graciliano nº 10
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Graciliano é uma revista da Imprensa Oficial Graciliano Ramos. Na edição nº 10, Brincadeira popular, conheça os segredos do folclore alagoano.TRANSCRIPT
BRINCADEIRAPOPULAR
REVISTA DA IMPRENSA OFICIAL GRACILIANO RAMOS - MACEIÓ - ANO IV - Nº10 - SETEMBRO/OUTUBRO 2011
OS SEGREDOS DO FOLCLORE ALAGOANO
GRACILIANO Nº 10 R$ 5,00
setembro/outubro 20112
De 1927 a 1929, o escritor e pesquisador paulistano Mário de Andrade, um dos organizadores da Semana de Arte Moderna, viajou ao Norte e ao Nordeste. De espírito aventureiro e olhar moderno, desejava conhecer, de perto, um Brasil anônimo e, ao mesmo tempo, genuíno, criativo.
Em carta ao folclorista potiguar Luís da Câmara Cascudo, em 1926, Mário já dizia o que esperava da viagem: “Meu Deus! Tem momentos em que eu tenho fome, fome estomacal de Brasil agora. Até que enfim sinto que é dele que me alimento! Ah! se eu pudesse nem carecia você me convidar, já faz sentido que tinha ido por essas bandas do Norte visitar vocês [...]”. O que queria Mário era, a seu modo, impregnar-se de Brasil, matéria-prima de tudo que escreveu.
As impressões sobre cada
canto que visitou, cada comida que experimentou e cada manifestação que passou a conhecer foram registradas em diário e publicadas, tempos depois, no livro O Turista Aprendiz, obra essencial para quem deseja estudar o País.
Na segunda expedição, o autor do romance Macunaíma, esteve em Alagoas, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. Encantou-se pelo que viu e levou do Nordeste um aprendizado valioso. Mário bebeu e comeu o Brasil.
É assim que apresentamos esta edição: um banquete do melhor do folclore alagoano. De cara, uma entrevista com um dos maiores nomes da antropologia: o carioca Raul Lody, responsável pela curadoria do Museu Théo Brandão. O folclorista e professor alagoano Théo Brandão, que batizou o nosso
museu de antropologia e folclore é tema de uma reportagem e de um artigo. A equipe da GRACILIANO também visitou o espaço e traz um roteiro minucioso do quê o visitante encontrará por lá.
Uma reportagem especial sobre nossos 26 folguedos que possuem, pelo menos, um grupo em atividade tratou de atualizar informações sobre o significado de cada uma das brincadeiras, considerando as transformações vividas ao longo dos anos.
A revista traz ainda uma reportagem sobre a trajetória da Associação dos Folguedos Populares de Alagoas (Asfopal), entidade fundada pelo saudoso Ranilson França, falecido em 2006, e homenageado em texto de Josefina Novaes.
Desejamos que esta edição possa, assim como em Mário de Andrade, saciar a fome de Brasil e de Alagoas.
AOS LEITORES
FOME DE BRASIL
IMPRENSA OFICIAL
GRACILIANO RAMOS
GOVERNO DO ESTADO
DE ALAGOAS
CELSO BRANDÃO E O OLHAR SOBRE ALAGOAS
Nossa capa
Janayna Ávila
Coordenadora editorial
Michel Rios
Projeto gráfico / Diagramação
Arthur de Almeida, Elayne
Pontual e Isaac Falcão
Estagiários
Os textos assinados são de exclusiva responsabilidade do autor.
Graciliano é uma publicação da Imprensa Oficial Graciliano Ramos
Josefina Medeiros Novaes
Equipe Secom
Colaboração
Marli Josefina
Revisão
Contatos:
(82) 3315.8303 | [email protected]
ISSN 1984-3453
EXPEDIENTE
Moisés de Aguiar
Diretor-presidente
Hermann de Almeida Melo
Diretor-comercial
José Roberto Pedrosa
Diretor-administrativo Financeiro
Teotonio Vilela Filho
Governador de Alagoas
José Thomaz Nonô
Vice-governador de Alagoas
Luiz Otavio Gomes
Secretário de Estado do Planejamento e do
Desenvolvimento Econômico
Autor do mais importante conjunto de imagens
etnográficas de Alagoas, o fotógrafo e
documentarista alagoano Celso Brandão assina
a capa desta edição, que traz os Bandos, de
Chã de Anadia, um folguedo religioso bastante
expressivo, que se caracteriza pelo uso de
máscaras por brincantes que correm e dançam a
pé ou montados a cavalo para homenagear Santa
Luzia. E são os próprios brincantes que atribuem a
origem da brincadeira ao período da independência
do Brasil, no início do século 19.
Celso Brandão sempre se dedicou a olhar a
cultura popular de forma muito especial. Sua
obra contribui para revelar artistas que atuam
no interior de Alagoas, praticamente anônimos, a
exemplo de todos que trabalham na Ilha do Ferro,
povoado de Pão de Açúcar, no sertão alagoano.
Hoje, o local tornou-se sinônimo de arte popular
e artesanato inventivos, originais, cada vez mais
raros de se encontrar.
Parte de sua obra integra a Coleção Pirelli/Masp
de Fotografia, um dos mais importantes acervos
fotográficos do País. Como documentarista, Celso
Brandão foi premiado no Festival do Cinema
Brasileiro de Penedo em 1975, 1976, 1978, 1979
e 1980. Em sua filmografia, composta por mais
de 30 filmes, destacam-se os documentários
(Prêmio Festival de Cinema de
Brasília), ,
(Prêmio Jornal do Comércio - Festival
de Cinema de Recife),
(Prêmio Rio Cine Festival),
(Prêmio Pierre Verger/Associação
Brasileira de Antropologia),
. Professor aposentado de Fotografia
da Universidade Federal de Alagoas, sua obra
registra momentos preciosos da memória local.
Ricardo Lêdo/Cortesia
RANILSON FRANÇA, GUERREIRO DO FOLCLORE ALAGOANO
BOITARJA PRETA?
PELO BEM DAS SINGULARIDADES
PEQUENA NOTÁVEL
JANAYNA ÁVILA JANAYNA ÁVILA
ELAYNE PONTUAL
VANESSA MOTA
WAGNER DINIZ CHAVES
TELMA CÉSAR
HERBERT LOUREIRO VANESSA MOTA
JOSEFINA MEDEIROS NOVAES
CÁRMEN LÚCIA DANTAS
VANESSA MOTA
JANAYNA ÁVILA
BRUNO CÉSAR CAVALCANTI
ELAYNE PONTUAL
ENTREVISTA
REPORTAGEM
REPORTAGEM REPORTAGEMARTIGO
ENSAIO VISUAL SERVIÇO SAIBA MAIS
ARTIGO
ARTIGO
DOCUMENTA
ARTIGO
ARTIGO
PERFILESPECIAL
O MÉRITO DOS MESTRES
THÉO BRANDÃO, O CAVALEIRO DA CULTURA
ALMA BRINCANTE
GUERREIRO E IDENTIDADE ALAGOANA
CIRANDA CRIATIVA
NO CIRCUITO
LIVROSONDE PESQUISARFILMES
06
36
2812
40
82 88 90
66
50
70
62
44
76
54
SUMÁRIO
THÉO BRANDÃO, A ANTROPOLOGIA E OS ESTUDOS DE FOLCLORE EM ALAGOAS
ALAGOAS: UMA CULTURA POPULAR PARA CHAMAR DE SUA
ROTEIRO DE SABERES
POR DENTRO DO MUSEU
ENTREVISTA
PELO BEM DAS
JANAYNA ÁVILA
Responsável pela curadoria de diversas instituições e exposições dedicadas a temas culturais, o antropólogo carioca Raul Lody explica por que a preservação é tão importante para manter e valorizar as identidades
SINGULARIDADES
setembro/outubro 20116
Jorge Sabino
O antropólogo carioca Raul Lody: “A cultura popular é dinâmica, como qualquer coisa viva”
As viagens a trabalho são tão constantes na vida do antropólogo Raul Lody, 59, que ele costuma dizer que mora nos aeroportos. Atualmente, o carioca divide-se entre diversas atividades, entre elas a de curador de duas importantes instituições culturais brasileiras: a Fundação Pierre Verger, em Salvador, e a Fundação Gilberto Freyre, no Recife. Hoje, a capital
pernambucana é seu porto seguro. Foi de lá que o autor de Dicionário de Arte Sacra e Técnicas Afro-brasileiras concedeu uma entrevista exclusiva por telefone à GRACILIANO. Doutor em Etnologia pela Universidade de Paris, Lody coordena o primeiro projeto de registro de um saber como Patrimônio Imaterial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que deu ao acarajé, o famoso bolinho feito à base de massa de feijão, a condição de saber preservado.
Alagoas não é estranha ao antropólogo. Muito pelo contrário. Além de ser autor da obra Coleção Perseverança: Um
Documento de Xangô Alagoano, lançada em 1985, Lody assinou a curadoria da exposição permanente, inaugurada em 2001, do Museu Théo Brandão de Antropologia e Folclore, da Universidade Federal de Alagoas. No bate-papo que você confere a seguir, Raul Lody fala de diversos temas, entre eles as transformações pelas quais a cultura popular passa, a relação identitária com
Pernambuco e a importância da preservação.
GRACILIANO - Com a popularização do acesso à tecnologia e aos bens de consumo, o mundo vive um novo momento. Essa mudança alterou o comportamento das pessoas em relação não apenas ao trabalho, mas também à convivência, à vida em sociedade. Como isso afetou a cultura popular?
RAUL LODY – A cultura popular é dinâmica, como qualquer coisa viva. Existem mediações, formas de se relacionar com essas manifestações. Vamos ter, como qualquer forma cultural, maneiras de preservar
memórias, mudanças, dinâmicas. É o momento. A cultura popular está integrada à cultura como um todo. Ela é dinâmica, ela muda mesmo. Não pode ficar com um olhar meio arqueológico sobre a cultura popular.
Você tem acompanhado a apresentação de folguedos populares no Brasil?
Sim, eu vejo muita coisa. Gosto muito. Há mais de 40 anos eu acompanho.
E quais mudanças você percebeu e como avalia essas transformações?
Vai depender muito da organização do grupo, do tipo de manifestação que essa dinâmica tenha. Se existem grupos organizados que vivem essas manifestações de uma maneira mais intensa, mais verdadeira, elas têm um futuro de preservação maior do que outras.
Em muitas cidades do Nordeste, a cultura popular tem perdido espaço e os grupos de folguedos estão cada vez mais escassos. Alagoas tem vivido essa situação e alguns folguedos até desapareceram. Isso é um processo natural ou decorrência, por exemplo, da falta de interesse das novas gerações?
Às vezes as pessoas vão morrendo e não repassam e também porque, em alguns casos, as motivações são outras. Fazem aquilo como pagamento de promessa ou
A cultura popular está integrada à cultura como um todo. Ela é dinâmica, ela muda mesmo. Não pode ficar com um olhar meio arqueológico sobre a cultura popular
ENTREVISTA
setembro/outubro 20118
então têm uma relação muito personalizada com aquilo. Mas, ao mesmo tempo, eu vejo manifestações que estão crescendo e se fortalecendo, como por exemplo, o coco. Pelo menos em Pernambuco, o coco enquanto dança está a mil. Tem muitos grupos. Tem coco de roda, coco solto, coco de umbigada. Ao mesmo tempo em que temos manifestações que estão mais frágeis, temos outras que estão fortalecidas. Não pode ter nostalgia. Você pode ter ações organizadas de preservação, mas as culturas populares são extremamente livres e dinâmicas.
Por que em Pernambuco a cultura popular tem, para a sociedade, uma importância e um lugar de destaque muito maiores do que em outros estados do Nordeste, sobretudo
as manifestações populares relacionadas ao carnaval?
O carnaval pernambucano é muito forte. Tem inúmeros ritmos e isso facilita porque o carnaval é um encontro multicultural, reúne vários lugares do Brasil e do mundo. O carnaval de Recife tem mais de 11 ritmos: coco, maracatu rural, maracatu africano de baque virado, troça, clube, clube de frevo, clube de frevo de pau e corda, escola de samba, bloco, boi de carnaval, cavalo-marinho. É uma loucura. E tudo explode.
Mas independentemente de ser carnaval, parece que a relação do pernambucano com a cultura popular é mais intensa, não acha?
É difícil comparar porque são histórias de diferentes. Mas o Nordeste tem coisas
muito comuns. Alagoas e Pernambuco têm coisas muito parecidas, pela própria história cultural e econômica, a coisa dos engenhos de açúcar. Isso cria uma espécie de unidade, de certa caracterização desses lugares. Não pode fazer uma fronteira política, de que ao passar da divisa de Alagoas com Pernambuco as coisas mudam. Não. Existem formas, manifestações expressivas nessas regiões. Talvez a cultura popular de Pernambuco seja muito mais visível. Mas Alagoas tem os guerreiros, que são uma coisa fantástica, tem coisas próprias, tem as baianas, tem uma variedade enorme de pastoris. É muito rica a cultura popular de Alagoas. Os dois estados, Alagoas e Pernambuco, dialogam nessa questão da cultura popular
Mich
el Ri
os
Maracatu Rural de Nazaré da Mata, Pernambuco
setembro/outubro 20119
referente ao ciclo do açúcar. Tudo isso está ligado ao açúcar, esse grande elemento econômico e social.
O surgimento da maioria dos folguedos se dá justamente, no terreiro dos engenhos, das casas-grandes.
Sim, onde as pessoas têm essas memórias, esses costumes.
Em 1985, você publicou a obra Coleção Perseverança: Um Documento de Xangô Alagoano, em que trata de peças de terreiros de candomblé que foram reunidas e preservadas em museu, após um episódio conhecido como Quebra de Xangô, ocorrido em 1912. Qual a importância dessa coleção para o estudo
da cultura popular de origem africana?
Esse livro é um trabalho muito importante porque registra uma grande memória étnica de matriz africana. É uma publicação que eu gosto muito. É uma das coleções sobre a diáspora africana mais importantes do mundo. É um acervo preciosíssimo, muito importante, e está em Alagoas. É um material que deveria ser mais divulgado também, para as pessoas verem, terem acesso a esse acervo. Eu considero uma das coleções mais importantes no mundo referente à diáspora dos povos africanos.
É do conhecimento de pesquisadores e admiradores da cultura popular a influência das culturas indígena, europeia e africana. Na sua opinião, alguma dessas influências se sobressai, ou seja, tem maior peso?
A questão africana é muito forte. O Brasil é um país muito afro. Você pode ver que o Brasil é o país no mundo que,
O Brasil é um país muito afro. Você pode ver que o Brasil é o país no mundo que, fora do continente africano, reúne o maior número de afrodescendentes
ENTREVISTA
Celso
Bran
dão
Guerreiro Treme-terra do Mestre Oséas, de Junqueiro
setembro/outubro 201110
A OBRA
À Mesa com Gilberto Freyre
Editora: Senac
Confira alguns dos títulos publicados por Raul Lody
Cabelos de Axé –
Identidade e Resistência
Editora: Senac
Santo Também Come
Editora: Pallas
Dicionário de Arte Sacra e
Técnicas Afro-brasileiras
Editora: Pallas
fora do continente africano, reúne o maior número de afrodescendentes. Não é só uma questão quantitativa, mas qualitativa, conceitual. São inúmeras manifestações culturais. Na cultura popular, a gente vê, de maneira muito evidente, que a maioria é de base africana.
Você coordenou o projeto de registro do acarajé como Patrimônio Imaterial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O que significa, na prática, esse registro?
Significa o reconhecimento da importância do exercício, da mulher, que formam esse universo e a compreensão da cultura de matriz africana. Além do registro, o mais importante é o plano de salvaguarda, ou seja, trabalhar para manter essas tradições, essas memórias, difundir, preservar essas manifestações. Tão importante quanto registrar é a salvaguarda, que são justamente formas de como preservar, manter as receitas, as roupas, todas as coisas que caracterizam esse ofício. É um projeto longo, estamos trabalhando nele.
Em Alagoas, quais manifestações da cultura popular mereceriam o registro do Iphan?
O guerreiro é uma manifestação identitária muito alagoana. Os guerreiros deveriam ser documentados
longamente e isso serviria para o registro patrimonial porque aí teria todo um trabalho de apoio, de preservação. Os guerreiros são merecedores.
Algumas pessoas são contra a ideia de preservação, pois ela afetaria as transformações naturais. O que você acha?
A preservação é uma mediação. Não é um congelamento, um
engessamento. É preciso entender essa dinâmica. O que se registra é o saber, o processo. Não registramos o acarajé, registramos o processo. São formas de você interpretar de maneira dinâmica, criativa, porque cada manifestação é diferente da outra. Se você quer manter a identidade, a singularidade, é preciso preservar.
setembro/outubro 201111
ALMA BRINCANTE
ESPECIAL
TEXTO: JANAYNA ÁVILA
ILUSTRAÇÃO: MICHEL RIOS
Alagoas tem um folclore tão rico que costuma gerar dúvidas sobre o significado de cada brincadeira. Nesta edição, um resumo dos 26 folguedos mais expressivos do Estado. Tudo para você saber mais sobre as manifestações da cultura popular alagoana
setembro/outubro 201112
Se o folclore é também uma forma de “perpetuar a tradição dos povos e o labirinto das civilizações”, como afirmou o folclorista alagoano José Aloísio Brandão Vilela no livro Coletânea de Assuntos Folclóricos, é certo que é preciso saber suas minúcias para compreender melhor o significado e a beleza das construções simbólicas da cultura popular. Foi a esse ofício que o potiguar Luís da Câmara Cascudo dedicou-se inteiramente: por meio de uma obra composta de 31 livros, ele mergulhou nas brincadeiras para entender o Brasil, convencido de que “a verdadeira vida do povo só com o povo se pode aprender”,
na frase proferida pelo pesquisador Herbert Smith e usada como epígrafe de uma das publicações de Cascudo.
Em homenagem aos brincantes incansáveis de todas as idades, a GRACILIANO traz um “dossiê” dos folguedos populares. Nossa intenção é contribuir para a disseminação do folclore alagoano. Por essa razão, não trazemos aqui referências diretas a mestres ou grupos, mas sim à origem, enredo e personagens de cada folguedo. Para organizar estas informações, utilizamos fontes bibliográficas – em textos assinados por nomes como Théo Brandão, Abelardo Duarte e Ranilson França – e entrevistas com quem tem
intimidade, de longas datas, com a cultura popular. Optamos por listar apenas os folguedos que ainda possuem, pelo menos, um grupo ativo em Alagoas.
Como é natural, muitos folguedos passaram, ao longo do tempo, por transformações decorrentes de diversos fatores, como a intervenção na composição de personagens – retirando ou inserindo novos –, a mudança de figurino ou até do próprio enredo. Um exemplo disso está no mais popular dos folguedos alagoanos, o guerreiro. Alguns grupos deixaram de apresentar a parte onde é narrada a morte do Índio Peri, um de seus personagens.
setembro/outubro 201113
Embora não possua um enredo,
as baianas é um folguedo com
trilha sonora rica, composta
por cantos e uma percussão
marcante. Além das marchas de
entrada ou “abrição”, há peças
variadas e, ao final, os cantos de
despedida. O traje constitui-se de
três peças: blusas de cetim com
lantejoulas, saias longas, rodadas
e estampadas e lenço amarrado à
cabeça. As pulseiras, balangandãs
e colares também fazem parte da
indumentária. Além de ter um traje
diferenciado – vestido em tecido e
adereços brilhantes –, a mestra é
responsável pela marcação, com um
apito, da percussão e dos cantos.
Baianas
BandosFolguedo ligado aos festejos em
homenagem a Santa Luzia, o
bando é composto por um grupo
de mascarados – a pé ou montados
a cavalo – que correm e dançam
ao som de uma banda de pífanos
(conhecida popularmente como
esquenta mulher). Sem enredo, o
folguedo religioso tem o propósito
de convidar a população para
a festa. Para isso, participam
da procissão do mastro e,
em frente à igreja, fazem a
conclamação dos fiéis tocando
um sino. As máscaras usadas
são confeccionadas com
papel jornal pelos próprios
integrantes do grupo.
Neno
Can
uto
Celso
Bran
dão
ESPECIAL
Baianas Praieiras, do povoado Barreiras, de Coruripe
Bandos, de Chã de Anadia
setembro/outubro 201114
Apesar de algumas semelhanças à primeira vista, o boi de carnaval e o bumba-meu-boi são folguedos diferentes, embora o Boi de Carnaval seja derivado do Bumba-meu-boi (veja artigo nas págs. 62 a 65). O Boi de
Carnaval possui estrutura mais simples, embora também narre, como o bumba-meu-boi, a morte e ressurreição de seu protagonista, o boi. Em Maceió, o folguedo carnavalesco afirmou-se e é considerado por antropólogos
Boi de Carnaval
e folcloristas como uma das expressões populares mais significativas do carnaval alagoano. Hoje há até disputas entre diferentes grupos da cidade, que participam de mostras e festivais.
Rena
ta Vo
ss
Apresentação do Boi de Carnaval Rastafary, do bairro do Jacintinho, durante a cerimônia de lavagem do Senhor do Bomfim, em Maceió
setembro/outubro 201115
Bumba-meu-boi
Folguedo natalino bastante
conhecido, tem o boi como
personagem central. É considerado
por alguns pesquisadores como
o mais complexo dos folguedos,
sobretudo pela grande quantidade
de personagens que possui: cerca
de 70. O pesquisador Abelardo
Duarte, na obra Folclore Negro das
Alagoas, afirma que o bumba-
meu-boi está ligado à vida dos
engenhos do Nordeste, embora
tenha viajado para outras regiões
brasileiras, onde assimilou novas
feições. Já Ranilson França aponta
que há sinais visíveis da Commedia
dell’arte – forma de teatro popular
improvisado que surgiu na Itália
– no folguedo. Quanto ao nome,
há dois registros curiosos para
sua origem. O primeiro diz que
a denominação teria nascido a
partir dos passos do boi ao som da
pancada na zabumba, quando os
brincantes gritavam: “Zabumba,
meu boi!”. O outro registro está
presente em dois dicionários e
destaca a palavra “bumba” como
onomatopeia para queda, estrondo,
o que seria decorrente do momento
em que o boi vai ao chão. Para
Mário de Andrade, o bumba-meu-
boi é não apenas “a mais estranha,
original e complexa das nossas
danças dramáticas. É também a
mais exemplar”. O enredo narra
a dança, a morte, a preparação do
testamento das partes do boi e,
por fim, a ressurreição do bicho,
cuja representação é feita por uma
peça de madeira, com chifres,
e enfeitado com tecido, fitas e
lantejoulas. Dentro, um brincante
movimenta o animal, correndo
e dançando a todo instante.
Conforme observa Abelardo
Duarte, a parte da ressurreição
do boi é a mais jocosa de todas.
Há variações de acordo com cada
grupo e cidade, mas o bumba-
meu-boi alagoano tem, entre seus
personagens mais conhecidos, de
acordo com estudo do folclorista
Ranilson França, em Arte Popular
de Alagoas (2000), boi, Mateus,
Catirina, cavalo-marinho, morto-
vivo (conhecido também como
mané do gás), jaraguá, empreiteiro
e seus trabalhadores, caboclo
do arco, Felipa rapada, escova-
bota, barbeiro, cigana, margarida,
matuto da goma e o lobisomem.
Curiosamente, o cavalo-marinho
é um dos personagens de maior
destaque, pois atua como uma
espécie de mestre-sala. O boi é o
último personagem que aparece.
Os instrumentos usados são
percussão e apito.
ESPECIAL
Arquiv
o Jos
efina
Noa
ves
Bumba-meu-boi de Maragogi, do falecido mestre Eurico
setembro/outubro 201116
Caboclinhas
Cambindas
Sem enredo, caboclinhas é um
folguedo carnavalesco no qual
os personagens usam trajes
feitos com penas e acessórios de
conchas e sementes. Considerado
um folguedo híbrido (que resulta
da mistura entre dois ou mais
tipos de folguedos), tem origem,
segundo José Aloísio Brandão
Vilela, nos famosos maracatus
pernambucanos, no reisado
alagoano, nas baianas e no samba
de matuto. Embora não possua um
enredo, traz diversos personagens:
mestre, contramestre,
embaixadores, vassalos, Mateus,
rei, lira, general, borboleta, estrela
de ouro, rei Catulé e caboclinha.
Em suas apresentações, é
acompanhado de uma banda de
pífanos. Atualmente, segundo
informações da Associação dos
Folguedos Populares de Alagoas, há
apenas um grupo de caboclinhas
em atividade no Estado: na cidade
de Passo de Camaragibe, litoral
norte de Alagoas.
O folguedo carnavalesco não possui
enredo e é uma adaptação do
maracatu nação, de Pernambuco,
o que explica o fato de existirem
grupos somente no litoral Norte
de Alagoas, já na divisa com seu
Estado de origem, na cidade de
Porto de Pedras. Seu nome é
inspirado numa cidade situada
ao Sul de Angola. Os trajes das
integrantes assemelham-se ao das
baianas.
Celso
Bran
dão
Cambindas, do povoado Praia do Lage, em Porto de Pedras
setembro/outubro 201117
Cavalhada
Chegança
Popular na França e muito
tradicional no interior de Alagoas,
a cavalhada é uma espécie de
cortejo e torneio natalino de
origem medieval nos quais os
cavaleiros têm como objetivo
capturar, durante a corrida e com
uma lança, uma pequena argola
amarrada a um fio. O folguedo é
composto por 12 cavaleiros, que
são divididos, como no pastoril, em
dois grupos: o azul e o encarnado.
A música é executada ao vivo
por uma banda de pífanos.
Também conhecido como “jogo
das argolinhas”, o folguedo é
apresentado geralmente próximo
a igrejas.
Resultado da mistura entre
folguedos náuticos, reisados,
taieiras e pastoris, a chegança
é considerada uma variante de
outro folguedo – o fandango. Além
de narrar os sofrimentos no mar,
a chegança, segundo José Maria
Tenório Rocha, no livro Minha
Cartilha de Folclore (1989), faz
referência às guerras entre cristãos
católicos e mouros.
ESPECIAL
Rica
rdo L
êdo
Rica
rdo L
êdo
Chegança de Penedo
Cavalhada de Santa Luzia do Norte: disputa entre os cordões azul e encarnado
setembro/outubro 201118
Fandango/marujada
Cobra jararaca
Folguedos marítimos que têm
suas origens na Península Ibérica
(sudoeste europeu), o fandango
e a marujada não têm enredo.
Os personagens presentes nos
dois folguedos são almirante,
capitão, capitão de mar e guerra,
mestre piloto, mestre patrão,
padre-capelão, médico, oficiais
inferiores, marujos e gajeiros
(marinheiros cuja tarefa é
observar a aproximação de outras
embarcações e do continente).
A marujada possui cerca de 25
componentes. Já o fandango possui
de 45 a 50 componentes. Os cantos
náuticos apresentados pelos brincantes
são de épocas e origens diversas
e remontam sempre à lida no mar.
Quanto aos instrumentos musicais
usados, eles se diferenciam de acordo
com cada folguedo. Originalmente, a
apresentação acontece sobre um barco,
que funciona como palco.
Folguedo carnavalesco antigo, mas
pouco conhecido, a cobra jararaca
é formada, segundo informações
coletadas pelo folclorista Ranilson
França, por um grupo de 10 a 15
pessoas que brincam amarradas a
uma corda e lambuzadas de tinta.
Como um bloco de carnaval, seus
integrantes saem de porta em
porta pedindo comida e dinheiro
para a folia.
Rica
rdo L
êdo
Fandango do Pontal da Barra: criado em 1930, hoje é o único existente em Alagoas
setembro/outubro 201119
Gigantões ou bonecas
Guerreiro
Em Alagoas, os bonecos feitos
de papel machê sobre estrutura
de madeira, ganharam por aqui
o nome de gigantões, entremeio
do bumba-meu-boi, conforme
destaca Ranilson França. Nos
tempos atuais, as peças ganharam
nova matéria-prima, a fibra
de vidro, que garante maior
durabilidade à peça. Cabe a alguém
a tarefa de dar vida ao boneco oco,
movimentando-o pelas ruas. Suas
feições podem homenagear um
personagem real ou ser apenas a
representação de um personagem
criado pelo bonequeiro. Sem
enredo, os gigantões costumam
acompanhar desfiles de blocos
carnavalescos ou cortejos.
ESPECIAL
Mich
el Ri
os
Guerreiro Campeão do Trenado, comandado pelo mestre Nivaldo Abdias Bomfim
setembro/outubro 201120
É, provavelmente, o mais popular
dos folguedos alagoanos e seu
“nascimento” foi por volta dos
anos 1920 e 1390. A relação
do guerreiro com a identidade
alagoana é tão explorada que se
tornou comum o uso de uma das
peças da indumentária do mestre
– no caso, o chapéu em forma
de igreja, com espelhos, fitas e
contas – como símbolo de Alagoas.
O guerreiro é também um dos
folguedos que têm o maior número
de personagens. Entre eles estão
mestre, rei, rainha, Mateus, lira,
índio Peri, vassalos, estrela Dalva,
boi, borboleta, jaraguá e sereia.
O enredo é complexo: trata-se
de uma sequência de cantigas
dançadas, denominadas peças,
que são intercaladas por marchas.
Um das narrativas refere-se a uma
luta cujo objetivo é salvar a lira. Na
música, estão instrumentos como
sanfona, tambor e pandeiro. Como
os folguedos populares vivem
mudanças ao longo dos anos,
advindas de diferentes fatores, há,
por exemplo, grupos de guerreiro
que deixaram de apresentar um
trecho onde se narra a morte
do índio Peri. Há quem atribua a
alteração a uma necessidade de
reduzir o tempo de apresentação:
completo, o espetáculo do guerreiro
tem duração de até três horas,
o que exigia da plateia muita
disponibilidade de tempo. Uma
curiosidade: os espelhos não são
usados à toa, mas sim para proteger
os brincantes da inveja.
Celso
Bran
dão
Guerreiro Treme-terra do mestre Oséas: folguedo é um dos mais populares de Alagoas
setembro/outubro 201121
Mané do rosário
Maracatu
Considerado por alguns estudiosos
o folguedo mais antigo de Alagoas,
já que há registros de sua criação
no século 18, por volta de 1762, o
mané do rosário teria sido criado
em homenagem a dois brincantes
que usavam máscaras durante os
festejos de São José, o padroeiro
Para alguns folcloristas, o folguedo
está diretamente associado aos
grupos de Pernambuco, que
revivem as cortes africanas. Em
Alagoas, Abelardo Duarte registra
que já existiram diversos grupos
de maracatu semelhantes aos dos
nossos vizinhos. A versão alagoana
do folguedo é religiosa. Segundo
o mestre Geraldo, seu grupo, o
Maracatu Axé Zumbi, do Vergel,
integra a linhagem do maracatu
criado pelo mestre Benedito
do povoado de Poxim, situado em
Coruripe, litoral sul de Alagoas. Seu
propósito seria animar a festa, mas
anonimamente. Tradicionalmente,
somente os homens participavam
da brincadeira e vestiam roupas
femininas e chapéus de palha.
Hoje, mulheres também brincam.
Rostos e braços são cobertos
com tecidos e está aí o espírito da
brincadeira: cultivar o mistério
da identidade de quem brinca.
Uma banda de pífanos faz a trilha
sonora da apresentação.
Belarmino, de Bebedouro, famoso pai
de santo alagoano que, nos anos 1920,
teve a ideia de reunir os filhos de santo
do seu terreiro como reação à Quebra
de Xangô, movimento que buscou
eliminar a prática religiosa de origem
africana em Alagoas. O folguedo, que
narra as alegrias da corte, reúne cerca
de 11 personagens: rei, rainha, estrela
de ouro, mãe Maria, mãe preta, preto
velho, Catirina, calunga, escravos,
mucamas e africanas do cordão azul e
do cordão vermelho.
ESPECIAL
Neno
Can
uto
Mich
el Ri
os
Mané do rosário, do povoado Poxim, em Coruripe
Escravo, um dos personagens do Maracatu Axé Zumbi, do Vergel do Lago
setembro/outubro 201122
Negra da costa
Pastoril
Sem enredo, trata-se de uma
dança-cortejo. O grupo é formado
por homens vestidos com trajes
convencionais de baianas (roupa
e lenço branco). O mais curioso é
que todos os integrantes pintam
a pele com uma tinta preta, para
figurarem como negras retintas.
Sua origem estaria ligada, segundo
registros orais, a um truque criado
pelo escravos para defenderem
Folguedo bastante conhecido em
Alagoas e, segundo a Associação
dos Folguedos Populares de
Alagoas (Asfopal), o que tem
o maior número de grupos em
atividade no Estado, o pastoril é
apresentado, tradicionalmente,
no período natalino e é originário
do presépio. Seu enredo é simples
e compõe-se de jornadas soltas,
sem relação entre si: trata-se
de louvação ao nascimento do
Menino Jesus. É composto pelos
seguintes personagens: mestra,
contramestra, diana, pastorinhas,
cigana, anjo, demônio, pastor e
borboleta. Com exceção do pastor,
todas as outras personagens
são interpretadas por brincantes
do sexo feminino. O traje da
maioria das personagens remete
ao campo e é composto de saia,
suas mulheres do assédio dos
senhores de engenho, que os
observavam durante as danças.
Para não serem descobertos, os
homens evitavam dar as costas
aos senhores de engenho, já que
as mulheres tinham cabelos
longos. O folguedo relembra essa
atitude heroica dos escravos. Em
Alagoas, há apenas um grupo, em
Quebrangulo. Seus personagens
são o preto velho ou pai velho, a
mãe velha ou negra do balaio e
as baianas ou negras. O mestre
apresenta-se vestindo terno
completo e carrega uma bolsa,
onde guarda as ofertas da plateia.
Uma das negras carrega uma
boneca, chamada de calunga ou
Iansã. Os cantos são entodados
ao som do ganzá e do reco-reco.
camisa, colete, avental e chapéu
de palha. O auto traz um “duelo”
entre os dois cordões – o azul e o
encarnado (como é denominado,
no pastoril, o vermelho). A diana
é neutra na disputa e, por essa
razão, tem roupa de duas cores:
um lado vermelho e o outro azul.
Nas mãos, as brincantes trazem
um pandeiro enfeitado com as
fitas na cor do cordão ao qual
pertencem. Entre as jornadas, as
pastoras são chamadas em cena
para receberem as contribuições
financeiras da plateia – são elas que
irão determinar a disputa entre os
dois cordões. Depois de diversas
apresentações, costuma-se fazer
a coroação do cordão vencedor, ou
seja, aquele que recebeu as maiores
contribuições.
Rica
rdo L
êdo
Pastoril Mensageiro de Fátima, do Tabuleiro, comandado pela mestra Áurea de Barros Tavares
setembro/outubro 201123
Presépio O folguedo natalino que narra, em
três atos, o nascimento de Jesus
Cristo, originou o pastoril. Por
isso, traz elementos do folguedo,
a exemplo dos dois cordões – o
azul e o encarnado –, da mestra,
da contramestra e da Diana. A
eles, juntam-se ainda o demônio,
os anjos, os pastores e a cigana. O
vermelho está presente no manto
do Menino Jesus e o azul no manto
de Nossa Senhora. Com origem
nos antigos autos portugueses e
influência dos autos natalinos da
região da Provença, Sul da França,
o presépio está quase desaparecido
de Alagoas, havendo poucos
grupos.
QuilomboAo contrário do que o nome
sugere, o folguedo natalino não
faz referência aos episódios do
Quilombo dos Palmares. Trata
Folguedo natalino religioso, o
reisado é constituído por músicos,
cantores e dançadores reunidos
para apresentação de vários
episódios. Na indumentária e
nos personagens, assemelha-se
ao guerreiro, já que deu origem
a esse folguedo: rei, rainha,
embaixador, mestre ou secretário
de sal, contramestre, mateus e
palhaço fazem uso de saiote de
cetim, fitas coloridas e chapéus
de palha cobertos com tecido e
enfeitados com espelhos e fitas. Os
principais instrumentos musicais
usados durante a apresentação
da luta entre negros e brancos,
mouros e cristãos e negros e índios.
Geralmente, o auto é apresentado
numa construção com coberta de
palha e bandeirinhas usadas na
decoração de festas juninas, ao som
de uma banda de pífanos.
Reisado
são sanfona, tambor e pandeiro.
De origem portuguesa, o reisado
consiste no anúncio do nascimento
de Cristo e na homenagem aos
Reis Magos. Tradicionalmente,
apresenta-se de 24 de dezembro
a 06 de janeiro, sempre de porta
em porta. Curiosamente, o
bumba-meu-boi é um entremeio
tradicional do reisado.
ESPECIAL
Neno
Can
uto
Reisado Nossa Senhora Aparecida, de Água Branca
setembro/outubro 201124
Samba de matuto
Taieira
Urso de carnaval ou la ursa
Sem enredo e de origem
carnavalesca, o samba de matuto
possui relação com os maracatus
pernambucanos e é uma espécie
de cantiga dançada que fala dos
De origem africana, as taieiras
remontam aos tempos da
escravidão e não possuem um
enredo. São um cortejo natalino
Folguedo que sai às ruas somente
no período de carnaval, é formado
por foliões que brincam com um
urso feito de estopa, fibras vegetais
e outros materiais. Como diversos
grupos carnavalescos, pedem
comida, bebida e dinheiro de porta
em porta. Não se sabe, ao certo,
a origem do folguedo: há estudos
que o apontam como italiano e
outros que o relacionam a danças
africanas. Em Maceió, é mais
comum a existência de grupos no
bairro do Tabuleiro.
santos católicos e, sobretudo, de
entidades religiosas de origem
africana. Como no pastoril, possui
dois cordões: o azul e o encarnado.
É comum realizar, na abertura de
formado por mulheres vestidas de
blusas e saias rodadas que dançam
e cantam ao som de instrumentos
percussivos como o tambor, o
cada apresentação, uma saudação
aos orixás. As integrantes do
samba de matuto vestem blusas e
saias rodadas.
maracá, o reco-reco e o pandeiro.
O folclorista Théo Brandão destaca
que o folguedo deriva de outro, as
baianas.
Mich
el Ri
os
Urso de carnaval do mestre André, do Tabuleiro
setembro/outubro 201125
Coco alagoano
As danças
Assim como o guerreiro, o coco
está na identidade de Alagoas.
É provável que a dança tenha
seu nome inspirado, segundo o
pesquisador Abelardo Duarte,
no ofício de partir o coco, tarefa
desempenhada em redutos como
o famoso Quilombo dos Palmares,
na Serra da Barriga, zona da mata
alagoana. A batida da pedra na
casca do fruto ajudava a dar o
ritmo e convidava à dança. O
folclorista Aloísio Vilela, autor de
O Coco de Alagoas, lançado pelo
Museu Théo Brandão, abre seu livro
expondo as mais diferentes origens
apontadas para a dança. O próprio
Vilela destaca a necessidade de
aprofundamentos dos estudos
referentes a essa origem, embora
comente que havia descoberto
em Viçosa indícios de que o coco
teria identidade negra. Há cocos
por todos os cantos do Brasil,
mas em Alagoas se dança um
coco de forma muito particular,
com diferentes modos. Segundo
Vilela, os mais conhecidos são o
travessão, o cavalo manco, o trupe
repartido, o sete e meio e o xipacá.
Além de força nas pernas e nos
pés, é preciso manter a cadência
das palmas e do sapateado, o
que exige destreza do dançador
de coco. Não se pode participar
da dança sem imprimir vigor
ao ritmo. A chamada roda de
adulto, originária das cirandas
pernambucanas, funciona como
entremeio do coco, ou seja, é
apresentada quase sempre
no intervalo do folguedo. Seu
surgimento remonta ao meio
rural europeu. Os integrantes
desempenham funções, por isso
há o mestre (responsável por
“puxar” as cantigas), os demais
cantadores e os dançadores.
ESPECIAL
Rica
rdo L
êdo
Coco de Roda da saudosa mestra Hilda
setembro/outubro 201126
Dança de São Gonçalo
Torés
De origem religiosa, a dança de
São Gonçalo tem como propósito
o pagamento de promessa feita ao
santo de mesmo nome, um padre
português que, segundo registros
feitos por Ranilson França, utilizava
a música e a dança para fazer
pregações católicas e, desta forma,
evitar a prática da prostituição,
condenada pela doutrina cristã. A
dança é realizada nos velórios.
Embora seja de origem indígena,
em Alagoas o toré divide-se em
toré de índio e toré de xangô. Para
os índios, conforme assinalaram
diversos estudiosos do folclore
alagoano, a dança atua como
agradecimento e parte importante
do ritual de orações. É dançado de
forma ritmada e em círculo, e está
presente em aldeias de Palmeira
dos Índios e Porto Real do Colégio.
Já o toré de xangô é encontrado em
terreiros de religiões africanas e
tem como função a cura através de
entidades espirituais.
Neno
Can
uto
Mich
el Ri
os
Dança de São Gonçalo, do povoado Cal, na cidade de Água Branca
Toré dos índios xukuru-kariri, de Palmeira dos Índios
setembro/outubro 201127
THÉO BRANDÃO,
ELAYNE PONTUAL
O CAVALEIRO DA CULTURA
PERFIL
Falecido há 30 anos, o médico, professor e pesquisador que dedicou sua vida ao estudo do folclore alagoano era um observador cuidadoso das brincadeiras populares e um colecionador apaixonado
setembro/outubro 201128
Reprodução
O médico e professor alagoano Théo Brandão: devoção à cultura popular e aos estudos etnográficos
No dia 26 de janeiro de 1907, em Viçosa, a 86 km de Maceió, nasceu um menino franzino, filho de Manoel de Barros Loureiro Brandão e Carolina Vilela Brandão. Prematuro, veio ao mundo com apenas sete meses de gestação. “Esse menino não vai se criar”, afirmava a mãe, referindo-se ao recém-nascido Theotônio Vilela Brandão. Seu filho, hoje mais conhecido como Théo Brandão, viveu até os 74 anos e permanece na memória de um Estado repleto de brincadeiras, cantos e danças que despertaram a curiosidade do gênio alagoano.
Filho e neto de senhor de engenho, Théo Brandão teve seu primeiro contato com a arte popular ainda na infância. No Engenho Boa Sorte, entre pandeiros e violões, ele presenciava
as conquistas marítimas europeias dos séculos 15 e 16 através da marujada. Em outros momentos, durante a apresentação do reisado, o menino Théo podia contemplar reis, rainhas, Mateus e palhaços vestidos em cores variadas, com fitas e chapéus, cantando e dançando para anunciar a chegada do Menino Jesus.
Nas comemorações que ocorriam durante o ano, era comum que os folguedos populares marcassem presença para animar a população. Essas manifestações, tão cheias de alegria, tiveram uma influência muito marcante na vida de Théo Brandão, contribuindo para formar o repertório de informações que, anos depois, o ajudariam a ser um dos mais importantes folcloristas de Alagoas.
Aos dez anos, Théo Brandão saiu de Viçosa com sua família para morar em Maceió, onde concluiu os estudos. Em dezembro de 1923, deixou Alagoas para cursar Farmácia e Medicina na Bahia. Após quatro anos, concluiu o curso de
Farmácia e transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde se formou em Medicina, em 1929. Durante esse tempo, no período das férias, visitava Alagoas, onde encontrava a namorada que, mais tarde, seria sua esposa, Elide, que conheceu aos 17 anos. Com Elide, Théo Brandão teve quatro filhos: Walter, Válnia, Vólia e Vera.
O folclorista iniciou sua trajetória como médico, exercendo a Puericultura. Aos poucos, foi renunciando ao trabalho no consultório para ingressar na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), onde fundou as faculdades de Medicina e Filosofia. Théo Brandão percorreu um longo caminho acadêmico. Lecionou Antropologia Geral, Etnografia, Antropologia do Brasil, Folclore e Antropologia Cultural. Com a vida intelectual bastante ativa, transitou por várias áreas. Foi secretário da Educação, diretor do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, criou a Comissão Alagoana de Folclore, participava da Comissão Brasileira de Folclore,
Théo Brandão
Repr
oduç
ão
PERFIL
setembro/outubro 201130
era membro da Associação Alagoana de Antropologia e da Associação Mexicana de Antropologia. Foi fundador da Academia Alagoana de Letras e fazia parte do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL).
PAI DEDICADO
Mesmo com a agenda cheia, o versátil Théo Brandão ainda dispunha de tempo para ser um bom pai. “Nossa relação como pai e filha foi a melhor possível. Ele é para mim um ídolo, em termos de honestidade, integridade e de humanismo. Meu pai era um homem fantástico. Nós conversávamos bastante e ele me ensinou muito sobre Medicina. O nosso dia a dia foi uma experiência extraordinária para mim”, revela Válnia Brandão, médica e filha mais nova do folclorista.
Como professor, Théo Brandão se realizava. Na
busca constante da interação com os alunos, suas aulas sempre duravam mais do que o programado. Mas, durante o período em que esteve ocupado com atividades administrativas na universidade, sobrou pouco tempo para ministrar as aulas. A solução foi distribuí-las para os professores colaboradores. Estes passariam a ser conhecidos como “discípulos de Théo Brandão”. Um deles é Fernando Antonio Netto Lôbo, atual diretor do Museu da Imagem e do Som de Alagoas (Misa). O discípulo recorda a dedicação do professor: “O doutor Théo era muito cuidadoso e tentava sempre manter o padrão das aulas que ministrava. Todas as quartas-feiras, das 14h às 17h, ele reunia o nosso grupo em sua casa para dar orientação conceitual e teórica das disciplinas. A ideia era que a gente não fugisse muito da abordagem usada por ele nas salas de aula”.
Fernando Lôbo, a antropóloga Vera Lúcia Calheiros Malta e a museóloga Cármen Lúcia Dantas, organizaram o livro Théo Brandão – Vida em Dimensão, inspirado pela comemoração do centenário de nascimento do folclorista em 2007. “Reunimos todos os chamados ‘discípulos de Théo Brandão’, hoje professores da Ufal com carreira acadêmica expressiva. Agrupamos depoimentos e artigos das pessoas que conviveram e trabalharam com ele. A organização do livro foi um pouco complicada, pois muitos já estavam aposentados e outros já não moravam em Alagoas. A intenção era que a memória dele pudesse ser preservada de alguma forma. Esse livro é um registro direcionado para as gerações que não tiveram a oportunidade de conviver ou conhecer Théo Brandão”, explica.
O doutor Théo era muito cuidadoso e tentava sempre manter o padrão das aulas que ministrava
Fernando Lôbo Diretor do Museu da Imagem e do Som (Misa) e “discípulo” de Théo Brandão
Mich
el Ri
os
setembro/outubro 201131
AMANTE DAS ARTES POPULARES
No intuito de compreender as crendices dos pacientes que moravam no interior de Alagoas, Théo Brandão dedicou-se à Antropologia e ao estudo da cultura popular daquelas regiões. Além do contato intenso na infância, essa é outra explicação para o apego que o folclorista teve pelas manifestações do povo humilde. “Ele não era só de estudar. Ele ia até a fonte e pesquisava”, recorda Válnia, revelando o caráter inquieto e produtivo do pai. “Enquanto farmacêutico, frequentava as casas das pessoas humildes para saber como elas se davam a respeito de determinados medicamentos. Pesquisava os chás usados por elas para conhecer as potencialidades e os fármacos contidos na bebida. Dependendo das informações, ele podia transformá-los em medicamento”, conta.
O alagoano José Aloísio Vilela, primo de Théo Brandão, também foi outro grande estudioso e pesquisador do folclore. Mas, para Fernando Lôbo, Théo Brandão deu uma nova dimensão, inserindo o estudo do folclore dentro da universidade, como disciplina no campo da Antropologia. “Ele teve a preocupação de oferecer um conceito teórico, didático e pedagógico da disciplina”, afirma. O discípulo lamenta o refreamento atual nas pesquisas e estudos da área, mas reconhece que muitas universidades brasileiras estão trabalhando no desenvolvimento de trabalhos a partir do material deixado pelos precursores: “Em Maceió, nós temos uma instituição importante que é o Museu Théo Brandão, onde o acervo dele está organizado. Mas sabemos também que ainda há muito que fazer”.
Algumas pessoas acreditam que Théo Brandão ignorou
as manifestações culturais de origens afro e indígena, o que, para Fernando Lôbo, é um grande engano, já que o folclorista não teria mergulhado profundamente no estudo dessas expressões devido não apenas às suas especificidades, mas ao fato de que já havia, em Alagoas, dois grandes nomes que se dedicavam ao estudo dessas origens: os médicos Arthur Ramos e Abelardo Duarte.
Théo Brandão publicou diversos trabalhos sobre o folclore alagoano: O Reisado Alagoano (1953), O Guerreiro (1964), Folclore de Alagoas (1949), Trovas Populares de Alagoas (1951), O Pastoril (1964), Folguedos Natalinos de Alagoas (1961), além de vários artigos e ensaios veiculados em jornais e revistas especializadas. Os livros mencionados são considerados obras-primas e fundamentais para o estudo na área. Já nestas obras, é possível verificar o registro de algumas
Meu pai era um homem fantástico. Nós conversávamos bastante e ele me ensinou muito sobre Medicina
Válnia Brandão Médica e filha de Théo Brandão
Mich
el Ri
os
PERFIL
setembro/outubro 201132
mudanças nas expressões populares tradicionais observadas pelo folclorista, como em O Pastoril: “Hoje, o chamado folguedo folclórico, como o nosso pastoril, possui várias modificações em sua linha melódica. Os folguedos estão sofrendo um processo de aculturação e adequação aos modismos. Algumas músicas que não são da origem histórica dessas manifestações foram introduzidas”.
De acordo com Fernando Lôbo, Théo Brandão fez várias menções e artigos opondo-se a essas modificações e lhes dava o nome de “parafolclore”. “Não que sejamos saudosistas, mas a cultura tradicional tem que ser representativa. É preciso olhar e identificá-la. A cultura de massas é produzida em gabinete, ela não reflete”, desabafou o discípulo, garantindo que Théo Brandão, em vida, compartilhava de sua opinião.
O COLECIONADOR DE MEMÓRIAS
No período em que cursava Medicina no Rio de Janeiro, Théo Brandão passava as férias em Viçosa e gostava de ouvir as narrativas dos moradores do engenho Boa Sorte. Foi a partir dessas conversas que o folclorista deu início às suas anotações.
O hábito de armazenar as experiências in loco, utilizando
câmeras fotográficas e gravadores de áudio, revelava o pesquisador cuidadoso com a documentação da pesquisa e a validade de suas observações. Seus registros fotográficos e fonográficos fazem parte de uma obra extensa. Durante mais de 40 anos construiu um acervo tridimensional,
composto por livros, fotos, fitas cassete, fitas de rolo e VHS.
Além de registrar as manifestações, Théo realizava uma abordagem científica, citando autores e elaborando estudos comparativos entre as culturas. “Ele percebeu que as manifestações folclóricas de Alagoas e do Nordeste são
A OBRA
Seis Contos Populares no Brasil
Funarte - 1982
Pesquisador disciplinado, Théo Brandão é autor de uma obra vasta, composta por
diversos artigos e livros. Abaixo, alguns de seus títulos mais importantes dedicados
ao estudo da cultura popular alagoana
O Reisado Alagoano
Edufal - 2007
Folclore de Alagoas II
Funarte - 1982
O Presépio das Alagoas
Imprensa Universitária/Ufal - 1977
setembro/outubro 201133
CRONOLOGIA
1907Nasceu em Viçosa, município de Alagoas, no
dia 20 de janeiro
1960Abandonou a profissão de médico para
se dedicar apenas ao folclore. Assumiu a
cadeira de Antropologia da Universidade
Federal de Alagoas
1963Quando já participava de diversos congressos na
área de folclore, teve a ideia de criar um museu
de antropologia e folclore em Alagoas. O sonho
levaria alguns anos até virar realidade;
1961Passou a integrar, o Conselho Nacional
do Folclore, por ato do presidente da
República
1948Como secretário-geral da Comissão Alagoana de
Folclore, passou a colaborar com suplementos
literários de jornais de Alagoas, de Pernambuco e
do Rio de Janeiro. Tornou-se membro da Comissão
Nacional do Folclore
1917Mudou-se para a cidade de Maceió, onde
prosseguiu com o curso primário no Colégio São
José e depois no Colégio Diocesano, dos irmãos
Maristas
1923Transferiu-se para Salvador e ingressou na
Faculdade de Medicina da Bahia
1937Em 15 de novembro, tomou posse como membro
do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas
(IHGAL) e passou a se dedicar ao folclore
1949Recebeu o prêmio Othon Lynch, da Academia
Alagoana de Letras, pelo livro .
No mesmo ano, ganhou o Prêmio Mário de Andrade,
da Prefeitura de São Paulo, pela obra
herdeiras da tradição ibérica e também das regiões africanas, além da Oceania, da América do Norte e Central. Théo Brandão tentou compatibilizar essas manifestações. Um exemplo disso é o fandango, que faz sua trajetória contando a vida dos portugueses através dos mares”, lembra Fernando Lôbo.
Além de pesquisador cuidadoso, Théo Brandão também era um colecionador, conforme revela Fernando Lôbo: “Quando viajava para o exterior, ele trazia muita
coisa relacionada aos povos, principalmente de Portugal. Livros da Europa, da América e especialmente do México. Todo o material estava armazenado em sua casa e já não cabia mais”. A filha, Válnia, também guarda recordações do hábito de colecionar do folclorista: “Minha casa era um verdadeiro museu. Minha mãe adorava isso e sempre dizia: ‘Não mexa nas bugigangas do seu pai’”, lembrou Válnia, buscando na memória o tempo em que morava com os pais.
Percebendo o volume e a importância do seu acervo, o folclorista desejava ter um lugar onde todo aquele material pudesse ser preservado e disponibilizado para o público. Criado no dia 20 de agosto de 1975, o sonho de Théo Brandão não só foi realizado como também recebeu seu nome. O Museu Théo Brandão de Antropologia e Folclore, pertencente à Universidade Federal de Alagoas, abriga sua coleção de arte popular, além de uma biblioteca com todos
PERFIL
setembro/outubro 201134
1928 Bacharelou-se em Farmácia
1975Doou sua coleção particular de
objetos de cultura popular à
Universidade Federal de Alagoas.
Nascia o Museu Théo Brandão de
Antropologia e Folclore
1981Sentindo-se mal, viajou para Rio de Janeiro e
pediu conselhos aos amigos, também médicos.
Foi operado, mas o câncer no intestino persistiu.
Por decisão da família, voltou para Maceió,
falecendo no dia 29 de setembro do mesmo ano
1971Foi indicado para o cargo de
diretor do Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas (IFCH), que
em 1972 seria incorporado à Ufal
1977Foi um dos fundadores da
Sociedade Brasileira de Médicos
Escritores de Alagoas (Sobrames),
onde exerceu a função de vice-
presidente por dois mandatos
1930Abriu um consultório no Recife e passou a trabalhar
também como pediatra no Hospital Manoel S. Almeida
e na Inspetoria de Higiene Infantil e Pré-Escolar do
Departamento de Saúde Pública de Pernambuco
1950O folclorista recebeu, novamente, o
Prêmio Mário de Andrade, pela obra
1952Em janeiro, ainda como secretário-geral da
Comissão Alagoana de Folclore, reuniu, em
Maceió, folcloristas de todo o Brasil, sendo
recomendado para a preparação e execução da 4ª
Semana de Folclore
1929Ao concluir a faculdade de Farmácia, pediu transferência para
o Rio de Janeiro, onde concluiu o curso de Medicina. Passou a
colaborar com pequenos jornais publicados em Viçosa, enviando,
do Rio de Janeiro, poemas e crônicas a respeito da cidade e do
folclore viçosense
1951Foi eleito para a Academia Alagoana de Letras.
Também ocupou as cátedras de Puericultura
e Clínica da Infância, além de Antropologia e
Etnografia, quando foram fundadas as Faculdades
de Medicina e de Filosofia de Alagoas
os livros publicados por ele e títulos sobre cultura popular de outros autores.
O POETA
“Nossos folcloristas, com poucas exceções, estão ajudando o Brasil a descobrir-se perante a si mesmo, enquanto formam uma obra de nacionalismo verdadeiramente sadio”, disse Théo Brandão em entrevista ao jornal Tribuna da Imprensa, do Rio de Janeiro, em 1956. A afirmação mostra como
acreditava na contribuição da pesquisa sobre cultura popular para a reflexão sobre identidade.
A polivalência de Théo Brandão era a causa ou até mesmo a consequência de sua ansiedade e perfeccionismo. Versátil, possuía várias habilidades. Havia dias em que se dedicava apenas à leitura, trancado em seu gabinete. Sempre gostou de ler, talvez incentivado pelo pai, que também era médico. Lia em inglês, em francês e espanhol
e costumava manter contato com muitos intelectuais da época. No entanto, era tímido. Tanto que, para concretizar outra de suas aspirações – a poesia –, usou um pseudônimo: João Guadalajara. Com ele, assinou poemas sobre diversos temas, como o poema Viçosa: “O cordão branco das filhas de Maria/Descendo a ladeira da Matriz/‘Quadro’ bonito do Brasil nacional.../Viçosa, cidadezinha do país das Alagoas/Terra de tanta coisa ruim/Terra de tanta coisa boa!”
setembro/outubro 201135
O MÉRITO DOS MESTRES
ELAYNE PONTUAL
Criado em 2004, o Registro de Patrimônio Vivo de Alagoas garante que alagoanos detentores de conhecimentos relacionados à cultura popular local tenham seu ofício registrado e recebam uma bolsa vitalícia de incentivo. O auxílio contribui para tornar possível a transmissão do saber a outras gerações
REPORTAGEM
setembro/outubro 201136
Vestido de um jeito cômico, com trajes multicoloridos, maquiagem branca e nariz vermelho, o artista circense alagoano Teófanes Antônio Leite da Silveira, também conhecido como Palhaço Biribinha, faz piadas, anedotas, malabarismos e caretas há mais de cinco décadas. Nascido em Arapiraca, desde os sete anos de idade o artista dedica-se a levar alegria e divertimento para plateias de todas as idades.
Todo esse tempo de dedicação à arte circense proporcionou a Teófanes o privilégio de receber o título de Patrimônio Vivo do Estado de Alagoas (RPV-AL). Assim como ele, vários artistas alagoanos que trabalham com danças, folguedos, música, literatura, gastronomia e artesanato, entre outras atividades, tiveram, enfim, o reconhecimento
de suas práticas. Em 22 de setembro de 2004, o governo do Estado de Alagoas sancionou a Lei nº 6.513, instituindo o Livro de Registro do Patrimônio Vivo do Estado de Alagoas (RPV-AL). Com a lei, todo e qualquer alagoano detentor de conhecimentos ou técnicas para a produção e preservação da cultura popular alagoana adquiriu o direito de ter a valorização de seu ofício registrada nas páginas da história de sua gente.
A lei tem como objetivo principal garantir a continuidade histórica e auxiliar na difusão do conhecimento dos beneficiados através de mídias como CDs e DVDs ou acompanhamento das atividades desenvolvidas pelos mestres. A ideia é garantir a documentação e a transmissão dos saberes às novas gerações
de aprendizes. Ao que parece, Teófanes
não pretende aposentar tão cedo o palhaço Biribinha: “Eu ministro oficinas, dou palestras, apresento espetáculos e escrevo. Com a idade que tenho, acho que ainda posso fazer muitas coisas”, afirma, esquecendo-se de mencionar a participação na novela Araguaia, produzida pela TV Globo e exibida entre setembro de 2010 e abril de 2011.
MUDANÇAS
Os mestres inscritos no RPV-AL recebem bolsas vitalícias de incentivo. No início, o beneficiado embolsava uma quantia de R$ 500 mensais, mas, em 30 de junho de 2010, o governador Teotonio Vilela Filho fez uma atualização na lei nº 6.513, modificando os arts.
Eu ministro oficinas, dou palestras, apresento espetáculos e escrevo. Com a idade que tenho, acho que ainda posso fazer muitas coisas
Palhaço Biribinha Mestre das artes cênicas
Adail
son C
arlhe
iros
setembro/outubro 201137
2º e 4º. Uma das mudanças foi no valor da bolsa, que passou a ter como indexador o salário mínimo.
De acordo com o secretário de Estado da Cultura, Osvaldo Viégas, os integrantes do Conselho Estadual de Cultura chegaram à conclusão de que era preciso ampliar o número de selecionados anualmente: “O número máximo dos que poderiam receber a bolsa era de 30 pessoas. Eles achavam pouco face à diversidade e à riqueza de mestres da cultura popular”, explicou.
Com a mudança na lei, a quantidade de beneficiados foi ampliada de 30 para 40 mestres. Excepcionalmente
nos anos de 2010 e 2011, o número de selecionados foi ampliado para oito novos mestres. A partir de 2012, esse número volta a ser de cinco pessoas. No edital deste ano, a comissão julgadora selecionou 11 mestres, já que existiam vagas abertas em função da morte de três mestres. As três vagas adicionais respeitam o acréscimo na lei, que habilita um novo mestre havendo o falecimento de outro.
Outra mudança está ligada à flexibilidade na difusão do conhecimento dos mestres: “A lei exigia que a transmissão fosse presencial e agora pode ser através de vídeo, ou de outras formas não presenciais.
Alguns mestres já têm idade avançada e através de um registro ele pode veicular e dar continuidade ao seu conhecimento”, disse Viégas.
A Secretaria de Estado da Cultura (Secult) lançou, em abril deste ano, o edital para a seleção de 2011, com um prazo de 30 dias, após a publicação, para que as inscrições fossem realizadas. No total, 42 pessoas se inscreveram.
A lista com os nomes dos habilitados foi apresentada em um relatório elaborado pela Comissão Especial, sendo consolidada no Conselho Estadual de Cultura (veja quadro ao lado).
A cultura popular abrange diversas áreas. É muito importante ter essa diversificação das pessoas que são contempladas e que têm seus nomes registrados no patrimônio vivo. A comissão tem procurado manter uma leitura diversificada para ter um registro representativo da diversidade cultural
Osvaldo Viégas Secretário de Estado da Cultura
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REPORTAGEM
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Fizeram parte da comissão alguns especialistas como a antropóloga Rachel Rocha, o médico e pesquisador de folclore, Gustavo Quintela, o diretor do museu Théo Brandão, Wagner Chaves, e Suely Santos Silva, presidente da Associação dos Folguedos Populares de Alagoas (Asfopal). Os membros da Secult também participaram do julgamento.
DIVERSIDADE CULTURAL
Os Josés e as Marias que fazem parte da relação de mestres selecionados representam a diversidade cultural alagoana através de suas atividades distintas. Enquanto José Sebastião é mestre de guerreiro, José Cícero é mestre artesão. Maria José é mestra das baianas e sua xará, Maria Benedita, é mestra de mané do rosário. A diversidade pode não estar presente nos nomes, mas na prática cultural de cada um ela é flagrante. “A cultura popular abrange diversas áreas. É muito importante ter essa diversificação das pessoas que são contempladas e que têm seus nomes registrados no patrimônio vivo. A comissão tem procurado manter uma leitura diversificada para ter um registro representativo da diversidade cultural”, afirma Viégas.
TESOUROS DA CULTURA
2005Djalma José de OliveiraMestre de guerreiro – falecido em 2010Elias Procópio de LimaMestre violeiro e repentista Irineia Rosa Nunes da SilvaMestra artesã - artesanato em cerâmica José Ricardo dos Santos NetoMestre de dança de São GonçaloJuvenal Leonardo JordãoMestre de guerreiroLuzia Simões da SilvaMestra de chegança e pastoril – falecida em 2010Manoel Venâncio de AmorimMestre de guerreiro e pagode – falecido em 2008Nelson Vicente RosaMestre de coco de rodaNivaldo Abdias BomfimMestre de guerreiro
2006Benon Pinto da SilvaMestre de guerreiroJosé Sebastião de OliveiraMestre de guerreiro – falecido em 2010Maria Benedita dos SantosMestra de mané do rosário
2007Maria Vitória da SilvaMestra de guerreiro – falecida em 2009José Felix dos Santos (Jota do Pife)Mestre de banda de pífano – falecido em 2011 Fernando Rodrigues dos Santos Mestre artesão em madeira – falecido em 2009
2008Áurea de Barros TavaresMestra de baianas e pastorilClarisse Severiano dos SantosMestra artesã de renda de bilroJosé Pereira LimaMestre de reisado
2009Nelson dos Santos (Nelson da Rabeca)Mestre rabequeiro
Confira a relação dos mestres contemplados pelo Registro do Patrimônio Vivo de
Alagoas no período de 2005 a 2011
Maria Flôr dos Santos (Dona Flôr)Rainha de guerreiro Maria José dos SantosMestra das baianas
2010João Galdino da Silva (Mestre Bia)Mestre de banda de pífanosJosé Gonçalves dos Santos (Hilton da Capela)Pandeirista e poeta cantadorJosé Cícero Abdias Bonfim (Cicinho)ArtesãoJosé Gomes Pureza (Zé Hum)Pandeirista de chegança e pastorilJuvenal Domingos (Mestre Juvenal Domingos)Mestre de guerreiro Lizanel Cândido da Silva (Mestre Jacaré)Mestre de capoeiraRaul Vicente de Queiroz (Raul Vicente)Violeiro, repentista e escritorTeófanes Antônio Leite da Silveira (Palhaço Biribinha)Mestre de artes cênicas
2011Jorge Calheiros CordelistaAnésia Maria da ConceiçãoRezadeira e parteiraJoão das AlagoasArtesão da cerâmicaArtur Moraes dos SantosMestre de guerreiroAndré Joaquim dos SantosMestre de guerreiroMaria de Lourdes MenezesBonequeiraAnadeje Morais da SilvaRainha e coordenadora de guerreiroExpedito Tavares dos SantosMestre de reisadoSeverino João da SilvaVioleiro e repentistaJoão Pereira LimaVioleiro e cordelista Mãe NeideIalorixá
Fonte: http://www.cultura.al.gov.br/politicas-e-acoes/patrimonio-vivo
setembro/outubro 201139
GUERREIRO E IDENTIDADE ALAGOANA
ARTIGO
TEXTO: TELMA CÉSAR* FOTOS: MICHEL RIOS
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O guerreiro, reconhecido por importantes estudiosos da cultura popular local como um folguedo genuinamente alagoano, caracteriza-se, entre outros aspectos, pela sua indumentária, sobressaindo-se o uso de esplendorosos chapéus em formato de igrejas, recobertos de espelhos, miçangas variadas e brilhos, em uma profusão de cores que compõem rara beleza plástica. Este texto pretende pôr em discussão a utilização do chapéu do guerreiro como símbolo de identidade alagoana.
Diferentemente da maioria dos folguedos que integram as tradições populares do Brasil, é possível localizar o período histórico em que o guerreiro surge em Alagoas, na década de 30 do século 20, podendo ser assim considerado uma manifestação relativamente jovem. Adaptando elementos dos caboclinhos e dos reisados, tem sua musicalidade definida pela base percussiva de um tambor e dos pandeiros tocados pelo palhaço e o Mateus, ambos personagens do folguedo, e pela sanfona e o
canto estruturando a melodia. O mestre é o principal cantor solista, acompanhado pelo coro composto pelos demais integrantes que se dividem entre as figuras que compõem os dois cordões (filas), e os inúmeros personagens, que, em sua maioria, dançam no centro entre os dois cordões.
Um dos aspectos marcantes do guerreiro alagoano são os entremeios e as partes. Os entremeios são espécies de esquetes teatrais, encenações desencadeadas a partir de um personagem que, no guerreiro, são inúmeros, tais como lobisomem, jaraguá, boi, entre outros. As partes são consideradas o ponto alto do folguedo, dentre elas destacando-se a parte do índio Peri e a parte da lira. Essas partes estruturam-se como uma espécie de opereta, com os avisos (prólogos), o desenrolar da trama central e o final.
O médico e músico alagoano Gustavo Quintela, pesquisador e estudioso do guerreiro, reconhecendo a beleza musical e poética dessa partes e, por outro lado, deparando-se
com a falta de transmissão desse conhecimento, realizou brilhante trabalho de anotação das principais partes do guerreiro: a parte do índio Peri e a parte da lira.
Vê-se que a última geração de mestres conhecedores dessas partes já se foi. Restam hoje pouquíssimos mestres que conhecem as partes e muito poucas, para não dizer nenhuma, são as oportunidades de apresentá-las, o que torna cada vez mais difícil a vida e a transmissão desse conhecimento. Em 2010, tivemos a partida de mestre Verdilinho e mestre Jaime; em 2009, mestra Vitória e, em 2008, mestre Venâncio.
A desvitalização do folguedo é notória no Estado. Sabemos que os grupos de guerreiro configuravam-se como verdadeiras trupes mambembes que excursionavam pelo interior do Estado no período natalino e que também na capital abrilhantavam as festas desse período do ano. Essas trupes reuniam pessoas de diferentes idades e seus
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integrantes galgavam posições dentro do folguedo – a maioria deles quando fala sobre sua trajetória nesse campo refere-se ao tempo em que “entrou na profissão”, tamanho era o engajamento e comprometimento com a função de atuar no grupo. Hoje, sabemos que apenas dois grupos ainda atuam no interior percorrendo as cidades da região: os guerreiros dos mestres Nivaldo e José
Laurentino. Sem estrutura e apoio, esses grupos se arrastam de cidade a cidade às custas de esforços pessoais incomensuráveis.
Na capital, até a década de 90, ainda era possível ver os ensaios semanais dos grupos em bairros como Chã de Bebedouro e Chã da Jaqueira, que mobilizavam a vizinhança em torno daquele
acontecimento que ganhava caráter festivo e onde podíamos ver ainda a participação da juventude local. Atualmente, o que podemos observar nos poucos grupos que mantêm essa prática de ensaio semanal, é que a ação restringe-se ao grupo que ensaia, prestigiado em sua maioria apenas por pessoas idosas. Nesse sentido, a questão da continuidade da tradição fica ameaçada. Esta evasão, inclusive, tem levado os integrantes desses grupos a movimentarem-se no sentido de um grupo frequentar o ensaio do outro de maneira a motivar a permanência dessa prática, tão fundamental para o
desenvolvimento do folguedo.Já é possível localizar uma
diminuição impressionante do número de grupos no Estado. Na capital, temos apenas os grupos dos mestres Benon Pinto da Silva, Juvenal Leonardo Jordão, Nivaldo Abdias Bonfim, Juvenal Domingues e o André Joaquin dos Santos (que tenta manter ativo o grupo do falecido mestre Venâncio), além
de Nadeje, que hoje coordena o grupo Leão Devorador, antes liderado por sua mãe, Maria Vitória.
Em um movimento contrário a essa situação descendente, (para não dizer decadente) da realidade descrita, nos últimos dez anos, é crescente o aparecimento do chapéu de guerreiro como objeto ilustrativo de produtos diversos, eventos das mais variadas áreas – de campeonato de handebol a congressos da área médica. Há cerca de dez anos foi construído um enorme chapéu de guerreiro, obra do artista plástico Rogério Sarmento, patrocinado por
Nos últimos dez anos, é crescente o aparecimento do chapéu de guerreiro como objeto ilustrativo de produtos diversos, eventos das mais variadas áreas – de campeonato de handebol a congressos da área médica
ARTIGO
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empresa privada, colocado em um entroncamento em vias de grande fluxo de trânsito de acesso à cidade. A imagem do chapéu de guerreiro tornou-se símbolo de Alagoas e de alagoaneidade. O que se percebe, no entanto, é que esse objeto foi totalmente deslocado de seu contexto original como um recorte, uma parte que não diz sobre o todo. Um chapéu sem cabeça.
Constata-se, assim, que termos uma apropriação que não alimenta a sobrevivência do objeto gerador do símbolo – o guerreiro. Nessa direção, qual será o futuro deste símbolo? Simbolizar o passado? Segundo Peter Fry (1982:52/53), a conversão de símbolos étnicos em símbolos nacionais não apenas oculta uma situação de dominação racial mas torna
muito mais difícil a tarefa de denunciá-la .
A perspectiva proposta pelo autor supracitado, embora toque em dimensões outras que não as específicas ao contexto aqui discutido, parece-me pertinente para pensarmos como o chapéu do guerreiro inicialmente era um símbolo de pertencimento relativo a grupos específicos atrelado ao folguedo em si, e hoje passa a ser usado como símbolo identitário de um Estado. Poderíamos pensar nos porquês dessa escolha e quais as possíveis implicações dela sobre a manifestação simbolizada. Não será esta uma estratégia de ocultamento sobre a real situação na qual se encontra o guerreiro?
Numa sociedade de natureza fortemente hierarquizada
como a nossa, onde as classes sociais não se misturam, essa parece ser uma apropriação injusta, sem troca, na medida em que não vemos investimentos, na mesma proporção do uso simbólico do chapéu, no sentido de alimentar a sobrevivência e desenvolvimento do guerreiro alagoano. Parece-me urgente pensarmos na implementação de ações que fomentem a vitalidade desse folguedo. A quem caberia essas ações? Às políticas públicas? A cada um de nós? Quem irá colocar a carapuça, digo o chapéu, na cabeça?
*É artista da dança, diretora da Cia dos
Pés, mestre em Artes pela Unicamp,
pesquisadora do grupo de pesquisa
Danças do Brasil, vinculado ao curso de
licenciatura em Dança da Universidade
Federal de Alagoas, onde é professora
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REPORTAGEM
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PEQUENA NOTÁVEL
TEXTO: VANESSA MOTA ILUSTRAÇÃO: MICHEL RIOS
Criada há 25 anos, a Associação de Folguedos Populares de Alagoas (Asfopal)dribla dificuldades para manter seu trabalho de incentivo e preservação das manifestações culturais alagoanas
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Durante uma reunião ocorrida em dezembro de 1985, quando cinco mestres da cultura popular, preocupados com o futuro dos folguedos e danças, procuraram o professor Ranilson França, surgiu a ideia de criar uma instituição responsável pela proteção e divulgação do folclore alagoano. Na época, Ranilson era diretor de Difusão Cultural da Coordenadoria de Ação Cultural da Secretaria Estadual de Cultura (Secult) e, assim como os mestres, já nutria um afeto especial pelo folclore.
Nascia, no ano seguinte, em 1986, a Associação dos Folguedos Populares de Alagoas (Asfopal), entidade sem fins lucrativos que, dali por diante, representaria os principais grupos de folguedo, atuante na busca por assistência e valorização das manifestações culturais do Estado.
Com sede provisória na Secult, que abrigava as reuniões semanais, a Asfopal teve sua primeira eleição em janeiro do ano seguinte. Coordenador do guerreiro Treme Terra, Wilson Correia foi eleito presidente. A primeira diretoria tomou posse em maio, no Museu Théo Brandão, em solenidade que teve a presença de uma das personalidades femininas mais marcantes da cultura popular alagoana, a mestra do guerreiro Joana Gajuru, falecida em 1986.
Em março de 1988, o então presidente, Wilson Correia, renunciou ao cargo. Ranilson França assumiu em caráter provisório, tendo como vice o mestre Juvêncio Joaquim, da Chegança Cruzador São Paulo, de Rio Largo. Naquele mesmo ano, a associação recebeu o primeiro convite para que um de seus grupos associados se apresentasse fora do Estado.
Foi também em 1988 que a professora alagoana Josefina Novaes, que foi presidente da instituição de 2007 a 2011, acabou, quase por acaso, associando-se. “Quando fui trabalhar na Coordenadoria de Ação Cultural, na Secult, Ranilson pediu para que substituísse a secretária, que havia faltado à reunião. Acabei entrando e estou até hoje”, conta. Em dezembro, a Asfopal realizava a primeira edição do projeto Natal nos Bairros, que circulava pela cidade resgatando os tradicionais festejos típicos da época. A ideia era elogiada pela população, que gostava de ver as apresentações de folguedos natalinos, como o pastoril e o reisado.
Em 1999, a instituição recebeu uma espécie de reconhecimento pelo trabalho que vinha realizando. Quando a produção do programa
Criada em 1986, a Associação dos Folguedos Populares de Alagoas continua, mesmo enfrentando dificuldades, sendo a maior representante dos brincantes do folclore alagoano
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REPORTAGEM
Reunião mensal da Asfopal, onde são debatidos temas referentes à cultura popular
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Organizada pela Asfopal, a apresentação do pagode Comigo Ninguém Pode celebrou o Dia do Folclore, em 1997
Fantástico, da TV Globo, chegou à cidade para gravar uma reportagem sobre o coco de roda alagoano, foi à Asfopal que a equipe recorreu para buscar não apenas os contatos para as entrevistas, mas também as informações sobre um dos folguedos mais tradicionais de Alagoas.
Nas comemorações dos 15 anos da Asfopal, em 2000, o engenheiro Edson Novaes apresentou o projeto de construção da vila Joana Gajuru, que abrigaria casas para 52 mestres associados à Asfopal, com praça central para ensaios e sede permanente para a associação. O conjunto foi invadido e a atual gestão da associação busca a retomada da área.
Em 2001, a Asfopal lançou outro projeto, o Caminhão do Forró, que, com o apoio da Lei Municipal de Incentivo à
Cultura, circulava, durante o período junino e sempre às sextas-feiras, em bairros da capital alagoana. A carroceria do caminhão e as praças onde ficavam estacionados eram
transformadas em palco para a apresentação dos mais diversos folguedos.
Quando Maceió foi eleita Capital Americana da Cultura (CAC), em 2002, a Asfopal participou da elaboração de projetos, dentre os quais estava a inauguração de sete múcleos de tradições populares
espalhados pela cidade, embora somente um deles, no Pontal da Barra, tenha sido inaugurado. No mesmo ano, foi lançado o CD Folclore Alagoano – Folguedos e Danças, registro fonográfico
das principais manifestações folclóricas de Alagoas, com o apoio da Fundação Municipal de Ação Cultural (FMAC).
Em 2003, a Asfopal deu início a um projeto que, durante algum tempo, garantiu a apresentação sistemática de folguedos populares alagoanos. Graças à dedicação de Ranilson França e sua equipe, o Engenho de Folguedos entrou para o calendário cultural da capital alagoana. Os ensaios abertos dos grupos folclóricos eram realizados semanalmente, sempre às quintas-feiras, no pátio do Museu Théo Brandão de Antropologia e Folclore. O objetivo era levar à população a existência dos grupos e a diversidade cultural do Estado.
Depois de algum tempo suspenso e da realização do projeto no Museu Palácio Floriano Peixoto, o Engenho de Folguedos foi relançado no
Uma das principais ações empreendidas pela Asfopal foi o Caminhão do Forró, que percorria, durante o período junino, diversos bairros de Maceió
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último mês de agosto, com o apoio da Secult. Nesta nova edição, o projeto é realizado sempre na última quarta-feira do mês, a partir das 20h, no pátio do Museu Théo Brandão, instituição parceira da Asfopal.
No ano seguinte à criação do Engenho de Folguedos, o governo do Estado decretou a Lei Estadual do Registro do Patrimônio Vivo, através da qual vários mestres da cultura popular alagoana passariam a receber ajuda financeira mensal vitalícia (confira reportagem sobre o projeto nas págs. 36 a 39).
NOVOS RUMOS
No dia 14 de agosto de 2006, Ranilson França, fundador e
As pessoas precisam voltar o olhar para a riqueza cultural que temos. Somos um dos estados que mais possui manifestações folclóricas
Suely Sanos Silva Presidente da Asfopal
então presidente da instituição, falece vítima de câncer. Mestre Juvêncio assumiu a presidência da Asfopal. Em março de 2007, Josefina Novaes é eleita para o cargo. “Fui pressionada a assumir. A responsabilidade de substituir Ranilson era grande, quase impossível. Todos estavam chocados e tristes com sua morte. O que realmente me motivou a encarar o desafio foi a possibilidade de ver um trabalho de vários anos acabar e deixar os mestres sem rumo”, conta Josefina.
Em 2008, mesmo ano em que a Asfopal ganhou um assento no Conselho Estadual de Cultura, o projeto Engenho de Folguedos foi paralisado. O retorno só aconteceu 21 meses depois, através de um convênio
firmado entre a instituição e a Secult. As apresentações passaram a ser realizadas nos jardins do Museu Palácio Floriano Peixoto, na Praça dos Martírios, Centro de Maceió.
Em dezembro de 2010, a instituição comemorou seus 25 anos de fundação com o lançamento do livro Asfopal: 25 Anos Brincando Sério, que reúne fotos e dados que contam um pouco de sua história, além da biografia dos mestres da cultura alagoana que contribuíram para o crescimento da associação. “O livro é um registro desta caminhada, com pouco apoio, mas com muita vontade de vencermos”, explica Josefina, que assina a obra.
Na última eleição para a
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REPORTAGEM
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A maioria dos grupos de folguedos queixa-se dos contratos: são poucas as pessoas que respeitam a necessidade de fornecimento de transporte e alimentação para os brincantes
direção da Asfopal, ocorrida em março de 2011, foi eleita Suely Santos Silva, que acompanhou a trajetória de Ranilson França desde que foi sua aluna, tornando-se uma apaixonada pela cultura local. Ela ressalta que o trabalho com os grupos de folguedos não se resume somente ao momento das apresentações. Segundo Suely, existe todo um cuidado com a saúde dos mestres, que, em sua maioria, já estão em idade avançada. “Procuramos sempre resolver todas as questões colocadas por eles quando conversamos em
nossas reuniões quinzenais”, diz. A presidente faz questão de ressaltar que todos os méritos obtidos pela associação devem-se ao esforço de todos que a compõem. “Mantemos
um trabalho integrado. A figura do presidente representa legalmente a instituição, mas nosso trabalho é feito em conjunto”.
Ela aponta como sua principal missão manter vivo o que considera como sendo o papel principal da Asfopal: buscar a união entre os grupos e trabalhar na conscientização a respeito do valor dos folguedos.
Suely relata que, muitas vezes, quando as pessoas querem contratar um grupo, não respeitam suas necessidades mínimas, como transporte e alimentação, e parecem
esquecer que, para manterem vivos os grupos, os mestres necessitam construir suas indumentárias, preservar sua sede etc.
Além disso, a nova presidente busca também a retomada do conjunto habitacional Joana Gajuru, atualmente ocupado por invasores.
Hoje, uma das maiores preocupações de Suely Santos diz respeito à missão da Asfopal: a necessidade de valorização da cultura popular alagoana. “As pessoas precisam voltar o olhar para a riqueza cultural que temos. Somos um dos estados que mais possui manifestações folclóricas. Precisamos que as pessoas voltem o olhar para que Alagoas possa investir também num turismo cultural, trazendo os turistas para as comunidades em que vivem os mestres, para que conheçam a história e saibam da importância desses grupos”, conclui.
Encontro histórico de mestres da cultura popular associados da Asfopal, nos anos 1990
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UMA CULTURA POPULAR PARA CHAMAR DE SUA
ALAGOAS:
TEXTO: CÁRMEN LÚCIA DANTAS* FOTOS: RICARDO LÊDO**
ARTIGO
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Devido à sua formação eminentemente agrária, o Estado de Alagoas desenvolveu, desde a origem, uma base cultural marcada pelo meio rural. Por outro lado, a extensa faixa litorânea serviu de “porto e porta” para o estrangeiro, compreendido por uma vasta gama de produtos e gêneros procedentes das grandes metrópoles. Dentre as importações trazidas de além-mar, as sedas, as porcelanas e as ferramentas ocupavam lugar de destaque dividindo espaço com alimentos e especiarias.
Seguindo a lógica da oferta e da procura, pelo porto entrava tudo aquilo que aqui encontrasse receptividade – do azeite e do bacalhau ao queijo do reino –, ao tempo em que exportávamos para outras capitais e países produtos agrícolas produzidos predominantemente nas lavouras de cana-de-açúcar e, em menor escala, nas plantações de algodão e de arroz.
Essa dinâmica reforçava o fato de que o lastro cultural era mesmo o campo, com sua tradição voltada para os
produtos oriundos da terra e onde se concentrava grande parte da população de todas as camadas sociais. E, se quanto mais agrário o povo, maior a força de sua cultura popular, sedimentada a partir da integração ao modo de vida da população que a mantém, claro que Alagoas é solo muito fértil de inspiração folk.
Produto daquilo que os antropólogos chamam de Brasil Profundo, essas manifestações resultam da relação direta do homem com seu local de origem. Embora não seja abrangente e universal por se tratar de algo subjetivamente limitado ao tempo e ao lugar, a cultura popular representa o selo identificador da comunidade. Basta observarmos os modos de vida e de pensar dessas populações para estabelecermos uma linha perene e determinante em fatores que vão das técnicas de trabalho na agricultura até a culinária, culminando com o repertório imaginário de suas criações. Lendas, provérbios, sotaque, danças, superstições são apenas algumas das referências que compõem
o vasto horizonte das manifestações regionais.
Dessa maneira, a perpetuação da temática recorrente e das crenças se materializa num aprendizado contínuo transmitido entre gerações. A tradição dos mais velhos é ajustada aos hábitos adquiridos pelos jovens e esse conhecimento sucessivamente se transforma e se mantém. Acumulamos exemplos de atividades artesanais desenvolvidas em Alagoas e cujo produto, ainda que voltado para o consumo interno da comunidade, faz girar a economia de pequenos centros urbanos e povoados. Estamos falando de artefatos variados e voltados para diferentes fins: armadilhas de pesca e de caça, trajes e apetrechos de couro do vaqueiro, panelas e jarros de barro, bonecas de pano, toalhas de renda e peças de mobiliário, dentre tantas outras. Utensílios que, apesar da difusão massificada dos objetos industrializados, são demandados dentro e fora do Estado exatamente pelo feitio artesanal.
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LAGOAS RENDADAS
Não por acaso o Estado está na linha de frente dos produtores de renda e bordados do país. Podemos situar a área das lagoas como importante polo da produção de estilos e técnicas diferenciadas, cuja quantidade que chega aos pontos de venda, sobretudo do filé, é suficiente para abastecer o mercado de Maceió.
A concentração da feitura de renda de bilros no agreste do Estado, situada no município de São Sebastião, também se destaca entre as mais procuradas, devido à qualidade do trabalho e à tradição dos pontos. Já em Marechal Deodoro a renda singeleza, que
em anos anteriores estava em processo de extinção, teve sua técnica reativada por um grupo de artesãs responsáveis por trazê-la de volta ao mercado do artesanato.
Em se tratando de arte popular, no âmbito da escultura brasileira contemporânea, Alagoas se sobressai em relação aos demais estados. O incremento, a partir dos anos 1980, da produção de esculturas em madeira justifica essa peculiaridade. O surgimento de diversos núcleos de artistas identificados por especificidades estilísticas bem definidas foi responsável pela formação de verdadeiras escolas de escultores.
Merecem registro a imaginária de Arapiraca, a fauna escultórica dos Marinheira, em Boca da Mata, a mobília de raiz e as figuras expressivas do mestre Aberaldo, da Ilha do Ferro, em Pão de Açúcar que, juntas, compõem o núcleo principal dessa modalidade artística, cujas peças são procuradas por colecionadores, designers e marchands e estão expostas em museus e galerias dentro e fora do País.
ARTESANIAS E DEMANDAS
Em toda parte do Estado, arte e artesania estão presentes como elementos fundamentais para a compreensão da
economia informal. Atendem não apenas as comunidades, mas a partir de 1970 passaram a focar diferentes demandas turísticas que variam do colecionador atento ao comprador de souvenir.
Nesse contexto, as peças de barro confeccionadas a partir do massapé e inspiradas na temática regional têm ampla procura. Nomes como João das Alagoas, do município de Capela, ganharam notoriedade. Conhecido como o mago da cerâmica, arregimentou aprendizes que multiplicam a arte do mestre. Outro exemplo marcante no campo da escultura em barro é o da premiada mestra Irinéia com suas cabeças votivas que servem de inspiração a inúmeros ceramistas da Vila do Muquém, em União dos Palmares.
OS PASSOS DOS BRINCANTES
Além do universo da cultura material, o Estado ainda preserva as suas danças folclóricas originadas à frente das capelas dos engenhos e das praças das igrejas em períodos de comemorações natalinas e dos festejos sacro-profanos. Trata-se de uma herança secular, forjada na miscigenação portuguesa, indígena e africana, cujos enredos sequenciam louvores ao nascimento de Jesus Cristo,
ARTIGO
A artista popular Irinéia, do povoado Muquém, de União dos Palmares
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entrelaçados a acontecimentos épicos da história medieval portuguesa.
Nas versões atuais, os pastoris, presépios, cheganças, marujadas, baianas, taieira e quilombos adquiriram acréscimos inventivos, fruto da fértil imaginação dos mestres ensaiadores. O reisado e o guerreiro são, sem sombra de dúvida, os mais cenográficos dos folguedos, enquanto o guerreiro, além da beleza gestual e do colorido da indumentária, conquistou representatividade especial entre os alagoanos. A justificativa está no fato de ter nascido na Zona da Mata do Estado, entre os municípios
de Viçosa, Capela e União dos Palmares, na primeira metade do século 20. Nessa época, havia uma efervescência cultural nos festejos interioranos, com franca participação popular.
As brincadeiras se multiplicavam e o reisado, derivado das janeiras e folias
de reis, ambas portuguesas, começou a ganhar novos passos, novas jornadas, chapéus e adereços mais elaborados, dando origem a
uma nova modalidade que veio a se chamar guerreiro. Também conhecidas por folguedos, essas brincadeiras foram registradas pelo folclorista Théo Brandão no livro Folguedos Natalinos, considerado um clássico da literatura de assuntos folclóricos do Nordeste.
O registro do etnógrafo possibilitou não apenas o entendimento acadêmico das manifestações, mas que não se perdesse com o tempo a formação original. Por conta dessas informações etnográficas, ainda que tenham surgido acréscimos às manifestações, é possível recorrermos às referências iniciais o que, sem dúvida, fortalece a coerência atemporal das brincadeiras e dos brincantes.
Somados e contextualizados aos tempos atuais, os diferentes fazeres artísticos mantêm a tradição e perpetuam a identidade cultural de Alagoas, cuja origem está sedimentada em bases genuinamente populares.
*É museóloga
** O fotógrafo cedeu as imagens,
gentilmente, à revista Graciliano.
Em toda parte do estado, arte e artesania estão presentes como elementos fundamentais para a compreensão da economia informal. Atendem não apenas a comunidade, mas também turistas
Mestre na criação de peças em madeira, o artista Manoel da Marinheira e filhos no ateliê da família, em Boca da Mata
setembro/outubro 201153
POR DENTRO DO MUSEU
TEXTO: JANAYNA ÁVILA FOTOS: MICHEL RIOS
Criado há 36 anos pela Universidade Federal de Alagoas, o Museu Théo Brandão de Antropologia e Folclore abriga um dos mais importantes acervos da cultura popular do Nordeste. Apesar de sua importância, ainda há muitos alagoanos que nunca visitaram o espaço. A Graciliano fez todo o circuito e traz um guia ilustrado do que o visitante encontrará por lá
REPORTAGEM
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setembro/outubro 201155
BRAVA GENTE ALAGOANAA primeira sala do circuito é uma espécie de índice do que será visto pelo visitante. Nela está retratada a cultura alagoana, através de imagens do fotógrafo Celso Brandão e de objetos. Há também um pequeno memorial em homenagem ao folclorista Théo Brandão, patrono do museu, com medalhas, fotos doadas pela família e livros originais.
FAZER ALAGOANOA sala traz uma pequena, mas significativa, mostra do artesanato alagoano em palha, madeira e cerâmica, além de rendas e bordados, como o filé, o boa noite, o rendendê e a renascença.
REPORTAGEM
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SABOR ALAGOANOA gastronomia alagoana não é especial apenas nas receitas. Os utensílios usados na cozinha expressam a influência das três culturas, especialmente da contribuição indígena. Há panelas de cerâmica, colheres e outras peças feitas de madeira e casca de coco. Nas paredes, uma receita de tapioca, um dos nossos quitutes mais conhecidos.
O QUE HÁ DE NOVOHá muitos talentos na arte popular alagoana. Com o apoio da Petrobras, o museu premiou alguns dos mais criativos e, graças a esse reconhecimento, nesta sala os visitantes têm a oportunidade de conferir a obra de cinco deles: Fernando Rodrigues, Resendio, mestre Vieira, Véio e Fida.
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FÉUm dos traços mais marcantes do Nordeste é a religiosidade. A sala, composta por dois ambientes, retrata a força dos ex-votos (objetos que simbolizam o agradecimento por uma cura) e o sincretismo religioso. Há imagens de santos e divindades do catolicismo, do candomblé, da umbanda e de outras religiões.
REPORTAGEM
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FOLGUEDOS POPULARESChapéus do guerreiro, vestimentas do pastoril e outros acessórios dos folguedos populares estão em exposição nesta sala. É possível conferir a riqueza de detalhes das peças, que integram a coleção mantida, durante anos pelo folclorista Théo Brandão.
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CARNAVALA festa mais popular do Brasil é um desfile de manifestações da cultura popular, com blocos, bonecos, passistas e folguedos típicos do período. Em exposição, na sala Carnaval, estandartes de diversas agremiações carnavalescas – algumas delas já extintas, como Os Marítimos, 11 Mil Virgens e Bomba Atômica. Há ainda máscaras de papel machê, boi de carnaval e o Jaraguá, uma espécie de jacaré que, segundo a lenda, deu nome ao bairro histórico. A boneca gigante da Mamãe, do bloco Filhinhos da Mamãe, cujo local de concentração para o desfile é no pátio do museu, repousa nesta sala enquanto o carnaval não chega.
REPORTAGEM
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SERVIÇOMuseu Théo Brandão de Antropologia e FolcloreAv. da Paz, 1.490, Centro Maceió, ALVisitação: de terça a sexta-feira, das 9h às 17h; aos sábados, das 14h às 17hIngressos: gratuito para estudantes da rede pública; R$ 1 para estudantes da rede privada e R$ 2 para demais visitantesMais informações: 3221.2651
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BOITARJA PRETA?
TEXTO: BRUNO CÉSAR CAVALCANTI FOTOS: RENATA VOSS
ARTIGO
Boi de carnaval alagoano: hoje, centro de disputas acirradas
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Os grupos de bumba-meu-boi pululavam pelas ruas de Maceió nos anos 1980 e 1990 durante o verão, especialmente entre o Natal e o Carnaval. Hoje, começam a escassear nessa função mais espontânea e improvisada de sua existência entre nós, tornando-se raro serem vistos aquém ou além daquela arena das disputas anuais promovidas pela Fundação Municipal de Cultura na orla da Pajuçara. O que estaria ocorrendo com essa expressão popular e juvenil dos folguedos locais que, até há alguns anos, pareciam crescer sem parar, gestando, inclusive, pioneiras (e também já finadas) vacas? Por outro lado, como se manifestam e onde se encontra o seu (novo) crescimento? Enfim, que sentidos animam sua atual e distinta existência?
Os estudiosos do bumba-meu-boi alagoano, como Arthur Ramos, Théo Brandão e Abelardo Duarte, já haviam constatado a particularidade do boi alagoano, a relativa distância que a brincadeira manteve em Alagoas com relação ao auto dramático acerca da estória do vaqueiro e de sua mulher grávida,
comum em outras partes do Brasil; sendo o nosso boi quase sempre um entremeio nos antigos reisados e guerreiros. Em cada parte do País, e notadamente no Norte/Nordeste, o folguedo assumiu uma forma própria de contar esse enredo de fundo envolvendo a morte/ressurreição do animal; em Alagoas, contudo, o divertimento costumava imiscuir-se em outros folguedos. Era entremeio de reisado ou de guerreiro. Essa característica, no entanto, foi rompida quando desse advento contemporâneo dos bumba-meu-boi autônomos nas ruas, soltos, livres e quase sempre ligados às festas momescas, aparecendo nos bairros à cata de recursos para viabilizar a presença do grupo nos dias de Carnaval, em grupos formados por pequeno número de componentes. De tanto aparecer assim acabaram sendo chamados de boi de Carnaval ao invés de bumba-meu-boi, denominação essa preferida por seus brincantes diretos, pois almejavam aparecer em outras datas e circunstâncias da vida coletiva
da cidade (festas escolares, semana do folclore, entre outros). Esses bois de nossas ruas chamavam atenção ainda por suas denominações curiosas, muitas vezes aludindo a outro animal: Lacrau, Tigre, etc. O forte atrativo da brincadeira era o boi propriamente, multicolorido, construído artesanalmente pelo grupo de brincantes e com recursos próprios. Além disso, a figura do vaqueiro condutor do boi, alguns bobos, la ursas e mascarados que o acompanhavam, além do pequeno grupo percussivo de garotos responsáveis pelo som a embalar o cortejo. Era tudo. No mais, apenas a curiosidade e o entusiasmo da audiência poderia dotar o boi de um desfile acrescido da presença dos espectadores encantados com a performance.
Se seguirmos Arthur Ramos, talvez possamos afirmar que a vinculação emblemática dos bois com nomes de outros animais seja uma reminiscência dos antigos ranchos, grupos carnavalescos que antecederam as escolas de samba e que portavam nomes de animais como
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cachorro, águia, peixe e outros. Ramos quer acreditar que o bumba-meu-boi é “o mais típico, o mais geral dos autos
populares brasileiros”, sendo uma das formas assumidas pelo denominado Ciclo do Boi, que incluiria todo um conjunto de manifestações onde o animal se faz presente, como os presépios ou as festas do ciclo do vaqueiro. Por seu lado, Abelardo Duarte enquadra a brincadeira do bumba-meu-
boi como uma expressão do folclore negro alagoano, e, citando Mello Morais, aponta sua incontestável vinculação com as classes mais populares, como um “folguedo da ralé”, na expressão que repete daquele. O autor de O Folclore Negro das Alagoas também assistiu a apresentações da antiga forma de auto popular, em Taperaguá (Marechal Deodoro); e dentre os inúmeros personagens que compunham essa antiga forma, cita, além do Mateus e da Catirina, a presença do folharal, da burrinha, do jaraguá, do mané pequenino, do morto-vivo, e ainda de outros bichos. Portanto, o bumba-meu-boi a que assistíamos percorrendo as ruas da cidade guardava certa linha de continuidade
com as formas anteriores de sua aparição entre nós, mesmo que claramente simplificando sua anterior inflação de personagens e, assim, adaptando-se às novas condições de existência numa estrutura bastante simples, mas, ao que tudo indica, ganhando em termos estéticos
uma nova dimensão plástica através do investimento cênico incidindo prioritariamente sobre as belíssimas, e barrocas, carcaças desses bois contemporâneos.
Hoje, e unicamente por ocasião do concurso anual de bumba-meu-boi, eles se apresentam em encenações demoradas, com enredos que solicitam a participação de muitos elementos, de cenários (e de cenógrafos), de figurinos trabalhados e variados, sobretudo com o envolvimento de vários componentes, se comparados à estrutura simplificada do boi de rua, com o vaqueiro e o grupo de percussão, além de alguns bobos mascarados. Tal qual ocorre com os desfiles das escolas de samba, esse novo formato dos grupos de bois encena enredos, homenageia personalidades e temas locais. E assim, os custos de produção e de apresentação de um boi se elevaram rapidamente, o tempo de preparação também; sendo preciso, cada vez mais, certa estruturação empresarial capaz de garantir o sucesso do grupo, para além da apresentação em si. Esse diferencial modelo em que vemos metamorfosear-se a brincadeira – de estrutura outrora tão simples – representa, ao que nos parece, o paradoxo atual do bumba-meu-boi alagoano. Reconheçamos que essas
Assim como ocorre com os desfiles das escolas de samba, o novo formato dos grupos de bois encena enredos, homenageia personalidades e temas locais
ARTIGO
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transformações representam um direito legítimo que lhes cabe, uma maior racionalidade e perspectiva empresarial, mas, caberia perguntar, estariam cientes do que ganham e perdem com isso?
É certo que outras mudanças também ocorreram quando de sua aparição nas ruas de Maceió, nas décadas citadas no início desse texto, como, por exemplo, a presença crescente de mulheres na brincadeira. Nesse caso, víamos nascerem as vacas, num mecanismo de adequação àquela estrutura simples. Atualmente, as mulheres comparecem integrando alguma forma coreográfica adicional, participando da produção ou mesmo compondo o backing vocal do grupo cantante que integra a banda que executa o acompanhamento do boi. Porém, a grande mudança parece ser o desvio da atenção sobre o boi propriamente, com aquela condensação de beleza centrada em sua carcaça que o caracterizava. Agora é um conjunto harmônico maior a que se deve fazer atenção. Sem querer parecer valorativo nesse comentário – afinal continuam belos em suas aparições caprichadas – caberia insistir na pergunta acerca da perda de autonomia causada pela elevação do custo de sua (nova e sofisticada) existência.
Foi nessa condição de brinquedo popular, espontâneo
e de estrutura simples que o conhecemos, que vimos o seu advento em nossa contemporaneidade sempre ligado aos bairros tradicionais e populares de Maceió. Daí por que facilmente víamos circular nas ruas da Ponta da Terra, do Poço, do Jacintinho e, depois, acompanhando a expansão da cidade, por outros bairros. As mudanças recentemente introduzidas ocorreram antes que uma ortodoxia se estabelecesse, por obra e força do prestígio e admiração amplamente difundida que apenas começaram a experimentar. Provavelmente, esses novos rumos já sinalizam alguma intervenção externa ao grupo original de brincantes, cujos desdobramentos apenas vislumbramos, no momento atual.
Continuarão a manter esse vínculo de autonomia que os caracterizam ou, ao contrário, dependerão cada vez mais do poder público e/ou de algum financiador privado que lhe permute a antiga liberdade pelo
elogio encomendado? Bom, de todo modo, parece tratar-se de uma fase de transição para um modelo futuro. Quando e como virá a estabilizar-se numa formatação mais ou menos permanente não sabemos. Esperamos, ao menos, que saibam manter o controle e o comando sobre essas mudanças em curso, que saibam avançar ou recuar.
Como na música de Wado e Realismo Fantástico, aqui também, pode-se dizer, o boi brincado atualmente parece aproximar-se de uma solução do tipo “tarja preta”, ou seja, “é remédio forte não convém”, mas, como insiste a mesma canção “é pra quem tira aprendizado e alegria do que também não é bom”.
*Antropólogo e professor
universitário (Laboratório da Cidade
e do Contemporâneo/Instituto de
Ciências Sociais - Ufal)
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RANILSON FRANÇA, GUERREIRO DO FOLCLORE ALAGOANO
ARTIGO
TEXTO: JOSEFINA MEDEIROS NOVAES* ILUSTRAÇÃO: WEBER SALLES
Há cinco anos, Alagoas perdeu um dos maiores defensores da cultura popular
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Ranilson França de Souza encarou o desafio, viveu, existiu. Enfrentou o desafio de defender a preservação e a valorização das nossas autênticas manifestações culturais. Filho orgulhoso da Chã do Pilar, costumava dizer que tinha nascido ao som dos guerreiros e de tantos outros folguedos e danças que participavam das festas populares da sua cidade natal. Logo cedo reconheceu a beleza do colorido das indumentárias dos grupos, dos chapéus de guerreiros com seus espelhos, contas e fitas, dos adereços que davam cor aos grupos de baianas.
Tornou-se um estudioso do nosso folclore. Da teoria à prática, adotou o convívio com os mestres, o seu principal
meio de aprendizado. Deu carteira de identidade a cada um deles, com direito a foto, nome, sobrenome, assinatura ou polegar. Com isso, saíram do anonimato, deixando de serem instrumentos de trabalho de pesquisadores e estudiosos para serem respeitados e reconhecidos como pessoas e representantes maiores do saber popular, alma do grupo, onde colocam a marca de suas personalidades.
Fez de cada mestre um amigo, sempre pronto a ouvi-los e animá-los. Certa vez, passou mais de duas horas conversando com os mestres Jayme de Oliveira e João Terto a respeito do guerreiro de Alagoas e, ao final, Ranilson, que tinha dois cursos superiores, comentou:
“Tenho muita inveja do saber desses mestres”. Seus finais de semana eram dedicados quase sempre a andanças pelo interior do Estado, como verdadeiro garimpeiro do folclore, parando nas feiras para ouvir os repentistas, os trios de forró, as bandas de pífano. À noite, descobria sempre um ensaio de um grupo de guerreiro, chegança ou reisado e lá estava, misturando trabalho, lazer, realização.
Viveu sempre à procura de uma política que garantisse a sustentabilidade dos grupos. Criou a Associação dos Folguedos Populares de Alagoas (Asfopal), no ano de 1985, com o objetivo de preservar, valorizar e divulgar o folclore alagoano. As reuniões lhe davam a oportunidade de agregar um punhado de mestres da mais alta estirpe do folclore local e, ao mesmo tempo, agregar-se a eles. As reuniões sempre acabavam em festa, ao som de um pandeiro,
Ranilson França durante apresentação de um dos folguedos mais populares de Alagoas, o Guerreiro
ARTIGO
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“Ser estrela nesse mundo passageiro é um desafio, mas acima de tudo uma recompensa. É nascer e ter vivido e não apenas existido”.(Anônimo)
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ao cantar de uma bela peça do guerreiro, de um repente ou de uma jornada do pastoril. Deu vida ao programa Balançando o Ganzá, levado ao ar todos os sábados, durante mais de 25 anos. A sala de gravações tornava-se a sala de visita de inúmeros mestres que iam contar suas andanças pelo folclore, cantar suas peças, declamar suas rimas.
Fã incondicional do forrozeiro Dominguinhos, a quem chamava de “mestre”, dedicou alguns anos de sua vida em pesquisar a trajetória do seu ídolo, o que resultou no livro intitulado De Nenen a
Dominguinhos, lançado poucos meses antes de sua morte, em 2006
Sem dúvida, sua vida foi dedicada às manifestações populares e aos seus representantes. Pensava constantemente em novos meios de divulgar os mais autênticos e diversificados grupos folclóricos do Estado, criava seminários, mesas-
Durante mais de 25 anos, Ranilson apresentou o programa Balançando o Ganzá. Nele, os mais importantes mestres do folclore alagoano falavam da alegria de dedicar a vida à cultura popular
redondas, projetos culturais exitosos, como Mestre na Escola e Engenho de Folguedos. Foi secretário estadual de Cultura, membro do Instituto Histórico e Geográfico
de Alagoas, professor de Folclore do Centro de Estudos Superiores de Maceió (Cesmac), coordenador de ação cultural das secretarias estaduais de Cultura e de Educação.
Professor Ranilson, como era carinhosamente chamado pelos mestres, realmente existiu. Fez da humildade, marca do seu caráter, o caminho que o levou à grandeza. Tratava a todos com
respeito, independentemente de classe social, e sempre com uma palavra de otimismo. Para os mestres, foi um verdadeiro pai. Tirava de seu próprio bolso a ajuda para a compra do remédio, para o gás, para completar o aluguel, pois tinha a consciência do abandono e da miséria social em que vivem.
Foi estrela aqui na Terra. Num mundo que passa depressa, soube marcar presença, fazer amigos, ser companheiro, lutar por uma causa, por um ideal, ser luz, permanecer, ficar. Amava profundamente o que fazia e contagiava a todos os que, com ele, tiveram o privilégio de trabalhar, ensinando e despertando o valor e a beleza do saber popular. Aos 53 anos, quase todos dedicados ao folclore, foi ser estrela no céu, deixando um legado para as futuras gerações, de perseverança e obstinação em prol da preservação da nossa identidade cultural.
*Foi presidente da Asfopal de 2006 a 2011
e é funcionária pública estadual
Uma das maiores diversões de Ranilson era acompanhar a apresentação de folguedos em diversas cidades do interior de Alagoas
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Quando a pesquisa Mapeamento do Patrimônio Cultural Imaterial começou a ser realizada, em 2009, a professora do curso de Geografia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Paula Stroh, coordenadora do projeto, esperava obter um panorama da cultura popular alagoana, representado através de
mapas. Realizada em parceria com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a pesquisa resultou na construção de 30 mapas que apontam para a variedade da cultura popular e tornou-se o trabalho de conclusão de curso do hoje geógrafo Thyago Soares, que integrava o grupo de bolsistas atuantes
no projeto. De acordo com o relatório final da pesquisa, o mapeamento funciona como um “guia ou roteiro de viagem bibliográfica e documental pelo universo simbólico, ‘glocultural’ e socioantropológico acerca de lugares, mitos, lendas, saberes, memórias, ofícios, assim como de instituições, indivíduos e grupos sociais que vivem,
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Realizada pela Universidade Federal de Alagoas, pesquisa inédita constrói um conjunto de 30 mapas do patrimônio imaterial alagoano
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expressam, fundamentam ou sustentam a criação e a reprodução das ideias do que seja a cultura alagoana”.
O levantamento foi realizado de acordo com o conceito de patrimônio imaterial definido pelo Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI), do Iphan, e de acordo com as diretrizes do Inventário Nacional de Referências Culturais (INCR), que os divide em cinco categorias: ofícios e modos de fazer; formas de expressão; lugares; celebrações e edificações. Para isso, os pesquisadores – compunham a equipe, além de Paula e Thyago, os professores Bruno César
Cavalcanti, Celso Brandão, Geísa Brayner e Rachel Rocha, e os estudantes Breno Matias de Albuquerque, Emerson Mamede Ferreira, Larissa Lisboa, Leonel Cavalcante Lisboa Neto, Lisandra Pereira dos Santos, Maira Henrique Paiva, Osvaldo dos Reis Mendonça e Carlos Jorge Thiago Araújo Filho – utilizaram acervos públicos de 17 instituições, além de alguns acervos particulares. “A pesquisa foi desenvolvida por equipe multidisciplinar de professores-pesquisadores e graduandos vinculados aos campos da Sociologia, Antropologia, Arquitetura,
História, Geografia e Artes, o que permitiu a constituição do espectro interdisciplinar do objeto da investigação”, explica a coordenadora do projeto.
Segundo Thyago Soares, os mapas foram elaborados utilizando as formas de tratamento de dados e de representação mais adequadas, já que os objetos mapeados são dinâmicos. Todos os mapas trazem pontos que representam as expressões culturais de acordo com as pesquisas já citadas. Nesta edição, a GRACILIANO traz quatro dos 30 mapas que compõem a pesquisa. Confira.
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1175
THÉO BRANDÃO, A ANTROPOLOGIA E OS ESTUDOS DE FOLCLORE EM ALAGOAS
TEXTO: WAGNER DINIZ CHAVES*
ILUSTRAÇÃO: MICHEL RIOS
ARTIGO
setembro/outubro 201176
O Estado de Alagoas é um celeiro de festas e manifestações populares tradicionais – reisados, cheganças, pastoris, quilombos, fandangos, guerreiros e caboclinhos são apenas alguns exemplos da riqueza que a cultura popular assume em terras alagoanas. Esse vasto e diversificado manancial de folguedos populares, ao longo do tempo, vem chamando a atenção de pesquisadores, escritores e curiosos. O primeiro relato que se tem notícia sobre o folclore alagoano data de 1872, quando raros eram os estudos sobre o tema no Brasil. Trata-se de um artigo de Nicodemos de Souza Jobim no jornal O Liberal, intitulado “Lenda anadiense e tradição histórica”. Ainda no século 19, autores como Pedro Paulino da Fonseca (1881) e Francisco de Paula Leite Oiticica (1885) publicam em jornais, artigos sobre lendas, crenças e festas populares e Júlio Campina um livro inteiro dedicado ao tema. Subsídios ao
Folk-lore Brasileiro, publicado em 1897, foi um dos primeiros trabalhos a reunir em um volume um estudo sobre o folclore brasileiro.
O interesse no registro, descrição e estudo do folclore alagoano, iniciado de modo prematuro ainda em fins do século 19, todavia vai se aprofundar em meados do século 20, com o trabalho mais sistemático de determinados intelectuais, comumente conhecidos como folcloristas. É justamente no final da década de 1940 que se percebe a mobilização de um grupo em torno da defesa e pesquisa de temas relativos ao folclore alagoano. Entre os principais representantes desse movimento no Estado podemos citar nomes como os de Abelardo Duarte, José Maria de Melo, Manuel Diégues Júnior,
Luiz Lavenère, Félix Lima júnior, Théo Brandão, José Aloísio Vilela, entre outros.
Nesse panteão de ilustres um nome certamente aparece em maior destaque. Médico, etnógrafo, folclorista, antropólogo, professor e escritor, Theotônio Vilela Brandão (1907-1981), ou Théo Brandão, foi um dos mais respeitados intelectuais alagoanos de seu tempo. Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL) e da Academia Alagoana de Letras, fundador da Comissão Nacional de Folclore (CNF) e da Sociedade Brasileira de Antropologia e Etnologia, pioneiro no ensino e pesquisa da Antropologia em Alagoas, Théo Brandão, nos idos dos anos 40, já era reconhecido como um dos principais estudiosos do folclore brasileiro,
Luís da Câmara Cascudo
setembro/outubro 201177
tendo recebido, entre 1949 e 1950, três importantes distinções pelos seus estudos: o Prêmio Othon Lynch, da Academia Alagoana de Letras e o Prêmio João Ribeiro, da Academia Brasileira de Letras, pelo livro Folclore de Alagoas, e duas vezes o prestigioso Prêmio Mário de Andrade, da Prefeitura Municipal de São Paulo, pelas obras O reisado alagoano e Os pastoris de Alagoas, respectivamente. No ano de 1969, Théo Brandão é agraciado, mais uma vez, com o Prêmio Othon Lynch, da
Academia Alagoana de Letras, dessa vez com a obra intitulada A viola e a pena.
Com vasta produção etnográfica – entre textos e registros sonoros e fotográficos – sobre o folclore em seus diversos aspectos (literatura oral, medicina popular, música, dança e principalmente folguedos), Théo Brandão foi importante protagonista e articulador do chamado “Movimento Folclórico Brasileiro” , tendo participação decisiva tanto na criação da
Comissão Nacional de Folclore (1947) como na estruturação da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro (1958).
Muito bem relacionado com Câmara Cascudo no Rio Grande do Norte e Renato Almeida, presidente da Comissão Nacional e principal liderança do “movimento” que tinha sua base no Rio de Janeiro, Théo foi um dos folcloristas que mais contribuíram na Revista do Folclore Brasileiro, publicação oficial da Campanha, que circulou entre os anos de 1961 e 1976, totalizando 41 volumes,
além de ter sido um dos membros do Conselho Nacional de Folclore.
Vale mencionar também a significativa contribuição de Théo para a série Documentos Sonoros do Folclore Brasileiro, dedicada à edição em discos de expressões musicais tradicionais brasileiras. Dos 24 números da coleção, quatro resultaram de registros sonoros e pesquisas realizadas por Théo Brandão entre os anos de 1950 e 1970 e tiveram como títulos: Cocos de Alagoas, de Chã
Preta, Viçosa (1955), Fandango, da Pajuçara (1957), Guerreiro, da Fazenda Boa Sorte, Viçosa (1961) e Baianas, de Ipioca (1977), da célebre mestra Terezinha.
Em grande medida, como resultado da atuação e influência de Théo Brandão, Alagoas se tornou um dos estados mais atuantes do “movimento”. Além de ter sido, em 1952, sede da importante IV Semana do Folclore Nacional, evento que reuniu, em Maceió, folcloristas de todo o Brasil, Alagoas foi um dos primeiros estados da federação a institucionalizar uma Comissão Estadual dedicada ao folclore. Data de 1948 a criação da Comissão Alagoana de Folclore, braço estadual da Comissão Nacional de Folclore.
Tendo como propósito central a construção de uma ampla rede nacional em torno da pesquisa, documentação e fomento das tradições populares das diferentes regiões do Brasil, os folcloristas engajados no “Movimento Folclórico Brasileiro” usaram como estratégia a organização de semanas e congressos. Dentre tais eventos podemos citar a referida Semana, no ano de 1952, ocasião em que o termo “folguedo popular” é definido como “todo fato folclórico, dramático, coletivo e com estruturação”, passando, desde então, a ser o principal objeto de estudo e interesse dos
O primeiro relato sobre o folclore alagoano é de 1872, quando raros eram os estudos sobre o tema no Brasil. Trata-se de um artigo de Nicodemos de Souza Jobim no jornal
ARTIGO
setembro/outubro 201178
Encontro de “gigantes”: o filólogo Aurélio Buarque de Holanda e o folclorista Théo Brandão
folcloristas. Edison Carneiro (1962), outra
figura de proa do “movimento”, no texto “A Evolução dos Estudos de Folclore no Brasil”, mostra como os estudos de folclore, no Brasil, passaram, ao longo do tempo, por diferentes enfoques temáticos.
Primeiramente centrado na poesia, no final do século 19, com Silvio Romero, passando pela música, na década de 1930 e 40, com Mário de Andrade, os estudos de folclore, a partir da atuação da Comissão Nacional de Folclore, passa
a valorizar como objeto de estudo, os chamados “folguedos populares”. Isso porque, na ótica dos folcloristas, os folguedos, na medida em que reúnem em um só evento, crenças e práticas, músicas, danças, poesia, cores e sabores, aspectos
materiais e espirituais, são estratégicos para se visualizar a “organicidade” da cultura popular.
Entre o final da década de 1940 e durante toda a década de 1950, período em que o “Movimento Folclórico
Brasileiro” alcança seu apogeu, o panorama do campo intelectual brasileiro, ainda não marcado pela especialização acadêmica posterior, pode ser caracterizado pela intensa circulação e trânsito de pesquisadores. Folcloristas, sociólogos e antropólogos são, a rigor, interlocutores próximos, sendo tênues as fronteiras entre os campos do saber relativos às chamadas ciências sociais. Só para exemplificar, dois dos maiores nomes do “movimento”, Edison Carneiro e Manuel Diégues Júnior, fizeram parte da comissão organizadora da I Reunião Brasileira de Antropologia, realizada em 1953, no Rio de Janeiro, que teve como um dos seus temas, ao lado da arqueologia, antropologia física e linguística, justamente o folclore. E o que falar de intelectuais como Roger Bastide e Arthur Ramos, cujas produções abarcam ampla gama de temas como religiosidade afrobrasileira, relações sociais e folclore?
Esse panorama intelectual, caracterizado pela interlocução e trânsito entre folcloristas,
Alagoas foi um dos primeiros estados da federação a institucionalizar uma comissãoestadual dedicada ao folclore
Repr
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ARTIGO
setembro/outubro 201180
Arthur Ramos
antropólogos e sociólogos, em que as fronteiras disciplinares eram relativamente fluidas, começa a mudar na década seguinte. Com o processo de institucionalização do ensino superior das chamadas Ciências Sociais, o Folclore, enquanto área do conhecimento, passa a ser sistematicamente marginalizado. A cientificidade dos estudos dos folcloristas, acusados de realizar análises descontextualizadas, meramente descritivas, carentes de reflexões teórico-comparativas, marcadamente a partir da década de 1960, é posta em questão. Como resultado desse processo, o Folclore foi excluído dos rumos da institucionalização do ensino superior no Brasil. Não constando do currículo dos cursos de humanas, a disciplina passou a ser lecionada nos cursos de Artes e Educação Física. Essa situação marcou tanto a reflexão antropológica quanto a sociológica ao longo da década de 1970, que sistematicamente excluiu do rol de suas problemáticas questões relacionadas ao folclore.
Somente na década de 1980 é que as chamadas Ciências Humanas, especialmente a Antropologia, voltou a se interessar pelas temáticas do folclore, agora re-nomeado como cultura popular. Tal re-aproximação pode ser explicada pela própria
re-definição do conceito antropológico de cultura, que passa a ser entendida em um sentido eminentemente simbólico. Atualmente, outros enquadramentos teóricos e aproximações entre a reflexão antropológica e o campo do Folclore e Cultura Popular vêm sendo construídas em torno de temas como rituais e performances, políticas públicas, processos de patrimonialização da cultura, de construção de identidades, etc.
Desse modo, o exercício de revisitar a obra e os escritos
etnográficos de intelectuais como Théo Brandão, aqui brevemente esboçado, caminha para construir um diálogo respeitoso e fecundo entre essas duas áreas de estudos, que muito embora tenham interesses em comum, por muito tempo permaneceram afastadas pelas conjunturas políticas da cena intelectual em nosso país.
*Antropólogo, professor-adjunto de
Antropologia do Instituto de Ciências
Sociais da Universidade Federal de
Alagoas e diretor do Museu Théo
Brandão de Antropologia e Folclore
setembro/outubro 201181
CIRANDA CRIATIVA
O uso de elementos da cultura popular no design de moda tem rendido bons frutos. Diversos estilistas partem do seu próprio quintal para elaborarem coleções inteiras, a exemplo do mineiro Ronaldo Fraga, que usa e abusa do artesanato de Minas Gerais. O diálogo do design com a identidade cultural ajuda o motor da economia criativa nacional a se movimentar.
De acordo com uma pesquisa recente, divulgada em julho deste ano, e elaborada pela Secretaria de Governo da Prefeitura de São Paulo para a Fundação do Desenvolvimento Administrativo, a economia criativa, em comparação com outros setores considerados
importantes empregadores, destaca-se não só pela capacidade de gerar empregos, mas pela qualidade e remuneração desses empregos. De 2006 a 2009, a taxa média anual de crescimento do emprego formal no setor chegou a 8,3% no Estado de São Paulo e a 9,1% no município, enquanto no total da economia chegava a 5,5%, no Estado, e a 5,8%, na cidade. Em outras palavras: o setor que usa a criatividade como matéria-prima cresceu mais do que todos. Outro dado importante revelado na pesquisa relaciona-se ao design, que além de fazer a diferença, agrega valor e, consequentemente, gera
competitividade. A convite da GRACILIANO,
o designer e fotógrafo Herbert Loureiro e o estilista Ander Oliveira produziram um ensaio de moda inspirado nos elementos do vestuário dos folguedos populares alagoanos, como o guerreiro, o coco, o pastoril e a chegança. “Trabalhei a ‘atualização’ da imagem dos folguedos despertando o histórico cultural dentro de um universo imaginário pop. São imagens lindas em sua concepção, mas ausentes do cotidiano social”. O ensaio mostra a força do uso da criatividade com foco num dos mercados mais expressivos da economia nos dias atuais: a moda.
TEXTO: JANAYNA ÁVILA FOTOS: HERBERT LOUREIRO STYLIST: ANDER OLIVEIRA
ENSAIO VISUAL
setembro/outubro 201182
Guerreiro - camisa Triton , gravata borboleta acervo, calça Roberto Cavalli vintage, cabeça, espada e escudo acervo grupo Transart
setembro/outubro 201183
Coco de roda- blusa de chita acervo grupo Transart, casaco de seda Neo, vestido de seda e paetês Neon vintage, sandália Fernando Pires, chapéu grupo Transart.
ENSAIO VISUAL
setembro/outubro 201184
Mateus do guerreiro - vestido de pachtwork de seda Graça Ottoni, saia de pachtwork , colares Carol Paz, sandália acervo , pandeiro e cabeça acervo grupo Transart.
setembro/outubro 201185
Diana do pastoril - vestido chiffon Juliana Jabour, pareô Mara Mac, casaco bordado de pérolas AP401, chapéu e pandeiro acervo grupo Transart.
ENSAIO VISUAL
setembro/outubro 201186
Chegança- camiseta acervo, calça Diesel, sapatos acervo, colar acervo e quepe grupo Transart.
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setembro/outubro 201187
NO CIRCUITO
VANESSA MOTA
Para compreender cada folguedo, nada melhor do que vivenciar a experiência de assisti-los. Durante os ensaios, é possível não apenas conferir as apresentações, mas conversar com os mestres e demais integrantes dos grupos. Para isso, trazemos uma agenda de ensaios de alguns dos grupos de folguedos atuantes em Maceió
SERVIÇO
setembro/outubro 201188
GUERREIRO TREME-TERRA DE ALAGOASMestre Benom Pinto da SilvaR. Osvaldo Cruz (antigo Centro Comunitário Élia Porto Lages) – Chã de BebedouroEnsaios: aos sábados, a partir das 20hMais informações: (82) 3358-7109
BAIANAS FLOR DE LISCoordenadora: Edna SeixasCentro Comunitário do Conjunto Santo Eduardo – PoçoEnsaios: às quintas-feiras, tardeMais informações: (82) 3337-2457 e 9316-5883
GUERREIRO LEÃO DEVORADORCoordenadora: Anadeje da SilvaTravessa Florestal, n° 12 – Chã da JaqueiraEnsaios: aos sábados, a partir das 20h Mais informações: (82) 8894-7112
GUERREIRO VENCEDOR ALAGOANOMestre Juvenal Leonardo JordãoConj. Joaquim Leão (em frente à Guarda Municipal) – Vergel do LagoEnsaios: aos sábados, a partir das 20hMais informações: (82) 8701-7694
GUERREIRO PADRE CÍCEROMestre André Joaquim dos SantosAv. Campelo da Paz, s/n, Santos Dumont – Tabuleiro do MartinsEnsaios: aos sábados, a partir das 19hMais informações: (82) 8858-8468
PASTORIL MENINO JESUSCoordenadora: Geanne D’Arc Pessoa Rua General Hermes, n° 52, Cambona – CentroEnsaios: de agosto a dezembro, às segundas-feiras, a partir das 20hMais informações: (82) 3221-8851 e 8829-0422
COCO DE RODA, QUILOMBO E MARACATU AXÉ ZUMBICoordenador: Geraldo José da SilvaNúcleo de Cultura – Rua Cabo Reis, s/n, Ponta Grossa (ao lado do supermercado Unicompra)Ensaios: aos sábados, a partir das 17hMais informações: (82) 9311-7678
FANDANGO DO PONTALCoordenadora: ValériaMestre: PanchoPraça Caio Porto – Pontal da BarraEnsaios:às sextas-feiras, noite ou tardeMais informações: (82) 9301-2487 e 3221-7554
Agenda sujeita a alteração de datas e horários. Sugerimos entrar em contato previamente.
BAIANAS MENSAGEIRAS DE SANTA LUZIACoordenadora: Maura GóesMestra: Vanessa GóesRua São José, s/n, Sombra dos Eucaliptos, Medeiros NetoEnsaios: aos domingos, a partir das 20hMais informações: (82) 3324-3135 e 9145-3823
BAIANAS DA JANECoordenadora: Geane D’Arc PessoaRua General Hermes, n° 52, Cambona – CentroEnsaios: de agosto a dezembro, às segundas-feiras, a partir das 19hMais informações: (82) 3221-8851 e 8829-0422
setembro/outubro 201189
LIVROS
LIVROS ONDE PESQUISAR FILMES
ARTE POPULAR DE ALAGOAS
O livro, publicado em 1999, reúne 72 artigos e
centenas de fotografias de profissionais de diversas
áreas, ligados às artes plásticas, à arquitetura, à
literatura, à música e à culinária alagoana. Todos
versam sobre cultura popular.
Autor: Tânia de Maya Pedrosa
Grafitex, 218 págs.
Onde encontrar: para consulta, na Biblioteca
da Universidade Federal de Alagoas e no Instituto
Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL)
BIBLIOTECA DO MUSEU THÉO BRANDÃO
No local, podem ser encontrados livros e revistas cujo
tema é a Antropologia e a cultura popular alagoana
e nordestina, além de fotografias. A biblioteca
não trabalha com empréstimo. O acervo está
disponível apenas para consulta. O acesso é gratuito.
Endereço: Av. da Paz, 1490, Centro, Maceió – AL
Mais informações: (82) 3221-2651/2977
Horário de funcionamento: de terça a sexta-feira,
das 9h às 17h
ASFOPAL: 25 ANOS BRINCANDO SÉRIO
Importante registro dos principais grupos da cultura
popular alagoana, o livro está dividido em três
capítulos e reúne fotos e perfis dos mestres de
folguedos, brincantes e coordenadores associados,
trazendo ainda uma cronologia dos fatos históricos
mais significativos da Associação dos Folguedos
Populares de Alagoas (Asfopal)
Autor: Josefina Maria Medeiros Novaes
Edição do autor, 103 págs.
Onde encontrar: na Biblioteca do Museu Théo
Brandão
DICIONÁRIO DO FOLCLORE BRASILEIRO
Um dos maiores clássicos do folclorista e professor
Luís da Câmara Cascudo, a obra trata, em forma de
verbete, os principais elementos da cultura popular
brasileira. O autor dialogou, por diversas vezes,
com o folclore alagoano. Um livro obrigatório para
pesquisador da área e para apaixonados pela cultura
brasileira.
Autor: Luís da Câmara Cascudo
Global, 774 págs.
Onde encontrar: nas livrarias Cultura ou Saraiva
(www.livrariacultura.com.br e
www.livrariasaraiva.com.br)
O SANTO GUERREIRO DO POVO (doc., 21 minutos)
O documentário, com depoimentos de pessoas que
conviveram com Ranilson França e apresentações
de grupos de folguedos, retrata a vida do folclorista
alagoano que lutou pela preservação da cultura
estadual.
Ano de lançamento: 2007
Direção: Pedro da Rocha
Mais informações: através do e-mail
FOLCLORE NEGRO DAS ALAGOAS
A obra elenca uma grande variedade de
manifestações, algumas já desaparecidas, ao lado de
outras ainda atuantes, que o autor define como sendo
o folclore negro da área cultural da cana-de-açúcar.
Autor: Abelardo Duarte
Edufal, 414 págs.
Onde encontrar: o livro está à venda na livraria da
Edufal e no site www.edufal.com.br
Para saber mais sobre o folclore alagoano – um roteiro de livros, filmes e instituições de pesquisa.
SAIBA MAIS
setembro/outubro 201190
setembro/outubro 201191