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Giulianna Silva Serricella
Globalização e Refúgio – os refugiados congoleses na cidade do Rio de Janeiro como
exemplo dessa relação complexa
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Geografia.
Orientador: Prof. João Rua Co-orientadora: Profa. Maria Elena Rodriguez
Rio de Janeiro Julho de 2016
Giulianna Silva Serricella
Globalização e Refúgio – os refugiados congoleses na cidade do Rio de Janeiro como exemplo dessa relação complexa
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Geografia do Departamento de Geografia e Meio Ambiente do Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.
Prof. João Rua Orientador
Departamento de Geografia e Meio Ambiente – PUC - Rio
Profª. Maria Elena Rodriguez Co-orientadora
Instituto de Relações Internacionais – PUC - Rio
Profª. Maria Regina Petrus Tannuri Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ
Prof. Alvaro Henrique de Souza Ferreira Departamento de Geografia e Meio Ambiente – PUC - Rio
Profª Mônica Herz Vice-Decana de Pós-Graduação do Centro de
Ciências Sociais – PUC – Rio
Rio de Janeiro, 12 de Julho de 2016
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do autor e do orientador.
Giulianna Silva Serricella
Graduou-se em Relações Internacionais na PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) em 2013.
Ficha Catalográfica
CDD: 910
CDD: 910
Serricella, Giulianna Silva Globalização e Refúgio : os refugiados congoleses na cidade do Rio de Janeiro como exemplo dessa relação complexa / Giulianna Silva Serricella ; orientador: João Rua ; co-orientadora: Maria Elena Rodriguez. – 2016. 157 f. : il. color. ; 30 cm Dissertação (mestrado)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Geografia e Meio Ambiente, 2016. Inclui bibliografia 1. Geografia – Teses. 2. Globalização. 3. Refúgio. 4. Refugiados congoleses. 5. Rio de Janeiro. I. Rua, João. II. Rodriguez, Maria Elena. III. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Geografia e Meio Ambiente. III. Título.
Agradecimentos
Iniciar o mestrado em Geografia representou estar aberta a olhar o mundo com
outros olhos e, ao mesmo tempo, cair de paraquedas num espaço em que fui
surpreendente e felizmente tão bem acolhida. Minha gratidão é imensa a cada um
que deixou um pouco de si e levou um pouco de mim ao longo desses dois anos.
Boas lembranças e aprendizado não faltaram.
Agradeço ao Professor João Rua, meu querido orientador, que desde o primeiro
dia no mestrado me acolheu de braços abertos. Sem ele, nada disso teria sido
possível. O João tem um dos maiores corações que já encontrei na vida, obrigada
por ter sido mais do que um orientador, e por ter ser esta pessoa tão compreensiva
em todos os momentos. Não tenho palavras suficientes para agradecer o privilégio
do nosso encontro.
Agradeço com todo meu coração à Professora Maria Elena, que desde a graduação
me acompanha, me orienta, me incentiva e “embarca” nas minhas loucuras e
prazos apertados. Você é uma referência pra mim, obrigada pela amizade e
carinho de todos esses anos.
Com carinho especial, agradeço à Professora Regina Célia de Mattos e ao
Professor Alvaro Ferreira, foi muito importante ter vocês ao longo dessa
caminhada. Me sinto muito feliz e privilegiada por ter compartilhado a presença e
companhia da Regina em momentos não apenas acadêmicos. Agradeço pelas
conversas, pelos conselhos, pelas escutas sobre a vida, pelos momentos de
descontração e risadas, pelo carinho e acolhimento desde o primeiro momento.
Alvaro representou meu primeiro contato com a Geografia, ainda na graduação, e
um pouco responsável (ainda que não saiba) por esse mestrado. Agradeço por ter
chamado minha atenção para novos questionamentos, olhares e reflexões. Suas
aulas me ensinaram como é gratificante fazer o que se ama na vida, e eu espero
um dia passar essa mesma motivação, alegria e desejo de mudança em qualquer
caminho que eu siga.
À Professora Regina Petrus, que desde o início esteve de braços abertos para
compartilhar sua experiência e vivência com os refugiados no Rio de Janeiro.
Agradeço pela compreensão, pelo carinho e pela confiança.
Aos amigos que o mestrado me proporcionou. Agradeço por ter sido acolhida de
abraços abertos, pela amizade, risadas, trocas e aprendizado. Aos colegas do
Grupo de Estudos Urbanos e Rurais (URAIS), pelo companheirismo, pelo
crescimento conjunto, pelos momentos de descontração e pelas contribuições. Os
espaços de troca foram essenciais ao longo desses dois anos.
Aos colegas do CONARE e da Caritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro, que
durante quase quatro anos, acrescentaram sem igual a esse trabalho e as minhas
decisões e certezas acerca do longo caminho a continuar sendo percorrido. Foram
muitas as pessoas especiais que esses espaços me trouxeram, tanto na rotina
diária, no Rio de Janeiro, como também à distância, em Brasília e em São Paulo.
Às amigas de sempre e da vida, que estão sempre por perto, e são a família que eu
escolhi. Não tenho palavras para vocês.
Ao Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições de Ensino Particulares
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(PROSUP/CAPES), e à Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro pelo
suporte financeiro para a realização deste Mestrado.
Finalmente, aos meus pais que são exemplos de força e determinação. Agradeço
pelo apoio de sempre e pelo companheirismo. À minha irmã, Isabella, uma grande
companheira que a vida me deu e que caminhará sempre ao meu lado. O apoio de
vocês é e sempre será fundamental.
Resumo
Serricella, Giulianna Silva; Rua, João. Globalização e Refúgio – os refugiados congoleses na cidade do Rio de Janeiro como exemplo dessa relação complexa. 2016. 157p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Geografia e Meio Ambiente – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
O objetivo deste trabalho é analisar as interações entre globalização e
refúgio exemplificada pelo processo de reterritorialização dos refugiados
congoleses na cidade do Rio de Janeiro. No trabalho tentaremos responder a
seguinte questão: como se apresentam as interações entre globalização e refúgio a
partir do exemplo do processo de reterritorialização dos refugiados congoleses na
cidade do Rio de Janeiro? Procura-se analisar como a globalização e a questão dos
refugiados estão relacionadas, tendo como marco a criação da Convenção de 1951
e do Protocolo de 1967 relativos ao Estatuto dos Refugiados. Em seguida, busca-
se analisar a política em relação aos refugiados adotada no Brasil, a partir da
promulgação da Lei 9.474/1997 e a criação do Comitê Nacional para Refugiados.
Estabelece-se a interação entre diferentes agentes e atores (órgãos estatais,
organização internacional e instituições da sociedade civil e os refugiados) que
estão envolvidos na criação e implementação de ações voltadas para a integração
local de refugiados no Brasil e, mais especificamente, no Rio de Janeiro.
Demonstra-se, a partir do caso específico dos congoleses em situação de refúgio
no Rio de Janeiro, que a reterritorialização e a integração local dos refugiados no
Brasil ocorrem a partir de estratégias criadas por diferentes agentes, destacando os
próprios refugiados e, possibilitando, com isso, sua integração através de redes
sociais locais.
Palavras-chave
Globalização; refúgio; refugiados congoleses; Rio de Janeiro.
Abstract
Serricella, Giulianna Silva; Rua, João (Advisor). Globalization and Refuge - the Congoleses refugees in the city of Rio de Janeiro as an example of this complex relationship. 2016. 157p. MSc. Dissertation – Departamento de Geografia e Meio Ambiente – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
This piece of work aims to analyse the interactions between the
globalization and refuge as exemplified by the reterritorialization process of the
Congolese refugees in the city of Rio de Janeiro. In this work we try to answer the
following question: how do present the interactions between the globalization and
the refuge onwards the example of the reterritorialization process of the
Congolese refugees in the Rio de Janeiro city? We seek to analyse how the
globalization and the issue of refugee are related, based on the 1951 Convention
and the 1967 Protocol related to the Refugee Statute. Thereafter, we aim to
analyse the Brazilian refugee politics adopted by Brazil, from the Law 9.474/1997
and the implementation of the National Committee for Refugees (CONARE). Is
established the interaction between different agents and actors (governmental
bodies, international organizations and institutions from civil society and the
refugees) that are involved in the creation and implementation of practices related
to local refugee integration in Brazil, and more specifically, in Ro de Janeiro. We
demonstrate, from the specific case of the Congolese refugees in Rio de Janeiro,
where the territorialisation and local integration of the refugees in Brazil happen
through different strategies created by different agents, where refugees is being
highlighted and where the integration becomes through local social networks.
Keywords
Globalization; refuge; Congoleses refugee; Rio de Janeiro.
Sumário 1. Introdução 15
2. A globalização e os refugiados: relação problemática nas suas diferentes escalas 26 2.1. A globalização como processo homogeneizador e fragmentador 27 2.2. O continente africano no contexto da globalização e a migração internacional: o caso específico da República Democrática do Congo 39 2.3. O sistema internacional dos refugiados e o processo de globalização 55 2.4. O refugiado como o “outro” e sua relação com o território de destino 68 3. O refúgio no Brasil e a integração dos refugiados congoleses na cidade do Rio de Janeiro 76 3.1. O instituto do refúgio no Brasil e a determinação da condição de refugiado 79 3.2. Solicitantes de refúgio e refugiados no Brasil: o perfil desta população 97 3.3. Políticas públicas de assistência e integração para os refugiados: avanços observados entre 2009 e 2016 112 3.4. O processo de reterritorialização e o papel das redes sociais desde a saída do país de origem 122 3.5. Refugiados congoleses: uma integração possível? 129 4. Considerações finais 143 5. Referências bibliográficas 150
Lista de tabelas
Tabela 1: Solicitações de refúgio no Brasil (entradas por ano, 2010 – 2015) 83
Tabela 2: Solicitações de refúgio no Brasil (entradas por ano, 2010 – 2015) 100
Tabela 3: Solicitações de refúgio: por país de origem (no Brasil) 100
Tabela 4: Refugiados reconhecidos no Brasil 102
Tabela 5: Refugiados reconhecidos no Brasil: por país de origem 102
Tabela 6: Julgamentos (processos decididos por ano, 2010 – 2015) 103
Tabela 7: Indeferimentos da condição de refugiados (por país de origem) 104
Tabela 8: Perfil dos Refugiados (2010 – 2015) 104
Tabela 9. Refugiados reconhecidos no Brasil 105
Tabela 10. Estado de solicitações dos congoleses reconhecidos
como refugiados pelo CONARE 110
Tabela 11. Refugiados reconhecidos no Brasil: nacionais
da República Democrática do Congo (RDC) por local de entrevista 110
Tabela 12. Motivações de saída da RDC (refugiados reconhecidos) 111
Lista de abreviaturas e siglas ACNUR Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados
BCP Border Crossing Points
BPS Benefício de Prestação Continuada
BM Banco Mundial
BRICs Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul
CACB Comunidade Ango-Congolesa do Brasil
CARJ Caritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro
CASP Caritas Arquidiocesana de São Paulo
CGARE Coordenação Geral para Assuntos de Refugiados
CNIg Conselho Nacional de Imigração
CONARE Comitê Nacional para Refugiados
CRAIs Centros de Referência e Atendimento a Imigrantes e
Refugiados
CTPS Carteira de Trabalho e Previdência Social
FMI Fundo Monetário Internacional
GEP Grupos de estudos prévios
HSE Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro
IMDH Instituto de Migrações e Direitos Humanos
LRA Lord`s Resistance Army
MERCOSUL Mercado Comum do Sul
MONUSCO Missão das Nações Unidas para a Estabilização da
República Democrática do Congo
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
OIM Organização Internacional para as Migrações
OIT Organização Internacional do Trabalho
OMC Organização Mundial do Comércio
ONU Organização das Nações Unidas
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PRONATEC Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e
Emprego
RDC República Democrática do Congo
RN Resolução Normativa
RNE Registro Nacional de Estrangeiro
SUS Sistema Único de Saúde
UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UNHCR United Nations High Commissioner for Refugees
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
As pegadas das pessoas que caminharam juntas nunca se apagam.
Provérbio da República Democrática do Congo
“Quando é verdadeira, quando nasce da necessidade de dizer, a voz humana não encontra quem a detenha. Se lhe negam a boca, ela fala pelas mãos, ou pelos olhos, ou pelos poros, ou por onde for. Porque todos, todos, temos algo a dizer aos outros, alguma coisa, alguma palavra que merece ser celebrada ou perdoada pelos demais”.
Eduardo Galeano, O livro dos abraços, 2014, p. 23.
15
1. Introdução
Esse trabalho tem como objeto de pesquisa as interações entre
globalização e refúgio exemplificada pelo processo de reterritorialização dos
refugiados congoleses na cidade do Rio de Janeiro. Diante disso, importa definir o
refúgio, as pessoas que poderiam ter acesso a esse tipo de proteção, assim como
relacionar esse fenômeno ao processo de globalização e as problemáticas que o
seguem. Só assim, poderemos então, em uma escala local, exemplificar esta
relação através do processo de reterritorialização dos refugiados congoleses na
cidade do Rio de Janeiro.
Existem diversos entendimentos acerca do surgimento da globalização,
entretanto, pode-se dizer que exista um consenso relativo aos anos 1970 como o
período que fora mais diretamente associado a este fenômeno, o qual foi visto por
Milton Santos como o período “Técnico-científico-informacional” (Santos, 2000).
Esse momento caracterizou-se por intensa formação de novos fluxos (financeiros,
comerciais e humanos) ou reforçou alguns já previamente existentes. A
intensificação nesse período, também das relações internacionais, explicita um
mundo mais interconectado e interdependente.
Esse movimento de fluxos constitui-se numa das bases mais características
da globalização. Esta passa a ser aceita como algo inevitável e inerente ao período
técnico-científico-informacional, tornando-se algo natural e desejável por todos os
indivíduos. Fortalece-se uma espécie de jogo no qual, atores hegemônicos
(empresas e Estados) impõem uma série de representações de caráter positivo a
respeito dessa globalização homogeneizadora ocultando seus aspectos perversos
sentidos por grande parte da população mundial. Estabelece-se uma espécie de
“pano de fundo” para a constituição das migrações e da busca de refúgio no
mundo contemporâneo.
Observa-se então, a naturalização da globalização, enquanto processo que
atinge o mundo em sua esfera global. Associado à globalização e à
“sobrevalorização” da esfera global, surge também o protagonismo das empresas
transnacionais e das organizações multilaterais, como o Banco Mundial (BM), o
Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização Mundial do Comércio
16 16
(OMC). A imagem difundida neste momento é a de relacionar a globalização ao
desenvolvimento, à modernidade, ao avanço tecnológico e ao livre mercado. A
percepção da globalização também nos associa a uma “falsa ideia” de um mundo
homogêneo, onde as diferenças desaparecem, as desigualdades tenderiam a
diminuir e todos os Estados fariam parte deste “mundo globalizado”. A
globalização seria então associada a “superação das fronteiras e das barreiras
locais e nacionais” (PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 14), num mundo
interconectado, e interdependente economicamente.
Esse processo demonstra por outro lado, seu caráter fragmentador e
heterogêneo, colocando em xeque as afirmações e conceitos primordialmente
defendidos pelos propagadores da globalização. Como evidenciado por Porto-
Gonçalves,
uma das afirmações mais comuns quando se fala de globalização – de que estamos num mundo cada vez mais interdependente – deve ser mais cuidadosamente analisada, até porque interdependência não quer dizer, necessariamente, que todos são igualmente dependentes nessa ordem mundial de interdependência generalizada (2006, p. 22).
Assim, as relações hierárquicas, a dependência econômica (gerada a partir
do aumento nas políticas econômicas de importação e exportação), o discurso
neoliberal em defesa de um livre mercado, e a dominação da natureza, associado
ao uso e avanço das técnicas e da ideia de que o meio ambiente e as riquezas
naturais e minerais são infinitas, permeiam o discurso ocidentalizado da
globalização.
Se a globalização for analisada a partir de seus efeitos em diferentes
escalas (global, nacional, regional e local) será possível atentarmos para a sua
heterogeneidade e desigualdade nesse processo. Porto-Gonçalves nos relembra
que “o colonialismo e o imperialismo não deixam de existir sob a globalização
neoliberal” (2006, p. 47). Ainda que o discurso propagado pelas potências
hegemônicas e pelos países ditos “desenvolvidos” seja o de que todos podem
alcançar este desenvolvimento, o que se vê é a propagação desta exploração e
dependência econômica e política de países recentemente descolonizados. Assim,
“a modernidade é inseparável da colonialidade” (2006, p. 47).
Nesse trabalho, pretendemos ir além da noção de globalização atrelada
apenas ao desenvolvimento econômico, a uma estrutura de livre-mercado,
17 17
flexibilização das fronteiras para as exportações e importações, mas enxergá-la a
partir de seu impacto na comunidade e na população local. Concordando com
Haesbaert que a globalização é um processo homogeneizador, mas, ao mesmo
tempo, fragmentador (HAESBAERT, 2014).
O Estado passa a estabelecer forma de controle em seus territórios, a partir
das relações de poder existentes entre os diferentes agentes e atores presentes
neste processo. Observa-se então, uma relação contraditória onde ao mesmo
tempo em que há a flexibilização das fronteiras econômicas, há por outro lado, o
recrudescimento dos limites ligados ao movimento dos indivíduos, que levou em
muitos casos ao maior controle das fronteiras.
Assim, a globalização e a migração internacional caminham juntas,
tornando-se dois conceitos interdependentes, e que ao longo do século XX se
intensificam e aprofunda esta relação. Como visto por Castles, “globalização em
sua essência significa o fluxo através das fronteiras – fluxos de capital,
commodities, ideias e pessoas. Estados são abertos aos dois primeiros tipos, mas
são suspeitos em relação aos outros” (CASTLES, 2007, p. 39).
A intensificação do fluxo migratório com efeitos no volume, direção e
características da migração, também levou a mudanças na forma como a
comunidade internacional, os Estados e organizações não governamentais
passaram a lidar com este movimento ininterrupto. O que se observa atualmente é
o aumento de medidas e políticas migratórias com o intuito de buscar o
estabelecimento de medidas direcionadas aos diferentes fluxos de migrações
forçadas, tanto no âmbito nacional quanto regional e global. Castles (2007, p. 47)
propõe uma visão da migração contemporânea como um processo social, com
suas próprias dinâmicas. Ao mesmo tempo, a globalização e a intensificação do
movimento migratório, bem como dinâmicas culturais e econômicas têm
provocado a diversidade desses fluxos. Hoje encontramos migrantes econômicos,
migrantes por questões ambientais, migrantes por violência interna e ameaça aos
seus direitos humanos, entre outros, onde a diferenciação entre essas categorias se
torna cada vez mais sutil.
As pessoas que deixam seus lares por razões relacionadas a instabilidade
política de governos vigentes, conflitos religiosos e/ou étnicos, violência em razão
de seu pertencimento a um grupo social específico, regimes repressivos, um
contexto de instabilidade política, econômica ou social, ou devido à grave
18 18
violação de direitos humanos e violência contra a população civil, são chamadas
de refugiados. Estes são obrigadas a deixar seus países de origem para buscar
proteção em um segundo Estado, em razão de situações de extrema violência e
violação dos direitos humanos. Da mesma forma, organizações internacionais e
agências da ONU tem como mandato garantir a proteção e dar assistência a essas
pessoas. O marco para a proteção dos refugiados é a Convenção de Genebra,
promulgada em 1951, com o intuito de garantir proteção internacional a esta
população e uma responsabilidade estatal por parte do país de acolhida.
Ao considerarmos as estatísticas atuais, o número de refugiados no mundo
se tornou alarmante, sendo o deslocamento forçado um fenômeno que já atinge
todas as partes do mundo. De acordo com a última publicação do ACNUR, em 18
de dezembro de 2015, estima-se um total de aproximadamente 20,2 milhões de
refugiados no mundo, número este que ultrapassou a barreira dos 20 milhões pela
primeira vez desde 1992. Enquanto isso, o número de deslocados interno teve um
aumento de 2 milhões para aproximadamente 34 milhões, isto é, atualmente, 1 a
cada 122 indivíduos é obrigado a deixar sua casa. Além disto, o relatório aponta
para uma perspectiva de crescimento deste número de forma não gradual, ao
longo de 2016. Sabe-se que a guerra na Síria, representa hoje o maior produtor de
refugiados no mundo, e permanece causando também um deslocamento interno e
externo em massa. Em seis meses, estima-se que 839 mil pessoas foram obrigadas
a deixar suas casas, o que significa aproximadamente 4.600 pessoas obrigadas a
deixar seus países de origem por dia.
Na primeira metade de 2015, a Turquia era vista como o país com um dos
maiores números de refugiados no mundo, aproximadamente 1,84 milhão de
refugiados em seu território até 30 de junho de 2015. O Líbano, por sua vez,
acolhe mais refugiados comparado ao tamanho de sua população do que qualquer
outro país, sendo 209 refugiados a casa 1000 habitantes. O fluxo de migrantes em
direção à Europa, principalmente por via marítima, refletiu diretamente na
estatística publicada no relatório em questão. Nos primeiros seis meses de 2015, a
Alemanha já havia recebido em seu território mais de 159 mil solicitações de
refúgio, número que ultrapassa os pedidos de refúgio ao longo de 2014. Sendo a
Federação Russa, o segundo país com mais solicitações de refúgio no mundo,
19 19
aproximadamente 100 mil pedidos, considerando que a maior parte destes pedidos
são originários de ucranianos1.
O Brasil tem caminhado para uma posição de destaque na América do Sul
no que diz respeito à temática do Direito Internacional dos Refugiados e sua
responsabilidade e política externa adotada frente ao debate no tema de migrações
e abertura ao recebimento de refugiados, também foi o primeiro país no Cone Sul
a ratificar a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, no ano de
1960. Desde a promulgação da Lei brasileira de Refúgio, Lei 9.474/1997, tem
sido visto como o país com uma das leis “mais avançadas e generosas do
continente americano” em relação à temática (ALMEIDA, 2001, p. 165), o que
tem provocado um aumento exponencial no número de solicitações de refúgio no
país.
Enquanto em 2010, o país apresentava aproximadamente 966 solicitações
de refúgio, no ano de 2015, foram contabilizadas mais de 28 mil solicitações. Este
crescimento, ao mesmo tempo que, coloca em evidência o protagonismo do Brasil
na região sul-americana, o desafia a responder com uma política pública de
refúgio concreta de integração para essa população.
Optar pelo tema do refúgio, no Brasil e, especificamente, no Rio de
Janeiro, nos remete a tentativa de compreender quem são os atores, agentes e as
políticas voltadas para os refugiados na cidade. Nossa pesquisa, especificamente,
tentará identificar quais são os mecanismos, institucionalizados ou não, de
reterritorialização e de integração local.
As justificativas para a escolha deste tema serão explicadas a partir de três
principais elementos: a justificativa pessoal, para a ciência geográfica e, por fim,
para a sociedade. Assim, este trabalho é fruto de um interesse pessoal iniciado no
trabalho de conclusão de curso de graduação em Relações Internacionais, com
ênfase no fluxo migratório de haitianos para o Brasil e a política externa adotada
pelo país frente a esta situação, em 2013. O trabalho como voluntária na Caritas
Arquidiocesana do Rio de Janeiro (CARJ), desde meados de 2012 até o ano de
2014, possibilitou ainda uma aproximação na vivência dos refugiados neste
ambiente institucional. O início do trabalho na CARJ como professora de
português e, posteriormente, como voluntária na área de pesquisa, levou aideia
1 UNHCR: The UN Refugee Agency. Figures at a Glance. Disponível em: <http://www.unhcr.org/en-us/figures-at-a-glance.html> Acesso em: 20 mai. 2016.
20 20
inicial deste trabalho, o qual consistiu em uma pesquisa de campo, a partir da
coleta de histórias de vida do grupo de mulheres refugiadas congolesas, histórias
estas que seriam coletadas ao longo da vivência no ambiente da CARJ. É
importante frisar, que tal proposta inicial, apresentada no trabalho de qualificação,
foi alterada. Essa mudança ocorreu em razão da nossa atual posição, que está
ligada ao Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), a partir de um
convênio estabelecido entre o Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Refugiados (ACNUR) e o CONARE, no escritório do Rio de Janeiro. A situação
impunha um conflito de interesse, que ocasionou na mudança de foco do trabalho.
Por fim, ainda que o grupo principal de pesquisa sejam os refugiados congoleses
no Rio de Janeiro, o objetivo do trabalho será delimitado de forma distinta, como
será elucidado em seguida.
No que diz respeito à justificativa deste trabalho para a ciência geográfica,
tem-se a importância da espacialização do processo de globalização, atrelado à
conceitos-chave da geografia: território e escala. A migração, vista como
movimento global que permeia fronteiras e a soberania estatal, ao mesmo tempo
em que traz uma discussão no âmbito dos Estados e da sociedade internacional. É
também a partir da Geografia e seus conceitos-chave, que se torna possível
alcançar a imagem do sujeito. A ciência geográfica, torna-se então, fundamental
para esta análise desde uma escala local, estabelecendo uma relação mais próxima
com o sujeito e como o processo global mais amplo irá impactá-lo.
A escala com seus derivados, escalaridade e multiescalaridade, torna-se
um conceito geográfico fundamental na compreensão da problemática vivida
pelas populações ligadas a busca de refúgio. Essas pessoas vivenciam
simultaneamente a escala local do cotidiano vivido, a escala nacional das
legislações que regulam o acolhimento (ou não) dos refugiados e da escala global
na qual os atores hegemônicos mundiais estabelecem as regras do jogo que vai
afetar as pessoas no seu espaço vivido.
Da mesma maneira, o conceito de território e seus derivados,
territorialidade e multiterritorialidade, mostrarão as distintas relações
estabelecidas entre as pessoas ligadas ao refúgio e seus Estados-Nação de origem
e aqueles que podem acolhe-os. Este conceito, chave para o trabalho será
discutido ao longo dos capítulos seguintes e será adotado a partir da análise
21 21
proposta por Haesbaert (2014, p. 40), no qual o território é visto a partir de três
vertentes: a política, a cultural e a econômica.
A relevância deste trabalho para a sociedade se configura partir da
possibilidade de poder oferecer um panorama e, consequentemente, maior
compreensão e visibilidade da comunidade de congoleses no Rio de Janeiro, bem
como do sistema de refúgio no Brasil. Atualmente, estima-se que a população
congolesa refugiada no país seja composta de aproximadamente 1000 refugiados,
o que se comparado ao contexto de chegada e acolhida de congoleses em outros
países, ainda representaria uma quantidade relativamente pequena. Entretanto, a
visibilidade deste grupo particular no Rio de Janeiro e os mecanismos de
integração local por eles criados, coadunados às políticas de integração local e
assistência providas pela esfera estatal e não estatal, possibilitem melhor
compreensão do quadro de migrações forçadas no Brasil.
Esse trabalho tem como objeto de estudo as interações entre globalização e
refúgio exemplificada a partir do processo de reterritorialização dos refugiados
congoleses na cidade do Rio de Janeiro.
Como objetivo geral, busca-se analisar as interações entre globalização e
refúgio exemplificada pelo processo de reterritorialização dos refugiados
congoleses na cidade do Rio de Janeiro.
Buscaremos responder a seguinte questão: como se apresentam as
interações entre globalização e refúgio a partir do exemplo do processo de
reterritorialização dos refugiados congoleses na cidade do Rio de Janeiro?
Por fim, são objetivos específicos deste trabalho, analisar como se dá a
aplicação da legislação brasileira de refúgio, a criação de políticas de integração
voltadas para essa população e os mecanismos de integração criados pelos
próprios refugiados.
Foram adotados como procedimentos de investigação: levantamento e
análise de dados estatísticos, revisão bibliográfica de literatura especializada e
quatro entrevistas e conversas informais com assistentes sociais, a coordenadora
da CARJ e refugiados no Rio de Janeiro. No que diz respeito a literatura
relacionada ao tema em questão, buscaram-se literaturas nas áreas de migrações,
refúgio e geografia.
O levantamento e análise de dados estatísticos foi realizado por meio
publicações nacionais feitas pelo Ministério da Justiça; publicações anuais sobre o
22 22
perfil dos refugiados no Rio de Janeiro, pela CARJ; bem como dados obtidos por
meio de contato com representantes do CONARE e do Departamento da Polícia
Federal no Rio de Janeiro. O levantamento desses dados auxiliou na definição do
perfil da população refugiada no Brasil e no Rio de Janeiro.
Duas entrevistas-conversas foram realizadas com refugiados e solicitantes
de refúgio que se disponibilizaram a relatar sua experiência na cidade do Rio de
Janeiro ao longo do ano de 2014 e até abril de 2015. Ademais, foram observadas
atividades realizadas no ambiente da CARJ ao longo deste mesmo período, como
aulas de artesanato direcionadas às mulheres, aulas de português aos solicitantes
de refúgio e refugiados no Rio de Janeiro e outras atividades desenvolvidas pela
instituição. Participou-se do Diagnóstico Participativo em abril de 2015,
organizado pelo ACNUR e pela CARJ, bem como atividades desenvolvidas ao
longo da semana do dia mundial do refugiado em junho de 2015, na CARJ, que
auxiliaram na observação da realidade da integração local deste grupo particular
de refugiados e solicitantes de refúgio na cidade do Rio de Janeiro.
Retomando-se o conceito de território, tão importante para a geografia,
mas que também tem raízes em outras áreas, busca-se uma associação de diversas
perspectivas epistemológicas. O conceito de território associado à dimensão
política das relações sociais, e diferentes autores na área da geografia os veem de
forma distinta. Para Souza, o “território é fundamentalmente um espaço definido e
delimitado por e a partir de relações de poder” (2013, p. 89). O conceito de
território analisado por Haesbaert (2014, p. 40) é visto a partir de três vertentes: a
política, onde o território “é visto como um espaço delimitado e controlado,
através do qual se exerce um determinado poder, na maioria das vezes – mas não
exclusivamente – relacionado ao poder político do Estado”; a cultural, na qual se
enfatiza a dimensão simbólica e subjetiva, “em que o território é visto, sobretudo,
como o produto da apropriação/ valorização simbólica de um grupo em relação ao
seu espaço vivido”; e a econômica, na qual o território é visto “como fonte de
recursos e/ou incorporado no embate entre classes sociais e na relação capital-
trabalho, como produto da divisão ‘territorial’ do trabalho, por exemplo”.
Ainda pode-se agregar a vertente “natural”, na qual o território é visto a
partir das relações construídas entre o homem e a natureza. Com isso, o território
será visto a partir da integração entre essas dimensões, através das relações no
23 23
espaço e no tempo, marcadas por epistemes sociológicas, históricas, políticas que
se fundem na multidimensionalidade do espaço geográfico.
Assim, o território, para além de sua dimensão simbólica, também implica
na constituição de limites e fronteiras. Isto é, da mesma maneira que “há
territórios de diversas naturezas, há limites e fronteiras de variadas origens. De
algum modo, os limites e as fronteiras são expressões dos territórios aos quais se
referem” (HISSA, 2009, p. 60). Tal qual visto por Hissa, o território é um híbrido
que “decorre de variados processos sociais que se atravessam de modo a construir
uma imagem social que adquire uma densa e complexa corporeidade feita de
imagens econômicas, políticas, culturais” (HISSA, 2009, p. 62-63). A partir disto,
Haesbaert e a discussão por ele proposta acerca do conceito de território,
representa o principal autor que guiou a elaboração e reflexões propostas ao longo
deste trabalho.
O conceito de globalização e seu entendimento terá como principais bases
Milton Santos, Carlos Walter Porto-Gonçalves e Stephen Castles. Castles, assim
como na discussão acerca do território, nos coloca uma aproximação entre a
globalização e os fluxos migratórios, a partir da intensificação tanto dos fluxos de
capital e commodities, como também do fluxo de ideias e pessoas. A criação de
fronteiras e políticas migratórias, voltadas para o controle da livre circulação de
pessoas (CASTLES, 2007, p. 42).
Porto-Gonçalves, por sua vez, em seu livro “A globalização da natureza e
a natureza da globalização” (2006), permite uma aproximação entre a
globalização, a expansão do capitalismo, e a dominação da natureza. Assim, o
autor busca aproximar o debate entre a universalidade da globalização e o debate
no campo ambiental, de forma a questionar a forma como o discurso em torno do
“desenvolvimento sustentável” e da globalização como um processo universal e
homogêneo passa a ser questionado, se mostrando como um processo “que vem
sendo construído por cima, pelos de cima e para os ‘de cima’”, porém a
incorporação da dimensão ambiental se torna cada vez mais indissociável da
globalização (2006, p, 16).
Milton Santos propõe uma análise da globalização a partir da discussão em
torno de sua produção, disseminação, reprodução e manutenção no mundo
contemporâneo. Santos propõe o entendimento da globalização a partir de três
percepções correlatas: o primeiro “seria o mundo tal como nos fazem vê-lo: a
24 24
globalização como fábula; o segundo seria o mundo tal como ele é: a globalização
como perversidade; e o terceiro, o mundo como ele pode ser: uma outra
globalização” (SANTOS, 2000, p. 18). Este autor sintetiza bem o que foi
apresentado no início desta dissertação, quando se discutiu as principais
formalizações a respeito do processo de globalização que servem como quadro
referencial a nossa reflexão.
Sobre o conceito de refúgio, alguns dos principais autores consultados
foram Emma Haddad, no que diz respeito à contextualização do refúgio no mundo
contemporâneo; Liliana Jubilut, como marco para a discussão da lei brasileira de
refúgio, Lei 9.474/1997, que propiciou a criação do Comitê Nacional para os
refugiados (CONARE), dentre outros autores que permearão a discussão ao longo
do trabalho.
O trabalho foi desenvolvido da seguinte maneira: no capítulo dois
examinou-se elementos conceituais e teóricos sobre a globalização e sobre o
refúgio. A globalização foi abordada a partir de sua visão enquanto um processo
que estabelece uma relação problemática e interdependente com as migrações
internacionais. O viés da globalização a partir do espaço geográfico, nos permite
uma análise deste processo tanto na escala global quanto na escala local. Como já
visto antes a globalização como processo homogeneizador e fragmentador nos
possibilita melhor compreensão acerca dos fluxos migratórios internacionais.
Uma aproximação entre perspectivas da Geografia e das Relações Internacionais
possibilitam que seja feita uma conexão entre os diferentes atores e agentes que
permeiam as relações que existem entre o processo de globalização e refúgio.
Ainda no capítulo dois também será dada ênfase ao impacto da globalização no
continente africano e em especial na República Democrática do Congo. Por fim, a
partir do estudo sobre políticas migratórias e migrações em geral, dar-se-á ênfase
no sistema internacional dos refugiados e a forma como este se estruturou e foi
recebido e adotado pelos Estados.
No terceiro capítulo, foi dada ênfase ao refúgio a partir de uma perspectiva
histórica no contexto brasileiro e a posição do Estado frente ao tema. Realizou-se
também um aporte dos agentes e atores que lidam com as pessoas que buscam
refúgio no Brasil e sua forma de atuação, traçando as políticas de integração e
inserção que têm sido desenvolvidas e sua implementação. Por fim, a análise deste
25 25
processo aplicado ao exemplo dos refugiados congoleses no Rio de Janeiro e os
mecanismos de integração por eles criados.
26
2. A globalização e os refugiados: relação problemática nas diferentes escalas
A migração sempre existiu no mundo contemporâneo, todavia relacioná-la
ao fenômeno da globalização tornou-se cada vez mais frequente. É a partir da
globalização que se cria um novo debate em torno do conceito de fronteira, pois
no “mundo globalizado”, interconectado e cada vez mais facilmente acessível ao
mesmo tempo em que há uma dissolução dessas fronteiras físicas, ocorre também
um movimento que reforça as barreiras de entrada e saída dos países. Estas antes
vistas como limites territoriais entre diferentes lugares, hoje se tornam mais
solúveis e permeáveis. A globalização, como vista por Milton Santos, representa
“o ápice do processo de internacionalização do mundo capitalista” (2000, p. 23).
Este é também marcado pelo avanço tecnológico dos meios de transporte, que
como o avião diminuíram a relação espaço-tempo entre os países, e também dos
meios de comunicação que representaram grande avanço, com as notícias
internacionais passaram a ser transmitidas em tempo real e a internet como meio
de comunicação se tornou instrumento chave para o rápido acesso à informação.
O processo de globalização e as mudanças possibilitadas a partir desse
processo são vistas e analisadas a partir de diferentes olhares e áreas das ciências
sociais. O discurso propagado em seu princípio, enquanto um processo universal,
em prol do desenvolvimento de todos os Estados-Nação, se torna criticável por
muitos autores. As transformações advindas das transformações econômicas,
políticas, culturais e tecnológicas também impactam diretamente nas
características, direções e dimensão das migrações. Os diferentes fluxos
migratórios também se tornam mais incidentes, bem a categorização destas
pessoas, enquanto a forma como serão vistas pela comunidade internacional.
O objetivo específico deste capítulo é analisar as interações entre a
globalização e o refúgio percebida neste trabalho como problemática em virtude
das distorções nas múltiplas escalas da legislação e de sua aplicação aos
refugiados. Assim, o crescente fluxo de refugiados no mundo e os mecanismos
criados para enfrentá-los, a partir de uma análise do processo de globalização
coadunado com os movimentos migratórios que ao mesmo tempo em que se
intensificaram, tornaram-se também mais controlados e regulamentados. O
27
capítulo divide-se em quatro seções: a primeira, na qual a globalização será
analisada enquanto um processo homogeneizador e fragmentador, associando aos
principais fluxos migratórios ao longo desta discussão, a partir de autores centrais
como Milton Santos, Carlos Walter Porto-Gonçalves e Stephen Castles; na
segunda seção será feita uma análise acerca da forma como a globalização afetou
de forma multiescalar as empresas e Estados-Nação, e como isto pode ser
relacionado à atual crise de refugiados que o mundo vivencia, tendo como
exemplo o continente africano e a República Democrática do Congo, a partir,
principalmente, de James Ferguson; a terceira seção, analisará o sistema
internacional de refúgio, sua criação, convenções e tratados, a partir de autores
base como Emma Haddad, Lisa Malkki e Alexander Betts. Por fim, será feita uma
análise do refugiado como o “outro” e seu papel como sujeito ativo no processo
de migração e chegada ao país de destino.
2.1. A globalização como processo homogeneizador e fragmentador
A globalização pode ser entendida como um “produto da expansão do
capitalismo e da sociedade de consumo” (HAESBAERT, 2013, p.13), mas que
atualmente é também expandida às outras áreas, como a política, a social e a
cultural. Parte-se do princípio de a história moderna é marcada pelo processo de
trocas e acumulação de capital, porém elementos que facilitam essa acumulação
foram gradativamente criados (HARVEY, 2004, p. 80-81).
Assim como Milton Santos utiliza no início de um dos capítulos de sua
obra “Por uma outra globalização”, este processo representa o “ápice do processo
de internacionalização do mundo capitalista” (2000, p.23). Já Segrega (2003,
p.123) define globalização como
um fenômeno qualitativamente novo que se torna possível a partir da coincidência no tempo de três processos interdependentes com a sua própria lógica interna: a crise e a queda do socialismo real, o desenvolvimento vertiginoso das novas tecnologias da informação e da comunicação (era da informação) e o neoliberalismo.
Haesbaert, por sua vez, define a globalização contemporânea como “antes
de tudo um produto da expansão cada vez mais ampliada do capitalismo e da
28
sociedade de consumo, acarretando uma crescente mercantilização da vida
humana, que teria atingido níveis inéditos na história” (2001, p. 13). Ao mesmo
tempo, não é possível analisá-lo apenas a partir de uma perspectiva positiva e
similar a toda a sociedade internacional. Dito isto, Santos nos remete a uma
reflexão acerca do fenômeno da globalização “como fábula”, no qual a noção de
tempo e espaço são contraídos e temos a sensação de que tudo se torna alcançável
de maneira homogênea e uniforme por todos. No entanto, ao mesmo tempo, este
processo seria também “perverso”, estabelecendo um par dialético e permanente
nesta relação, visto que,
Um mercado avassalador dito global é apresentado como capaz de homogeneizar o planeta quando, na verdade, as diferenças são aprofundadas. Há uma busca de uniformidade, ao serviço dos atores hegemônicos, mas o mundo se torna menos unido, tornando mais distante o sonho de uma cidadania verdadeiramente universal. Enquanto isso, o culto ao consumo é estimulado (2008, p.19).
Para fins deste trabalho, a globalização será analisada como um processo,
no qual se produz não apenas uma suposta lógica que tende à homogeneização,
mas também um processo que leva à fragmentação (HAESBAERT, 2013, p.17-
18; HARVEY, 2004, p.82). A homogeneização será confrontada com um
desenvolvimento que se insere na lógica do espaço internacional de fluxos de
informação, trabalho e capital e, sendo assim, ocorre não um processo totalizante
e igualitário, mas se configuram fluxos, cada qual com suas características
singulares, formados por espaços regionais e locais distintos entre si. Pode-se
pensar na existência de diferentes versões do capitalismo, tendo em vista que o
processo não ocorre de forma igualitária em todos os espaços, e cada ator e agente
apresentarão sua própria perspectiva de desenvolvimento.
Ainda com esta diferença, ela só existe em detrimento de um padrão
ocidental de desenvolvimento estabelecido e esperado diante do fenômeno da
globalização. Harvey chama a atenção para a “territorialização e
reterritorialização do capitalismo” como um processo incessante (HARVEY,
2004, p. 82-85). Ao observamos a sociedade internacional, os Estados que o
compõem e analisarmos a história de forma a compreender os movimentos, os
fluxos de migrações, e as interdependências que se criam, nos levam a pensar no
que Santos compreende como o processo de globalização como perversidade, que
29
para Haesbaert consiste no processo de globalização como fragmentação. Isto é, o
processo de globalização não se desenvolve de forma igualitária em todos as
esferas e lugares, na medida em que, heranças históricas, períodos de colonização
e, posteriormente, descolonização, os períodos ditatoriais, o acesso desconforme
aos serviços básicos, ao mercado de trabalho, ao sistema de educação e saúde, nos
trazem a ideia que Santos introduz enquanto “perversidade”, no sentido em que
esta perversidade sistêmica está na raiz dessa evolução negativa da humanidade tem relação com a adesão desenfreada aos comportamentos competitivos que atualmente caracterizam as ações hegemônicas. Todas essas mazelas são direta ou indiretamente imputáveis ao presente processo de globalização (2000, p.20).
Como alternativa para este par dialético do fenômeno da globalização
como fábula e como perversidade, ou homogêneo e fragmentador, propõe-se uma
busca por uma “outra globalização”, na qual caminharemos para uma
“globalização mais humana”, onde o progresso da informação permitirá também a
convergência de distintas culturas, tradições, raças, religiões, e modos de viver
(SANTOS, 2000, p.20). Assim, tão importante quanto a análise do processo de
globalização enquanto homogeneizador e fragmentador, devemos pensar como
este movimento irá se relacionar diretamente com o fluxo de refugiados no mundo
contemporâneo.
Pode-se considerar complexa a tentativa de determinar um momento
histórico específico para o surgimento do fenômeno da globalização, pois como se
viu anteriormente, é um processo que já se desenvolvia sem ser identificado como
tal. No entanto, para fins de contextualização, adotaremos o início dos anos 1970
como ponto de partida para a expansão do conceito de globalização no sistema
internacional. O uso do mesmo é também marcado pelas dinâmicas ocidentais da
globalização, e pelos concomitantes contramovimentos, de descolonização.
A lógica da globalização contemporânea disseminada, caminha pelo viés
do livre-mercado, dos fluxos permanentes de capital e mercadoria e de uma
mobilidade global. O foco deste processo se dá nas políticas de livre mercado,
onde há maior incentivo para a exportação e importação de produtos do que para
uma produção local, bem como tendência a uma maior atenção ao livre mercado
do que políticas de Estado. Nesse discurso é possível observarmos a tentativa de
tornar este processo como algo universal e inevitável, que seria alcançado por
30
todos os Estados de forma igualitária. Entretanto, como defendido por muitos
críticos da globalização, como Massey, esta tentativa seria vista como parte da
estratégia de legitimação do mesmo por parte de um seleto grupo de Estados
(MASSEY, 2008, p.128-131).
A fragmentação apresentada por Haesbaert nos possibilita o
questionamento da ocidentalização no discurso da globalização, onde o
desenvolvimento que se busca está amparado na lógica neoliberal e capitalista
proposta e protagonizada por países do hemisfério norte, principalmente Europa e
Estados Unidos. Para Haesbaert, esta
fragmentação que vai contra os processos de globalização pode, por sua vez, ser identificada sob duas perspectivas: uma, que constitui a contra-face excludente dos processos de globalização econômica, cujo modelo social e tecnológico poupador de mão-de-obra gera o desemprego estrutural e relega praticamente ao abandono extensas áreas da periferia do planeta; e outra, que inclui as reações ou resistências ao processo globalizador, especialmente nas esferas ideológica e cultural, como ocorre hoje com os movimentos fundamentalistas islâmicos e com vários neonacionalismos (2003, p. 28).
O desemprego estrutural, os conflitos étnicos e religiosos, a violência, a
guerra contra as armas, contra o tráfico de pessoas, contra a fome endêmica e a
desigualdade no acesso à educação, ao mercado de trabalho, aos avanços da
medicina, às formas dignas de sobrevivência, são alguns dos motivos que
contribuem tanto para o crescimento excessivo da população mundial, mas
também para a intensificação dos fluxos migratórios. Estes por sua vez, ocorrem
tanto num perfil de migrantes saindo do sul em direção a países do norte, bem
como uma migração entre os próprios países do hemisfério sul.
Por outro lado, a diminuição aparente de alguns poderes tradicionais
concedidos ao Estado fez com que se tornasse cada vez mais improvável que uma
potência hegemônica consolidasse seu poder sob outros países. Entretanto, o
estabelecimento de um poder hegemônico, pode ser questionado a partir da crítica
de Porto-Gonçalves à consolidação de relações hierárquicas de poder ainda que se
fale em relações interdependentes e da diminuição do poder de decisão dos
Estados-Nação. Assim, como explicitado pelo autor referido,
organismos multilaterais como o FMI e o Banco Mundial, entre outros, vão se constituindo em peças-chave da afirmação da hegemonia dos Estados Unidos no
31
mundo, contribuindo para diminuir o poder soberano dos outros Estados e para sua maior subordinação ao capital financeiro internacional (2006, p. 22).
Além disso, o autor nos remete a esta hierarquia a partir da criação do G72,
o grupo dos 7 países considerados como mais desenvolvidos economicamente no
mundo. Porém Porto-Gonçalves nos propõe uma reflexão acerca do
estabelecimento desta relação hierárquica, bem como da relativa
interdependência,
Assim, uma das afirmações mais comuns quando se fala de globalização – de que estamos num mundo cada vez mais interdependente – deve ser mais cuidadosamente analisada, até porque interdependência não quer dizer, necessariamente, que todos são igualmente dependentes nessa ordem mundial de interdependência generalizada. O exemplo acima, de que uma moeda nacional se impõe como verdadeira moeda internacional, não poderia ter sido feito por qualquer país do mundo (2006, p. 22).
A emergência de novas questões políticas e ambientais globais e a
discussão em torno da existência de limite para o crescimento econômico e a
exploração desenfreada de recursos naturais incorporou a agenda global.
A relação entre as questões políticas e ambientais anteriormente
mencionadas, são vistas como Porto-Gonçalves a partir da ideia de que a
“globalização neoliberal, difere dos outros períodos que lhe antecederam pela
especificidade do desafio ambiental que lhe acompanha e que, também, o
constitui” (2006, p. 51). Assim, a dominação da natureza, a partir do
desenvolvimento da técnica, antes vista como solução ao desenvolvimento, neste
período passa a ser vista como um desafio, dado que a poluição e o esgotamento
dos recursos naturais passam a ser temas frequentes na agenda global (PORTO-
GONÇALVES, 2006, p. 51).
2 G7 surgiu como um encontro informal entre líderes de Estado e governos das mais avançadas economias do mundo (Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos. Teve início em Rambouillet, em 1975, a partir da iniciativa do então presidente da França, Valéry Giscard d`Estaing e o chanceler alemão Helmut Schmidt. Em 1998, a Rússia se juntou ao grupo, tornando-se G8. Desde 2005, o G8 tem estabelecido diálogos mais frequentes com as economias consideradas “emergentes”, como Brasil, China, Índia, México e África do Sul. Discute-se questões relacionadas à economia global, administração macroeconômica, comércio internacional, energia, mudanças climáticas, e relações com países em desenvolvimento. Incluiu-se também à agenda o debate em torno de políticas de segurança relacionadas desde questões de direitos humanos até segurança regional e o controle de armamentos. European Commission – Economic and Financial Affairs. Disponível em: http://ec.europa.eu/economy_finance/international/forums/g7_g8_g20/index_en.htm Acesso em: 07 jun. 2016.
32
Assim,
A globalização se caracteriza por sua assimetria: concentra a riqueza em setores muito reduzidos e leva para a miséria camadas cada vez mais extensas da população. Desta maneira, ela gera tendências desagregadoras. O desafio é: o que fazer para transformá-la numa globalização inclusiva e libertadora, em vez de excludente e dominadora? (SEGREGA, 2003, p. 134).
Neste sentido, o que observamos é a intensificação de um modelo de
desenvolvimento desigual, no qual se acentuam as desigualdades no âmbito
social, econômico, político e cultural. A crise nos países em desenvolvimento se
intensifica, de maneira que se observa o surgimento de novos conflitos políticos,
étnicos e religiosos, novas formas de exploração (apesar do discurso em prol de
um livre mercado e de um desenvolvimento homogêneo) e uma nova face frente a
crise econômica com violência endêmica.
A intensificação deste desenvolvimento desigual é vista por Porto-
Gonçalves a partir da ideia de que não podemos pensar o “alcance” deste modelo
desenvolvimentista, como uma “busca para que todos sejam iguais” (2006, p. 64),
pois isso nos remeteria automaticamente ao padrão cultural europeu norte-
ocidental e estadunidense. Da mesma forma como outros autores aqui utilizados,
Porto-Gonçalves faz uma crítica à ideia de globalização como homogênea e o
desenvolvimento enquanto padrão a ser atingido por todos os Estados-Nação.
Assim, se confunde a luta contra a injustiça social com uma luta pela igualdade conforme uma visão eurocêntrica, enfim, um padrão cultural que se crê superior e, por isso, passível de ser generalizado. Com isso, contribui-se para que se suprima a diferença, a diversidade, talvez o maior patrimônio que a humanidade tenha (PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 64).
Podemos novamente nos remeter à discussão proposta por Haesbaert da
globalização como homogeneização e fragmentação. O discurso neoliberal, do
mundo regulado a partir da lógica do livre mercado, das grandes corporações, e da
era industrial e do avanço tecnológico, já foi provado sua não aplicação ao país
como um todo de forma homogênea. Isto pois, historicamente, cada Estado possui
suas especificidades e características.
De acordo com relatório apresentado pela Assembleia Geral das Nações
Unidas, em junho de 2014, estima-se que até 2013 existiam 232 milhões de
imigrantes no mundo, dentre os quais aproximadamente 72 milhões estão na
33
Europa e 71 milhões estão na Ásia. Outro dado apresentado no mesmo relatório,
confirma que ainda que o fluxo migratório entre diferentes continentes
representem parte significativa deste movimento, a tendência é que haja um maior
deslocamento entre países mais próximos, com menores distâncias geográficas.
Enquanto os EUA e a Oceania recebem imigrantes de diferentes regiões, a
migração na África, Ásia, Europa e América do Sul e Caribe é caracterizada por
pessoas que residem na região de nascimento.
A partir da incidência dos fluxos migratórios, bem como maior
especificidade dos mesmos, buscou-se uma visão mais geográfica e espacializada
deste processo. Assim, a globalização longe de ser um processo universal e linear,
evidencia a produção de diferentes identidades e espaços que também não estão
livres de serem modificados novamente. Como afirmado por Massey, “é um
refazer daqueles espaços, lugares e culturas herdadas, mas sempre temporários e
provisórios e que são sempre eles mesmos produtos híbridos de reestruturações
prévias” (MASSEY, 2007, p. 153).
Busca-se romper com o discurso da globalização protagonizado pelo
Ocidente, o qual carrega uma visão da mobilidade como ininterrupta e do espaço
como sem limites e sem fronteiras. Aproxima-se então de uma noção do espaço a
partir da existência de diferentes espaços (sociais, políticos e econômicos),
diferentes estórias, em tempos distintos. E a globalização vista a partir do par
dialético como homogênea e fragmentadora, não apenas no hemisfério norte, mas
afetando a todos os sujeitos e instituições que compõem o sistema internacional.
Com base no discurso pautado pela mobilidade global, ela é questionada
quando se pensa nas migrações. Enquanto tem-se um livre fluxo de capital e
mercadorias, o mesmo não se verifica quando se discute o fluxo de pessoas, dos
imigrantes e dos refugiados nesse espaço global que deveria ser igualmente “sem
limites”. Nos deparamos com um grau de mobilidade de pessoas que se diferencia
e possui uma hierarquia interna, pois os ‘diferentes’ tipos de imigrantes, também
serão recebidos de forma distinta nos países de destino. Logo, imigrantes
qualificados ou com melhores condições financeiras se movem com maior
facilidade entre os países, seja como turistas, ou como trabalhadores, ou
investidores.
Por outro lado, os não-qualificados (aos olhos do país receptor), estão
sujeitos a barreiras, políticas de deportação ou obstáculos para conseguirem
34
migrar de maneira regular. O discurso da globalização é, ao mesmo tempo,
carregado por um estereótipo no qual os diferentes são excluídos, a luta por livre
mobilidade pelos pobres é ignorada e o entendimento do termo ‘desenvolvimento’
é determinado por atores identificados como protagonistas pela própria lógica do
mundo moderno globalizado (MASSEY 2008, p. 131-134). O espaço de fluxos
defendido na globalização, na prática nem sempre é aplicável e novos muros são
erguidos a todo momento. Massey ao fazer uma crítica a este processo de
globalização homogênea e a não existência de uma livre mobilidade humana, bem
como a livre circulação de mercadorias (ainda que a partir do estabelecimento de
taxas de importação e exportação), aponta que:
Nesta era de ‘globalização’ temos cães farejadores para detectar pessoas que se escondem em porões de navios, pessoas morrendo na tentativa de cruzar fronteiras, pessoas, precisamente, tentando ‘buscar as melhores oportunidades’. Este duplo imaginário, no próprio fato de sua duplicidade, da liberdade de espaço, por um lado, e do ‘direito a seu próprio lugar’, por outro, trabalha a favor daqueles que já são poderosos. O capital, os ricos, os qualificados, podem se mover com mais facilidade pelo mundo, como investimento, ou comércio, em função de grande demanda de trabalho, ou como turistas e, ao mesmo tempo, quer seja nos países ocidentais de imigração controlada ou nas comunidades muradas dos ricos em qualquer metrópole importante de qualquer lugar (...). Enquanto isso, os pobres e os não qualificados das chamadas margens deste mundo são instruídos tanto a abrir suas fronteiras e dar as boas-vindas à invasão do Ocidente, sob qualquer forma que ela venha, quanto a permanecer onde estão (2007, p. 132-133).
Na mesma esteira e com pontos convergentes aos anteriormente expostos
por Massey, Castles traz para a discussão fatores intrínsecos ao processo
migratório e que estão interligados à globalização. Como visto anteriormente, a
intensificação dos fluxos migratórios ocorrerá de forma concomitante com o
estabelecimento de políticas de migração. À primeira vista, a emergência de
políticas migratórias está associada às teorias neoclássicas que pressupõem o
movimento dos indivíduos entre Estados com o intuito de maximização de seus
ganhos e lucros, com caráter estritamente econômico. De forma concomitante, a
regulamentação das migrações pode ser vista como medida favorável aos Estados,
principalmente para a interceptação de fluxos intensos de migrantes ao seu país.
Entretanto, ainda que esforços sejam feitos nesse sentido, as redes transnacionais
de migrantes acabam por gerar a criação de novos fluxos de indivíduos a todo
momento (CASTLES, 2007, p. 34-35).
35
Como observado por Castles, “movimentos migratórios, uma vez
iniciados, se tornam parte de um processo social auto-sustentável” (2007, p. 37).
Essa auto-sustentabilidade é vista também a partir da criação de redes
interconectadas, de informação, de pessoas, de elementos que possibilitam
dinâmicas no fluxo de pessoas e mobilidade humana. A decisão de migrar, em
busca de melhores condições de vida, inclui não apenas o movimento de saída e
entrada num novo território, mas simboliza a reconstrução, o início de um novo
desafio.
Ainda que seja possível identificar diferentes dinâmicas que caracterizam
cada um dos movimentos migratórios, alguns elementos podem ser destacados.
Dentre eles, a decisão familiar de escolher um membro da família para dar início a
esse movimento, tendo em vista que muitas vezes deixar o país de origem em
busca de melhores condições de vida nem sempre significa que todos poderão
arcar com essa saída num mesmo momento. Assim, a decisão em torno do
membro que deixará primeiro a família, geralmente é representado por um homem
ou mulher jovem, e voltado para as expectativas em torno da inserção dessa
pessoa no mercado de trabalho do país de destino e a permanência do contato com
o país de origem. Muitas vezes, o planejamento ao redor dos membros familiares,
tem como intuito a estabilização do primeiro membro familiar, para que após esse
momento, os outros possam ir a seu encontro (2007, p. 36-37).
Para além disso, observa-se, segundo Castles, o estabelecimento de uma
“indústria migratória”. Isso significa que redes migratórias necessitarão de
serviços especiais para serem mantidas, o que inclui intérpretes, advogados,
agências de turismo, bancos internacionais, e mobiliárias. Por outro lado, também
é uma área que passou a demandar dos Estados uma atenção ao “lado ilegal da
indústria de migração” (CASTLES, 2007, p. 36), que inclui tráfico e contrabando
de pessoas, a formação de redes de coiotes, rotas inseguras, etc.
Castles destaca também “a estrutural dependência à emigração” (2007, p.
37), principalmente associada aos países
Menos desenvolvidos que tem identificado a exportação do trabalho como um importante fator de redução do desemprego, melhorando a balança de pagamentos, níveis de segurança e o capital de investimento, estimulando o desenvolvimento (2007, p. 37).
36
Com isso, ao invés da migração ser vista como um fator que contribui para
o desenvolvimento, passa a ser tratada como um substituto ao desenvolvimento.
De forma que, os países considerados como menos desenvolvidos
economicamente, ao obterem um percentual de sua população como emigrante,
tem diminuídas suas taxas de desemprego, a busca por melhorias sociais e a
responsabilidade do Estado para com a população local.
Uma vez mais, a relação entre migração internacional e globalização se
mostra intrínseca, tendo em vista que o movimento migratório implica em ações
para além das fronteiras e no surgimento de políticas de Estado voltadas para o
controle desses fluxos. Castles ressalta o caráter diferenciado que se atribui à
mobilidade humana e a forma como “fronteiras internacionais ajudam a manter
desigualdades” (2007, p. 39). Além disso, o autor aponta para uma desigualdade
não mais apenas entre Estados, mas entre o norte e o sul, dividido entre nações
consideradas desenvolvidas economicamente (países na América do Norte, no
Leste Europeu, no Japão, na Austrália e na Nova Zelândia) e do outro lado
Estados considerados menos desenvolvidos economicamente (países da África,
América Latina e Ásia).
No entanto, nos anos recentes, essas disparidades estão relacionadas não
apenas ao âmbito econômico, mas também às condições sociais, de segurança e
defesa dos direitos humanos. Este cenário atenta para novos fluxos migratórios,
ainda que já existissem, se intensificam e tornam cada vez mais fortalecidas as
políticas de Estado desenvolvidas pelos países considerados como destino para
estes migrantes.
Outros desafios impostos pela globalização estão também relacionados a
forma como os migrantes serão incorporados ao local de destino. As diferentes
intenções no ato de migrar, que envolverão o tempo de estadia no país de destino,
a intenção de reunificação familiar, as formas como este indivíduo acessará os
direitos sociais e civis neste novo espaço, e a condição na qual o mesmo entra
num segundo Estado, como será reconhecido e percebido como estrangeiro fora
de seu local de nacionalidade, dentre outras.
Com base nisso, todas as intenções que permeiam os movimentos
migratórios, levam à criação de políticas de Estado favoráveis e contrárias a
entrada de imigrantes em seus territórios. Isso pode ser visto também, a partir do
caráter seletivo na recepção dos diferentes grupos de imigrantes, tendo em vista
37
que os fluxos migratórios envolvem diferentes causas e motivações. A saída do
país de origem pode envolver questões políticas, econômicas ou culturais, que por
sua vez, podem estar relacionadas às perseguições, ameaças, discriminação e
outros direitos violados em seu país de origem.
Frente a esse cenário, os Estados estabelecem políticas migratórias que são
reflexos de seus interesses domésticos e internacionais. A partir de Castles, as
migrações contemporâneas serão analisadas como um “processo social, com suas
próprias dinâmicas inerentes” (2007, p. 47). Ao mesmo tempo, é a própria
globalização que contribui para as causas inerentes à desigualdade e,
consequentemente, as razões para as migrações internacionais e a criação de
políticas voltadas para sua regulamentação, as quais refletirão nos interesses do
Estado receptor.
Assim, a globalização vista como um processo homogêneo e fragmentador
provoca, ao mesmo tempo, um desenvolvimento geográfico desigual ao redor do
mundo. A propagação dos meios de comunicação e informação, o avanço
tecnológico, o protagonismo das empresas transnacionais, o acesso aos direitos
sociais (à educação, ao sistema de saúde, ao avanço da medicina), o acesso ao
mercado de trabalho, a incidência de conflitos étnicos e religiosos, conflitos
políticos, a guerra contra o tráfico de drogas e o comércio de armamentos bélicos,
ocorrem e afetam em diferentes proporções cada Estado-Nação e o sistema
internacional como um todo.
Ao mesmo tempo, nos deparamos com novos desafios e tentativas de
regulamentação e regularização de formas de controle e regimes internacionais
que aproximem as relações entre os Estados e os tornem responsáveis por
decisões acerca do funcionamento e da ordem na sociedade internacional. O
surgimento das Nações Unidas em 1945 é, após o fim da Liga das Nações, o
ideário na busca pela paz entre os países, no momento seguinte ao fim da Segunda
Guerra Mundial, que devastou diversos países, bem como provocou uma imensa
onda de deslocados internos, refugiados e apátridas no mundo. No entanto, a
Guerra Fria nos colocou, novamente, diante da tentativa do estabelecimento de
um bloco hegemônico composto por um número restrito de países que buscavam
o domínio amplo do sistema internacional.
A criação de convenções e tratados internacionais ocorre com o intuito de
fazer com que Estados sejam obrigados a partilhar e cumprir normas, regras e
38
instituições internacionais, que os tornam responsáveis por diversos fatores que
surgem como consequência da globalização e da busca pelo poder. O final do
século XX e início do século XXI nos mostra que estes esforços não foram
suficientes para o fim das guerras, e hoje nos deparamos, como declarado pela
ONU, diante da “pior crise humanitária da história”3. É neste momento que
devemos voltar nossa atenção para o indivíduo, o qual sofre diretamente as
consequências deste processo, que nos dá a impressão de ter consequências
globais, no entanto afeta principalmente os mais vulneráveis numa escala regional
e local.
Assim, de um lado observa-se a criação de fronteiras pela própria
comunidade política internacional, bem como políticas protecionistas que
dificultam cada vez mais a mobilidade humana. Diante desse cenário, chama-se
atenção para a necessidade de responsabilização por parte dos Estados-Nação a
problemas globais, como a pobreza extrema em algumas regiões específicas, as
epidemias (cólera, dengue e ebola) e pandemias (AIDS), a falta de acesso à água
potável, conflitos étnicos, desemprego estrutural, entre outros, que acabam tendo
impacto direto na intensidade dos fluxos migratórios.
São criados regimes internacionais como mecanismo para a busca da
regularização deste cenário de desordem internacional. Isto se torna importante na
medida em que são criadas tentativas de se estabelecer normas internacionais
“imperativas” e jurisdições “universais”, que possam, a partir do cenário de
instabilidade política e econômica que assola o sistema internacional, serem
mobilizadas
a fim de garantir a proteção internacional dos direitos humanos, bem como de responsabilizar criminal a internacionalmente indivíduos responsáveis pelos ‘mais graves crimes internacionais’ (tal como o ‘genocídio’ ou ‘crimes contra humanidade’); e de outro lado, certos estudos puderam (re)afirmar, por exemplo, um (suposto) ‘direito da humanidade’ (YAMATO, 2013, p. 37).
Tendo este cenário como pano de fundo, entraremos a seguir na segunda
seção deste capítulo, que busca uma maior aproximação entre a globalização, as
3 ONU BR. ‘Conflito sírio é a maior crise humanitária desde a II Guerra Mundial’, afirma enviado especial da ONU. Publicado em: 15 jan. 2015. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/conflito-sirio-e-a-maior-crise-humanitaria-desde-a-ii-guerra-mundial-afirma-enviado-especial-da-onu/> Acesso em: 20 mai. 2016.
39
migrações forçadas e a relação desses fenômenos ao continente africano e, em
especial, a RDC.
2.2. O continente africano no contexto da globalização e a migração internacional: caso específico da República Democrática do Congo
A África, dividida em seis macrorregiões (África do Norte, África
Ocidental, África Central, África Oriental, África Austral e África do Oceano
Índico) é considerada o terceiro maior continente em extensão e, até 2013
apresentou estimativa de 1,111 bilhão de habitantes. O continente africano,
fortemente marcado pelo imperialismo, sofreu grandes transformações em
decorrência do período entre a Segunda Guerra Mundial e o fim da Guerra Fria,
seguido do período pós-colonial, e após a assinatura da Carta das Nações Unidas
em 1942, durante a Conferência sobre Organização Internacional e o princípio da
autodeterminação dos povos.
Diante disso, essa seção analisa o continente africano a partir da lógica de
homogeneização e fragmentação da globalização, com base em autores como o
antropólogo James Ferguson. Ele propõe uma crítica à visão ocidental e universal
a respeito do continente africano, o qual devido à sua dimensão territorial e
particularidades, não deve ser visto como um grande bloco igualitário. Em um
segundo momento dessa seção, nos aproximaremos da RDC para analisar o país
dentro do continente africano, seu protagonismo e suas particularidades, que
podem trazer razões para o fluxo de migrantes provenientes do país ao longo de
décadas.
Analisar a forma como o continente africano se posicionou frente ao
fenômeno da globalização é algo que diversos autores em diferentes áreas das
ciências sociais buscaram fazer. Entretanto, as particularidades desse continente
tornam-se um complicador nesse processo. Ferguson, em sua obra “Global
Shadows – Africa in the Neoliberal World Order” (2007), propõe que não
tratemos o continente apenas como um “lugar”, tendo em vista as especificidades
e particularidades internas que o mesmo apresenta. Dentre essas particularidades,
estão as riquezas naturais, experiências históricas, tradições religiosas, etnias,
tradições culturais, formas de vida, idiomas, formas de governo, dentre outras
características. Os problemas e lacunas existentes no continente, que perduram
40
por entre décadas, como conflitos étnicos, falência de Estados, desigualdade
social, pobreza extrema, exploração de matérias-primas e minerais, são fatores
que contribuem para a permanência de sua visão enquanto um “continente
obscuro” (2007, p.2).
Está igualmente claro que a última rodada de reestruturação do mundo capitalista que está associado à construção da ‘economia global’, deixou pouco ou nenhum espaço para a África além do seu antigo papel da era colonial, que seria o de prover matérias-primas, em especial riqueza mineral. A pobreza generalizada – que ainda está em curso no continente – não apenas se intensifica, mas em muitas áreas, se torna ainda pior. A situação da AIDS no continente, que ao mesmo tempo, se tornou tão cruel que é difícil prever a magnitude desta tragédia (FERGUSON, 2007, p. 8).
A globalização como homogeneizadora e fragmentadora analisada a partir
do continente africano nos permite compreender como esse par dialético é
percebido em diferentes localidades. Ainda que seja um continente visto por
muitos especialistas como “marginalizado”, “ignorado” ou “excluído”, o objetivo
dessa seção é compreender e analisar a forma como o continente também está
inserido na lógica neoliberal e capitalista (MARY, 2003; FERGUSON, 2007, p.
14).
Ferguson propõe uma análise da África no processo de globalização a
partir de três aspectos centrais: a cultura; fluxos de capital estrangeiro; e as
transformações na governança e a mudança no papel do Estado-Nação. No que diz
respeito a cultura e sua relação com modernidades alternativas, ressalta-se a
importância de nos afastarmos da tendência da cultura moderna, ou seja “culturas
não ocidentais não são necessariamente não modernas, logo se torna necessário
desenvolver um entendimento mais plural acerca da modernidade” (FERGUSON,
2007, p.31). A África, dado a sua dimensão territorial e a diversidade interna
possui uma diversidade cultural que não deve ser vista como inferioridade.
Ainda em relação à cultura e modernidade, Hall atenta para
Dois processos opostos em funcionamento nas formas contemporâneas de globalização, o que é em si mesmo algo fundamentalmente contraditório. Existem as forças dominantes de homogeneização cultural, pelas quais, por causa de sua ascendência no mercado cultural e de seu domínio do capital, dos ‘fluxos’ cultural e tecnológico, a cultura americana, ameaça subjugar todas as que aparecem, impondo uma mesmice cultural homogeneizante – o que tem sido chamado de ‘McDonald-ização’. (....) Mas bem a isso estão os processos que
41
vagarosa e sutilmente estão descentrando os modelos ocidentais, levando a uma disseminação da diferença cultural em todo o globo (2013, p.50).
Hall, assim como Ferguson defende a diversidade, e a não igualização da
cultura. Dessa forma, não se deve restringir o continente à ideia de desigualdade e
não desenvolvimento, ao passo que, é possível enxergar uma desigualdade
econômica e política, tendo em vista que o país apresenta questões estruturais
graves que o colocam à margem do padrão ocidental do mundo moderno, no
entanto, não uma inferioridade cultural ou “não moderna” (FERGUSON, 2007).
O segundo ponto proposto por Ferguson, diz respeito ao fluxo de capital, o
qual estaria diretamente ligado a um dos pontos-chave da globalização, que é o
livre capital e a não regulação do mercado. O discurso no pós-Segunda Guerra
Mundial era no sentido de que países mais ricos investiriam capital privado em
países mais pobres e isto, produziria um aumento nas taxas de crescimento
econômico fazendo com que em pouco tempo Estados atingissem um nível
considerado positivo para o desenvolvimento econômico. Entretanto, não foi isto
que se sucedeu, e o que se observou durante as últimas décadas foi a acentuação
da desigualdade social em países do continente africano. Além disso, Estados em
vias de desenvolvimento não atraíam investimentos de capital privado estrangeiro
de qualquer natureza. O que se observou, então, foi uma exacerbação de
instituições básicas demandadas, como hospitais, escolas, postos de saúde, em que
era necessário mais do que capital privado, mas investimentos na estrutura
primária do país (2007, p. 34).
Diante disso, o capital estrangeiro chegou à economia africana por meio da
extração de recursos minerais e naturais existentes em larga escala no continente e
associado à presença de corporações multinacionais em diferentes países. Com
isso, não se via a facilitação em prol do desenvolvimento interno do território e da
comunidade local, mas a combinação entre interesses externos e de uma pequena
parcela da população local, que detinha mais poderes e influência política.
Como exemplos disso, tem-se a criação de minas para extração de ouro em
Gana, a qual ocasionou na privatização das demais minas de ouro no país e
combinado a incentivos fiscais, que trouxe o aumento do investimento privado na
região. Gana tornou-se um dos maiores exportadores de ouro no mundo, por outro
lado, a economia do país foi atingida negativamente, uma vez que após a
42
privatização das minas o lucro foi direcionado ao exterior, e houve uma queda nos
serviços públicos, alto índice de desemprego, e a população não recebeu nenhum
benefício pela extração “em suas terras” (FERGUSON, 2007, p. 36-37). Ou seja,
ainda que a economia tenha aparentemente crescido, este lucro não refletiu no
desenvolvimento local do país, mas concentrou-se no capital internacional e nas
mãos de poucos no país.
O mesmo ocorreu na região de Mbuji-Mayi, na RDC, uma vez que é uma
das regiões mais ricas na extração de diamantes, e companhias privadas
internacionais frequentemente ocupavam a região, por meio de acordos com as
forças militares e o Estado. Em certa medida, não resta claro, segundo relatórios
publicados pela Anistia Internacional em 2002, se estas atividades coordenadas
por empresas internacionais ocorreriam com base em meios legais (FERGUSON,
2007, p. 37). No entanto, uma vez mais, se observa o cenário em que as atividades
voltadas para a extração de recursos naturais estão direcionadas ao ganho de
capital internacional, e os interesses e necessidades da população local são em
segundo plano.
O último elemento proposto por Ferguson, a governança, é visto a partir de
promessas neoliberais em que ajustes estruturais, que tornariam a governança no
continente mais democrática e economicamente eficiente, traria como resultado
estados democráticos e a presença da sociedade civil. Ainda que a democracia
formal tenha sido implementada em alguns países, houve abertura para a entrada
de organizações não governamentais, que ao mesmo tempo em que foram
fundamentais para suprir lacunas deixadas pelo Estado (de assistência social à
população). Por outro lado, viu-se deteriorar ainda mais a capacidade e
responsabilidade dos estados se posicionarem em busca de melhorias para a
população. Esta era significou para muitos países no continente africano não
apenas uma sociedade civil não governamental, mas também um “Estado não
governamental” (FERGUSON, 2007, p. 38-39).
Para muitas regiões da África, esta nova ordem política não significou ‘menor interferência ou ineficiência do Estado’, como os neoliberais do ocidente pensaram, mas, simplesmente menos ordem, menos paz, menos segurança. Em inúmeros países (incluindo aqueles que eram ‘tradicionalmente’ estáveis, como a Costa do Marfim), entraram em guerra civil (FERGUSON, 2007, p. 39).
43
Por fim, em relatório publicado pelo Banco Mundial, observou-se que
países no continente africano apresentam diferentes níveis de investimento entre
si. E países classificados como mais “fracos”, com Estados mais corruptos ou em
situação de guerra civil, tem atraído de forma mais significativa investimentos
estrangeiros. Como por exemplo, Angola, que durante os anos 80, enquanto
estava em guerra civil, apresentou uma das economias com maior índice de
crescimento na África, ou mesmo o Sudão, que apresentou média anual de 8,1%
de crescimento econômico, durante os anos 90, enquanto vivia uma das piores e
mais violentas guerras civis e um governo opressor (FERGUSON, 2007, p. 41).
A partir destes três elementos trazidos por Ferguson, é possível
analisarmos a tentativa de inclusão por parte de países africanos na lógica da
globalização ao se tornarem visíveis e mais atraentes para o mercado global. Por
outro lado, a desigualdade social e a instabilidade política faziam com que se
afastassem igualmente da globalização enquanto proposta pelo ocidente. Esta
análise por si só, coloca em xeque a globalização enquanto um processo
homogêneo em sua totalidade, mas também fragmentador, ambos de forma
concomitante neste processo.
O fim da Guerra fria e a nova configuração do sistema internacional
capitalista, modificou igualmente a dinâmica com a qual o continente africano
estava se relacionando com o resto do mundo. O período pós-guerra na África foi
marcado por uma longa crise econômica, instabilidade política, dívida externa e o
crescimento do que Haesbaert denominou como “aglomerados de exclusão”
(HAESBAERT, 2014, p. 189). Assim, o fim da bipolarização no mundo e o
período pós-colonial, ainda que tenham representado o início do surgimento de
governos democráticos, o que se observou foi a intensificação de problemas
estruturais, o surgimento de governos repressivos, corruptos e um
desenvolvimento econômico que ainda que dependesse do investimento
estrangeiro, este não ficava no país, logo não se observava desenvolvimento
econômico.
Com base nas dinâmicas geográficas de fragmentação, a África estaria
incluída em uma “fragmentação excludente ou desintegradora” (HAESBAERT,
2013, p. 44), como produto da globalização hegemônica. Esta denominação se dá
face à redução do papel social do Estado e a precarização da vida, isto é, o
aumento do desemprego, da violência e da insegurança. Entretanto, deve-se
44
considerar a ‘exclusão’ e a precarização para além da esfera econômica, incluindo
também o âmbito político e social. Como consequência disso, há o aumento da
mercantilização da vida humana e
“o aparecimento e fortalecimento de fundamentalismos religiosos, étnicos e nacionalistas que resultam numa fragmentação identitária francamente contrária ao pretensioso universalismo globalizador” (HASBAERT, 2013, p. 46).
Assim, do ponto de vista econômico, os países africanos que são ricos em
matérias-primas (como ouro, diamante, petróleo, coltan, entre outros) nunca
deixaram de ser foco para países da União Europa, para os Estados Unidas e, mais
recentemente para a China. Entretanto, isso não deve ser associado
automaticamente a um crescimento econômico positivo, tendo em vista todos os
outros fatores externos que fazem com que a África permaneça como um
continente marginalizado na economia global. Os números reforçam esta
preponderância e atenção dada ao continente, numa comparação entre a década de
90 e o início do século XXI, em que As análises do crescimento da economia africana ante a ordem atual passaram a apontar taxas de crescimento positivas, excetuando-se os países em guerra. Demonstraram também a explosão dos investimentos estrangeiros na África. Estes saltaram de US$ 9 bilhões, em 2000, para US$ 62 bilhões, em 2008. Embora existam capitais de origem diversa (americanos, franceses, brasileiros e indianos), as notícias convergem quanto à preponderância chinesa (MARY, 2013, p. 205).
Todavia, ao mesmo tempo que nos deparamos com o aumento da presença
de capital privado nos países africanos, por outro lado, observou-se a
intensificação de tensões sociais e da hierarquização do espaço. Isso se deu devido
ao rápido crescimento de uma pequena parcela da população e de políticos que
tinham participação na venda de commodities e de recursos petrolíferos, enquanto
a maior parte da população se via em meio a uma crise econômica, política e
social, de precarização da vida, de altas taxas de desemprego, guerras civis, e
assassinatos em massa. Observa-se um continente marcado por permanentes
disputas por relações de poder (entre governos ditatoriais, empresas transnacionais
e o aumento da militarização) em meio a uma crise institucional política acerca do
papel do Estado, das organizações não governamentais e da população civil face a
este cenário.
45
Assim, uma análise do continente africano frente ao processo de
globalização reafirma a não existência de um processo igualitário em curso, e que
suas especificidades estão cada vez mais sobressalentes. “O ‘global’ visto nos
estudos sobre a África tem demonstrado bordas irregulares; ricas e perigosas áreas
de tráfego com degradações generalizadas; enclaves de arame farpado
abandonados em áreas do interior”. A expectativa de vida no país está na faixa
dos 50 anos, as guerras parecem estar distantes do fim, além de apresentar os
maiores índices de desigualdade já vistos na história da humanidade
(FERGUSON, 2007, p. 48-49).
A partir da experiência política, econômica e histórica do continente
africano é possível enxergar mais um exemplo de que devemos buscar outra
perspectiva acerca do ‘global’ e que a visão de ‘globalização’ está distante de
“cobrir homogeneamente todo o sistema”. A realidade do continente africano
permanece distante do discurso ocidental da globalização. “Por outro lado, a
África nos desafia a criar um entendimento acerca dos padrões globais que estão
emergindo”. Compreender a globalização como um processo “que divide o
planeta em muitas outras unidades” (FERGUSON, 2007, p. 48-49).
Será exemplificada abaixo a situação da RDC no contexto do continente
africano associado à análise previamente desenvolvida por Ferguson, tendo os
refugiados congoleses como exemplo empírico. A República Democrática do
Congo (RDC) é considerada como o “coração” da África, dada a sua localização
geográfica, porém é também considerada pelas Nações Unidas como um dos
países menos desenvolvidos e com menor qualidade de vida no mundo. Ocupa a
186ª posição entre 187 países que tem o IDH medido pelo Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)4 e 80% da sua população vive com
menos de U$ 1,00 por dia (International Crisis Group, 2009).
Atualmente o conflito armado se concentra, sobretudo, no leste do país, e
envolve um amplo número de atores e grupos, tendo sido contabilizados cerca de
70 grupos armados em operação na parte leste do país no ano de 2016. Os altos
níveis de corrupção comprometem a responsabilidade fiscal e contribuem para o
enfraquecimento e para a realidade vista no país. Assim, apesar de ser rico em
4 PNUD. Ranking IDH Global 2013. Publicado em: <http://www.pnud.org.br/atlas/ranking/Ranking-IDH-Global-2013.aspx> Acesso em: 18 mai. 2015.
46
recursos naturais, a instabilidade e a corrupção impactam negativamente na
economia nacional. A maior parte das companhias estatais opera nas áreas da
indústria, agricultura, transporte e de financiamento. A maior parcela da
população trabalha no setor informal, dividindo-se também nas áreas da
agricultura, de extração de minerais e em pequenos comércios5.
Além disso, de acordo com relatório da ACAPS, a liberdade de expressão
vem deteriorando com a proximidade das eleições presidenciais de 2016. A
população na RDC é composta de aproximadamente 34,962,676 de pessoas de
acordo com o último censo, com 77,2% vivendo abaixo da linha da pobreza e
43% abaixo de 15 anos de idade. Cerca de 60% da população sofre com a pobreza
extrema e não é capaz de obter as necessidades básicas diárias. As áreas rurais
seguem mais afetadas que as áreas urbanas, e nas áreas rurais a pobreza pode
atingir mais de 90% da população. São seis as províncias que apresentam níveis
de pobreza maiores que 70%: província de Equateur e de Bandundu, Sud-Kivu,
Congo-Central (Katanga) e Orientale6.
De modo similar, a situação da insegurança alimentar também é pior nas
áreas rurais, afetando 39% da população, enquanto o mesmo quadro afeta 19% da
população nos meios urbanos. Desta forma as taxas de pobreza são altas, a
despeito do relativo crescimento econômico nos últimos anos. O país foi
classificado como 176º no ranking a partir do Índice de Desenvolvimento
Humano (que contabiliza 188 países) e a renda per capita é uma das menores no
mundo. A política nacional de seguridade social alcança uma pequena parcela da
população, sobretudo nas áreas urbanas7.
Dessa forma, cerca de 0,1% da população, 86.000 pessoas, conseguem
receber benefícios de seguridade social, e cerca de 0,05% dos idosos (42.000)
recebem pensões. As transferências informais, feitas por familiares e amigos no
exterior, são percebidas como os mecanismos de suporte mais fortes, e muitas
5 DRC Country Profile. ACAPS. Novembro de 2015. Disponível em: <http://reliefweb.int/sites/reliefweb.int/files/resources/c-acaps-country-profile-drc-22.02.2016.pdf> . Acesso em: 13/06/2016 6 DRC Country Profile. ACAPS. Novembro de 2015. Disponível em: <http://reliefweb.int/sites/reliefweb.int/files/resources/c-acaps-country-profile-drc-22.02.2016.pdf> . Acesso em: 13 jun. 2016 7 DRC Country Profile. ACAPS. Novembro de 2015. Disponível em: <http://reliefweb.int/sites/reliefweb.int/files/resources/c-acaps-country-profile-drc-22.02.2016.pdf> . Acesso em: 13 jun. 2016
47
famílias dependem das remessas para suprir necessidades imediatas. Além disto,
os mecanismos sociais tradicionais (baseados também em laços de parentesco) são
mobilizados para lidar com questões relacionadas à insegurança alimentar. Por
fim, como efeito do conflito no leste, a capacidade das comunidades receptoras
diminui a cada novo ciclo de conflito. O país tem cerca de 1.5 milhão de
deslocados internos, tendo sido quase 90% destes deslocados em virtude dos
ataques realizados por grupos armados. Para além de ser um país que gera
refugiados, a RDC atualmente abriga cerca de 250 mil refugiados de outras
nacionalidades, mormente dos países fronteiriços8.
Em relação à organização territorial do país, este tem suas províncias
organizadas da seguinte maneira9: a capital Kinshasa é a mais populosa dentre as
onze províncias que formam o país. As seguintes são: Bandundu, a oeste do país,
perto de Kinshasa, Bas-Congo, Équateur, Orientale, Kasai Oriental, Kasai
Ocidental, Katanga, Maniema, Kivu do Norte e Kivu do Sul.
De acordo com relatório publicado pelo ACNUR, em maio de 2005, a
população congolesa está dividida entre aproximadamente 450 tribos, dentre as
quais podem ser divididas em quatro grandes grupos, que estão diretamente
relacionados a um território específico. Assim, o maior grupo étnico é o dos Luba
(ou Baluba10), que está presente em sua maior parte na região do centro-sul; a
segunda maior etnia é a Kongo (ou Bakongo), que está localizada na província de
bas-Congo ao sudoeste do país e equivale a aproximadamente (16,6% da
população). Em seguida, na região ao nordeste do país, estão os Mongo
(equivalente à 13,5%), grupos que falam os idiomas de Ruanda e Burundi, os
Zande, Mangbetu , dentre outros grupos étnicos presentes na região. Por fim, os
Chokwe e Lunda que estão mais próximos à fronteira com Angola. Os Pigmeus
representam menos de 0,5% da população total do país e estão localizados nas
províncias de Equateur e Oriental.
Em relação aos idiomas, o país também apresenta enorme diversidade
linguística e, além do francês, que é o idioma oficial do país, existem outras 250
8 DRC Country Profile. ACAPS. Novembro de 2015. Disponível em: <http://reliefweb.int/sites/reliefweb.int/files/resources/c-acaps-country-profile-drc-22.02.2016.pdf> . Acesso em: 13 jun. 2016 9 CONGO-KINSHASA, République démocratique du Congo. Disponível em: <http://www.axl.cefan.ulaval.ca/afrique/czaire.htm> Acesso em: 18 mai. 2015. 10 O “ba” é utilizado como prefixo como se fosse equivalente ao artigo na língua portuguesa, logo é comum que se utilize as duas terminologias “Luba” ou “Baluba”.
48
línguas e dialetos falados ao redor do país. Quatro deles são vistos como “línguas
nacionais”, quais sejam: o suaíli, que representa 40% da população total do país,
falado predominantemente pela população ao leste do país, nas províncias de
Norte Kivu, Kivu Sul, Katanga, Maniema e Oriental; em seguida o Lingala, falado
por aproximadamente 27,5 % da população e, principalmente, em Kinshasa e
regiões vizinhas, bem como nas províncias de Equateur e Oriental. Por fim, o
Kikongo falado nas províncias de Bas-Congo e Bandundu, representando 17,5%
da população e, o Tshiluba, idioma predominante nas províncias de Kasai Oriental
e Kasai Ocidental.
O Lingala é utilizado primordialmente nas províncias de Bandundu,
Equateur e Oriental, exceto na região sudeste da província Oriental. Além da
RDC, o Lingala é também falado na República Centro Africana e na República do
Congo, locais onde também pode ser referenciado como Ngala. O idioma
Tshiluba, mencionado anteriormente, também pode ser referenciado como “luba-
Lulua”, “Luba-Kasai”, “Western Luba” ou “Luva”. Por fim, o Swahili também
apresenta suas variações linguísticas, como “Zaire Swahili”.11
No que diz respeito ao contexto político e econômico do país, os conflitos
na RDC, como na África em geral, se devem a não coincidência das fronteiras
políticas com as fronteiras étnicas. Estes conflitos se configuram tanto por suas
tradições desde que o país era colônia belga, como também pelo atual cenário de
instabilidade política e econômica no qual se configura o país. No entanto, os
problemas internos na RDC vão além de apenas conflitos políticos e étnicos, o
caracterizando como um país que ao mesmo tempo em que sofre com um dos
maiores índices de pobreza no mundo é, por outro lado, um dos que concentra
maior parte dos recursos naturais da África.
Há pouco mais de duas décadas o país apresenta um quadro de conflito
permanente, relatado por diversas organizações internacionais, como o Comitê
Internacional da Cruz Vermelha, a Anistia Internacional e Médicos sem
Fronteiras.12 De acordo com o relatório publicado em novembro de 2013, pelos
11 Ethnologue Languages of the World. Disponível em: < http://www.ethnologue.com/country/CD/maps > Acesso em: 01 de junho de 2016. 12 ANISTIA INTERNACIONAL. Informe 2013. O estado dos direitos humanos no mundo. República Democrática do Congo. Disponível em: <http://www.amnesty.org/pt-br/region/democratic-republic-congo/report-2013> Acesso em: 18 mai. 2015; MÉDICOS SEM FRONTEIRAS. MSF divulga relatório sobre a situação humanitária chocante no leste da República Democrática do Congo. Disponível em: <http://www.msf.org.br/noticias/msf-divulga-
49
serviços de notícia da ONU, a RDC passa por uma “catástrofe humanitária”,
calcula-se que existam, atualmente, 2,96 milhões de pessoas deslocadas
internamente. Além disso, o país apresenta um sistema de saúde disfuncional,
colocando sua população em um quadro de emergência humanitária permanente e
em alerta constante em relação a surtos de doenças, como a malária. 13
A principal área de conflito está no leste do país, onde se encontram as
províncias de Norte Kivu e Kivu Sul. Assim, de acordo com relatório publicado
pelo Secretário-Geral da ONU na MONUSCO, em 2015, aponta-se para a
contínua deterioração das condições humanitárias na região leste do país, tendo
em vista o resultado da atuação de grupos armados presentes nas regiões, as
recorrentes operações militares contra esses grupos armados, confrontos étnicos
entre diferentes comunidades, empresas transnacionais presentes no país em busca
da extração de recursos minerais e, por fim, um crescente fluxo de deslocados
internos, vindos principalmente de Burundi. Estima-se a existência de
aproximadamente 2,9 milhões de deslocados internos na RDC, bem como
aproximadamente sete milhões de pessoas que necessitam de proteção e
assistência humanitária. Dentre esses últimos, cerca de 6,6 milhões estão em
situação de insegurança alimentar.
Ambas as províncias anteriormente mencionadas, estão entre as regiões
mais afetadas por atos recorrentes de violência de gênero, envolvendo tortura,
estupros e assassinatos em larga escala. Ademais, ainda são frequentes os casos de
recrutamento forçado de crianças por parte de grupos armados. A região é também
marcada por um sistema judiciário frágil e que apresenta falta de recursos,
ocasionando na impunidade em relação a esses casos.
Após a independência do país, em 1960, o país conquistou sua
independência com o nome de República do Congo. Nas primeiras eleições
parlamentares do país, Joseph Kasavubu assumiu a presidência, ainda que tenha
sido considerado um ato inconstitucional, pois quem conquistou a maioria dos
votos foi Lumumba, que se tornou primeiro-ministro. Em seguida, após um relatorio-sobre-situacao-humanitaria-chocante-no-leste-da-republica-democratica> Acesso em: 15 mai. 2015; COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA. O CICV na República Democrática do Congo. Disponível em: <https://www.icrc.org/pt/onde-o-cicv-atua/africa/republica-democratica-do-congo> Acesso em: 05 mai. 2015. 13 MSF divulga relatório sobre a situação humanitaária chocante no leste da República Democrática do Congo. 03 mar. 2014. Disponível em: <http://www.msf.org.br/noticias/msf-divulga-relatorio-sobre-situacao-humanitaria-chocante-no-leste-da-republica-democratica> Acesso em: 12 mai. 2015.
50
cenário de instabilidade política e social no país, Joseph-Desiré Mobutu derrubou
Tshombe que estava no poder durante esse período. Com isso, Mobutu assume e
estabelece uma ditadura personalista.
O primeiro governo ditatorial da RDC foi sob o poder de Mobutu, o qual
permaneceu na presidência desde 1965 até 1997. Durante o governo de Mobutu o
nome do país foi alterado para Zaire e o estopim para o início de intensos
conflitos internos no país foi o genocídio de Ruanda, em 1994, que ocorreu entre
os grupos étnicos hutu e tutsis. Uma das consequências para a RDC foi a
migração de aproximadamente 1,2 milhão de ruandeses, da etnia hutu, na
condição de refugiados para o Norte Kivu, próximo a fronteira de Ruanda
(PETRUS, 2010, p. 146).
Após o genocídio, milícias hutus ruandesas e soldados da FDLR sugiram
para o leste da RDC, e houve uma intensificação tanto de conflitos armados
fronteiriços quanto conflitos internos. Assim,
Em outubro de novembro de 1996, forças de Ruanda entraram no território do Congo-Zaire com a justificativa de capturar hutus ruandeses que haviam participado do massacre de 1994 e se concentravam no leste do Congo. Algumas fontes afirmam que sob esta justificativa estava o objetivo de ganhar poder sobre o território vizinho Congo-Zaire – com a conquista de terras agrícolas (escassas em Ruanda), controle e exploração de riquezas minerais congolesas, etc.. Nsse mesmo período, os ruandeses vão fortalecer um movimento de guerrilha liderado por Laurente-Desiré Kabila (...), denominado Aliança das Forças Democráticas para Libertação do Congo Zaire (AFDL) (PETRUS, 2010, p. 146).
O grupo AFDL era composto, majoritariamente, por tutsis e contava com
o apoio externo de Burundi, Ruanda e Uganda, se tornando o principal grupo
armado a se posicionar contra o governo de Mobutu. Este, por sua vez, não se
manifestou em relação ao novo fluxo migratório vindo de Ruanda, sendo este o
momento crucial para a consolidação do movimento que o tiraria do governo
ditatorial instaurado (PETRUS, 2010, p. 148-150).
Em 1997 a guerra civil já se alastrara praticamente por todo o território do Congo-Zaire. ‘A rebelião (que já havia dominado as áreas do leste) assumiu também o controle de duas das maiores cidades do país (Kisangani, na província Orientale e Lubumbashi, a capital da rica província de Katanga), além de conseguir o domínio de Mbuji-Mayi, na ‘região dos diamantes’ – próxima à capital da província de Kasai Oriental (PETRUS, 2010, p. 147).
51
A ditadura de Mobutu beneficiou apenas seu governo e uma pequena elite,
que concentravam 70% de toda a riqueza da extração mineral e petrolífera do país
(esta é a principal atividade de interesse do governo e externos em relação à
região também). A AFDL foi liderada por Laurent-Desiré Kabila e em 1997,
tomaram a capital do país, até então Zaire, e conseguiu o exílio de Mobutu, Kabila
se declarou então presidente do antigo Zaire e da nova RDC (PETRUS, 2010, p.
147).
No entanto, o ambiente hostil, de conflitos políticos e étnicos permaneceu
e se mostrava sem aparente resolução. Segundo Petrus, “os conflitos armados nas
províncias do Kivu estão diretamente ligados – desde os anos 1990 até os dias
atuais – à enorme riqueza mineral que lá se concentra”. Assim, o que se busca
tanto por parte do governo quanto de grupos rebeldes e empresas transnacionais, é
o controle das minas e a comercialização dos minérios, que pode ocorrer por vias
regulares ou irregulares. Assim, As questões étnicas geram uma ‘densa cortina de fumaça’ que impede uma análise mais clara dos fatos, dificulta a busca de soluções para os conflitos e permite que interesses econômicos de grande vulto continuem a ser garantidos pela situação de caos gerada pelos conflitos armados entre os diversos atores que têm influência nas áreas de mineração (PETRUS, 2010, p. 148).
Nos anos seguintes, o ano de 1998 é apontado como “marco de uma
situação de grande potencial explosivo no país” (PETRUS, 2010, p. 149), quando
Kabila rompe a aliança estabelecida com grupos armados que o haviam ajudado a
derrubar o governo de Mobutu, determinando que todos se retirem do país.
Antigos aliados, no entanto, o acusam de “corrupção e exercício de um poder
ditatorial, além de alta traição” (PETRUS, 2010, p. 149).
O momento da Segunda Guerra do Congo (1998-2003) teve início com a
formação de novos grupos que estabeleceram alianças com outros já existentes,
intensificando o cenário de conflito armado no país. Nesse momento, surgem
também a União Congolesa pela Democracia (RDC), apoiada por Ruanda e o
Movimento pela Libertação do Congo (MLC), apoiado por Uganda, enquanto
Zimbábue e Angola permaneciam suportando Kabila (PETRUS, 2010, p. 149).
Em 2001, Kabila é assassinado e quem assume a presidência é seu filho
Joseph Kabila. Em 2003, a ONU tenta uma mediação na RDC em busca de um
governo e eleições democráticas, e assinam o Global and All Inclusive
52
Agreement. No entanto, os conflitos armados nunca cessaram, bem como os
confrontos étnicos, dando início ao surgimento de novos grupos que viriam a se
posicionar contra o governo (VALENZOLA, 2013).
Desde novembro de 1999, a partir de um acordo entre o governo da RDC e
cinco Estados da região (Angola, Namíbia, Ruanda, Uganda e Zimbabwe)
estabeleceu-se a Organização das Nações Unidas para a República Democrática
do Congo (MONUC). Esta foi inicialmente planejada com o intuito de estabelecer
um acordo de cessar fogo entre os grupos armados presentes no país, bem como
desmantelar estes grupos. No entanto, o Conselho expandiu seu mandato na
região e passou a supervisionar a implementação do Acordo de Cessar Fogo. Em
julho de 2010, a MONUC se converte em em Missão de Estabilização das Nações
Unidas no Congo (MONUSCO), refletindo uma nova fase do país. O mandato da
missão é renovado, incluindo em seus objetivos, a proteção de civis, defesa de
questões humanitárias e dos direitos humanos sob qualquer ameaça ou violência
física e, por fim, de dar suporte ao governo da RDC na busca por esforços para
consolidação de sua estabilidade política e paz14.
Segundo especialistas, logo após a renovação do mandato da MONUSCO,
observou-se o aumento no número de estupros nas regiões de Norte Kivu e Kivu
do Sul. A ONU tentou implementar uma represália aos acusados de praticar esses
atos, chamada de “Compra de viúva”, porém foram capturados apenas 30 de
estimados 200 culpados (Valenzola, 2013). Relacionado a isso, outro elemento
que diz respeito à grave e generalizada violação dos direitos humanos é a
impunidade para os casos de abusos sexuais, estupro ou mortes violentas a civis.
De modo que esses atos são perpetrados tanto por parte de forças do governo,
quanto por grupos armados rebeldes.
“De acordo com o ACNUR (Agência das Nações Unidas para
Refugiados), a violência existente nas províncias localizadas no leste do país,
apresentou um total de 400.000 remoções forçadas desde 2012, apresentando uma
quantidade aproximada de 600.000 deslocados internos. Em dados mais recentes,
notou-se que durante os últimos três meses, cerca de 71.000 pessoas foram
14 MONUSCO. MONUSCO Background. Disponível em: < <http://www.un.org/en/peacekeeping/missions/monusco/background.shtml> Acesso em: 10 jun. 2016.
53
removidas de suas casas”15. Os conflitos entre grupos de milícia são, geralmente,
marcados por diferentes etnias, porém não se deve levar em consideração apenas
as questões culturais e políticas como causas dessas guerrilhas, lembrando que há
interesses econômicos por trás da busca pela conquista de novos territórios
estratégicos.
Como se sabe o RDC, como o “coração” da África, representa também
uma das maiores fontes de recursos naturais no continente, o qual possui reservas
de ouro, minerais, carvão vegetal, madeira e produtos extraídos de animais, como
o marfim. Estima-se que as operações ilegais e o contrabando desses recursos
gerem em torno de 700 milhões e 1,3 bilhão de dólares anualmente. Os números
se tornam ainda mais alarmantes de acordo com um relatório publicado em
conjunto pelo PNUMA, MONUSCO e o escritório do enviado especial para a
região dos Grandes Lagos, em meados de 2015, o qual salienta que essa receita
atual financie em torno de 25 grupos armados e que entre 10% e 30% desse lucro,
ou seja, de 72 a 426 milhões de dólares por ano, sejam encaminhados para
organizações criminosas que se encontram fora da região leste do RD Congo. Em
contrapartida, os grupos de rebeldes da RD Congo ficam apenas com cerca de 2%
desse montante, o que equivale a aproximadamente 13,2 milhões de dólares por
ano. Esses números enfatizam o quadro vulnerável do país, onde ao mesmo tempo
em que milhões de pessoas se encontram hoje em uma situação de miséria,
pobreza, falta de acesso a recursos básicos e uma baixíssima qualidade de vida,
por outro lado, um seleto grupo, composto por organizações ilegais e pelo Estado,
usufruem das riquezas naturais do país.16
A região nordeste de Katanga é uma das mais ricas em recursos naturais
da província, tendo também sido palco de conflitos entre as comunidades Luba
(ou Bantu) e Twa (ou pigmeus) ao longo dos últimos anos. Assim, é possível ver
refletido na população local as consequências que a disputa por minério e recursos
naturais provocam nas comunidades locais. A Agência da ONU para Refugiados,
em 2014, expressou extrema preocupação acerca da situação vista como uma
15 UNHCR. Hundreds of Thousands of Congolese flee violence in Katanga province`s triangle of death. 18 nov. 2014. Disponível em: <http://www.unhcr.org/546b2c0a9.html> Acesso em: 18 mai. 2015. (Tradução livre)16 ONU: Contrabando de vida selvagem e recursos naturais financia conflitos armados na RD Congo. Publicado em: 21 abr. 2015. Disponível em: http://nacoesunidas.org/onu-influencia-do-contrabando-de-vida-selvagem-em-conflitos-armados-na-rd-congo/ Acesso em: 12 mai. 2015.
54
“catástrofe humanitária” na província de Katanga, na RDC, a qual deixou
milhares de pessoas deslocadas internamente. Até o final de 2012, cerca de 400
mil pessoas teriam sido obrigadas a deixar suas casas, e durante o último trimestre
de 2014, mais de 71 mil pessoas também estariam em situação de deslocamento
forçado. O chamado “triângulo da morte” é composto pelas regiões de Manono,
Mitwaba e Pweto, ao nordeste de Katanga, sendo uma das regiões que apresentam
a maior incidência de ataques, presença de grupos rebeldes e insegurança. A
atuação dos grupos rebeldes é caracterizada pelos roubos e incêndios de casas,
extorsão, tortura, trabalho forçado e recrutamento de jovens para integrarem os
grupos armados, bem como atos de violência sexual contra mulheres. O
representante do UHNCR em Genebra relatou que até novembro de 2014 foram
relatados um total de 15.873 incidentes na província de Katanga, dentre eles 88%
(aproximadamente 14 mil) ocorreram no chamado “triângulo da morte”. Ademais,
estima-se que um elevado número de casos ainda assim não sejam reportados ao
UNHCR, não sendo possível precisar a extensão destes ataques e a quantidade
de vítimas geradas pelos mesmos17.
Com isso, após a análise o processo de globalização no continente africano
a partir dos três elementos apresentados por Ferguson: a cultura, o fluxo de capital
estrangeiro e as transformações na governança, e após uma aproximação ao caso
da República Democrática do Congo, é possível atentar-se para as especificidades
de cada local e a forma como o global impacta no local. A maneira como a África
é vista a partir do fenômeno da globalização, os impactos das transformações
internas de cada país, e junto a isso interesses externos advindos de outros
sujeitos, fazendo com que o continente permaneça sendo visto por muitos
especialistas como “marginalizado” e “excluído” (FERGUSON, 2007, p. 14).
Esse cenário nos leva a refletir acerca do desenvolvimento histórico e
político o continente e seus países especificamente, para atual fluxo de
deslocamento interno e movimentos migratórios que são observados como
originados no continente. A RDC é um país que apresenta tanto um elevado
número de refugiados advindos de países vizinhos, como também gera um enorme
fluxo de pessoas que deixam o país em busca de proteção e melhores condições de 17 UNHCR. Hundreds of thousands of Congolese flee violence in Katanga province’s triangle of death. Publicado em: 18 nov. 2014. Disponível em: <http://www.unhcr.org/news/latest/2014/11/546b2c0a9/hundreds-thousands-congolese-flee-violence-katanga-provinces-triangle-death.html> Acesso em: 13 jun. 2016.
55
vida. Estima-se que até dezembro de 2015, existam cerca de 247.033 refugiados
sob a proteção do país, e 1.491,768 pessoas deslocadas internamente no país18.
No que diz respeito ao número de pessoas que deixam o país, até janeiro
de 2014, a ONU apontava para mais de 1,5 milhão de pessoas em situação de
refúgio, nacionais da RDC, colocando o país entre os seis principais países com
maior número de pessoas em situação de refúgio no mundo. Dentre esse número,
aproximadamente 18% do total de refugiados estariam em países vizinhos no
continente africano, como em Burundi, Ruanda, África do Sul, Tanzânia e
Uganda19.
Tendo isso em vista, voltamos novamente a relação entre o fenômeno da
globalização e a intensificação dos fluxos migratórios no mundo. Estes por sua
vez, apresentam diferentes dinâmicas e motivações, que podem estar atreladas a
busca por melhores condições de vida, a busca por proteção de outro país,
conflitos internos de diferentes naturezas. Com isso, a categorização dos fluxos
migratórios e dos diferentes ‘tipos’ de migrantes se torna cada vez mais frequente,
dentre eles a conceituação do termo ‘refugiado’ e da pessoa que busca refúgio em
outro país.
A próxima seção deste capítulo se debruçará principalmente nas pessoas
em situação de refúgio no mundo, a forma como a sociedade internacional e
organismos supranacionais passam a enfrentar este cenário, a partir da criação de
normas e convenções internacionais. Estas tem por principal objetivo, a busca
pela regulamentação na forma como estes fluxos serão vistos pelos diferentes
Estados-Nação, e a forma como os sujeitos desses movimentos serão tratados.
2.3. O sistema internacional dos refugiados e o processo de globalização
The causes, consequences, and responses to refugees are all closely interwined with worlds politics. The causes of refugee movements are underpinned by conflitct, state failure, and the inequalities of international political economy. The consequences of movements have benn associated with security, the spread of conflict, terrorism, and transnacionalism. Alexander Betts, 2011, p.120.
18 UNHCR. Highlights DR Congo, Factsheet, December 2015. Disponível em: < http://reliefweb.int/sites/reliefweb.int/files/resources/unhcr_drc_factsheet_december_2015_with_data_of_30_november_2015.pdf> Acesso em: 08 jun. 2016. 19 UNHCR. Congolese Refugee – A protracted situation. Disponível em: < http://www.unhcr.org/558c0e039.pdf> Acesso em: 08 jun. 2016. 20 Refugees in the International Relations. Introdução. Pag.1.
56
Após análise do processo de globalização enquanto fenômeno que atinge
o sistema internacional de Estados como um todo e que a partir desta visão é um
processo que segue em movimento e transformação ao longo dos anos, serão
analisados a seguir, elementos que dizem respeito a como este processo
influenciará na relação entre os Estados e na criação de novos fluxos de pessoas
pelo mundo, ou seja, maior mobilidade humana, e a constituição de novas
fronteiras.
Estas vão além da limitação geográfica, mas consistem em fronteiras
políticas, invisíveis, que se estabelecem a partir dos interesses e objetivos
individuais de cada Estado ao adquirir sua soberania perante os demais atores e
agentes deste sistema. Como objetivos específicos dessa sessão serão analisadas
as relações existentes entre os Estados-Nação, quais os sujeitos que estão
envolvidos nesse processo, bem como as consequências que essa individualização
e busca por uma soberania mais influente, cria novos fluxos de pessoas ao redor
do mundo. Dentre estes fluxos, observa-se principalmente, os refugiados, como
principal foco desta parte do capítulo.
Para além da definição jurídica e legal do refugiado, será proposto também
um debate teórico em torno do conceito do refúgio, buscando ultrapassar a visão
jurídica ou vitimizada do refugiado, o tornando sujeito ativo neste processo. Isto
é, o principal elemento que constitui este fluxo, bem como o elemento que
representa a falha do Estado em garantir a proteção de seus cidadãos e direitos
básicos para sua sobrevivência.
A globalização permanecerá sendo vista como um processo, e não como
um estado fixo. Igualmente, podemos partir do pressuposto que este fenômeno
fomentou novos fluxos e razões migratórias. Papastergiadis define a “globalização
da migração” a partir das seguintes características:
Multiplicação de movimentos migratórios; diferenciação nas origens econômica, social, e cultural dos imigrantes; a aceleração dos padrões de migração; expansão no volume de migrantes; feminização da migração; desterritorialização das comunidades culturais; e lealdade a múltiplas diásporas (2000, p.86).
Neste sentido, o movimento migratório deve ser visto como um fluxo
intrinsecamente presente no mundo contemporâneo e nas sociedades modernas. A
globalização tende, como visto, a impulsioná-lo e, diante disso, os Estados devem
57
agir de forma a conseguir lidar com eles. Diversos críticos do fenômeno da
globalização (PASPASTERGIADIS, 2010; HARVEY, 2004; HAESBAERT,
2001) ressaltam que a atuação dos Estados não deve partir da criação de barreiras
políticas com a finalidade de interromper estes fluxos migratórios e ainda que
resolvam agir desta forma, sabe-se que novas alternativas para transpassar estas
fronteiras serão criadas.
Junto ao processo da globalização, nos vemos também diante de uma
sociedade cada vez mais multicultural e miscigenada, ou seja, qualquer noção de
cultura enraizada, igualitária ou fixa passa a ser vista como ultrapassada. Com
isso, os Estados deverão agir de forma a criar mecanismos para lidar diretamente
com o fluxo de migrações, de forma a integrar esta população em seu território e
prover políticas públicas para ela, visto que a tendência é apenas uma
intensificação do movimento migratório no mundo (PASPASTERGIADIS, 2010,
p. 86-87). No que diz respeito à emergência das migrações associadas ao processo
de globalização, será apresentado a seguir um panorama da forma como chegamos
ao cenário atual das migrações no mundo contemporâneo. Nesse sentido,
Os primeiros mapeamentos das migrações internacionais foram predominantemente europeus. Eles eram observados tanto em relação às veias coloniais dos anos 60 aos anos 90, ou também em relação ao processo de industrialização e rápida urbanização no final dos anos 90 e 2000. Entre 1500 e 1850 mais de 10 milhões de escravos foram enviados da África para as Américas. Entre 1815 e 1925 mais de 25 milhões de britânicos foram assentados em áreas predominantemente urbanas de suas colônias (PASPASTERGIADIS, 2000. P. 7).
Atualmente, as tendências migratórias caminham em um sentido
multidirecional, ou seja, não apenas no sentido norte e oeste, mas também para os
epicentros ao sul e leste. Diferentemente os períodos migratórios anteriores, onde
observou-se uma migração mais linear, entre o que era entendido como entre o
centro e a periferia. No entanto, a fase atual pode ser melhor descrita a partir do
que Papastergiadis chama de “turbulência das migrações”, ao passo que apresenta
movimentos fluidos e coordenados, com trajetórias ao mesmo tempo
multidirecionais e reversíveis. Para o autor,
A turbulência das migrações torna-se evidente não apenas na multiplicidade de caminhos, mas também nas imprevisíveis mudanças associadas a estes movimentos. No entanto, isto não significa que o padrão de movimento é aleatório e a direção totalmente em aberto. Ao mesmo tempo, existem barreiras
58
rígidas e contra-forças que querem resistir ou explorar os fluxos de movimentos, assim como há passageiros que controlam cuidadosamente suas viagens em vez de se lançarem em destinos desconhecidos (2000, p. 7-8).
Com isso, ao passo que este movimento se torna multidirecional, outros
elementos surgem dentro do processo de migração. O movimento para se chegar
até um novo território é construído a partir do momento que a pessoa decide sair
de seu país de origem e aventurar-se a um destino até então desconhecido, no qual
deverá buscar e construir novas formas de inserção e integração na comunidade
local.
Como já visto, existem épocas específicas em que se identificaram fluxos
de refugiados em larga escala, como durante as décadas de 1970 e 1980, durante o
período pós-colonial e a incidência de conflitos étnicos. No entanto, este fluxo não
diminui e permaneceu se intensificando. A busca por uma definição sobre quem
seria reconhecido como refugiado, ocorreu principalmente quando este fluxo
migratório em larga escala passou a afetar países europeus. Por outro lado, com a
emergência de outros fatores que provocam fluxos migratórios como, escassez de
empregos, questões ambientais, dificuldades econômicas, entre outras razões, fez
com que a categoria de migrantes forçados crescesse exponencialmente,
representando milhares de indivíduos em deixando seus respectivos países fruto
de razões econômicas e sociais (ZETTER, 2007, p. 175).
Assim, ainda que a ênfase deste trabalho seja especificamente os
refugiados, é importante salientar a linha tênue para a identificação entre o
refugiado e outros fluxos de migrações mistas, sendo visto como dois movimentos
interconectados. De acordo com dados publicados pelo Alto Comissariado das
Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), até dezembro de 2014, estimou-se a
existência de aproximadamente 59 milhões de pessoas deslocadas forçadamente,
dentre os quais em torno de 19,5 milhões eram refugiados, 38,2 deslocados
internos e 1,8 milhão solicitantes de refúgio21.
O marco para o estabelecimento da definição do refugiado é a Convenção
de Genebra, de 1951, que será analisada a seguir. Entretanto, a aplicação da
mesma é facilmente compreendida a partir de um cenário de violência
21 UNHCR – The UN Refugee Agency. UNHCR Statistics: the world in numbers. Disponível em: http://popstats.unhcr.org/en/overview#_ga=1.192356457.252407738.1427941090 Acesso em: 21 mai. 2016.
59
generalizada e em larga em escala, como no caso do genocídio de Ruanda, em
1991, na Bosnia, e em Darfur. Atualmente, o sistema internacional e a assistência
humanitária se confrontam com intensos fluxos de indivíduos que são obrigados a
deixar seu país de origem em razão de diversos fatores, tais como: a existência de
regimes humanitários; graves violações de direitos humanos; guerras civis;
confrontos étnicos; intervenções humanitárias em meio a uma guerra; projetos de
desenvolvimento em larga escala; desastres ambientais derivados de vulcões,
tsunamis, mudanças climáticas; e, por fim, indivíduos que não chegam a cruzar a
fronteira internacional, mas permanecem em seu país de origem ou de residência
habitual como deslocados internos.
Este cenário coloca os Estados diante da necessidade de adotar qualquer
postura frente a estes fluxos, o que se vê a partir da criação de políticas
migratórias, que podem ter caráter protecionista ou mais flexíveis. A
permeabilidade entre o campo do refúgio e outros fluxos migratórios forçados, faz
com que países, principalmente europeus, estabeleçam um discurso protecionista
no âmbito migratório, mas de forma paradoxal, se coloca a favor de um
movimento de liberalização econômica e livre mercado. O paradoxo do processo
da globalização é, então, também exemplificado a partir dos fluxos migratórios no
mundo contemporâneo. A securitização da migração é também uma forma de
controlar, porém não diminuir estes fluxos.
A partir disto, é indiscutível a grande parcela de refugiados que exista hoje
no mundo, porém com a criação de barreiras políticas migratórias, o pedido de
refúgio se torna o único e possivelmente acessível status migratório que não pode
ser modificado ou interrompido. Assim, a realidade do mundo contemporâneo,
associado a globalização e ao multiculturalismo, nos coloca face a um fluxo real e
permanente de refugiados. Segundo Haddad,
Os refugiados não são consequências do colapso no sistema de estados separados, ao contrário, eles são uma parte inevitável senão antecipada da sociedade internacional. Enquanto existirem fronteiras políticas construindo estados separados e criando claras definições entre ‘insiders’ e ‘outsiders’, irão existir refugiados (2008, p.7)
Ao mesmo tempo, “as causas das migrações forçadas vão além, incluindo
formas de violência não relacionadas ao sistema interestatal, aos deslocamentos
causados pelo desenvolvimento, ou por fatores ambientais” (HURREL, 2009, p.
60
91). As razões para os diferentes fluxos de migração forçados não devem ser
atribuídos exclusivamente à sociedade internacional, mas é fundamental que se
perceba as transformações internas em cada comunidade política e como estas
podem interferir na intensidade do movimento. Por fim, torna-se importante neste
movimento, a noção de território, este não apenas enquanto território físico, onde
o Estado-Nação se configura, e estabelece relações de poder, mas como um
elemento que carrega consigo um valor simbólico, como o sentimento de
pertencimento, de identidade entre os indivíduos e o local (HURREL, 2009, p. 91-
92).
Na tentativa de uma melhor compreensão acerca da problemática dos
refugiados no mundo contemporâneo, Hurrell estabelece três pontos sobre os
quais seria possível compreender de que forma as mudanças nas principais
características na sociedade internacional poderiam impactar a forma como a
questão do refúgio se manifesta e é tratada pelos Estados. Primeiramente, Hurrell
aponta para o surgimento do Estado-Nação a partir do Tratado de Vestefália, em
1648, e como este estabeleceu parâmetros a respeito da capacidade e força estatal,
criando um sistema no qual, suas principais características diziam respeito a
“fronteiras severamente controladas e uma interdependência econômica limitada”
(HURREL, 2009, p. 89). Com o início da globalização, por volta do século XIX, a
soberania estatal torna-se ainda mais fortalecida, e os estados passam a obter
maior controle sob suas fronteiras, tornando uma questão de política externa do
país determinar o nível de abertura econômica e política adotada por Estado.
Percebemos então duas formas para compreender a relação entre a
existência de refugiados e a questão política. A primeira, pois fronteiras mais
reguladas dificultam a entrada de pessoas livremente, bem como a atribuição de
um status migratório a elas. Diante da dificuldade de regularização, a condição de
sobrevivência destas pessoas se torna mais vulnerável, e dependendo da forma
como isso reverbera na mídia e nos meios de comunicação, pode ocasionar uma
aceitação negativa por parte do restante da população local, que os terão como
“outsiders”. A segunda seria pensada a partir do país de origem deste indivíduo, e
representa sua fraqueza estatal, tendo em vista que o indivíduo foi obrigado a
deixar seu país de origem em razão de um temor de perseguição em seu Estado de
origem. Ainda que este temor possa ser motivado por um agente estatal ou não
61
estatal, representa o não exercício de sua função social de proteger e garantir
direitos sociais a sua população.
O segundo ponto ressaltado por Hurrell diz respeito as diferentes formas
de nacionalismo político que tem se destacado nos Estados-Nação. A
autodeterminação dos povos é importante tanto para o próprio Estado, como o
compartilhamento de valores comuns em sua comunidade. Ao mesmo tempo,
permite que subgrupos sejam criados dentro de seu território, grupos que
compartilhem dos mesmos valores morais, ideológicos, religiosos, culturais,
políticos, entre outros, e que não violem os princípios gerais dos direitos humanos
universais. A legitimidade estatal surge no momento em que se permite que estes
grupos expressem livremente seus posicionamentos, sendo o Estado responsável
por garantir a proteção dos grupos mais vulneráveis. Hurrell sugere a
autodeterminação nacional como relevante para que se compreenda as
comunidades políticas contemporâneas, no entanto o não controle do Estado e a
exacerbação do nacionalismo e de suas identidades, podem se tornar raízes de
conflitos internos.
Da mesma forma que se fala da autodeterminação nacional da comunidade
local, esta também se forma a partir de grupos que “vem de fora”, de imigrantes,
refugiados, minorias étnicas, deslocados internos. A ideia neste momento é a
criação de grupos que compartilham das mesmas características e indivíduos que
se identificam entre si. A exacerbação do nacionalismo pode também gerar uma
discriminação por parte do diferente e do que é visto como minoria e esta postura
pode partir tanto da comunidade local como a partir de uma política de Estado, em
que busca a homogeneização de sua população.
No entanto, diante do mundo contemporâneo e multicultural, ainda que
sociedades queiram manter-se “nos termos da pureza étnica ou de superioridade
cultural” (PASPASTERGIADIS, 2000, p. 86), isto seria quase impossível no
mundo atual, dado o fluxo de migração e o multiculturalismo que permeia a
comunidade internacional. Assim, tanto quando visto a partir do país de origem,
quanto a partir do país de destino, podemos pensar na perda do “direito de ter
direitos”, tal qual colocado por Hannah Arendt, ou seja, ainda que a causa para o
refúgio esteja associada a um fundado temor de perseguição caso retorne ao país
de origem, mas para além disto, está a privação que o indivíduo sofre de poder
62
expressar e gozar de seus direitos em sua própria comunidade (HURREL, 2009, p
90).
Ao final, Hurrell ressalta que, para ele, o principal elo entre a sociedade
internacional e o fluxo de refugiados foi criado a partir da mudança nas noções de
cidadania e comunidade política, a qual influencia na política que será adotada
pelo Estado em relação as suas fronteiras. Os Estados, por sua vez, tem a
responsabilidade de garantir o estado de bem-estar social a todos os indivíduos
presentes em seu território, sejam eles vistos como “insiders” ou “outsiders”.
Aponta-se então, para uma mudança na visão acerca da “questão dos refugiados”
entre o final do século XIX e início do século XX, tendo o tema se tornado
presente na agenda política internacional.
O significado amplo do indivíduo reconhecido como refugiado permanece
o mesmo desde o Tratado de Vestefália em 1648, que consiste na pessoa que sai
de seu país de origem em razão de uma perseguição ou conflito por motivos
políticos ou religiosos. Com a evolução destes conflitos, a incidência de
confrontos étnicos, guerras internacionais, confrontos bilaterais, dentre outros, o
impacto destes passou a reverberar não apenas na formação do sistema
internacional, mas também afetou a definição antecedente do conceito de refúgio
e da determinação da condição de refugiado.
O marco institucional do refúgio se deu primeiramente, com o advento da
Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, que define o refugiado
como toda pessoa que:
Em consequência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele22.
A definição acordada pela Convenção de 1951 se refere aos
acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 na Europa ou alhures, no
22 Fragmento retirado da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951. Disponível em: <http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/BDL/Convencao_relativa_ao_Estatuto_dos_Refugiados.pdf?view=1> Acesso em: 07 de jun. 2016.
63
contexto da Segunda Guerra Mundial e do Holocausto, que provocou a fuga e a
expulsão de milhares de judeus de países da Europa Oriental.
A Convenção consolida prévios instrumentos legais internacionais relativos aos refugiados e fornece a mais compreensiva codificação dos direitos dos refugiados a nível internacional. Ela estabelece padrões básicos para o tratamento de refugiados – sem, no entanto, impor limites para que os Estados possam desenvolver esse tratamento23.
Ainda que tenha ocorrido uma mudança no contexto de incidência de
guerras, estas permaneceram ocorrendo e adquiriram novas características e
interesses políticos, tornando necessário que o regime internacional para os
refugiados se adequassem também a estas mudanças e aos novos fluxos de
refugiados que emergiam. Tais fluxos trouxeram consigo indivíduos em diversos
contextos, onde se observou a demanda por proteção e assistência por inúmeras
causas. A partir da criação do Protocolo de 1967, houve uma ampliação na
definição primeiramente estabelecida pela Convenção de 1951, onde eliminou-se
a condição geográfica e temporal da mesma.
Assim, ainda que esteja relacionado com a Convenção de 1951, o
Protocolo de 1967 surge como instrumento independente e que pode ser aderido
por Estados ainda que estes não sejam signatários da referida Convenção. Até
novembro de 2011, o número total de Estados partes na Convenção de 1951 era
de 145; partes do Protocolo de 1967 eram 146; Estados partes na Convenção e no
Protocolo eram 143. Os Estados que são parte apenas da Convenção de 1951 são
Madagascar, Saint Kitts e Nevis e os que são parte apenas no Protocolo de 1967
são Cabo Verde, Estados Unidos da América e Venezuela24.
Seguido à promulgação da Convenção de 1951, a Assembleia Geral
decidiu em 1º de janeiro de 1951, criar o Alto Comissariado das Nações Unidas
para Refugiados (ACNUR), o qual assume a função de garantir, dentre outras
atribuições, a proteção dos refugiados que estão no âmbito de sua competência,
23 Fragmento extraído do site do ACNUR – “O que é a Convenção de 1951?”. Disponível em: <http://www.acnur.org/t3/portugues/informacao-geral/o-que-e-a-convencao-de-1951/> Acesso em: 07 de jun. 2016. 24 Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado. De acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao Estatuto dos Refugiados. Disponível em:<http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/Publicacoes/2013/Manual_de_procedimentos_e_criterios_para_a_determinacao_da_condicao_de_refugiado.pdf?view=1> Acesso em: 09 de janeiro de 2016.
64
sob os auspícios da ONU. Em nível regional, as mudanças ocorreram,
principalmente, na África nos anos 1960 e nas Américas nos anos 1980 (BETTS,
2011, p. 2).
No continente africano existe um conjunto de instrumentos regionais que
trata sobre a determinação da condição de refugiado, bem como outras questões
relativas à integração e regularização do indivíduo no país de recebimento. Dentre
os principais estão: o Tratado de Direito Penal Internacional (Montevidéu, 1889);
o Acordo sobre Extradição (Caracas, 1911); a Convenção sobre o Asilo (Havana,
1928); a Convenção sobre o Asilo Político (Montevidéu, 1933); a Convenção
sobre o Asilo Diplomático (Caracas, 1954) e a Convenção sobre o Asilo
Territorial (Caracas, 1954). Mais recentemente foi adotada, pela Asssembleia dos
Chefes de Estado e de Governo da Organização da União Africana, a Convenção
que Regula os Aspectos Específicos dos Problemas dos Refugiados na África, em
setembro de 1969, que estabelece qual seria a definição do termo ‘refugiado’ para
tais Estados25.
Apesar da existência de padrões básicos a nível internacional para o
tratamento dos refugiados e reconhecimento de sua condição como tal, com base
na definição estabelecida pela Convenção de 1951, ainda assim trata-se de uma
condição que se constitui a partir de fatores externos, bem como indivíduos e
contextos específicos que estarão sempre sujeitos à mudanças e renovações. Isto
é, cada momento histórico e contexto político-econômico deverá ser analisado
segundo suas próprias especificidades, como por exemplo, a partir da região,
conflitos que causaram a saída da população, contexto político, papel do Estado.
Além de ser signatário da Convenção de 1951 e/ou do Protocolo de 1967,
o Estado também pode criar seu próprio regimento interno para o tratamento e
determinação da condição de refugiado, bem como sua definição, que pode ser
alterada, ampliada ou restritiva, em relação a necessidade de conceder a proteção
internacional. Essa possibilidade pode ser vista tanto como favorável a
flexibilização das fronteiras, mas também como medida restritiva para a aceitação
de pessoas nestas condições. 25 Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado. De acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 relativos ao Estatuto dos Refugiados. Disponível em: <http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/Publicacoes/2013/Manual_de_procedimentos_e_criterios_para_a_determinacao_da_condicao_de_refugiado.pdf?view=1> Acesso em: 10 jan. 2016.
65
A partir da definição preestabelecida na Convenção de 1951 é possível
identificar quem é a pessoa que o sistema internacional e seus Estados-membros
deve reconhecer como refugiados. No entanto, como já mencionado, a incidência
de novos fluxos de migrações forçadas faz com que se torne cada vez mais
complexo e difícil estabelecer o controle da entrada e saída dessas pessoas e os
motivos pelos quais estão migrando. Tendo em vista o processo de globalização, a
formação de megalópoles e cidades que se tornam o centro comercial e industrial
de determinados países, bem como dificuldades que cada indivíduo possa vir a
enfrentar, é possível questionarmos em que medida seria legítimo e plausível
proibir ou dificultar que uma pessoa cruze fronteiras em busca de melhores
condições de vida.
Os Estados passam então a se confrontar com causas não apenas políticas,
mas com motivações adversas que aproximam os conflitos internos de cada país
gerando novos e permanentes movimentos de migrantes. Assim,
Foi apenas na virada do século XX que refugiados começaram a emergir num volume assombroso, e que níveis elevados de proteção passaram a ser oferecidos tanto por parte do governo como de organizações não governamentais, esta ação foi internacionalizada, ao passo que os padrões dessas migrações forçadas começaram a ser mais regulados, e refugiados passaram a receber uma recepção distinta a de indivíduos deslocados. Isto também significou, que mudanças na violência e na lógica das guerras no século XX significam que o conflito começou a afetar círculos mais extensos de pessoas que tiveram que deixar suas casas em busca de refúgio (HADDAD, 2008, p. 63-64)
A desigualdade econômica e social entre os Estados, herança esta
proveniente do período de colonização, da I e II Guerra Mundial, de crises
econômicas globais, de uma pobreza e fome estruturais e desigualdade social, são
motivações que trazem responsabilidades tanto para o país de origem desta
indivíduo (por ter sido o motivador desta saída) quanto para o país de destino do
mesmo (visto que esta pessoa tanto deverá ter garantido seus direitos básicos e
essenciais, como também deverá buscar uma forma de regularizar-se neste novo
território). No entanto, devemos partir do pressuposto que todos compõem o
mesmo sistema internacional e, portanto, todos devem estar incluídos, ainda que
sejam criados controles entre fronteiras e barreiras políticas em detrimento de
relações de poder estabelecidas entre Estados-Nação.
66
Segundo Haddad, ainda que desde o sistema de Estados Westfaliano tenha
se falado sobre refugiados, é essencialmente no século XX que a “questão os
refugiados” se torna algo central na agenda internacional. A noção do refugiado
que antes era associada a um posicionamento estritamente político ou ideológico,
atualmente, está sendo cada vez mais associado a um movimento forçado, no
sentido em que são criados o que Haddad chama de “refugiados modernos”. O
século XX, ao mesmo tempo em que trouxe para o sistema internacional, novas
medidas de proteção unilateral e estatal, bem como novas formas de regularização
das fronteiras políticas, é também o momento no qual surgem novas organizações
internacionais e organizações não governamentais ligadas a este processo, e à
ajuda e assistência humanitária voltada para esta população (HADDAD, 2008, p.
62-63). O nacionalismo e a soberania podem ser vistas como percussoras críticas ao fenômeno do refugiado moderno. Quando o conceito de nação passou a estar relacionado ao conceito de estado, a importância das fronteiras foi estabelecida e o fato de indivíduos serem forçados a mover-se como consequência foi atribuído à figura do refugiado. Mais do que um outro apenas um outro migrante, o refugiado é parte inerente do desenvolvimento, da reprodução e da sobrevivência do Estado-Nação, sendo ele mesmo a maneira moderna de se imaginar a sociedade internacional. (....) Uma vez que o mundo se dividiu em unidades políticas, ser forçado a sair de uma unidade significa buscar outra para fazer parte. No entanto, desde que entrar em outro Estado significou ter a necessidade de se obter uma permissão deste Estado, o refugiado se tornou uma categoria moderna do indivíduo encontrada entre tais soberanias (HADDAD, 2008, p. 65).
Diante disso, a ordem internacional coloca frente aos Estados seus direitos
e deveres frente ao direito internacional e posturas políticas que devem ser
adotadas mediante questões internacionais que ultrapassem seu território nacional,
como os movimentos migratórios. A soberania estatal permanece como um
elemento central na atuação de cada Estado e diante dos fluxos de migração
mistos, o princípio da não intervenção estatal reflete a responsabilidade do Estado
receptor frente a população que se encontra nas fronteiras de seu território. A
Convenção de 1951 representa o instrumento legal internacional que garante que
os Estados signatários são obrigados a se comprometerem a conceder proteção a
pessoas sob esta condição, ainda que possua uma legislação nacional que também
estabeleça critérios para o reconhecimento da condição de refugiado. Entretanto, o
sustentáculo para a garantia dos direitos humanos inderrogáveis a esta pessoa,
bem como o Art, 33 da Convenção, que traz o princípio de non-refoulement,
67
fazem com que o Estado se comprometa com esta população (HADDAD, 2008, p.
78-79).
O Art. 33 estabelece o princípio de non-refoulement, ou seja, independente
do reconhecimento posterior da condição de refugiado, nenhum Estado pode
devolver uma pessoa ao seu país de origem ou local de residência habitual, caso
seja possível que este ser humano enfrente situações onde sua vida ou liberdade
possam ser colocadas em risco a partir das razões elencadas pela Convenção ou
sob ameaças de violações de direitos humanos.
À exceção de casos em que o solicitante de refúgio represente uma ameaça
a segurança nacional, ou caso tenha cometido um grave crime contra a
humanidade, ou contra os princípios das Nações Unidas, não seria levado em
consideração o Art. 33 da Convenção. Assim, Ser parte de um Estado é vital para a auto existência de uma pessoa. Alguém que é forçado a deixar sua comunidade política (...) resultaria na perda destas partes do mundo e dos aspectos da existência humana que são o resultado do artifício humano (ARENDT, Apud HADDAD, 2008, p. 83)
Com isso, as transformações no sistema internacional, a assinatura do
Tratado de Vestefália, com o início dos Estados-Nação, e as mudanças e
obstáculos enfrentados por cada país no âmbito doméstico, colocam em xeque a
responsabilidade dos Estados frente a crises humanitárias e a incidência de fluxos
migratórios no mundo. Tanto Hurrel quando Haddad apontam para a
responsabilidade estatal frente a intensificação da quantidade de refugiados no
mundo. Ademais, as mudanças frente ao entendimento dos conceitos de cidadania
e comunidade política interferem na forma como os Estados lidarão com as
diferentes categorias de migrantes.
Os instrumentos internacionais criados com o objetivo de melhor controlar
esses fluxos são adotados por diferentes países, no entanto, ainda assim, cada um
deles estabelece mecanismos próprios e políticas de Estado voltados para a
recepção desses indivíduos. A Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 são
vistos como marco para o instituto do refúgio no mundo e todos os estados
signatários desses instrumentos internacionais devem adotá-los como principal
parâmetro para futuras decisões políticas.
No entanto, ainda que o debate acerca do refúgio ocorra no âmbito do
Estado e da esfera internacional, o indivíduo é o principal sujeito nesse processo.
A forma como cada Estado lida com a população refugiada em seu país impacta
68
na vida desses indivíduos, os direitos que lhe são assegurados, a integração local,
a reconstrução de suas vidas, e as possibilidades de um dia poder retornar para seu
país de origem. A próxima seção busca aproximar a questão do refúgio ao sujeito,
visto como principal agente nesse processo, e como a relação com o país de
origem e de destino variarão de acordo com o caso específico e características
próprias de cada movimento migratório.
2.4. O refugiado como o “outro” e sua relação com o território de destino
Após a análise do sistema internacional de refúgio associado à
globalização, é proposto nesta última sessão, uma análise do refugiado, enquanto
sujeito ativo, por vezes visto como o “outro”, o “outsider”, e sua perspectiva
dentro da lógica do sistema internacional de refugiados e da homogeneização e
fragmentação do processo de globalização.
O debate em torno do conceito de refugiado não se torna completo com a
definição estabelecida pela Convenção de 1951, entretanto é importante que se
possa identificar quais são os sujeitos envolvidos nesse processo e quais as
expectativas e responsabilidades de cada um. O refugiado enquanto sujeito ativo
neste processo; o Estado como agente que define e lida diretamente com o
reconhecimento e a integração local destas pessoas, mas, por outro lado, pode ser
também responsável pelo início deste fluxo migratório; e, por fim, as
organizações internacionais, enquanto agentes que criam medidas não estatais
para auxiliar, conduzir e amparar no reconhecimento e na integração local desta
população. Assim, diferentemente do migrante, o refugiado no regime
humanitário internacional é
Ao mesmo tempo o meio e o fim: é a imagem do refugiado por si mesma que irá atrair o dinheiro para a criação de programas de assistência que irão auxiliar e protege-los. Consequentemente, esta definição vitimada é necessária tanto para a sobrevivência do conceito na teoria quanto para a permanência deste indivíduo na prática. Logo, a definição de refúgio, necessariamente, se torna uma mera abstração, uma categoria que qualifica a pessoa para que ela seja qualificada para a assistência do UNHCR (HADDAD, 2008, p. 35).
69
O Estado enquanto ator no sistema internacional traz consigo a criação de
limites e fronteiras, que poderão ser estabelecidas a partir de suas próprias normas
e regras internas. A soberania estatal a qual delimita que um Estado não interfere
em questões internas do outro e, igualmente, cada Estado a partir de sua
legitimidade define quem para ele seria considerado como ‘cidadão’ e como
estrangeiro. O conceito de nacionalidade estabelece uma relação com o indivíduo
que é parte desse Estado e adquire a nacionalidade de seu local de nascimento. A
partir deste conceito, Haddad e Said identificam um cenário no qual existe: “nós”,
cidadãos nacionais e “insiders”, enquanto por outro lado, estão os “outros”,
“outsiders”, estrangeiros e diferentes (HADDAD, 2008, p.47).
Estes conceitos surgem em concomitância com o conceito de soberania
atrelado à relação entre Estado – cidadão. Este carrega consigo o sentimento de
pertencimento e identidade com seu território de origem, na maior parte das vezes,
também de nascimento, no qual é vista como cidadão e reconhecimento como
nacional de tal local. Em contrapartida, o refugiado quando chega a um novo país
de destino que não o seu de origem, passa ocupar o lugar do “outro”, que a priori,
não possui relação alguma com este novo território. A partir desta ideia, Haddad
sugere compreendermos o refugiado ao mesmo tempo como “insider” e
“outsider”, fazendo alusão à forma como Sayad propõe em sua análise, o
imigrante e emigrante ao mesmo tempo. Assim, no momento em que o refugiado
é obrigado a deixar seu país de origem, deixa para trás o “contrato social” criado
na relação entre Estado – cidadão. O refugiado para que tenha sido visto como
“outsider”, em outro já fora “insider”, logo este sentimento de pertencimento e
identificação o acompanhou por período anterior, como forma de demonstrar que
permanece inserido e parte do sistema. Assim, uma das principais características
da condição de migrante (independente de como será classificado posteriormente)
está no fato de que
essa contradição fundamental, que parece ser constitutiva da própria condição do imigrante, impõe a todos a manutenção da ilusão coletiva de um estado que não é nem provisório e nem permanente, ou, o que dá na mesma, um estado que só é admitido ora como provisório (de direito), com a condição de que esse ‘provisório’ possa durar indefinidamente, ora como definitivo (de fato), com a condição de que esse ‘definitivo’ jamais seja enunciado como tal (SAYAD, 1998, p. 46).
70
Essa relação do refugiado visto como o outro é criada a partir do
estabelecimento prévio da relação hierárquica entre Estado – cidadão – território,
na qual o estrangeiro não se encaixa, e é visto como um elemento que pode
enfraquecer essa tríade. A partir dessa perspectiva, devemos nos atentar para a
constituição do “outro” a partir de “uma conotação negativa, representando uma
ameaça ao Estado-Nação” (HADDAD, 2008, p. 57). Maneira esta que pode ser
disseminada tanto a partir de uma postura política adotada ou por parte da mídia e
meios de comunicação.
Novamente, o Tratado de Vestefália em 1648, e a Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão em 1789, concedeu direitos naturais e inalienáveis para
aqueles que possuem a cidadania de um Estado-Nação. Estes marcos representam
a base para a institucionalização da nacionalidade e da cidadania, o pertencimento
a um Estado. Ao mesmo tempo, representou o ponto inicial para que mudanças na
maneira como cada Estado criaria sua legislação nacional acerca dos direitos e
deveres de estrangeiros em seu território nacional.
As leis nacionais, não tratam apenas da garantia de direitos e deveres aos
seus cidadãos, mas é a partir destas que serão determinados quem não estaria
amparado por estes privilégios e seria tratado sob outra jurisdição, reforçando
ainda mais a figura do estrangeiro. É possível estabelecer uma correlação entre os
períodos históricos e a maneira como os Estados optam por lidar e defender
discursos políticos em relação aos migrantes, como durante governos totalitários,
nos períodos entre guerras, durante a guerra da Coreia, entre outros períodos, onde
pode haver uma flexibilização ou recrudescimento na política migratória. O
“cidadão não é problemático e está enraizado em seu território. O refugiado
constitui um problema por carecer de representação e proteção estatal efetiva; ele
está desenraizado, deslocado, desabrigado” (HADDAD, 2008, p. 59).
Diante da presença do estrangeiro, a relação entre Estado – cidadão –
território já foi quebrada, e este pedido de proteção por parte dos refugiados é
também o desejo de enraizar-se novamente. Não apenas o reconhecimento da
condição de refugiado, mas a repatriação, o reassentamento ou a naturalização são
todas formas de reterritorialização no sentido de buscar para esta população, que
carece de proteção de seu Estado de origem, soluções definitivas para o
restabelecimento da relação entre eles e um espaço de soberania. Assim “o
refugiado está incluído no sistema de Estados em razão de sua exclusão; ele é
71
parte do sistema ao mesmo tempo em que não faz parte do mesmo, está dentro e
fora ao mesmo tempo” (HADDAD, 2008, p. 62).
A partir da visão do refugiado, Sayad o propõe a partir da relação
imigrante – emigrante e sua reterritorialização. No sentido que essa proteção que
poderia ser conferida pelo Estado, refletirá também em sua integração local em
um novo universo social. Assim,
Na medida em que dura a imigração, porque não se emigra (i.e., não se cortam os laços com seu universo social, econômico, cultural, habitual) e não se imigra (i.e., não se agrega, mesmo que marginal e muito superficialmente, a outra sistema social) impunemente (i.e., sem consequências), produz-se, entre os imigrantes, uma inevitável reconversão de suas atitudes em relação a si mesmos, em relação a seu país e em relação à sociedade na qual eles vivem cada vez por mais tempo e de forma mais contínua e, principalmente, frente às condições de trabalho que essa sociedade lhes impõe (SAYAD, 1998, p. 65).
O refugiado, por sua vez, carrega consigo a decisão de sair de seu país em
razão de um fundado temor de perseguição caso o mesmo retorne, logo ainda que
a condição de refugiado não seja pensada por um período de tempo
indeterminado, não é possível prever até quando esta proteção será necessária.
Com base na necessidade de proteção internacional e na imagem do refugiado
enquanto sujeito ativo neste processo, sua imagem frente ao processo de
globalização e às políticas de Estado protecionistas em relação a mobilidade (mas
flexível ao livre mercado) problematizam a tensão existente entre a prerrogativa
do Estado em excluir o “outsider” e a dos direitos humanos de incluir. Isto é o
refúgio, deve ser tratado à nível estatal a partir da lógica da segurança e como uma
questão política, e não apenas no âmbito humanitário.
No entanto, falar sobre a proteção do refugiado como uma questão de
direitos humanos a nível estatal, requer uma breve retomada a origem dos
Estados-Nação independentes e suas responsabilidades para com todos os
indivíduos que estão em seu território nacional, sendo nacionais ou não do
mesmo. Sendo assim, a garantia dos direitos a minorias ampliou suas conquistas a
partir do Tratado de Vestefália, em seguida passando pelo Congresso de Viena em
181, e com o Tratado de Berlim em 1878, quando fora reconhecido no âmbito
internacional, a responsabilidade dos estados independentes com a garantia dos
direitos a minorias. Com o colapso dos impérios e a redefinição das fronteiras
territoriais, a Liga das Nações permite uma nova visão acerca dos “insiders” e
72
“outsiders”. Porém apenas com as Revoluções Francesa e Americana durante o
século XVIII que surgiram as primeiras definições acerca dos direitos e liberdades
individuais.
Ainda que estes direitos fossem vistos como inalienáveis, observou-se a
dificuldade de garantia dos mesmos. Ou seja, não havia uma garantia genuína de
que os direitos humanos aplicáveis a qualquer ser humano, lhes fossem garantidos
apenas em bases humanitárias, tornando necessário o reconhecimento a partir de
um sistema de estados legal. Não era preciso ainda que os direitos humanos e os
direitos positivos fossem coexistir e reforçar uns aos outros no âmbito doméstico,
e não apenas em nível abstrato na comunidade internacional.
Após a II Guerra Mundial e o Holocausto torna-se claro que garantias
constitucionais previstas pelo Estado podem falhar e deixar grande parte da
população totalmente desprotegida. A partir disto, fóruns globais e regionais
foram articulados no intuito de buscar formas para a garantia dos direitos
universais. O Direito Internacional passa a estabelecer os direitos individuais que
devem ser garantidos a qualquer cidadão independente de sua nacionalidade e do
território no qual esteja. O marco institucional para estas garantias ocorreu com a
promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, no qual
independente do Estado de nacionalidade da pessoa, existirão direitos essenciais
que devem ser garantidos a todos. Da mesma forma, ainda que a Declaração seja
vista e reconhecida à nível internacional, é a partir do nível doméstico a garantia
da aplicabilidade destes direitos (HADDAD, 2008, p. 71-76).
Segundo Haddad,
Na ausência de um mecanismo internacional de imposição efetivo, Estados não tem mais do que a obrigação moral e pessoa de respeitar tais normas. E é ao conseguir cruzar uma fronteira internacional, que os refugiados passam a estar sob a proteção da sociedade internacional, na qual a proteção recai sobre a aplicação, o suporte financeiro e no processo de determinação da condição de refugiado de cada Estado soberano individualmente (2008, p. 75).
Ao associarmos estas condições à realidade dos refugiados, desde o momento que
o indivíduo decide deixar seu país de residência habitual / país de origem, passará
a estar diante da necessidade de “pertencimento” a um Estado. Em outras
palavras, “sem o pertencimento a uma comunidade política, os nossos chamados
73
direitos humanos podem ser vistos como tendo seus valores limitados”
(HADDAD, 2008, p. 76).
A garantia de direitos humanos, principalmente no que diz respeito à
proteção de refugiados, estará sempre em uma linha tênue entre o estabelecimento
da soberania estatal e o posicionamento político de um Estado frente ao
reconhecimento da falha do Estado de origem do solicitante de refúgio em
garantir a proteção do mesmo. Por último, está o interesse e as políticas públicas
que buscam garantir e prover direitos sociais, econômicos, políticas e a proteção
do solicitante em seu território de origem. O princípio de non-refoulement garante
isto desde o momento de solicitação de refúgio da pessoa.
Ainda que o indivíduo, após o processo para a determinação da condição
de refugiado, não seja aprovada, é responsabilidade do Estado receptor que não
retorne esta pessoa para um território em que sua vida ou liberdade possam estar
em risco, ou que a mesma possa ser vítima de algum tipo de dano ou tortura,
significando a necessidade de obter algum tipo de proteção complementar.
A discussão dessa temática nos aproxima de maneira contumaz à
discussão do Estado frente ao reconhecimento dessa população e as consequências
para o sistema internacional de estados. É importante que também nos
aproximemos dos principais atores deste movimento, sendo eles os próprios
refugiados e migrantes forçados que por questões pessoais, econômicas, étnicas,
religiosas, familiares, políticas, ou tantas outras, são obrigados e se submetem à
situações adversas, que os levam a abandonar suas vidas, suas raízes, casas,
cultura e familiares em prol de um lugar onde busca o acesso a direitos sociais
básicos e uma vida com melhores oportunidades. São pessoas comumente
vulneráveis e dependendo da gravidade e expansão do confronto em que estavam
envolvidas, se submetem a redes de imigração irregulares, com rotas ilegais, redes
de tráfico de pessoas ou coiotes, em razão da pressa em deixar seu país de origem.
Estas pessoas, diante destas condições, podem ser colocadas diante de condições
ainda mais vulneráveis, com promessas de um destino com mais garantias.
O refugiado (moderno) não pode ser a mesma figura romantizada e idealizada. Ela raramente chegará sozinha; centenas de outros refugiados chegam ao mesmo tempo, como parte de um movimento perpétuo e um vasto número de pessoas forçadas a mover-se ao redor do globo. Com a predisposição dos séculos XX e XXI à violência ao aumento da ênfase no Ocidente sobre o estado de bem-estar e de emprego para os cidadãos nacionais em primeiro lugar, os dias de (boas
74
vindas) para o exilio político não existem mais. O resultado disto é a negação aos refugiados da possibilidade de estabelecerem uma casa em um mundo no qual a casa é um produto e uma precondição para a vida política. Mais do que isso, uma vez que o sistema internacional se tornou um moderno método de organização de pessoas e territórios, o refugiado (moderno) anunciou sua permanência: ‘De repente, não há lugar no mundo onde migrantes possam ir sem enfrentar severas restrições, nenhum país onde possam ser assimilados, nenhum território onde possam encontrar uma nova comunidade para si mesmos (HADDAD, 2008, p. 68).
Assim, o refúgio, diferente de qualquer outra condição migratória, traz
consigo durante o processo de determinação da condição de refugiado, a avalição
de seu relato pessoal como o fator mais importante durante este processo, e que o
mesmo esteja associado à situação objetiva de seu país de origem. Entende-se que
em razão de sua fuga, muitas vezes, fará com que não seja possível que o
solicitante apresente todas as evidências documentais necessárias para comprovar
a perseguição ou o temor de que isto venha a ocorrer caso retorne e, portanto, a
importância de se considerar o elemento subjetivo (seu temor caso retorne) e o
elemento objetivo (a pesquisa de país de origem em fontes confiáveis e
imparciais) (HATHAWAY e FOSTER, 2014, p. 111).
Diferente de outros processos jurídicos, o organismo decisório de sua
condição lidará com a probabilidade e a previsão de que caso retorne, o mesmo
estará sujeito a sofrer graves danos. Diz-se que se lida com a previsão, pois na
maior parte das vezes não será possível precisar esta possibilidade de perseguição,
mas ainda que seja apenas uma possibilidade, o Estado receptor deve garantir ao
indivíduo a proteção internacional. Diversos manuais internacionais sobre o
sistema internacional de refugiados, apontam que em uma decisão de refúgio,
obter 30% de certeza de que o indivíduo poderá estar sob o risco de sofrer graves
danos caso retorne, com base nos motivos de inclusão da Convenção de 1951, sua
proteção deve ser conferida. Em contrapartida, para que seja negada uma
solicitação de refúgio seria necessário a obtenção de mais de 80% de certeza que
sua solicitação não possui nexo com os motivos elencados pela Convenção, bem
como a mesma não sofreria graves danos em seu retorno (GYULAI et al., 2013).
O conceito de espaço, o qual em 1990 recebeu enorme significado teórico a partir de geógrafos britânicos como Doreen Massey, adicionou uma dimensão crucial no repensar da relação entre migração e globalização. No passado, existia a tendência de se discutir migração dentro dos termos e mecanismos de causas e consequências. Espaço era ocasionalmente visto como uma categoria vaga,
75
reduzida a um estágio neutro no qual, outras forças eram mais consideradas na construção das narrativas migratórias. O espaço era raramente visto como uma parte ativa no campo da formação da identidade. No entanto, é cada vez mais evidente que a migração contemporânea não possui uma única origem ou um simples fim. É um processo contínuo e que necessidade ser visto como um caminho em aberto. Partidas e chegadas são, raramente, ou nunca, o final, e por isso é importante que reconheçamos o efeito transformador do percurso e, em geral reconhecer que o espaço é um campo dinâmico em que as identidades estão em um estado constante de interação (PASPASTERGIADIS, 2000, p. 4).
As migrações devem ser vistas além o simples movimento de chegada e
partida, como dito anteriormente, porém como uma experiência em movimento e
do movimento. A percepção do quão conectados estão os processos e o debate
acerca da globalização, das discussões sobre o futuro dos Estados-Nação e das
organizações governamentais em um mundo globalizado e, além disso, como a
migração está incluída neste debate, como um processo multifacetário e
interminável. Ao aproximar cada vez mais o debate entre globalização e migração
é possível trazer também o debate acerca da identidade cultural para o debate
contemporâneo, visto que o movimento de imigrar, ao ser visto como um processo
contínuo, carregará junto a si possibilidades de aproximação, troca e convivência
entre diferentes culturas, indivíduos, tradições e costumes (PASPASTERGIADIS,
2000, p. 5).
Após uma análise mais ampla da globalização e das migrações
internacionais, bem como o surgimento do sistema de refúgio internacional, esse
capítulo é importante e serve de base para as discussões propostas a seguir.
Compreender a dinâmica do sistema internacional frente aos movimentos
migratórios, a categorização dos migrantes, bem como os instrumentos
internacionais existentes para se lidar com essa população serão importantes para
um olhar mais aproximado dessa realidade no Brasil.
Diante disso, o próximo capítulo trará, principalmente, um olhar
direcionado ao Brasil e a forma como o governo brasileiro se posiciona frente a
indivíduos que buscam proteção estatal no Brasil, em razão de situações de
perseguição e violação de direitos humanos em seu país de origem.
76
3. O refúgio no Brasil e seus rebatimentos na integração dos refugiados congoleses na cidade do Rio de Janeiro
Até 2015, existiam cerca de 232 milhões de pessoas vivendo fora de seus
países de origem, ou 3,2% da população mundial, segundo dados da Organização
Internacional para Migrações (OIM). Segundo o Alto Comissariado das Nações
Unidas para os Refugiados (ACNUR), cerca de 60 milhões de pessoas são vítimas
de deslocamento forçado, dos quais 20 milhões são refugiados.
O Brasil é um país, historicamente, marcado pelo movimento migratório.
Constituído essencialmente por imigrantes, desde o seu descobrimento, passando
pelo período da colonização, escravos advindos do continente africano, e
imigrantes europeus. Nos últimos anos, o país assumiu certo protagonismo
regional, baseado principalmente em sua política externa pautada no
multilateralismo e estreitamento dos laços com os países sul-americanos. Até
2015, o número de migrantes no país representava 0,34% do total de residentes, o
que representa aproximadamente 713,5 milhões de pessoas. Dentre esta
estimativa, o número de refugiados reconhecidos pelo Estado brasileiro até maio
de 2016 foi de 8.863.
No âmbito do refúgio, o Brasil possui um protagonismo que, atualmente,
se destaca no cenário internacional, tendo em vista a legislação nacional para
refugiados (considerada como uma das mais avançadas do mundo e que será
analisada ao longo deste capítulo). Ao mesmo tempo, esta imagem foi construída
e fortalecida ao longo dos últimos anos e se compararmos as estatísticas o número
de solicitações de refúgio e refugiados no Brasil, não será tão expressivo como em
países da União Europeia, ou EUA, Canadá, Austrália, dentre outros que ao longo
da história se mostraram como tradicionais destinos escolhidos por migrantes.
Esse capítulo tem como objetivo específico analisar a aplicação da
legislação brasileira no que concerne aos seus rebatimentos na inserção dos
refugiados no país, tomando como exemplo os congoleses na cidade do Rio de
Janeiro. Assim, o capítulo estará dividido em cinco seções: a primeira, analisará o
instituto do refúgio do Brasil, a partir da criação da lei 9.474/1997 e suas
atribuições; em um segundo momento, será traçado e analisado o perfil dos
refugiados e solicitantes de refúgio no Brasil, bem como o os refugiados e
77
solicitantes de refúgio congoleses. Esta análise é importante na medida em que
nos possibilitará uma análise mais completa acerca da integração desta população
no Brasil.
A terceira e quarta seção deste capítulo também é relativa ao processo de
des-re-territorialização, mais focado na territorialização do sujeito. Assim, o
primeiro terá como foco as políticas públicas do Estado voltadas para esta
população, seja as que foram criadas pelo próprio Estado, bem como outras
organizações que lidam com esta assistência aos refugiados e solicitantes de
refúgio no Rio de Janeiro. Por fim, uma análise das redes (sociais) criadas pelos
próprios refugiados, especificamente os congoleses, no Rio de Janeiro, que
possibilitam tanto o processo de acolhida e o início de uma nova vida no país de
destino, mas também uma aproximação com suas tradições culturais.
O objetivo específico proposto para esse capítulo não consiste em
promover uma crítica ao Estado Brasileiro mediante a identificação de falhas ou
da falta de comprometimento em alguns destes pontos. Porém propõe-se uma
análise da forma como se deu esse progresso ao longo dos últimos seis anos, quais
as instituições estaduais e municipais que atuaram de forma conjunta ao Estado
Brasileiro, os desafios que ainda se apresentam e, principalmente, de que forma os
próprios refugiados e solicitantes de refúgio se tornam os principais protagonistas
em sua luta pela própria integração local nos locais de destino.
Diante disso, os congoleses, da RDC, aparecem como 7ª dentre as
nacionalidades que mais solicitam refúgio no país, porém ao analisarmos o gráfico
que aponta os refugiados reconhecidos no Brasil, os congoleses estão em 4º lugar,
totalizando 968 refugiados. Se comparados com os 8.065 refugiados reconhecidos
pelo Estado Brasileiro até maio de 2016, os congoleses podem não representar
uma grande expressividade. No entanto, esta impressão pode ser relativizada, no
momento em que observarmos que os sírios, tendo em vista o atual cenário de
guerra em que se encontra o país, represente 2.298 do total de refugiados
reconhecidos até a presente data. Os países que seguem, Angola, com 1.420,
representam ainda uma herança da guerra civil que assolou o país até meados de
2010, sendo seguidos por colombianos (1.100), dentre os quais quase metade
destes é fruto do programa de reassentamento solidário, fruto de uma proposta
78
feita pelo Governo do Brasil durante a adoção da Declaração e do Plano de Ação
do México em 200426.
Diante destes números e da realidade a partir dos refugiados e solicitantes
de refúgio no Rio de Janeiro, percebeu-se o protagonismo por parte dos
congoleses, não apenas em relação aos dados estatísticos vistos anteriormente, e
os demais que serão apresentados adiante, mas também pelos mecanismos
construídos por tal população na busca por mais inserção dos mesmos na
comunidade local da cidade, em diante de sua forte participação nas atividades de
integração e acolhimento desenvolvidas no ambiente da CARJ. Chamamos de
“mecanismos construídos” por esta população, não apenas como algo
independente, mas a partir da formação e do fortalecimento de redes sociais, de
comunicação, e troca de experiências, informações e auxílio, entre os nacionais da
RDC. Esta aproximação e troca é vista desde a vivência no ambiente de atividades
proporcionado pela CARJ, mas também no local de residência destas pessoas,
entre outros fatores.
Para melhor compreensão do cenário que se configurou no Brasil com a
chegada dos congoleses, tornando este fluxo algo constante e permanente ao
longo destes anos, é necessária uma análise conjunta sobre o cenário político,
econômico e social que atualmente está presente no país. Para que a partir da
identificação das principais razões que fazem com quem estas pessoas sejam
obrigadas a deixar seu país de origem em busca de proteção internacional, seja
possível realizar uma análise acerca da forma como este grupo optará pelo Brasil
(e então, variadas motivações poderão ser pensadas e observadas), bem como a
forma como buscarão sua reterritorialização, no sentido de que buscarão meios
para construírem uma nova identidade (sem que sua identidade “original” seja
perdida), mas de modo que um novo sentimento de pertencimento seja criado
neste (e por este) novo local. Onde o novo território para o qual, na maior parte
das vezes, foram obrigadas a se encaminhar transforme-se em um lugar mais
familiar e acolhedor.
26 Publicação do ACNUR, em 29/11/2010. Refugiados palestinos completam três anos de reassentamento no Brasil. Disponível em: <http://www.acnur.org/t3/portugues/noticias/reassentamento-no-brasil/> Acesso em: 14/05/2016.
79
3.1. O instituto do refúgio do Brasil e a determinação da condição de refugiado
A primeira vez em que o Estado Brasileiro se posicionou em relação à
construção de políticas de acolhida a refugiados foi no final da década de 1970.
Tendo em 1977, sido firmado um acordo entre o governo brasileiro e o ACNUR
para a abertura de escritório ad hoc em seu território, na época localizado no Rio
de Janeiro. Isto se deu em razão do cenário instaurado na América do Sul, diante
do qual países em que estavam passando por ruptura em seu processo
democrático, geraram perseguições políticas aos opositores destes regimes,
ocasionando num novo e primário fluxo de refugiados. Num primeiro momento,
este escritório atuou no reassentamento de refugiados que aqui chegavam, uma
vez que o Brasil ainda considerava a limitação geográfica estipulada pela
Convenção de 1951, na qual este direito limitava-se a refugiados oriundos da
Europa. Desde este momento, o ACNUR já atuava em parceria com a Caritas
Arquidiocesana do Rio de Janeiro (CARJ), a Comissão Pontifícia Justiça e Paz
(atualmente denominada Comissão Justiça e Paz) e a Caritas Arquidiocesana de
São Paulo (CASP)27. Assim, em sua atuação, desde o princípio a Caritas, atuou no
acolhimento, integração e recepção dos refugiados, principalmente, no Rio de
Janeiro e em São Paulo. Em 1989, o escritório do ACNUR foi transferido para
Brasília (JUBILLUT, 2007, p. 171-174).
Após a redemocratização do Brasil, com a promulgação da Constituição
Federal de 1988, foi elaborada a Portaria Interministerial 394, de 1991, que
determinava o procedimento específico e individual na análise dos casos e
pedidos de refúgio no Brasil, a partir de uma análise individual por parte do
ACNUR e, posteriormente, a decisão final tomada pelo governo brasileiro. Em
1992, em razão da guerra civil que atingiu Angola, o Brasil deparou-se com a
chegada de aproximadamente 1.200 angolanos. Frente a este cenário, o Brasil, em
fim, ampliou a definição imposta pela Convenção de 51 e o Protocolo de 67,
conferindo proteção a este grupo de pessoas. Fora então o marco para o início da
27 A Caritas é uma organização sem fins lucrativos da Igreja Católica com atuação mundial. Criada oficialmente em 1950, oferece atendimento às populações que necessitam de auxílio, representando o braço social da Igreja Católica. Atualmente, a Caritas atua em 154 Estados, sendo 21 as Caritas Nacionais. No Brasil, a instituição está ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e à Pastoral Social, tendo sido criada em 1956.
80
definição ampliada a partir das diretrizes da Declaração de Cartagena, promulgada
em 1982 (JUBILLUT, 2007, p.175-176).
O passo posterior a este momento, que significou o marco do instituto do
refúgio no Brasil, foi a submissão do Projeto de Lei sobre o Estatuto Jurídico do
Refugiado, aprovado e promulgado pela lei 9.474/1997, após análise por parte das
Comissões de Direitos Humanos, de Constituição e Justiça e de Relações
Exteriores. A Lei Brasileira, por sua vez, traz a definição adotada para
reconhecimento da condição de refugiado, baseado na definição aderida pela
Convenção de 1951 e no Protocolo de 1967, e estendendo a mesma, inspirada na
Declaração de Cartagena, ao reconhecer também pessoas obrigadas a sair de seu
país de origem em razão de situações de grave e generalizada violação de direitos
humanos.
A Lei prevê as condições de entrada e solicitação de refúgio (não
estabelecendo um período de tempo específico entre a entrada em território
brasileiro e a decisão por solicitar o refúgio); cria e estabelece as competências do
Comitê Nacional para Refugiados (CONARE), bem como as etapas que
constituem o processo de refúgio no Brasil; condições em que pode-se aplicar a
expulsão ou a extradição do indivíduo, bem como a perda ou cessação da
condição de refugiado; e, por fim, trata as soluções duráveis no acolhimento a esta
população. Assim, determina em seu Art. 1º:
Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que: I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país; II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior; III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.28
No que diz respeito às competências do CONARE, em consonância com a
Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, com o Protocolo sobre o
Estatuto dos Refugiados de 1967 e com as demais fontes de direito internacional
dos refugiados, é previsto pelo Art. 12 que o Comitê deve:
28 Lei 9.474/1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9474.htm> Acesso em: 10 de jan. 2016.
81
I - analisar o pedido e declarar o reconhecimento, em primeira instância, da condição de refugiado; II - decidir a cessação, em primeira instância, ex officio ou mediante requerimento das autoridades competentes, da condição de refugiado; III - determinar a perda, em primeira instância, da condição de refugiado; IV - orientar e coordenar as ações necessárias à eficácia da proteção, assistência e apoio jurídico aos refugiados; V - aprovar instruções normativas esclarecedoras à execução desta Lei.
Em relação ao caso específico do Brasil, este é considerado referência no
cenário internacional em questões de refúgio, tendo em vista os avanços no
desenvolvimento e na implementação, a partir de 2004, do Programa de
Reassentamento Solidário na América Latina, que integra o Plano de Ação do
México. Este Plano foi resultado de quatro reuniões realizadas em Costa Rica,
Brasil e Colômbia que contou com a participação de diversos países da América
Latina, órgãos internacionais e diferentes setores da sociedade civil, com o intuito
de realizarem uma análise da conjuntura atual dos refugiados na região e os
passos que podem ser dados em direção a uma maior proteção internacional dos
refugiados na região e o aprimoramento de políticas voltadas à proteção e defesa
dos direitos dos refugiados (Coletânea de Instrumentos de Proteção Internacional
dos Refugiados, 2010, p. 95-96). Por fim, em 2012, o Brasil estabeleceu a
“Declaração de Brasília para Proteção de Refugiados e Apátridas nas Américas”,
sendo este um instrumento para estabelecer maior cooperação entre os países da
região na questão da proteção humanitária e concessão de direitos aos refugiados
(ACNUR, 2012, p. 4).
O Programa de Reassentamento Solidário firmado entre o governo
brasileiro e o ACNUR em 1999, representa outro passo frente ao seu
protagonismo regional no que diz respeito as questões relativas a proteção
internacional dos refugiados. O Programa atuou principalmente no
reassentamento de refugiados colombianos que enfrentavam problemas de
integração no Equador e na Costa Rica. Em 1999, o Brasil recebeu também 23
refugiados afegãos que foram reassentados no país. Em 2004, após vinte anos da
Declaração de Cartagena, foi elaborado o “Plano de Ação do México para
Fortalecer a Proteção Internacional dos Refugiados na América Latina”, o qual
deu seguimento no Programa de Reassentamento Solidário iniciado pelo governo
brasileiro e agora com extensão regional. Assim, em 2004, o Brasil recebeu o
82
primeiro grupo com 75 colombianos, tendo em 2014 chegado a 350 refugiados
colombianos reassentados no país.
A política externa brasileira durante os últimos dez anos, principalmente
durante os dois mandatos de Luís Inácio Lula da Silva (2002-2006/2007-2010),
tem se pautado numa agenda multilateral e voltada para o protagonismo do país
na esfera regional. Além disso, o discurso brasileiro priorizou o compromisso
com o tratamento não discriminatório em relação a imigrantes.
O reflexo da postura adotada pelo país pode ser vista tanto no aumento de
seu protagonismo à nível regional, mas também pelo aumento do número de
imigrantes e refugiados no país. Assim, tem-se percebido um fluxo crescente de
solicitações de refúgio, e como visto ao longo do terceiro capítulo do trabalho,
este crescimento se deu em tendências desiguais. Com isso, enquanto em 2010 o
Brasil recebeu 966 solicitações de refúgio, em 2012, este número saltou para
4.022 solicitações.
Além disso, a partir da aprovação da Resolução Normativa n. 8 do CNIG,
de dezembro de 2006, passou a ser possível que nos casos em que a pessoa não
for reconhecida como refugiada, mas, ainda assim, se encontre em uma situação
vulnerável e que requer proteção humanitária, a mesma pode ter seu caso
encaminhado ao Conselho Nacional de Migração (JUBILLUT, 2007, p. 194-195).
A estrutura tripartite (Governo, Sociedade Civil e ACNUR), uma das
principais estratégias do ACNUR para implementação no Cone Sul, foi vista
como um êxito conquistado a partir da promulgação da Lei de Refúgio Brasileira,
que como visto traz a participação da sociedade civil (como membro permanente
e com direito a voto no plenário, composta pela CARJ, CASP e IMDH) e o
ACNUR (enquanto membro observador, sem voto). Este também atua de forma
conjunta ao Comitê no fortalecimento e criação de políticas em defesa da proteção
dos Direito Internacional dos Refugiados e soluções duráveis para sua
permanência no país. Assim, os membros que compõem o CONARE e têm direito
ao voto são representantes: do Ministério da Justiça, Ministério das Relações
Exteriores, Ministério do Trabalho, Ministério da Saúde, Ministério da Educação,
Departamento da Polícia Federal e Organizações da Sociedade Civil.
Assim, para ilustrar de forma mais clara o cenário atual em que o Brasil se
insere, serão apresentadas estatísticas com base no número de solicitações de
refúgio dentro dos últimos 5 anos (2010 até 2015), número de solicitações
83
deferidas e o número de solicitações indeferidas. Foi feito um apanhado histórico
com base em dados publicados pelo Ministério da Justiça, em 11 de maio de 2016,
em que será possível analisar também o perfil destas solicitações, com base em
informações, tais como: nacionalidade, faixa etária, gênero e estado civil.
O crescimento exponencial das solicitações de refúgio no Brasil, nos
remete não apenas nos fatores externos que influenciaram no aumento destas
solicitações, e ao mesmo tempo, o Brasil enquanto agente em destaque no cenário
internacional se tornando um país de destino para muitos indivíduos. Deve-se
também refletir acerca das responsabilidades e desafios que o Brasil enfrentará
frente a este protagonismo no âmbito do refúgio regional e internacionalmente.
No entanto, como já mencionado, estes números se comparados aos de outros
países não terão crescimento em exponencial tão alarmante, entretanto, ao
comparamos esta variação internamente, torna-se perceptível este gradual
aumento.
Tabela 1: Solicitações de Refúgio no Brasil (entradas por ano, 2010-2015). –
Fonte: Comitê Nacional para Refugiados (maio de 2016)
Solicitações de refúgio(entradas por ano, 2010-2015)
9663,220 4,022
17,631
28,385 28,670
0
5,000
10,000
15,000
20,000
25,000
30,000
35,000
2010 2011 2012 2013 2014 2015
Fonte: Departamento de Polícia Federal (até 20/03/2016) 3
Como explicitado na primeira tabela, na qual consta o número de
solicitações de refúgio por ano, observamos que os momentos em que há um ápice
nas solicitações, e uma variação bem expressiva, ocorre em três momentos
específicos ao longo dos últimos 6 anos. Sendo o primeiro entre os anos de 2010 e
84
2011, em que de 966 solicitações há um salto para 3.220 solicitações; em seguida,
de 2012, com 4.022 para o ano de 2013, em que há 17.631 solicitações e, por fim,
aumentando em torno de 10 mil solicitações em 2014 do que no ano anterior29.
Diante disto, temos que de 2010 para 2011, houve um aumento significativo de
solicitações advindas da Colômbia30. Enquanto de 2011, para 2012, houve um
aumento em solicitações da RDC.
Assim, durante o ano de 2012, as principais nacionalidades dentre as quais
foram recebidas solicitações de refúgio pelo governo brasileiro foram: Colômbia,
Guiné-Bissau, Senegal e RDC. Enquanto em 2013, este cenário muda, e além do
fluxo das nacionalidades anteriormente citadas, quatro outras aparecem como
protagonistas neste fluxo de pessoas na condição de refugiadas, vindo em direção
ao Brasil. Dentre os quatro principais estiveram Bangladesh, Senegal, Líbano e
Síria. Atualmente, com base nas estatísticas atualizadas divulgadas pelo
CONARE, o Brasil conta hoje a solicitações oriundas de 79 nacionalidades,
dentre as quais as 10 mais expressivas são: Haiti, Senegal, Síria, Bangladesh,
Nigéria, Angola, RDC, Gana, Líbano e Venezuela, respectivamente nesta ordem.
Há também o perfil dos solicitantes, que atualmente são majoritariamente homens
e dentre a faixa etária de 18 a 29 anos.
Ao mesmo tempo, quando analisamos o número de refugiados
reconhecidos no Brasil, bem como a nacionalidade a qual pertencem, temos uma
variação na ordem de países anteriormente mencionadas como as principais nos
pedidos de refúgio. Assim, dentre as cinco principais nacionalidades com
indivíduos reconhecidos sob a condição de refugiado pelo Estado brasileiro estão:
a Síria (2.298), Angola (1.420), Colômbia (1.100), RDC (968) e Palestina (376).
A faixa etária e o gênero permanece em resposta similar se comparado aos dados
relativos às solicitações de refúgio, como 42,6% dentre 18 a 29 anos e 71,8%
sendo homens.
29 Sistema de Refúgio no Brasil: Refúgio em Números – 05 mai. 2016. Disponível em: < http://www.acnur.org/t3/fileadmin/scripts/doc.php?file=t3/fileadmin/Documentos/portugues/Estatisticas/Sistema_de_Refugio_brasileiro_-_Refugio_em_numeros_-_05_05_2016 > Acesso em: 10 mai. 2016. 30 Refúgio no Brasil: Uma Análise Estatística – Janeiro de 2010 a Outubro de 2014. ACNUR. Disponível em: <http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/Estatisticas/Refugio_no_Brasil_2010_2014.pdf?view=1> Acesso em: 10 mai. 2016.
85
Este cenário representa, não apenas, como dito anteriormente, o reflexo de
conflitos políticos, religiosos, étnicos em seus países de origem, porém, em
contrapartida, é reflexo do protagonismo do Brasil diante da defesa do Direito
Internacional dos Direitos Humanos e do Direito Internacional dos Refugiados.
Junto a isto o Estado Brasileiro carrega também o compromisso de agir de forma
que se tenha assegurado e garantido o acolhimento desta população, bem como a
integração local, acesso aos direitos básicos (como acesso aos sistemas de saúde e
educação), direito à moradia, dentre outros, que garantam ao indivíduo uma vida
digna. A Lei de refúgio brasileira, se analisada em suas disposições, esta é por tais
motivos considerada como uma das legislações mais avançadas no continente sul-
americano e referência para os demais países.
Atualmente, o procedimento aplicável ao pedido e tramitação da
solicitação de refúgio se dá com base na Resolução Normativa Nº 18, de 18 de
abril de 2014, a qual estabelece: que o indivíduo que se encontre em território
nacional e deseje pedir refúgio deve dirigir-se à qualquer unidade da Polícia
Federal e expressar sua vontade, diante disto, será preenchido o Formulário de
Solicitação de Refúgio, o qual foi submetido a uma reestruturação31 ao final de
2015 e pode também ser obtido no endereço eletrônico do Ministério da Justiça.
Após o preenchimento do formulário, a Unidade da Polícia Federal emitirá
imediatamente o “Protocolo de Refúgio Provisório”.
Assim, conforme previsto no Art. 2 Parágrafo 2º32, o Protocolo servirá
como documento de identificação do titular, bem como lhe será conferido todos
os direitos previstos na Lei 9.474/1997, na Constituição Federal, nas convenções
internacionais atinentes ao tema de refúgio, e direitos conferidos a todos os
estrangeiros em situação regular no território brasileiro, até que o procedimento
administrativo de seu processo seja concluído. Assim, o solicitante poderá obter o 31 A alteração do Formulário de Solicitação de Refúgio se deu no âmbito de uma série de recomendações feitas por parte de Consultor da ONU que avaliou o sistema de refúgio no Brasil, tendo a reformulação do formulário sido uma de suas recomendações. Esta consultoria ocorreu por parte de um acordo firmado entre ACNUR e o governo brasileiro, no sentido de fortalecer o Instituto do Refúgio e tornar o procedimento de solicitação de refúgio no Brasil mais justo e completo de acordo com o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito Internacional dos Refugiados. 32 RN 18. (18 de abril de 2004) Art. 2º. Parágrafo 2º. O protocolo é prova suficiente da condição de solicitante de refúgio e servirá como identificação do seu titular, conferindo-lhe os direitos assegurados na Lei 9.474, de 1997, e os previstos na Constituição Federal, nas convenções internacionais atinentes ao tema do refúgio, bem como os mesmos direitos inerentes aos estrangeiros em situação regular em território nacional, até o trânsito em julgado do procedimento administrativo.
86
CPF (comprovante de pessoa física), carteira de trabalho provisória, bem como
usufruir dos sistemas públicos de saúde e educação.
Em seguida, após recebido o processo a CGARE (Coordenação Geral de
Assuntos de Refugiados) determinará o agendamento de entrevista pessoal com
um Oficial de Elegibilidade do CONARE, notificando o solicitante acerca do
local, data e horário. Após realização da entrevista será emitida uma análise
fundamentada do caso pela Coordenação Geral do CONARE que a apresentará
primeiro, a um grupo de estudos prévios (GEP)33, no qual é aberto para discussão
e considerações preliminares acerca dos casos. Posteriormente, os processos serão
submetidos ao plenário, para que a decisão final seja tomada junto ao votos dos
demais membros, com base nos documentos e evidências apresentadas, entrevista,
e formulário de solicitação.
Caso a decisão final do Plenário seja pelo reconhecimento da condição de
refugiado, o solicitante poderá obter o RNE (Registro Nacional de Estrangeiros)
em qualquer Unidade da Polícia Federal, Carteira de Trabalho definitiva e gozará
de todos os direitos conferidos a todo estrangeiro em situação regular no Brasil.
Caso a decisão final de Plenário seja pelo indeferimento da solicitação, o
solicitante poderá interpor recurso administrativo endereçado ao Ministro da
Justiça, dentro de um prazo de 15 anos34. O solicitante poderá contar com o
auxílio de um advogado da Defensoria Pública da União ou de organizações
parceiras do ACNUR (CARJ, CASP ou IMDH). Por fim, caso a decisão do
recurso seja também pelo indeferimento, o processo administrativo de refúgio é
encerrado no Brasil e o solicitante passa a estar sob a Lei 6.815, de 18 de agosto
de 1980, que se aplica a qualquer estrangeiro em território brasileiro.
No que diz respeito à determinação da condição de refugiado no Brasil,
esta se dá a partir do cumprimento de todas as etapas anteriormente mencionadas,
sendo o Formulário o primeiro contato tanto do solicitante de refúgio com o seu
pedido de refúgio ao governo brasileiro quanto do CONARE com o solicitante.
Sendo assim, a partir da Resolução Normativa Nº 22/2015, estabeleceu-se
um novo modelo de Formulário de Solicitação de Refúgio. Este deve ser
33 RN 18. (18 de abril de 2004) Art. 7º Realizada a entrevista e demais diligências necessárias à instrução do processo, este será apresentado ao Grupo de Estudos Prévios para discussão e considerações preliminares, para posterior decisão do plenário. Parágrafo único: a inclusão em pauta seguirá, preferencialmente, a ordem cronológica, observados os casos especiais. 34 Lei 9.474/1997, Art. 29, 30, 31 e 32. RN 18. Art. 9 e 10.
87
preenchido pelo solicitante e entregue em qualquer Unidade da Polícia Federal. O
mesmo pode ser obtido através do site do Ministério da Justiça.
Será feita a seguir, uma análise deste documento, o compreendendo como
ponto de partida para o entendimento e análise da condição de refugiado no
Brasil, ao passo que é a partir deste reconhecimento que o indivíduo poderá ter
acesso a todos os direitos que lhe são garantidos de acordo com a Lei 9.474/1997.
O novo modelo traz atualizações em relação ao antigo (primeiro e único
modelo de solicitação de refúgio desde 1997). A primeira mudança é vista a partir
do fornecimento de instruções para o preenchimento do Formulário, esclarecendo
que “o presente Formulário contém as perguntas necessárias para compilar as
informações relevantes para a análise de sua solicitação de refúgio, como as
circunstâncias da sua entrada no Brasil e as razões que o fizeram deixar o seu país
de origem ou residência habitual”.
Em seguida, o Formulário perpassa pelos seguintes pontos:
• Orientações Gerais acerca do preenchimento do documento, quais sejam: a
importância (o formulário será utilizado como evidência para a decisão de
sua solicitação de refúgio em análise com outros documentos apresentados
e a entrevista em momento posterior);
• a confidencialidade (de acordo com o Art. 20 da Lei nº 9.474/1997, que
garante a confidencialidade das solicitações de refúgio);
• grupos familiares (familiares acima de 18 anos devem preencher um
formulário individual);
• documentos (junto ao formulário podem ser anexados todos os
documentos que o solicitante queira apresentar referentes ao pedido de
refúgio);
• idioma e intérprete (o formulário está disponível nos idiomas: português,
francês, espanhol e inglês, online no site do Ministério da Justiça e pode
ser preenchido também por meio do auxílio de um intérprete, o qual
deverá preencher o termo de responsabilidade do intérprete que consta ao
final do formulário);
• Comunicação e alteração de endereço (é pedido a indicação de um
endereço de e-mail para que o CONARE entre em contato com o
solicitante, caso isto não seja possível, o mesmo deve disponibilizar outro
88
meio de comunicação. Da mesma forma, o solicitante poderá acompanhar
as etapas de sua solicitação por meio do site do Ministério da Justiça e
deve manter seus contatos atualizados junto ao CONARE e à Polícia
Federal.
• Arquivamento (prevê a possibilidade de arquivamento dos pedidos de
refúgio nos quais o solicitante não comparecer por duas vezes
consecutivas à entrevista para a qual foi previamente notificado, com
intervalo de 30 dias entre as notificações, sem justificativa; ou caso não
atualize seu endereço perante a CGARE num prazo e 30 dias, a contar da
sua última notificação).
A apresentação inicial do Formulário se diferencia do modelo anterior, à
medida que esclarece ao solicitante de refúgio a importância do preenchimento do
documento e que este é parte de sua solicitação de refúgio, ou seja, como
explicitado nas “Orientações Gerais” será utilizado como evidência durante a
análise de seu processo. Além disso, esclarece seus direitos diante da solicitação
de refúgio no Brasil, seus deveres e questões relevantes para que o solicitante
compreenda a relação entre as próximas etapas do processo e o preenchimento do
formulário. O Formulário anterior não possuía esta introdução e já iniciava
solicitando as informações do requerente, o que frequentemente poderia ocasionar
num mal preenchimento do documento ou até mesmo que o solicitante não
compreendesse o motivo pelo qual era necessário preenchê-lo.
O Formulário está dividido em 14 seções e dois anexos, que serão analisados a
seguir. A primeira seção é a de “Identificação”, na qual são pedidas informações
que tornam possível traçar o perfil individual do solicitante, isto é feito através das
seguintes informações: nome completo; sexo; local de nascimento; nome do pai;
nome da mãe; língua materna; outros idiomas/dialetos falados; estado civil;
religião; etnia; nacionalidade; e países em que viveu nos últimos cinco anos.
A segunda seção, mais breve do que primeira, pede apenas que sejam
informados contatos do solicitante no país de procedência, bem como contatos no
Brasil. O objetivo desta é que o CONARE possa entrar em contato com o
solicitante no futuro (para quaisquer dúvidas e/ou para o agendamento de sua
entrevista), bem como para saber se o mesmo ainda possui familiares em seu país
de origem.
89
A terceira seção diz respeito ao acesso à educação obtido pelo solicitante,
analisado através das seguintes informações: grau de escolaridade; instituições de
ensino que frequentou e cursos realizados. A quarta seção, na mesma esteira que a
terceira, solicita informações sobre experiências profissional do solicitante, como
a atividade exercida em seu país antes da viagem para o Brasil e os empregos que
teve nos últimos cinco anos.
As seções 1, 2 e 3 permanecem semelhantes ao antigo Formulário e serve de
base para a identificação do perfil individual do solicitante.
A quinta seção é direcionada aos homens, acerca do cumprimento do serviço
militar em seu país de origem. Questiona-se a obrigatoriedade do serviço militar;
se o solicitante prestou serviço militar; e caso tenha prestado, o período, suas
responsabilidades e cargos ocupados. A sexta seção questiona o solicitante sobre
infrações penais, isto é se o mesmo já foi preso ou acusado de cometer algum
crime.
De acordo com o Art. 1º, F da Convenção de 195135 e com o Art. 3º da Lei
9.474/199736, que estabelecem em que situações uma pessoa não se beneficiaria
da condição de refugiado. Assim, as seções 5 e 6 possibilitam que o CONARE
possa previamente identificar elementos que poderiam ser identificados como
parte da Cláusula de Exclusão prevista na lei de refúgio brasileira. Reforça-se uma
vez mais, que a entrevista é o momento posterior no qual o solicitante poderá
esclarecer quaisquer dúvidas que tenham surgido ao longo da análise de seu
Formulário.
A sétima seção é sobre a viagem, ou seja, a data de saída do país de origem ou
residência habitual, a cidade de partida e o meio de transporte utilizado. Pede-se
que o solicitante forneça em detalhes o itinerário da viagem, documentos
utilizados na saída do país de origem, a necessidade de um visto para o Brasil e 35 Convenção de 1951, Art. 1F – As disposições desta Convenção não serão aplicáveis às pessoas a respeito das quais houve razões sérias para pensar que: a) elas cometeram um crime contra a paz, um crime de guerra ou um crime contra a humanidade, no sentido dos instrumentos internacionais elaborados para prever tais crimes; b) elas cometeram um crime grave de direito comum fora do país de refúgio antes de serem nele admitidas como refugiados; c) elas se tornaram culpadas de atos contrários aos fins e princípios das Nações Unidas. 36 Lei 9.474/1997, Art. 3º Não se beneficiarão da condição de refugiado os indivíduos que: I – já desfrutarem de proteção ou assistência por parte de organismo ou instituição das Nações Unidas que não o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados – ACNUR; II – sejam residentes no território nacional e tenham direitos e obrigações relacionados com a condição de nacional brasileiro; III – tenham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a humanidade, crime hediondo, participado de atos terroristas ou tráfico de drogas; IV – sejam considerados culpados de atos contrários aos fins e princípios das Nações Unidas.
90
qual o tipo, data de chegada ao Brasil, cidade de chegada, documento de entrada
ao Brasil e se o solicitante possui documento de identidade ou viagem. Por fim,
questiona sobre a necessidade de utilização de documentos falsos para chegar ao
Brasil, constando logo abaixo que de acordo com a legislação nacional o
solicitante não é obrigado a responder esta pergunta, bem como o Art. 8º da Lei
9.474/1997, que prevê que o ingresso irregular em território brasileiro não
constitui impedimento para a solicitação de refúgio. Contudo, a prova da falsidade
de documentos invocados para o reconhecimento da condição de refugiado poderá
ensejar no não reconhecimento de sua solicitação ou na perda de sua condição de
refugiado. Por fim, caso o solicitante não possua nenhum documento de
identidade pede-se que ele forneça uma explicação sobre isto.
As informações que compõem esta seção não existiam no formulário anterior,
no qual apenas era pedido a data de saída, a data de chegada, o meio de transporte
e a identificação do número do passaporte. No entanto, são perguntas relevantes
na compreensão do trajeto feito pelo solicitante e a forma como entrou no
território brasileiro, que pode ter envolvido redes de tráfico de pessoas, coiotes,
documentos falsos (caso a pessoa demonstre um fundado temor em relação à sua
opinião política ou caso estivesse numa situação em que não seria possível
aguardar a emissão de documentos verdadeiros, dentre outras possibilidades).
Assim, estas são informações que já seriam solicitadas durante a entrevista de
elegibilidade, no entanto possibilitam uma análise prévia e melhor preparação
para a entrevista. Além disso, esclarece que ainda que a pessoa tenha utilizado
documentos falsos isto não seria prejudicial durante a análise de sua solicitação de
refúgio, e ao mesmo tempo, sendo um documento confidencial não seria
divulgado em outros meios.
A oitava seção pede informações sobre familiares que tenham permanecido no
país de origem (nome, data de nascimento, relação de parentesco e nacionalidade)
e familiares que o acompanham no Brasil (nome, data de nascimento, relação de
parentesco e nacionalidade). Além disso, questiona-se caso seja mulher, a mesma
está grávida; se a solicitante está acompanhada de menores de 18 anos e qual o
grau de parentesco com o mesmo. Caso esteja acompanhado de crianças menores
de 18 anos que não sejam seus filhos, se possuem algum documento de identidade
dos mesmos. Se o solicitante possui familiares também solicitantes de refúgio;
reconhecidos como refugiados no Brasil; familiares reconhecidos como
91
refugiados em outro país; e familiares que moram no Brasil em outra condição
migratória.
O primeiro grupo de perguntas (familiares que permaneceram no país de
origem e familiares que o acompanham no Brasil) já existia no modelo antigo
deste Formulário e são relevantes, pois caso o solicitante tenha familiares em seu
país (dependendo do grau de parentesco e a relação de dependência econômica
entre eles) poderá ser feito o pedido de reunião familiar, conforme previsto no
Art. 2º da Lei 9.474/199737. A seguir são feitas perguntas direcionadas ao gênero
feminino no caso da gravidez e a todos os gêneros no caso de estarem
acompanhados de menores de idade, sendo estas informações que possibilitariam
ao CONARE identificar grupos vulneráveis que teriam prioridade no
agendamento de sua entrevista e na decisão final de sua solicitação de refúgio.
A nona seção diz respeito a proteção internacional, e questiona sobre: se o
solicitante já pediu refúgio no Brasil, se já solicitou refúgio em outro país, se já
foi reconhecido como refugiado (caso tenha sido, data, local). Tais perguntas
constavam no modelo anterior do Formulário, e como previsto no Art. 3 I38 da Lei
9.474/1997 e no Art. 1º D39 da Convenção de 1951, que preveem que uma pessoa
não se beneficiará da condição de refugiado caso já desfrutem de proteção ou
assistência por parte de organismo ou instituição das Nações Unidas que não o
ACNUR. No entanto, quaisquer dúvidas poderão ser esclarecidas no momento da
entrevista com Oficial do CONARE.
Em seguida, a décima seção, “circunstâncias da solicitação”, concentra
perguntas que devem ser respondidas por extenso, e buscam compreender as
razões pelas quais o solicitante deixou seu país e o motivo que faz com que ele
não possa ou não queira retornar, a partir das seguintes questões:
1- razões pelas quais o solicitante decidiu deixar seu país de origem
ou residência habitual e busca proteção como refugiado no Brasil
37Lei 9.474/1997, Art. 2º Os efeitos da condição dos refugiados serão extensivos ao cônjuge, aos ascendentes e descendentes, assim como aos demais membros do grupo familiar que do refugiado dependerem economicamente, desde que se encontrem em território nacional. 38Lei 9.474/1997, Art. 3º I – Não se beneficiarão da condição de refugiado os indivíduos que já desfrutem de proteção ou assistência por parte de organismo ou instituição das Nações Unidas que não o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados – ACNUR. 39Convenção de 1951, Art. 1º D. Esta Convenção não será aplicável às pessoas que atualmente se beneficiam de uma proteção ou assistência da parte de um organismo ou de uma instituição das Nações Unidas que não o Alto Comissário das Nações Unidas para refugiados.
92
(pede-se que sejam providas informações detalhadas, e caso possua
evidências anexar ao documento)
2- se o solicitante buscou proteção estatal em seu país de origem ou
residência habitual (caso a resposta seja afirmativa deve explicar)
3- se o solicitante se deslocou internamente dentro do território de seu
país de origem ou residência habitual em busca de proteção
4- o que aconteceria se regressasse ao seu país de origem ou
residência habitual
5- se o solicitante teme sofrer alguma ameaça à sua integridade física
ou mental ou à sua liberdade, caso regresse ao seu país
6- se o solicitante ou algum membro de sua família pertence ou
pertenceu a algum partido político ou grupo político
7- se já retornou ao seu país de origem ou residência habitual após ter
entrado no Brasil
Assim, esta parte do Formulário concentra questões específicas acerca das
motivações do seu pedido de refúgio, e é de extrema importância na medida
em que possibilitará que o Oficial de Elegibilidade responsável pela realização
da entrevista possa se preparar para o caso específico de cada solicitante. Ou
seja, a partir de pesquisas sobre o país de origem e análise das informações
fornecidas, possibilitará que o solicitante durante a entrevista possa
concentrar-se em expor seu caso à sua maneira e que o CONARE já saiba
previamente informações gerais sobre o mesmo. Cumpre mencionar, que as
perguntas 3. e 7. não constavam no modelo antigo de Formulário.
A seção 11, pede que o solicitante liste os documentos que possui do seu
país de origem e outros que deseje utilizar como suporte à sua solicitação de
refúgio. Este item não existia no antigo Formulário e também é uma forma de
que o CONARE possa previamente analisar os documentos (caso existam)
relacionados ao seu pedido de refúgio. Reforça-se que
Na seção 12, o solicitante deve responder acerca dos motivos pelos quais
precisa da proteção internacional como refugiado no Brasil. Esta pergunta não
existe no modelo anterior de Formulário e poderia ser utilizada de duas
formas: uma para que o CONARE pudesse analisar previamente o grau de
vulnerabilidade do solicitante, em análise conjunta com a décima sessão, e ao
93
mesmo tempo, possibilita que o solicitante tenha o conhecimento desde o
início do seu processo a forma como o mesmo será analisado.
Sendo assim, constam as seguintes perguntas: o solicitante deve optar por
um ou mais elementos elencados pela Convenção que estejam relacionados ao
seu “fundado temor de perseguição”, quais sejam: raça, religião,
nacionalidade, grupo social, opinião política, situação de grave e generalizada
violação de direitos, ou outros motivos. Ou se o indivíduo solicita o
reconhecimento como refugiado, pois teme ser vítima de tortura ou tratamento
cruel, desumano ou degradante caso retorne ao seu país de origem ou
residência habitual. Sendo esta pergunta relacionada à possibilidade do
solicitante necessitar de algum tipo de proteção complementar.
Ainda no que diz respeito à questão 12., a ideia não é que esta seja uma
pergunta “decisiva” para sua solicitação de refúgio ou subjetiva ao seu temor,
mas é a possibilidade que o solicitante compreenda de que maneira será
analisada sua solicitação e a razão pela qual foi pedido que respondesse as
perguntas anteriores. Ademais, recomenda-se que estas perguntas sejam
respondidas a partir da consulta ao Anexo I do Formulário, no qual consta a
definição de refúgio adotada pelo Brasil, exposta de maneira detalhada.
Por fim, na seção 13 o solicitante deve fornecer informações adicionais,
com a seguinte explicação abaixo, “no Brasil, você terá acesso aos serviços e
ações de saúde nos termos da legislação nacional e sua condição de saúde não
será motivo para rejeição ou arquivamento do seu caso”. Em seguida, constam
três perguntas: se o solicitante possui alguma doença, se recebe tratamento
médico ou psicológico no Brasil, e se possui alguma deficiência física,
auditiva ou visual.
Estas perguntas auxiliam na preparação de sua entrevista, no sentido em
que caso possua alguma doença, o solicitante pode não estar em condições de
realizar sua entrevista num momento próximo (ainda que seja notificado e
justifique sua falta); a segunda questão pode apontar para a necessidade de um
psicólogo no momento anterior (para entrar em contato com o CONARE) ou
durante a entrevista do solicitante, visto que pessoas em situação de trauma
podem não conseguir realizar uma entrevista completa, podem não se sentir
confortáveis em falar sobre determinados assuntos que são importantes para a
análise de seu caso, e ao ter conhecimento sobre isto previamente, possibilita
94
que o CONARE possa se preparar melhor para o caso. Por fim, a terceira
pergunta, sinalizaria a necessidade de um ambiente que acomodasse o
solicitante de acordo com a deficiência que alegue ter.
Por fim, na décima quarta seção constam três modelos de Declaração,
sendo elas:
1- Declaração A: deve ser preenchida caso o solicitante não
tenha contado com a ajuda de um intérprete (assinatura,
local e data)
2- Declaração B: deve ser preenchida quando tenha havido a
participação de um intérprete (assinatura do solicitante,
assinatura do intérprete, local e data)
3- Declaração C: Termo de Responsabilidade do Intérprete, no
qual consta informações sobre a postura e responsabilidades
que o intérprete assume ao auxiliar o solicitante no
preenchimento do documento, bem como dados para
contato do mesmo como telefone, endereço, e-mail e data.
Esta seção do Formulário não constava no modelo antigo adotado pelo
CONARE, no entanto o que ocorria era que não era possível muitas vezes saber a
data de assinatura do documento, ou se uma terceira pessoa havia auxiliado no
preenchimento do mesmo. Ao ter acesso a estas informações o CONARE saberá
desde o princípio da necessidade de um intérprete durante a entrevista (caso o
solicitante não saiba nenhum dos idiomas em que o documento está disponível),
se o mesmo não souber escrever (e também terá sido ajudado por esta terceira
pessoa) e, por fim, um documento datado é extremamente importante para
consultas futuras. Assim, não há problema em que existe um intérprete que auxilie
o solicitante, principalmente tire suas dúvidas quando isto é feito, por exemplo,
em no ambiente da Polícia Federal ou da CARJ, no entanto esta pessoa deve ser
identificada.
O Anexo I consta a definição de refugiado e os instrumentos nacionais,
regionais e internacionais os quais servem de base para sua interpretação e o
Brasil é signatário, quais sejam: o Art. 1º da Convenção de 1951 Relativa ao
95
Estatuto dos Refugiados40; o Art. 1º da Lei 9.474/199741; a Declaração de
Cartagena de 1984 (que possibilita a definição ampliada adotada pelo Brasil, o
Inciso III)42; a Declaração do Brasil de 201443; e o Art. 1º da Convenção contra a
Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes de
198444.
Por fim, o Anexo II consta contatos úteis para o solicitante ao longo do
seu processo de solicitação de refúgio, como contatos do Departamento da Polícia
Federal, da Defensoria Pública da União e da Sociedade Civil.
Uma análise mais detalhada acerca do Formulário de Solicitação de
Refúgio, sendo ele parte de uma das etapas para a determinação da condição de
refugiado, é relevante para que se entenda de que forma ocorre este processo no
Brasil, de acordo com a legislação nacional vigente, bem como amparada por
tratados e convenções internacionais e regionais. A reestruturação do Formulário
permite que as entrevistas pessoais sejam mais bem preparadas anteriormente por
oficiais do CONARE, que possa ser realizada uma pesquisa de país de origem
mais completa e auxilia na condução de uma entrevista mais objetiva, que tem
40Art. 1º “Toda a pessoa que, em razão de fundados temores de perseguição devido à sua raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política, encontra-se fora de seu país de origem e que, por causa dos ditos temores, não pode ou não quer fazer uso da proteção desse país ou, não tendo uma nacionalidade e estando fora do país em que residia como resultado daqueles eventos, não pode ou, em razão daqueles temores, não quer regressar ao mesmo”. 41Art. 1º da Lei 9.474/1997: Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que: Ι − devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país; ΙΙ − não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior; ΙΙΙ − devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país. 42Declaração de Cartagena, 1984: Considera também como refugiadas as pessoas que fugiram de seus países porque sua vida, sua segurança ou liberdade foram ameaçadas: Ι − pela violência generalizada; ΙΙ − por agressão estrangeira; ΙΙΙ − por conflitos internos; ΙV − pela violação massiva de direitos humanos; V − outras circunstâncias que tenham perturbado gravemente a ordem pública. 43Declaração do Brasil de 2014: incorpora a Declaração de Cartagena e considera também como refugiadas as pessoas que fugiram de seus países, entre outros fatores, por conta da atuação do crime organizado transnacional. 44Art. 1.: “1. Para os fins desta Convenção, o termo "tortura" designa qualquer ato pelo qual uma violenta dor ou sofrimento, físico ou mental, é infligido intencionalmente a uma pessoa, com o fim de se obter dela ou de uma terceira pessoa, informações ou confissão; de puni-la por um ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido, ou seja, suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir ela ou uma terceira pessoa; ou por qualquer razão baseada em discriminação de qualquer espécie, quando tal dor ou sofrimento é imposto por um funcionário público ou por outra pessoa atuando no exercício de funções públicas, ou ainda por instigação dele ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam consequência, inerentes ou decorrentes de sanções legítimas.”
96
como principal finalidade a identificação de um fundado temor de perseguição
caso o solicitante retorne ao seu país de origem, ou qualquer outro tipo de graves
danos, violência ou tortura que indique a necessidade de outro tipo de proteção
complementar.
Da mesma forma, respostas previamente fornecidas no Formulário de
Solicitação de Refúgio não são irrefutáveis ou passíveis de não esclarecimento
durante a entrevista ou em momento posterior. Sendo assim, não é atribuição do
Formulário representar único documento ou evidência numa solicitação de
refúgio, mas sim desempenhar parte importante do procedimento para a
determinação da condição de refugiado.
Por fim, com base no Manual de Procedimentos e Critérios para a
Determinação da Condição de Refugiado do ACNUR45, no Manual “Credibility
Assessment in Asylum Procedures46” e no livro “The Refugee Law of Reefugee
Status”47, constitui um princípio geral de direito que o ônus a prova compete à
pessoa que submete o pedido, entretanto no caso de uma solicitação de refúgio, na
qual nem sempre será possível que o solicitante consiga provar através de
evidências ou documentos todas as suas declarações, este será repartido entre ela e
o oficial de elegibilidade. Ainda que caiba ao solicitante expressar os elementos
que configurariam posteriormente em seu fundado temor, cabe ao oficial
considerar que solicitantes de refúgio podem não possuir o conhecimento jurídico
para apreciar plenamente quais fatos são relevantes.
Sendo assim, para que a determinação da condição de refugiado todas as
etapas deste processo são indispensáveis para que o Plenário do CONARE possa
julgar e analisar de forma completa e justa o pedido pessoal de cada solicitante, a
45ACNUR. Manual de Procedimentos e Critérios para a Determinação da Condição de Refugiado – De acordo com a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 Relativos ao Estatuto dos Refugiados. Disponível em: <http://www.acnur.org/t3/fileadmin/Documentos/portugues/Publicacoes/2013/Manual_de_procedimentos_e_criterios_para_a_determinacao_da_condicao_de_refugiado.pdf?view=1> Acesso em: 16 mai. 2016. 46Credibility Assessment in Asylum Procedures – A multidisciplinary Training Manual. Volume 1 – 2013. Disponível em: <http://helsinki.hu/wp-content/uploads/Credibility-Assessment-in-Asylum-Procedures-CREDO-manual.pdf> Acesso em: 16 mai. 2016. 47HATHAWAY, James C. & FOSTER, Michelle. The Law of Refugee Status. Cambridge University Press. 2014, p.110-161. Disponível em: <http://www.cambridge.org/ca/academic/subjects/law/human-rights/law-refugee-status-2nd-edition?format=PB>Acesso em: 15 mai. 2016.
97
partir do preenchimento do Formulário, da apresentação de documentos de seu
país de origem e evidências para fortalecimento de seu pedido (caso possua) e, por
fim, a entrevista, que é direito do solicitante e possibilita que o mesmo possa
apresentar oralmente seu caso ao governo brasileiro. Etapas estas que ao final
possibilitam uma decisão fundamentada sobre cada pedido de refúgio.
Nesse sentido, esta seção do capítulo possibilitou uma análise sobre a
forma como o instituto do refúgio se consolidou no Brasil e como hoje permanece
em desenvolvimento e aprimoramento, bem como uma breve análise do
procedimento para a determinação da condição de refugiado a partir do previsto
pela Lei 9.474/1997, em consonância com a Convenção de 1951, o Protocolo de
1967 e a Declaração de Cartagena de 1984. A análise do reconhecimento jurídico
desta condição reflete diretamente nos mecanismos de integração local que os
solicitantes de refúgio e refugiados irão ter acesso e desenvolver no país de
destino. Tanto a partir das políticas públicas estabelecidas por esta população,
como também a forma encontrada por eles para sua inserção e identificação com o
novo território. Na próxima seção será feita uma análise do perfil de solicitantes
de refúgio no Brasil e especificamente no Rio de Janeiro. Com isto será possível
uma maior aproximação e análise dos refugiados congoleses como exemplo
específico adotado neste trabalho, motivações para a saída de seu país e origem, o
trajeto até o Brasil e a integração local no território desconhecido. Nos momentos
seguintes, será dada maior ênfase na análise do refugiado e/ou solicitante de
refúgio como sujeito ativo em seu processo migratório e de integração local.
3.2. Solicitantes de refúgio e refugiados no Brasil: o perfil desta população no país e no Rio de Janeiro
O objetivo específico desse item consiste em analisar o perfil dos
solicitantes e de refúgio e refugiados no Brasil e no Rio de Janeiro,
especificamente entre os anos de 2010 e 2016. Com isso, pretende-se
compreender e analisar a forma como o aumento do número de solicitações de
refúgio impactou no desenvolvimento de políticas de integração social em
diferentes esferas, dentre elas: no âmbito do governo federal, no desenvolvimento
de políticas no âmbito do Estado, a partir de organizações não governamentais,
98
instituições vinculadas à Igreja Católicas, entre outros atores e agentes que atuam
nesse contexto.
O aumento significativo no número de solicitações de refúgio no Brasil
pode ser assim percebido tendo em vista alguns elementos. Primeiramente, o
contexto de crise humanitária que afeta o mundo, como já exposto durante o
segundo capítulo deste trabalho. Ao mesmo tempo, a política externa adotada pelo
governo brasileiro também impacta na forma como o país passa a ser visto no
cenário internacional e em que medida incorpora maior protagonismo no
continente sul-americano frente aos demais países. Assim, desde 2003, no início
do governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2006/2007-2010), as diretrizes de
sua política externa mantiveram como principais bases o multilateralismo, a
cooperação, a defesa dos direitos humanos, a construção da paz, a adesão aos
regimes, o respeito às organizações internacionais e a priorização aos países da
região, especialmente do MERCOSUL (MOREIRA, 2015, p. 4).
Assim, observou-se a ênfase tanto na defesa dos direitos humanos, como
tanto no tema dos refugiados, que passaram a ser vistos também como pauta da
agenda interna. Como destacado por Moreira, “o papel de liderança brasileira
frente a América do Sul em matéria de refugiados também passou a ser
reconhecido pelo ACNUR (...)” (MOREIRA, 2015, p. 5), tendo ressaltado um
trecho do discurso proferido na 60º sessão do Comitê Executivo do ACNUR, no
qual a delegação brasileira afirmou que:
O refúgio é uma política de Estado no Brasil. É um elemento importante da democracia brasileira e sua tradição de abertura. É um dos pilares da política de direitos humanos. (...) Nós esperamos aumentar as oportunidades de reassentamento no Brasil. A longa experiência do Brasil em ter um órgão tripartite em que governo, sociedade civil e ACNUR trabalham juntos em políticas para refugiados tem sido bem-sucedida. (...) O processo de integração social e econômico dos refugiados tem sido um constante desafio. Acreditamos que o engajamento de outros países em programas de reassentamento abre as portas para cooperação sul-sul. O Brasil está pronto a compartilhar sua experiência com parceiros interessados (Arquivo do Itamaraty, Delegação do Brasil em Genebra, 2009a apud MOREIRA, 2015, p. 5).
Em complementariedade ao exposto anteriormente, houve também o
fortalecimento na política de reassentamento ao longo dos anos seguintes. Em
2004, estabeleceu-se propostas para o reassentamento solidário na região da
América Latina, a partir de um encontro entre os governos da Argentina, Bolívia,
99
Brasil, Chile, Paraguai, Peru e Uruguai. Assim, com o passar dos anos, novas
políticas e acordos regionais foram sendo firmados no âmbito da defesa dos
direitos humanos e seguindo os princípios de solidariedade internacional e de
compartilhamento de responsabilidades (MOREIRA, 2015, p. 5-7). As iniciativas
brasileiras diante desta temática “rendeu frutos ao possibilitar maior aproximação
com a agência da ONU, que elogiou o tratamento dado aos refugiados no país em
termos de legislação e de acolhida, além de reconhecer o papel de líder regional
na América do Sul” (MOREIRA, 2015, p. 14).
Com isso, temos que a política externa adotada pelo governo brasileira no
âmbito do refúgio implica tanto em sua visibilidade externa quanto na
responsabilidade do país em lidar com a população que busca no Brasil proteção e
acolhida. Diante disso, os números que serão exemplificados e analisados a seguir
nos confirmam a visibilidade atribuída ao Brasil, bem como o protagonismo
regional do país frente a legislação nacional voltada para os refugiados. Contudo,
o Estado brasileiro passa também a se colocar frente a novos desafios, ligados
principalmente a criação e fortalecimento de políticas de integração local dessa
população.
Sendo assim, observamos a partir de dados publicados pelo CONARE48,
em maio de 2016, acerca do perfil de solicitantes de refúgio e refugiados no
Brasil. Assim, durante os anos de 2010 a 2015, percebe-se um aumento de
2.868% de solicitações de refúgio no Brasil e 127% de aumento no número total
de refugiados reconhecidos no Brasil entre 2010 e 2016, tendo o Brasil recebido
solicitações de 79 nacionalidades. A seguir, é possível visualizar estes dados:
48Os dados obtidos no CONARE são mensurados a partir das solicitações de refúgio feitas nas Unidades da Polícia Federal. Estes processos são repassados ao órgão, o qual os organiza a partir da cidade de solicitação de refúgio, bem como a partir do local onde a entrevista foi realizada (muitas vezes pode divergir da cidade de solicitação de refúgio). Ao mesmo tempo, os dados de entrada no território Brasil são obtidos apenas a partir da base de dados da Polícia Federal.
100
Tabela 2: Solicitações de Refúgio no Brasil (entradas por ano, 2010-2015). – Fonte: Comitê Nacional para Refugiados (maio de 2016).
Solicitações de refúgio(entradas por ano, 2010-2015)
9663,220 4,022
17,631
28,385 28,670
0
5,000
10,000
15,000
20,000
25,000
30,000
35,000
2010 2011 2012 2013 2014 2015
Fonte: Departamento de Polícia Federal (até 20/03/2016) 3
Tabela 3: Solicitações de refúgio: por país de origem (no Brasil) – Fonte: Departamento da Polícia Federal(maio de 2016)
14,760
1,529
1,749
2,166
2,167
2,281
2,578
3,287
3,460
7,206
48,371
0 10,000 20,000 30,000 40,000 50,000 60,000
Outros
VENEZUELA
LIBANO
GANA
CONGO
ANGOLA
NIGERIA
BANGLADESH
SIRIA
SENEGAL
HAITI
Solicitações de refúgio: por país de origem(total acumulado)
5Fonte: Departamento de Polícia Federal (até 20/03/2016)
No que diz respeito as solicitações de refúgio dentre os períodos acima,
pode-se ressaltar, na tabela 2, o aumento exponencial de solicitações em três
momentos: o primeiro entre 2010 e 2011, onde no primeiro ano houve 966
solicitações e no ano seguinte 3.220; num segundo momento entre 2012 e 2013,
onde há um salto quantitativo de 4.022 solicitações para 17.631 num período de
101
um ano; e, por fim, entre 2013, com 17.631 e 2014, com 28.385 solicitações de
refúgio, apresentando um aumento de 10 mil solicitações.
A tabela, que contem dados obtidos por meio do Departamento da Polícia
Federal, entre 2013 e 2016 apresenta o aumento exponencial das solicitações de
refúgio atribuídos à nacionalidade haitiana. No entanto, alguns pontos devem ser
elencados: desde 2012, a partir da Resolução Normativa (RN) CNIg nº 97/201249,
foi concedido o visto permanente previsto no art. 16 da Lei nº 6.815, de 19 de
agosto de 198050, a nacionais do Haiti, assim esta população ainda que tenha
entrado em território brasileiro e solicitado refúgio, passou também a ter o direito
de solicitar o visto permanente mediante esta RN. Ademais, tendo em vista o total
de solicitações de refúgio estimada pelo CONARE, que consta um total de 28.670
solicitações, compreende-se que os haitianos não estão contabilizados na
estimativa feita pelo CONARE. Assim, dentre as principais nacionalidades de
solicitantes de refúgio no Brasil, estão principalmente, nacionais do Senegal,
Síria, Bangladesh, Nigéria, Angola e RDC. Ao mesmo tempo, o total de
solicitações de “outras” nacionalidades, como colocado no gráfico, demonstra a
diversidade de nacionalidades de solicitantes de refúgio no Brasil.
A seguir, segue exemplificado o número de refugiados reconhecidos no
Brasil.
49 Resolução Normativa CNIg nº 97/2012-DOU: 13.01.2012. Disponível em: <http://www.veritae.com.br/lex-5110BF3C-850E57F3B739/2882_149_13-01-12_trabalho.pdf > Acesso em: 07 de junho de 2016. 50 A Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6815.htm> Acesso em: 07 de junho de 2016.
102
Tabela 4. Refugiados Reconhecidos no Brasil – Fonte: Comitê Nacional para Refugiados (maio de 2016)
3,904 4,0354,284
4,975
7,262
8,4938,863
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016Total Reconhecidos Reassentados
Fonte: Comitê Nacional para os Refugiados
Refugiados reconhecidos no Brasil(total acumulado)
10
Tabela 5. Refugiados reconhecidos no Brasil: por país de origem – Fonte: Comitê Nacional para Refugiados (maio de 2016)
1,521
144
177
224
275
360
376
968
1,100
1,420
2,298
Outros
Serra Leoa
Paquistão
Libéria
Iraque
Líbano
Palestina
Rep. Dem. Do Congo
Colômbia
Angola
Síria
Chart TitleReconhecidos Reassentados Total
Refugiados reconhecidos no Brasil: por país de origem(total acumulado)
11Fonte: Comitê Nacional para os Refugiados
103
Tabela 6. Julgamentos (Processos decididos por ano, 2010 – 2015) – Fonte: Comitê Nacional para Refugiados (maio de 2016)
Julgamentos(processos decididos por ano, 2010-2015)
Fonte: Comitê Nacional para os Refugiados9
1 0 36267
1312
532118 105 168
358
933
685
275 304402
668
169
450
394 409606
1293
2414
1667
2010 2011 2012 2013 2014 2015
Síria (Reconhecimentos) Deferidos Indeferidos Total
653
931
842
Abr 2015 a Abr2016
2426
As tabelas 4 e 5, por sua vez, trazem informações relativas aos refugiados
reconhecidos no Brasil. Assim, na figura 4. é possível observar o aumento no
percentual de pedidos reconhecidos entre os anos de 2013 e 2014, tendo os outros
anos seguidos de forma estabilizada. Estes números, entretanto, não refletem uma
resposta direta ao número de solicitações de refúgio, entretanto se analisados em
conjunto com a tabela 6 que demonstra em números os processos decididos por
ano, concluímos que esta estimativa se dá em razão de haver uma diferente
proporção de análise dentre os últimos cinco anos. Isto também é refletido em
razão da estruturação interna do CONARE, que tem enfrentado modificações no
número de pessoas em seus escritórios. A abertura de escritórios descentralizados
ano longo do ano de 2015, nas cidades de São Paulo, Porto Alegre e Rio de
Janeiro, é uma medida que também seria uma forma de auxiliar na celeridade dos
julgamentos dos casos.
A tabela 6, ao explicitar as principais nacionalidades de reconhecimento de
refúgios, tem-se que Síria, Angola, Colômbia, RDC, Palestina e Líbano estão
dentre as seis principais. Resultado este que se comparado aos países maiores
índices de solicitações de refúgio, não constam nessa lista Senegal, Bangladesh e
Nigéria e surgem então Colômbia, Palestina e Líbano. A RDC, por sua vez, possui
968 refugiados reconhecidos até o final de 2015, representando a quarta maior
nacionalidade com refugiados reconhecidos no Brasil.
104
Tabela 7. Indeferimentos da condição de refugiado: por país de origem – Fonte: Comitê Nacional para Refugiados (maio de 2016)
Fonte: Comitê Nacional para os Refugiados
Indeferimentos da condição de refugiado: por país de origem(total acumulado)
2,317
219
269
372
378
414
459
482
570
657
680
0 500 1,000 1,500 2,000 2,500
Outros
Paquistão
Senegal
Nigéria
Rep. Dem. Do Congo
Cuba
Líbano
Guiné-bissau
Angola
Romênia
Colômbia
14
Tabela 8. Perfil dos refugiados (2010 – 2015) – Fonte: Comitê Nacional para Refugiados (maio de 2016)
1,8%(83)
Refugiados por Faixa Etária (2010 – 2015)
Refugiados por Gênero (2010 – 2015)
Perfil dos refugiados(total acumulado 2010-2015)
De 0 a 12 anos De 13 a 17 anos De 18 a 29 anos De 30 a 59 anos Maiores de 60 anos
13,2%(599)
4,8%(217)
42,6%(1.925)
36,2%(1.632)
28,2%(1.273)
71,8%(3.241)
12Fonte: Comitê Nacional para os Refugiados
No que diz respeito ao perfil específico dos refugiados, tem-se que esta
população é predominantemente composta por homens (71,8%), entre os 18 e 59
anos.
105
De acordo com relatório publicado pela CARJ51, constata-se “fluxo
consistente de solicitantes de refúgio, com origem na RDC”, tendo estes, superado
todas as outras nacionalidades no que diz respeito às novas chegadas. Em 2014,
representavam 36% do total de estrangeiros que solicitaram refúgio no estado,
tendo no ano de 2015 subido para 40% e, no primeiro trimestre de 2016,
alcançado 55% das novas chegadas no estado do Rio de Janeiro. Assim, de acordo
com os dados da CARJ, o estado do Rio de Janeiro, até dezembro de 2015,
possuía 4.111 refugiados e 2.410 solicitantes de refúgio. Dentre eles, Angola
representava a nacionalidade com maior número de solicitantes reconhecidos,
56,5% do total e a RDC em seguida, com 808 refugiados reconhecidos no estado.
Dentre os solicitantes de refúgio, a CARJ estima a existência de 500 solicitantes,
o que significa 20,7% do total de solicitantes no Rio de Janeiro. Em relação às
solicitações de refúgio no estado do Rio de Janeiro, durante o ano de 2014
chegaram 165 congoleses e no ano seguinte, em 2015, 331 congoleses. Durante o
primeiro trimestre de 2016, aproximadamente 116.
No que diz respeito ao número de refugiados reconhecidos pelo CONARE
divididos por regiões, temos a seguinte estimativa:
Tabela 9. Refugiados reconhecidos no Brasil – Fonte: Comitê Nacional para Refugiados (maio de 2016)
Dentre os refugiados reconhecidos do continente africano, temos que o
maior número de indivíduos é de nacionalidade angolana, aproximadamente
51Os dados fornecidos pela CARJ foram obtidos através da contagem do número de pessoas inscritas no cadastro da instituição. Assim, todas as pessoas que chegam e solicitam refúgio no Rio de Janeiro e buscam atendimento da organização são contabilizadas na estatística geral fornecida por eles.
106
1.409, enquanto os congoleses representam 958 do total de refugiados no Brasil.
O perfil, por sua vez, se comparado à faixa etária e gênero das pessoas, tanto a
CARJ quanto o CONARE apontam para a maior chegada de solicitantes do sexo
masculino, e jovens entre 18 e 29 anos são os que apresentam maior chegada ao
Brasil.
Sendo assim, nota-se disparidades entre os dados publicados pela CARJ,
pelo Ministério da Justiça e pelo Departamento da Polícia Federal. Estas
disparidades podem ser compreendidas a partir da forma como cada instituição
estabelece o controle de sua base de dados. Assim, como explicado anteriormente,
a CARJ obtém suas estatísticas a partir do número de pessoas cadastradas na
instituição, isto é, todos os solicitantes de refúgio e refugiados que se encaminham
até a organização com o objetivo de solicitar refúgio ou em busca de atendimento
(tendo vindo de outra cidade).
No que diz respeito aos dados obtidos no CONARE, observa-se essa
divergência, pois a estimativa feita acerca dos casos tem como base o local onde o
solicitante realizou sua entrevista de refúgio (para os casos já julgados pelo
Comitê) e em relação aos solicitantes de refúgio estabelece-se como parâmetro a
cidade e o Estado em que foi aberto seu pedido de refúgio. Tendo em vista que os
solicitantes de refúgio e refugiados mudam com frequência seus locais de
moradia, é possível que haja divergência entre os dados obtidos pelos diferentes
organismos. Já os dados fornecidos pela Polícia Federal, tem-se que seu controle é
estabelecido tanto pela cidade de entrada, ao dar início ao procedimento de
solicitação de refúgio e emissão do protocolo52, bem como pela cidade de decisão
do processo.
Os dados expostos a seguir, são baseados em informações fornecidas pelo
CONARE, no qual será possível avaliar mais especificamente o perfil dos
solicitantes de refúgio e refugiados no Estado do Rio de Janeiro. Assim, dentre o
perfil separado por gênero, observa-se os seguintes dados, dentre o total de
congoleses reconhecidos pelo governo brasileiro, 968 refugiados.
1. Dentre esse total, 561 são homens: dos quais 250 declararam ser
solteiros, 180 são casados, 87 são menores de idade e 44 outros.
Ademais, a maior parte tem entre 26 e 35 anos.
52O protocolo de solicitação de refúgio é o documento de identidade provisório do solicitante de refúgio no Brasil, enquanto o mesmo aguarda a análise e decisão final de seu caso pelo CONARE.
107
2. O perfil das mulheres refugiadas é composto por aproximadamente
397 mulheres, dentre elas 140 declararam ser solteiras, 132 são
casadas, 78 são menores de idade e 47 outros. A maior parte delas
também possui dentre 26 e 35 anos.
Importa mencionar que esse perfil quantitativo que foi possível traçar a
partir dos dados obtidos pelo CONARE, foram obtidos a partir da base de dados
interna do comitê, que possibilita identificar as pessoas reconhecidas que
solicitaram refúgio no Rio de Janeiro. Entretanto, não é possível identificar se
estas pessoas permaneceram no Rio de Janeiro, bem como se este número
aumentou ou não, sendo possível que os dados sejam divergentes aos
apresentados pela CARJ. A organização atende os refugiados que estão no Rio de
Janeiro, independente da fase do processo que se encontram.
Sendo assim, dentre as pessoas que solicitaram refúgio no Rio de Janeiro,
cerca de 443 pessoas, dentre as quais 254 são homens e 189 são mulheres. Dentre
os principais motivos das solicitações da RDC, se destacam as seguintes razões:
138 declararam ter saído do país de origem em razão da guerra ou do risco de
morte; 80 pessoas indicaram questões familiares, ou relacionadas à grupo social;
45 indicaram questões econômicas; 65 apontaram problemas em relação à raça ou
religião; e 9 são casos de reunião familiar. Essa caracterização foi definida tendo
em vista a base de dados do Comitê que adotou essa divisão por motivações de
pedidos de refúgio.
Em conversa com a coordenadora da CARJ, Aline Thuller, esta enfatizou
a mudança no perfil de mulheres que têm chegado na CARJ, com origem na RDC.
Assim, Thuller apontou para a um número maior de mulheres sozinhas e, por
vezes, grávidas ou com filhos pequenos. Tal perfil tem sido observado durante as
entrevistas realizadas pelo CONARE no escritório do Rio de Janeiro, desde julho
de 2015.
Durante a conversa acima referenciada, Thuller apontou para esta
diferença enfatizando dois aspectos observados durante os últimos cinco anos no
ambiente da CARJ e dos solicitantes recém-chegados da RDC. Primeiramente, o
perfil destas mulheres ao mesmo tempo em que apresenta maior vulnerabilidade
das mesmas, ao chegarem no Brasil sozinhas e com crianças pequenas ou
grávidas, é por outro lado observada uma maior independência também. Para
evidenciar este cenário, segue um trecho da conversa com a coordenadora e
108
assistentes sociais da instituição, fazendo referência a mudança no perfil das
mulheres, na integração acelerada e na criação de redes de comunicação entre os
refugiados que permite com que os recém-chegados compreendam a forma como
os mais antigos utilizaram para melhor se integrarem na cidade. Assim, segue
abaixo trechos dessa conversa:
“o grupo de mulheres congolesas chegava muito com uma perspectiva de ‘não tenho marido e não tenho como recomeçar a minha vida’, muito do trabalho de integração, de arrumar creche, elas relutavam e não aceitavam nada disso, pelo fato de não terem marido, e diziam ‘não posso, não tenho marido’”.
A conversa tem seguimento com a coordenadora mencionando o trabalho
feito pelas assistentes sociais para convencê-las a buscar creches e escolas para
seus filhos estudarem e, com isso, poderem então buscar ofertas de emprego. Em
seguida, mencionam a mudança que se tem observado ao longo dos últimos cinco
anos.
(...) isso tem mudado um pouco agora. E muda não só porque estão chegando mulheres mais novas agora, mas também porque o perfil de quem está aqui já mudou também e isso também chega pra elas lá. “Olha quando chegar no Brasil a vida é diferente, tem que trabalhar, buscar emprego, etc”, e isso chega lá sim, e não é a toa que o congolês sempre chega acompanhado de outros congoleses e é muito difícil que chegue sozinho, raros os casos que isso aconteça. E ai elas já chegam com outras perspectivas, já demandam a questão da creche na primeira entrevista, “preciso de creche para meu filho”, muitas vezes no atendimento seguinte já estão com a carteira de trabalho na mão querendo ajuda pra encontrar emprego (...).
A conversa permanece e menciona-se também a mudança no enfoque do
trabalho desenvolvido pela CARJ no que diz respeito às atividades voltadas para a
integração local.
“O trabalho da Caritas mudou com elas também ao longo desses anos, antes trabalhavam com o auxílio, e elas de certa maneira ficavam dependentes desse auxílio por mais tempo, agora como a Caritas tem destinado menos dinheiro ao auxílio e mais em outras atividades de integração, elas já perceberam que vão ter que fazer a carteira e buscar um trabalho para sobreviver, porque não vai ter mais uma instituição para sustenta-las para sempre. (...) outras mulheres que já estão aqui começam a construir coisas, e viram espelhos para as que estão chegando também”.
109
Quando menciona-se que uma mulher representa o exemplo da outra, isto
se observa que quando uma percebe que outras obtiveram vagas para seus filhos
em escolas do Estado, e também conseguiram empregos, começam a buscar
também, pois veem que são objetivos atingíveis. Outro fator mencionado pela
coordenadora, diz respeito ao aprendizado da língua portuguesa.
Assim, há alguns anos, observava-se que as mulheres frequentavam por
um período mais longo os cursos de português oferecidos pela instituição, na
medida que os homens assim que conseguiam uma oportunidade de emprego
deixavam de frequentar. A CARJ buscava incentivar o uso da língua portuguesa
no dia-a-dia dos refugiados, pois em conversas entre eles e com a comunidade
permaneciam falando seu idioma, bem como a integração no bairro de residência
com brasileiros, aproximação que estimularia o aprendizado do idioma.
Por outro lado, a coordenadora e as assistentes sociais da CARJ pontuaram
a dificuldade de mulheres exercerem papéis de liderança frente a um grupo com
homens, e que até mesmo no ambiente da CARJ isso é percebido com frequência.
Assim, ainda que seja um grupo bastante heterogêneo entre si, observa-se essa
preservação da cultura local.
A partir do perfil observado acerca dos solicitantes de refúgio e refugiados
no Brasil e no Rio de Janeiro e da análise dos dados fornecidos pelas diferentes
instituições é possível chegar a algumas conclusões:
1. Todas as solicitações de refúgio no Brasil são feitas nas Unidades da
Polícia Federal, no entanto, não há obrigatoriedade na passagem pela CARJ ou
organizações não governamentais que realizem atendimentos aos refugiados no
Brasil. Logo, os dados fornecidos pela CARJ são em relação aos solicitantes
cadastrados pela instituição. Da mesma forma, o ambiente da CARJ, bem como as
atividades fornecidas pela organização (curso de português, aula de artesanato,
diagnósticos participativos) são frequentados principalmente por pessoas que
buscam o atendimento oferecido pela organização. É possível perceber a
predominância da nacionalidade congolesa, que compõem os principais grupos de
alunos das aulas de português e de artesanato. Isto está relacionado também à
dificuldade enfrentada por eles em relação ao idioma, elemento este que será
analisado em maior profundidade mais adiante. Ao mesmo tempo, o contato e
aproximação entre os solicitantes torna a CARJ um ambiente de encontro para
eles, o qual é frequentado principalmente por solicitantes de refúgio recém
110
chegados ao Brasil e que ainda estão em buscam de oportunidades de emprego,
moradia e estabilidade.
2. A diferença no número de solicitações de refúgio e, posteriormente, o
local onde foram reconhecidos, está associada ao local de chegada (grande
maioria em São Paulo), no entanto, muitos se mudam para o Rio de Janeiro,
refletindo também no número disponibilizado pela CARJ relativo ao seu cadastro
interno de solicitantes e refugiados no Rio de Janeiro. Além disso, como o
CONARE não possui exatidão no controle da mobilidade dos solicitantes, muitas
vezes os dados não refletem a atual localização destes indivíduos, divergindo
também dos dados informados pela CARJ e pela Polícia Federal.
Tabela 10. Estado de Solicitações dos congoleses reconhecidos como refugiados pelo CONARE (maio de 2016) – Fonte: Comitê Nacional para Refugiados (maio de 2016)
Tabela 11. Refugiados reconhecidos no Brasil: nacionais da República Democrática do Congo (RDC) por local de entrevista - Fonte: Comitê Nacional para Refugiados (maio de 2016) (*RDC – refugiados que não possuem identificados no controle interno do CONARE o local de realização da entrevista de elegibilidade)
A diversidade de nacionalidades dentre as solicitações de refúgio no
Brasil, 79 nacionalidades até o primeiro trimestre de 2016, fazem com que a
impressão acerca das comunidades seja divergente na prática.
111
3. A quantidade de refugiados e solicitantes de refúgio no Rio de Janeiro
permite e facilita o conhecimento e a comunicação entre este grupo,
principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde está presente a
Comunidade Ango-Congolesa. Atualmente, estima-se que exista no Rio de
Janeiro em torno de 1000 congoleses, dentre os quais estão incluídos refugiados e
pessoas sob outras condições migratórias53.
4. Assim, ainda que os nacionais da RDC representem o grupo que mias
frequenta o ambiente da CARJ, por outro lado, estabelecem mecanismos próprios
de integração, compartilhados a partir da aproximação possibilitada pela
Comunidade Ango-Congolesa no Rio de Janeiro, os espaços de convivência, que
incluem não apenas refugiados, como será detalhado na próxima seção deste
trabalho.
5. As principais razões identificadas pelo CONARE para a saída dos
congoleses de seu país de origem (guerra, risco de morte e política) evidenciam o
cenário de violência extrema disseminado em regiões como o leste do país e
Kinshasa (identificados como principais locais de saída) e o quadro de
insegurança política instaurado no país ao longo das últimas décadas, como visto
no segundo capítulo deste trabalho.
Tabela 12. Motivações de saída da RDC (refugiados reconhecidos) – Fonte: Comitê Nacional para Refugiados (maio de 2016)
6. Por fim, a partir dos dados obtidos nas três fontes de pesquisa, no
CONARE, na CARJ e na Polícia Federal, ainda que existam informações dispares
entre eles, é possível observarmos algumas tendências no perfil dos refugiados
53 Essa informação foi obtida através do contato com congoleses no Rio de Janeiro.
112
congoleses no país, como explicitado. No entanto, enfatiza-se a necessidade do
compartilhamento dos dados entre as instituições de forma que assim o controle
interno da população refugiada no Brasil poderia ser analisada de forma mais
completa.
A seguir, faremos uma descrição e análise das políticas de assistência e
integração desenvolvidas em diferentes esferas (pública e privada), bem como por
diferentes instituições (governo federal, Estados e organizações não
governamentais).
3.3. Políticas de assistência e integração para os refugiados – avanços observados entre 2009 e 2016
Após análise da Lei 9.474/1997, os procedimentos para o reconhecimento
da condição de refugiado no Brasil, o perfil dos refugiados no Brasil e no Rio de
Janeiro, e o movimento de migração desde a RDC até o Brasil, esta seção tem
como objetivo analisar as políticas públicas desenvolvidas para os refugiados
tanto por parte do Ministério da Justiça quanto em parcerias com o ACNUR e
organizações da sociedade civil, como a CARJ.
Diante do aumento expressivo no número de refugiados e solicitações de
refúgio no Brasil, que entre 2010 e 2015 cresceu mais de 2.868%, chegando a
28.670 solicitações até 2015, o Brasil se deparou com novos desafios, tanto
internamente na forma como conseguiria prover respostas mais rápidas aos
pedidos de refúgio, bem como dando maior atenção ao desenvolvimento de
políticas públicas voltadas para os refugiados. A disposição da lei brasileira que
possui uma representação tripartite permite que as três esferas (CONARE,
ACNUR e organizações da sociedade civil) atuem na proteção, assistência e
integração dos refugiados no Brasil.
Além disso, como também considerado por Petrus (2009, p. 95),
“a composição do Comitê por representantes de diversos ministérios permite a sua atuação direta nas políticas de proteção, assistência e integração local dos refugiados e nas especificidades da forma de inclusão dos refugiados nas políticas públicas mais amplas”.
113
Isto é, considerando os membros do CONARE, quais sejam, os
representantes do Ministério da Justiça, do Ministério das Relações Exteriores, do
Ministério da Saúde, do Ministério da Educação, do Ministério da Saúde, do
Departamento da Polícia Federal e organizações da sociedade civil (CARJ, CASP
e IMDH), faz com que o desenvolvimento de políticas públicas voltadas para os
refugiados possam ser debates e construídas no âmbito do próprio Comitê, sendo
possível atribuir a estes processos a experiência que cada órgão terá
individualmente com os refugiados.
Como previsto no Art. 12, IV da Lei 9.474/1997, dentre as competências
atribuídas ao CONARE, cabe também ao Comitê, “orientar e coordenar as ações
necessárias à eficácia da proteção, assistência e apoio jurídico aos refugiados”. No
entanto, ao lidarmos com a integração local e a criação de políticas públicas
devemos também relacionar à forma como a sociedade receberá esta população.
Afinal, o local de moradia, emprego, lazer e o espaço vivido serão compartilhados
com a comunidade local. Assim,
Se é fato que nos últimos dez anos a questão dos refugiados ganhou visibilidade na sociedade brasileira em geral, nem sempre esta visibilidade contribuiu para a compreensão adequada da necessidade de se garantir a assistência aos refugiados. Por outro lado, apesar dos avanços legais obtidos com base na atuação do referido sistema tripartite e no aumento da participação ativa de entendidas da sociedade civil organizada, ainda há muitas lacunas e dificuldades a serem superadas quando se examina na prática a efetiva operacionalização das acoes institucionais e a execução das políticas (PETRUS, 2009, p. 113).
Ainda que existam lacunas, há outros pontos referentes à imagem do
refugiado frente a população local que também influenciarão em sua integração
local. Neste sentido, é importante que a questão dos refugiados seja debatida tanto
na área da academia quanto que estas informações cheguem aos brasileiros. Parte
da integração local dos refugiados é possibilidade quando se reverte a imagem
negativa que em torno desta população. Como colocado pelo Alto Comissário do
ACNUR:
O imaginário de muitas pessoas, afirma o Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados, António Guterres, ainda tende a achar que o refugiado é um criminoso, que está foragido de seu país, e não alguém que, exatamente ao contrário, teve que fugir de sua casa, de seu país, por ser perseguido ou por ser vítima de uma guerra ou de conflitos que assolam sua Pátria. Recordemos, ainda, que as mulheres e as crianças constituem um grupo duplamente vulnerável, o que
114
pode acabar por potencializar as dificuldades de integração (PETRUS 2009, p.113).
Ainda que o Brasil seja visto como um país acolhedor e com uma
população receptiva, “a solidariedade e o recomeçar para os refugiados transcende
essa acolhedora hospitalidade e pressupõe igualdade de oportunidades e de acesso
aos serviços públicos básicos, acesso à moradia e espaços laborais” (MILESI,
2008).
Diante do número total de habitantes, os aproximadamente 8 mil
refugiados reconhecidos ainda são pequena parcela diante da totalidade da
população brasileira, todavia o dia a dia dos refugiados nos mostram que as
dificuldades ainda são encontradas. Cumpre destacar que no âmbito das políticas
de integração é importante que se determine o papel de cada instituição, bem
como que estas informações cheguem até os refugiados.
A seguir serão analisadas as políticas públicas desenvolvidas pelo governo
em parceria com o ACNUR e organizações da sociedade civil, bem como os
avanços alcançados nesta área, perpassando por questões de idioma, moradia,
trabalho, saúde, educação e cultura. Cumpre mencionar, que abaixo serão
mencionadas iniciativas por parte do Ministério da Justiça e outros membros do
CONARE, em parceria com o ACNUR (através de sua participação em atividades
ou por meio do repasse de verbas à instituições da sociedade civil), nos remetendo
à chamada estrutura tripartite entre instituições estatais e não estatais. Também é
importante ressaltar que “as instituições religiosas ajudaram a construir uma
extensa rede de apoio aos refugiados no país, com base em parcerias com outras
instituições públicas e privadas” (MOREIRA, 2009, p. 93).
Por fim, cumpre mencionar que por meio do Decreto nº 42.182 e 2009,
instituiu-se o Comitê Estadual Intersetorial de Políticas de Atenção aos
Refugiados e, cuja composição foi designada pela Resolução nº 231 de 2010, da
Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos no Rio de Janeiro.
Assim, segundo própria definição contida no documento proposto pelo Comitê,
este
É coordenado pela Secretaria de Estado e Assistência Social e Direitos Humanos do Rio de Janeiro e tem como principal objetivo defender e promover os direitos doas (as) solicitantes de refúgio e refugiados (as) que vivem no Rio de Janeiro, contribuindo para buscar soluções duradouras para seus problemas. Entre suas
115
atividades estão a elaboração, implementação e monitoramento deste Plano Estadual de Políticas de Atenção aos Refugiados, a articulação de convênios com entidades governamentais e não-governamentais, e o acompanhamento dos processos de acolhimento de refugiados (as) e solicitantes de refúgio no Brasil.
O Comitê é composto pelos seguintes órgãos: as Secretarias Estaduais de
Assistência Social e Direitos Humanos, Governo, Trabalho e Renda, Saúde e
Defesa Civil, Educação, Segurança, como também a Defensoria Pública do
Estado, o Ministério Público do Estado, a Comissão de Direitos Humanos da
Assembleia Legislativa, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a CARJ, o
Fórum de Reitores do Estado do Rio de Janeiro, o ACNUR e o CONARE.
Destacam-se como seus principais eixos temáticos questões voltadas para a
documentação, educação, emprego e renda, saúde, moradia e ambiente
sociocultural e conscientização para a temática.
Assim, para que possa ser melhor acompanhado serão divididos abaixo em
tópicos cada um dos setores em desenvolvimento por meio de políticas públicas
do Estado e assistência de organizações não governamentais.
• Acesso à documentação: na condição como solicitante de refúgio, o
indivíduo tem o direito de obter o Protocolo de Solicitante de Refúgio
(que será emitido automaticamente ao solicitar refúgio em qualquer
unidade da Polícia Federal), CPF, Carteira de Trabalho e Previdência
Social (CTPS). Após o reconhecimento da condição de refugiado pelo
governo brasileiro, o indivíduo poderá obter: a CTPS e o RNE. Em
relação ao RNE, cumpre mencionar que desde outubro de 2013 a partir de
demanda da população refugiada no Brasil houve uma mudança no RNE
do refugiado, assim, o termo “refugiado” foi substituído por “residente”
neste documento. Essa medida pode ser vista como um avanço positivo,
visto que muitos refugiados residentes no Brasil argumentavam que o
termo “refugiado oferece margem a interpretações incorretas,
dificultando, principalmente, o acesso ao mercado de trabalho e a
integração socioeconômica no país”.54
• Por fim, a partir da RN do CONARE N. 21 (21 de setembro de 2015)
também possibilitou que a cédula de identidade de estrangeiro (CIE) 54 Ministério da Justiça e Cidadania – Governo Federal. Nova cédula de identidade de refugiados facilitará integração dos estrangeiros no Brasil. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/noticias/nova-cedula-de-identidade-de-refugiados-facilitara-integracao-dos-estrangeiros-no-brasil> Acesso em: 20 mai. 2016.
116
passasse a ter validade de dois para de cinco anos e, posteriormente foi
obtida a isenção das taxas de registro e de emissão da CIE para
refugiados55.
• Direito à saúde: solicitantes de refúgio e refugiados têm direito a acessar
qualquer hospital do sistema público de saúde (SUS), e desde 2006, o
Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro (HSE) foi designado
pelo Ministério da Saúde como Centro de Referência para a Saúde dos
Refugiados (PETRUS, 2014, p. 145 e MILESI, 2008). Além disso,
consegue-se o fornecimento de medicamentos a partir de verba concedida
pelo ACNUR (MOREIRA, 2009, p. 93). Por fim, atualmente a CARJ
também possibilita o acompanhamento psicológico por meio de uma
psicóloga contratada pela instituição, o que permite não apenas o
acompanhamento por meio de assistentes sociais aos solicitantes em
situações de vulnerabilidade maior, com sinais de traumas psicológicos
em razão da violência ou guerra que viveram, mas também que tenham a
oportunidade desde o momento de sua chegada de obter um
acompanhamento psicológico.
• Direito à alimentação e moradia: atualmente é viabilizado aos refugiados o
acesso aos Benefícios de Prestação Continuada (BPS), além disso podem
ter acesso ao Bolsa Família e o programa “Minha Casa Minha Vida”. No
que diz respeito à moradia, atualmente existem duas unidades de Centros
de Referência e Acolhida de Migrantes e Refugiados (CRAI) em São
Paulo, inaugurados em 2014 e 2015 e, está em andamento a abertura de
dois novos CRAIs no Rio Grande do Sul e em Florianópolis, entretanto
ainda não houve a abertura de CRAIs no Rio de Janeiro. A cidade do Rio
de Janeiro também não possui abrigos públicos para a população
refugiada, e frequentemente o auxílio em relação a moradia se dá entre os
próprios refugiados e solicitantes de refúgio. Atualmente, a Igreja São
João Batista recebe parte desta população e os congoleses concentram-se
em bairros como Brás de Pina, Irajá e Central.
55 ACNUR: Resolução Normativa Nº 21, de 21 de setembro de 2015. Disponível em: <http://noxer.com.br/acnur_cd/wp-content/uploads/2015/11/MENU-2u-RN-21.pdf> Acesso em: 20 mai. 2016.
117
• Direito ao emprego e renda: Parceria da CARJ com empresas privadas,
para o conhecimento da população refugiada e divulgação de abertura de
vagas. Em 2015, foi publicada Cartilha sobre direitos e benefícios
disponíveis para os refugiados e solicitantes de refúgio.
• Direitos à educação: Famílias com crianças na idade da educação primária
podem matricular seus filhos na rede pública de ensino, bem como em
creches. Facilitação do processo de revalidação de diplomas expedidos
por estabelecimentos estrangeiros de ensino superior. Em 2016, de acordo
com dados publicados em maio de 2016, houve a abertura de vagas de
vestibular para refugiados e a concessão de bolsas de estudos na
instituição Mackenzie. Até 2014, apenas oito instituições haviam firmado
convênio com o ACNUR para o desenvolvimento de projetos com
refugiados, dentre eles, a inclusão no ensino superior. Dentre as
instituições públicas estão a Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Universidade Federal de São Carlos, Universidade Federal do Amazonas,
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Dentre as particulares estão a
Unisantos, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Universidade
do Vale do Rio dos Sinos, Centro Universitário de Vila Velha e Uninorte.
Por fim, a Resolução 03/98, da Universidade Federal de Minas gerais
(UFMG), baseada na lei 9.474/1997, junto à Secretaria de Educação
Superior do Ministério da Educação, garantiu o acesso de refugiados aos
cursos do ensino superior, mediante documentação expedida pelo
CONARE (PETRUS, 2009, p. 117).
• Idioma: A CARJ em parceria com a (Universidade do Estado do Rio de
Janeiro) UERJ – Letras oferece cursos de língua portuguesa para
solicitantes e refugiados. Foram criadas 600 vagas iniciais no
PRONATEC língua portuguesa em acordo entre a Secretaria Nacional de
Justiça e a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica, dentre as
quais já foram abertas 200 vagas em São Paulo e 200 vagas no Rio de
janeiro.
Para além das medidas anteriormente mencionadas, a CARJ por meio de
convênios com o ACNUR e o Ministério da Justiça, promove cursos de artesanato
voltados, principalmente, para mulheres, em aulas que ocorrem duas vezes na
semana e grupos formados semestral ou anualmente. O curso possibilita tanto uma
118
integração e conhecimento entre as mulheres solicitantes de refúgio e refugiadas,
bem como o desenvolvimento de habilidades para a confecção do trabalho
manual. Como resultado deste trabalho, há alguns anos o grupo de alunas
participa na Feira da Providência que ocorre anualmente no Rio de Janeiro e
permite a exposição e venda do material produzido. Além disso, é possível obter
um auxílio de custa mensal, que atualmente é direcionado às pessoas numa
situação mais vulnerável.
Em 2005, foi estabelecida uma rubrica no orçamento da União destinada à
acolhida dos refugiados, tendo a partir de 2007 contado com um valor mais
expressivo e contribuído “significativamente para ampliar a ação, através de
convênios e parcerias com a sociedade civil, no atendimento e integração dos
refugiados” (MILESI, 2008).
Em fevereiro de 2016, o Ministério da Justiça e o ACNUR firmaram parceria
com o intuito de promover o planejamento de ações que possibilitem o apoio e
fortalecimento à acolhida, proteção, assistência, integração, comunicação e
sensibilização, abrangendo os refugiados, solicitantes de refúgio e pessoas do
Programa Brasileiro de Reassentamento Solidário56.
Em Diagnóstico Participativo promovido entre ACNUR e CARJ em outubro
de 201457, que consiste na consulta participativa à população de solicitantes e
refugiados na cidade do Rio de Janeiro, no qual temas são debatidos entre eles e
os próprios refugiados colocam suas dificuldades, demandas e lacunas. São
apresentados alguns temas facilitação e condução do debate e a partir de suas
falas, são propostas melhorias no âmbito do Estado e das instituições parceiras.
Assim, nesta ocasião, a consulta foi realizada com um grupo de cerca de 50
pessoas de diferentes nacionalidades, os quais foram separados em três grupos
homens nacionais de países africanos, mulheres nacionais de países africanos e
um terceiro grupo composto por demais nacionalidades. Cumpre mencionar que a
divisão ocorreu entre estes três grupos em razão da quantidade de pessoas que
estavam presentes no momento, e como a maior parte da população de refugiados
56 ACNUR: Brasil tem quase 9 mil refugiados de 79 nacionalidades. Publicado em: 10 mai. 2016. Disponível em: <http://www.acnur.org/t3/portugues/noticias/noticia/brasil-tem-quase-9-mil-refugiados-de-79-nacionalidades/> Acesso em: 20 mai. 2016. 57 Esses dados foram coletados a partir da participação e observação do Diagnóstico Participativo que ocorreu em outubro de 2014, na CARJ. O Diagnóstico é feito anualmente por meio de uma parceria entre ACNUR e CARJ, com o objetivo de coletar informações e desafios a partir da demanda colocada pelos próprios refugiados.
119
no Rio de Janeiro é atualmente composta por congoleses (e cabe ressaltar que são
os que estão mais presentes nas atividades oferecidas pela CARJ), foi proposta tal
divisão.
Assim, dentre os principais temas escolhidos para debate por eles foram:
habitação, saúde, emprego, educação e idioma. Cumpre mencionar que o tema que
norteou e simbolizou o ponto de partida para esta conversa foi a questão do
idioma, dado como o elemento de maior dificuldade para os refugiados e
solicitantes. Ainda que sejam disponibilizadas aulas de português para todos que
residem no Rio de Janeiro, muitos demonstram a dificuldade em na prática
desenvolver a fluência do idioma. Ao mesmo tempo, os que conseguem emprego
mais rapidamente, acabam por não poder participar mais das aulas de português,
devido ao horário de trabalho requisitado, o que também se apresenta como um
obstáculo.
As dificuldades em relação ao acesso ao mercado de trabalho perpassaram
dois pontos centrais: o idioma, como mencionado anteriormente, e o não
conhecimento da população refugiada e dos direitos acessados por eles por
empresas, sendo assim, muitos locais não aceitam o Protocolo de Solicitação de
Refúgio, enquanto outros não tem conhecimento sobre a possibilidade de trabalho
permitida aos refugiados e solicitantes de refúgio por meio da CTPS. Além disso,
muitos que possuem formação acadêmica e profissional obtidas em seus países de
origem, em grande parte das vezes, não conseguem exercê-la.
A dificuldade enfrentada para se comunicarem (em razão do idioma), bem
como o não completo conhecimento dos direitos trabalhistas que contemplam a
população em situação de refúgio no Brasil estão entre os principais elementos
que fazem com que os trabalhos obtidos por essa população sejam mais voltados
para o setor informal. Assim, é comum que muitas pessoas em situação de refúgio
no Brasil trabalhem como garçons, em salões como cabeleireiros e manicures,
vendedores de produtos nas áreas centrais das cidades, ou na área de limpeza.
Em relação às questões voltadas para a educação, estas aparecem de duas
formas: uma voltada para a população mais jovem que enfrenta dificuldades no
acesso aos cursos de graduação e, tendo em vista a dificuldade com o idioma,
postergam a entrada no ensino superior ou médio. A segunda maneira como esta
questão surge é uma demanda a partir do grupo de mulheres, que enfrentam
dificuldades em matricular seus filhos nas escolas primárias e creches,
120
principalmente nestas últimas, em detrimento do número de matrículas aceitas
anualmente. Isto ocorre em escolas próximas às suas residências, fazendo com
que tenham que buscar em bairros mais afastados ou se dedicar exclusivamente às
crianças, o que dificulta sua busca por emprego.
Em relação à saúde são colocadas as dificuldades e demora no atendimento
em unidades do SUS, e o acesso aos medicamentos, que em algumas situações é
possível receber o auxílio de uma quantia da CARJ. Por fim, em relação à
moradia, são colocadas questões como a necessidade de se ter um fiador para o
aluguel de casas no Rio de Janeiro, e a medida em que não conhecem a população
local tem maior dificuldade na locação de apartamentos. Além disso, são também
colocadas questões em relação ao valor dos alugueis na cidade, e a não existência
de um abrigo aos refugiados.
Diante do quadro acima é possível identificar avanços na temática de
implementação de políticas públicas de assistência e integração, no entanto ainda
existem lacunas a serem preenchidas, tendo em vista que o aumento da população
na condição de refugiados no Brasil fazem com que haja também o aumento nas
demandas por parte da população ao Estado. Assim,
“a ênfase é colocada geralmente sobre os aspectos tangíveis e quantificáveis do processo de integração local. Ainda que muitos comentadores já tenham sublinhado a importância da interação entre as dimensões funcionais, sociais, culturais, e questões de outras naturezas, o foco sobre o que se refere às politicas públicas têm permanecido sobre a esfera funcional – área na qual o Estado é visto como o agente mais influente” (PETRUS, 2009, p.116-117).
No entanto, tão importante quanto as políticas implementadas pelo Estado e
instituições parceiras, é essencial que haja uma conscientização por parte da
população em geral, para que seja disseminado o conhecimento acerca dos
refugiados no Brasil. Um dos principais desafios que se identificam ao tratarmos
da “integração local” dos refugiados está, como exposto por Moreira,
Eles se sentem discriminados pela população local. A sociedade brasileira não sabe precisamente o que é um refugiado, e eles são frequentemente percebidos como ‘fugitivos’ da justiça, tornando sua integração social e o acesso ao mercado de trabalho mais difíceis (MOREIRA & BAENINGER, 2010, p. 48-49)
Por outro lado, é comum que os refugiados também expressem que se
sentem “acolhidos” e “bem recebidos” pela população brasileira. No entanto,
121
entende-se que avanços foram feitos em relação à implementação e criação de
políticas públicas para os refugiados, entretanto é sempre importante que haja a
integração entre o Estado Brasileiro, ACNUR e organizações da sociedade civil,
no sentido em que é este último que possui o contato mais direto e contínuo com
os solicitantes de refúgio e refugiados no Brasil.
As campanhas de sensibilização direcionadas à população nacional do país
de acolhida são relevantes no sentido que permitem que as políticas de
acolhimento possam ser implementadas de forma mais satisfatória e com maior
aceitação da sociedade local (que é de onde serão providos empregos, acesso à
educação, um bom atendimento na rede SUS, entre outros). Ao longo do segundo
semestre de 2015 houve uma campanha de sensibilização sobre migração nas
redes sociais do Governo Federal, e da mesma forma, as redes sociais têm servido
como espaço de mobilização e conhecimento das instituições estatais e não
estatais que trabalham com refúgio no Brasil. Por fim, foi também por meio das
redes sociais, que a CARJ tem atuado na busca por mobilização de doações de
alimentos, roupas, equipamentos para a população em geral, e outros suprimentos.
Neste sentido, a análise das políticas públicas de assistência e integração
voltadas para os refugiados nos permite refletir sobre a importância dos avanços
que foram alcançados dentre dos últimos cinco anos, tendo em vista o aumento
exponencial do número de refugiados e solicitantes de refúgio no Brasil. É
também reforçado o papel do Estado e das instituições não governamentais no
auxílio na implantação e conquista desses avanços. Todavia, é necessário
sobretudo estar aberto a ouvir as demandas da própria população refugiada, quem
diretamente usufruirá e ser beneficiado por essas medidas.
Tendo isto em mente, a próxima seção permitirá uma análise aprofundada
da forma como as redes sociais e a integração entre a própria comunidade permite
avanços nas lacunas que ainda precisam ser preenchidas pelas instituições estatais
e não estatais. Como tem sido feito ao longo deste trabalho, o enfoque será dado
primordialmente aos refugiados congoleses na cidade do Rio de Janeiro,
considerando que representam a maior parte da população em condição de refúgio
ou como solicitantes, nesta cidade.
122
3.4. O processo de reterritorialização e o papel das redes sociais desde a saída do país de origem Após analisarmos a forma como a lei de refúgio no Brasil é aplicada, tendo em
seguida, sido apresentado um perfil dos solicitantes de refúgio e refugiados no
Brasil e, por fim, termos feito uma análise das políticas de integração e inserção
desta população no Brasil, esta seção terá como objetivo analisar o trajeto
percorrido pelos congoleses, desde sua saída da RDC até sua chegada ao Brasil, e
de que forma esta rota já simboliza o início de seu processo de reterritorialização,
uma não total desterritorialização e a inserção deste indivíduo nas redes de
integração criadas por sua própria comunidade.
Para isto, não devemos apenas analisar o local de destino deste indivíduo,
mas também seu local de origem e o trajeto percorrido entre esses dois lugares. O
processo de desterritorialização e reterritorialização do refugiado se dá desde o
momento em que sai do seu país de origem (e se desterritorializa) até o momento
posterior no local de chegada (onde buscará sua reterritorialização), porém é
importante que ao analisarmos o sujeito, não seja colocado de lado o “meio do
caminho”, a rota percorrida, os obstáculos enfrentados e o planejamento para
deixar o país, para que no fim se chegasse ao destino final. O processo de
desterritorialização e reterritorialização será visto como um par dialético que
estará em permanente processo de construção e transformação.
A rota de imigrantes africanos para o Brasil não é algo novo na história
brasileira, e há décadas este movimento é observado tanto via marítima quanto via
aérea. Atualmente, o mesmo cenário se reflete nas solicitações de refúgio no
Brasil, principalmente com nacionais da África chegando ao Brasil de navio. A
partir das solicitações de refúgio, conversas com assistentes sociais na CARJ (ao
longo de 2014 e início de 2015), bem como com solicitantes de refúgio no
ambiente da CARJ ao longo do ano de 2014, é possível notar que muitos
congoleses ainda chegam ao Brasil pelo transporte marítimo, muitas vezes por se
tratar da única opção para deixar o país em um curto espaço de tempo.
O trajeto percorrido por estes navios ainda é obscura, e não existem
informações precisas acerca da rota traçada, do tipo de navio e da maneira como
estas pessoas conseguem acessar este meio de transporte, seja ele feito vias
regulares ou irregulares. A consequência deste quadro é que grande parte da
123
população proveniente da África chega ao Brasil sem portar documentos de
identidade e com poucas economias, os colocando numa situação ainda mais
vulnerável.
As dificuldades que estas pessoas enfrentam tem início em seu país de
origem, colocando o indivíduo frente ao desafio de abandonar sua nação em busca
de uma maior proteção e sua vida e melhores condições de vida. No entanto, estes
se submetem a diversos obstáculos e dificuldades ao longo deste percurso e no
momento de chegada ao país de origem. Estes desafios são por vezes
inimagináveis, porém as motivações que as levam a deixar seus países de origem
e a esperança de encontrar “uma situação melhor num território desconhecido” se
mostra tão forte que o trajeto a ser percorrido, por mais doloroso que possa ser, se
torna secundário perto das razoes que lhe motivaram a sair de seu país de origem.
A partir de conversas realizadas durante o ano de 2014 e início de 2015
com solicitantes de refúgio e refugiados no ambiente da CARJ, com a
coordenadora da CARJ, Aline Thuller, com assistentes sociais, bem como a partir
de relatórios publicados pelo ACNUR e pelo CONARE, foi possível traçar um
perfil dos solicitantes e destacar fatores que podem auxiliar na análise acerca do
movimento entre a decisão de deixar seu país de origem (motivados por uma
causa que o obrigam a sair), bem como a chegada a um novo território. Este novo
destino é representado por um Estado que deverá acolhê-los e também como
sinônimo da esperança de recomeço de sua vida.
Dentre as duas principais motivações para a saída da RDC estão motivos
de “guerra ou risco de morte” e “grupo social, familiar ou outros”. Em seguida,
aparecem como motivações aspectos “econômicos”, “religiosos” ou de “raça” e
casos de reunião familiar58. Assim, o detalhamento das motivações que norteiam
os pedidos de refúgio de congoleses no Brasil, permite que seja feita uma análise
tanto da condição deste indivíduo na sua chegada ao Brasil, como também os
motivos de saída e as opções de rota, que por sua escolha ou não, trouxe estas
pessoas ao Brasil.
Acerca do local de saída tem-se que grande parte desta população sai do
leste do país (regiões de Norte Kivu e Kivu Sul), locais que são historicamente
58Estes dados foram colhidos a partir de dados do CONARE, em maio de 2016.
124
marcados por conflitos étnicos, políticos e interesses econômicos. Como visto ao
longo do segundo capítulo deste trabalho.
Para a população que está localizada na região leste do país, uma das
principais rotas utilizadas é a marítima, por meio de um trajeto terrestre que
perpassa por Uganda até o Quênia, com o navio saindo de Mombasa, ao extremo
sudoeste do país. Informações acerca destas rotas até o Brasil não são facilmente
encontradas. Com base em pesquisas realizadas a partir de relatórios publicados
pela Organização Internacional para Migração (OIM)59 e pelo UK Border
Agency60, observamos que a África é vista como um continente que representa
um desafio em termos de identificação e capacitação, dado que maior parte dos
imigrantes entra e sai dos países através de áreas remotas dos pontos de passagem
de fronteira (Border Crossing Points – BCP) os quais nem sempre possuem
infraestrutura, acesso à internet e outros serviços.
Em estudo recente publicado pela OIM, estima-se que entre 17 e 20.000
migrantes africanos do sexo masculino são levados do Chifre da África para o sul,
por ano, por meio de rotas marinhas e terrestres ao leste. Todavia, existem poucos
documentos sobre os fluxos de migração mista dos Grandes Lagos. Desde meados
dos anos 1990, o cenário instável no leste da RDC gerou grande fluxo de
refugiados para países fronteiriços, tendo Tanzânia, Uganda, Ruanda e Burundi
abrigado considerável população congolesa (aproximadamente 60.000 em cada
país e 20.000 no Burundi). Apesar das eleições em 2006 e do Tratado de Paz que
buscou por fim à segunda guerra congolesa, como visto anteriormente, muitas
regiões permaneceram como palco de casos de violência generalizada e
deslocamento forçado, sobretudo, perpetrados pelo LRA (Exército de Resistência
do Senhor), no norte da RDC.
Desde os anos 1990 houve significativo crescimento no movimento de
congoleses para a África do Sul. A composição demográfica deste fluxo que se
59IOM; The Immigration and Border Management Programme; Publicado em: julho de 2011. Disponível em: <https://publications.iom.int/system/files/pdf/ibm_newsletter_july2011_28jun_final.pdf>. Acesso em 29 de jan. 2016. 60United Kingdom: Home Office, Country of Origin Information Report - Democratic Republic of Congo. Publicado em: 21 de maio de2008. Disponível em: <http://www.refworld.org/docid/483535ce2.html>. Acesso em: 22 de jan. 2016.
125
percebe em direção à África do Sul é composto, majoritariamente, por jovens do
sexo masculino, de origem urbana e classe média61.
Ainda em relação ao fluxo de saída da RDC, este possui fronteira com
outros nove países, o que influencia o contorno dos movimentos migratórios
oriundos do país. Como por exemplo, foram observados movimentos sazonais e
temporários para a Angola (em razão de empregos para se trabalhar em minas de
diamante), para o Burundi e Ruanda, refletindo padrões de migração econômica e
dinâmicas de deslocamento forçado. Ainda de acordo com a OIM, estes
movimentos são dinâmicos e as rotas seguidas por contrabandistas estariam em
frequente mudança, com o intuito de evitar controles de fronteira e pontos
estabelecidos para interceptar imigrantes irregulares. Os custos associados a tais
movimentos variam consideravelmente e dependem do destino final e da
modalidade de transporte.
O número de imigrantes das regiões dos Grandes Lagos que viajam por
terra é alto, visto que para chegar a países com saída para o mar no continente,
precisam cruzar de um a mais países. Tais percursos circulariam por Uganda,
Ruanda, Burundi, Zâmbia, Malawi, Moçambique e Zimbábue, refletindo a
maneira como atravessam tais fronteiras, em alternância com caminhos não
oficiais. Estes trajetos são, frequentemente, feitos em ônibus, caminhões,
contêineres, carros ou a pé. Assim, este trajeto se inicia em grupos pequenos, e ao
longo do percurso vão aumentando, tendo em vista a minimização de custos,
entrecruzando imigrantes de diferentes países, com destinos e objetivos distintos.
Em relatório publicado em 2012, pela OIM, observou-se que a África do Sul era o
principal destino dos movimentos provenientes do Chifre da África e dos Grandes
Lagos, no entanto, muitos desejavam como destino final, a América do Norte e a
Europa62.
O Quênia tornou-se importante centro de origem, de destino e de
passagem da imigração regular em direção à África do Sul, ao Oriente Médio e à
África do Norte, África do Oeste, à Europa e à América do Norte. O país oferece 61Long, Katy and Crisp, Jeff (2011) In harm's way: the irregular movement of migrants to Southern Africa from the Horn and Great Lakes regions. New issues in refugee research, Research paper no. 200. United Nations High Commissioner for Refugees, Geneva, Switzerland. Publicado em: agosto de 2012. Disponível em: <http://eprints.lse.ac.uk/38311/ > Acesso em: 29 de jan. 2016. 62 IOM; In Pursuit of the Southern Dream: Victims of Necessity Assessment of the irregular movement of men from East Africa and the Horn to South Africa. Publicado em: abril de 2009. Disponível em: <http://publications.iom.int/system/files/pdf/iomresearchassessment.pdf> Acesso em 29 jan. 2016.
126
linha aérea direta com a Europa, e indireta com países africanos e o Oriente
Médio, além da rota marítima da Ásia para a Europa, por meio da África do
Oeste. De Nairobi é possível ainda obter documentos de viagem para o Canadá,
Estados Unidos, Europa e África do Sul, por um preço que não é informado,
porém não, necessariamente, o aeroporto de partida estaria na mesma cidade63.
Entretanto, a emigração de congoleses em direção ao Brasil foi um fluxo
construído durante as últimas décadas, isto pois, fatores externos, como políticas
de restrição e contenção, bem como o discurso em direção à “criminalização da
imigração e dos imigrantes” afetam diretamente os solicitantes de refúgio e
refugiados. Isto é, o recrudescimento das fronteiras políticas de países europeus,
bem como de suas políticas de Estado diante da recepção de imigrantes e
refugiados, fizeram com que novas rotas fossem surgindo. Para além disto, os
custos para se chegar até o Brasil também se mostraram mais em conta.
É comum em conversas com congoleses refugiados e solicitantes de
refúgio no Rio de Janeiro, eles mencionarem ter vindo de navio, entretanto não
tinham conhecimento de qual seria o destino final dos mesmos (alguns
acreditavam que estariam indo em direção à Europa), bem como não sabem o
trajeto pelo qual o navio perpassou. Além disto, como tais rotas não são oficiais e
não é possível obter informações detalhadas acerca das mesmas, assim muitos
relatam ter chegado “escondidos” em navios de carga ou que por meio de
conhecidos que trabalhavam nos navios e conseguiram entrar nos mesmos.
Ainda que estas decisões possam ser tomadas às pressas, quando a pessoa
está diante de uma situação de conflito armado na região em que vive e deixa seu
país de origem de maneira forçada, deve-se considerar que não apenas a
motivação principal para esta saída, mas também as condicionantes que a tornam
possível. Seja por via marítima (irregular) ou por via aérea (que por vezes inclui a
utilização de documentos falsos), o indivíduo precisa passar por um mínimo de
planejamento, isto inclui obter economias para pagar pelo trajeto possível, ou seja,
recursos financeiros que cubram tanto a rota interna (por meio de outros países no
continente africano), como também a rota em direção a outro continente. Ao
mesmo tempo, caso a pessoa opte pela via aérea pode necessitar de um
63 IOM; Migration in Kenya: a Country Profile 2015. Publicado em: 2015. Disponível em: <http://publications.iom.int/system/files/pdf/migration_profile_kenya.pdf> Acesso em: 29 de jan. 2016.
127
planejamento ainda mais longo. Primeiro, pois, por vias regulares, é necessário a
obtenção de um passaporte válido e o visto de entrada para o país de destino, ou
quando o indivíduo só encontra a opção de pagar para obter um documento falso e
embarcar o mais depressa possível.
O Brasil torna-se um destino mais facilmente escolhido pelos imigrantes
na medida em que se apresenta como uma rota mais acessível economicamente a
eles, e ao mesmo tempo, um país que internacionalmente, possui uma imagem
construída no entorno de sua política de “solidariedade, receptividade e abertura
aos imigrantes”. Por outro lado, quando se opta pelo Brasil sabendo de todas estas
possibilidades, sabe-se também que muitos imigrantes contam com uma rede de
apoio familiar ou de redes de conhecidos (políticos, na área em que trabalhavam,
etc), que os auxiliam na obtenção dos documentos, na espera pela resposta dos
pedidos de visto, ou até mesmo na escolha pela rota mais segura.
As dificuldades e barreiras que serão encontradas no país de destino são
reais e permeiam o pensamento de todos os imigrantes, tendo em vista que estarão
indo de encontro a novos lugares, com distinta cultura, costumes, idiomas, meios
de subsistência. No entanto, ainda que todos os obstáculos tenham sido expostos e
por eles enfrentados, coube a cada um deles tomar e assumir tal decisão. Isto, por
sua vez, traz à tona novamente, o quão importantes e ativos enquanto sujeitos eles
representam seu próprio movimento de saída e chegada em novos destinos.
Tomar decisões como estas, envolvem não apenas as dificuldades
territoriais, no sentido empírico do termo, usado por Haesbaert, a partir da noção
de território enquanto relações de poder, e neste sentido podemos entender, como
as relações de poder intrínsecas nestas rotas e nos atores que as compõem, quais
sejam: as fronteiras políticas; a necessidade de mudar uma rota em razão da
barreira e controle da fronteira por policiais nacionais; os tratados e convenções
internacionais que impõem a necessidade de um documento que permite a
passagem para o território do país vizinho. Os Estados impondo suas políticas de
movimento em seu território e a forma como estas devem ser feitas. Por outro
lado, estas decisões reforçam o indivíduo enquanto sujeito ativo neste processo,
pois caberá a ele assumir tal postura e ultrapassá-la, vivenciar suas dificuldades e
barreiras em busca de melhores condições de vida e de uma realidade em que sua
vida não esteja em perigo ou que não esteja frente a uma situação de perseguição
individual.
128
Desde este momento, ainda em seu país de origem, surge a importância
das redes sociais, tanto para tornar este planejamento possível, quanto para a
análise das opções de destino que lhe são “ofertadas”.
Aqui pensaremos em redes, em duas instâncias, o espaço geográfico como
o espaço das redes, tal qual sugerido por Balandier, e citado por Haesbaert, assim
“(...) num mundo de crescente fluidez e de territórios múltiplos, sobrepostos, é que se impõem as desiguais geometrias de poder da mobilidade – a mobilidade como um diferenciador social – e onde a preocupação com o controle dos fluxos se torna mais relevante. A própria fixação de limites, como na proliferação contemporânea de novos muros, em múltiplas escalas (...), ocorre simultaneamente à crescente produção dos espaços em rede” (HAESBAERT, 2014, p.104).
Assim, a esta interpretação temos a territorialização concebida como
“dinâmica concreta de domínio e/ou apropriação do espaço pelo exercício de
poder”, quando passamos a olhar para o território e observar sua formação e
diferenciação a partir das “desigualdades político-econômicas” e das “diferenças
de ordem simbólico-cultural” (HAESBAERT, 2014, p.104). Pode-se perceber as
relações de poder que influenciam na mobilidade destes indivíduos desde o
momento em que deixam seu país, durante o trajeto até o destino final.
Ao mesmo tempo, a teoria das redes sociais, já surgem desde o momento
de saída das pessoas. Os indivíduos enquanto sujeitos ativos no seu próprio
processo – a relação simbólica com o território – em que claramente, uma pessoa
que deixa seu país de origem em razão de uma perseguição ou por riscos de vida,
não prevê quando poderá retornar, diferentemente de uma migração voluntária.
Sendo assim, é um movimento que depende de decisões que influenciarão
diretamente na vida desta pessoa e em suas memórias, identidade territorial,
social, cultural, para com seu lugar de origem. Deixar o país de origem expressa,
ao mesmo tempo, a busca por melhores condições de vida, mas também, um
imaginário no entorno do que irá se encontrar neste percurso e no destino final.
Por fim, cumpre mencionar que não são todos os refugiados vindos da
RDC que utilizam o transporte marítimo, mas há também os que chegam via
avião, frequentemente de Kinshasa. Isto se dá, principalmente, com pessoas que
vivem na capital, ou adjacências, dado a facilidade de acesso ao aeroporto
internacional, ou até mesmo quando o congolês possui meios para obter o
passaporte e o visto necessário para entrar no Brasil.
129
Neste sentido, ao pensarmos no movimento desde a saída do país de
origem até a chegada ao país de destino, este não pode ser visto como automático,
mas sim um processo que desde o momento em que o sujeito assume esta decisão
passa a lidar com os desafios que lhe serão colocados. Podemos então perceber a
importância do movimento e da forma como o processo de desterritorialização
começa desde o momento em que esta pessoa tomou a decisão de deixar seu país.
No entanto, devemos entendê-lo como um processo dialético, no qual ao
mesmo tempo que se passa por uma experiência de desterritorialização, a
reterritorialização para a ocorrer simultaneamente. E ainda, não significa que ao
chegar ao país de acolhida o indivíduo estará desterritorializado, pois como visto,
isso não implica apenas no território físico, mas principalmente, aos elementos da
memória, dos traumas, dos costumes. Analisar o movimento de saída e entrada em
um novo país quando estamos diante de um fluxo de refugiados é de extrema
relevância, dado que estão inseridos em um contexto de migração forçada. Ao
deixarem o país de origem em razão de uma perseguição ou possibilidade futura
de sofrer algum dano ou perseguição, já caracteriza este movimento de forma
distinta ao que ocorre em migrações voluntárias.
É comum que famílias não migrem todas de uma vez, então um membro é
escolhido para deixar o país e os demais o encontraria posteriormente. Além
disso, numa situação de guerra, é possível que estes indivíduos deixem para trás
suas casas, seus pertences e o que permanece é a memória e a identificação com a
vida que tinham e que forçadamente teve que ser colocada de lado. Assim, os
refugiados enquanto sujeitos ativos devem ser vistos como protagonistas deste
movimento desde de sua saída até sua chegada e, posteriormente, na integração
local. A seguir será dada maior ênfase aos mecanismos criados pelos próprios
refugiados que favorecem sua melhor inserção na comunidade de acolhida.
3.5. O papel de redes sociais como mecanismo de auxílio na integração local dos congoleses no Rio de Janeiro
A proposta de analisar a integração local dos refugiados congoleses no Rio
de Janeiro, ocorre de forma conjunta à análise da importância de ser dada “voz” e
participação a esta população em seu processo de inserção na comunidade de
acolhida. Assim, tendo em vista o objetivo específico deste capítulo, qual seja,
130
analisar a aplicação da legislação brasileira no que concerne aos rebatimentos na
inserção dos refugiados no país, tomando como exemplo os congoleses na cidade
do Rio de Janeiro, esta seção tem como objetivo analisar como se dá a integração
local dos refugiados congoleses nesta cidade e os mecanismos criados por eles
próprios para propiciar uma melhor inserção no novo território. Isto será
possibilitado a partir de pesquisa qualitativa realizada no âmbito da CARJ, bem
como a partir de trabalhos e pesquisas já publicadas acerca da integração local
desta população e suas dificuldades. Ademais, esta análise se apoiará em
conceitos como o das redes sociais e de reterritorialização, para que possamos
analisar como se dá a integração social dos refugiados congoleses no âmbito do
território físico e simbólico. Por fim, engloba-se a esta discussão a importância de
darmos “voz” aos refugiados durante seu processo migratório e de chegada ao
país de acolhida.
Com base na análise acerca do perfil dos congoleses na cidade do Rio de
Janeiro, tem-se que este é um grupo em destaque na referida cidade. Isto é
demonstrado a partir dos dados quantitativos da população congolesa, como visto
na seção anterior, bem como a partir da observação de sua presença nos ambientes
comuns entre os refugiados, como a CARJ e a partir de sua ocupação territorial e
meios de integração entre a própria comunidade. A análise dos mecanismos de
integração locais criadas por esta população será proposto a partir da aplicação da
teoria das redes sociais e do conceito de reterritorialização do refugiado no local
de destino.
Nesse momento, retornamos ao conceito de território, tal qual analisado
como Haesbaert, com uma dupla conotação, tanto simbólica quanto material.
Assim, não seria visto apenas enquanto território construído a partir das relações
de poder, mas também o território enquanto espaço vivido, onde se estabelece a
identidade territorial. Tal qual proposto pelo autor, “o território e a
territorialização devem ser trabalhados na multiplicidade de suas manifestações –
que é também e, sobretudo, multiplicidade de poderes, neles incorporados através
dos múltiplos agentes/ sujeitos envolvidos” (2005, p. 6776).
Com isso, o território a ser observado nos processos de desterritorialização
e reterritorialização consiste no território que dá significado ao lugar, que é vivido
pelos refugiados, neste caso, e que serão identificados por eles próprios como seus
novos locais de identificação. No entanto, este processo deve ser visto também
131
como múltiplo e permanente, de forma que nunca será fixado a apenas uma
realidade, pois a partir das relações sociais vividas neste espaço, bem como as
trocas no espaço vivido, propiciarão diferentes experiências em um mesmo
território para diferentes pessoas. Assim, Todo território é, ao mesmo tempo e obrigatoriamente, em diferentes combinações, funcional e simbólico, pois exercemos domínio sobre o espaço tanto para realizar ‘funções’ quanto para produzir ‘significados’. O território é funcional a começar pelo território como recurso, seja como proteção ou abrigo (‘lar’ para o nosso repouso), seja como fonte de ‘recursos naturais’ – ‘matérias-primas’ que variam em importância de acordo com o(s) modelo(s) de sociedade(s) vigente(s) (como é o caso do petróleo no atual modelo energético capitalista (2005, p. 6776).
O processo de reterritorialização deve ser visto como algo permanente no
movimento migratório, tendo em vista que a partir do momento em que um
indivíduo deixa seu país de origem – seja na condição de refugiado ou como
migrante forçado – este já pressupõe o início de sua reterritorialização no país de
acolhida. Este movimento se dá tanto em relação ao território físico, tendo em
vista o deslocamento geográfico pressuposto numa migração, mas também uma
reterritorialização no sentido simbólico do conceito de território. A
desterritorialização ocorre desde o momento que o indivíduo deixa seu local de
origem e emigra, à medida que sua reterritorialização já se inicia neste mesmo
momento. Reterritorializar-se implica tanto nas relações de poder que o novo
território coloca na pessoa, como também na criação de uma identidade com o
espaço vivido. A identificação com a população local, as tradições deste lugar, o
idioma, a interação, entre outras características.
Ao mesmo tempo em que ocorre esse processo de reterritorialização, há
também a integração e interação entre estas pessoas, que pode ser analisada à luz
das redes sociais, como meio de possibilitar esta interação, não apenas no local de
chegada, mas também desde o país de origem. A teoria das redes sociais associada
ao movimento migratório, apresentará ao mesmo tempo, suas especificidades no
âmbito do refúgio. Assim, a construção das redes sociais podem ser vistas a partir
de três vieses, a partir de Ramella que define a criação de redes sociais a partir da
mobilização entre os migrantes de “recursos relacionais”, ou seja, relações
pessoas que permitam o contato anterior à emigração do indivíduo, que buscará
132
informações sobre o local de destino, as condições de trabalho, moradia, etc.). E
neste caso, é importante
reconstituir mais especificamente a morfologia das redes, os mecanismos concretos através dos quais elas operam, as relações de poder entre grupos e internas ao grupo (incluindo os poderes da esfera simbólica), bem como a seletividade que afeta seus membros quanto às informações e recursos que podem mobilizar e quanto às obrigações que assumem entre si (PETRUS, 2009, p. 43).
Há também a análise das redes sociais migratórias são importantes para o
estabelecimento de laços de solidariedade entre migrantes, o que no âmbito do
refúgio, é especificamente importante, tendo em vista que muitas vezes o
indivíduo chega ao país de destino sem qualquer contato pré estabelecido. Assim,
diferente de Ramella que estabelece a relevância das redes sociais desde o
momento de saída do local de origem, para os refugiados predomina, na maior
parte das vezes, a consolidação destas redes no local de destino.
Outros estudos sobre migração relacionado às redes sociais, também
relacionam sua constituição a partir do acesso ao mercado de trabalho no local de
destino. Assim,
A partir dessa ideia de que as redes sociais operam através de uma base espacial que pode ser transnacional, ressalta que os emigrantes em potencial nem sempre respondem a informações sobre oportunidades de trabalho e salários no mercado nacional do país de destino. Orientam-se por informações específicas sobre um mercado local de trabalho ou um tipo particular de trabalho, que recebem do grupo (ou subgrupo) já instalado (SASSEN, 1994, p. 111 apud PETRUS, 2009, p. 45).
No caso das redes associadas ao processo migratório, e especificamente
aos refugiados, estas por vezes não são identificadas desde o local de origem, mas
identificadas a partir da chegada ao local de destino, assim como sugere Truzzi,
não é necessário sempre pensar na existência das redes a partir de escalas macro,
como um grupo que emigra, mas
uma observação microscópica revelará aspectos e significados até então não observáveis em análises macro. Pode-se partir de indivíduos a princípio tomados isoladamente, mas o que se persegue é identificar e recuperar suas redes de relacionamento (TRUZZI, 2008, p. 208).
Da mesma forma, Truzzi também ressalta que
133
a perspectiva de analisar os processos migratórios por meio das redes não deixa de considerar os imigrantes como agentes econômicos (e, portanto, como tomadores de decisões que potencialmente maximizarão sua situação econômica), mas também recupera as variáveis sociais e culturais que devem ser consideradas em conjunto com as de caráter econômico (2008, p. 209).
Assim, as redes sociais analisada a partir de fluxos migratórios, irá
constituir-se com suas especificidades. Os vínculos sociais são extremamente
importantes nessa formação, bem como as relações de poder impostas
internamente nestas redes. Quando analisadas a partir da questão dos refugiados,
estes pressupõe que a saída de seu país de origem ocorreu em razão de uma
motivação que o forçou a sair de seu local de residência. Para emigrar, ainda que
forçadamente, este movimento pressupõe um planejamento, ainda que com base
em um escasso conhecimento sobre o local de destino.
Os avanços tecnológicos e os meios de comunicação são mecanismos que
atualmente também influenciam no fortalecimento destas redes. As redes
possibilitam tanto a reterritorialização do refugiado no país de destino, a partir de
sua aproximação e identificação com indivíduos que tenham sua mesma
nacionalidade. Ou também é a partir das redes que se possibilita o contato e a
busca, no caso de um refugiado, por seus familiares no local de origem. Assim,
cada rede social dentro de um movimento migratório específico apresentará suas
particularidades a serem analisadas a partir da situação empírica. Como
exemplificado por Truzzi,
Mesmo entre autores que se dedicam aos estudos de migrações contemporâneas, é comum se combinarem perspectivas distintas para explicar o processo social das migrações. Massey et al. (1987), por exemplo, sugerem que os processos migratórios se iniciam com desequilíbrios macroestruturais entre regiões de origem e destino, mas são sustentados por fluxos contínuos de trocas (sobretudo interpessoais), alimentados pelas redes sociais. Assim, embora uma abordagem ‘pura’ das redes sociais em processos migratórios descarte uma análise à priori do perfil dos migrantes segundo atributos (cor, idade, sexo, nível de renda, profissão, etc), para se ater essencialmente à análise das relações entre indivíduos, é mais comum que, diante do desafio de explicar um sistema migratório concreto, o investigador se valha de paradigmas distintos para dar conta de determinadas situações empíricas (TRUZZI, 2008, p. 214).
Assim, o processo de reterritorialização dos refugiados congoleses no Rio
de Janeiro, não deve ser visto como um processo aplicado a um grupo homogêneo
134
de indivíduos, todavia, devemos pensá-lo em suas particularidades, que serão
analisadas a partir do perfil observado nesta população, e os mecanismos de
articulação desde o país de origem até o país de destino. Por fim, como visto
como Petrus,
mesmo com a presença do fator coerção na emigração dos que vão buscar refúgio, as redes sociais têm importante papel na possibilidade de saída dos países de origem. As redes são configuradas em múltiplas escalas territoriais, através de estruturas dinâmicas que se movimentam e se transformam e que se revelam cada vez mais importantes para a compreensão do processo de integração social dos refugiados (2009, p. 47).
Neste sentido, a relação entre as redes sociais no processo de migração
forçada no âmbito do refúgio e na reterritorialização dos refugiados congoleses no
Rio de Janeiro, pode ser vista a partir do cruzamento de informações a partir das
estatísticas dos dados obtidos a partir do CONARE, como forma de estabelecer o
perfil predominante neste grupo de refugiados, mas também a partir de pesquisa
empírica da forma como eles se integram entre si. Assim, serão detalhadas a
seguir informações obtidas a partir da pesquisa publicada por Petrus (2014) sobre
“Refugiados congoleses na metrópole do Rio de Janeiro (2003 – 2009): breve
perfil do grupo estudado e a importância das redes sociais nas dinâmicas de
‘integração local’”, trazendo com base em sua pesquisa empírica exemplos da
formação das redes sociais no âmbito dos refugiados congoleses no Rio de
Janeiro.
Com base em Petrus, e sua análise dividida em três fases principais no
fluxo de congoleses refugiados no Rio de Janeiro, podemos destacar a primeira
geração na década de 90 (1992-1993), em seguida a segunda geração entre 2003 e
2007, quando os congoleses voltam a representar um grupo protagonista dentre as
nacionalidades que solicitaram refúgio no Brasil; e, por fim, entre 2008 – 2009,
quando este grupo demonstra uma contínua ascensão no número de pedidos de
refúgio. Este trabalho acrescentará os anos seguintes entre 2010 e 2016,
demonstrando a intensificação deste grupo de refugiados, as mudanças e
especificidades durante este período se comparado aos anteriores, bem como os
avanços observados na integração desta população (2014, p. 129-130).
Assim, o grupo mais antigo de refugiados congoleses no Rio de Janeiro é
datado da década de 90, aproximadamente entre os anos 1992 e 1993. Este
135
período coincide com a chegada de aproximadamente 1.200 angolanos ao Brasil,
em razão da guerra civil que atingia o país. Neste momento, o Brasil se deparou
com um período em que houve um aumento significativo de pedidos de refúgio no
Brasil, que contou com refugiados provenientes principalmente, de Angola, da
RDC (que na época ainda era denominado Zaire), da Libéria e da ex-Iuguslávia
(Barreto, 2010, p. 18). O número de congoleses identificados naquele momento
como provenientes do antigo Congo-Zaire foi de 118 pessoas, tendo sido
reconhecidos entre os anos de 1993 e 1994. A justificativa para a chegada deste
primeiro grupo de nacionais da RDC ao Brasil, está relacionado, segundo
pesquisa empírica de Petrus, na origem étnica destes indivíduos. Assim, segundo a
autora,
tudo indica que as pessoas registradas como ‘congoleses’ eram do grupo etnolinguístico Bakongo-kikongo – em sua maior parte nascidas no Congo e regressadas a Angola. Alguns, embora nascidos em Angola, eram de famílias que haviam emigrado para o Congo há muitos anos, muitos deles filhos de pai angolano e mãe congolesa ou vice-versa. Esses refugiados pertencentes ao grupo etnolinguístico Bakongo-kikongo identificam-se como ‘parte de um povo para o qual as fronteiras nacionais que separam as províncias do norte de Angola e as províncias de Kinshasa, Bandundu e Bas-Congo, no sul do Congo-Zaire, nunca existiram’ (PETRUS, 2014, p. 131).
Assim, estes 118 refugiados compõem o primeiro grupo de refugiados
congoleses no Brasil. Ainda é possível encontrar com algumas destas pessoas no
Rio de Janeiro, e conforme descrito por Petrus, eles representam atualmente
papéis de extrema importância na “estruturação e funcionamento das redes
sociais” (2014, p. 133) que contemplam os congoleses no Rio de Janeiro, sendo
eles solicitantes de refúgio ou imigrantes sob outra condição migratória. A ligação
entre estes congoleses chegados na década de 90 e os que chegaram
posteriormente, ressaltam a relação dos congoleses com suas tradições, cultura e
identidade.
A segunda fase observada por Petrus na chegada de refugiados congoleses
no Brasil, se deu a partir do final de 2002 e início de 2003 até 2007. E desde então
percebeu-se o vínculo estabelecido entre os congoleses do primeiro momento
(década de 90) e os recém-chegados. A CARJ já atuava neste cenário, trabalhando
com a assistência a refugiados desde 1976, logo auxiliava também com moradia,
trabalho, auxílio financeiro e acolhida nestes primeiros momentos. Observa-se
136
também uma aproximação entre os congoleses antigo e recém-chegados à medida
que culturalmente eles reconhecem a hierarquia e o respeito aos mais velhos, e
que por já estarem numa situação mais estável no Brasil, os aconselham e
auxiliam na busca por emprego, moradia, no idioma, etc (2014, p. 132-133).
A terceira fase analisada por Petrus se deu entre 2008 e 2009, quando
neste último ano dos 356 refugiados congoleses no Brasil, 257 eram reconhecidos
como refugiados no Rio de Janeiro (2014, p. 130). O período de análise proposto
por este trabalho, entre os anos 2010 até 2016, evidenciam, a partir da análise
quantitativa do número de solicitações de refúgio como visto na seção anterior, a
permanência na chegada de refugiados e solicitantes de refúgio provenientes do
Congo no Brasil, tendo chegado a 958 refugiados congoleses no Brasil, sendo 534
no Rio de Janeiro 64.
A chegada de congoleses no Brasil estará sempre associado ao contexto no
país de origem, tendo em vista o contexto particular no qual se encontram as
pessoas que solicitam a proteção internacional a outro país. Sendo assim, serão
analisados a seguir alguns tópicos que nos ajudaram a uma análise mais completa
de como as redes sociais contribuem no processo de reterritorialização desta
população a algumas décadas e como estas passaram por mudanças ocasionadas
tanto pelo fortalecimento destas redes no país de acolhida, como em razão
também do contexto político do país de origem. A seguir, serão propostas análises
a partir dos seguintes tópicos: moradia, emprego, idioma, acesso ao sistema de
saúde e ambientes de sociabilidade entre os refugiados.
No âmbito da integração local dos refugiados congoleses, estabeleceu-se
também outro marco para a aproximação na vivência deste grupo específico na
cidade do Rio de Janeiro, o qual se deu pela criação da Comunidade Ango-
Congolesa no Brasil (CACB), em 2006, que tem sua sede em Duque de Caxias.
Segundo definição contida no endereço eletrônico da CACB, tem-se que a
comunidade foi criada “com o objetivo de aproximar os imigrantes de Angola,
Congo Brazzaville, República Democrática do Congo, demais povos africanos e
seus descendentes que vivem no Brasil e no mundo”65. Em sua criação, a CACB
contava com aproximadamente 16 membros; em 2008 este número aumento para
64 Dados obtidos com a coordenadora geral do CONARE, em maio de 2016. 65 Comunidade Ango-Congolesa no Brasil. Discponível em: <http://cacbbr.blogspot.com.br > Acesso em: 01 jun. 2016.
137
cerca de 80. Esta funciona ainda como principal forma de interlocução entre os
diferentes grupos de imigrantes com nacionalidade em países africanos e que
estejam residindo no Brasil sob a condição de refugiado ou sob outra condição
migratória.
No que diz respeito aos locais de moradia, estes foram se modificando
com o passar dos anos e as dinâmicas territoriais da cidade. Assim, o primeiro
grupo, concentrou-se nos bairros do Estácio e alguns no Rio Comprido, entretanto
este cenário alterou-se com o passar dos anos e já em 2003, os refugiados
congoleses passaram a residir em Duque de Caxias (município da região
metropolitana do Rio de Janeiro). Como consequência do preço dos alugueis e de
novas possibilidades de moradia, alguns foram migrando também para o
complexo de favelas em Brás de Pina (PETRUS, 2014, p. 130-132).
Essa aproximação tanto cultural quanto geográfica dos congoleses é
também observada como reflexo nas dinâmicas de integração local desta
população. Como ressaltado por Petrus, ainda que o número de refugiados
congoleses residentes no Rio de Janeiro não reflita o número total de refugiados
na cidade e no Brasil (como não sendo o maior e mais expressivo) é visto pelos
“mais velhos” como motivo de orgulho ao poderem afirmar que conhecem quase
todos os congoleses que vivem no Rio de Janeiro. Deste modo, segundo Petrus,
“as observações e contatos frequentes com o grupo permitem afirmar que isto
inclui os recém-chegados, os solicitantes de refúgio que tiveram o pedido negado,
os jovens moradores de outros bairros e localidades” (2014, p. 138).
Em Brás de Pina é também onde se concentram os principais locais de
sociabilidade entre a comunidade congolesa, como o “salão dos africanos”, o qual
é propriedade de um congolês; a igreja africana – a qual representa a primeira
Igreja africana do Congo no Rio de Janeiro, aberta por um pastor congolês que
chegou ao Brasil em 200666 - e também a casa deles, que são próximas umas das
outras, concentrando neste ambiente os pontos de encontro entre os refugiados
congoleses, tanto para o contato e aproximação entre os que residem nestas áreas,
mas também como forma de ponto de referência para os recém-chegados ao Brasil
que ainda necessitam de auxílio na busca por moradia e estabilidade.
66 Informações retiradas de trecho da entrevista-conversa publicada por Regina Petrus em seu artigo publicado em 2014 e a partir de conversa com Aline Thuller, coordenadora da CARJ.
138
Em conversa realizada com assistentes sociais e a coordenadora da CARJ,
Aline Thuller, em abril de 2015, observou-se a criação de uma nova dinâmica nos
locais de moradia dentre os últimos cinco anos, desde aproximadamente 2010.
Assim, elas sinalizaram o aumento de congoleses para Gramacho (bairro
localizado no município de Duque de Caxias), principalmente de mulheres que
tenham filhos. A justificativa apresentada por elas à CARJ tem sido em razão do
aumento da violência na favela Cinco Bocas, em Brás de Pina, onde concentrava-
se a maior parte dos refugiados congoleses. Assim, principalmente as mulheres
com filhos têm optado por se deslocarem para Gramacho, onde afirmam que ainda
que seja uma comunidade pobre, possui escolas e creches que seus filhos podem
estudar próximos de casa e acabam buscando residir em uma vila que aluga
quartos.
Por fim, identificou-se a presença de congoleses no centro, próximo ao
metrô da Praça XI, numa rua com casarões antigos, e que dentro possui um
cortiço. Isto é, cada quarto se tornou uma casa, com banheiros comunitários e que,
geralmente, são alugados por uma ou mais pessoas. Thuller ressalta que há alguns
anos havia predominantemente mais angolanos do que congoleses, entretanto nos
últimos cinco anos houve uma mudança neste perfil e muitos congoleses estão
migrando para lá. A justificativa é tanto pela localização ser mais central e por se
tratar de uma opção para pessoas que já estão há mais tempo no Brasil e mais
estabilizados financeiramente, quando começam a buscar outros locais para
residir. Ao mesmo tempo, isto não significa a quebra da relação com a
comunidade e o distanciamento dos anteriormente mencionados “pontos de
encontro” entre os refugiados congoleses.
No âmbito do trabalho, por sua vez, foram observados alguns pontos
apontados como dificuldades permanentes durante estes anos, Petrus (2014, p.
148) ressaltou que os congoleses elencam a busca por um emprego e uma situação
de desemprego entre a maior parte dos congoleses, como principais elementos que
permeiam a esfera do trabalho. Desde a sua publicação e também observado
durante acompanhamento do Diagnóstico Participativo que ocorreu na CARJ com
apoio do ACNUR, em maio de 2015, também foi ressaltada a dificuldade na
busca por trabalho em razão do idioma.
Atualmente, a CARJ oferece a partir de convênio estabelecido com o MJ e
o ACNUR, cursos de português que ocorrem em dois dias na semana, além do
139
novo projeto firmado em 2016, junto ao PRONATEC, que viabiliza cursos de
proficiência na língua português para os solicitantes de refúgio e refugiados, no
Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. Assim, pode-se identificar que estes
dois elementos sempre surgem interconectados quando se questiona a esta
população as principais dificuldades na integração local.
Dentre outras dificuldades relacionadas ao acesso ao mercado de trabalho
no Rio de Janeiro, surge o fato de muitos congoleses que possuem ensino superior
ou formação técnica não conseguirem vagas de emprego em sua área de atuação,
como exemplificado por Petrus, “a reação dos mais qualificados é forte e
prolongada até o limite máximo, seguida de frustração e de um inconformismo
que é declarado por muitos” (2014, p. 148).
Em conversa realizada com uma refugiada congolesa no ambiente da
CARJ em 26/03/2015, esta declarou que ainda que exista um auxílio da CARJ na
busca por empregos, nem sempre “as empresas entendem essas dificuldades (dos
refugiados no momento de chegada e busca de estabilidade no Rio de Janeiro) e
não se mostram dispostas a contratar pessoas que nem português falam”, além
disso a entrevistada relatou que muitas vezes associa-se ao refugiado a imagem do
estrangeiro que chega ao Brasil para ocupar uma vaga de emprego de brasileiros e
dizem que aqui os empregos são para brasileiros.
Outras percepções associadas a questões de trabalho e idioma foram
percebidas na conversa-entrevista com Thuller e as assistentes sociais da CARJ,
em que mencionou-se que os grupos de alunos nos cursos de português são em
sua grande maioria compostos por refugiados recém-chegados no Brasil, ainda em
processo de reconhecimento de sua condição de refugiados pelo CONARE, mas
que após um ano este grupo de alunos se altera. Há uma troca em que os mais
antigos começam a encontrar oportunidades de emprego e os mais novos buscam
aprender a língua portuguesa. Ademais, Thuller ressalta que até o início do ano de
2015 havia em torno de 27 empresas que estabeleceram parcerias com a CARJ no
oferecimento de vagas de emprego.
Todavia, ainda assim, observa-se que as principais vagas ocupadas pelos
refugiados congoleses no Rio de Janeiro são:
cabeleireiros, assistentes de cabeleireiros, ocupações diversas de baixa qualificação na construção civil, atividades comerciais esporádicas no mercado
140
informal, trabalhos temporários no mercado informal de rua, trabalho temporário em empresas para o setor de “serviços gerais” obtidos através da inscrição em agências de emprego (PETRUS, 2014, p. 149).
Como já sinalizado ao longo desses anos e reforçado em entrevista com
congolesa refugiada na CARJ, em 2015, mesmo que a pessoa possua um diploma,
ainda assim é muito difícil que se consiga emprego na área de formação, pois
“como não se sabe o idioma, o país não considera o diploma de fora bom o
suficiente”67. Observa-se então, que mesmo após cinco anos, os obstáculos e
dificuldades apontados pelos próprios congoleses estão enraizados nos mesmos
elementos.
Dentre os pontos de maior diversidade interna entre os congoleses estão a
religião e o grupo étnico ao qual pertencem. Sendo assim, a partir da pesquisa
empírica realizada por Petrus (2014, p. 150) identificou-se como sendo a etnia
(Ba)Kongo à qual pertence a maior parte dos refugiados congoleses no Rio de
Janeiro, principalmente, os provenientes da primeira fase de chegada do grupo ao
Brasil, durante a década de 90.
No que diz respeito às diferenças étnicas, elemento bastante importante e
representativo na identidade do indivíduo com a RDC, este tende a ser amenizado
no Brasil. Ainda com base na entrevista realizada em março de 2015, com uma
refugiada congolesa na CARJ, ela pontuou a não existência de conflitos étnicos no
Brasil, e que os congoleses que estão refugiados no Brasil passam a se tratar como
uma “nova família”, pois tem uns aos outros aqui. Em conversa-entrevista com
outro refugiado congolês no ambiente da CARJ durante o ano de 2014, este
afirma que mesmo ocorrendo com menor frequência, ocasionalmente se observa
casos de discriminação entre congoleses de diferentes etnias no Rio de Janeiro. De
toda maneira, este também reforça a todo momento que a diferença étnica é
consideravelmente reduzida na cidade de destino. Observa-se então, que a
identidade nacional passa a prevalecer sob a identidade étnica, principalmente
quando existe por trás disto uma “autoidentificação” com a comunidade congolesa
no Rio de Janeiro.
Ainda assim, a etnia é ainda uma característica da identidade congolesa
muito presente e forte em seu cotidiano, de forma que tradições culturais, língua,
67 Trecho extraído da conversa-entrevista com refugiada congolesa na CARJ em março de 2015.
141
costumes, continuam a ser reproduzidos no país de destino. Como por exemplo,
ainda que não associado à etnia, é comum que os refugiados permanecem se
comunicando entre si por meio do Lingala, idioma mais comumente falado entre
os congoleses refugiados no Rio de Janeiro. Como colocado por Hall,
Quanto maior a relevância da ‘etnicidade’, mais as suas características são representadas como relativamente fixas, inerentes ao grupo, transmitidas de geração em geração não apenas pela cultura e educação, mas também pela herança biológica inscrita no corpo e estabilizada, sobretudo, pelo parentesco e pelas regras de matrimônio endógamo, que garantem ao grupo étnico a manutenção de sua ‘pureza’ genética e, portanto, cultural (2013, p.78).
A escolha pelo Brasil, reflete também no fortalecimento dessas redes
sociais, de forma que as informações são compartilhadas entre os mais
“experientes e vividos” e os “recém-chegados”, auxiliando a ultrapassar as
dificuldades que qualquer indivíduo enfrenta ao se deparar com um novo lugar de
destino, especialmente na condição do refugiado, tendo sido forçado a deixar seu
país de origem.
Neste sentido, os espaços informais de sociabilidade entre os congoleses
refugiados representam também um local que favorece o processo de
reterritorialização no país de acolhida. A identificação criada entre a comunidade
congolesa no Rio de Janeiro e os espaços de sociabilidade que se tornam
referência entre eles e para eles, como a igreja africana, o salão afro, a contínua
utilização do Lingala para se comunicarem, reafirma como as redes sociais
auxiliam na integração social a partir de mecanismos criados pelos próprios
refugiados. E por outro lado, significa o estreitamento dos laços com o país de
origem e a permanência da cultural local (ainda que no país de destino).
Ademais, é também a partir da delimitação do perfil dos refugiados e
solicitantes de refúgio no Rio de Janeiro, bem como a análise a partir da pesquisa
empírica em seus ambientes de vivência cotidiana, que se torna possível observar
as especificidades deste grupo de congoleses. Ainda que se identifiquem como
parte da comunidade congolesa, não deve ser considerado um grupo homogêneo,
mas sim com particularidades, bem como com perfis que podem ser traçados e
analisados com base no contexto de seu país de origem. Por fim, os elementos que
os tornam vulneráveis tanto pelo contexto de saída do país de origem e chegada ao
país de destino, bem como pela situação em que se deparam ao chegar no Brasil,
142
são fatos que possibilitam a criação de redes de solidariedade, nas quais os
refugiados servirão de apoio uns aos outros para uma nova experiência vivida no
Brasil.
143
4. Considerações finais
As interações entre globalização e migrações vistas nesse trabalho como
interdependentes foi fundamental para a análise das políticas de integração local
criadas por órgãos governamentais e mecanismos criados pelos próprios
refugiados. Ao tratar das políticas de integração local, estas não poderiam ser
analisadas sem que se buscasse maior aproximação aos refugiados e a forma como
eles as enxergam. A globalização como um processo homogeneizador e
fragmentador nos mostra que ao mesmo tempo em que há uma flexibilização das
fronteiras em relação ao livre mercado e economia, há por outro lado a criação de
barreiras na mobilidade humana.
As políticas migratórias criadas para controlar esses fluxos se mostram,
em alguns momentos, pouco efetivas e propiciam a entrada e permanência
irregular de milhões de indivíduos. Com isso, ao mesmo tempo em que o
princípio da solidariedade e da cooperação internacional apontam para o não
fechamento de fronteiras, principalmente para refugiados, pessoas estas que foram
obrigadas a deixar suas casas em razão de perseguições, por outro lado, observa-
se Estados que estabelecem barreiras migratórias a estes fluxos em expansão.
Estar de portas abertas para o imigrante, como buscou-se demonstrar e
analisar ao longo desse trabalho, implica não apenas na adoção de convenções
internacionais e legislações nacionais no âmbito do estado de direito, mas também
em políticas de integração e inserção para esta população. Ao mesmo tempo,
ainda que esse fluxo represente um desafio aos países que mais recebem
refugiados, é também parte de seu comprometimento com o sistema internacional
que não se estabeleça fronteiras ou se negue a concessão de proteção a pessoas
que estejam sob grave violação de direitos humanos e/ou demonstrem um fundado
temor de perseguição de retornar ao seu país de origem.
Ao longo do trabalho buscamos responder como se apresentava a relação
entre globalização e refúgio a partir do exemplo do processo de reterritorialização
dos refugiados congoleses no Rio de Janeiro. Com isso, nosso trabalho procurou
pesquisar e compreender a partir dos refugiados congoleses como se dá o
movimento de saída do país de origem e chegada até o país de destino, associado
ao processo de reterritorialização dos congoleses no Brasil. Esse processo se dá a
144
partir de práticas e ações de integração local, tomadas como referência as políticas
adotadas pelos governos federal e estadual. No transcurso dessa pesquisa,
percebemos que o processo de integração ocorre fortemente a partir da construção
de redes de informação formadas pelos próprios refugiados. Essas redes, por sua
vez, servem de apoio e solidariedade entre essa população, principalmente, no
momento de chegada ao Brasil, quando enfrentam as primeiras barreiras
relacionadas, por exemplo, ao idioma e a inserção no mercado de trabalho.
No Brasil, as estatísticas apontam para um cenário em que desde a
promulgação da Lei 9.474/1997, as solicitações apresentadas como provenientes
de refugiados de nacionalidade africana sempre se destacaram em detrimento às
demais. Entre dados compartilhados pelo CONARE, em 2005, o Brasil apresentou
desde 1998 até 2005, uma taxa de 2.559 solicitações, dentre as quais 1.697 eram
provenientes do continente africano. O mesmo ocorre se analisada a taxa de
elegibilidade destes pedidos, dentre os quais 863 foram deferidos e tiveram o
status reconhecido pelo Comitê. Se analisado a partir das solicitações no Rio de
Janeiro, a partir de dados fornecidos pela Caritas (apud Petrus, 2009), entre 1998 e
2001, os nacionais de Angola representavam de forma majoritária as solicitações
de refúgio no Estado. Estes números refletiam o impacto da guerra civil pela qual
o país passou na população civil e como o final da mesma, em 2012, trouxe
consequências e variáveis a problemática do refúgio no Brasil. Dados recentes
apontam para a permanência desse quadro, e dentre o total de refugiados
reconhecidos pelo governo brasileiro, 8.065 até março de 2016, 3.511 são
provenientes do continente africano. Dentre esse número, 1.409 são angolanos e
958 da RDC. No Rio de Janeiro, mais da metade das solicitações também são
provenientes de países africanos, principalmente RDC e Angola.
Criou-se uma imagem internacional em torno da política de refúgio no
Brasil, como uma das mais avançadas e generosas da região sul-americana, no
entanto, podemos ao longo desse trabalho e com base em outras pesquisas
publicadas anteriormente, observar que restam lacunas na formulação de políticas
de integração. Principalmente, ações que possibilitem a inclusão da população
refugiada. Ademais, se compararmos o número de solicitações de refúgio com a
taxa de elegibilidade e casos analisados pelo Comitê, vê-se que a celeridade na
análise dos processos ainda é baixa.
145
O caso de estudo escolhido para este trabalho, reflete não apenas a forma
como o número de solicitações de refúgio cresceu no país e no Rio de Janeiro,
mas também os novos desafios que surgem frente ao governo brasileiro para a
necessidade de formulação de políticas de integração local, voltadas para a
população imigrante. A lei brasileira de refúgio, vista como uma das mais
avançadas do continente sul-americano, se depara com desafios frente a
formulação de mecanismos e políticas de integração voltadas para essa população,
que ultrapassem o status migratório do indivíduo. Nota-se a partir desse trabalho e
de pesquisas publicadas nesse tema que políticas de integração para serem bem-
sucedidas e implementadas é importante a participação cada vez mais ativa dos
refugiados. Ainda que a CARJ tenha essa aproximação natural e historicamente
construída com os refugiados, bem como o ACNUR a partir de convênios com
organizações locais, é importante que os sujeitos ativos nesse processo sejam
ouvidos.
São também observadas também lacunas quando se trata da regularização
migratória de pessoas que tem seus pedidos de refúgio indeferidos pelo governo
brasileiro. Nesses casos, não há por um lado, políticas de expulsão do território
brasileiro, mas também encontra-se dificuldades diante das opções de se buscar a
regularização do status migratório. A lei para estrangeiros em vigor, Lei
6.815/1980, não dá a possibilidade destas pessoas se regularizarem por vias legais,
e sendo assim, parte desta população permanece em território brasileiro com
status migratório irregular. Diante disso são destacados dois elementos
considerados importantes, o primeiro diz respeito à condição econômica de
grande parte da população que solicita refúgio no país e tem seu pedido
indeferido, em que muitas vezes a pessoa não tem meios financeiros de retornar
ao seu país de origem. O segundo ponto é em relação a necessidade de uma
reforma e alteração na legislação para estrangeiros em vigor no país, estando em
tramitação um novo Projeto de Lei Migratória, o qual atualmente foi aprovado no
Senado e está em discussão em Câmara Especial. Outra forma de regularização é
por meio da Anistia Internacional, que em alguns períodos já facilitou a
regularização de pessoas com status migratório irregular.
Os refugiados congoleses representam grupo com maior presença no
Estado do Rio de Janeiro e isto pode ser observado a partir de dados quantitativos,
mas também na convivência no ambiente da CARJ. As atividades oferecidas pela
146
organização, com aulas de português, curso de artesanato, entre outras, são
compostas majoritariamente por congoleses. Ao mesmo tempo, é também em
razão das dificuldades enfrentadas por eles, como o aprendizado da língua
portuguesa, a inserção no mercado de trabalho e o encontro com pessoas da
mesma nacionalidade, que se estabelece maior aproximação com a CARJ e entre
os próprios refugiados.
Até final de 2015, o governo brasileiro havia reconhecido 968 refugiados
congoleses, e possui 2.167 solicitações pendentes da RDC. Esses números
evidenciam tanto a crescente chegada destes indivíduos, e o contexto geral de
instabilidade política e econômica, bem como insegurança social no país. Os
conflitos por interesses políticos, étnicos e econômicos permanecem presentes.
Ainda que em menor quantidade, se comparado ao número de congoleses
refugiados em países da Europa, o Brasil passou a ser também local de destino
dessas pessoas ao longo das últimas décadas.
O contato estabelecido com refugiados e solicitantes de refúgio por meio
da CARJ, bem como as conversas com a coordenadora e com as assistentes
sociais, e fontes documentais acessadas, possibilitaram maior aproximação com a
realidade desse grupo específico e as dificuldades que na maior parte das vezes é
compartilhada por refugiados de outras nacionalidades. A mudança no perfil dos
congoleses que chegam ao Brasil, as dinâmicas internas criadas por eles para se
reestabelecerem em outro país, bem como a importância das diferentes
organizações que lidam com refúgio foram importantes ao longo desse trabalho.
A CARJ enquanto espaço de acolhimento e assistência a solicitantes de
refúgio e refugiados, é por muitas décadas o primeiro lugar de encontro do
solicitante com as informações acerca de seus direitos, deveres, e possibilidades.
Assim, a importância da organização se destaca tanto no âmbito de sua
representatividade e presença como um dos membros do CONARE, mas também
sua relevância e atuação junto à reterritorialização deles. No entanto, o contato
que se estabelece entre o CONARE e o solicitante de refúgio permanece um tanto
quanto restrito, ocorrendo primordialmente no dia da entrevista de elegibilidade
ou em momentos pontuais de dúvidas e questionamentos.
O funcionamento e o fortalecimento atual do CONARE estão voltados,
principalmente, para a área de elegibilidade do Comitê, ainda que avanços tenham
sido observados na criação de políticas de integração (como a facilitação de
147
revalidação de diplomas, redes CRAIs, aulas de português pelo PRONATEC,
entre outros). Os acordos e convênios firmados junto ao ACNUR auxiliam na
garantia de uma equipe mais capacitada tecnicamente para lidar com os
solicitantes e o processo como um todo. Essas medidas têm, dentre outros
objetivos, possibilitar a celeridade do processo interno para a determinação da
condição de refugiado. No entanto, outras dificuldades surgem quando se fala
sobre a elaboração de ações em prol da integração local dessa população.
Ainda que o CONARE esteja em um momento de transformações internas,
que inclui a adaptação à nova demanda e quantidade de pedidos de refúgio
tramitando no comitê, muitas das mudanças e estratégias criadas estão
relacionadas, principalmente, à elegibilidade. O mesmo se observa em relação ao
novo Formulário de Solicitação de Refúgio, este apresenta um maior nível
detalhamento, que tende a auxiliar durante o processo de elegibilidade e análise
dos pedidos de refúgio, de forma mais completa auxiliando na busca pela situação
objetiva do país de origem e da solicitação individual em questão. Por outro lado,
não está voltado, por exemplo, para a obtenção de informações individuais que
busquem, a longo prazo, a identificação do perfil individual do solicitante voltado
para a necessidade de políticas de integração.
A estrutura do CONARE, com a presença de representantes de diferentes
órgãos governamentais, poderia também ser visto como facilitador para maior
aproximação e criação de políticas voltadas para a inserção e reconstrução dos
refugiados nas novas cidades. A composição do CONARE, enquanto órgão
colegiado que é formado por representantes de outros organismos
governamentais, seria um elemento a ser utilizado para a busca da aproximação
em escala local (estadual e municipal), com relação a participação da Secretaria de
Saúde, Secretaria de Educação, Defensoria Pública do Estado, Defensoria Pública
da União, Unidades estaduais da Polícia Federal, entre outros órgãos.
Não obstante, tão importante quanto a presença de diferentes organismos,
incluindo a presença de atores não estatais, se faz necessário maior aproximação
com os próprios refugiados e solicitantes de refúgio no Brasil. Ainda que
atualmente, ocorra anualmente, o Diagnóstico Participativo, promovido pelo
ACNUR e pela CARJ, com o intuito de identificar as principais demandas dessa
população, novas medidas são necessárias.
148
No âmbito da integração local, a partir da realidade que se observa no
Brasil, é importante que sejam estabelecidas boas práticas e maior articulação
entre os órgãos no âmbito estadual e municipal. A chegada de haitianos, desde
2010, fez com que em 2012, o governo brasileiro decidisse pela concessão de
vistos humanitários, garantindo a regularização migratória destas pessoas, que já
se encontravam em território brasileiro. No entanto, é necessário também que se
pense de forma coadunada em políticas de integração local, voltadas para essa
população, a partir da realidade da população refugiada.
A identificação do perfil dos refugiados no Brasil, se mostra como medida
importante, tendo em vista que, por exemplo, o alto número de nacionalidades
solicitando refúgio atualmente no Brasil, chegando a 79 nacionalidades, é uma das
maneiras de se identificar a diversidade nas demandas por parte dessas pessoas.
Cada nacionalidade, diferentes faixas etárias, acesso ao sistema de ensino, gênero,
experiências profissionais, também serão elementos que influenciarão na demanda
por diferentes ações voltadas para a integração.
Quando se pensa na necessidade da participação cada vez maior dos
próprios refugiados nesse processo, pensa-se também nas especificidades que
cada grupo apresentará, coadunadas à realidade vivenciada por cada diferente
nacionalidade. As articulações nos níveis estadual e municipal se mostram
importantes, a medida que possibilitam uma aproximação com a realidade local, e
articulação entre diferentes secretarias. A criação dos Comitês Estaduais em São
Paulo e no Rio de Janeiro demonstram que a temática do refúgio está alcançando
outras esferas para além da ação estatal centralizada, no entanto, ainda assim, não
se apresenta atualmente, espaço para que os refugiados estejam presentes nas
arenas institucionais e participem da formulação de políticas que lhe afetam.
As redes sociais criadas de maneira informal entre os congoleses
simbolizam também um mecanismo de apoio para enfrentar as dificuldades
enfrentadas por esse grupo, como uma rede de solidariedade. Também se observa
que a maioria dos congoleses residem em bairros próximos, em Brás de Pina e
Gramacho, como forma de aproximação entre a própria comunidade e também
motivados pela presença de outros imigrantes em situação semelhante. As
principais barreiras impostas aos refugiados são diversas, como visto no caso dos
congoleses, se destacam os obstáculos encontrados no aprendizado da língua
portuguesa, na busca por empregos, o que ocasiona também em maior dificuldade
149
para encontrar locais de moradia e, consequentemente, se estabilizarem na cidade.
Neste momento, as redes de solidariedade estabelecidas pelos próprios refugiados
se destacam, uma vez que, é comum que muitos que chegam ao Brasil moram por
alguns meses na casa de outros congoleses que já estão há mais tempo no Rio de
Janeiro e já se estabeleceram economicamente. Os espaços comuns de
sociabilização também são importantes, e fazem com que grande parte da
população se conheça, como locais comuns entre eles, como o salão de beleza em
Brás de Pina, e a igreja africana.
Percebemos ao final do trabalho, a importância do fortalecimento dessas
redes e, ao mesmo tempo a inclusão e participação dos refugiados nas arenas de
discussão acerca da criação de políticas de integração. As dificuldades de inserção
são vistas para além da obtenção de documentos necessários para a regularização
da situação migratória, mas aponta para a necessidade de políticas que auxiliem na
integração dos refugiados nos espaços públicos, como na inserção no mercado de
trabalho, a obtenção de moradia, estudos, entre outros. Sendo assim, é importante
que não apenas participem dessas decisões, a sociedade civil, órgãos
governamentais e o ACNUR, mas também que os refugiados sejam vistos como
sujeitos ativos nesse processo. Por fim, observa-se que, o refugiado deve ser visto
como principal sujeito em seu processo de des-re-territorialização, bem como
sujeito ativo em seu movimento migratório. Assim, busca a partir de sua
experiência, suas vivências, e próprias necessidades formas de se incluir e se
adaptar à novas realidades que, nem sempre são sua principal escolha, mas que
devido à causas externas fizeram com que estas pessoas fossem obrigadas a
deixarem seus lares em direção à uma nova vida, até então desconhecida.
150
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