grey's anatomy: caso da comunidade virtual na rede social ... · meus irmão, raoni e iara,...

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1 ITYARA COIMBRA RODRIGUES Grey's Anatomy: caso da comunidade virtual na rede social Orkut. Monografia apresentada ao Curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará como requisito para a obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social, habilitação em Publicidade e Propaganda, sob a orientação do Prof. Dr. José Riverson Araújo Cysne Rios. FORTALEZA 2010

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1

ITYARA COIMBRA RODRIGUES

Grey's Anatomy: caso da comunidade virtual

na rede social Orkut.

Monografia apresentada ao Curso de

Comunicação Social da Universidade Federal

do Ceará como requisito para a obtenção do

grau de Bacharel em Comunicação Social,

habilitação em Publicidade e Propaganda, sob

a orientação do Prof. Dr. José Riverson Araújo

Cysne Rios.

FORTALEZA

2010

2

ITYARA COIMBRA RODRIGUES

A comunidade virtual na rede social Orkut:

o caso da comunidade Grey's Anatomy.

Esta monografia foi submetida ao Curso de Comunicação Social da Universidade Federal

do Ceará como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel

A citação de qualquer trecho desta monografia é permitida desde que feita de acordo com

as normas da ética científica.

Monografia apresentada à Banca Examinadora

______________________________________________

Prof. Dr. José Riverson Araújo Cysne Rios (Orientador)

Universidade Federal do Ceará

______________________________________________

Prof. Elian de Castro Machado (Membro)

Universidade Federal do Ceará

______________________________________________

Prof.ª Rafaela Almeida e Silva Leite (Membro)

Universidade Federal do Ceará

FORTALEZA

2010

3

Agradecimentos

Agradeço primeiramente a Deus, pela saúde e disposição de cada dia que foram

cruciais na realização deste trabalho. À minha mãe (in memoria) Maria do Socorro

Coimbra Gonzaga, e avó (in memoria) Maria do Carmo Coimbra Gonzaga, pela inspiração

que elas representam em minha vida, meus exemplos de mulheres fortes e vencedoras. Por

ser a força que me impulsiona a buscar sempre o melhor e realizar minhas tarefas sempre

com muito esforço e dedicação.

A minha família, meu pai, Antônio Rodrigues, pelo apoio e incentivo que foram

fundamentais para que esse objetivo fosse alcançado, por sempre acreditar no meu

potencial. Meus irmão, Raoni e Iara, por representarem a esperança do futuro e ser motivo

de orgulho para mim.

A meus familiares: tios e primos que me hospedaram nesta cidade e que sem o

apoio deles essa jornada universitária não teria se concluído.

A meus amigos de faculdade, principalmente Luis Arthur da Costa e Silva e Ingrid

Sales Meinerz, que sempre estiveram ao meu lado durante essa jornada e, que me apoiaram

a me ajudaram nas horas mais cruciais.

Ao meu orientador, amigo e também grande professor da faculdade o Prof.

Riverson Rios, por aceitar me orientar, embarcando nesse desafio junto comigo, sendo

sempre um grande colaborador deste trabalho.

A banca examinadora, o Prof. Elian Machado e Rafaela Leite, por disponibilizarem

seu tempo e contribuir com a realização deste trabalho.

A moderadoras da comunidade virtual do Orkut Grey's Anatomy, por receber com

simpatia o pedido de entrevista por e-mail e colaborar com suas respostas, sendo essas de

extrema importância para a conclusão desta pesquisa.

As amigas de pensionato, Eletice, Raquel, Paula, Lara etc que fizeram parte da

época mais divertida nesta cidade. Obrigada pela amizade e companheirismo, que

carregarei para sempre na memória.

E finalmente a todas as pessoas que de certa forma passam por minha vida nesses

anos que morei em Fortaleza para cursar a faculdade, todas vão deixar uma marca e com

certeza um aprendizado.

4

"É melhor tentar e falhar,

que preocupar-se e ver a vida passar;

é melhor tentar, ainda que em vão,

que sentar-se fazendo nada até o final.

Eu prefiro na chuva caminhar,

que em dias tristes em casa me esconder.

Prefiro ser feliz, embora louco,

que em conformidade viver ..."

Martin Luther King

5

RESUMO

Esta pesquisa busca analisar a comunidade virtual presente na rede social Orkut, como

local de referência dos internautas dentro do ciberespaço. Analisando também as relações

que se desenvolvem neste agrupamento de pessoas de toda parte do mundo com interesses

em comum. Serão estudados também os elementos que são fundamentais para que o Orkut

possa ser categorizado como rede social, relacionando as comunidades virtuais com a

realidade que se têm no mundo offline. A comunidade virtual será comparada e analisada

frente à comunidade do mundo offline, até que ponto as pessoas se identificam nesses

espaços virtuais e procuram estender e criar relações de amizades verdadeiras, que possam

vir a cruzar as fronteiras do computador. Por fim, utilizando a pesquisa bibliográfica e uma

entrevista com as moderadoras da comunidade como método de coleta de dados, será

analisada a comunidade denominada Grey's anatomy e sua relação como comunidade e

espaço fomentador de relações entre pessoas.

PALAVRAS-CHAVE: Comunidade virtual, Orkut, Internet, Cibercultura, Rede Social.

6

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Tabela Ibope sobre acesso à internet no ano de 2010.........................................16

Figura 2 - Estatísticas do Orkut Outubro 2010.....................................................................44

Figura 3 – Link mantenha o Orkut bonito............................................................................47

Figura 4 – Estatísticas do Orkut Outubro 2010....................................................................49

Figura 5 – Página inicial da comunidade Grey's Anatomy Out. 2010..................................50

Figura 6 – Fórum mostrando todos os tópicos Out 2010.....................................................51

Figura 7 – Comentários no tópico Spoilers..........................................................................52

Figura 8 – Mensagem no tópico moderação.........................................................................53

Figura 9 – Comentários no tópico 7.02 “Shock to the System”...........................................54

Figura 10 – Votação e resultados da enquete “Com quem o McDreamy combina mais” em

05/10/10................................................................................................................................55

Figura 11 – Posts do fórum Download do episódio 9...........................................................56

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SUMÁRIO

RESUMO..............................................................................................................................5

LISTA DE FIGURAS...........................................................................................................6

INTRODUÇÃO....................................................................................................................8

1 Cibercultura: reflexões iniciais sobre essa nova temática...........................................11

1.1 Os marcos na evolução da Internet................................................................................11

1.2 O ciberespaço.................................................................................................................15

1.3 A totalidade cada vez mais distante...............................................................................19

1.4 Cibercultura e o compartilhamento................................................................................22

1.5 Princípios básicos do Ciberespaço.................................................................................24

2 Comunidade virtual: a nova perspectiva de relacionamento......................................27

2.1 O que é virtual?..............................................................................................................27

2.2 Comunidade virtual........................................................................................................30

2.3 Comunidade vs. Comunidade virtual.............................................................................32

2.4 Características das comunidades virtuais.......................................................................35

3 Grey’s Anatomy: a comunidade virtual desempenhando seu papel na rede.............41

3.1 Metodologia....................................................................................................................41

3.2 O orkut como rede social................................................................................................42

3.3 A comunidade “Grey’s Anatomy”..................................................................................47

3.4 As formas de interação...................................................................................................53

3.5 Entrevistas......................................................................................................................57

CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................61

APÊNDICE A......................................................................................................................65

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................66

8

INTRODUÇÃO:

O termo virtual é bem conhecido hoje em dia, principalmente por quem usa o

computador e a internet. Mas o seu emprego, que se dá de forma abrangente e

descompromissada, tem trazido cada vez mais desafios para estudiosos da área. As pessoas

colocam a palavra virtual depois de quase qualquer outro termo para determinar que aquilo

faz parte do ciberespaço. Escuta-se constantemente os termos comunidade virtual, namoro

virtual, jogo virtual, realidade virtual, e assim por diante. Mas será propício esse uso?

Essas pessoas sabem a real dimensão do significado da palavra virtual?

Claro que a discussão só aumenta com o visível crescimento do número de

computadores e do acesso à internet que o Brasil vive atualmente. Cada vez mais a internet

começa a fazer parte do cotidiano de milhares de brasileiros, tanto no trabalho como em

casa, e para o próprio lazer. Essa expansão é inevitável e sem retorno, tanto por questões

econômicas, como culturais. A sociedade atual tem sede de novidades e tecnologias e a

internet é a grande disseminadora e proporcionadora dessa nova realidade para a maioria

dos consumidores desse mercado.

Diante de todos os elementos que fazem parte do mundo virtual, do ciberespaço, a

comunidade virtual foi escolhida a mais importante para o estudo desta monografia. É ela

que engloba a noção de espaço dentro do ciberespaço e é onde se desenvolve grande parte

das relações entre as pessoas que fazem da internet um meio de comunicação e interação

dentro de suas vidas. E pensando nesse espaço como local de formação de relações

pessoais no mundo online, essa comunidade pode ser comparada com a qual vivemos no

outro lado da tela do computador? E que visão as próprias pessoas participantes desse

sistema têm das atividades desenroladas no espaço virtual? Como se dá a relação das

mesmas dentro de uma comunidade virtual de uma das maiores redes sociais do Brasil?

Essas relações se estendem além das fronteiras do mundo virtual? As pessoas acreditam

que estão desenvolvendo relações de amizades verdadeiras? Quais os impactos dessas

relações nas vidas desses usuários? Os usuários estão preocupados com o bom

funcionamento do sistema online como se preocupam com o bem estar no mundo offline?

Qual a relação de pertencimento que os membros possuem para com as comunidades

virtuais?

É atentando para essas questões que o objetivo deste trabalho será analisar as

relações existentes nas comunidades virtuais do Orkut, sua ligação com as relações

9

desenvolvidas no mundo “real”, passando pelos principais conceitos, importantes para o

entendimento dessa dinâmica, sendo suportado pelo estudo de estudiosos que foram

julgados essenciais neste trabalho para o embasamento das teorias. O Orkut será estudado

como rede social e a comunidade virtual presente será também estudada com mais detalhe,

sendo feito um estudo de caso para se conseguir entender de forma mais fiel e constatar na

prática uma comunidade virtual que dá certo e que condiz com os objetivos de interação a

que se propõe este espaço, fazendo também o link com a realidade offline.

É nesse espaço dentro do ciberespaço que as pessoas tentam desenvolver interações

e laços de amizade que se assemelhem aos que elas experimentam no seu dia a dia no

mundo offline, como será visto no decorrer da pesquisa com o caso da comunidade virtual

da rede social Orkut denominada Grey’s Anatomy.

Este trabalho está assim organizado. No primeiro capítulo, denominado

“Cibercultura: reflexões iniciais sobre essa nova temática”, será primeiramente feito um

apanhado histórico dos marcos mais importantes na evolução da internet para que se possa

entender o cenário em que a sociedade se encontra hoje. Ao se percorrer os anos desde a

criação da internet será visto que cada avanço e tecnologia lançada foi crucial para que as

pessoas hoje façam parte desso novo mundo.

Também serão abordados termos como Ciberespaço, definindo-o e procurando

entender como as ideias relacionadas ao tema propostas por autores da área como Pierre

Lévy e André Lemos são importantes para que o estudo decorra de forma coerente e que o

pensamento desenvolvido tenha base em estudos relevantes. Ainda no mesmo capítulo o

estudo do termo vai puxando outras questões que foram julgadas importantes para o

trabalho como a ideia de totalidade, também trabalhada por Lévy, e o compartilhamento,

que é hoje elemento básico dentro do desenrolar das comunidades virtuais e será visto de

forma concreta dentro da rede, com o compartilhamento de arquivos, fotos, vídeos,

imagens etc.

No segundo capítulo, denominado “O que é virtual?” serão trabalhados conceitos

mais específicos para se chegar ao tema da monografia que é a comunidade virtual. O

termo virtual, já comentado aqui vai ser trabalhado em detalhes, sendo explorado por

autores como Pierre Lévy e Baudrillard, nas suas variadas significações e no impacto na

ideia que se tem da internet. Entender o que é o virtual e qual a melhor maneira de se usar

o termo para denominar as milhares de variações hoje presentes no mundo online é

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imprescindível para que o estudo se desenvolva numa ótica mais crítica e mais clara no

posicionamento das ideias.

Mais adiante no mesmo capítulo será feito um estudo do termo comunidade, como

esse é desenvolvido em nossa sociedade, qual a ideia que se tem do que é comunidade, na

qual fazem parte no mundo real. Juntando assim a ideia do virtual com a de comunidade e

se iniciará a discussão em torno da comunidade virtual. O que esse termo significa, qual a

relação do mesmo com o que temos por comunidade em si. Autores como Lévy, Bauman,

Rheingold serão apresentados, com suas ideias e versões variadas do conceito trabalhado.

A autora Raquel Recuero também será apresentada no capítulo, com suas ideias

sobre comunidade virtual, e sobre questões importantes que estão intrinsecamente ligadas

ao tema como o sentimento de pertencimento e permanência e as interações em suas

diferentes categorias que se apresentam como fomentadores dessa comunidade, segundo a

autora.

No terceiro e último capítulo, será realizado o estudo da rede social Orkut, como

esta pode ser classificada como rede social. E o caso da comunidade virtual denominada

Grey’s Anatomy como realizadora da proposta de comunidade dentro da rede, as interações

entre os membros e o desenrolar da dinâmica proposta pela ideia inicial do Orkut. O estudo

mostrará recortes dessa comunidade para verificação fiel das teorias trabalhadas,

mostrando tanto figuras como trechos dos fóruns ali realizados. Também será mostrado

trechos de uma entrevista via email feita com as moderadoras da comunidade, onde as

mesmas mostram na prática aspectos da comunidade virtual trabalhados tanto neste

trabalho, como por autores como Raquel Recuero que são renomados no estudo dessa

ferramenta da internet.

É importante afirmar que o interesse pelo tema escolhido para o desenvolvimento

desta monografia começou da própria observação da autora com o comportamento do

usuário da internet dentro dessas comunidades, por também fazer parte ela mesma da rede

social Orkut e ser membro da comunidade Grey’s Anatomy estudada. Todas as relações

desenvolvidas dentro da comunidade de certa forma fazem parte do cotidiano da

pesquisadora e a chamaram atenção para um estudo mais detalhado dessa nova forma de se

relacionar que faz parte da sua realidade.

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1. Cibercultura: reflexões iniciais sobre essa nova temática

Esta monografia inicia-se com um pequeno aparato do desenvolvimento da internet,

apenas evoluções pontuais cronológicas são importantes como marco da historia da

internet, e que são pontuais para entender a realidade atual em que se insere a sociedade de

consumo com relação ao uso da internet e suas tecnologias. Mais adiante neste capitulo

também serão abordadas as mudanças ocorridas na sociedade, principalmente no modo de

relacionamento das pessoas, medidas pela dimensão que a cibercultura atingiu o Brasil.

Sendo destacado como principal ponto de estudo deste trabalho de monografia, as

comunidades virtuais, qual a relação e semelhança ou divergências delas com o que se

conhece como comunidade, na qual vive e faz parte os indivíduos, que será abordada nos

capítulos seguintes.

1.1 Os marcos na evolução da Internet

A internet foi desenvolvida nos tempos da Guerra Fria, pela empresa ARPA

(Advanced Research and Projects Agency) sendo primeiramente chamada de ARPANET,

tinha função de manter a comunicação das bases militares dos Estados Unidos. Tinha

pouca dispersão pelo mundo, pois era controlada pelos militares e restrita apenas ao uso do

governo. Tempos depois sendo estendida a instituições de ensino importantes. Como

afirma Manuel Castells no seu livro a galáxia da internet. “Em suma, todos os

desenvolvimentos tecnológicos decisivos que levaram à Internet tiveram lugar em torno

das instituições governamentais e importantes universidades e centros de pesquisa.”

(CASTELLS, 2001 p. 23)

Não havia o famoso computador pessoal, como se conhece hoje, esse só foi lançado

em 1975, pela empresa Altair. Em 1979 o famoso Steve Jobs lançava o primeiro

computador Apple, marca que hoje é um dos maiores sucessos do mercado da informática,

e daí por diante lançamentos mais aprimorados não pararam de aparecer. Especificamente

no Brasil, a Internet começou um pouco mais tarde, só no final da década de 80 com a

RNP (Rede Nacional de Pesquisa), uma operação acadêmica subordinada ao MCT

(Ministério de Ciência e Tecnologia).

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A década de 80 foi de extrema importância para o desenvolvimento da internet. Já

no ano de 1981 o termo ciberespaço foi criado e ganhou notoriedade através do livro de

William Gibson, “Neuromancer”, termo esse que hoje é usado em abundância, tanto de

significados como de variações, e que será abordado com mais profundidade no decorrer

do capitulo. Outro marco importante foi a desmilitarização da ARPANET, que aconteceu

no ano de 1983 e que possibilitou a internet a abranger muitos outros computadores mundo

afora. A comunicação começa então a se descentralizar e juntamente com as novas

tecnologias o uso do computador e da internet torna-se possível ao grande publico. Em

1988 surge o IRC (internet relay chat), um software que permitia conversas instantâneas

entre redes de computadores, entre usuários que estivessem em lugares diferentes. Foi um

grande pontapé para o inicio dos relacionamentos virtuais, pois possibilitava pessoas a

conversarem com outras, geograficamente distantes, fazendo ou não uso de nicknames e

como já dito, de forma instantânea, indo além da comunicação assíncrona que o email

possibilitava. Hoje existem vários outros programas, como o MSN, o Skype, que são mais

modernos e possuem mais recursos (como áudio e vídeo) para o bate papo online1.

As criações e evoluções não pararam por ai, no inicio da década de 90 os

internautas puderam fazer uso dos hipertextos (hoje bem conhecido como “links”), que

possibilitam decorrer entre vários textos, fotos, referências, ligados a esses links de forma

rápida e eficaz. Lévy defini de forma eficiente o hipertexto.

“O hipertexto é constituído por nós (os elementos de informação, parágrafos, páginas, imagens, sequências musicais etc.) e por links entre esses nós, referências, notas, ponteiros, “botões” indicando a passagem de um nó a outro.” LEVY (2000 p. 56)

No ano seguinte a World Wide Web (famosa WWW que antecede os endereços

eletrônicos) foi lançada, dando um salto nos acessos às informações online, acarretando

num grande crescimento de servidores conectados à rede. A partir daí as novidades não

pararam de surgir e cada vez mais rápidas, elas invadiam e invadem o cotidiano dos

brasileiros, aprimorando e tornando cada vez mais fascinante o mundo da internet. Em

1997 foi criado o primeiro blog2, que fez muito sucesso e até hoje é usado frequentemente

e com as mais variadas intenções. No ano seguinte foi lançada a empresa Google Inc.,

1 Termo da area informática que significa estar conectado na rede de computadores 2 Página de internet atualizada constantemente e formada por pequenos parágrafos, organizada cronologicamente

13

responsável pelo maior e mais conhecido site de busca online, o Google, e que até hoje faz

parte da vida de quase todos os internautas da web. Em 1999 iniciou-se a troca de arquivos

de música entre usuários da internet, o famoso compartilhamento de arquivos, que hoje se

estende para fotos, vídeos etc. O primeiro programa usado para tal façanha era chamado

Napster, mas hoje existem infinitos deles, que possibilitam a troca desses arquivos de

maneira rápida e gratuita. Esta pesquisa não vai se deter às questões que envolvem as

implicações legais existentes por traz desse fenômeno do compartilhamento, pois se trata

de uma questão longa e importante que merece um estudo único e aprofundado. Sendo

atentado aqui apenas as implicações que essa onda do compartilhamento traz de relevância

para o tema estudado.

Frequentemente, quando algo é lançado no mercado, uma nova invenção, quase que

automaticamente se cria a necessidade de mais suportes, ou seja outros lançamentos são

esperados, para que se possa usufruir melhor, ou de maneiras diferente o que acabou de ser

lançado. Esse cenário é perceptível em várias áreas da vida humana e não seria diferente

com o mundo da internet. Poucos anos depois da disseminação do compartilhamento de

arquivos pelos internautas, a empresa Apple lançou o Ipod, um aparelho eletrônico para

tocar as musicas de arquivo mp3, as mesmas compartilhadas por esses internautas. Esse

aparelho portátil onde você poderia colocar inúmeras musicas, possibilitou as pessoas a

ouvirem seus sons preferidos em qualquer lugar e a qualquer hora. Essa invenção faz

sucesso até hoje, sendo lançada uma versão mais moderna a cada ano, atualmente o

aparelho já possui suporte para vídeos e uso da internet.

No ano de 2004 o Brasil foi marcado pelo surgimento das redes sociais. O famoso

Orkut surgia como o site de relacionamento lançado pela empresa Google e fez um

estrondoso sucesso entre os brasileiros, apesar de ser um site americano. Conquistando

mais adeptos no Brasil do que em seu país de origem. Até hoje o Orkut se mantem como

um dos principais meios de se relacionar online entres os brasileiros. Nesse site de

relacionamento o usuário cadastrado possui um perfil, onde adiciona amigos, faz parte de

comunidades virtuais dos assuntos de seu interesse, troca recados e informações, posta

fotos e vídeos variados. O significado mais específico e a estrutura de uso do Orkut será

abordada mais detalhadamente no terceiro capítulo deste trabalho. Por enquanto este seção

se detêm somente a pontuar os principais marcos da evolução da internet,

cronologicamente, trazendo também os principais lançamentos no decorrer desses anos. A

mesma empresa Google, também faz um lançamento importante nesse mesmo ano, o

14

Gmail. Um email gratuito, que se diferenciava dos outros já existentes por possuir uma

maior capacidade de armazenamento. Na época um gigabyte3, que foi oferecido pelo site,

gerou bastante curiosidade nos usuários, pois era uma quantidade bem superior aos e-mails

disponíveis no mercado. Essa quantidade de espaço, atualmente é considerada baixa, pois a

maioria dos e-mails oferecem mais do que sete gigabytes de armazenamento.

Outro marco importante foi no ano de 2005 com o lançamento do You Tube, um

site onde o usuário tem acesso a uma gama de vídeos, compartilhados por eles mesmo.

Sucesso estrondoso, o site tem recordes de acesso diariamente, onde vídeos de varias

naturezas, caseiros ou não, são postados por gente de todo o mundo. O site foi vendido à

empresa Google no ano seguinte pela bolada de 1,65 bilhões de dólares. Pessoas usam

esse espaço para se promover, divulgar talentos, produtos ou qualquer coisa que a

imaginação permitir, e o melhor, a um custo zero.

No ano seguinte outra explosão de sucesso foi o lançamento do Twitter, um tipo de

microblog4, onde o usuário se cadastra e atualiza seu perfil com a postagem de mensagens

com o limite de 140 caracteres, informando sobre o que está fazendo, ou qualquer

informação que julgue importante para ser colocada online. Definindo melhor, um espécie

de diário ou blog, mas restrito a curtas mensagens. E como visto anteriormente, no caso do

Orkut, a sociedade brasileira se apropria do que lhe é oferecido e faz uso dessas

ferramentas da maneira que quer, muitas vezes indo muito além do que era a intenção

inicial do criador. Hoje são encontrados twitters não só de pessoas, mas de empresas,

produtos, meios de comunicação, onde são postadas informações que vão muitos além de

um suposto diário, elas se promovem, vendem, anunciam de maneira eficaz e com custo

praticamente zero.

Várias outras novidades vieram, como por exemplo o Facebook e o Myspace, que

são variações das redes sociais já existentes. Ambos sites americanos, não fizeram no

Brasil tanto sucesso quanto o Orkut. O Myspace é praticamente desconhecido no nosso

país, e o Facebook tenta se firmar e conquistar o gosto dos internautas, podendo notar

umas crescente adesão no numero de usuários brasileiros nesse site. Mas ambos, assim

como muitos outros, também contribui para o desenvolvimento da internet, aumentando o

fluxo de informações e ajudando a constituir esse chamado ciberespaço.

3 Unidade de medida informática múltiplo do byte (GB) 4 Variação do blog, mas com quantidade reduzida de caracteres para publicação das informações

15

Dentre todas essas novidades do mundo da internet, umas vem para ficar, outras

não caem no gosto do povo, mas o mais importante é estarmos atentos às mudanças que

elas provocam no cotidiano das pessoas e a predisposição que os brasileiros desenvolvem

de absorver essas novidades e torná-las parte do seu cotidiano, muitos fazendo daquilo seu

meio de trabalho e ganha pão, outros usando como uma forma de lazer, outras como meio

de se comunicar com quem está distante e muitos deles não imaginando mais a vida sem o

uso dessas ferramentas online. Supõe-se que essas inovações são infinitas, por isso espera-

se tão ansiosamente o lançamento da próxima novidade. É impressionante a criatividade e

ousadia do homem em surpreender o público com algo novo, até que o outro venha com

algo ainda mais extraordinário. Provavelmente não há como saber aonde vai essa onda de

evolução tecnológica vai parar e até que ponto isso influenciará a vida dos indivíduos na

maneira que afeta hoje, quando se pegam presos e dependentes daquilo que sequer

imaginaram ser possível existir a algum tempo atrás.

1.2 O ciberespaço

O boom da internet no Brasil e no mundo é sem duvida um dos maiores fenômenos

econômicos da atualidade, principalmente quando levamos em conta o contexto da nossa

realidade. Todos os dias a mídia relata notícias sobre a internet com a mesma normalidade

e frequência que qualquer outra noticia de cunho econômico ou social. É também verdade

que muitas empresas programam seus investimentos relacionados à internet juntamente

com outros gastos anuais, encarando essa mídia online não mais como um gasto extra, mas

como investimento indispensável para se manter atualizado e conquistar novos clientes.

Dados do IAB Brasil (Interactive Advertising Bureau) mostra que a internet continua sendo

a mídia que mais cresce no Brasil. O levantamento feito registrou um aumento de 25,2%

nos investimentos publicitários na internet em 2009.

Cada dia que passa fica mais claro os efeitos econômicos que a internet provoca,

mas, é também importante que haja preocupação com as repercussões culturais, o efeito da

mesma sobre os grupos de consumidores individuais e cidadãos na sociedade e como os

aspectos da vida cotidiana são impactados.

Apesar de se falar do boom da internet com muita naturalidade, vale a pena

ressaltar que no Brasil a realidade é um pouco diferente do que é visto nos países

desenvolvidos com relação ao acesso à internet. Grande parte da população é informada

16

sobre a existência da internet, muitas vezes é familiarizada com o processo de acesso, mas

isso não quer dizer que todas essas pessoas aderiram ao uso da rede. Ser familiar pode até

querer dizer que houve adesão, mas não a garante. Na realidade brasileira, o acesso à

Internet requer mais do que apenas atitude. Quando a infraestrutura necessária para se ter

acesso a internet não se encontra presente em casa, requer das pessoas o acesso a locais

específicos como no trabalho, na escola, casa de amigos e parentes que possuam conexão,

frequentar cibercafés5. Tal cenário é constatado porque na maioria das vezes o acesso

público e gratuito à internet, como em bibliotecas, é feito de forma precária ou muitas

vezes não é sequer disponível, são o chamado grupo dos excluídos digitais. O governo vem

tentando mudar essa realidade, instalando computadores em escolas publicas.

Então o crescimento do uso da internet no Brasil ainda tem sido muito tímido,

embora consistente, cresce em um período mais longo, e também ainda é um benefício que

abrange predominantemente os segmentos sociais A, B e C, que representam perto de 60%

dos setores mais altos da sociedade, são os que respondem por quase 95% dos usuários da

internet.

Esse crescimento pode ser visto em dados sobre o acesso à internet no Brasil.

Segundo o instituto de pesquisa Ibope, o total de pessoas com acesso no trabalho e em

residências chegou a 51,8 milhões, uma evolução de 6,5% em relação ao mesmo período

do ano 2009. Como se pode constatar na tabela da pesquisa realizada pelo Ibope.

Figura 1 – Tabela Ibope sobre acesso à internet no ano de 2010

5 Local que oferece a seus clientes acesso à internet, mediante o pagamento de uma taxa, usualmente cobrada por hora.

17

Por isso, para falar do boom e como isso tem afetado a realidade brasileira, será

levado em conta que a situação é restrita a realidade daqueles que tem acesso à internet, e

que infelizmente não abrange toda a sociedade e sim uma pequena parcela dela.

Para se pensar dentro dessa nova realidade e definir o termo ciberespaço, a

discussão se inicia sobre o que se entende pelo termo. Para Pierre Lévy o ciberespaço, que

ele também chama de rede é

“o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo” ( LEVY, 2000, p.17)

Quando as pessoas navegam na internet, elas tem a sensação que estão viajando por

diferentes lugares. Mas estão realmente se deslocando? Há estudiosos que não acreditam

que o termo ciberespaço seja adequado para tal descrição. José Eisenberg é um deles, no

seu artigo Internet, democracia e República, ele acredita que internautas não vão a lugar

algum enquanto navegam na rede, a Internet não constitui um espaço. Embora muitos

internautas, e os próprios web sites utilizam metáforas de deslocamento para descrever o

ato de navegar na rede e que são bastante semelhantes a significações espaciais reais.

“Visitar uma homepage não é visitar alguém em sua casa; afinal, ninguém está lá para recebê-lo. Participar de um chat também não é ir a um boteco, onde você jamais se senta à mesa de desconhecidos para discutir um tema qualquer. Em suma, parece haver algo de seriamente equivocado em conceber a Internet como um espaço. Pelo contrário, na medida em que interações humanas via Internet são completamente independentes de "onde" você está, devemos dizer que nela essas interações são desterritorializadas.” (EISENBERG, 2003)

A palavra navegar vem do latim navis, que significa barco, e agere, que se

significa mover ou dirigir-se a algum lugar. Assim, navegar é, no mundo offline6, “a arte de

encontrar um caminho que leve de um local a outro”, seja por via marítima, terrestre, aérea

ou espacial (LEÃO, 1999, p. 122). O principio básico de navegar, está na eminência de se

ter o conhecimento do mapa global do território no qual se navega e na determinação

precisa da posição relativa ao percurso desejado. É justamente ai que reside a questão de se

usar a metáfora da navegação no ciberespaço. Segundo Leão, há divergências quanto a

6 Termo da area informática que significa não estar conectado na rede de computadores.

18

natureza deste ambiente, posto que pode-se questionar tanto a existência de uma posição

no espaço computacional quanto as ideias de deslocamento, proximidade e distância.

No entanto pode-se pensar no ciberespaço, não no seu sentido estritamente físico, já

que as relações dadas nesse meio não dependem de onde você esteja, será levado em conta

o espaço virtual. Toda a discussão sobre o virtual abordada por vários autores será

aprofundada no capitulo seguinte deste trabalho, mas para entender melhor o ciberespaço,

a definição do que é o virtual que será usada é a que aborda o virtual como aquilo que não

é atual, seria a desterritorialização do espaço.

Assim, o termo ciberespaço é aqui trabalhado englobando também o termo

cibercultura, na visão de Lévy para tentar entender todas essas questões que surgem cada

dia que a internet cresce e se torna indispensável em nossas vidas. Para Pierre Lévy os dois

termos se completam. O autor tem uma visão bastante positiva dos novos acontecimentos

e surgimentos da era moderna. Para ele essa nova cultura que surge pode ser apreendida

por qualquer um, basta um pouco de treino e uso diante do computador.

Reforçando ainda mais as mudanças ocorridas na nossa sociedade, principalmente

na forma de nos relacionarmos, pelas novas tecnologias, cita André Lemos.

a cultura contemporânea, associada às tecnologias digitais (ciberespaço, simulação, tempo real, processos de virtualização, etc.) vai criar uma nova relação entre a técnica e a vida social que chamaremos de cibercultura (LEMOS, 2002, p. 7-8).

Essa relação entre a técnica e a vida social que aponta André Lemos, como a

definição do termo Cibercultura vai fazer alusão diretamente às comunidades no espaço

eletrônico virtual (ciberespaço). Para proporcionar uma maior relação entre pessoas de

todo o mundo estas comunidades estão ampliando e popularizando a utilização da internet

e outras tecnologias de comunicação. O termo Cibercultura também faz alusão à política, a

econômia, a filosófia, enfim todos os elementos socais da vida dos indivíduos que estão

conectados nessa rede virtual, e também engloba os modos de comportamento que essa

comunidade virtual espera dos seus participantes.

A cibercultura vem democratizar mais as relações de produção e de distribuição das

informações. Deixando de lado a linha unilateral que encontramos nas mídias

convencionais, como a TV, o rádio etc, que produzem “sozinho” as informações e passam

para a massa, o ciberespaço nos possibilita uma linha de mão dupla, em que as

informações serão produzidas por todos e distribuida a todos que nele está. Diante desse

19

novo cenário, vale resaltar a cultura da convergência de Henry Jenkins (2008). A idéia do

autor diz respeito à convergência das mídias a que os consumidores estão submetidos hoje.

O consumidor é abordado de todos os lados, por várias mídias sobre um mesmo produto.

Esse consumidor procura seu produto de desejo em todas as versões das inúmeras mídias e

dispositivos comunicacionais que existem hoje.

Sobre essa convergência midiática, Henry Jenkins (2008) esclarece que essa

convergência não se restringe apenas ao desenvolvimento de aparatos tecnológicos e à

confluência de meios para um único bloco de informações. Segundo o autor a

convergência representa uma “transformação cultural, à medida que consumidores são

incentivados a procurar novas informações e fazer conexões em meio a conteúdos

midiáticos dispersos”. A convergência acontece “dentro dos cérebros de consumidores

individuais e em suas interações sociais com outros”. (JENKINS, 2008 p. 28).

Fazer parte desse novo espaço leva ao surgimento de uma nova maneira de agir,

que podemos chamar de cibercultura, que o autor Pierre Lévy descreve como “o conjunto

de técnicas (materiais e intelectuais), de praticas, de atitudes, de modos de pensamento e de

valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço” (LEVY, 2000,

p. 17). Portanto partindo da definição de Lévy o ciberespaço constitui-se de um novo

espaço de sociabilidade, que gera novas formas de relações sociais, também criando sua

própria estrutura e seus códigos. Os participantes desse novo espaço estão frente a novas

condições de temporalidade, quando estão submetidos a uma velocidade de informações

não imaginada em décadas passadas, novas dimensões espaciais, quando as fronteiras do

mundo se dissolvem diante da tela do computador, podendo-se visitar países com um mero

clique de mouse. Essas mudanças levam os internautas a criarem novos códigos e também

a adaptarem e reformularem as formas preexistentes e já conhecidas de sua sociabilidade

“real”, para que possam melhor usufruir dessa nova realidade.

A cultura do ciberespaço possui muitas semelhanças com a cultura em que vivemos

no dia a dia, a cultura “real”, essas semelhanças podem ser enxergadas quando os métodos

que usamos para estudar a sociedade “real” são também aplicados para pensarmos a

sociedade do ciberespaço.

Por exemplo, pensamos na sociedade real como em um espaço heterogêneo e

bastante diversificado, e da mesma forma devemos pensar o ciberespaço, e não considerá-

lo como homogêneo. E é diante dessa heterogeneidade que se inicia a próxima seção deste

capítulo, onde vêm discutir a questão da noção de universalidade que a internet

20

proporciona atualmente, mas que por abranger essa heterogeneidade de pessoas que

acessam a rede do mundo inteiro é que distorce a noção de totalidade.

1.3 A totalidade cada vez mais distante

A cultura sofre constantes mudanças que são naturais no rumo da sociedade.

Lévy (2000) apresenta a Cibercultura como uma expressão dessas mudanças. E assim

como novas culturas ajudam a solucionar problemas existentes, elas também proporcionam

o surgimento de outros problemas, que consequentemente não possuem solução imediata.

Questões como essa, onde novos problemas ainda precisam de muitas discussão para se

chegar a soluções, pode ser exemplificada pela ideia de Lévy onde estamos vivendo numa

universalidade, mas sem conseguir atingir a totalidade.

Conectados ao universo, as comunidades virtuais constroem e dissolvem constantemente suas micro totalidades dinâmicas, emergentes, imersas, derivando entre as correntes turbilhonantes do novo dilúvio. (LEVY, 2000, p. 249)

Essa questão da universalidade versus totalidade é trabalha por Levy de maneira

bem aprofundada. Para ele essa era do universal sem totalidade é a essência da cibercultura.

Sabe-se que a cada dia o acesso à internet e a computadores só faz aumentar, aumentando

então o ciberespaço, ou seja tornado-o universal. Segundo o autor, é universal porque

possibilita a interconexão generalizada, mas perde totalidade porque carrega a diversidade

de sentidos. Na medida em que essa universalidade cresce, mais difícil fica para conseguir

juntar todas as informações, ou seja elas estão decompostas em milhares, milhões,

espalhadas de forma desordenada na rede, e é isso que caracteriza a falta de totalidade.

Cada vez que o ciberespaço incha, mais se perde a possibilidade de se recuperar a

totalidade do mundo informacional.

Seguindo ainda o raciocínio de Lévy, a cultura de um universal totalizante foi

iniciada pela era escrita, quando a sociedade deixa de ser apenas oral, experimentando um

novo espaço de comunicação. A escrita deu inicio a possibilidade de se receber

informações de forma mais concreta de pessoas que estavam em espaços geográficos

distante, que tinham diferenças culturais ou até mesmo de pessoas que morreram. Para

Lévy (2000, p. 38) o “aparecimento da escrita acelerou um processo de artificialização, de

21

exteriorização e de virtualização da memoria que certamente começou com a

hominização”.

Lévy trabalha os dois conceitos de maneira que conclui-se que uma informação é

universal quando pode atingir todas as pessoas, mesmo que só figuradamente, já que na

época da criação da escrita as informações não viajavam na velocidade em que hoje se está

acostumados, e é totalizante quando tenta manter o mesmo significado da mensagem em

todos os lugares, e todos os tempos.

Mas é justamente a universalização que quebra o conceito de totalização, pois é

impossível se ter a mesma interpretação de devida informação em todos os lugares, devido

a contextualização em que são recebidas. Para Lévy a totalidade é uma “unidade

estabilizada de sentido”. Cada realidade em que os textos são apresentados, apresentam

contextos diferentes, que irão influenciar o modo como o leitor iria interpretá-la.

Todo esse pensamento do universal totalizante teve continuidade com as mídias

surgidas depois da escrita, as mass medias. Televisão, cinema, rádio, as chamadas mídias

de massa reforçam a universalidade, quando agora atingem um numero bem maior de

pessoas, se compararmos com o inicio da expansão da escrita. As informações se tornam

universais, e esses meios tentam restringir as interpretações múltiplas. Os meio de massa

ainda não permitem que os espectadores participem, interajam com eles. As informações

são dadas já prontas, restringindo a necessidade de um trabalho mental muito elaborado

dos telespectadores, por isso ainda conseguem manter o que se entende por totalidade.

Vivencia-se uma revolução, que pode ser considerada até maior do que a revolução

da invenção da imprensa proporcionou à sociedade. Inicia-se a era digital, o uso amplo e

acessível do computador aumenta o poder de impacto causado antes pela escrita linear, e

torna a ideia da hipertextualidade mais comum ao público. O hipertexto é uma variação

onde o leitor pode criar outros textos a partir de um original, onde ele sai e retorna a esse

mesmo texto de acordo com a sua vontade e a possibilidade que o sistema em rede de links

em que esteja navegando lhe permitir. Conceito trabalhado por Lévy e já citado aqui na

seção anterior deste capítulo. É nessa nova era que se acredita poder chegar a uma

universalização total, e consequentemente não podendo evitar a perca do caráter totalitário

da cultura atual.

A universalização do pensamento e da informação pode ser atribuído ao caráter

democrático e abrangente da internet, aparentemente sem controle ou hierarquias, sem

temporalidade ou espaço predefinidos, que é a peca chave da nova cultura do ciberespaço.

22

O que se pode concluir é que quanto mais universal se torna a cultura em que a

sociedade está inserida, quase impossível será atingir a totalidade. É quando começa a

ocorrer a decomposição do que antes era total. E esse fenômeno é presenciado nessa nova

mídia do meio online. No ciberespaço cada computador conectado é fonte de

heterogeneidade de assuntos, discussões, opiniões, e em constante renovação, por isso, se

pensar na rede composta por esses computadores, tem-se uma gama imensurável de

informações indo e vindo, nunca podendo assim atingir uma totalidade. Quanto mais

abrangente e mais longe forem essas informações, mais difícil é de controlar a

interatividade e por consequência controlar as diferentes interpretações dadas pelo publico.

Fica a critério dos usuários quais informações lhe é de maior interesse, se vai acessá-la,

assimilá-la ou não. Ao contrário do que víamos primeiramente na era da escrita, onde as

informações só chegavam praticamente aos intelectuais, e depois na era das mídias de

massa, onde as informações começam a um grupo mais abrangente, mas não da forma

democrática de liberdade de acesso e opinião como se pode encontrar na era informática.

1.4 Cibercultura e o compartilhamento

A ideia sobre cibercultura que vai ser abordada nesta seção foi desenvolvida por

André Lemos e é bastante relevante para esse estudo, pois aborda uma característica

pontual na comunidade virtual, que será estudada no capitulo final deste trabalho. Toda a

relação entre o que estudou Lemos e a comunidade do Orkut também será trabalhada

detalhadamente no capitulo especifico.

O autor desenvolve uma ideia que pode parecer bem simples. Muitas vezes tem-se

a dificuldade de relacionar uma característica existente, de culturas anteriores ao atual, a

cultura que se vive. As pessoas tendem a achar que tudo é que envolve algo que acabou se

ser lançado é novidade. Mas, apesar de algo está sendo lançado como novidade, muitos

aspectos que envolvem essa coisa nova na verdade já foi visto anteriormente. A

cibercultura, que seria a “nova” era em que estamos inseridos nada mais faz do que

reforçar características básicas da dinâmica cultural de todos os tempos, características

essas como o compartilhamento, a distribuição, a cooperação, a apropriação dos bens

simbólicos. Ou seja, “não existe propriedade privada no campo da cultura já que esta se

constitui por intercruzamentos e mútuas influências.” (LEMOS, 2004, p. 3)

23

O autor trabalha com o termo copyleft, que significa basicamente os processos

ocorrentes da cibercultura, de cooperação, de troca e de modificação criativa de obras,

processos esses que são possibilitados pela tecnologia digital da internet. O termo copyleft

é trabalhado em oposição ao termo copyright, que significa justamente o contrário do

sentido de troca, para ele a propriedade é que faz sentido.

O termo copyleft foi introduzido e popularizado por Richard Stallman, juntamente

com o conceito de software livre, os quais foram especificamente desenvolvidos para

garantir que a liberdade dos usuários fosse preservada. O autor americano também iniciou

o projeto GNU, e em outubro de 1985 fundou a Free Software Foundation (FSF), que se

dedica à eliminação de restrições sobre a cópia, redistribuição, estudo e modificação de

programas de computadores.

O copyright dominou a essência cultural da era dos meios de massa. Ou seja, o que

traz o termo copyleft, que é considerado um termo novo, é o que simplesmente se baseia

qualquer dinâmica social e cultural, as trocas, as influências, a cooperação etc. Portanto a

cibercultura resgata o que há de essencial na dinâmica de qualquer cultura, e que sua

essência esta presente em todos os tempos, apenas em níveis diferentes de intensidade e

reconhecimento.

Lemos também faz uso da expressão “cibercultura planetária”, como o próprio

termo se alto define, faz alusão a algo abrangente, que supostamente engloba todo o

planeta. A característica dessa cibercultura planetária que enfatiza-se neste trabalho é o

compartilhamento de arquivos, música, fotos, filmes etc. Pois vai ser algo claramente visto

na comunidade virtual do Orkut que será analisada no próximo capítulo. Nessas

comunidades virtuais ocorre compartilhamento de informações, arquivos de vídeo, musicas

e muito mais, e essa troca é realizada por membros dessa comunidade que vivem em

pontos distintos do planeta. O que é notório é que cada vez mais a cibercultura vem se

reforçando dessas trocas sociais, sob diversos formatos, como os fóruns7, chats8, blogs,

fotologs9, SMS10, Orkut e até jogos eletrônicos.

Percebe-se que da cultura copyright, onde predominava o poder das mídias de

massa, o caráter centralizador e fechado, hoje os usuários da internet usufruem da cultura

copyleft, com todo o seu caráter personalizador e aberto. Toda essa cultura a que se procura

7 Espaços de discussões públicas, no caso deste trabalho, na rede de computadores. 8 Termo em inglês que significa bate papo, conversa. No contexto são salas de bate papo na internet. 9 Gênero especial do blog onde o conteúdo principal consiste em fotos. 10 Abreviação para Short message service.

24

decifrar, acontece na rede, no ciberespaço, principalmente por conta da internet é a

conexão de vários pontos do mundo que a mesma permite. Justamente por isso que essa

rede não pode ser um dispositivo fechado, por ser tecida pela dinâmica de suas interações,

que engloba a complexa sociedade e todo o campo comunicacional, é que se deve cultivar

e incentivar as trocas e a liberdade de fluxo das informações. A rede veem se

caracterizando como um lugar onde os indivíduos passam e mantem contato entre si,

crescendo substancialmente de acordo com o número de seus navegadores. É uma rede

constituída de nós, com característica aberta, determinada pelo tempo e pela dinâmica

social.

Como meio, a internet problematiza a forma midiática massiva de divulgação cultural. Ela é o foco de irradiação de informação, conhecimento e troca de mensagens entre pessoas ao redor do mundo, abrindo o pólo da emissão. Com a cibercultura, trata-se efetivamente da emergência de uma liberação do pólo da emissão (a emissão no ciberespaço não é controlada centralmente; todos podem emitir), e é essa liberação que, em nossa hipótese, vai marcar a cultura da rede contemporânea em suas mais diversas manifestações: chats, “Orkut”, jogos on-line,fotologs, weblogs, wikipédia, peer to peer para troca de músicas, filmes, fotos, textos, software livre (GNU-Linux). ( LEMOS, 2004, p. 15)

Todo esse controle e a noção de propriedade que se acredita os meios de massa

exercerem sobre as fontes de emissão, massificando os espectadores, gera uma estrutura de

comunicação linear “de um para todos”, que ainda se faz presente, mesmo quando a nova

forma de criação, armazenagem e distribuição da informação presente na cibercultura

tenha aparecido e se popularizado desde a década de 70. Isso ocorre pois, como discutido,

o acesso a cibercultura ainda é limitado no Brasil, e uma grande parcela da população

acaba restringindo suas fontes de informação às mídias de massa, principalmente a

televisão. E acabam tendo pouca ou quase nenhuma oportunidade de interação com o

modo como as informações são produzidas e distribuídas até eles.

A nova era da comunicação tem um efeito inédito de potencializar a liberdade de

emissão do cidadão comum, claro ficando subtendido aqui aqueles que tem acesso a essa

comunicação via internet. A cultura popular de massa começa a se descentralizar,

aumentando a circulação em rede. Essa é a cultura copyleft, a cultura da internet, que vem

abalar as estruturas da cultura copyright, mas não chega portanto a substituí-la. O que

ocorre é um amadurecimento de suas práticas sociais, em virtude de se adaptar a esse novo

25

publico sedento por informações e que portanto são mais exigentes na forma como

recebem e lidam com as mesmas.

1.5 Princípios básicos do Ciberespaço

Este primeiro capítulo se encerra com uma síntese proposta pelo autor Pierre Levy,

e que de alguma forma engloba dois pontos importantes deste trabalho. Ele seleciona três

princípios como sendo os básicos para orientarem o crescimento do ciberespaço. O

primeiro deles é a interconexão, principio esse julgado ser o impulsionador mais forte da

origem do campo onde as relações da era digital acontecem. A interconexão é justamente o

principio relacionado com a seção anterior trabalhada com André Lemos. A ideia de

conexão, de abertura das relações de troca. Segundo Lévy cada computador, carro,

aparelho eletrônico, qualquer objeto deve ter um endereço na internet onde só assim cada

pessoa que acessar a internet de qualquer lugar do planeta possa ter acesso a informações

sobre qualquer coisa que esteja localizado em qualquer lugar, justamente para possibilitar

essa ideia de interconexão. Pode parecer uma ideia um pouco utópica, de que cada objeto

desse vasto planeta em que vivemos terá uma referência na rede, mas é nesse caminho que

caminha o mundo virtual, pois atualmente é bem possível que se encontre informações

sobre algo aleatório que se procure na internet. E o que facilita a realidade a atingir essa

máxima interconexão é justamente a abertura para as trocas de informação que a

cibercultura cultiva, pois assim cada usuário que visitar a rede pode compartilhar

informações sobre um objeto qualquer e contribuir com a curiosidade de um outro usuário

do outro lado do planeta.

O segundo princípio seria a criação de comunidades virtuais, que deriva do

primeiro princípio por dependerem da interconexão para surgirem. Esse segundo principio

é bastante relevante para o esta monografia, pois é o objeto de estudo do trabalho e será

estudado no capitulo seguinte. Para Pierre Levy, as relações que se dão dentro das

comunidades virtuais muitos se assimilam as que conhecemos aqui fora, para ele é um

complemento, e não uma substituição das mesmas. As comunidades virtuais é que dão o

suporte das relações necessárias para que a cibercultura exista, e justamente as relações

entre os usuários que vão alimentar o motor do ciberespaço. Para o autor “o apetite para as

comunidades virtuais encontra um ideal de relação humana desterritorializada, transversal,

livre” (LEVY, 2000, p. 130).

26

O terceiro princípio trata da inteligencia coletiva, apesar do termo não ter sido

estudado a fundo neste trabalho não deixa de ser importante, já que essa inteligência

coletiva trabalhada como conceito por Levy, nada mais é do que a motivação, a finalidade,

o ideal, que os membros das comunidades virtuais encontram ou procuram para se

constituírem como grupo. Para o autor o ciberespaço vai ser como um suporte para que

essas pessoas possam atingir esse ideal coletivo inteligente. E é justamente através da

interconexão que os saberes, as imaginações, os conhecimentos podem entrar em sinergia

nesse espaço virtual, claro levando em consideração todas as limitações e questionamentos

que essa questão levanta, e que são trabalhadas pelo autor, mas que não se estenderam

como estudo desse trabalho. O objetivo fica restrito a ideia de interligação entre os

princípios proposta pelo autor para que o pensamento que se desenvolve neste trabalho

tenha suporte teórico. Cabendo um estudo mais profundo do tema, pois é um cenário

relativamente atual e questões como essa não cessarão de surgir a medida que novas

descobertas vão sendo feitas nesse campo.

Assim, o próximo capítulo discute dois conceitos importantes para a formação do

pensamento sobre o fenômeno da comunidade virtual na cibercultura. Os termos virtual e

comunidade serão trabalhados de maneira detalhada com base em vários autores estudiosos

da área, desenvolvendo assim uma visão crítica necessária para o desenrolar deste trabalho.

27

2. Comunidade virtual: a nova perspectiva de relacionamento

Neste segundo capítulo serão trabalhados dois termos que são importantes

para o embasamento desta pesquisa, o “virtual” e as “comunidades virtuais”. Esses dois

termos vão servir para definir basicamente o objeto de estudo desta monografia e servir

principalmente de base para o estudo de comparação que será realizado no terceiro e

último capítulo deste trabalho.

2.1 O que é o virtual?

Hoje é comum o emprego desse termo diversas vezes em uma conversação,

devido ao uso da internet ser constante no dia – a – dia das pessoas, e principalmente

porque essas pessoas são condicionadas a pensar que tudo o que se refere a internet ou ao

mundo digital, é algo virtual. São referências constantes, termos como namoros virtuais,

amizades virtuais, negócios virtuais, aulas virtuais. Mas com que peso de significação

esses termos são usados tao constantemente? Por eles serem virtuais, significa que não são

reais? O que seria um namorado virtual? Aquele que não existe, aquele que está distante ou

aquele que existe só em potencial? Essas questões surgem para que se possa pensar se

realmente esta se fazendo uso correto da palavra, ou ate mesmo para se ter certeza do que

se quer dizer quando empregá-lo.

A principal dicotomia que surge para ser pensada é a do real x virtual,

justamente por causa do pensamento de que os elementos oriundos da internet são

necessariamente virtuais e por fazerem parte da internet, não fazem parte da vida real. Um

pensamento imediato seria que, o que é virtual não é real. Mas segundo autores como

Pierre Lévy essa relação não é correta. Serão vistas duas versões de estudiosos sobre o

significado da palavra virtual.

Primeiramente será abordado o conceito de Lévy sobre o virtual, e assim

poder entender melhor a classificação do termo.

A palavra “virtual” pode ser entendida em ao menos três sentidos: o primeiro técnico ligado á informática, um segundo corrente e um terceiro filosófico. O fascínio suscitado pela “realidade virtual” decorre em boa parte da confusão entre esses três sentidos. Na acepção filosófica, é virtual aquilo que existe apenas em potencia e não em ato, o campo de forças e de problemas que tende a resolver – se em uma atualização. O

28

virtual encontra – se antes da concretização efetiva ou formal. No sentido filosófico o virtual é obviamente uma dimensão muito importante da realidade. Mas no uso corrente, a palavra virtual é muitas vezes empregada para significar a irrealidade – enquanto a “realidade” pressupõe uma efetivação material, uma presença tangível. (LEVY, 2000, p. 47).

Como pode ser percebido, para Lévy o virtual não se opõe ao real, e sim é

uma parte importante da realidade, é apenas uma realidade não concretizada, que existe

apenas no campo potencial, mas que em algum momento pode se concretizar como tal. Ou

seja, o que é virtual não é atual, mas poderá se atualizar, é apenas desterritorializado. Por

exemplo, uma semente de uma arvore é o virtual dessa árvore, ou seja ela representa

potencialmente aquilo que poderá um dia ser. Ou seja no mundo da internet, as relações, as

comunidades, são virtuais no sentido de que são relações e comunidades em potencial, que

podem ser concretizadas na realidade, se por exemplo um dia essas pessoas vierem a se

encontrar pessoalmente. E a grande questão ao que se refere à internet, a não necessidade

de proximidade física para as coisas acontecerem, ou seja o processo de

desterritorialização é visto aqui fortemente como causa e/ou efeito das implicações do

virtual.

Contrapondo a definição de Lévy, Baudrillard define o virtual em oposição

ao real, onde esse desaparece e é substituído pelo virtual, que ele coloca como sendo um

mundo artificial criado pela tecnologia digital.

A potência do “virtual” nada mais é do que virtual. Por isso, aliás, pode intensificar-se de maneira alucinante e, sempre mais longe do mundo dito “real”, perder ela mesma todo princípio de realidade.(...) Mesmo os capitais especulativos não saem quase da própria órbita: amontoam-se e não sabem sequer onde se perder no próprio vazio especulativo. (BAUDRILLARD, 1997, p.26)

Para o autor, a comunicação virtual se desliga do processo comunicacional,

e acaba se autodestruindo, pois para ele o virtual só acentua o caráter artificial e hiper-real

da comunicação. Segundo ele, a mídia transforma a comunicação em espetáculo para poder

absorvê-la, e o público, ou seja, as massas absorvem esse espetáculo, esquecendo do

conteúdo a transmitir. Para Baudrillard a era da comunicação virtual é o fim da era da

comunicação, uma visão um pouco extremista e que não condiz com as constantes

mudanças que vivemos, onde nada tem um fim, mas sim uma transformação e adequação

ao espaço em que vivemos.

29

Ainda na interpretação de Baudrillard o “virtual” só existe virtualmente.

Para ele a realidade não existe mais, em consequência a interpretação do que é o virtual só

pode ser virtual. Já a visão de Lévy é mais positiva, para ele a comunicação virtual veio a

favorecer o âmbito da produção social e da circulação das informações. Apesar de ser

difícil chegar a um conceito verdadeiro do que realmente esse fenômeno social representa

para nós, os dois autores abordam pontos em comuns. Ambos levam em consideração a

idéia de ciberespaço, que o lugar físico ou a proximidade geográfica não são primordiais

para que surjam as comunidades, pelo contrário, talvez essa ausência de espaço físico

propriamente dito é que seja a principal característica dessas comunidades.

Para que o melhor conceito seja julgado quanto a sua melhor utilização para esta

pesquisa, deve-se levar em consideração tanto o nível das relações que acontecem no

espaço de estudo quanto sua natureza. Até que ponto elas se aproximam da realidade “real”,

aquela em que se participa no cotidiano. O nível de participação dos usuários nas

comunidades varia, o tempo gasto com as relações virtuais também, por isso devem ser

observados os vários tipos de internautas e analisar o quão aquela relação faz parte da vida

offline, se o que se vive na internet faz parte da vida fora da internet, ou se já

transformaram essas relações nas redes sociais como sendo as únicas relações que são

desenvolvidas por essas pessoas, mergulhando tanto na realidade virtual, que se esquece de

viver a realidade “real”.

Esse fenômeno acontece, e é a partir dai que podem ser consideradas as duas

versões dos autores acima citadas. Para Pierre Lévy e sua noção do virtual cabe ai um

usuário que mantém relações na internet, mas não esquece da sua vida offline, mantendo as

virtuais como potenciais do que aconteceria no seu cotidiano, seria um complemento do

que ele vive no dia a dia, talvez para suprir certas necessidade em que suas relações atuais

não estão sendo suficientes. Já para a visão de Baudrillard, o usuário já não mais distingue

o que é real e o que é virtual, misturando as duas realidade e passando a acreditar que vive

apenas em uma, ou seja tudo para ele é virtual, e esse cenário pode ser encontrado na

prática do dia a dia. Muitos usuários vivem tão intensamente o mundo das redes sociais

que esquecem que existe outra vida offline, acabando por incorporar a realidade virtual

como sendo a única que ele conhece e de que participa, se alienando do mundo atual.

Para o estudo sobre a comunidade virtual que será realizado aqui, é mais

adequada a definição de virtual proposta por Lévy, pois a comunidade a ser estudada é uma

potencialidade de uma comunidade que poderia existir concretamente, se não fosse pela

30

distância geográfica a que os membros se encontram. Todos os detalhes dessa relação serão

apresentados no próximo capítulo deste trabalho, ficando restrito aqui só o inicio da

discussão sobre os conceitos que são importantes para o entendimento dessa problemática.

A seguir será discutido conceito de comunidade, relacionando-a com o de virtual

apresentado nesta seção.

2.2 Comunidade virtual

Neste tópico será abordado o conceito mais importante deste trabalho, que

são as comunidades virtuais. A discussão se inicia com uma noção do que é comunidade, a

qual é conhecida e faz parte do mundo real, seja onde as pessoas moram, na escola, no

trabalho, ou seja em qualquer espaço frequentado na hora do lazer e que faz parte da vida

das pessoas de alguma maneira. Para a comunidade virtual ser pensada, é necessário

remeter inicialmente ao conceito que vem em mente sobre comunidade, como algo que

sempre existiu antes mesmo do conhecimento da internet. Partindo do princípio e da noção

de comunidade trabalhada por antigos filósofos, a comunidade é construída por um grupo

de pessoas que têm interesses em comum, e várias outras afinidades. Esses resultam em

projetos mútuos que impulsionam as relações dentro dessa comunidade. Ou seja,

comunidade seria esse agrupamento de indivíduos que têm algo em comum e que então

lutam por interesses em comum e se relacionam baseados nessas afinidades, e em ações

sociais que beneficiem o grupo, como abordou Raquel Recuero, quando fez um estudo

sobre as comunidade virtuais. Pelas palavras de Weber, percebemos a ideia de comunidade

trabalhada em tempo anteriores à era digital.

"Chamamos de comunidade a uma relação social na medida em que a orientação da ação social, na média ou no tipo ideal- baseia-se em um sentido de solidariedade: o resultado de ligações emocionais ou tradicionais dos participantes". (WEBER, 1987 p.77)

Pode-se pertencer a várias comunidades de uma só vez, podendo ser elas no

local de trabalho, na escola, na vizinhança, cada uma com suas particularidades e desejos

em comum, e em cada uma delas será possível dividir o que se têm em comum com as

pessoas que pertencem às mesmas.

Claro que essa é uma visão romântica e idealista do que é uma comunidade,

ou que seria em potencial, ou até o que é idealizada. Muitas outras questões têm que ser

31

levadas em consideração ao analisar as relações que ocorrem no decorrer da existência das

mesmas, pois sabe-se que ao mesmo tempo que se tenta desenvolver esse espaço de

harmonia entre pessoas que dividem gostos e afinidade em comum, há também o

desenvolvimento de conflitos e problemas decorrentes da natureza humana.

A noção ideal de comunidade, esse lugar formado por indivíduos com

parentescos, ou proximidades por afinidades, se encaixa melhor em tempos mais remotos,

por exemplo nas comunidades rurais, onde todos trabalhavam pelos ideais comuns. Com a

era moderna esse tipo de comunidade praticamente desaparece, e vários fatores podem ser

apontados como aceleradores desse processo, entre eles, a construção padronizada típica

do modernismo, o surgimento dos subúrbios que acabaram por hostilizar o espaço comum

de vizinhança, as horas carregadas de trabalho, o individualismo, o culto à personalidade

etc. Também, o avanço da industrialização e o surgimento do conceito de ‘sociedade de

massa’, ajudaram nessa perca do senso de comunidade. Por isso toda a visão de

comunidade, como espaço ideal para as relações acontecerem, onde todos dividem

objetivos em comum e lutam em prol do bem dessa comunidade esta cada vez mais difícil

de ser encontrada. Como afirma Rheingold (2001, p. 106) “essa forma de comunidade

territorialmente definida não desapareceu do mundo em geral, mas certamente desempenha

papel pequeno na estruturação de relações sociais para a maioria da população em

sociedades desenvolvidas”.

As pessoas podem até ainda querer cultivar esse espaço, mas a verdade é

que acabam ficando apenas com essa noção idealista de comunidade, onde as pessoas se

juntam, mas não têm a pureza da bondade de querer o bem coletivo como um dia pôde ser

vista nas organizações comunitárias. Hoje, lutam primeiramente pelos objetivos

individuais, priorizando o próprio bem estar em decadência do bem coletivo.

Analisando com um olhar mais critico, Zygmunt Bauman vem contestar

essa visão romântica de comunidade, onde todos vivem em comunhão baseando-se nos

interesses comuns. As ideias desse autor são incorporadas a este trabalho para tentar

construir uma discussão entre teorias e possibilitar a análise do objeto de estudo com um

olhar de pesquisa. Bauman defende a ideia de que, hoje, comunidade e liberdade são

conceitos em conflito. Essa oposição entre liberdade e comunidade é claramente derivada

da noção que o autor atribui a comunidade.

tecida de compromissos de longo prazo, de direitos inalienáveis e obrigações inabaláveis (...) E os compromissos que tornariam ética a

32

comunidade seriam do tipo do 'compartilhamento fraterno', reafirmando o direito de todos a um seguro comunitário contra os erros e desventuras que são os riscos inseparáveis da vida individual. (BAUMAN, 2003, p.57)

O autor trabalha a dicotomia comunidade x liberdade, pois quando analisada,

a realidade atual é recheada de pessoas que anseiam pertencer a uma comunidade para se

ter segurança, pois a violência a que estão submetidas não é novidade para ninguém. Além

disso para se tentar viver sem medo as pessoas, principalmente as de poder aquisitivo mais

alto e a classe media em geral, se trancafiam em condomínios privados, bairros nobres, que

são lugares considerados seguros. Mas ao mesmo tempo que essa noção de pertencimento

a uma comunidade traz a ilusão de segurança a essas pessoas, lhes tira a liberdade.

“há um preço a pagar pelo privilégio de ‘viver em comunidade’. O preço é pago em forma de liberdade, também chamada ‘autonomia’, ‘direito à auto-afirmação’ e à ‘identidade’. Qualquer que seja a escolha, ganha-se alguma coisa e perde-se outra. Não ter comunidade significa não ter proteção; alcançar a comunidade, se isto ocorrer, poderá em breve significar perder a liberdade. (BAUMAN, 2003, p.10)

As pessoas hoje vivem cercadas de aparatos de segurança, muros altos, grades,

câmeras, perdendo até a noção de privacidade. Essa é uma questão a se considerar, logo

que faz parte da realidade de muitas pessoas. Mas esse cenário também não descarta por

completo a noção romântica de comunidade vista anteriormente, ainda se é possível fazer

parte de uma comunidade, mesmo que seja em apenas alguns setores da vida.

2.3 Comunidade vs. Comunidade virtual

Howard Rheingold aponta para esta ausência do "sentimento de

comunidade" no mundo real como uma das causas do surgimento das comunidades

virtuais. Agora tentando encaixar o conceito de comunidade apresentado na seção anterior

dentro do universo da cibercultura, se tem o que é bastante importante para que as relações

aconteçam, que são as comunidades virtuais. Para melhor esclarecer esse conceito de

comunidade ligado ao virtual, Pierre Lévy (2000) é apresentado, destacando o conceito de

comunidade virtual proposto por ele, que só vem a reforçar o pensamento sobre

comunidade, a versão mais romântica, que para ele é formada pelas relações de afinidades

de interesses, de conhecimentos, e trocas. E juntando o conceito ao termo virtual, essa nova

forma de comunidade independe de proximidades físicas ou geográficas para se realizar.

33

Essa nova comunidade surge na atual sociedade informatizada. Ela se forma

a partir de afinidades de interesses, de conhecimentos, de projetos mútuos, em processo de

cooperação ou de troca. Foi Rheingold um dos primeiros autores a usar o termo

comunidade virtual, definindo-a assim:

As comunidades virtuais são agregados sociais que surgem da Rede (Internet), quando uma quantidade suficiente de gente leva adiante essas discussões públicas durante um tempo suficiente, com suficientes sentimentos humanos, para formar redes de relações pessoais no espaço cibernético (ciberespaço). (RHEINGOLD, 1996, p. 20).

A definição proposta por Rheingold possui elementos semelhantes aos de

Lévy para caracterizar essa nova forma de comunidade. Elementos como as discussões

entre as pessoas, suas relações, seus encontros, mesmo que seja um contato através da

Internet, já que não precisam da proximidade física, e o sentimento que surge com essas

relações mantidas, apesar da distância.

“Uma comunidade virtual e construída sobre as afinidades de interesses, de conhecimentos, sobre projetos mútuos, em um processo de cooperação ou de troca, tudo isso independentemente das proximidades geográficas e das filiações inconstitucionais” (LEVY, 2000)

Para reforçar ainda mais o conceito, Castells (1999, p. 385) afirma a

comunidade virtual como sendo uma "rede eletrônica de comunicação interativa e

organizada em torno de um interesse ou finalidade compartilhada, embora algumas vezes a

própria comunicação se transforme no objetivo".

Esse novo tipo de comunidade, a virtual, pode ser vista de todas as formas

dentro do mundo da internet. Podem ser encontradas dentro de várias redes sociais, em

chats, fóruns, mas o que vai ser focado aqui neste trabalho é a comunidade formada dentro

de uma rede social, mais especificamente a rede social Orkut. Algumas características

apresentadas pelos autores serão verificadas nas comunidades virtuais a fim de demonstrar

que se encaixam dentro da categoria de comunidade. O estudo mais detalhado dessa

comparação será feito no próximo capítulo deste trabalho. As comunidades que são

formadas dentro das redes sociais, pelos seus membros, têm como principal norteador os

interesses em comum entre os participantes, que realizam fóruns de discussão onde dão

suas opiniões sobre o tema proposto e trocam informações, arquivos e o que mais

interessar aos participantes. Podendo acrescentar também que essas comunidades fazem

34

parte da cibercultura, e estão imerso no ciberespaço, onde não há referência geográfica

nem contato físico entre seus membros, já que cada usuário acessa sua conta de onde quer

que esteja, usando seu verdadeiro nome, ou pseudônimos criados para proteger a

identidade.

É justamente a questão da base territorial que diverge muitas opiniões entre

os estudiosos, pois é ponto essencial da definição de comunidade por grande parte dos

sociólogos. Raquel Recuero pontual essa questão em seu artigo sobre comunidade virtual,

pois segundo a autora

“constitui-se um dos grandes problemas da aplicação do conceito de comunidade ao ciberespaço, para a definição da comunidade virtual, que foi logo apontado por diversos pesquisadores: a ausência de uma base territorial, até então um dos sustentáculos da ideia de comunidade desenvolvida pela sociologia clássica.” ( RECUERO, 2001)

Alguns autores criticam a ideia de comunidade virtual justamente por não

admitirem o conceito de uma comunidade sem possuir um local físico específico,

apresentando a necessidade de um local onde a comunidade se estabeleça.

É uma questão bastante polêmica, pois as comunidades que se formam no

espaço virtual possuem várias outras características que podem ser usadas para defini-las

como comunidades, não se restringindo à questão territorial. Levando em consideração que

o ciberespaço se constitui como um referencial espacial, mesmo que sendo simbólica, se

torna então característica válida para que possa ser considerada uma comunidade. A

questão também já foi levantada anteriormente, sobre o ciberespaço ser considerado como

espaço em si, e muitos estudiosos divergem opiniões, não aceitando que o mesmo se

encaixe na categoria de lugar, como referencia espacial. Por isso é importante ressaltar que

sempre vai haver discordância quando diz respeito às discussões sobre esses assuntos tão

polêmicos e atuais, pois são questões que estão sujeitas a mudanças constantes. No entanto,

no decorrer deste trabalho, será levado em consideração o ciberespaço como referência

territorial e a comunidade virtual como sendo realmente uma comunidade, claro que com

suas distinções e particularidades.

35

2.4 Características das comunidades virtuais

Para reforçar ainda mais a noção das redes sociais que possuem inúmeras

comunidades virtuais, pode-se usar alguns pontos característicos da comunidade moderna

que Palácios (1998, pág. 101) propôs:

- “o sentimento de pertencimento”;

- uma territorialidade (geográfica e/ou simbólica) definida;

- a ligação entre sentimento de comunidade, caráter cooperativo e

emergência de um projeto comum;

- a existência de formas próprias de comunicação;

Foram vistas que as características ideológicas das comunidades estão todas

presentes na comunidade virtual, toda a noção de interesses em comum, de troca e de

compartilhamento são cultivadas fortemente nesses espaços virtuais. Mas não se pode

deixar de também apontar características do outro lado, mais crítico, proposto aqui antes

por Bauman. Toda essa questão de alguns membros dessas comunidades usarem

pseudônimos, ou perfis falsos (os chamados fakes), para que suas identidades reais sejam

preservadas poderia ter ligação com a ideia do autor, podendo sinalizar a perca da

liberdade, o constante medo em que vivem hoje as pessoas de se exporem em excesso e

perderem suas privacidades.

“há um preço a pagar pelo privilégio de viver em comunidade. O preço é pago em forma de liberdade, também chamada autonomia, direito à auto afirmação e à identidade. Qualquer que seja a escolha, ganha-se alguma coisa e perde-se outra. Não ter comunidade significa não ter proteção; alcançar a comunidade, se isto ocorrer, poderá em breve significar perder a liberdade.” (BAUMAN, 2003, p.10)

É inegável que o perigo também está presente no mundo virtual, muitas pessoas

optam por proteger suas identidades reais justamente pelo fato de haver casos em que essas

identidades são roubadas e usadas de forma inadequada na rede. Tanto o uso do nome

como o uso de imagens pode ser temido por vários usuários, e mais gravemente o uso de

dados pessoais que podem acarretar em danos materiais, como número de cartões de

créditos e endereços. Por essa razão a cautela no nível de exposição a que se submetem os

internautas deve ser levada em consideração e deve ser também analisada como

característica própria desse novo tipo de comunidade.

36

A autora Raquel Recuero, em seu artigo sobre comunidades virtuais (Recuero,

2001), trabalha mais dois elementos da comunidade virtual que são importantes abordar

neste trabalho. O primeiro deles é a interatividade. Esse fenômeno conhecido por nós,

presente nas comunidades offline, é indispensável que se ocorra também nas comunidades

virtuais, para a manutenção das mesmas. Se entende por interatividade a relação, as trocas

comunicativas entre os membros das comunidades. Para compreender como essa

característica da interatividade se dá nos meios informáticos, Raquel Recuero usa dois

conceitos propostos por Primo (1998), dois tipos de interação, o de interação mútua e o de

interação reativa.

A interação mútua, como o próprio nome implica, acontece entre os membros de

forma aberta, através de um processo de negociação, com fluxo dinâmico e ações

interdependentes, ou seja a maioria da comunicação realizada por um indivíduo tem

relação, ou depende da que aconteceu anteriormente. Em contrapartida a interação reativa

acontece em um sistema fechado, num processo de estímulo-resposta, com fluxo linear e

determinado. Segundo Primo, é a interação mútua que mantém o canal de rede onde os

computadores fazem parte, ou seja é essa interação que é necessária para que as relações

dadas na rede online se mantenham, e que a partir dessas relações as comunidades virtuais

possam existir e se manter ativa. Ainda segundo Raquel Recuero (apud Primo, 1998), a

interação mútua é a interação onde as trocas não são predeterminadas, são complexas e

imprevisíveis, interação essa que vai ser encontrada em chats e fóruns por exemplo. Já a

reativa, ao contrário, constitui-se de respostas pré-programadas, onde as trocas são

determinadas, previsíveis. Ou seja, o tipo de interação, para ocorrer, vai depender do meio

em que as relações estão se desenrolando, vai depender também da maneira como os

usuários desses meios vão se relacionar e fazer uso desses meios.

Ainda nessa questão da interatividade, como a mesma depende do meio em que vai

ser praticada, esse meio tem que oferecer condições adequadas pra que então a

interatividade, mútua ou reativa, possa acontecer. Ou seja, o meio deve possuir a

característica aberta, de via de mãos duplas, para as trocas comunicativas, se os membros

querem que a interatividade mútua aconteça, e ainda é só realizando essas trocas que a

interatividade vai finalmente se efetivar. Segundo Raquel Recuero a interação mútua é a

única capaz de gerar trocas capazes de construir relações sociais e, portanto, comunidades

virtuais.

37

O próximo elemento trabalhado por Raquel Recuero (2001) é a permanência,

também característica da comunidade virtual. As comunidades, além de precisarem possuir

uma certa variedade do número de usuários que delas participam, esses membros devem

apresentar uma estabilidade, tanto no número como nas trocas que realizam entre si.

Segundo a autora, a estabilidade é a característica da permanência, pois só depois de uma

certa extensão de tempo de participação ativa é que as relações entre as pessoas poderão se

aprofundar o suficiente para que constituam uma comunidade. A efemeridade das pessoas,

que vão e vêm, principalmente no ciberespaço, é constatada em várias comunidades, e esse

fenômeno só dificulta a manutenção das mesmas, pois cada vez que esses indivíduos

voláteis retornam ao ciberespaço, especificamente se retornam à comunidade que

participou antes, eles precisam reiniciar todo o processo de relacionamentos com os demais

usuários, alongando assim o processo de formação das comunidades e atrapalhando

principalmente no processo de manutenção.

E assim entra o outro elemento trabalhado pela autora, que é o pertencimento. Por

isso é importante que as relações se mantenham no mínimo equilibradas, para que possam

alcançar o nível de aprofundamento suficiente e só assim proporcionar aos indivíduos o

sentimento de pertencimento, pois se cada vez que um membro se desliga do contexto,

tudo o que ele construiu parece ser destruído e o sentimento de pertencimento parece nunca

ser alcançado.

O pertencimento é explicado por Palácios (1995) como um sentido de ligação. E o

sentimento de estar ligado a uma comunidade já foi visto como essencial na construção das

mesmas, mesmo no seu sentido mais primitivo. O sentimento de pertencimento também é

reconhecido na comunidade virtual, segundo Primo (1998) "Os participantes de chats

reconhecem-se como parte de um grupo e responsáveis pela manutenção das relações." O

sentimento de pertença é tido como condição essencial para que a comunidade possa

existir, tanto no ciberespaço como no mundo offline, pois só assim esses indivíduos vão ter

a consciência de que são partes de uma comunidade e que são responsáveis pela existência

da mesma. Entretanto, para Raquel Recuero, esse sentimento de pertencimento vai existir

no ciberespaço com uma particularidade diferencial, quando levado em conta a questão da

territorialidade, pois quando é transferida para o mundo offline, a noção de comunidade e

pertencimento está muito associada ao território geográfico.

“O pertencimento aqui, se associarmos o território geográfico com o "lugar" determinado no ciberespaço, é efetivamente desencaixado do

38

lugar – território concreto, e associado ao lugar ciberespacial da comunidade. Mesmo para aquelas que são associadas a uma representação de um espaço territorial real, o sentimento de pertencimento é associado à comunidade em primeiro lugar e não ao território ou mesmo à representação do território.” (RECUERO, 2001)

A questão do pertencimento é, portanto, como todos as outros elementos

apresentados, uma característica presente na comunidade virtual, oriunda das comunidades

ditas do mundo offline, possuindo claro suas particularidades, decorrentes do meio em que

se desenvolvem. Ou seja, ainda segundo a autora, grande parte dos laços sociais

desenvolvidos no ciberespaço, são transposições da vida offline das pessoas, e também

muitas vezes transpostas do meio cibernético para o offline. E apesar de haver essa

transposição, não deixam de ser mantidos no local onde foram iniciados. Muitas vezes,

alguns desses laços podem nunca passar para o plano offline devido à distância geográfica,

ou vir de lá para o mundo virtual. Para Recuero o que é relevante é analisar como se

formam esses laços online, mas também em que medida afetam a vida offline das pessoas,

e vice versa. Porque ao mesmo tempo que a comunidade virtual pode ser estendida ao

espaço concreto, ela continuará tendo seu lugar no ciberespaço, e continuará como um

espaço social onde as pessoas poderão reunir-se para formar novos laços sociais.

Ainda para complementar a caracterização da comunidade virtual, serão abordadas

algumas características apontadas por Pierre Lévy (2000) em seu livro Cibercultura, no que

diz respeito à ligação das comunidades emergentes do ciberespaço com as comunidades do

mundo offline. O autor trabalha com a ideia de que as relações desenvolvidas nessas

comunidades são também palco de emoções, na mesma maneira em que desenvolvemos

sentimentos na convivência com os membros das comunidades do mundo real. O autor

também vai mais a fundo e afirma que outros fatores, antes também pensados como

exclusivos do mundo offline, como a responsabilidade individual, o julgamento e a opinião

pública, também marcam presença nas discussões dentro das comunidades virtuais.

Segundo Lévy “é raro que a comunicação por meio de redes de computadores substitua

pura e simplesmente os encontro físicos: na maior parte do tempo, e um complemento ou

um adicional.” (LEVY, 2000 p. 128).

Para o autor a chegada de novos membros nas comunidades virtuais, fenômeno que

é bastante comum nesse meio, pode acarretar numa diluição da mesma, pois esses novos

membros chegam a esse espaço sem conhecer as regras vigente de funcionamento, ou

muitas vezes apenas por curiosidade se integram a elas mas não participam ativamente, ou

39

até mesmo chegam com objetivos muito divergentes que por muitas vezes acabam

atrapalhando o andamento das discussões. Por essa razão Lévy acredita que os

participantes e também o moderador da comunidade desenvolvam uma “forte moral

social”, para reger as relações. Muitas vezes essas “leis” vem de forma escrita na descrição

da comunidade, como será vista na comunidade do Orkut no próximo capítulo, ou muitas

vezes não são escritas, mas têm seu poder sobre o desenrolar das relações.

Para designar essa ordem social, explícita ou não, Lévy (2000) faz uso do termo

“netiqueta”, que para ele diz mais respeito à relevância das informações. Algumas regras

são básicas para que não se perca a organização do sistema, e para que os usuários não

percam tempo com informações que não são pertinentes ao assunto discutido no

determinado fórum.

“Não se deve enviar uma mensagem a respeito de determinado assunto em uma conferencia eletrônica que trata de outro assunto. E recomendável consultar a memoria da conferencia eletrônica antes de exprimir-se e, em particular, nunca fazer perguntas para a coletividade se as respostas já estiverem disponíveis nos arquivos da comunidade virtual. A publicidade comercial e não apenas desaconselhável mas, em geral, fortemente desencorajada em todos os fóruns eletrônicos.” (LEVY, 2000)

Ainda segundo Lévy, existe a construção da opinião pública também nas

comunidades virtuais, sua credibilidade também baseada na reputação que o usuário

constrói a partir do seu desempenho como membro desse grupo. O jogo de reciprocidade é

implícito nesse sistema, da mesma maneira que se aprende algo com o que é trocado de

informações, também se deve repassar conhecimento, para que o aprendizado seja

recíproco e para que assim se torne competente na medida em que crescerá na opinião

publica formada dentro daquele espaço.

Mas não só de harmonia e cooperação vivem as comunidades, tanto online como

offline, como foi abordado aqui. Pierre Lévy (2000) também reforça essa ideia, não

negando que há ataques pessoais, argumentações no decorrer da interação, apesar de ser

implicitamente proibido dentro da netiqueta. O que acontece é a punição à esses membros

que desrespeitam as normas, sendo expulsos da comunidade pelos administradores, ou os

chamados moderadores. Ou seja, os conflitos, as manipulações, não deixam de acontecer

nas comunidade virtuais, assim como são constantemente vistas nas relações interpessoais

do mundo real e também em outros meios de comunicação como a televisão, os jornais.

Assim o autor reforça mais uma vez que as relações dadas no mundo virtual se aproximam

40

em vários aspectos das comunidades territoriais. Não substituem e não diminuem o fluxo

de encontros pessoais, mas pelo contrário, à complementam e ainda mais ajudam pessoas a

marcarem encontros por toda parte do mundo.

Levy (2000) ainda afirma que o aumento no uso dos transportes cresceu junto com

os meios de comunicações atuais, para confirmar sua teoria em relação às relações virtuais

de que “não substitui pura e simplesmente os encontros físicos, nem as viagens, que muitas

vezes ajudam a preparar”. É onde e quando os amantes de artes, culinária, ou qualquer

outro interesse, espalhados pelo globo, tem a oportunidade de compartilhar informações

peculiares de onde vivem e tentarem se encontrar pessoalmente para desvirtualizar,

atualizar a amizade.

Todas essas características, positivas ou não, apresentadas pelos diversos autores,

podem ser vistas em várias redes sociais que são palcos da formação das diversas

comunidades virtuais. É o que vai ser possível comprovar, fazendo uma análise de todos os

pontos trabalhados aqui com a rede social Orkut, que foi eleita como objeto de estudo desta

monografia.

Por essa razão o próximo capítulo será iniciado com a apresentação da rede social

Orkut, que apesar de muito conhecida no Brasil, ainda pode ser novidade para algumas

pessoas. Será abordado o Orkut como rede social, sua adequação a essa categoria de

comunidade e sua estrutura e funcionalidade que permitem que as relações se desenrolem

nesse espaço virtual.

41

3. Grey’s Anatomy: a comunidade virtual desempenhando seu papel na rede

Neste capítulo será realizada a análise de uma comunidade virtual denominada

Grey’s Anatomy, localizada no site de relacionamento Orkut, para ver como funciona de

forma real a dinâmica desse tipo de comunidade na internet. O estudo será realizado a

partir da análise das relações que se dão dentro dessa comunidade virtual, as trocas de

informações que ocorrem, o engajamento dos membros para o bem estar e funcionamento

adequado, e manutenção do espaço para que os objetivos sejam atingidos e para que o tema

escolhido para a comunidade seja sempre explorado e trabalhado.

O capítulo está organizado da seguinte maneira. Primeiramente será realizada o

estudo do Orkut como rede social, suas características pertinentes que o fazem ser

considerado como tal. Logo em seguida será estudado o caso da comunidade virtual Grey's

Anatomy, que foi escolhida como o caso a ser apresentado e estudado como uma

comunidade virtual ativa e que alcança as expectativas da maioria dos membros. Sendo

feito o estudo comparativo das relações que ocorrem ali e vários outros elementos que são

pertinentes às comunidades virtuais com as comunidade do mundo offline.

3.1 Metodologia

A análise será desenvolvida baseada numa abordagem de caráter qualitativo. A

pesquisa qualitativa é caracterizada pela obtenção de seus dados descritivos, se utilizando

de contato direto e interativo do pesquisador com o objeto de estudo. O trabalho contará

com o auxílio de material bibliográfico (fontes impressas e eletrônicas), análise da própria

ferramenta Orkut na internet, como também análise de fontes documentais e fontes

bibliográficas sobre o Orkut, cibercultura, novas tecnologias e o impacto das mesmas na

vida das pessoas. Contará também com dados de pesquisas anteriores que apontem índices

sobre o Orkut e sua repercussão no Brasil.

Também foram realizadas entrevistas virtuais (via email) com os usuários da

comunidade da “Grey`s Anatomy” que atualmente são os moderadores. São quatro

participantes especificamente, que responderam a perguntas abertas sobre o papel que

desempenham na comunidade e a relação que desenvolvem com os outros membros. O

42

questionário encontra-se no apêndice A. A seleção desses membros para realização da

entrevista foi baseada na frequência, assiduidade, comprometimento e dedicação a que

dedicam à comunidade. Será estudado também o conteúdo dos fóruns de discussão da

comunidade, e o conteúdo das enquetes e comentários por parte dos participantes.

3.2 O orkut como rede social

O Orkut, filiado ao conhecido website de buscas Google, foi criado em 22 de

janeiro de 2004 com o objetivo de ajudar seus membros a criar novas amizades e manter

relacionamentos. Seu nome é originado do projetista chefe, Orkut Büyükkokten,

engenheiro turco do Google. O Orkut é uma rede em que muitas pessoas estabelecem um

vínculo direto, outras constroem esse vínculo através de um intermediário, no qual seria

um amigo ou amigo de um amigo seu. O Orkut tem como objetivo ajudar no

desenvolvimento da vida social na rede. Como define o próprio site:

“O orkut é uma comunidade on-line criada para tornar a sua vida social e a de seus amigos mais ativa e estimulante. A rede social do orkut pode ajudá-lo a manter contato com seus amigos atuais por meio de fotos e mensagens, e a conhecer mais pessoas. Com o orkut é fácil conhecer pessoas que tenham os mesmos hobbies e interesses que você, que estejam procurando um relacionamento afetivo ou contatos profissionais. Você também pode criar comunidades on-line ou participar de várias delas para discutir temas atuais, reencontrar antigos amigos da escola ou até mesmo trocar receitas favoritas. Você decide com quem quer interagir. Antes de conhecer uma pessoa no orkut, você pode ler seu perfil e ver como ela está conectada a você através da rede de amigos. Para ingressar no orkut, acesse a sua Conta do Google e comece a criar seu perfil imediatamente. Se você ainda não tiver uma Conta do Google, nós o ajudaremos a criá-la em alguns minutos. Nossa missão é ajudá-lo a criar uma rede de amigos mais íntimos e chegados. Esperamos que em breve você esteja curtindo mais a sua vida social. Divirta-se (= ” (http://www.orkut.com.br/Main#About?page=keep)

O funcionamento inicial do Orkut se baseava na construção de rede de amigos

através de convites feitos por quem já possuía uma conta no site, ou seja só era possível

acessar uma conta no Orkut se se recebesse um convite por via de um amigo. A vantagem

desse tipo de funcionamento, que é regido apenas por convite adotado inicialmente pelo

Orkut, é a pressuposta confiabilidade que todos os seus membros depositam em seus

amigos, pois geralmente os convites só eram feitos a pessoas que os já usuários da rede

confiavam como amigo. Outra vantagem, que vinha aliada à ideia restritiva da identidade

43

pessoal online que orientava a estrutura do Orkut, era o desestímulo à criação e

manutenção de perfis falsos, os chamados fakes, pois era pouco provável que amigos

convidassem pessoas que fossem criar perfis falsos na rede.

Esse dado mudou com os anos de funcionamento do site. Hoje em dia uma pessoa

para fazer parte do Orkut não precisa mais de um convite feito por alguém que é

participante da rede, como funcionava anteriormente. Isso aumenta a chance de obter um

maior número de usuários, já que agora todos se cadastram livremente, apenas acessando a

página principal do site. A essência da rede não foi quebrada e através de cada novo

usuário formam-se teias que crescem cada vez mais rapidamente. E muitas mudanças

ocorreram desde sua criação, ficando mais atrativo para os membros e futuros usuários.

Essa mudança teve seu lado negativo, que foi justamente o aumento na criação de

perfis fakes, já que qualquer pessoa pode acessar o site, criar um perfil, muitas vezes até

mais de um, sem ao menos ter um amigo nessa rede, e assim não temer ser um fake no

grupo.

O usuário cadastrado no Orkut tem uma página pessoal (definida no sistema como

profile - perfil) dentro do website, que contém dados diversos e expõe para outros usuários

da rede quem ele é. Esses perfis são organizados em três categorias, o perfil social (com

informações como idade, gênero, nacionalidade e relacionamento), o perfil profissional

(escolaridade, profissão, interesses profissionais) e por último o perfil pessoal (cor do

cabelo, cor dos olhos, tipo físico, o que chama a atenção em mim, etc). Uma foto ou

qualquer imagem escolhida pelo dono do perfil pode ser adicionada a sua página para

compor sua imagem. Entretanto todas as informações solicitadas são opcionais, ou seja, o

usuário pode criar um perfil contendo um mínimo de informações, praticamente apenas o

nome com o qual se registrou, nome esse que também pode ser fictício, ou pode também

mantér um perfil completo, representando o seu próprio eu na rede online. Assim, quando

pronto o seu perfil, ele imediatamente pode acessar sua página pessoal no Orkut, pode

publicar fotos pessoais ou não para compor seus álbuns e atualmente até publicar vídeos,

feitos por ele ou não.

A principal participação no Orkut são as “comunidades” (ou communities) e o envio

de recados entre os participantes. Os usuários passam a fazer parte desses grupos, e essa

participação é mostrada em sua página pessoal, assim participam das discussões sobre

assuntos diversos, que se realizam através de fóruns em que um membro estabelece um

tópico central e outros membros podem “postar” um comentário. Há diversas comunidades

44

virtuais, sobre os mais variados temas (interessantes ou bizarros) e com a participação de

internautas brasileiros em número bastante expressivo.

O Orkut é febre no Brasil, apesar de ser um produto americano. Nosso país é o

maior com números de membros cadastrados, superando inclusive os Estados Unidos.

Atualmente possui mais de 50 milhões de usuários e tem os mais variados objetivos de

usos por cada pessoa. Tornou-se uma ferramenta que vai além da proposta de interação

social baseada nas amizades virtuais, atualmente é utilizada para a propaganda,

divulgações de modo geral, protestos e até formas ilícitas de pedofilia e prostituição.

Como mostra a figura abaixo, a participação dos brasileiros é a maior em número

de usuários, mesmo depois de mais de 5 anos da criação do Orkut, e de várias mudanças já

ocorridas na estrutura do site durante todos esses anos. Esse quadro estatístico foi retirado

do próprio Orkut, numa página chamada de estatísticas,

(http://www.orkut.com.br/Main#MembersAll) onde dados sobre vários aspectos dos

usuários podem ser encontrados, como idade, estado civil, e país de origem, que é o mais

relevante para este trabalho.

Figura 2 – Estatísticas do Orkut Outubro 2010

45

O Orkut é definido constantemente como rede social, e esse conceito também vai

ser adotado para o estudo desta monografia. Mas para esclarecer essa definição, será feito

uma ligação do Orkut com o que se entende por rede social, segundo a definição de alguns

autores trabalhados aqui, quais as características pertinentes a esse site de relacionamento e

o que faz ser classificado como rede social.

De inicio serão feita referências às ideias de Raquel Recuero. A autora desenvolveu

um trabalho onde o foco de estudo é o Orkut como rede social. A primeira característica

ressaltada em seu trabalho é a interação proporcionada pelo Orkut. Segundo a autora, o

Orkut é um sistema que proporciona duas formas de interação social mediada por

computador, dois tipos de interação, a mútua e a reativa, conceitos já trabalhados também

no capítulo anterior. A interação mútua presente no Orkut pode ser observada nos posts das

comunidades, do fórum, onde cada usuário tem a liberdade de escrever o que deseja,

sempre atentos às regras estabelecidas pelo moderador dessa comunidade, e receber

respostas em retorno. Também observa-se uma interação mútua acontecer nas páginas de

recados, também chamadas de scrapbooks, que são uma espécie de caderno de notas, como

a própria tradução do termo sugere (scrapbook = caderno de recado) onde é possível deixar

recados para os amigos e também receber recados. Há também os testemunhais, que

consiste numa mensagem escrita a um amigo, sujeita a aceitação do mesmo para ser visível

no perfil, e é onde se expressa uma opinião sobre aquela pessoa.

A interação reativa pode ser apontada no Orkut pelos convites de amizade enviados

pelos usuários a pessoas que esses julguem ser seus amigos ou conhecidos. O pedido de

amizade pode ser aceito ou negado unicamente. Ainda parte dessa interação, acontece no

Orkut a classificação dada aos amigos que aceitaram o convite de amizade, esse processo

se dá na concessão de smile faces, corações e gelos (ícones gráficos que são encontrados

no perfil do usuário) no intuito de classificar o amigo como legal (determinado pelo ícone

gelo), sexy (pelo ícone de coração), confiável (pelo ícone smile face). Há também o uso do

ícone gráfico estrela para o usuário se declarar fã do amigo em questão. E por último há a

classificação do nível de amizade a que a pessoa que foi adicionada pertence. O indivíduo

pode ser classificado como “amigo”, “conhecido”, “não conhecido ainda”, “melhor amigo”.

Recuero também pontua um tipo de interação reativa nas comunidades virtuais do Orkut,

quando alguém solicita a entrada em uma determinada comunidade e o moderador têm o

poder de aceitar ou não, “trata-se de reação porque a ação, embora com reflexos sociais,

46

constitui-se unicamente em um apertar de botões, sem que a outra parte possa manifestar-

se a este respeito.”

O Orkut parece oferecer um prato cheio para uma visão das teorias das redes sociais. Mostrando os indivíduos enquanto perfis, é possível perceber suas conexões diretas (amigos) e indiretas (amigos dos amigos), bem como as organizações sob a forma de comunidades. Além disso, existem ferramentas de interação variadas, tais como sistemas de fóruns para comunidades, envio de mensagens para cada perfil, envio de mensagens para comunidades, amigos e amigos de amigos (normalmente utilizadas para spam). (RECUERO, 2006)

Outra característica trabalhada no intuito de classificar o Orkut como rede social, é

a permanência. Na participação dentro das comunidades virtuais do Orkut é de extrema

relevância que seus membros pratiquem um grau de permanência relevante, pois só com a

participação constante é que essas comunidades podem se manter ativas e com aspectos

relacionais de verdadeiras comunidades. A permanência carrega com si o sentimento de

pertencimento, quando um usuário se sente parte daquela comunidade, participando

ativamente e sendo responsável pela manutenção e funcionamento adequado da mesma.

Sem esse sentimento de permanência, e portanto de pertencimento, muitas

comunidades acabam se perdendo do seu objetivo inicial, quanto ao tema principalmente,

muitas chegando até a serem desativadas. Tanto pela falta de organização, quanto pela

ausência de consistência nos conteúdos trabalhados nos fóruns de discussão. Esse quadro é

comum no Orkut, várias comunidade são fadadas a serem apenas algo para compor os

perfis, não havendo uma participação ativa e manutenção dessas comunidades por parte de

alguns usuários. Ou seja, essas comunidades, muitas vezes possui um número muito

grande de membros, mas não há organização ou regras no desenrolar dos fóruns de

discussão, acabando por serem abandonadas pelos próprios usuários, muitas vezes se

tornando também depósito de propagandas e spams.

E inegável que com o passar dos anos e com adesão desenfreada de milhares de

usuários, o controle sobre a organização, o cumprimento das regras, a manutenção do

objetivo inicial do site fica praticamente impossível de acontecer. Por ocorrência da

existência de inúmeros perfis falsos, também de muitas comunidade que não funcionam

apropriadamente, o próprio site Orkut mantem um link sobre como ajudar a manter a

beleza do Orkut.

47

Figura 3 – Link mantenha o orkut bonito

Além de várias sugestões presentes na página, o trecho em destaque resume bem o

proposito do Orkut, de estimular os próprios usuários a colaborarem com a manutenção,

preservando um espaço agradável e que trará benefícios para eles mesmos.

“O sucesso do Orkut se deve a você, a todos os nossos usuários e ao conteúdo criado por todos. Com isso em mente, contamos com nossos usuários e pedimos que nos notifiquem sobre possíveis violações de nossos Termos de Serviço. Isso pode ser feito por e-mail ou clicando no link "denunciar abuso" exibido em destaque em todas as páginas do Orkut. De nossa parte, vamos analisar o perfil ou a comunidade em questão individualmente e, se constatarmos que houve alguma infração de nossos termos de serviço, vamos remover o conteúdo e desativar a conta por meio da qual ele foi criado.” (http://www.orkut.com.br/Main#About?page=keep)

Com isso o Orkut procura criar um ambiente agradável aos usuários, e que eles

sejam também responsáveis pela manutenção desse espaço a que pertencem. Conectando-

se também com o sentimento de pertencimento e permanência, já que um ambiente limpo e

organizado é mais atrativo para um comprometimento mais duradouro dos usuários.

Portanto, essas características comprovam que a ferramenta online Orkut pode ser

classificada como rede social, portadora de inúmeras comunidades virtuais onde relações

das mais variadas naturezas se desenrolam.

3.3 A comunidade “Grey’s Anatomy”

Esclarecendo do que se trata especificamente o tema da comunidade escolhida,

Grey’s Anatomy é o nome de um seriado americano, que ganhou bastante popularidade no

48

Brasil desde 2007. O seriado trata de um grupo de médicos recém formados que começam

suas residências médicas no hospital Seattle Grace na cidade de Seattle nos Estados

Unidos. O programa é protagonizado pela personagem Meredith Grey, que compõe o

grupo de residentes junto com seus amigos. Toda a trama envolvendo o trabalho, as

dificuldades dos casos médicos e a vida pessoal desse grupo e mais outros médicos do

local é desenvolvida na série. O título do seriado é uma brincadeira com Gray's Anatomy

(Anatomia de Gray), o famoso livro de anatomia do americano Henry Gray.

A estrutura dos seriados americanos se baseia em episódios que compõem uma

temporada. No caso do seriado Grey’s anatomy, cada temporada têm em média 22

episódios que começam a ser exibidos nos Estados Unidos em setembro. Atualmente a

série esta na sétima temporada e é exibida pelo canal norte americano ABC. Já no Brasil a

série é exibida pelo canal Sony Entertainment Television em horário nobre da TV a cabo.

Para aqueles que não têm acesso à Tv a cabo, o canal SBT também transmite os episódios,

mas numa temporada anterior à atual.

Vários fatores contribuíram para a escolha da comunidade Grey’s anatomy em

específico. Primeiramente há de se levar em consideração o aumento da popularidade dos

seriados americanos junto ao público brasileiro. A comunidade que vai ser estudada, têm

como tema um seriado americano e possui atualmente quase 89.000 membros. Sendo essa

comunidade brasileira, pois é escrita em português, ou seja, os membros são brasileiros que

assistem e gostam do seriado. É um número significativo, quando pensamos nos inúmeros

seriados norte americanos que fazem sucesso entre os brasileiros e que possuem

comunidades no Orkut com milhares de membros.

Segundo pesquisas do IBGE o número de jovens e adultos que acessam a internet é

majoritária dentre as outras categorias. Dados da pesquisa estão disponíveis no link do site

do IBGE.

(http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=846).

Consequentemente no Orkut a predominância de jovens entre 18 e 25 anos é visível como

grupo de maior acesso ao site. Como mostra a tabela retirada do site, onde podemos ver

alguns dados estatístico sobre o perfil dos usuários do Orkut.

49

Figura 4 – Estatísticas do Orkut Outubro 2010.

É importante também atentar que esses dados apontam para um perfil do usuário

dessa comunidade como sendo jovens, de classe social que abrange de C a A, que têm

condições de acesso à internet, à TV a cabo, conhecimento do seriado, pois não é qualquer

jovem que se interessa por um seriado que retrata um estilo de vida norte americano, que

pode requerer até um minimo conhecimento da língua inglesa.

Outro ponto crucial para a escolha da comunidade foi a organização e o

engajamento dos membros da mesma para manter o funcionamento e a dinâmica no espaço

virtual. Logo na descrição da comunidade se encontram todas as regras de funcionamento e

as punições que serão aplicadas caso alguém tente ir contra as normas do bom

funcionamento. A comunidade conta com quatro moderadores, que são usuários

responsáveis pela manutenção geral, formulação das normas de funcionamento e também

são responsáveis por quem entra e o que é postado na comunidade. Como mostra a figura 5,

uma visão geral da página inicial da comunidade.

50

Figura 5 – Página inicial da comunidade Grey's Anatomy Outubro 2010.

Entrando mais no funcionamento e no entretenimento oferecido pela comunidade,

as atividades consistem na participação nos fóruns e enquetes. Dentro dos fóruns, há vários

tipos de atividades onde os membros podem participar, postando um tema que acharem

interessante para começar uma discussão ou respondendo a outros post iniciados. Nessa

comunidade específica, há alguns tipos de fóruns que são fixos, como o chamado

download, onde são postados links para que os usuários possam baixar os episódios da

série, ou o spoiler onde os membros compartilham informações inéditas sobre os episódios

que estão por vim, os seja dados surpresas. E há também os fóruns que são iniciados de

acordo com a curiosidade dos participantes de discutir um tema associado à série.

51

Figura 6 – Fórum mostrando todos os tópicos Outubro 2010

Nota-se pela figura 6 que os tópicos não estão de maneira desorganizada e um tanto

caótica como se apresentam em muitas outras comunidades. A disposição dos tópicos é

feita de maneira organizada, com uma palavra chave dentro de coxetes para que o usuário

saiba exatamente do que o tópico se trata e não tenha surpresas desagradáveis ao acessa o

fórum e encontrar algo totalmente diferente do que esperava.

Todos esses fóruns são regidos por regras que ajudam na organização dos assuntos

que são postados. Assim cada usuário pode encontrar informações ou participar das

discussões que lhe interessam, acessando os tópicos de acordo com o título e não perdendo

tempo em fóruns que apesar de constarem um título apresentam comentários que não

condizem com o conteúdo anunciado. Por isso a moderação se encarrega de verificar

constantemente o conteúdo das mensagens e se dá o direito de apagar certos post11 ou banir

certos usuários que não estejam colaborando para o bom funcionamento da comunidade.

11 Termo em inglês que significa postar, informar. São as informações colocadas em blogs, comentários dos fóruns.

52

Post como propaganda, banners12, spam

13, ou até comentários e reclamações que não

estejam nos devidos fóruns, direcionados especificamente para tal função são apagados.

Figura 7 – Comentários no tópico Spoilers

Na figura 7, logo o primeiro post mostra as regras para a participação do fórum e

logo após outro post em inglês do que seria uma participação efetiva. O post se trata de

informações sobre o novo episódio que ainda não foi transmitido para o público. Essa

estrutura de publicação da regra como primeiro post de um determinado fórum pode ser

verificada em quase todos os tópicos organizados pela moderação da comunidade.

Toda essa organização e insistência no cumprimento das normas propostas pela

moderação tem repercussão positiva, vista tanto na forma de adesão e participação dos

usuários que são de forma constante e permanente, como na manifestação de alguns

usuários, que fazem elogio à forma como a comunidade vêm se mantendo.

12 Propaganda usada na internet em forma de uma imagem estática ou animação. 13 Email não autorizado enviado em grande quantidade, como propagandas.

53

Figura 8 – Mensagem no tópico moderação

Toda essa organização e satisfação dos membros da comunidade Grey’s Anatomy

favorece o processo de interação entre seus membros. A interação é o processo mais

importante para que as comunidades, as redes sociais se criem e se mantenham no

ciberespaço. Como foi citado na seção 2.4, principalmente a interação mútua, que segundo

Raquel Recuero é a única capaz de gerar as trocas necessárias para a construção das

relações sociais, também das comunidades virtuais. É essa força interacional que vai

manter o canal onde os computadores fazem parte, interligados entre si. (RECUERO, 2001)

Os dois tipos de interação que foram estudados na seção 2.4 do capítulo anterior,

podem ser encontrados na comunidade aqui utilizada como caso estudado e assim serão

apresentadas e estudadas no tópico a seguir.

3.4 As formas de interação

Como foi visto na seção 2.4, há dois tipo de interação que podem ser vistos também

nas novas formas de comunicação da era digital. Recapitulando brevemente, Recuero

aborda dois conceitos propostos por Primo (1998), o de interação mútua e o de interação

reativa. A interação mútua acontece entre os membros de forma aberta, através de um

processo de negociação, com fluxo dinâmico e ações interdependentes, ou seja a maioria

da comunicação realizada por um individuo tem relação, ou depende da que aconteceu

anteriormente. E a interação reativa acontece em um sistema fechado, num processo de

estímulo-resposta, com fluxo linear e determinado. Complementando, a interação mútua é

a interação onde as trocas não são predeterminadas, são complexas e imprevisíveis, e a

reativa, ao contrário, constitui-se de respostas pré-programadas, onde as trocas são

determinadas, previsíveis.

54

Dentro dos conceitos trabalhados, foi visto que é possível encontrar os tipo de

interação propostos dentro da rede social Orkut, portanto serão mostradas exemplos dessa

interação que acontece dentro da comunidade Grey’s Anatomy.

A interação mútua pode ser vista em fóruns, como foi citado antes, e na figura 9,

que mostra um pequeno trecho do fórum aberto para discussão na comunidade, pode ser

apontada todas as características, como a expressão de opinião livre, tendo ligação com o

que foi proposto no título e com o que foi expressado pelos outros usuários. As respostas

não são pré determinadas, são complexas, o que caracteriza bem a interação mútua entre os

internautas.

Figura 9 – Comentários no tópico 7.02 “Shock to the System”

O outro tipo de interação proposta por Recuero também pode ser exemplificado

dentro da comunidade Grey’s Anatomy. A interação reativa é apresentada na forma de

enquetes, que são constantemente vistas na comunidade e que tem a participação assídua

dos usuários. Na figura 10 a enquete é sobre com quem o antagonista Dr. Derek combina

mais. As enquetes também são postadas pelos membros da comunidade e com prazo para

55

ser finalizada. O internauta pode votar e depois clicando no link mostrar resultados e

comentários, ele pode verificar a porcentagem de cada elemento votado até o momento.

Figura 10 – Votação e resultados da enquete “Com quem o Mcdreamy combina mais” em 05/10/10

A enquete se encaixa na categoria de interação reativa pois o processo que se

percebe é o de estímulo-resposta, num fluxo linear. As respostas são pre-determinadas, ou

seja o usuário que formulou e postou a enquete pré-determina as opções de respostas e o

internauta interage nesse sistema fechado.

A questão que se segue para analise na comunidade é a da permanência e do

pertencimento. Os dois conceitos foram discutidos também na seção 2.4 do capítulo 2. Na

comunidade Grey’s Anatomy o sentimento de pertencimento dos membros é notificada

pela participação dos mesmos na interatividade, tanto mútua quanto reativa. O número de

posts e votações são bastantes expressivas, ou seja muitos participam constantemente dos

fóruns e discussões, expressando suas opiniões e votando nas enquetes, até mais de uma

vez. E desse mesmo cenário podemos retirar o exemplo da permanência.

56

Outro aspecto de relevância que se encontra na comunidade e que foi abordado na

seção 1.4 desta monografia é o compartilhamento que se desenvolve entre os membros de

Grey’s Anatomy. Em um dos tópicos fixos dos fóruns de discussão acontece o

compartilhamento de arquivos de vídeos contendo os episódios da série. O tópico

intitulado Downloads é criado toda semana e recebe posts com links que possibilitam o

download do episódio que foi exibido nos estados unidos. Como pode ser visto na figura

11, o compartilhamento dos arquivos é livre a qualquer membro que deseje adquirir.

Figura 11 – Posts do fórum Download do episódio 9

Na figura 11 links são mostrados para que os membros da comunidades possam

baixar os arquivos e assistirem o episódio em questão. Arquivos de vários tipos, tamanhos,

com ou sem legenda podem ser encontrados por entre os links. Esse compartilhamento se

encaixa bem na dinâmica do copyleft, onde os processos de troca e cooperação são a

essência dessa era digital.

Na comunidade Grey’s anatomy a questão do compartilhamento desses arquivos é

um dos principais atrativos para os membros, além da troca de informações sobre o seriado.

57

Ter um espaço onde o acesso a esses arquivos é fácil e feito de maneira organizada é um

dos principais motivos de adesão para muitos fãs do seriado.

3.5 Entrevistas

Também foram realizadas entrevistas online com os membros da comunidade em

estudo que são moderadores. São 4 usuários em questão que nesse momento desenvolvem

o papel da moderação, sendo responsáveis pela manutenção da comunidade e

estabelecimento e cumprimento das regras. Trechos das respostas desses membros serão

mostrados aqui a nível de ilustração dos aspectos da comunidade virtual trabalhados neste

trabalho, sendo usado os primeiro nomes dos mesmo, os nomes que estes usam no seus

respectivos perfis do Orkut, que são eles Karina, Luciana, Nara e Cah.

Continuando com o aspecto da permanência, é importante perceber como alguns

dos membros se sentem para com a comunidade e principalmente aqueles que fazem parte

da organização. Cah afirma:

Minha principal motivação para participar da comunidade foi relacionado a encontrar algum lugar que tivesse todas as informações disponíveis sobre a série. Eu fui convidada a ser moderadora por estar sempre presente na comunidade por que sou muito aficionada em Grey's e respondo a maioria das duvidas dos membros. (CAH, 2010)

Alguns membros já entram na comunidade com todo o empenho de participar e

colaborar com a organização, mas outro adquirem o sentimento de pertencimento depois de

algum tempo que estão na comunidade, ou seja só com a convivência é que começam a

despertar o desejo de ser mais atuante e ser responsável pela manutenção do local. Como

afirma Luciana:

Estou na comunidade desde quando o seriado surgiu, em 2005. A princípio seria como faço normalmente no orkut, entro nas comunidades dos assuntos que eu gosto, e desde o início gostei muito da série. Fazia parte do site Grey's Anatomy BR e uma das pessoas na equipe tornou-se dona da comunidade, e me colocou na moderação. No início eu não era muito presente, mas depois comecei a frequentar mais, conhecer as regras e a gostar da comunidade. No início de 2009 a comunidade estava um pouco abandonada, então senti que era minha obrigação tomar as rédeas e ajudar na organização, mais ativamente. (LUCIANA, 2010)

58

Percebe-se que o sentimento de pertencimento a essa comunidade cresce com o

passar do tempo, que o membro ganha mais intimidade com os outros participantes até o

ponto de se sentir responsável pelo crescimento e manutenção daquele espaço onde

dividem interesses em comum quando o mesmo se vê ameaçado ao desuso. Ou seja há o

interesse também por parte de alguns participantes de criar um espaço onde os outros

queiram fazer parte. A moderadora complementa:

Contei essa história para poder dizer meu principal interesse então quando eu me propus a ser a dona da comunidade e moderadora: vi que era um lugar onde muita gente buscava informação, tinha as respostas (pois os membros são muito legais e sempre tentam ajudar a todos), e senti que precisavam de alguém que os escutasse, participasse e que também pudesse tomar algumas decisões na comunidade para que ficasse mais organizada. (LUCIANA, 2010)

Esse sentimento de pertencimento e permanência, também junto com a

responsabilidade pela manutenção do espaço é reforçado por outro trecho da entrevista de

Luciana.

Já tentei sair da moderação uma vez, mas não por muito tempo. Sempre que entrava na comunidade e via tópicos errados, ou que precisava atualizar o perfil com as informações mais recentes, me dava vontade de voltar a participar, para continuar contribuindo. Não é prazeroso chamar a atenção das pessoas nem bani-las, mas é prazeroso ajudar a organizar a comunidade de modo que as pessoas encontrem ou compartilhem informações facilmente. (LUCIANA, 2010)

Essa permanência, tão importante para a concretização da comunidade, trabalhada

por Raquel Recuero (vide seção 2.4), que segundo a autora é necessária para que as

relações possam se da de forma organizada e evitar que a cada adesão dos membros sejam

muito voláteis, o que prejudica na dinâmica da comunidade, também é notada no

depoimento das moderadoras. Podemos notar no trecho de Karina, que mesmo sem estar

online na comunidade diariamente a moderadora estabelece um ritual constante,

estabelecendo um dia da semana como o mais importante para ativar sua participação e

atuação como moderadora, exercendo a permanência naquele espaço. Karina fala:

Como somos 4 moderadoras sei que sempre vai ter alguma on se precisar fazer alguma coisa na comunidade. Mas me “obrigo” a estar on pelo menos as quintas-feiras (quando são exibidos os episódios novos na ABC) e acredito que é quando precisa ter um ‘controle’ maior. É quando a comunidade está mais movimentada.

59

Costumava passar muito mais tempo na comunidade antigamente, atualizava todos os tópicos que podia e sempre ia apagar algum que não estivesse de acordo com as regras. Mas agora como não posso mais passar tanto tempo on, atualizo apenas alguns tópicos (narrações dos episódios, spoilers, vídeos, etc) e crio os tópicos que precisam ser feitos todas as quintas-feiras (como os de comentários, de download e de promo). (KARINA, 2010)

E para finalizar esta analise da comunidade virtual, o ponto que vai ser trabalhado

agora é a questão da possível transferência das relações criadas no mundo virtual para o

mundo “real”. Como já foi também citado aqui no final seção 2.4 do segundo capítulo pelo

autor Pierre Lévy, as relações dadas no mundo virtual não excluem ou substituem as

relações cara a cara, pelo contrário, são complementares, podendo se estender de uma

dimensão a outra.

Como será constatado pelo depoimento das moderadoras entrevistadas, mesmo que

ainda não haja o encontro dessas pessoas que se relacionam na comunidade virtual

pessoalmente, há a intenção de que esse encontro aconteça. A concretização dessa amizade

é aspirada por muitos, assim fala Karina:

Ainda não conheci ninguém pessoalmente, mas posso dizer que fiz algumas amizades que pretendo levar comigo. Fiz amigas de verdade e pensamos sim um dia conseguir nos reunir. Claro! Apesar das amizades que fiz terem permanecido apenas no mundo virtual (por enquanto) mantenho contato frequentemente. Praticamente todos os dias conversamos e sobre tudo. A amizade não fica focada apenas no seriado. Para quem é mais antiga na comunidade sabe que tem um grupo de amizade que foi formado ali, nos apelidaram de Frenéticas. rsrs E estamos tentando organizar uma reunião das Frenéticas o quanto antes. (KARINA, 2010)

E a partir do trecho da entrevista de Luciana, pode-se constatar que essa

transmissão para o plano pessoal acontece e é levado a sério por muitos participantes do

mundo online. Luciana afirma:

Sim..mas não eram amigos que conheci na comunidade. São amigos virtuais, que conheci também por outras afinidades e que participavam da comunidade. Faço isso há alguns anos. Já me encontrei com amigos virtuais, passei férias na casa de alguns, viajei para fazer provas na cidade de alguns e fiquei hospedada na casa deles. E sempre que preciso ir à alguma cidade, se algum dos meus amigos “virtuais” mora lá, eu tento encontrá-los. Há um álbum no meu perfil do Orkut só de fotos minhas com meus amigos virtuais (na verdade não tão virtuais assim). (LUCIANA, 2010)

60

Indo além dos laços de amizade, as relações entre os membros da comunidade

virtual podem proporcionar, por exemplo, relações de trabalho. Sobre essa extenção do

plano virtual para o real Cah relata:

Fiz amizade com muita gente da comunidade, muitos deixaram de ver a série e ainda tentam manter contato comigo. Um membro em especial virou meu sócio no meu perfil de divulgação do twitter com assunto super alheio a comunidade. Sim! Muitos membros falam que quando vierem para o meu estado consideram vir me visitar :D (CAH, 2010)

A vontade de manter essa amizade fora da esfera cibernética é algo compartilhado

por muitos, já que para realizar esse feito a moderadora precisou ter o apoio de outros

membros para poder se conhecerem. Ou seja, esse fenômeno é compartilhado pela maioria

dos internautas que participam das comunidades virtuais, tornando assim as relações mais

pessoais, dando um caráter verdadeiro às relações de amizade desenvolvidas ali. E como

Pierre Lévy afirmou, são extensões da vida offline, que pode ser desvirtualizada a qualquer

momento.

61

Considerações finais

Este trabalho fez inicialmente um estudo sobre a evolução da internet, o

ciberespaço e suas implicações, a nova forma de se relacionar presente com o surgimento

de um novo tipo de comunidade, a comunidade virtual, e consequentemente, as novas

formas de se comunicar, consumir e trocar informações. Pelo que foi apresentado, percebe-

se que a comunidade virtual pode se tornar uma extensão ou até uma alternativa válida na

construção de laços e amizades no mundo online. Uma forma positiva de se relacionar e

trocar informações, sendo feita de maneira organizada e consistente, pode se tornar um

complemento das relações que se mantem na vida real.

Dentre os inúmeros motivos para se cultivar esse tipo de relacionamento e as

vantagens que os usuários da internet usufruem em fazer parte de comunidades virtuais

dentro da rede, a mais pontual parece ser a possibilidade que os internautas tem de

encontrar e se comunicar com pessoas de toda parte do mundo, além de poder compartilhar

as mais variadas informações. Tal relacionamento sem o auxílio da internet não seria

possível. Isso abre uma gama enorme de possibilidade para as pessoas, indo além da

oportunidade primária que é a de formação de laços de amizade entre os internautas,

abrangendo os vários âmbitos da vida, como oportunidades de viagens pelo mundo afora,

até mesmo para que possam se encontrar e se conhecer pessoalmente. Oportunidades de

emprego, financeiras também podem surgir com o relacionamento online de pessoas por

toda parte do mundo.

Esse aspecto é apenas um dentre as inúmeras mudanças que a cibercultura vem

proporcionando para a sociedade. Sociedade esta que se encontra numa era onde a

tecnologia afeta de forma expressiva a vida de todos. Onde as informações correm numa

velocidade muito grande, causando também a necessidade de as pessoas se sentirem

informadas. Nesse ponto, a velocidade ou instantaneidade de obtenção de informações é

fundamental.

Por exemplo, no caso da comunidade Grey’s anatomy estudada no capítulo 3,

muitos usuários utilizam a comunidade para obterem informações sobre os episódios da

série transmitidos nos Estados Unidos, e também ter acesso (através de download) a

arquivos para poderem assistir aos episódios. A espera até que os capítulos sejam trazidos e

dublados e posteriormente veiculados por alguma emissora brasileira, aberta ou a cabo,

parece improvável para essas pessoas, que querem obtê-las de forma quase instantânea.

62

Esse é só um exemplo entre muitos outros que estão presentes em nossa realidade, onde a

busca veloz por informações pode ser vista no campo das notícias, do entretenimento, da

educação etc.

O autor Pierre Lévy atenta para esse efeito complementar que a comunidade

virtual vem a desempenhar na vida dos usuários, apontando inclusive para a questão da

possível extensão das amizades para o plano real, do contato pessoal. Tal movimento do

virtual para o real foi visto neste trabalho, no exemplo da comunidade do Orkut aqui

estudada. Alguns membros se encontraram pessoalmente e cultivam essa amizade assim

como as amizades que eles vivenciam no cotidiano. Mesmo aqueles membros da

comunidade que ainda não chegaram a esse estágio afirmaram ter o desejo e a intenção de

concretizar essa amizade e um dia poder encontrar-se pessoalmente.

Foi também importante ressaltar que, apesar de ser a internet um meio que oferece

o ambiente altamente propício para o surgimento dessas comunidades virtuais e o

compartilhamento entre esse usuários, é imprescindível que a organização do grupo, que

divide interesses em comum, seja forte para que a comunidade realmente possa prosperar e

se tornar um espaço onde realmente as dinâmicas funcionem. Há sempre um subgrupo

menor que precisa tomar as rédeas da organização para que os objetivos propostos pelo

grupo possam ser atingidos. Pois pessoas que só querem atrapalhar ou dificultar o processo

vão sempre existir. Principalmente na internet, onde identidades podem ser ocultadas,

facilitando atividades fora de ordem.

Esse cenário é facilmente encontrado no Orkut, onde muitas comunidades surgem,

mas acabam não sendo o espaço esperado pelos membros onde trocas e relações possam

acontecer. Nessa hora, os fóruns de discussão passam a diminuir, pois os membros param

de participar e acabam fazendo parte da comunidade apenas para compor seu perfil.

Na comunidade Grey’s Anatomy também pode ser visto tal acontecimento. Existem

pessoas que não colaboram e não cumprem com as regras que regem o espaço,

comprometendo muitas vezes o fluxo das informações nos fóruns de discussão. Mas por a

comunidade ser organizada e possuir moderadores que trabalham para a manutenção do

bom funcionamento, logo a situação é revertida: comentários fora do tema proposto pelo

devido título do fórum são apagados, propagandas e spams também são banidos. Os

usuários malfeitores são alertados quanto ao cumprimento das regras, podendo-se chegar

ao caso extremo de exclusão da comunidade.

63

Esse quadro pode parecer severo aos olhos de alguns usuários, mas mostrou ter um

impacto positivo, pois a participação nos fóruns são constantes e os elogios de membros à

moderação são constantes na comunidade, como também foi mostrado no capítulo 3 desta

monografia.

Depois dessa análise, percebe-se que as questões de pertencimento e permanência

propostos por Raquel Recuero são indispensáveis na análise e entendimento de como se

dão as relações dentro da comunidade virtual. Pois foi através do suporte desses dois

elementos que a pesquisa pode constatar que é preciso os membros atuantes dessas

comunidades praticarem a execução do pertencimento e da permanência.

No caso analisado neste estudo, a comunidade Grey’s Anatomy, percebe-se que

apesar de ser uma representação forte e positiva de uma comunidade que dá certo e que

engloba fielmente vários elementos tratados pelos teóricos, há sempre alguns itens de

Pierre Levy, Zigmund Baumam e Raquel Recuero que poderiam ser melhor explorados

pela comunidade.

Os membros poderiam, por exemplo, através de um diferenciado gerenciamento da

comunidade, tentar evitar os membros descompromissados com o bom funcionamento da

comunidade desde a sua aceitação como membro. A questão trabalhada por Baumam no

primeiro capítulo, do conflito de segurança e liberdade, reflete um cenário presente em

Grey’s anatomy, pois perfis fakes (falsos) podem ameaçar a harmonia do grupo.

A moderação da comunidade poderia ainda, através da revisão dos perfis antes de

aceitarem os convites para fazer parte da comunidade, avaliar a disponibilidade daquele

usuário para pertencer e permanecer no grupo, colaborando com novas ideias e

informações para o desenrolar dos fóruns. Talvez através de uma pequena pesquisa com os

próprios quando o pedido de adesão é feito, ou mesmo uma avaliação mais minuciosa dos

perfis. Talvez essa atitude venha de encontro com à liberdade de Baumam, mas reforçaria

os elementos essenciais propostos por Recuero para que a comunidade possa acontecer.

É claro que mesmo não contemplando de forma perfeita todos os itens citados pelos

teóricos, a comunidade do Orkut Grey’s Anatomy é bem desenvolvida e mantida, servindo,

sem dúvida, de exemplo de bom funcionamento dentro dessa rede social hoje tão difundida

e abrangente no Brasil. Vale destacar também o trabalho dos membros da comunidade para

que a mesma esteja sempre ativa e interessante aos que dividem o gosto pelo seriado. O

trabalho da moderação, que são também usuários comuns, apenas se voluntariam para

64

trabalhar mais diretamente na manutenção da comunidade é indispensável para que haja a

organização e hierarquia necessária em qualquer agrupamento de pessoas.

Portanto, é relevante enfatizar que a análise feita na comunidade Grey’s Anatomy

não só revelou a viabilidade do conceito comunidade dentro da rede social Orkut e no meio

cibernético em geral, como também deixou clara a grande capacidade que esse canal de

comunicação tem de produzir relações que podem ser entrelaçadas em qualquer lugar, a

qualquer hora por qualquer pessoa, e completando de forma espontânea e positiva as

relações formadas no mundo real.

Afinal, é também importante enfatizar que os usuários da internet possuem uma

grande quantidade de informações ao seu dispor. Justamente por isso eles devem olhar

mais atentamente para esse novo espaço que está disponível e buscar explorá-lo de maneira

proveitosa para que possam nele também suprir suas necessidades e fazer do mundo virtual

mais uma oportunidade de se relacionar e crescer socialmente.

Por fim, apesar de este estudo ser inicial, mas já revela algumas características e

benefícios que as comunidades virtuais podem oferecer. Existe ainda todo um campo a ser

explorado que elas disponibilizam para seus usuários, possuindo o poder de explorá-las e

aproveitá-las de acordo com suas necessidades e também curiosidade para com o novo.

Aspectos como o porque da adesão e do sentimento de responsabilidade para com a

manutenção do espaço da comunidade apresentado pelo grupo de moderação, passando

pela questão do fã e seu poder de mobilização ainda podem ser mais explorado num

trabalho futuro.

65

APÊNDICE A

Entrevista via e-mail com moderadores da comunidade Grey's Anatomy.

Perguntas para os moderadores:

1 Qual o seu principal interesse ao participar da comunidade Grey’s anatomy? E se propor

a ser moderador da comunidade?

2 Descreva o “sentimento de pertencimento” que você tem para com a comunidade.

3 Você se sente responsável pela manutenção da comunidade?

4 Quais as principais tarefas que você desenvolve na comunidade?

5 Você tem algum amigo, ou já conheceu alguém pessoalmente que seja membro da

comunidade?

6 Você pretende ou considera a ideia de estender as amizades da comunidade virtual para o

mundo real (offline)?

66

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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67

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