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XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E NORDESTE e PRÉ-ALAS BRASIL. 04 a 07 de
setembro de 2012, UFPI, Teresina-PI
A POLÍTICA PÚBLICA DE ENSINO A DISTÂNCIA: Escolaridade ou Cidadania?
GT27 - Políticas públicas
Érika Loureiro Borba- Universidade Federal de Lavras (UFLA). Email: [email protected] José Roberto Pereira- Universidade Federal de Lavras (UFLA). Email: [email protected] Kelly Aparecida Torres-Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ). Email: [email protected]
¹ Universidade Federal de Lavras (UFLA). Email: [email protected] ² Universidade Federal de Lavras (UFLA). Email: [email protected] ³ Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ). Email: [email protected]
A POLÍTICA PÚBLICA DE ENSINO A DISTÂNCIA: Escolaridade ou Cidadania?
Érika Loureiro Borba¹ José Roberto Pereira²
Kelly Aparecida Torres³
Resumo Este artigo procurou analisar a política pública de educação a distância desenvolvida no Brasil com o objetivo de verificar se a mesma é capaz de proporcionar o ensino de massa e, principalmente, se esta modalidade de ensino contribui apenas para o aumento da escolaridade no país ou contribui, também, na formação de cidadãos. Para tal investigação foi traçado o histórico da educação à distância no mundo e no Brasil, a formulação e implantação desta política no país e sua articulação com as práticas cidadãs. Chegou-se às seguintes considerações: o ensino à distância é uma modalidade capaz de promover o ensino de massa tendo em vista sua capacidade de atingir um grande número de estudantes ao mesmo tempo, além de fornecer elementos para que o indivíduo seja questionador, independente e atuante em sua comunidade. Sendo assim, o ensino à distância pode ser considerado como mais um meio capaz de impulsionar a democracia e a prática da cidadania através do fomento da participação dos indivíduos nos negócios públicos. Palavras-chave: ensino a distância, cidadania, políticas públicas Introdução As políticas públicas refletem a ação direita do Estado na sociedade e
têm como objetivo principal a promoção do bem comum, sendo este entendido
como uma ação coletiva para alcançar interesses que são comuns à totalidade
dos indivíduos e que seja capaz de conquistar benefícios.
A política pública de educação a distância tem como objetivo a
democratização da educação, impulsionando a formação superior em todo o
país, priorizando a formação inicial e continuada de professores da rede
pública do ensino médio (BRASIL, 2006). Como principal contribuição desta
modalidade de ensino, destaca-se a possibilidade que o indivíduo possui de ter
acesso à educação e ao saber socialmente produzido sem ter que deixar seu
entorno familiar, incentivando-o, através da aprendizagem autônoma, a se
tornar sujeito ativo e atuante também em sua comunidade (ROCHA, 2010).
A educação contribui no processo de efetivação da cidadania na medida
em que exerce sua função questionadora das práticas sociais por meio das
reflexões político-pedagógicas (PIMENTEL, 2006).
Para tal investigação, este ensaio teórico apresenta um panorama que
diz respeito ao ensino a distância no mundo e no Brasil. Posteriormente, foi
apresentada a política pública de ensino a distância no país através da
demonstração de suas principais leis e objetivos e, finalmente, foi destacada a
contribuição da educação no fomento das práticas cidadãs no país.
Assim, o presente artigo pretende inferir sobre o real alcance da política
pública de ensino a distância para a formação de cidadãos ou se esta
modalidade se constitui em mais uma prática de ensino de massa promovida
pelo Estado com o objetivo apenas de aumentar o grau de escolaridade no
país.
O Ensino à Distância
O Ensino à distância (EAD) se fundamenta como um processo de
ensino-aprendizagem mediado por tecnologias onde professores e estudantes
estão separados no tempo e no espaço (MORAN, 2002). A intermediação da
aprendizagem ocorre pela interação entre professores e estudantes por meio
das tecnologias, principalmente, a Internet, correio, rádio e televisão.
De acordo com os conceitos de Keegan e Peters o ensino a distância é
conceituado como um método racional de partilha de conhecimentos,
habilidades e atitudes baseado nos princípios organizacionais e na divisão do
trabalho, onde as condutas dos professores e alunos acontecem em momentos
diferenciados e a comunicação é mediada, principalmente, pela Internet, rádio,
televisão com o objetivo de instruir um grande número de estudantes ao
mesmo tempo, se configurando numa forma industrializada de aprender
(NUNES, 2002).
Assim, os principais elementos definidores do ensino à distância são: a
separação entre aluno e professor, a necessidade de uma instituição de
educação na produção dos materiais para aprendizado, a obrigatoriedade de
realização de seminários presenciais ocasionais, configurando a forma mais
industrial da educação.
A crescente demanda por educação devido não somente à expansão populacional como sobretudo pelas lutas de classes trabalhadoras por acesso à educação, ao saber socialmente produzido, concomitantemente com a evolução dos conhecimentos científicos e tecnológicos está exigindo mudanças a nível da função e da estrutura da escola e da universidade (PRETI, 1996, p.16).
Dessa forma, o EAD se tornou uma alternativa para a educação e
formação de adultos, tendo como suporte a evolução tecnológica, e
considerando os aspectos sócio-econômicos e culturais das comunidades.
Nesse caso, o orientador é um intermediário neste processo de ação-reflexão-
ação que tem por objetivo associar teorias e práticas no processo de ensino
aprendizagem.
O Ensino à distância (EAD) apresenta uma dinâmica de aprendizagem
continuada que favorece o indivíduo no sentido de incentivá-lo a ser sujeito
ativo de sua aprendizagem, ou seja, possibilita o mesmo a tornar-se autodidata
em suas práticas e reflexões, contribuindo para sua autonomia enquanto
sujeito.
Desta forma, este método de ensino se apresenta como mais um
alternativa para atender às parcelas da sociedade que, por vários motivos, se
encontram excluídas do ensino presencial, mas que demandam uma formação
permanente.
O uso das tecnologias é importante para romper, principalmente, as
distâncias que, em alguns casos são dificultadores do acesso à educação, e na
divulgação das informações com maior rapidez.
O EAD, neste sentido, como prática educativa se diferencia da modalidade de ensino presencial, sendo uma alternativa pedagógica de grande alcance, que utiliza novas tecnologias para atingir os objetivos propostos, considerando as necessidades das populações, promovendo o autodidatismo e a aprendizagem independente e flexível em qualquer nível (ROCHA, 2010, p.17).
A comunicação bidirecional, ou seja, de mão dupla incentivada pelo
ensino à distância, segue a perspectiva de Freire (1996) ao consolidar o
entendimento de que o estudante não é apenas um receptor de
conhecimentos, sendo necessário o fomento do diálogo, as críticas e a
participação ativa do aluno nas relações de ensino e aprendizagem.
O desenvolvimento do EAD se deu a partir da necessidade social de
preparar os indivíduos, cultural e profissionalmente, que se encontravam
impedidos de frequentarem o ensino presencial, mas que necessitavam de tal
formação para se desenvolverem socialmente.
O ensino à distância desenvolveu seu primeiro formato no século XIX,
mas somente nas duas últimas décadas é que a mesma se destacou como
mais um recurso pedagógico. O crescimento de uma ação institucionalizada de
educação a distância teve início a partir da metade do século XIX. Vale dizer
que ao final da primeira Guerra Mundial desenvolveram-se novas iniciativas de
ensino a distância devido à grande demanda social por educação na época
(PIMENTEL, 2006).
Cerca de 80 países nos cinco continentes desenvolvem o ensino à
distância em todos os seus níveis de ensino, de forma pública ou privada. O
quadro abaixo exemplifica o início e a disseminação das práticas de educação
à distância pelo mundo.
País Contribuição
Suécia Primeira experiência em 1833 no curso de Contabilidade
Inglaterra Iniciou suas práticas em EAD no ano de 1840 e fundou a Open University, em 1962, que auxilia outras nações no fomento de práticas de educação a distância de qualidade
Alemanha Fundou seu primeiro instituto de línguas por correspondência em 1856
EUA Iniciaram nas práticas em EAD com a criação da Illinois Weeleayan University, em 19874
Paquistão Fundaram a Universidade Aberta de Allma Iqbal, em1974, para a formação de docentes
Sri Lanka Fundaram a Universidade Aberta de Sri Lanka, em 1980, com cursos de formação tecnológica e de docentes
Tailândia Conta com 400.000 estudantes em diferentes setores através da Universidade Aberta Sukhothiai Thommathirat
Indonésia A Universidade de Terbuka, criada em 1984, atende à formação superior
Índia Criou a Universidade Nacional Aberta Indira Ghandhi, em 1985, para atender a demanda de ensino superior
Austrália É o que mais investe em EAD, mas não tem nenhuma universidade especializada nesta modalidade
México Iniciou seu programa de ensino a distância em 1972 com o programa da Universidade Aberta que faz parte da Universidade Autônoma do
México
Costa Rica Foi criada a Universidade Estadual a Distância da Costa Rica em 1977
Colômbia Criou a Universidade Estatal Aberta e a Distância da Colômbia em 1983
Quadro 1: O ensino à distância pelo mundo Fonte: baseado em Pimentel, 2006
Cada localidade tem um perfil de estudante e uma demanda de ensino
que está diretamente interligada ao desenvolvimento social e econômico da
comunidade. Dessa forma, não é possível seguir um modelo padrão de
educação à distância, é preciso observar as necessidades educacionais de
cada população, o apoio político e social e o desenvolvimento das tecnologias
de comunicação e informação para que sejam criadas formas metodológicas,
projetos e estruturas compatíveis com as realidades apresentadas (PIMENTEL,
2006).
Assim, é possível inferir diante desta primeira análise que o ensino à
distância foi utilizado, primeiramente, como recurso para superação das
deficiências educacionais e visava a qualificação profissional, o
aperfeiçoamento e/ou atualização do conhecimento. Atualmente, esta
modalidade é usada, principalmente, como complemento às demais formas de
ensino.
O Ensino à Distância no Brasil
Na qualidade de prática educativa o EAD tem como principais objetos a
democratização da educação, promover a aprendizagem autônoma
relacionada à experiência e incentivar a educação permanente por meio de um
ensino de qualidade.
O processo de democracia contempla o exercício dos direitos sociais, as
políticas públicas estatais quando as mesmas buscam a redução das
desigualdades sociais e, principalmente, o exercício da cidadania participativa
onde o indivíduo passa a ser atuante nas decisões dos negócios públicos
(PEREIRA, 2011).
A democracia é discutida a cerca de 2.500 anos, em períodos de
extinção e ressurgimento o que demonstra sua característica gradativa de
crescimento. “O rumo da história democrática mais parece uma trilha de um
viajante atravessando um deserto plano e quase interminável, quebrada
apenas por alguns morrinhos, até finalmente iniciar a longa subida até a altura
no presente” (DAHL, 2001, p.19).
Desta forma, Dahl (2001) afirma que a democracia foi inventada mais de
uma vez e em diferentes lugares, sempre em que se formaram condições
favoráveis. Estas condições são denominadas pelo autor como a lógica da
igualdade que se constitui “quando um determinado número de membros de
uma comunidade vejam-se como bastante iguais, estando bem qualificados
para dar uma palavra em seu governo” (DAHL, 2001, p. 20).
Sendo assim, o ensino à distância contribui para a democracia no
momento em que a mesma concorre para a redução das desigualdades, na
emancipação e no fomento de práticas cidadãs por meio da educação, que se
revela como uma política pública prioritária no Brasil.
Diversos autores se dividem entre o entusiasmo, a descrença e a resistência em relação ao EAD, mas num ponto todos concordam: é inegável seu potencial para a inclusão de parte considerável da população educacional do Brasil e do mundo (PIMENTEL, 2006, p. 30).
Esta inclusão está diretamente ligada à possibilidade dada ao indivíduo
de se profissionalizar ou desenvolver sua educação de forma continuada sem
ter que sair do seu entorno familiar, tendo a possibilidade de se tornar um
agente de transformação de sua comunidade.
O Brasil possui um histórico positivo com relação ao fomento do ensino
à distância, destacando-se as iniciativas do Instituto Rádio Monitor e do
Instituto Universal Brasileiro, em 1939. É importante salientar que as
instituições dedicadas ao ensino superior não tiveram nenhuma relação com o
ensino à distância até o final do século XX.
O marco do EAD no país foi o fomento do ensino via correspondência,
no ano de 1904, meio pelo qual as instituições privadas ofertavam cursos
técnicos profissionalizantes sem a necessidade de que o aluno possuísse
qualquer formação anterior.
Os cursos supletivos realizados pela modalidade à distância começaram
a ser efetivados nas décadas de 70 e 80 por fundações privadas e ONGs,
utilizando-se de vídeo aulas gravadas e materiais impressos. Tal fato inaugurou
a segunda geração de ensino à distância no Brasil. A década de 90 foi
marcada pela inserção das instituições de ensino superior no ensino à distância
tendo como fator relevante a popularização da internet, a partir de 1994,
contribuindo para impulsionar esta modalidade de ensino no país (PIMENTEL,
2006).
O quadro a seguir demonstra a disseminação do ensino à distância no
Brasil até a criação da Universidade Aberta do Brasil (UAB).
Ano Projeto
1904 Cursos por correspondência oferecidos por escolas internacionais privadas
1934 Roquete-Pinto instalou a Rádio-Escola Municipal que possibilitou os alunos a ter acesso prévio a folhetos e esquemas de aulas
1939 Surgiram o Instituto Universal Brasileiro em São Paulo e o Instituto Rádio Monitor
1941 Ano de criação da primeira Universidade do Ar, que durou dois anos
1947 Criação da Nova Universidade do Ar, patrocinada pelo SENAC, SESC e emissoras associadas
1961/65 Movimento de Educação de Base (MEB), projeto que envolveu Igreja Católica e Governo Federal que utilizava um sistema de rádio-educativo para promover a educação, a conscientização, a politização, a educação sindicalista, etc.
1970 Criação do projeto Minerva, uma parceria entre a Fundação Padre Landell de Moura e Fundação Padre Anchieta para a produção de textos e programas
1972 O Governo Federal enviou à Inglaterra um grupo de educadores cujo relatório final marcou uma posição reacionária, sendo grande obstáculo para a implantação da Universidade Aberta do Brasil
Década de 70 Destaque para a Fundação Roberto Marinho como a programação da educação supletiva a distância para 1º e 2º graus.
1992 Criação da Universidade Aberta do Brasil para a promoção de cursos específicos de acesso a todos, educação continuada e ensino superior englobando tanto graduação como a pós-graduação.
Quadro 2: A disseminação do ensino à distância no Brasil Fonte: baseado em Pimentel, 2006.
É importante destacar que as experiências de educação à distância no
país demandaram um grande contingente de recursos, porém, estes
procedimentos do passado não foram suficientes para gerarem um processo
de aceitação, tanto do governo quanto da sociedade, desta modalidade de
ensino (PIMENTEL, 2006). No entanto, a realidade brasileira mudou e o
governo criou leis para regular a modalidade de ensino a distância em todo o
país.
A política pública de ensino à distância no Brasil
As organizações públicas causam grande impacto em nossas vidas, seja
na qualidade de vida dos cidadãos ou de uma coletividade. Na perspectiva de
Denhart (2011) as políticas são resultados da atividade governamental e, por
esta razão, sua formulação e implementação são questões relacionadas
diretamente aos processos políticos.
A política é concebida, finalmente, como a teoria política ou o conhecimento dos fenômenos ligados à regulamentação e ao controle da vida em sociedade, como também à organização, ao ordenamento e à administração das jurisdições político-administrativas (HEIDEMANN E SALM, 2009, p. 29).
Para alguns autores o estudo das políticas públicas significa estudar o
campo prático da Administração Pública, ou seja, o Estado em ação
(ARRETCHE, 2003). Desta forma, a política pública está diretamente
relacionada com a análise política, onde a primeira se constitui nas ações que
o governo decide ou não fazer, e a segunda representa a análise dos impactos
de determinada política, ou seja, qual a sua relevância social (DENHART,
2011).
Sendo assim, a partir da abordagem da política pública de ensino à
distância do Brasil, focaliza-se em sua análise política, buscando visualizar qual
o alcance desta política pública para a formação dos cidadãos.
O estudo da política pública pode enfocar tanto as causas das políticas específicas- isto é, as circunstâncias políticas, sociais ou econômicas que criaram determinados tipos de políticas- quanto as consequências das políticas – por exemplo, o efeito que certa política terá sobre um tipo particular de problema (DENHART, 2011, 167).
A causa principal da elaboração de uma política pública é a promoção
do interesse público que se caracteriza por ações que proporcionam o bem
comum à coletividade e aos particulares ao mesmo tempo, no sentido de
auferir benefícios.
Assim, a Universidade Aberta do Brasil tem como principais objetivos,
com a efetivação do ensino à distância, a promoção do interesse público no
sentido de dar prioridade na oferta de cursos de licenciatura, formação inicial e
continuada para professores da educação básica; oferecer cursos superiores
para os indivíduos que trabalham diretamente nas esferas públicas dos
estados, distrito federal e município; ofertar cursos superiores privilegiando
diferentes áreas de conhecimento; ampliar o acesso à educação superior
pública; reduzir as desigualdades de oferta de ensino superior entre as regiões
do país e fomentar a pesquisa e o desenvolvimento de novas tecnologias que
contribuam com a inovação e dinamização do ensino a distância (BRASIL,
2006).
A primeira legislação sobre o ensino à distância surgiu durante a reforma
educacional no país, no ano de 1996, presente na Lei de Diretrizes Básicas
(Lei 9394/96) que oficializou o ensino à distância como uma modalidade válida
para todos os níveis de ensino, educação continuada e, principalmente, como
política nacional de fomento à educação que deve ser incentivada pelo poder
público.
A Lei de Diretrizes Básicas (LDB) tem como principal finalidade definir as
bases para todo o processo de formação educacional no Brasil, em todos os
seus níveis e também é base para a formação de professores.
Sendo assim, o ensino à distância tem função de destaque no
atendimento das exigências impostas pela LDB no que diz respeito à formação
de professores. Segundo as exigências desta lei, a partir do ano de 2006 todos
os professores contratados para lecionarem no ensino médio da rede pública
devem ter obrigatoriamente o terceiro grau concluído.
Essa exigência revelou uma grande demanda com relação a esta
formação de professores e, por isso, o governo impulsionou a criação de
cursos à distância para garantir a formação destes professores, ofertando as
licenciaturas através dos programas da Universidade Aberta do Brasil. Este
fato pode ser considerado como um exemplo da função social da EAD na
medida em que esta busca proporcionar uma formação de qualidade, por
intermédio das universidades públicas conveniadas à UAB, para aqueles
professores que não conseguem frequentar o ensino presencial por estarem
distantes dos pólos educacionais, por exemplo.
Para que as mudanças educacionais ocorram é preciso que os cursos
de formação de docentes sejam compatíveis com o momento histórico,
principalmente, no que diz respeito às suas bases pedagógicas. Desta forma,
dado aos enormes contrastes sociais no país, é necessário a formação de
grupos multidisciplinares a criação dos materiais do ensino à distância.
No ano de 1998, o Ministério da Educação (MEC) estabeleceu decretos
e portarias que complementam a LDB, delimitando procedimentos principais de
condução das políticas de educação à distância no país.
O decreto 2494 de 10 de fevereiro de 1998 estabelece em seu artigo 1º que a
educação a distância é uma forma de ensino que possibilita a auto-aprendizagem, com a mediação de recursos didáticos sistematicamente organizados, apresentados em diferentes suportes de informação, utilizados isoladamente ou combinados, e veiculados pelos diversos meios de comunicação.
Este decreto regulamenta a oferta dos programas de ensino a distância,
ou seja, seus requisitos, objetivos e diretrizes curriculares. Trata, também,
sobre o credenciamento das instituições federais de ensino nos programas de
EAD, como também os fatores que geram o descredenciamento.
O decreto 2561 de 27 de abril de 1998 delega ao Ministro da Educação
e do Desporto a competência para promover os atos de credenciamento das
instituições federais, tecnológicas e demais sistemas. Estabelece, também, a
competência da autoridade integrante dos demais sistemas de ensino em
promover os atos de credenciamento localizados no âmbito de suas atribuições
no que diz respeito à oferta de cursos de educação à distância que
contemplem a educação de jovens e adultos, ensino médio e tecnológico.
A portaria 301 de 07 de abril de 1998 foi criada para normatizar os
processos de credenciamento de instituições para cursos de graduação e
tecnológicos à distância.
O decreto 5800 de 8 de junho de 2006 foi responsável pela instituição
do sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB) que tem como meta
desenvolver o ensino à distância no país, regulando e monitorando a oferta de
cursos e programas de educação superior.
É necessário sinalizar para o outro viés que permeia as práticas de
ensino à distância no país, gerando um impacto negativo, que a percepção da
mesma como mais um “negócio”, não primando pela qualidade do ensino e,
segundo Pimentel (2000, p.31) “muitos instrumentos públicos têm contribuído
para a evolução deste “negócio”, e várias práticas de universidades públicas e
particulares também o reforçam”.
Esta visão contribui para o desvirtuamento das propostas de EAD e para
a vulgarização do ensino no sentido de ser relacionado como de pouco
conteúdo e ser direcionado para o consumo rápido das massas. O sentido real
do ensino à distância é promover o ensino de massa, ou seja, a possibilidade
de um maior número de pessoas terem acesso a um ensino superior de
qualidade e não a mera venda de diploma (PIMENTEL, 2000).
De um modo geral, as políticas públicas devem buscar o atendimento do
bem comum contribuindo para a democracia que só terá legitimidade quando a
Administração Pública conseguir promover o valor individual, a igualdade entre
todos os cidadãos e a participação universal (DENHART, 2011).
Educação e cidadania no Brasil
A efetivação da cidadania é de grande relevância no país devido ao seu
caráter democrático, ou seja, pela primazia do regime em que os cidadãos
participam dos processos decisórios.
“A construção da cidadania tem a ver com a relação das pessoas com o
Estado e com a nação. As pessoas se tornavam cidadãos na medida em que
passavam a se sentir parte de uma nação e de um Estado” (CARVALHO, 2002,
p. 12). Desta forma, a educação contribui neste processo na medida em que
exerce sua função questionadora das práticas sociais por meio das reflexões
político-pedagógicas.
A cidadania no Brasil se deu por meio de uma lógica inversa com
relação à criação da cidadania na Inglaterra, por exemplo, porque contemplou
primeiro os direitos sociais e, posteriormente, os direitos políticos e civis
(CARVALHO, 2002).
Pinsky (2008, p.09) explica que:
ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei: é, em resumo, ter direitos civis. É também participar no destino da sociedade, votar, ser votado, ter direitos políticos.
Para que um indivíduo alcance a cidadania plena é necessário que ele
possua direitos civis, políticos e sociais. Esses direitos sociais são aqueles
inerentes ao indivíduo enquanto membro de uma coletividade, por exemplo,
direito à educação, trabalho, salário justo, saúde, dentre outros.
É possível dizer que o conceito e a prática da cidadania vêm sendo
alterado ao longo dos últimos trezentos anos. Isso se dá pela maior ou menor
abertura do estatuto de cidadão, ampliando ou não este rol de direitos e,
principalmente, pelo grau de participação política de diferentes grupos, como
também a proteção social oferecida pelo Estado (Pinsky, 2008).
[...] Se os direitos civis garantem a vida em sociedade, se os direitos políticos garantem a participação no governo da sociedade, os direitos sociais garantem a participação na riqueza coletiva. Eles incluem o direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, à aposentadoria [...] (CARVALHO, 2002, p.10).
Nesta perspectiva de Carvalho (2002) a educação faz parte do rol dos
direitos sociais, constituindo-se em condição primordial para a construção da
cidadania, e se destaca por possibilitar ao indivíduo sua emancipação
enquanto sujeito questionador, independente e atuante em sua comunidade.
A Constituição Federal criada em 1988, chamada de Constituição
Cidadã, é fruto de diversas lutas dos movimentos sociais pró-constituinte que
ocorreram nos anos de 1985 a 1988, que nas palavras de Versiani (2009, p.01)
“procuraram balizar a sua influência como elemento de afirmação de uma nova
cidadania política no país”.
O art. 24 do Regimento Interno da Constituinte estabeleceu as
chamadas “emendas populares” que tornaram mecanismo de participação dos
movimentos populares em lutas políticas para delimitar os novos paradigmas
sociais do país. Como exemplo é possível citar as lutas dos grupos sindicais
em São Bernardo do Campo nos anos de 1978 a 1980 que, diante da
insatisfação social e a crise econômica no regime militar, lutaram pelo rearranjo
do sindicalismo como também pelas Diretas.
A participação maciça destes movimentos marcou o surgimento de
novos atores sociais que lutaram pela inclusão de novos direitos que
promovessem diretamente tanto a democracia quanto a cidadania.
Os mecanismos de participação popular conquistados, apesar das insuficiências significativas e das dificuldades de organização, fazem parte ativa dos caminhos para que os interesses dos movimentos sociais sejam ouvidos e interfiram diretamente nos centros de poder político. Sendo assim, tanto os movimentos quanto os mecanismos de participação popular foram e ainda o são instrumentos privilegiados na luta pela expansão da cidadania no Brasil (BRANDÃO, 2009, p.16).
O ponto central é que a Constituição de 1988 promoveu a questão
social, combatendo as desigualdades formais, ou seja, aquelas que estavam
presentes nas Constituições anteriores como, por exemplo, o art. 5º, I deste
mesmo diploma legal que diz sobre a igualdade de homens e mulheres em
direitos e obrigações.
Porém, mesmo diante de todo avanço legislativo de reconhecimento da
cidadania, a sociedade brasileira de um modo geral ainda não internalizou tal
conceito, muitas vezes esquecido diante das situações do cotidiano.
Dentro deste conceito de formação e prática da cidadania, a Educação
torna-se grande aliada já que constitui um espaço permanente de produção
social, capaz de promover uma reflexão político-pedagógica debatendo
questões morais e éticas mesmo estando inserida dentro de uma cultura
dominada pelas elites econômicas.
A educação para a cidadania constitui um conjunto complexo que abraça, ao mesmo tempo, a adesão a valores, a aquisição de conhecimentos e a aprendizagem de práticas na vida pública. Não pode, pois, ser considerada como neutra do ponto de vista ideológico (DELORS, 2008).
Esta idéia corrobora com a abordagem da educação, formal ou informal,
de crianças, jovens e adultos para uma cultura de reflexão e sistematização de
práticas sociais que possam transformar suas realidades.
A Educação é capaz de resgatar valores de solidariedade, de respeito às
diferenças éticas e sociais, de desenvolver a necessidade de preservação do
meio ambiente e o conhecimento dos direitos humanos.
A ampliação do acesso à escola por meio do ensino à distância, por
exemplo, é um meio importante de diminuição da desigualdade sócio-cultural e,
por isso, é inadmissível que apenas alguns privilegiados tenham a chance de
se desenvolverem por tais práticas educativas que tenham por objetivo a
formação de um cidadão.
Neste sentido Freire (2001, p.13) diz sobre
[...]o quão violenta é a política da Cidade, como Estado, que interdita ou limita ou minimiza o direitos das gentes, restringindo-lhes a cidadania ao negar educação para todos. [...] Enquanto educadora, a Cidade é também educanda. Muito de sua tarefa educativa implica a nossa posição política e, obviamente, a maneira como exerçamos o poder na Cidade e o sonho ou a utopia de que embebamos a política, a serviço de que e de quem a fazemos. A política dos gastos públicos, a política cultural e educacional, a política de saúde, a dos transportes, a do lazer [...].
Assim, na perspectiva da Educação, a cidadania precisa ser entendida
como um processo de formação do homem onde este, como sujeito social, por
meio da ação e reflexão torna-se responsável pela modificação de sua
realidade lutando por melhores condições por meios de ações concretas que
visem o bem estar de toda coletividade.
Considerações Finais As políticas públicas correspondem à intervenção direta do Estado na
sociedade com o objetivo de promover o bem comum. A política pública de
ensino à distância, como já dito neste estudo, foi desenvolvida para suprir a
demanda do ensino superior no país e, principalmente, pela necessidade de
qualificação dos professores de ensino médio da rede pública de ensino. Tal
fato faz desta modalidade educacional uma prática que contribui diretamente
para a democratização da educação no Brasil.
Pela perspectiva de Denhart (2011) no que diz respeito à análise
política, ou seja, a análise dos impactos da política de ensino à distância é
possível destacar que a mesma se configura como um ensino de massa
porque consegue atingir um grande número de estudantes ao mesmo tempo e
pode ser considerada também como mais um meio capaz de impulsionar a
prática da cidadania já que esta modalidade de ensino é considerada como
mais um meio de democratização da educação que possibilita ao indivíduo ter
acesso á educação sem ter que deixar sua comunidade, além de incentivar sua
aprendizagem autônoma e sua transformação enquanto sujeito ativo, ou seja,
atuante em sua comunidade.
Pela análise do Decreto 5800 de 2006, que institucionaliza a
Universidade Aberta do Brasil, percebe-se o foco na formação de professores e
na expansão dos cursos superiores em geral, posição esta adotada para tentar
suprir a carência social por educação no país.
O ensino à distância articula a preparação profissional com o
desenvolvimento social, seguindo a perspectiva de Freire (1996) que destaca o
processo de ensino- aprendizagem como uma via de mão dupla capaz de
fomentar a crítica e a participação dos sujeitos envolvidos nas questões que
dizem respeito ao seu entorno.
A democracia abarca a necessidade de participação dos indivíduos nos
negócios públicos, segundo Dahl (2001), e o ensino à distância concorre para a
redução das desigualdades nesta participação na medida em que é capaz de
promover a emancipação do indivíduo através do aumento do acesso à
educação superior.
Desta forma, o EAD articula-se com a cidadania na medida em que
fornece elementos para que o indivíduo seja questionador de suas práticas por
meio de reflexões e posterior intervenção no meio social onde o mesmo está
inserido. É necessário destacar que a educação é um espaço permanente de
reflexão e produção social onde são debatidas questões morais e éticas sendo
capaz de envolver toda comunidade, dando possibilidade de ampliação da
participação política.
Porém, é necessário ressaltar que a percepção do ensino à distância
como apenas um negócio concorre para o desvirtuamento de seus paradigmas,
onde os cursos não têm qualidade e o único objetivo é o lucro. O EAD, neste
sentido, não passa de mera venda de diplomas além de perder seu caráter de
política pública. E, quando analisado nesta perspectiva, o ensino a distância se
mostra incapaz de formar sujeitos conscientes de sua responsabilidade como
atores sociais transformadores da realidade de suas comunidades.
Referências Bibliográficas
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