gramática - história, definições e tipologia

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Slide de apresentação contendo explicação sobre a gramática, história e definições

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  • Lngua Portuguesa: Sintaxe

  • Material Terico

    Responsvel pelo Contedo:Profa. Dra. Geovana Gentili Santos

    Reviso Textual:Profa. Ms. Slvia Albert

    Gramtica: Histria, Definies e Tipologia

  • 5 Introduo

    Gramtica e o seu surgimento

    Os Gramticos Alexandrinos

    Os Gramticos Quinhentistas e a Lngua Portuguesa

    Tipos de Gramtica

    O objetivo desta unidade iniciar os estudos de anlise sinttica da lngua portuguesa. Para tanto, primeiramente, alguns termos bsicos nesta rea de estudo sero retomados e, na sequncia, se estudar os elementos essenciais de uma orao; mais especificamente, os tipos de sujeitos.

    Caros(as) alunos(as),

    Seu roteiro de estudo deve comear pela leitura do texto terico que contm, inicialmente, uma contextualizao temtica. Nele, voc encontrar informaes importantes sobre pesquisas a respeito do desenvolvimento da lngua portuguesa, da gramtica e do surgimento da sintaxe. Este material capaz de instrumentaliz-lo para participao em todas as atividades propostas.

    Consulte, ainda, as indicaes sugeridas em Material Complementar e Referncias Bibliogrficas para aprofundar e ampliar seus conhecimentos.

    Lembramos a voc da importncia de realizar todas as leituras e as atividades propostas dentro do prazo estabelecido no cronograma da disciplina. Para isso, organize uma rotina de trabalho e evite acumular contedos e realizar atividades no ltimo minuto.

    Em caso de dvidas, utilize a ferramenta Mensagens ou Frum de dvidas para entrar em contato com o tutor. muito importante que voc exera a sua autonomia de estudante e que seja proativo para construir novos conhecimentos.

    Bom trabalho!

    Gramtica: Histria, Definies e Tipologia

  • 6Unidade: Gramtica: Histria, Definies e Tipologia

    Contextualizao

    Todas as palavras exigem o conhecimento do outro, da capacidade alheia de ouvir e entender, ler e decifrar um cdigo comum, e nenhuma sociedade existe sem uma linguagem compartilhada por todos (Alberto Manguel).

    Para comunicar-se processo que envolve ouvir, entender, ler e decifrar , o falante de qualquer lngua realiza combinaes de unidades: unem morfemas para formar vocbulos; vocbulos para formar frases e frases para formar sentenas discursivas. Nesse processo, o falante sabe que essas combinaes obedecem a certas restries intrnsecas da lngua e que ele no pode ordenar os elementos de qualquer maneira. Analise os exemplos abaixo:

    O gato bebeu o leite.

    O leite o gato bebeu.

    Bebeu o gato o leite.

    Gato o bebeu leite o.

    No primeiro exemplo (a), a combinao dos elementos segue a ordem mais comum da lngua portuguesa: sujeito-verbo-objeto. A inverso presente no exemplo (b), ainda que no seja to comum, possvel e d nfase ao termo o leite. J a combinao dada aos elementos no item (c) menos comum e pode ser encontrada em discursos de alta formalidade, em especial, na lngua escrita. Por fim, no exemplo (d), a estrutura dada sentena no possvel e praticvel na lngua portuguesa.

    Tais exemplos comprovam a tese de que:

    [...] os falantes no combinam unidades de qualquer modo. Eles seguem tendncias de colocao que parecem estar associadas ao conhecimento geral que possuem da prpria lngua, que lhes permite formular e compreender frases em contextos especficos de comunicao (MARTELOTTA, 2013, p. 44).

    Partindo desta premissa, que se d o interesse em entender a natureza desse conhecimento geral das restries e combinaes intrnsecas de uma lngua. Para estudar e compreender esse processo, nesta unidade, vamos retomar um pouco da histria, das definies e das tipologias presentes nos estudos sobre lngua.

  • 7Introduo

    Desde a Antiguidade Clssica, os estudiosos da linguagem vm sugerindo interpretaes que reflitam a natureza do funcionamento das lnguas, bem como propostas de sistematizao descritiva apoiadas nessas interpretaes. Com a evoluo dos estudos lingusticos, essas interpretaes foram sendo aperfeioadas, abandonadas e at mesmo retomadas em funo de novas descobertas cientficas. O conjunto dessas interpretaes e descries acerca do funcionamento da lngua recebe o nome de gramtica. (MARTELOTTA, 2013, p. 44).

    Para entendermos esse processo de desenvolvimento dos estudos relacionados s interpretaes sobre o funcionamento das lnguas e aqui cabe lembrar que partiremos do geral para, pouco a pouco, nos aproximarmos do caso especfico da lngua portuguesa recuaremos na linha do tempo para o perodo da cultura grega.

    Gramtica e o seu Surgimento

    A gramtica surgiu no mundo ocidental por volta do sculo V a.C., na Grcia, como ramo da filosofia ou, mais especificamente, como um apndice da lgica. Os filsofos gregos estavam interessados em entender a relao entre a linguagem, o pensamento e a realidade.

    De acordo com Lobato (1986), o estudo sobre a linguagem e seu funcionamento na Grcia Antiga pode ser dividido em trs perodos:

    a) dos filsofos pr-socrticos, dos primeiros retricos e de Scrates, Plato e Aristteles;b) dos estoicos;c) dos alexandrinos.

    Scrates Plato Aristteles

    Thinkstock/Getty Images

  • 8Unidade: Gramtica: Histria, Definies e Tipologia

    No primeiro perodo, a lngua no era uma preocupao independente, encontrando-se de forma esparsa na obra de cada pensador. A informao que se tem dos filsofos pr-socrticos, dos primeiros retricos e de Scrates, indireta.

    Plato, tampouco escreveu um compndio gramatical ou elaborou uma discusso especfica e direta sobre a lngua. As suas reflexes a respeito do tema esto diludas em algumas de suas obras. Em Crtilo um dos mais importantes dilogos escritos pelo filsofo encontra-se um texto no qual o filsofo teceu consideraes relacionadas lngua, discutindo se haveria uma relao natural entre o significado das palavras e a motivao ou arbitrariedade do signo lingustico.

    Glossrio

    Crtilo o nome de um dilogo platnico. Nele se coloca em questo o nome, sua origem, seu estatuto, discutindo tambm se naturalista ou convencionalista. O filsofo pensava que fosse impossvel dar um nome s coisas, pois, estando estas em constante devir, no seriam mais aquelas.

    Deve-se a Plato a distino clara entre substantivos e verbos. Segundo o filsofo, os substantivos funcionavam como sujeitos de um predicado e, os verbos, como termos que expressavam a ao ou afirmavam a qualidade. Tais definies esto embasadas em fundamentos lgicos: sujeito aquele de que se afirma; atributo o que afirma; a ligao o verbo.

    Dentre os filsofos gregos, Aristteles foi o primeiro a realizar uma anlise mais apurada da estrutura lingustica, ainda que suas ideias no estejam reunidas em um nico volume e, sim, diludas nas suas obras. Diferentemente de Plato que propunha a forma do nome (onomatos eidos) que pertence prpria coisa, Aristteles defendeu o carter convencional da linguagem e da relao arbitrria entre palavra e significado.

    A denominao das categorias gramaticais ou classes de palavras como hoje conhecemos substantivo, verbo, conjuno etc. so provenientes das categorias do pensamento ou categorias aristotlicas para classificar um objeto no mundo. Leia o fragmento extrado da obra Categorias, de Aristteles:

    As palavras sem combinao umas com as outras significam por si mesmas uma das seguintes coisas: o que (substncia), o quanto (quantidade), o como (qualidade), com o que se relaciona (relao), onde est (lugar), quando (tempo), como est (estado), em que circunstncia (hbito), atividade (ao) e passividade (paixo). Dizendo de modo elementar, so exemplos de substncia, homem, cavalo; de quantidade, de dois cvados de largura, ou de trs cvados de largura; de qualidade, branco, gramatical; de relao, dobro, metade, maior; de lugar, no Liceu, no Mercado; de tempo, ontem, o ano passado; de estado, deitado, sentado; de hbito, calado, armado; de ao, corta, queima; de paixo, cortado, queimado (Cat., IV, 1 b).

  • 9 Saiba Mais1b 25. Of things said without any combination, each signifies either substance or quantity or qualification or a relative or where or when or being-in-a-position or having or doing or beingaffected. To give a rough idea, examples of substance are man, horse; of quantity: four-foot, fivefoot; of qualification: white, grammatical; of a relative: double, half, larger; of where: in the Lyceum, in the market-place; of when: yesterday, last-year; of being-in-a-position: is-lying, issitting; of having: has-shoes-on, has-armour-on; of doing: cutting, burning; of being-affected: being-cut, being-burned.

    (Disponvel em: http://faculty.washington.edu/smcohen/520/Cats1-5.pdf. Acesso: 21/04/2015).

    Foi apenas no terceiro perodo o da Escola Estoica que a lngua passou a ser discutida em obras independentes. Entretanto, tal como os pensadores dos perodos anteriores, os estoicos tambm conceberam o estudo da linguagem no mbito da filosofia e no da lngua em si mesma. Como filsofos, entendiam e percebiam a lngua como a expresso do pensamento e dos sentimentos; e, sob este olhar, que a lngua deveria ser investigada. (Cf. LOBATO, 1986).

    A compreenso da linguagem, para os estoicos, relacionava-se concepo do homem como uma espcie de pgina em branco que, por sua vez, a partir do nascimento, seria preenchida com as experincias sensoriais e intelectuais. Sob essa perspectiva, a lngua converteu-se na expresso do pensamento do homem e a voz no veculo dessa expresso. Da o interesse dos estoicos por questes relacionadas pronncia, etimologia e aos estudos gramaticais, sendo estes, referentes s classes de palavras e aos paradigmas flexionais.

    Uma das grandes contribuies que a Escola Estoica oferece ao estudo da lngua a percepo da relao dicotmica entre forma e significado, semelhante distino entre significado e significante que o linguista Ferdinand Saussure apresenta tempos depois. Para os estoicos, o significado construdo por meio do conhecimento global que se tem da lngua; j para Saussure, o significado uma representao mental.

    Seguindo cronologicamente a histria dos estudos sobre a lngua, o perodo seguinte, ser o alexandrino. Os estudiosos alexandrinos recebem esse nome por terem desenvolvido seus estudos na colnia grega de Alexandria, onde, no sc. III a.C., nasceu um grande centro de estudos literrios e lingusticos. Foram eles que passaram a considerar o estudo lingustico como parte do estudo literrio.

    A escolha pelo estudo literrio deveu-se a dois fatores: o primeiro deles era tornar acessvel aos contemporneos a obra de Homero; segundo porque existia uma preocupao com o uso correto da lngua, a fim de preservar o grego clssico de possveis alteraes de uso.

    Os alexandrinos tinham como objetivo educar os povos conquistados na lngua e na cultura grega. Assumiram uma postura purista da lngua, ao privilegiarem a escrita dos grandes escritores em detrimento dos demais usos da lngua. Dividiam-se em duas posturas lingusticas baseadas nas regularidades e irregularidades da lngua: os analogistas e os anomalistas.

    os primeiros privilegiaram as regularidades lingusticas, adotando uma atitude normativa (preocupao em como a lngua dever ser);

    j os anomalistas reconheciam a existncia de irregularidades e enfatizavam o uso efetivo da lngua (preocupao em como a lngua ).

  • 10

    Unidade: Gramtica: Histria, Definies e Tipologia

    Os estudos realizados pelos alexandrinos marcaram profundamente o perodo helenstico. deles a identificao de oito classes de palavras nome, verbo, particpio, artigo, pronome, preposio, advrbio e conjuno bem como o reconhecimento de categorias gramaticais relacionadas s classes caso, tempo, nmero, gnero, etc.

    Helenstico: O perodo helenstico foi um marco entre o domnio da cultura grega e o advento da civilizao romana. Os sopros inspiradores da Grcia se disseminaram, nesta poca, por toda uma regio exterior conquistada por Alexandre Magno, rei da Macednia. Com suas investidas blicas ele incorporou ao universo grego, o Egito, a Prsia e parte do territrio oriental, incluindo a ndia.

    Para saber mais: http://www.infoescola.com/historia/helenismo/

    As classes de palavras foram criadas paulatinamente como resultado de contribuies de vrios estudiosos em diferentes pocas. Para a conceituao das classes de palavras, os gregos utilizavam uma mistura de critrios: semnticos, sintticos e morfolgicos, o que ainda caracteriza nossas gramticas. (Lobato, 1986).

    Como vimos, os gregos empreenderam estudos nas reas da Etimologia (origem das palavras), da Fontica (pronncia) e da Gramtica (morfologia). Foram, no entanto, os estudos morfolgicos que mais se notabilizaram.

    Importante!

    A gramtica normativa foi elaborada a partir de critrios filosficos. Desde a sua origem, na Antiguidade Clssica (sc. II ou III a.C.) at nossos dias, apesar dos diferentes paradigmas socioculturais, ela mantm essa caracterstica.

  • 11

    Os Gramticos Alexandrinos

    dos gramticos alexandrinos que vem uma sistematizao da linguagem de carter mais gramatical, tal como explica, Maria Helena de Moura Neves (2001, p.50-1):

    Os gramticos alexandrinos representam a consolidao da passagem para um terreno gramatical, especfico e determinado, das consideraes sobre a linguagem, que se vinham fazendo, atravs dos tempos, no terreno da filosofia. O simples reconhecimento da existncia da analogia lingustica constitui, ainda, procedimento filosfico, mas a busca da analogia de formas representa a passagem para o terreno da fenomelogia. E foi assim que os gramticos alexandrinos, buscando, nas formas sonoras, analogias que permitissem o estabelecimento de paradigmas, codificaram a gramtica grega e lanaram o que seria o modelo da gramtica ocidental tradicional.

    Condicionada por sua finalidade prtica, a gramtica elege por exame, especialmente, a fontica e a morfologia, fixando-se nos fatos de manifestao depreensvel, passveis de organizao em quadros concretos. Se considerada nesse estgio, a sintaxe teria fatalmente compromisso com a lgica, constituindo uma deriva das consideraes filosficas. Ela , portanto, praticamente ignorada, no tendo lugar nessa nova disciplina, que pelas condies de surgimento, s tem sentido se emprica.

    O estudo dos elementos sonoros o que mais prximo fica do tratamento, j dado pela filosofia, uma vez que os dados fonticos, de qualquer modo, tm de representar um estudo concreto. Mas a motivao do exame outra, o que d como resultado que na gramtica se estabelea um quadro explcito e organizado.

    No estudo dos esquemas lgicos, a gramtica trata diferentemente os dados que retira da grande construo terica que a filosofia estabelecera. As partes do discurso tinham sido o objetivo privilegiado das investigaes filosficas concernentes aos problemas da linguagem. Agora, procurando examinar fatos da lngua, a gramtica instaura como classes de palavras as partes do discurso.

    No estudo dos chamados acessrios, que so as indicaes de gnero, nmero, caso, tempo, modo, voz e pessoa, encontra-se um terreno particularmente, propcio ao tratamento gramatical. Nesses fatos, especialmente, o criticismo encontrava discrepncias dos poetas. Alm disso, esses so fatos facilmente codificveis e formalmente sistematizveis, favorecendo a instituio de paradigmas.

    A primeira gramtica publicada no ocidente a Tkhn Grammatik (1715) que significa a arte de ler e escrever foi elaborada por Dionsio, o Trcio. Nascido em Alexandria, Dionsio viveu entre 170 e 90 a. C. (sculos II e I a. C.) e com sua obra de doutrina gramatical tem-se a primeira descrio ampla e sistemtica publicada no mundo ocidental de uma lngua o grego tico.

    Para Dionsio, a gramtica era o conhecimento prtico dos usos da lngua feita pelos poetas e escritores de prosa. Naquele momento, a gramtica j era considerada disciplina independente da lgica e da filosofia. Assim, a Tkhn Grammatik alexandrina surge como uma arte/tcnica voltada para capacitar as novas geraes a ler, a apreciar, a entender e a criticar os poetas. (NEVES, 2002)

  • 12

    Unidade: Gramtica: Histria, Definies e Tipologia

    A gramtica de Dionsio enfatizava a flexo paradigmtica das palavras gregas e tinha uma finalidade pedaggica por meio da contemplao da literatura grega clssica: Ele deu gramtica uma forma que, por muito tempo, foi definitiva, e cujos traos fundamentais ainda hoje podem ser reconhecidos em muitas obras gramaticais do Ocidente (NEVES, 2001, p. 51-2).

    Dionysius Thrax. Grammar. Davidson. 1874

    Fonte: Davidson/Wikimedia Commons

    A obra de Dionsio contempla trs domnios: os elementos; as partes do discurso; e os acessrios. Vejamos, as palavras de Neves (2001, p. 52-8) para explicar cada uma delas:

    I. A doutrina dos son , na grammatik, essencialmente um estudo dos grmmata, especificamente, considerados como caracteres da escrita. Os elementos j no so, pois como no estudo filosfico, modelos para os elementos fsicos ou para a anlise e a sntese dialticas. Eles so, por si, objeto de exame, embora tudo o que se codifica arrebanhe a pesquisa disponvel no material dos filsofos.

    II. A classificao de Dionsio, o Trcio, das partes do discurso representa a tradio da escola de Aristarco, a escola de Alexandria. um esquema bastante semelhante ao das nossas gramticas, separando, porm o particpio da classe dos verbos, o que no ocorria na classificao dos esticos. Ainda em contraposio aos esticos, a classe das conjunes e preposies, e a classe dos artigos e pronomes, embora os pronomes relativos se mantenham na classe dos artigos.

  • 13

    So apontados como partes dos discursos:

    1 O nome 5 O pronome

    2 O verbo 6 A preposio

    3 O particpio 7 O advrbio

    4 O artigo 8 A conjuno

    III. Dionsio trata das diversas categorias gramaticais, os acessrios das classes de palavras:

    1 Gnero 5 Modo

    2 Nmero 6 Voz

    3 Caso 7 Pessoa

    4 Tempo

    Essa sistematizao proposta por Dionsio revela sua importncia por dois aspectos: primeiramente, por ser representativa da forma de conceber o procedimento gramatical surgido na poca alexandrina e, em segundo, por ser o modelo sobre o qual a tradio da gramtica ocidental se apoia.

    Alm de Dionsio o Trcio, merece destaque outro gramtico alexandrino: Apolnio Dscolo, responsvel pela primeira teoria sinttica ao estudar a lngua grega. Na obra deste autor, percebemos caractersticas bsicas que orientaram os trabalhos dos primeiros gramticos e que foram transmitidas ao Ocidente a exclusividade de ateno ao uso da lngua feito por autores consagrados em detrimento de outras variantes de menor prestgio.

    Seus estudos abrangeram questes de diacronia, estilstica, ortografia, prosdia, dialetos, elementos e partes das oraes. Contudo, sua importncia na histria da gramtica ocidental deve-se ao tratamento dado sintaxe, at ento, ausente nos trabalhos dos gramticos alexandrinos. Os estudos sintticos revelaram a influncia dos trabalhos de Dionsio de Trcia e a dos estoicos.

    Apolnio foi o nico gramtico antigo que escreveu uma obra completa e independente sobre sintaxe, segundo Neves (2002). O gramtico no foi partidrio de nenhuma das correntes que investigavam a origem da linguagem e suas relaes com o pensamento, tampouco procurou delimitar a natureza da gramtica arte x cincia.

    Os estudos de Dionsio de Trcia e de Apolnio Dscolo no s influenciaram significativamente o ensino do grego, como despertaram o interesse para o estudo dessa lngua em momentos histricos posteriores.

    Na poca helenstica, uma grammatik seria um exame dos textos escritos com a finalidade de resguardar as obras que representavam o esprito grego, constituindo-se em uma disciplina de cunho didtico. Ela , ento, definida por Dionsio como empeiri (conhecimento emprico).

    Glossrio

    Empeiri: Segundo o dicionrio eletrnico Houaiss da lngua portuguesa 1.0: conhecimento emprico aquele baseado na experincia e na observao, metdicas ou no.

  • 14

    Unidade: Gramtica: Histria, Definies e Tipologia

    Conclumos, ento, que os filsofos no fizeram gramtica, apenas criaram doutrinas, j que seus estudos no foram desenvolvidos de maneira autnoma e sistemtica. Os filsofos gregos consideravam-na apenas um caminho para o desvendamento da atividade lingustica, enquanto os fillogos alexandrinos estudavam-na como um meio de se alcanar a regularidade do uso.

    Em suma:

    Na filosofia gregagrammatik um sistema regulador da interdependncia dos elementos lingusticos;

    Na cultura helensticagrammatik uma regulamentao de um determinado uso da lngua, num dado momento de sua histria;

    Na cincia lingustica modernagramtica a explicitao das regras que regem a Lingustica (Neves, 2002).

    Trabalhos sobre sintaxe, posteriores a Apolnio Dscolo, se perderam e a fonte mais confivel e abrangente na antiguidade o texto de Prisciano. com este estudioso romano que a gramtica latina chega ao seu apogeu. Ele o primeiro a elaborar uma sintaxe, inspirado nas teorias lgicas dos gregos. A inteno primeira do autor teria sido traduzir as obras gramaticais dos gregos.

    O estudioso lanou mo de discusses da lgica para construir uma sintaxe com estes princpios. Para Prisciano, a sintaxe visa estudar a obteno de uma orao perfeita (oratio perfecta). Assim, o autor tenta recuperar as primeiras especulaes filosficas gregas sobre a linguagem, que a entendiam como a expresso do pensamento.

    Portanto, a sintaxe de Prisciano, baseada principalmente nas reflexes de Apolnio Dscolo, parte do tomo at a formao da sentena conexa, representada pela oratio perfecta.

    A gramtica desse estudioso torna-se o modelo de todos os gramticos da Idade Mdia. nesse perodo que um impasse ocorre: se as construes lingusticas latinas eram lgicas e, portanto, naturais, as lnguas modernas deveriam seguir essas mesmas causas? a gramtica proposta pelos estudiosos de Port-Royal (1660) que vai tentar esclarecer esse impasse. somente no sculo XVII, com Grammaire gnrale et raisone de Port Royal, organizada por Lancelot e Arnauld, que vai se definir claramente os postulados de todas as categorias relacionais lgicas a que so submetidas as categorias lingusticas, desde os to distantes povos gregos e romanos.

    A Gramtica de Lancelot e Arnauld era baseada nos princpios aperfeioados por Descartes, que idealizava a existncia de um pensamento extralingustico e designava a linguagem como uma das causas dos nossos erros.

    A Grammaire gnrale et raisone de Port Royal dominou o sculo XVII, trazendo uma grande contribuio para estudos posteriores. A tentativa lgica de Port-Royal marca de tal forma o estudo da linguagem que, at os nossos dias, os linguistas vo ter grande dificuldade em separar a sua anlise da dos componentes lgicos. A lingustica vai oscilar entre um formalismo empirista (descrio das estruturas formais) e um logicismo transcendental (diviso do contedo em categorias tomadas lgica).

  • 15

    Os Gramticos Quinhentistas e a Lngua Portuguesa

    Passando para o mbito da Lngua Portuguesa, cabe lembrar que, no sculo XVI, as lnguas romnicas passaram a ser descritas em gramticas. Os dois primeiros gramticos portugueses foram Ferno de Oliveira e Joo de Barros que publicaram, respectivamente, a Gramtica da Linguagem Portuguesa, em 1536, e a Gramtica da Lngua Portuguesa, em 1540.

    Para Silva (2000), dos quatro gramticos quinhentistas Ferno de Oliveira (1536), A gramtica da linguagem portuguesa; Joo de Barros (1540), Gramtica da lngua portuguesa; Pero de Magalhes Gndavo (1574), Regras que ensinam a maneira de escrever e a ortografia da lngua portuguesa; e Duarte Nunes de Leo (1576), Ortografia e origem da lngua portuguesa apenas Joo de Barros trata do que hoje se chama sintaxe. Apesar de o autor considerar a sintaxe como uma parte da gramtica, a ela dado pouco relevo no conjunto de sua obra. Sua sintaxe resume-se a observaes sobre concordncia e regncia, elementos essenciais da Gramtica Tradicional.

    Joo de Barros, juntamente com outros gramticos, alvo das crticas de Jernimo Soares Barbosa (1737-1816) por construrem uma gramtica da lngua portuguesa que imitasse a latina. Soares Barbosa segue a abordagem da Grammaire gnrale et raisone de Port Royal, da qual j tratamos anteriormente.

    Soares Barbosa defende que qualquer gramtica tem uma parte mecnica e uma parte lgica. Na parte mecnica encontram-se a Orthoepia, que se preocupa com os sons da lngua; e a Orthographia, preocupada com os sinais. Na parte lgica, esto a Etymologia, que ensina as espcies de palavras que entram na composio de qualquer orao e a analogia de suas variaes e propriedades gerais; e a Syntaxe, que ensina a coordenar estas palavras e a disp-las no discurso de modo que faam um sentido, ao mesmo tempo distinto e ligado.

    Ainda que a gramtica tradicional no tenha acolhido a classificatria complexa proposta por Jernimo Soares Barbosa, Silva (2000) lembra que, at fins da dcada de 1950, qualquer bom professor de portugus seguia os ensinamentos desse estudioso.

    Fonte: Wikimedia Commons

  • 16

    Unidade: Gramtica: Histria, Definies e Tipologia

    Tipos de Gramtica

    PronominaisD-me um cigarroDiz a gramtica

    Do professor e do alunoE do mulato sabido.

    Mas o bom negro e o bom brancoDa Nao BrasileiraDizem todos os dias

    Deixa disso camaradaMe d um cigarro.

    ***(Oswald de Andrade)

    Para pensar

    Do que nos fala o poema, de Oswald de Andrade?

    Quais os dois tipos de uso da linguagem representados nos versos?

    Isso mesmo, na primeira estrofe do poema, verificamos que o eu-lrico faz referncia e emprega a linguagem culta ou normativa da lngua portuguesa, expressa no verso: D-me um cigarro com a colocao pronominal posterior ao verbo. Contrapondo-se a essa construo que segue as regras gramaticais da lngua Diz a gramtica / Do professor e do aluno / E do mulato sabido, o eu-lrico apresenta, na estrofe seguinte, a forma usual da linguagem feita pelo cidado brasileiro: Me d um cigarro.

    Partindo do contraste proposto nos versos de Oswald de Andrade sobre os diferentes usos da linguagem, podemos retomar os tipos de gramtica de uma lngua. A classificao desses tipos pauta-se tal como expressa Luiz Carlos Travaglia (2005) nos diferentes usos feitos das regras gramaticais. Travaglia destaca trs dos usos mais frequentes:

    A conjunto de regras que devem ser seguidas; falar e escrever corretamente;

    B conjunto de regras que so seguidas; tornar conhecidas, de forma explcita, as regras de fato utilizadas pelos falantes;

    C

    conjunto de regras que o falante da lngua domina refere-se a hipteses dos conhecimentos lingusticos que habilitam o falante a produzir frases ou sequncias de palavras de maneira tal que essas produes so compreensveis ou reconhecidas como pertencendo a uma lngua, o que nos remete a Chomsky, no mesmo?

  • 17

    Cada um desses usos denota uma concepo de gramtica que, de acordo com Travaglia, so respectivamente denominadas:

    A gramtica normativa

    B gramtica descritiva

    C gramtica internalizada

    Retomemos cada um desses tipos a fim de ter clara a diferena entre eles.

    A primeira concepo de linguagem refere-se gramtica normativa, isto , quela que concebida como um manual com regras de bom uso da lngua a serem seguidas por aqueles que querem se expressar adequadamente. (TRAVAGLIA, 2005, p. 24).

    Luiz Carlos Travaglia Professor Doutor de Lngua Portuguesa e Lingustica do Instituto de Letras e Lingustica da Universidade Federal de Uberlndia e importante nome na rea da Lingustica.

    Essa concepo de gramtica privilegia a norma culta padro, o indivduo conhece as regras e as domina; com isso, rechaa todas as outras formas que sejam diferentes dessa variedade, considerando seu uso como erro ou frmula agramatical. um tipo de abordagem que se preocupa com o estudo da palavra e da frase descontextualizada, reduzindo as aulas de portugus a aulas de teoria gramatical e de atividades metalingusticas.

    Ler, nessa perspectiva, reconhecer o pensamento do autor do texto, ou seja, decodificar imediatamente os sinais lingusticos. Logo, o texto apresenta, sempre, um nico sentido possvel, j dado, pronto e acabado.

    Na segunda concepo, a da gramtica descritiva, existe uma preocupao em descrever os fatos da lngua, elaborando uma descrio de como a lngua funciona e como as regras so usadas pelos falantes. Nesse caso, para uma construo ser considerada gramatical, no precisa seguir os modelos cannicos de escrita, mas atender s regras de funcionamento da lngua em uma de suas variedades. Portanto, leva em conta tudo o que est includo no sistema e no necessariamente na norma. a isso que se propem os estudos da gramtica descritiva.

    A gramtica descritiva abarca subdivises em vrios tipos de gramticas que tratam de assuntos mais especficos:

    Gramtica contrastiva abrange duas ou mais normas de uma lngua e mostra a interferncia que elas exercem na lngua materna;

    Gramtica geral busca explicitar o maior nmero de lnguas e estabelecer as possibilidades de uso que elas oferecem;

    Gramtica universal busca explicitar o maior nmero de lnguas e estabelecer as caractersticas comuns entre elas;

    Gramtica histrica mostra a evoluo histrica de uma lngua;

    Gramtica comparada mostra a evoluo histrica de um conjunto de lnguas.

  • 18

    Unidade: Gramtica: Histria, Definies e Tipologia

    A terceira vertente a gramtica internalizada, conjunto de regras que o falante domina e utiliza para interagir com os demais interlocutores nas situaes reais de comunicao. Considera-se a gramtica como contextualizada, o que implica num ensino que no seja normativo nem descritivo.

    Nessa perspectiva, considera-se que as regras da lngua so inerentes ao homem, as quais ele recebe assim que entra em contato com uma comunidade falante. Nesse sentido, o saber gramatical algo que antecede qualquer princpio de escolarizao ou processo de aprendizagem, refere-se capacidade gentica do falante de perceber e internalizar as regras da gramtica da lngua, usando-as de acordo com o que exigido pela situao de interao comunicativa de que participa.

    Da a crtica de alguns estudiosos ao fato de muitos professores acreditarem que os alunos chegam escola como uma tbula rasa, imaginando-os sem nenhum saber lingustico e, por isso, devem aprender a lngua portuguesa a partir de uma nica concepo, a do certo e do errado.

    H vrias formas de ensinar e de aprender o uso de uma lngua e todas sero vlidas desde que se leve em conta o saber dos estudantes e se alcance o objetivo pretendido. nesse sentido que vo as palavras de Celso Luft na obra Lngua e Liberdade:

    O que me preocupa profundamente a maneira de se ensinar a lngua materna, as noes falsas de lngua e gramtica, a obsesso gramaticalista, a distorcida viso de que ensinar uma lngua seja ensinar a escrever certo, esquecimento a que se relega a prtica da lngua, e, mais que tudo: a postura opressora e repressiva, alienada e alienante desse ensino, como em geral de todo o nosso ensino em qualquer nvel e disciplina. [...] Penso ser urgentssimo promover uma mudana radical em nossas aulas de Portugus, ou como quer que as chamem: passando de uma postura normativa, purista e alienada, viso do aluno como algum que J SABE a sua lngua, pois a maneja com naturalidade muito antes de ir escola, mas precisa apenas LIBERAR mais suas capacidades nesse campo, aprender a ler e escrever, ser exposto a excelentes modelos de lngua escrita e oral, e fazer tudo isso com prazer e segurana, sem medo (LUFT, 1993, p. 11-2, destaques do autor).

    Encerramos esta unidade com as palavras de Celso Luft para que elas estejam sempre presente ao longo do curso, como chave reflexiva para a nossa formao enquanto professores de lngua materna. Que todo o conhecimento adquirido sobre o funcionamento normativo da lngua portuguesa possa ser uma ferramenta til que possibilite a formao de cidados lcidos e livres. Senhores de sua linguagem (LUFT, 1993, p. 12).

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    Material Complementar

    Para ampliar seus conhecimentos, leia o artigo, intitulado Prisciano e a histria da gramtica: consideraes acerca da sintaxe e da morfologia, de Rodrigo Tadeu Gonalves, que Professor Doutor de Lngua e Literatura Latinado DLLCV/UFPR.

    Considerando que as reflexes lingusticas na antiguidade tiveram reflexos nos estudos atuais, o artigo trata da gramtica antiga, feita nos moldes da tradio grega do precursorDionsio Trcio. Em especial, o escopo deste trabalho baseado emduas obras do gramtico Prisciano (Bizncio, sc. VI). Com o objetivo de mostrar a concepo lingustica do pensamento gramatical de Prisciano, o artigo aborda a sintaxe na obra Institutiones Grammaticae e a morfologia na Institutio denomine et pronomine et verbo. Para esboar a caracterstica de veculo transmissor da tradio grega e para explicitar os conceitos de sintaxe e morfologia, este trabalho lana mo detradues de excertos das duas obras, algumas inclusive inditas. Ao fim, fica evidente uma sintaxe atomista baseada na ideia de oratio perfecta e uma morfologia que faz uso de operaes de manipulao de letras e de modelos paradigmticos.

    O artigo foi publicado na Revista Eletrnica Antiguidade Clssica ISSN 1983 7614 No. 005/ Semestre I/2010/pp.85-99 e voc o encontra no link:

    No se esquea de fazer registros durante a leitura, anotando as ideias principais de que trata o artigo. Essa uma forma de ir criando ao longo da disciplina um material para consulta e estudos posteriores.

    Site:Prisciano e a histria da gramtica: consideraes acerca da sintaxe e da morfologia:

    http://goo.gl/7Gu9qC

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    Unidade: Gramtica: Histria, Definies e Tipologia

    Referncias

    ANDRADE, Oswald de. Seleo de textos. So Paulo: Nova Cultural, 1988.

    BECHARA, Evanildo. Moderna Gramtica Portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.

    CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova Gramtica do Portugus Contemporneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

    JOTA, Zlio dos Santos. Dicionrio de Lingstica. Rio de Janeiro: Presena Edies, 1976.

    LOBATO, Lcia Maria Pinheiro. Sintaxe Gerativa do Portugus. Belo Horizonte: Belo Horizonte, 1986.

    LUFT, Celso. Lngua e liberdade: por uma nova concepo da lngua materna. 2 ed. ref. e ampl. So Paulo: tica, 1993.

    MANGUEL, Alberto. A cidade das palavras. Trad. Samuel Titan Jr. So Paulo: Cia das Letras, 2008, pp.59.

    NEVES, Maria Helena de Moura. A Gramtica: histria, teoria e anlise, ensino. So Paulo: UNESP, 2002.

    SILVA, Rosa Mattos. Tradio Gramatical e Gramtica Tradicional. 4. ed. So Paulo: Contexto, 2000.

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    Anotaes