme ou arruma um emprego com seu MBA. Slacking [deixar pra l] , portanto, uma resposta racional ao capitalismo de cassino, a randomizao do sucesso e a arbitrariedade absoluta de poder. Se nenhum talento suficiente, por que se preocupar em aprimorar suas habilidades? Se no for possvel encontrar um bom trabalho, porque no relaxar e desfrutar a vida?

    O desafio pedaggico representado pelo surgimento de uma gerao ps-moderna no passou despercebido aos anunciantes e analistas de pesquisa de mercado. De acordo com um estudo de 1992 da Roper Organization, a atual gerao de 18 a 29 anos tem um poder de compra anual de 125 bilhes de dlares. Procurando atingir os interesses e gostos desta gerao, o McDonald, por exemplo, introduziu o hip-hop e imagens para promover hambrgueres e batatas fritas, idem para a Coca-Cola, com seus frenticos comerciais que promovem a Coca-Cola Classic. (HOLLINGSWORTH, 1993, p. 30) Benetton, Reebok e outras empresas seguiram o exemplo nas suas tentativas para mobilizar os desejos, identidades, e padres de compra de uma nova gerao de jovens. O que aparece como uma expresso horrvel da condio ps-moderna para alguns tericos torna-se para outros um desafio de inventar novas estratgias de mercado para os interesses corporativos. Neste cenrio, os jovens podem experimentar as condies do ps-modernismo, mas os anunciantes empresariais esto tentando teorizar uma pedagogia

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    de consumo como parte de um nova maneira de apropriar-se das diferenas do ps-modernismo. O que educadores precisam fazer tornar o pedaggico mais poltico, direcionando tanto as condies de ensino como o que isto significa para a aprendizagem de uma gerao que est experimentando a vida de uma maneira bem diferenciada das representaes oferecidas nas verses modernistas de educar. O surgimento das mdias eletrnicas associada a uma diminuio da f no poder da ao humana neutralizou as tradicionais vises do educar e do significado da educao. As formas de autoridade do professor que eram baseadas na linguagem dos planos de aula e na ascenso social foram radicalmente deslegitimadas pelo reconhecimento de que cultura e poder so centrais nas relaes de autoridade/conhecimento. F no modernismo, no passado, deu lugar a um futuro em que os marcadores tradicionais j no fazem sentido.

    Educao ps-moderna

    Nesta seo, quero desenvolver a tese de que os discursos ps-modernos cumprem a promessa de alertar os educadores da existncia de uma nova gerao de jovens fronteirios, mas no apresentam solues. As condies e caractersticas indicadas como definidoras de tal juventude esto longe da uniformidade ou de uma total consonncia. Mas o receio, que pode ser paralisante, de homogeneizar a categoria juventude, no deve impedir os educadores e os crticos culturais de direcionar as consequncias para esta atual gerao que aparece refm, por um lado, das vicissitudes de uma ordem econmica em constante mudana com seu legado de pouca esperana, e por outro, de um mundo de imagens esquizides, proliferantes espaos pblicos e uma crescente fragmentao, incerteza e aleatoriedade que estruturam a vida cotidiana ps-moderna. Central a esse assunto saber se os educadores esto lidando com este novo tipo de estudante forjado dentro de princpios que so moldados pela interseo da imagem eletrnica, pela cultura popular e por um crucial sentido de indeterminao. Diferenas parte, o conceito de juventude fronteiria no representa exatamente uma classe distinta, uma posio na sociedade ou em um grupo social, mas um referencial por nomear e compreender a emergncia de um conjunto de

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    condies, tradues, cruzamentos de fronteiras, atitudes e sensibilidades esgaradas entre os jovens que ultrapassa raa e classe e que representa um fenmeno relativamente novo. Neste cenrio, as experincias da juventude contempornea ocidental, no atual mundo do modernismo tardio, esto sendo ordenadas ao redor de coordenadas que estruturam a experincia de vida cotidiana fora dos princpios unificados e dos mapas de certeza que ofereceram representaes confortveis e seguras s geraes anteriores.

    A juventude, cada vez mais, confia menos nos mapas do modernismo para construir e afirmar as suas identidades; ao invs, encara a tarefa de encontrar os seus caminhos atravs de uma descentrada paisagem cultural, no mais apegada tecnologia de impresso, a estruturas narrativas fechadas, ou certeza de um futuro econmico seguro. As tecnologias emergentes que constroem e posicionam os jovens representam terrenos interativos que atravessam linguagem e cultura, sem pr-requisitos narrativos, sem atributos complexos... Complexidade narrativa tem aberto caminho para projetar a complexidade; contos tm aberto caminho para um ambiente sensvel. (PARKES,1994, p. 50)

    A pedagogia ps-moderna tem que focar nas inconstantes atitudes, representaes e desejos desta nova gerao que forjada pela atual conjuntura histrica, econmica e cultural. Por exemplo, as condies de identidade e a produo de novos mapas de sentido devem ser entendidas dentro de novas hbridas prticas culturais inscritas em relaes de poder que entrecruzam diferentemente raa, classe, gnero e orientao sexual. Mas tais diferenas no devem apenas ser entendidas em termos do contexto de cada luta, mas tambm por uma linguagem comum de resistncia que aponte para um projeto de esperana e possibilidades. Nisto que reside a importncia do legado positivo do modernismo crtico: faz-nos lembrar da importncia da vida pblica, da luta democrtica e dos imperativos de liberdade, igualdade e justia.

    Os educadores precisam entender como, entre a juventude, diferentes identidades vo sendo forjadas em esferas geralmente ignoradas pelas escolas. Aqui poderia ser includa uma anlise de como a pedagogia trabalha para produzir, circular e confirmar formas particulares de conhecimento e desejos nestas diversas esferas pblicas e populares onde sons, imagens, impresso e cultura eletrnica tentam atrelar significado para e contra a possibilidade de expandir a justia social e a dignidade humana.

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    Shopping centers, comunidades de rua, video hall, lanchonetes, cultura televisiva e outros elementos de cultura popular devem se tornar contedos importantes do conhecimento escolar. Mas aqui est em jogo mais do que uma etnografia dessas esferas pblicas onde identidades individuais e sociais so construdas e desafiadas. Mais importante a necessidade de constituir uma linguagem tica e poltica que sinalize a diferena entre relaes que promovem violncia daquelas que promovem culturas pblicas diversas e democrticas, para que, atravs destas ltimas, os jovens e outros possam entender seus problemas e preocupaes como parte de um esforo maior para questionar e romper com as narrativas dominantes de identidade nacional, privilgio econmico e poder individual.

    A Pedagogia deve redefinir sua relao com as formas modernistas de cultura, privilgio e canonicidade, assim como servir como veculo tradutor e fertilizador. A pedagogia como uma prtica cultural crtica precisa abrir novos espaos institucionais nos quais os estudantes possam experenciar e definir o que significa ser um produtor cultural capaz de fazer leitura de textos e, ao mesmo tempo, produzi-los, de engajar-se e desengajar-se nos discursos tericos, sem nunca perder de vista a necessidade de ser autor de suas teorizaes. Alm disso, se os educadores crticos tm que se posicionar para alm dos profetas ps-modernos da hiper-realidade, as polticas no devem ser exclusivamente constitudas para se conectar nova comunidade mediada eletronicamente. A luta pelo poder no somente para expandir a gama de textos que constituem as polticas de representao, , tambm, para lutar de dentro e contra essas instituies que manipulam o poder econmico, cultural e econmico.

    Est ficando cada vez mais na moda defender uma pedagogia ps-moderna na qual fundamental reconhecer que um efeito importante do hipertexto eletrnico reside na forma como ele desafia, hoje, as premissas convencionais sobre professores, estudantes e as instituies em que eles vivem. (LANDOW, 1992, p. 120) To importante quanto esta preocupao refigurar a natureza da relao entre autoridade e conhecimento e as condies pedaggicas necessrias para descentrar o currculo e abrir novos espaos pedaggicos. Estas preocupaes no esto avanando o suficiente e correm o risco de se degenerar em outra rgida metodologia super valorizada. A pedagogia ps-moderna deve ser

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    mais sensvel ao modo como os professores e estudantes agenciam textos e identidades, mas isto tem que ser realizado atravs de um projeto poltico que articule a prpria autoridade a uma compreenso crtica de como se reconhecer o outro como sujeito e no como objeto da histria. Em outras palavras, a pedagogia ps-moderna, como parte de um esforo mais amplo para reimaginar as escolas como esferas pblicas democrticas, tem que tratar como o poder est estabelecido em, dentro e entre diferentes grupos. A autoridade neste exemplo est ligada autocrtica e se torna uma prtica poltica e tica por meio da qual os estudantes ficam responsveis por si mesmos e pelos outros. Tomando como essencial o projeto poltico educacional, os educadores podem definir e debater os parmetros atravs dos quais as comunidades de diferenas definidas por relaes de representao e de recepo dentro de sistemas sobrepostos e transnacionais de informao, troca e distribuio podem levar ao que significa ser educado em uma prtica de empoderamento. Neste exemplo, as escolas podem ser repensadas, como esferas pblicas, como regies fronteirias que se entrecruzam (CLIFFORD, p. 134), ativamente empenhadas em produzir novas formas de comunidades democrticas organizadas como locais de traduo, negociao e resistncia.

    Tambm necessrio aos educadores ps-modernos um entendimento mais especfico de como, mutuamente, a emoo e a ideologia constroem conhecimento, as resistncias e a identidade agenciados pelos estudantes, quando esses, transitando entre as narrativas dominantes e as rupturas, buscam, de diferentes modos, afianar formas particulares de autoridade. Fabienne Worth (1993, p. 8) est correta em criticar os educadores ps-modernos por subestimar a natureza problemtica da relao entre desejo e empreendimento crtico. Uma pedagogia ps-moderna deve tratar a forma como a questo da autoridade pode ser vinculada a processos democrticos na sala de aula que no promovam o terrorismo pedaggico e ainda assim ofeream representaes, histrias e experincias que permitam aos estudantes criticamente tratar da construo de suas prprias subjetividades medida que se engajem simultaneamente em um contnuo processo de negociao entre o eu e o outro. (WORTH, 1993, p. 26)

    As condies e problemas da juventude fronteiria podem ser ps-modernos, mas esta juventude ter que se engajar atravs do desejo de questionar o mundo de polticas pblicas, mas, ao

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    mesmo tempo, reconhecer os limites dos insights mais teis do ps-modernismo. Em parte, isto significa tornar o ps-modernismo mais poltico, apropriando-se da atual demanda para um mundo melhor ao tempo que se abandona as narrativas lineares da histria ocidental, a cultura unificada, a ordem disciplinar e o progresso tecnolgico. Neste caso, a importncia pedaggica da incerteza e da indeterminao, mesmo sem o benefcio moderno das metanarrativas, pode ser repensada com base na noo modernista de mundo-sonhado. Assim a juventude e outros podem moldar as condies para a produo de novas formas de aprender, engajar-se e positivar as possibilidades de luta social e solidariedade. Pedagogos radicais no podem aderir a uma inanidade apocalptica nem a uma poltica de recusa, que celebra o imediatismo da experincia sobre o dinamismo mais profundo da memria social e da indignao moral forjada dentro, de e contra condies de explorao, opresso e abuso de poder. A pedagogia ps-moderna precisa confrontar a histria como mais que um simulacro e a tica como algo diferente da simples casualidade prpria da linguagem incomensurvel dos jogos. Os educadores ps-modernos precisam assumir uma posio, mas sem rigidez, para assim poder engajar suas prprias polticas como intelectuais pblicos sem, entretanto, essencializar os referentes ticos relacionados resoluo do sofrimento humano.

    Alm disso, uma pedagogia ps-moderna necessita ir alm de um chamado para refigurar o currculo apenas para incluir novas tecnologias da informao; ao invs, precisa afirmar polticas que vinculem as noes de autoridade, tica e poder central a uma pedagogia que se abra em lugar de fechar as possibilidades de uma sociedade democrtica radical. Neste discurso, imagens no dissolvem, meramente, a realidade em outro texto; pelo contrrio, as representaes se tornam cruciais para revelar as relaes das estruturas de poder no trabalho, na comunidade, na escola, na sociedade e em uma ordem global maior. Nesta lgica (com outro toque de etnicidade), a diferena no sucumbe; ao invs, torna-se uma marca de luta em um movimento contnuo em prol a uma concepo compartilhada de justia e radicalizao da ordem social.

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    Slacking off: border youth and postmodern education

    Abstract: the text argue that postmodernism as a site of conflicting forces and divergent tendencies becomes pedagogically useful when it provides elements of a discourse of opposition to understand and respond to cultural transformation and educational shift affecting youth in North America. It is presented in three internal sections: Welcome to the Postmodern Backlash with the defense that postmodernism is relevant in that it becomes part of a broad political project in which the relationship between modernism and postmodernism becomes dialectical, dialogical, and critical. Modernist Schools and Postmodern Conditions with an analysis that so far modernist institutions, public schools have not been able to open up the possibility of thinking through the indeterminate nature character of the economy, knowledge, culture, and identity. Border Youth and Postmodern Culture a portrait of the border youth through the analysis of three films. And in the end, accepting that postmodernism and modernism inform each other rather than cancel each other out, proposes a different and new education called Postmodern Education.Keywords: Education. Border youth. Postmodernism.

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    Artigo submetido em 31/05/2010 e aceito em15/10/2010