hÁ endogeneidade no acesso Às polÍticas de desenvolvimento tecnolÓgico e exportador no brasil?*

31
Rev. Econ. Contemp., Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 39-68, jan-abr/2013 39 HÁ ENDOGENEIDADE NO ACESSO ÀS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO E EXPORTADOR NO BRASIL? * Graziela Ferrero Zucoloto a Mauro Oddo Nogueira b Daniel da Silva Grimaldi c Flávio Lyrio Carneiro d RESUMO: Este artigo analisa a relação entre três estudos realizados com o objetivo de avaliar políticas públicas selecionadas de apoio à exportação e ao desenvolvimento tec- nológico, discutindo como incentivos governamentais podem resultar no apoio a agen- tes que já realizam as atividades a serem apoiadas. As políticas em questão se referem à promoção às exportações; a incentivos fiscais à pesquisa e desenvolvimento (P&D) concedidos no âmbito da Lei do Bem; e à dinâmica das parcerias tecnológicas entre institutos de ciência e tecnologia (ICT) e empresas do setor de informática, desenvol- vidas a partir dos créditos oferecidos pelo Fundo Setorial de Tecnologia da Informação (CT-Info). A partir dos resultados dessas três análises, observa-se a identificação de um quadro de endogeneidade decorrente de suas concepções e implementações que impede sua disseminação como veículos de dinamização da economia como um todo. PALAVRAS-CHAVE: Exportação; tecnologia; políticas públicas. CLASSIFICAÇÃO JEL: O2. * Artigo recebido em 06/12/2011 e aprovado em 23/04/2013. a Doutora em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e técnica de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Contato: [email protected]. b Doutor em Engenharia de Sistemas e Computação (UFRJ) e técnico de planejamento e pesquisa do IPEA. Contato: [email protected]. c Mestre em Economia pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA/ USP) e economista do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Contato: [email protected]. d Estudante do Mestrado em Economia da Universidade de Brasília (UnB) e técnico de planejamento e pesquisa na Diretoria de Estudos e Relações Econômicas e Políticas Internacionais (Dinte) do IPEA. Contato: fl[email protected].

Upload: jailson-figueiredo

Post on 17-Dec-2015

8 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

  • Rev. Econ. Contemp., Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 39-68, jan-abr/2013 39

    H ENDOGENEIDADE NO ACESSO S POLTICAS DE DESENVOLVIMENTO

    TECNOLGICO E EXPORTADOR NO BRASIL?*

    Graziela Ferrero ZucolotoaMauro Oddo Nogueirab

    Daniel da Silva GrimaldicFlvio Lyrio Carneirod

    RESUMO: Este artigo analisa a relao entre trs estudos realizados com o objetivo de avaliar polticas pblicas selecionadas de apoio exportao e ao desenvolvimento tec-nolgico, discutindo como incentivos governamentais podem resultar no apoio a agen-tes que j realizam as atividades a serem apoiadas. As polticas em questo se referem promoo s exportaes; a incentivos fiscais pesquisa e desenvolvimento (P&D) concedidos no mbito da Lei do Bem; e dinmica das parcerias tecnolgicas entre institutos de cincia e tecnologia (ICT) e empresas do setor de informtica, desenvol-vidas a partir dos crditos oferecidos pelo Fundo Setorial de Tecnologia da Informao (CT-Info). A partir dos resultados dessas trs anlises, observa-se a identificao de um quadro de endogeneidade decorrente de suas concepes e implementaes que impede sua disseminao como veculos de dinamizao da economia como um todo.

    PALAVRAS-CHAVE: Exportao; tecnologia; polticas pblicas.

    CLASSIFICAO JEL: O2.

    * Artigo recebido em 06/12/2011 e aprovado em 23/04/2013.a Doutora em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e tcnica de planejamento e

    pesquisa do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA). Contato: [email protected] Doutor em Engenharia de Sistemas e Computao (UFRJ) e tcnico de planejamento e pesquisa do IPEA.

    Contato: [email protected] Mestre em Economia pela Faculdade de Economia e Administrao da Universidade de So Paulo (FEA/

    USP) e economista do Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES). Contato: [email protected].

    d Estudante do Mestrado em Economia da Universidade de Braslia (UnB) e tcnico de planejamento e pesquisa na Diretoria de Estudos e Relaes Econmicas e Polticas Internacionais (Dinte) do IPEA. Contato: [email protected].

  • 40 Rev. Econ. Contemp., Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 39-68, jan-abr/2013

    ENDOGENEITY IN THE ACCESS OF TECHNOLOGICAL AND EXPORT POLICIES

    IN BRAZIL

    ABSTRACT: This paper analyses selected public policies that support exports and tech-nological development. First it analyses selected instruments to promote exports, then the fiscal incentives to support R&D and, at last, the technological partnership between science and technology institutes and enterprises of the computer industry. Finally, it analyses wheter the evaluated policies are able to achieve their objectives.

    KEYWORDS: Exports; technology; public policy.

  • ZUCOLOTO, G. F.; NOGUEIRA, M. O.; GRIMALDI, D. S.; CARNEIRO, F. L. H endogeneidade no acesso s polticas polticas de... 41

    1. INTRODUO

    Os anos recentes da vida econmica brasileira tm sido marcados por uma postura mais ativa por parte do Estado, que resultou, entre outras aes, em incremento ao fomento das atividades produtivas. Argumenta-se que, ao estimularem determinados setores ou prticas empresariais, essas polticas sejam capazes, por efeitos de arraste ou de transbordamentos, de dinamizar a economia como um todo. Do ponto de vista ins-trumental, tais aes caracterizam-se basicamente pela oferta de crditos subsidiados (ou mesmo a fundo perdido) e pela concesso de benefcios fiscais.

    Diante do atual contexto da economia mundial, a ao governamental concentra sua ateno em elementos integrados, considerados promotores fundamentais do dinamis-mo econmico: insero qualificada no mercado internacional e desenvolvimento da capacidade de inovao, visando aumentar o valor agregado da produo. No sentido de impulsion-los, dois desafios so colocados para os formuladores de polticas pbli-cas: i) desenvolver instrumentos de incentivo que aumentem a propenso das empresas de inovarem e exportarem; e ii) facilitar a realizao dessas atividades, aumentando, desse modo, a competitividade das empresas. Em outras palavras, criar instrumentos e mecanismos de atratividade que disseminem essas prticas atravs da estrutura produ-tiva do pas, de modo a aumentar o contingente de empresas que as adotam; e oferecer benefcios que auxiliem as empresas que j o fazem a transformarem tais prticas em efetivas vantagens competitivas.

    Este texto analisa, de forma associada, os resultados de trs estudos sobre polticas de apoio exportao e desenvolvimento tecnolgico. Primeiramente, so analisados instrumentos selecionados de promoo das exportaes: incentivos fiscais (drawback) e financeiros, a saber, Exim, do BNDES, e Proex, do Banco do Brasil (Grimaldi e Carneiro, 2010). A seguir, examinam-se os incentivos fiscais pesquisa e desenvolvimento (P&D) concedidos no mbito da Lei do Bem (Zucoloto, 2010). Por fim, avalia-se a dinmica das parcerias tecnolgicas entre institutos de cincia e tecnologia (ICT) e empresas do setor de informtica desenvolvidas a partir dos crditos oferecidos pelo Fundo Setorial de Tecnologia da Informao (CT-Info) (Nogueira, Kubota e Milan, 2011), componente do Fundo Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (FNDCT).

    Este trabalho tem por objetivo comparar os resultados alcanados pelos estudos mencionados, aprofundando o debate sobre polticas pblicas no pas. No processo de avaliao de polticas que, ao buscarem estimular atividades ou setores especficos, esta-belecem mecanismos que selecionam os agentes econmicos que delas se beneficiaro, de fundamental importncia que se tenha em conta sua capacidade de permanecer acessvel a todos os agentes para os quais so elegveis.

  • 42 Rev. Econ. Contemp., Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 39-68, jan-abr/2013

    Conforme se ver, os estudos aqui considerados apontam sinais de que essas aes governamentais, em que pese seus resultados positivos, no vm alcanando o objetivo de dinamizar a economia como um todo. Assim, aps apresentar os resultados alcan-ados na anlise de cada um dos instrumentos mencionados, na parte final discute-se em que medida as polticas avaliadas seriam capazes de atender a esse pressuposto, estimulando novos agentes a exportar e inovar no Brasil, e identificar a existncia de possveis caractersticas comuns a esses instrumentos e que seriam determinantes de um processo de endogenia em sua abrangncia.

    2. INsTRUmeNTOs De INCeNTIvO exPORTAO

    2.1. INTRODUO

    Com o processo de abertura comercial, iniciado no final dos anos 1980, e diante das frustraes quanto ao pfio desempenho econmico brasileiro, que perdurou at o incio dos anos 2000, as empresas brasileiras voltaram a enxergar nas exportaes um componente estratgico para a diluio de riscos (por meio da diversificao de mer-cados) e para o ganho de competitividade (mediante aprendizado e ganhos de escala). Esse esforo de conquista do mercado internacional se intensificou especialmente aps a desvalorizao cambial de 1999.

    Estimuladas por uma conjuntura internacional extremamente favorvel (princi-palmente a partir de 2002), de acelerado crescimento do comrcio internacional, bai-xa inflao e taxas de juros reais prximas a zero, ou negativas, nos principais pases desenvolvidos, as exportaes brasileiras atingiram o patamar de US$ 198 bilhes, em 2008. Comparado ao total exportado em 2002, esse nmero equivale a uma taxa de crescimento real anual de aproximadamente 18,4%, segundo dados do United Nations Commodity Trade Statistics Database (UNComtrade).

    Assim como a estratgia das firmas, a poltica externa adotada pelo Brasil passou a dar maior importncia promoo das exportaes. Consolidou-se, ao longo dos l-timos dez anos, a viso de que a promoo das exportaes deve ser o foco da poltica comercial. Atualmente, trs instrumentos se destacam como importantes polticas para promover as exportaes brasileiras. O primeiro o drawback, um regime aduaneiro diferenciado que permite a importao de peas, componentes e matrias-primas com iseno ou suspenso de diversos tributos, desde que esses insumos sejam usados na fa-bricao de bens destinados exportao. Esse o instrumento mais abrangente, tendo apoiado mais de 2.900 empresas no ano de 2007. Os outros dois so as linhas de finan-ciamento exportao de bens e servios oferecidos tanto pelo Banco do Brasil (BB) o Programa de Financiamento s Exportaes (Proex) quanto pelo BNDES o Exim.

  • ZUCOLOTO, G. F.; NOGUEIRA, M. O.; GRIMALDI, D. S.; CARNEIRO, F. L. H endogeneidade no acesso s polticas polticas de... 43

    O drawback, o Proex e o Exim, tomados em conjunto, assistiram 3.162 empresas em 2007. Esse nmero equivalente a mais de 15% das firmas exportadoras naquele ano. Por isso, podem ser caracterizados como os maiores instrumentos pblicos voltados promoo das exportaes. Diante disso, buscou-se responder seguinte pergunta: qual o perfil das empresas que mais tm feito uso destes trs instrumentos?

    A resposta possibilita que se avalie se o foco da poltica comercial tem sido con-gruente, na prtica, com os objetivos aos quais ela se prope. A partir do que se poderia chamar de sinalizaes por parte do governo federal, trs objetivos especficos foram considerados como mais relevantes na conduo da poltica comercial brasileira: i) ele-vao do nmero de empresas da base exportadora, meta da Poltica de Desenvolvimen-to Produtivo (PDP)1; ii) aumento da sofisticao tecnolgica da pauta comercial, tema recorrente nos discursos dos formuladores de polticas; e iii) estmulo s exportaes de micro, pequenas e mdias empresas (MPME)2.

    Nesse estudo se procurou observar em que medida o drawback, o Proex e o Exim tm atendido a essas demandas.

    2.2. DeseNHO DO esTUDO

    O estudo se apoiou na consolidao de quatro bancos de microdados: i) a Relao Anual de Informaes Sociais, do Ministrio do Trabalho e Emprego (Rais/MTE); ii) o Sis-tema Integrado de Comrcio Exterior (Siscomex), da Secretaria de Comrcio Exterior do Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior (Secex/MDIC); iii) uma base fornecida pelo MDIC; e iv) informaes cedidas pelo BNDES. As unidades de anlise so as firmas, identificadas pelo Cadastro Nacional de Pessoa Jurdica (CNPJ) a oito dgitos. O perodo cobre observaes anuais entre 2003 e 2007.

    A partir dessa base de dados consolidada, foram realizados dois tipos de anlises. Em um primeiro momento, as empresas presentes na base de dados todas as empre-sas que, de acordo com a base da Rais, possuem CNPJ ativo foram classificadas em cinco categorias: i) as que exportam sem fazer uso de nenhum dos trs instrumentos de poltica, denominadas exportadoras independentes; ii) as apoiadas pelo Exim; iii) as apoiadas pelo Proex-financiamento; iv) as apoiadas pelo Proex-equalizao; e v) as be-

    1 Um dos objetivos da PDP foi o aumento em 10% do nmero de empresas exportadoras at 2010 (Brasil/MDIC, s.d.).

    2 Explicitado como um dos desafios da PDP (Brasil/MDIC, s.d.).

  • 44 Rev. Econ. Contemp., Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 39-68, jan-abr/2013

    neficiadas pelo regime de drawback3. A Tabela 1 mostra o tamanho de cada um destes conjuntos na base de dados.

    Tabela 1 Nmero de empresas em cada subgrupo (valores absolutos e propores)

    Nmeros de Empresas

    2003 2004 2005 2006 2007

    Total 1.883.605 1.963.837 2.049.179 2.142.264 2.232.377

    Exportadoras 28.193 29.157 29.243 29.100 28.648

    Exportadoras independentes

    25.852 26.479 26.321 26.215 25.572

    Exim 375 159 171 152 135

    Proex financiamento 333 405 448 330 354

    Proex equalizao 42 35 25 29 30

    Drawback 2.006 2.409 2.655 2.711 2.924

    Proporo em Relao s Exportadoras (em Porcentagem)

    2003 2004 2005 2006 2007

    Total 66.811 67.354 70.074 73.617 77.924

    Exportadoras 1.000 1.000 1.000 1.000 1.000

    Exportadoras independentes

    0,917 0,908 0,900 0,901 0,893

    Exim 0,013 0,005 0,006 0,005 0,005

    Proex financiamento 0,012 0,014 0,015 0,011 0,012

    Proex equalizao 0,001 0,001 0,001 0,001 0,001

    Drawback 0,071 0,083 0,091 0,093 0,102

    Fonte: Elaborao prpria com base em dados de MDIC, BNDES e Rais/MTE.

    Aps a classificao das empresas, foram extradas as mdias de algumas variveis-chave, dentro de cada grupo, em busca de pistas a respeito do foco dos programas.

    A hiptese que apoia esse exerccio pode ser enunciada de maneira simples. Teo-ricamente, todas as empresas capazes de operar no mercado internacional so clientes potenciais dos instrumentos de promoo de exportao. Por conta disso, razovel supor que se as polticas fossem concedidas aleatoriamente, ou seja, sem nenhum foco, os perfis das firmas apoiadas e o das exportadoras independentes seriam muito seme-lhantes. Rigorosamente falando, no seria possvel identificar diferena estatstica nas mdias das principais variveis entre os grupos.

    3 A diviso proposta no cria, dentro da base de dados, conjuntos mutuamente excludentes. Uma empresa apoiada pelo BNDES-Exim pode tambm utilizar o drawback, por exemplo. Desse modo, o nmero de empresas que aparecem em cada categoria supera o total das exportadoras.

  • ZUCOLOTO, G. F.; NOGUEIRA, M. O.; GRIMALDI, D. S.; CARNEIRO, F. L. H endogeneidade no acesso s polticas polticas de... 45

    A segunda anlise se constituiu em um exerccio economtrico com o objetivo de validar as impresses produzidas na anlise anterior. Deve-se ressaltar que foram re-alizados dois grupos de estimaes4. As variveis explicativas foram: participao da empresa em cada um dos programas no ano anterior (representadas por dummies); nmero mdio de funcionrios no ano anterior (varivel em nvel) para servir como proxy de tamanho; valor exportado pela firma no ano anterior considerado zero, caso a firma no tenha exportado; nmero de trabalhadores qualificados (engenhei-ros, cientistas e pesquisadores) empregados pela firma; controles para localizao ge-ogrfica (representados por dummies regionais); e, por fim, uma varivel binria que assume o valor 1 (um) quando o setor de atividade considerado de mdia-alta ou alta intensidade tecnolgica, e zero caso contrrio. Dado o reduzido tamanho do programa Proex-equalizao, no foi possvel realizar qualquer estimao em painel tomando-o como dependente.

    2.3. ResULTADOs

    Os principais resultados obtidos sero resumidamente apresentados neste subitem5. A anlise das mdias das principais variveis apontou alguns fatos importantes. Em primeiro lugar, apareceram fortes indcios de que o Exim e o Proex-equalizao alcan-am prioritariamente as grandes empresas exportadoras. A anlise sugere, ainda, que o Proex-financiamento o instrumento mais acessvel para firmas menores ainda que os dados sinalizem que o porte mdio dentro desse programa seja maior do que aquele observado entre exportadoras independentes6.

    Alm disso, os dados relativos escolaridade da fora de trabalho e ao contingente empregado de pesquisadores, engenheiros e cientistas apontam para o fato de que as empresas apoiadas costumam empregar uma quantidade maior de profissionais mais qualificados. Os dados sobre a distribuio regional evidenciam que as firmas da re-gio Sul se beneficiam em maior grau dos mecanismos de promoo de exportaes

    4 Para maiores detalhes e tabelas com coeficientes estimados e estatsticas de teste, ver o anexo de Grimaldi e Carneiro (2010).

    5 As tabelas com todas as estatsticas descritivas elaboradas esto disponveis em Grimaldi e Carneiro (2010).6 Tal resultado era esperado, na medida em que o Proex-financiamento tem a inteno de privilegiar empre-

    sas de pequeno e mdio porte. A liberao de recursos para grandes exportadores submetida a uma srie de condicionalidades, e est restrita, basicamente, a operaes de venda a outros governos ou instituies governamentais. Para mais informaes, ver o art. 1o da Resoluo n. 35, de 2007, da Cmara de Comrcio Exterior (Camex).

  • 46 Rev. Econ. Contemp., Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 39-68, jan-abr/2013

    do que as firmas da regio Norte, o que pode significar que aquelas encontram maiores facilidades no acesso a tais mecanismos do que estas.

    Do ponto de vista do padro tecnolgico, o Exim e, principalmente, o Proex-equalizao parecem se concentrar em firmas de alta e mdia-alta intensidade tecnolgica7. O Proex-financiamento exibe uma tendncia de concentrao nos nichos de mdia-baixa e baixa tecnologia.

    O exerccio economtrico8 evidenciou, em primeiro lugar, que, do ponto de vista do foco de ao dos programas, nenhuma das variveis testadas se mostrou relevante. Ou seja, os resultados indicam que, na prtica, nenhuma das trs polticas agiu para estimular o perfil de firma exportadora desejado pelos formuladores de polticas. A anlise no permitiu a identificao de um foco claro de apoio s empresas de mdio e pequeno porte nem mesmo no caso do Proex-financiamento a varivel de porte se mostrou estatisticamente significante , tampouco de estmulo exportao de bens com maior sofisticao tecnolgica.

    O resultado que mais chamou ateno, no entanto, foi o fato de a varivel mais relevante para explicar a probabilidade de acesso a um determinado programa ter sido, em todos os casos, a empresa j ter recebido apoio anteriormente, revelando a existncia de forte inrcia no acesso aos programas. No caso do Exim, por exemplo, a dummy que indica que a firma j utilizava essa linha de financiamento no ano anterior apareceu como significante, com coeficiente positivo e expressivo. Isso se repetiu com o Proex-equalizao e com o drawback. Era esperado que o fato de a empresa j ser usuria do financiamento surgisse como um fator explicativo relevante. Contudo, essa varivel se colocar como a principal, com um coeficiente muito acima dos demais, demonstra uma grande endogenia na utilizao dos programas.

    A Tabela 2 ilustra essa afirmao. Nela podem ser observadas as probabilidades amostrais de transio. Percebe-se que o nmero de empresas que no tinham acesso a determinado programa em um certo ano e passaram a utiliz-lo no ano subsequente muito baixo. Nos casos do Exim e do Proex, o nmero prximo zero. Por sua vez,

    7 Para investigar o impacto da sofisticao tecnolgica, era preciso enquadrar as diferentes atividades eco-nmicas em uma tipologia que levasse em considerao o esforo dedicado inovao tecnolgica. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) props, com base em metodologia da Organizao Econmica para Cooperao e Desenvolvimento (OCDE), o uso da razo entre gastos com P&D e receita lquida de vendas como uma boa proxy para mensurar a intensidade da busca pela inovao. A agregao apresentada no presente trabalho foi realizada com base nesta classificao proposta pelo IBGE para a economia brasileira. Para mais informaes, ver IBGE (2003).

    8 Detalhes a respeito da metodologia utilizada, alm de tabelas completas, com os coeficientes estimados, constam em Grimaldi e Carneiro (2010).

  • ZUCOLOTO, G. F.; NOGUEIRA, M. O.; GRIMALDI, D. S.; CARNEIRO, F. L. H endogeneidade no acesso s polticas polticas de... 47

    a probabilidade amostral de uma empresa que j utilizava um dos instrumentos con-tinuar utilizando-o nos anos seguintes bastante elevada9.

    Tabela 2 Probabilidades amostrais de transio (em %)

    BNDES-Exim

    No utiliza em t Utiliza em t

    No utilizava em t-1 99,71 0,29

    Utilizava em t-1 65,80 34,20

    Proex financiamento

    No utiliza em t Utiliza em t

    No utilizava em t-1 99,31 0,69

    Utilizava em t-1 48,53 51,47

    Proex equalizao

    No utiliza em t Utiliza em t

    No utilizava em t-1 99,98 0,02

    Utilizava em t-1 26,19 73,81

    Drawback

    No utiliza em t Utiliza em t

    No utilizava em t-1 97,42 2,58

    Utilizava em t-1 18,13 81,87

    Fonte: Elaborao prpria com base em dados de MDIC, BNDES e Rais/MTE.

    Isso significa, por um lado, que existiu uma continuidade dos programas que permaneceram apoiando o mesmo grupo de firmas por um longo perodo. Por outro lado, demonstra clara limitao das polticas em expandir o seu alcance. Nos cinco anos analisados, o nmero de firmas que fez uso dos instrumentos foi bastante restrito e apresentou baixa taxa de transio. Pouqussimas firmas conseguiram passar do gru-po de exportadoras independentes para o grupo das apoiadas. O drawback foi o que apresentou o melhor desempenho nesse quesito. Porm, mesmo nesse caso, a proba-bilidade amostral de transio de apenas 2,58%.

    9 O Exim um caso particular, pois apresenta, mesmo para as empresas que j faziam uso desse instrumento em t-1, uma probabilidade razoavelmente baixa de utilizao em t. Isso se deve a um processo de concen-trao deste financiamento em um nmero cada vez menor de firmas. Enquanto os desembolsos do Exim aumentaram de R$ 12 bilhes para R$ 14,6 bilhes, entre 2003 e 2007, o nmero de empresas apoiadas caiu de 375 para 135, no mesmo perodo.

  • 48 Rev. Econ. Contemp., Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 39-68, jan-abr/2013

    2.4. CONCLUses

    Tomados em conjunto, o Exim, o Proex e o drawback apoiaram pouco mais de 12% das firmas exportadoras no ano de 2007. O drawback, sozinho, atendia a mais de 10%. Esses ndices podem ser considerados tmidos para um pas que tem a inteno declarada de aumentar a sua base exportadora.

    Os resultados obtidos indicam que, no concernente ao perfil desejado para as ex-portaes, o Exim, o Proex e o drawback foram pouco eficazes em alcanar os princi-pais objetivos. Nem o padro de sofisticao tecnolgica, nem o porte das empresas surgiram como fatores relevantes no acesso aos programas, o que indica necessidade de redesenho das polticas para que elas atinjam, de maneira mais satisfatria, o seu foco.

    Contudo, a concluso mais forte do estudo que existiu, no perodo analisado (2003-2007), uma forte inrcia na dinmica dos instrumentos. Isso no necessaria-mente ruim, pois demonstra que os mecanismos so muito bem avaliados pelas em-presas que os utilizam. Entretanto, a almejada expanso do alcance dos programas, que provavelmente implicar em um crescimento da base exportadora, exige uma ao mais efetiva por parte do governo. Tal mudana pode incluir: melhor divulgao das linhas de financiamento; um redesenho das polticas, reduzindo ou flexibilizando as exign-cias para o acesso; ou ainda a criao de novos instrumentos, com mais atratividade e, consequentemente, com maior poder de viabilizar a entrada de novas empresas brasi-leiras no mercado internacional.

    3. LeI DO Bem: ImPACTOs NAs ATIvIDADes De P&D NO BRAsIL

    3.1. INTRODUO

    Incentivo fiscal um tradicional mecanismo de apoio inovao adotado em diversos pases. Estima-se que esse tipo de incentivo corresponda a 6,9% dos investimentos pri-vados em atividades de P&D realizados nos pases da Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE) (Corder, 2006). Em 2010, 18 pases da OCDE concederam algum tipo de benefcio fiscal a essas atividades, enquanto em 1996 apenas 12 o fizeram. Tais incentivos incluem deduo imediata dos gastos correntes com P&D, crdito fiscal ou deduo de lucros tributveis, alguns beneficiando aumentos nos in-vestimentos em P&D e outros se baseando no nvel de investimentos no ano corrente (Moreira et al., 2007). Esse instrumento no tem sido exclusivo de naes avanadas: pases em desenvolvimento, como China e ndia, adotam-no para estimular o desen-volvimento tecnolgico do setor privado.

  • ZUCOLOTO, G. F.; NOGUEIRA, M. O.; GRIMALDI, D. S.; CARNEIRO, F. L. H endogeneidade no acesso s polticas polticas de... 49

    Incentivos fiscais permitem que a alocao de recursos em atividades tecnolgicas, como P&D, seja definida pelo mercado, segundo projetos de interesse do setor produ-tivo, mesmo na presena de tratamento preferencial a atividades como pesquisa bsica, ou a grupos especficos como pequenas empresas. Em geral, envolvem baixos custos de administrao inferiores aos incentivos financeiros , mas podem se tornar onerosos pela magnitude da renncia fiscal envolvida. Se, por um lado, a seleo de projetos pelo mercado vista como um aspecto positivo, por outro, o instrumento pode ser criticado por no direcionar os investimentos pblicos para inovaes em reas definidas como prioritrias pelo governo.

    Em relao ao estmulo a atividades privadas em P&D, os incentivos fiscais so considerados um instrumento complementar a outros fatores, como o crescimento eco-nmico, a infraestrutura cientfica e tecnolgica local, e a disponibilidade de recursos humanos qualificados (UNCTAD, 2005).

    A literatura sobre incentivos fiscais P&D se dedica a investigar a existncia de efeitos crowding in, ou efeito adicionalidade, e crowding out, ou efeito substituio. No primeiro caso, os incentivos seriam capazes de estimular as empresas a investirem em P&D um montante superior ao que seria alocado na ausncia do instrumento. No se-gundo, as empresas investiriam em P&D o mesmo montante que o fariam na ausn-cia do instrumento, e os incentivos pblicos apenas substituiriam recursos privados (Avellar, 2008), caso no qual os incentivos fiscais funcionam como compensao ao empresrio inovador, e no como mecanismo necessrio realizao do investimento.

    3.2. INCeNTIvOs FIsCAIs INOvAO NO BRAsIL: A LeI DO Bem

    No Brasil, o Captulo III da Lei n 11.196/2005, conhecida como Lei do Bem, atual-mente o mais abrangente incentivo fiscal de estmulo inovao. Ele d cumprimento determinao da Lei n 10.973/2004, a qual estabeleceu que a Unio deve fomentar a inovao na empresa mediante a concesso de incentivos fiscais10.

    At a introduo da Lei do Bem, a poltica de incentivos fiscais inovao seguia as determinaes da Lei n 8.661/1993, que representou a retomada do mecanismo en-quanto instrumento da poltica tecnolgica no Brasil (Guimares, 2006). A obteno de incentivos fiscais estava condicionada execuo de programas de desenvolvimento

    10 Alm da Lei do Bem, existem outros instrumentos fiscais de apoio inovao tecnolgica no Brasil, como a Lei de Informtica (Lei n 8.248/1991). A partir da Medida Provisria n 428/2008, convertida na Lei n 11.774/2008, os beneficirios da Lei de Informtica passaram a ter direito de usufruir os benefcios da Lei do Bem.

  • 50 Rev. Econ. Contemp., Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 39-68, jan-abr/2013

    tecnolgico industrial (PDTI) e agropecurio (PDTA) pelas empresas. Os PDTI e os PDTA deveriam ser aprovados pelo Ministrio da Cincia e Tecnologia (MCT) ou por rgos e entidades federais e estaduais de fomento ou pesquisa tecnolgica creden-ciados pelo MCT para o exerccio dessa atribuio. A complexidade dos formulrios utilizados nesse processo foi considerada um dos principais obstculos utilizao do instrumento (Matesco e Tafner, 1996).

    Em 1997, os incentivos da Lei n 8.661/1993 sofreram alteraes, relacionadas essen-cialmente com a reduo significativa de porcentagens envolvidas (Lei n 9.532/1997). Posteriormente, as modificaes incluram a autorizao da concesso de subveno econmica a empresas engajadas nos referidos programas (Lei n 10.332/2001) e, pa-ralelamente, a ampliao dos incentivos at ento existentes (Lei n 10.637/2002)

    Em 2005, o Captulo III da Lei do Bem consolidou os dois textos legais que defi-niam a poltica de incentivos s atividades de P&D e inovao (Lei no 8.661/1993 e Lei n 10.637/2002), revogando os mecanismos anteriormente vigentes. Com sua in-troduo, o procedimento burocrtico foi simplificado, ao no se exigir a pr-aprova-o de projetos ou participao em editais licitatrios. De acordo com a Lei do Bem e com o Decreto n 5.798/2006, que regulamentou a utilizao dos incentivos fiscais, as empresas devem enviar ao MCT, por meio eletrnico, as informaes anuais sobre os seus programas de P&D. O prazo para o repasse das informaes 31 de julho do ano subsequente a cada exerccio fiscal.

    As despesas de custeio com P&D so classificadas como custos operacionais pela legislao do Imposto de Renda Pessoa Jurdica (IRPJ) sendo, por isso, excludas da base de clculo da Contribuio Social sobre o Lucro Lquido (CSLL) e do IRPJ de qualquer empresa. A Lei do Bem (Captulo III, arts. 17 a 26) se traduz, portanto, em um ganho real com despesas realizadas em P&D, que pode ser resumido conforme a seguir:

    Excluso, do lucro lquido e da base de clculo da CSLL, do valor correspondente a: At 60% da soma dos dispndios realizados com P&D no perodo, classificados como despesas operacionais pela legislao do IRPJ; At 20%, no caso de incremento do nmero de pesquisadores dedicados P&D contratados no ano de referncia; e At 20%, no caso de patente concedida ou cultivar registrado.

    Reduo de 50% do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidente sobre equipamentos, mquinas, aparelhos e instrumentos importados para realizao de P&D.

    Depreciao e amortizao acelerada de equipamentos e bens intangveis empre-gados em P&D.

    Reduo a zero da alquota do IRPJ nas remessas efetuadas para o exterior destina-das ao registro e manuteno de marcas, patentes e cultivares.

  • ZUCOLOTO, G. F.; NOGUEIRA, M. O.; GRIMALDI, D. S.; CARNEIRO, F. L. H endogeneidade no acesso s polticas polticas de... 51

    3.3. LeI DO Bem: AvALIAO POR TAmANHO, ORIGem De CAPITAL e seTOR

    A anlise a seguir avalia as empresas que acessaram a Lei do Bem, em 2008, compa-rando-as com o resultado da Pesquisa Industrial de Inovao Tecnolgica (PINTEC), do IBGE, de 2005. Os indicadores foram classificados por tamanho, setor e origem de capital, uma vez que so categorias importantes na anlise de investimentos em P&D.

    O nmero de empresas beneficiadas pelo instrumento vem apresentando cresci-mento significativo ao longo dos anos. Em 2006, foram 130 e, em 2007, 299 empresas. Em 2008, 441 empresas foram beneficiadas pelos incentivos fiscais previstos no Cap-tulo III da Lei do Bem. Entre estas, 63,5% foram classificadas como nacionais e 36,5% como multinacionais11. Empresas de grande porte (acima de 500 empregados) dominam a amostra, representando 59,0% do total de empresas beneficiadas e 93,4% dos gastos de custeio em P&D (Tabela 3).

    Tabela 3 Empresas beneficiadas pelo Captulo III da Lei do Bem: nmero de empregados e gastos de custeio em P&D (2008)

    Nmero de Empregados

    Nmeros de Empresas

    Nacional Multinacional Total

    100 15,9% 7,5% 12,7%

    >100 a 500 31,1% 23,8% 28,3%

    >500 a 1.000 18,9% 20,6% 19,6%

    >1.000 34,1% 48,1% 39,4%

    Total 100,0% 100,0% 100,0%

    Nmero de Empregados

    Gastos de Custeio em P&D

    Nacional Multinacional Total

    100 4,3% 0,4% 2,1%

    >100 a 500 6,3% 3,2% 4,5%

    >500 a 1.000 7,9% 6,1% 6,9%

    >1.000 81,4% 90,3% 88,6%

    Total 100,0% 100,0% 100,0%

    Nota: Excluiu-se nmero equivalente a 3,9% das empresas, por no terem sido encontradas na MTE/Rais.Fonte: Elaborao prpria com base em dados de Brasil/MCT (2009), MTE/Rais e Banco Central do Brasil.

    A prpria definio da lei atrai esse perfil empresarial, tendo em vista que, para usufruir dos benefcios, a empresa precisa no somente obter lucro no ano-base, mas tambm mandatrio que a declarao do Imposto de Renda de Pessoa Jurdica (IRPJ)

    11 As empresas brasileiras foram classificadas em nacionais e multinacionais de acordo com o Censo de Ca-pitais Estrangeiros do Banco Central do Brasil, ano 2000. Empresas multinacionais so aquelas em que o capital estrangeiro representa 50% ou mais no capital votante da firma.

  • 52 Rev. Econ. Contemp., Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 39-68, jan-abr/2013

    seja feita sob o regime de lucro real. Uma vez que empresas de pequeno porte podem e tendem a preferir faz-lo declarar o IRPJ pelo regime de lucro presumido12, essas se veem impossibilitadas de acessar os recursos da Lei do Bem.

    Vale lembrar que, embora apenas 12% das empresas que realizaram atividades de P&D no pas sejam de grande porte, elas so responsveis por 75% do montante inves-tido no pas (PINTEC/IBGE, 2005).

    As empresas beneficiadas tambm apresentaram alta insero no comrcio inter-nacional mais de 70% do total de empresas beneficiadas eram exportadoras e/ou importadoras (Tabela 4).

    Tabela 4 Empresas beneficiadas pelo Captulo III da Lei do Bem: comrcio exterior (2008)

    Lei do Bem (2008) Nacional Multinacional Total

    Empresas exportadoras/Total 71,8% 90,7% 78,7%

    Empresas importadoras/Total 84,6% 97,5% 89,3%

    Fonte: Elaborao prpria com base em dados de Brasil/MCT (2009), MDIC e MTE.

    Analisando-se as empresas beneficiadas em 2008 pela Lei do Bem por setor da in-dstria de transformao, possvel observar que aproximadamente 67,1% dos gastos de custeio em P&D de empresas multinacionais que acessaram a Lei do Bem esto con-centrados na indstria automobilstica (veculos e peas). No caso de empresas nacionais, os benefcios se concentraram nos setores de petrleo (50,1%) e outros equipamentos de transporte, incluindo aeronaves (19,1%). Em suma, 70,3% dos gastos totais de custeio em P&D das empresas da indstria de transformao que acessaram a Lei do Bem fo-ram direcionados s indstrias petrolfera, automobilstica e aeronutica, todas elas j largamente consolidadas na estrutura produtiva brasileira (Tabela 5)13.

    12 Podem optar pelo lucro presumido pessoas jurdicas cuja receita bruta total seja igual ou inferior a R$ 48 milhes anuais, no ano-calendrio anterior, ou a R$ 4 milhes, multiplicado pelo nmero de meses em atividade no ano-calendrio anterior. Sobre o assunto, ver: .

    13 A anlise considerou somente setores da indstria de transformao para viabilizar a comparao com as estatsticas da PINTEC. Os gastos de custeio em P&D da indstria de transformao representaram, em 2008, aproximadamente 79% do total despendido pelas empresas que tiveram acesso aos recursos da Lei do Bem, analisados, alcanando R$ 6,6 bilhes.

  • ZUCOLOTO, G. F.; NOGUEIRA, M. O.; GRIMALDI, D. S.; CARNEIRO, F. L. H endogeneidade no acesso s polticas polticas de... 53

    Tabela 5 Participao setorial nos gastos de custeio em P&D (2008)

    Lei do Bem 2008Indstria de Transformao

    Setores Nacional Multinacional Total

    Alimentos e bebidas 2,09% 2,76% 2,45%

    Fumos 0,04% 1,75% 0,96%

    Txteis 0,40% 0,18%

    Confeces 0,01% 0,00%

    Couro e calados 3,24% 1,49%

    Produtos de madeira 0,33% 0,15%

    Celulose e papel 0,64% 0,39% 0,50%

    Editorao 0,02% 0,01% 0,02%

    Petrleo e lcool 50,05% 23,00%

    Produtos qumicos 6,75% 7,12% 6,95%

    Produtos de borracha e plstico 1,48% 2,19% 1,86%

    Produtos minerais no metlicos 0,22% 0,06% 0,14%

    Metalurgia bsica 4,83% 3,02% 3,85%

    Produtos de metal 0,68% 0,28% 0,47%

    Mquina e equipamentos 2,89% 8,08% 5,70%

    Escritrio e informtica 0,23% 0,11%

    Produtos eltricos 0,85% 1,74% 1,33%

    Produtos eletrnicos 1,73% 3,32% 2,59

    Instrumentalizao 0,56% 0,65% 0,61%

    Veculos 3,41% 67,07% 37,82%

    Outros equipamentos de transporte 19,11% 1,24% 9,45%

    Mveis e indstrias diversas 0,44% 0,32% 0,38%

    Nota: Excluram-se duas empresas beneficiadas, que representam 0,37% dos dispndios de custeio em P&D da indstria de transformao.Fonte: Elaborao prpria com base em dados de Brasil/MCT (2009).

    Se comparadas essas informaes com as divulgadas pela PINTEC, nota-se que, em 2005, o setor de petrleo respondeu por 34,7% dos dispndios em P&D de empresas nacionais de grande porte no Brasil, enquanto o setor de outros equipamentos de trans-porte representou 26,9%. Entre as multinacionais, o setor automobilstico respondeu por 53,8% (Tabela 6).

  • 54 Rev. Econ. Contemp., Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 39-68, jan-abr/2013

    Tabela 6 Gasto em atividades internas de P&D: participao setorial por origem de capital segundo a Pintec 2005

    Empresas Brasileiras de Grande Porte

    Setores/Origem de capital Nacionais Multinacionais Total

    Alimentos e bebidas 3,0% 3,2% 3,1%

    Fumos X** 0,7% 0,3%

    Txteis 1,3% 0,1% 0,7%

    Confeces 0,4% X** 0,2%

    Couro e calados 2,1% X** 1,1%

    Produtos de madeira 0,6% 0,0% 0,3%

    Celulose e papel 2,1% 0,9% 1,6%

    Petrleo e lcool 34,7% X** 18,5%

    Produtos qumicos 6,5% 9,6% 8,0%

    Produtos farmacuticos 2,4% 3,7% 3,0%

    Artigos de borracha e plstico 1,1% 3,8% 2,3%

    Produtos minerais no metlicos 1,6 1,2% 1,4%

    Metalurgia bsica 3,4% 2,8% 3,1%

    Produtos de metal 0,7% 0,3% 0,5%

    Mquinas e equipamentos 2,8% 4,9% 3,8%

    Escritrio e informtica 0,7% 2,0% 1,3%

    Produtos eltricos 3,3% 9,8% 6,3%

    Produtos eletrnicos/comunicao 3,3% 5,9% 4,5%

    Instrumentao 0,5% 0,1% 0,3%

    Indstria automobilstica 3,7% 53,8% 27,1%

    Outros equipamentos de transporte 26,9% 0,8% 14,7%

    Mveis e indstrias diversas 1,3% 0,3% 0,8%

    Nota: (1) Valor sob sigilo. No se incluram valores referentes a setores que gozam de sigilo.Fonte: Elaborao prpria com base em dados de PINTEC/IBGE (2005).

    Essas porcentagens revelam significativa correlao setorial entre os gastos em P&D de grandes empresas disponibilizados pela PINTEC e os dispndios de custeio em P&D de empresas que acessaram os mecanismos da Lei do Bem, em 2008. A correlao, re-presentada no Grfico 1, alcanou 95,8%. Em outras palavras, a concesso dos benefcios previstos na Lei do Bem reproduz, quase que integralmente, a distribuio setorial dos esforos em P&D que o Brasil j vinha realizando, indicando que o instrumento ainda foi incapaz de diversificar a estrutura setorial do desenvolvimento tecnolgico nacional.

  • ZUCOLOTO, G. F.; NOGUEIRA, M. O.; GRIMALDI, D. S.; CARNEIRO, F. L. H endogeneidade no acesso s polticas polticas de... 55

    Grfico 1 Participao setorial dos gastos em P&D de grandes empresas segundo a PINTEC (2005) e no mbito da Lei do Bem (2008)

    40%

    35%

    30%

    25%

    20%

    15%

    10%

    5%

    0%

    Alim

    . e b

    ebid

    as

    Fum

    o

    Txt

    eis

    Co

    nfe

    c

    es

    Co

    uro

    e c

    ala

    do

    s

    Pro

    d. M

    adei

    raC

    elu

    lose

    e p

    apel

    Petr

    le

    o e

    lc

    oo

    l

    Pro

    d. Q

    um

    ico

    s

    Art

    . bo

    rrac

    ha

    e p

    lst

    ico

    Pro

    d. m

    in. n

    o m

    etl

    i co

    sM

    etal

    urg

    ia b

    sic

    a

    Pro

    du

    tos

    de

    met

    alM

    qu

    inas

    e e

    qu

    ip.

    Info

    rmt

    ica

    Pro

    d. e

    ltr

    ico

    sPr

    od

    . ele

    tr

    nic

    os/

    com

    um

    Inst

    rum

    enta

    o

    Ind

    . au

    tom

    ob

    ilst

    ica

    Ou

    tro

    s eq

    uip

    . tra

    nsp

    ort

    e

    M

    veis

    e in

    d. d

    iver

    sas

    Pintec Lei do bem 2008

    Fonte: Elaborao prpria com base em dados de PINTEC/IBGE (2005) e Brasil/MCT (2009).

    3.4. CONCLUses

    Os resultados da Lei do Bem so relevantes para investigar sua capacidade de estimu-lar investimentos privados em P&D. A anlise preliminar sugere que esse instrumento ainda no foi capaz de estimular a diversificao setorial desses investimentos no Brasil, dado que seus benefcios so majoritariamente capturados por setores que j desenvol-viam essa atividade. Nesta avaliao, importante considerar a interao da Lei do Bem com outros instrumentos de apoio inovao, que podem atuar de forma complemen-tar para contribuir com o desenvolvimento tecnolgico do setor produtivo nacional.

    Com base na anlise realizada, possvel levantar algumas questes: estimular a diversificao setorial pode ser considerado um dos objetivos da Lei do Bem? Ou seu intuito , essencialmente, promover o efeito adicionalidade, incentivando investimentos privados em P&D, independentemente do porte ou setor envolvido? Qual a capacidade da Lei do Bem para estimular empresas que ainda no realizam P&D no pas? Por fim, os incentivos fiscais inovao provenientes da Lei do Bem que, segundo relatrio do MCT, alcanaram R$ 1,5 bilho em 2008 poderiam ser utilizados de forma mais eficaz na promoo e disseminao de atividades tecnolgicas nos setores produtivos do pas?

  • 56 Rev. Econ. Contemp., Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 39-68, jan-abr/2013

    Ainda cedo para se estabelecer um diagnstico conclusivo em relao a esse ins-trumento e inferir acerca de seu potencial futuro de estmulo inovao. Sua conso-lidao no cenrio nacional ainda pode vir a se revelar capaz de incentivar um maior nmero de empresas, em setores diversos, a inclurem atividades de P&D entre suas prioridades em mdio prazo. Tambm pode se revelar importante para diferenciar o Brasil de outros pases, elevando sua capacidade de competir por recursos estrangeiros.

    4. O FUNDO seTORIAL De TeCNOLOGIA DA INFORmAO (CT-INFO)

    4.1. INTRODUO

    A partir do processo de privatizaes de diversos setores da economia brasileira com destaque para os setores de petrleo, telecomunicaes e energia eltrica , o gover-no federal entendeu ser necessrio aumentar os recursos destinados s atividades de cincia e tecnologia (C&T), bem como garantir um fluxo constante de tais recursos. Com esse objetivo, foi implantado em 1999 o fundo setorial de petrleo e gs natural, o CT-Petro. Aps a experincia do CT-Petro, que serviu como piloto, foram criados, entre os anos de 2000 e 2001, outros fundos setoriais, a saber: energia eltrica; recursos hdricos; transportes terrestres; minerao; espacial; tecnologia da informao; infra-estrutura; sade; agronegcio; verde-amarelo; biotecnologia; aeronutico; telecomuni-caes; Amaznia; aquavirio; e construo naval (Brasil/MCT, s.d.).

    Esse conjunto de fundos setoriais visa apoiar o desenvolvimento cientfico e tec-nolgico, e garantir a ampliao e a estabilidade do financiamento para a rea de C&T. Eles visam promover o desenvolvimento e a consolidao de parcerias entre universi-dades e centros de P&D, pblicos ou privados, alm de procurarem induzir o aumento dos investimentos do setor empresarial em C&T, impulsionando o desenvolvimento tecnolgico dos setores considerados e promovendo maior sinergia entre o conjunto de agentes. Buscam, ainda, o incentivo gerao de conhecimento e inovaes que contribuam para a soluo dos grandes problemas nacionais. O crdito concedido diretamente a uma ICT e, em muitos casos, envolve uma parceria deste com empresas participantes do projeto.

    4.2. DeseNHO DO esTUDO

    O CT-Info tem como objetivo Fomentar projetos estratgicos de pesquisa e desenvolvimento em tecnologia da informao para as empresas brasileiras do setor de informtica (Brasil/MCT, s.d.). Assim, o estudo buscou compreender a dinmica

  • ZUCOLOTO, G. F.; NOGUEIRA, M. O.; GRIMALDI, D. S.; CARNEIRO, F. L. H endogeneidade no acesso s polticas polticas de... 57

    do instrumento em sua operacionalizao e difuso no contexto dessas empresas. Para tanto, estabeleceram-se as questes de trabalho a seguir:

    1. Qual o perfil das empresas que obtiveram recursos concedidos pelo CT-Info?2. Como se desenvolveu a dinmica de utilizao desses recursos?3. Qual a motivao para que empresas recorram ou no ao instrumento?

    Para as duas primeiras questes e parte da terceira, o objeto desse estudo foram as empresas que se beneficiaram dos recursos do CT-Info; para a parte da terceira questo relativa no utilizao do instrumento, os alvos foram aquelas empresas que, desde a criao do programa, dele no fizeram uso.

    Partindo dessas questes e da distino de seus respectivos alvos, o trabalho foi subdividido em duas pesquisas distintas: uma pesquisa de campo com carter qualita-tivo, tendo com objeto o universo de empresas que compem o primeiro grupo; e uma survey direcionada a uma amostra do conjunto de empresas que desenvolvem software no pas e que no fazem parte do primeiro grupo, ou seja, que no tomaram parte em projetos financiados com recursos do CT-Info.

    Para a determinao do universo de empresas a ser considerado para o primeiro grupo, foram utilizados os dados fornecidos pelo MCT. Aps um levantamento na base de dados dos contratos, foram identificadas 117 empresas beneficiadas entre os 524 projetos financiados pelo CT-Info desde 2002 at 2009. Posteriormente, buscou-se es-tabelecer contato por correio eletrnico com os coordenadores dos projetos realizados em ICT e, por seu intermdio, obter os contatos dos representantes das firmas envolvi-das nos projetos. Dos 97 coordenadores de projetos com participao de empresas, 55 atenderam solicitao (58,5% do total), fornecendo os dados relativos a 60 empresas (51,3% das empresas), participantes de 66 projetos. Saliente-se que alguns projetos envolvem mais de uma empresa, ao passo que algumas empresas esto envolvidas em mais de um projeto. Uma vez que esse conjunto de 60 empresas ultrapassa a metade do universo de 117 firmas beneficiadas, esse nmero foi considerado como adequadamente representativo e, portanto, definido como a amostra da pesquisa.

    A segunda amostra, destinada pesquisa com empresas que no tomaram parte nos projetos financiados pelo CT-Info, foi construda por intermdio de listas de e-mails obtidas em entidades de classe do setor de desenvolvimento de software. Trata-se de empresas que tm o desenvolvimento de software como atividade significativa de seu processo produtivo, seja como produto final, seja como software embarcado. Cote-jadas com os dados do CT-Info, foram excludas das listas as empresas que estavam relacionadas entre as 117 anteriores. Obteve-se, assim, uma relao na qual constavam 701 companhias.

  • 58 Rev. Econ. Contemp., Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 39-68, jan-abr/2013

    Para o primeiro conjunto de empresas, e tendo em vista as duas questes propostas, planejou-se a realizao de entrevistas com os responsveis pelos projetos. Para o segun-do conjunto de empresas, foi realizada uma survey enviada por correio eletrnico para os seus responsveis, na qual foram enumeradas as possveis motivaes para que uma empresa no houvesse sido agraciada com os subsdios do CT-Info. Essas motivaes foram ordenadas em uma questo fechada, de mltipla escolha, com resposta nica (opes mutuamente excludentes). O questionrio contava, ainda, com uma questo aberta, a qual permitia comentrios.

    4.3. ResULTADOs

    4.3.1. eNTRevIsTAs

    No grupo das 60 empresas que obtiveram o crdito, responsveis por 66 projetos, foi possvel entrevistar um total de 47 empresas, responsveis por 53 contratos de crdito no CT-Info.

    Entre os diversos resultados observados, um ponto de interesse o baixo ndice de mortalidade das empresas: duas empresas entre as 20 iniciantes (at quatro anos de vida), correspondendo a 10,0% do total. Esse valor contrasta com a mdia nacional de morta-lidade nos dois primeiros anos de vida, que, segundo o Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas (Sebrae, 2007), variou entre 49,4% em 2002 e 22,0% em 2005.

    Esse fenmeno pode se relacionar ao instrumento de estmulo de dois modos: como consequncia; ou como causa. Como consequncia, pode-se supor que a baixa taxa de mortalidade decorrncia dos benefcios produzidos pelo instrumento nos negcios da firma, contribuindo com sua consolidao. Como causa, em funo de uma seletividade na busca do financiamento, ou seja, uma tendncia de que as firmas mais bem estrutu-radas isto , com maiores chances de sobrevivncia recorram ao instrumento. Em funo do que foi observado nas entrevistas, deve-se admitir que ambas as situaes estejam presentes. H, de fato, uma predominncia de companhias mais bem estrutu-radas nas que fazem uso do CT-Info, uma vez que a maioria oriunda de incubadoras e, conforme demonstrado por Greco et al. (2009), esse fator est fortemente associa-do a uma reduo na mortalidade infantil das empresas. Contudo, isso no explica isoladamente o resultado, uma vez que, segundo aquele trabalho, o ndice se situa em torno dos 20% para as incubadas. Tendo como base os depoimentos dos entrevistados, possvel admitir que o baixo ndice verificado seja tambm resultado dos impactos positivos do financiamento nos negcios das empresas que dele fizeram uso.

    Observou-se, tambm, que as firmas que tiveram sua origem (ou consolidao) dentro de incubadoras constituem o grupo majoritrio: 32 firmas (68,1%). Se se levar em conta que, das 15 empresas que no tiveram essa origem, 12 so grandes empresas, e

  • ZUCOLOTO, G. F.; NOGUEIRA, M. O.; GRIMALDI, D. S.; CARNEIRO, F. L. H endogeneidade no acesso s polticas polticas de... 59

    que dez tinham idade acima de 20 anos quando recorreram ao crdito, lcito concluir que, dentro do grupo de pequenas e mdias empresas (PME), a vinculao a incubado-ras quase absoluta. Esse fenmeno admite duas explicaes. A primeira delas que o instrumento no est adequadamente divulgado no contexto geral da indstria, fican-do restrito ao universo de organizaes que, de algum modo, esto vinculadas s redes de institutos de pesquisas. A segunda explicao, que refora a primeira, a de que a liturgia de obteno do crdito incorpora um conjunto de procedimentos e conheci-mentos tcitos no acessveis s PME que no contam com alguma forma de apoio de organizaes que dominem esse ritual.

    Ademais, prximo de 3/4 dos contratos firmados por empresas surgidas em incu-badoras tiveram incio quando a firma ainda se encontrava incubada. Esse fato refora o vnculo de dependncia entre as que tm acesso ao mecanismo de fomento e o que pode ser chamado de complexo acadmico-universitrio (CAU): universidades; institu-tos e centros de pesquisas; organizaes voltadas para o desenvolvimento tecnolgico; incubadoras; parques tecnolgicos; fundaes universitrias etc.

    Entre as 15 firmas no originrias de incubadoras, encontram-se trs multinacio-nais com uma longa tradio de P&D e, consequentemente, de relacionamento com o CAU; alm dessas, existem duas grandes companhias nacionais com perfil semelhante. A elas somam-se quatro empresas formadas por professores universitrios, e mais trs constitudas a partir da associao de alunos de graduao e ps-graduao que de-cidiram explorar comercialmente seus projetos de pesquisa acadmica. Existe, ainda, outra empresa cujo produto bsico desenvolvido lhe foi transferido por uma universi-dade com a qual tem diversas parcerias. Finalmente, uma ltima empresa caracteriza-se como um spin-off de uma instituio cientfica que atua em uma rea de tecnologia de fronteira. Assim, chama ateno que apenas uma entre as 47 organizaes entrevista-das no possua um estreito vnculo com o CAU, o que indica claramente a captura do instrumento por parte deste complexo.

    Tendo-se em conta o nmero reduzido de projetos financiados pelo CT-Info que contemplaram a participao direta do setor produtivo14, refora-se a suposio de que existe uma difuso muito baixa do instrumento junto ao universo de empresas que no se vinculam ao CAU. Quase metade das firmas (46,8% do total) j havia recorrido a outros instrumentos de crdito voltados para estas atividades antes de fazerem uso do CT-Info. Aproximadamente 30% tiveram no CT-Info sua primeira experincia com instrumentos desta natureza, mas, aps este, continuaram utilizando-se de financiamento incentivado

    14 Do total de 524 projetos financiados pelo fundo, empresas tomaram parte em apenas 117 deles (22,3 %).

  • 60 Rev. Econ. Contemp., Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 39-68, jan-abr/2013

    para suas atividades de P&D. Apenas cerca de 20% tiveram o projeto financiado pelo CT-Info como a nica situao em que fizeram uso de recursos desta natureza.

    Praticamente todos os instrumentos de fomento CT&I existentes no pas foram citados pelas firmas que deles se utilizaram antes ou depois do CT-Info. Destacam-se a Lei de Informtica, outros fundos setoriais, crditos de fundaes estaduais de amparo pesquisa, crditos do BNDES, bolsas do Programa de Capacitao de Recursos Humanos para Atividades Estratgicas (RHAE), Venture Frum, programa Juro Zero, entre outros.

    A despeito de a iniciativa dos projetos financiados ter sido majoritariamente origi-nria das empresas, 14 deles foram idealizados pelas instituies de pesquisa (IP). So situaes em que havia um interesse especfico da IP no escopo do edital e, assim, esta procurou a empresa oferecendo a oportunidade de beneficiar-se do instrumento. Em geral, as firmas que foram procuradas nesses casos possuam algum tipo de vnculo anterior com o IP em questo. Trs situaes que se apresentam como uma flagrante distoro dos princpios e objetivos do CT-Info puderam ser identificadas. Nelas, a em-presa atuou apenas como fachada no projeto que, na verdade, financiou atividades de pesquisa puramente acadmicas, tendo a empresa apenas emprestado seu nome para atender s exigncias do edital. H, ainda, outros dois registros nos quais a situao foi inversa. A IP atuou como fachada para um projeto que atendia a interesses exclusivos da empresa e cujo desenvolvimento ficou inteiramente a cargo desta, no tendo o IP nenhuma participao efetiva em seu desenvolvimento.

    Na identificao dos problemas vivenciados pelas organizaes no transcurso do pro-jeto, um dos pontos mais frequentes e veementemente destacados pelos entrevistados diz respeito aos seus aspectos formais. So questes que concernem burocracia na submisso, acompanhamento e prestao de contas dos projetos e ao formalismo envolvido nessas tarefas. Os entrevistados deram nfase falta de flexibilidade na gesto dos recursos que compromete a dinmica exigida pelo contexto empresarial, dificulta contrataes de re-cursos humanos necessrios aos projetos e no se adqua s incertezas das atividades de pesquisa. Impactos semelhantes advm do excesso irracional de burocracia reiterado pelos entrevistados que, alm disso, posto que dificulte a prestao de contas, acaba por contribuir para os atrasos nas liberaes das demais parcelas. A conjugao dessas duas caractersticas exige, por parte das empresas, a realizao de um significativo esforo adi-cional em atividades burocrtico-administrativas que fogem aos objetivos dos projetos.

    Quanto sistemtica de acompanhamento, o que se destacou foi que seu escopo exclusiva e excessivamente formal e burocrtico contribui, por um lado, com as dificuldades enumeradas e, por outro, no resulta em uma avaliao efetiva do desenvolvimento dos projetos nem colabora no sentido de que seus processos sejam mais eficazes. Na realidade, na viso dos entrevistados, no h um acompanhamento de fato, mas sim uma mera fiscalizao.

  • ZUCOLOTO, G. F.; NOGUEIRA, M. O.; GRIMALDI, D. S.; CARNEIRO, F. L. H endogeneidade no acesso s polticas polticas de... 61

    Os diversos depoimentos coligidos por meio das entrevistas possibilitam algumas ilaes acerca do processo que conduz a uma disseminao endgena do CT-Info no mbito do CAU. H todo um arcabouo de regras que norteia a submisso de projetos capazes de obter aprovao pelo comit gestor do CT-Info. Do mesmo modo, essas regras se reproduzem ao longo dos processos de acompanhamento, prestao de contas, libe-rao de parcelas intermedirias e encerramento dos projetos. Sua complexidade acaba dando lugar cristalizao de uma liturgia prpria na operacionalizao dos projetos que dificilmente plenamente dominada pelas PME. Ao cabo, o conjunto de conhecimentos tcitos necessrios para que um empreendimento se movimente com desenvoltura no contexto de tal liturgia , em grande medida, monopolizado pelo CAU. O resultado a captura, constatada neste trabalho, do instrumento por parte deste complexo.

    Feitas essas ressalvas, oportuno destacar os aspectos positivos das avaliaes. Du-rante o processo de interao com os executivos e empresrios se verificou que, de modo geral, o CT-Info desempenhou um papel da maior importncia quando no abso-lutamente fundamental nas trajetrias de suas empresas. Tanto as avaliaes quanto os resultados concretos autorizam largamente essa concluso. Como consequncia, a relevncia e a eficcia do instrumento enquanto conceitos conforme as palavras de um dos entrevistados no desenvolvimento tecnolgico, econmico e social do pas ficam evidentes. O que se deve buscar so as aes capazes de eliminar seus gargalos.

    4.3.2. SURVEY

    Para a realizao desta pesquisa foram enviados e-mails para 701 empresas desenvol-vedoras de software que no acessaram o CT-Info. Estes e-mails foram endereados aos proprietrios ou aos gestores principais das organizaes. Desse total, 191 retor-naram com respostas vlidas, o que corresponde a 27,25% da amostra original. Para estudos de campo com essas caractersticas, esse retorno pode ser considerado como extremamente positivo e, em se tratando de um estudo qualitativo aplicado a um gru-po de indivduos com as caractersticas da amostra utilizada, suas concluses podem ser avaliadas como representativas.

    A sondagem consistiu de uma nica pergunta: por que sua organizao no utiliza os crditos do CT-Info? Era possvel optar por apenas uma das alternativas de resposta. Na Tabela 7 e no Grfico 2 esto representadas a distribuio da frequncia e as por-centagens de respostas para cada uma das opes.

    Como se pode observar, a maioria das respostas (53,9%) diz respeito falta de in-formaes acerca do fundo por parte do empresrio ou gestor. Praticamente 1/4 dos pesquisados (24,6%) declarou desconhecer o funcionamento do instrumento, enquanto

  • 62 Rev. Econ. Contemp., Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 39-68, jan-abr/2013

    perto de 1/3 deles (29,3%) sequer sabia da existncia do CT-Info. Por esse motivo, di-versos participantes acabaram buscando contato com os pesquisadores que conduziram o estudo com o intuito de obter informaes acerca do instrumento.

    Essa constatao torna patente a urgente necessidade de um amplo conjunto de aes de divulgao do instrumento junto ao setor produtivo, que deveria ser seu alvo principal. Os esforos que tm sido feitos nesse sentido no tm se mostrado capazes de fazer com que o CT-Info ultrapasse os muros da universidade.

    Por sua vez, 9,9% de participantes afirmaram que, mesmo tendo informaes a respeito do CT-Info, julgam suas regras de operacionalizao demasiadamente com-plexas para consider-lo atraente. Para que se compreenda a dimenso dessa posio, preciso no perder de vista que as respostas foram dadas por empresrios (ou seus representantes) e que os crditos dos fundos setoriais caracterizam-se como financia-mentos a fundo perdido, exigindo apenas contrapartidas. Em princpio sua atratividade financeira no poderia ser maior. A essas respostas somam-se outros 1,6% que afirma-ram no considerar vantajosa a relao entre custo e beneficio.

    Tabela 7 Distribuio da frequncia de respostas survey motivos para a organizao no utilizar os crditos do CT-Info

    Respostas Qtd. %

    Ter obtido financiamento por meio de outro fundo setorial que no o CT-Info. 7 3,7

    No ter interesse em atividades de pesquisa, desenvolvimento, cincia e tecnologia. 2 1,0

    No saber da existncia dos fundos setoriais. 56 29,3

    Conhecer a existncia do instrumento, mas no ter conhecimento de suas regras e dinmicas de funcionamento. 47 24,6

    Saber como o instrumento funciona, mas considerar o processo de obteno dos recursos muito complexo para se utilizar dele. 19 9,9

    Considerar que seria vivel buscar esses recursos, mas considerar, pela perspectiva de custo e benefcio, que no vale a pena busc-los. 3 1,6

    Achar que valeria a pena, mas no ter se candidatado aos crditos por no ter interesse nas atividades ou linhas de pesquisa que os editais ofereciam. 11 5,8

    Ter tido interesse nos financiamentos, mas no ter conseguido se candidatar por no ser elegvel segundo as regras estabelecidas nos editais. 8 4,2

    Ter tido interesse nos financiamentos, mas no ter conseguido se candidatar por no ter conseguido montar uma proposta consistente e tempestiva. 7 3,7

    Ter tido interesse nos financiamentos, mas no ter conseguido se candidatar por no ter conseguido estabelecer previamente uma parceria profcua com uma instituio de pesquisa. 8 4,2

    Ter se candidatado a financiamentos, mas no ter tido a proposta aprovada. 14 7,3

    Outras 9 4,7

    Total 191 100,0

    Fonte: Elaborao prpria.

  • ZUCOLOTO, G. F.; NOGUEIRA, M. O.; GRIMALDI, D. S.; CARNEIRO, F. L. H endogeneidade no acesso s polticas polticas de... 63

    Essa constatao conduz retomada da discusso acerca dos trmites envolvidos nos processos de candidatura, acompanhamento e prestao de contas do instrumento. Verificou-se que 11,5% dos participantes se desinteressaram em virtude da complexi-dade dos procedimentos. Ressurge, portanto, a questo do formalismo e da burocracia que envolvem os projetos dos fundos setoriais.

    Grfico 2 Porcentagens de respostas enquete

    Motivos para a organizao no utilizar os crditos CT-INFO

    1,0% No ter interesse em atividades de Pesquisa & Desenvolvimento de Cincia & Tecnologia.

    29,3% No saber da existncia dos Fundos Setoriais.

    24,6% Conhecer a existncia do instrumento, mas no ter conhecimento de suas regras e dinmicas de funcionamento.

    9,9 Saber como o instrumento funciona, mas considerar o processo de obteno dos recursos muito complexo para seutilizar dele.

    1,6% Considerar que seria vivel buscar esses recursos, mas considerar, pela perspectiva de Custo X Benefcio, que novale a pena busc-los.

    5,8% Achar que valeria a pena, mas no ter se candidatado aos crditos por no ter interesse nas atividades e/oulinhas de pesquisa o que os editais ofereciam.

    4,7% Outras

    3,7%

    1,0%

    24,6%9,9%

    1,6%

    5,8%4,2%

    3,7%

    4,2% 7,3%4,7%

    29,3%

    Fonte: Elaborao prpria.

    Alm dessas, trs outras respostas podem ser associadas a aspectos concernentes burocracia:

    Ter tido interesse nos financiamentos, mas no ter conseguido se candidatar por no ser elegvel segundo as regras estabelecidas nos editais;

    Ter tido interesse nos financiamentos, mas no ter conseguido se candidatar por no ter conseguido montar uma proposta consistente e tempestiva; e

    Ter se candidatado a financiamentos, mas no ter tido a proposta aprovada.

  • 64 Rev. Econ. Contemp., Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 39-68, jan-abr/2013

    As porcentagens das respostas que indicaram essas circunstncias como motivao foram de 4,2%, 3,7% e 7,3%, respectivamente. So, portanto, mais 15,2% a serem con-siderados. Somadas essas respostas s j mencionadas, chega-se a um contingente de 26,7% dos pesquisados (mais de 1/4) que podem no ter se beneficiado do fundo em virtude de sua liturgia. Tomada apenas a parcela dos respondentes que se considera su-ficientemente informada a respeito do instrumento, esse grupo de empresas representa um total de 58,0%, nmero consideravelmente expressivo. Alm da marcao do item relativo resposta, alguns dos formulrios vieram acompanhados de comentrios ou justificativas sobre a resposta assinalada. Os que se referiam a essas questes especfi-cas apontaram enquanto obstculo fatores relacionados ao formalismo e burocracia. Portanto, o que se observou corrobora as concluses resultantes da anlise das entre-vistas realizadas com as firmas beneficiadas.

    Dificuldades no relacionamento com as instituies de pesquisa tambm tiveram um volume digno de registro: 4,2% do total. Fazendo-se um recorte que incorpora apenas as organizaes que demonstraram ter interesse em obter o benefcio, esse con-tingente representa uma parcela de 16,7%. Nesse quesito, os comentrios explicitaram dificuldades originrias da falta de uma perspectiva de mercado por parte das insti-tuies de pesquisa.

    Como ltima observao, registre-se que somente duas empresas, entre as 191 partici-pantes (1,0%) declararam no ter interesse em atividades de P&D. Em virtude da deciso de buscar o maior nmero possvel de participantes, ao se efetuar o desenho desse estudo, optou-se por privilegiar sua simplicidade, no se coletando informaes adicionais acerca das empresas. Contudo, dada construo da amostra utilizada, foi possvel fazerem-se algumas ilaes sobre suas caractersticas. Uma delas que no devem se tratar de micro ou pequenas empresas, muito menos de firmas nascentes. Assim, os resultados dese estu-do so uma importante fonte de informaes para que se compreendam as barreiras que impedem o acesso ao CT-Info pelas mdias empresas brasileiras provavelmente aquelas que apresentam a melhor soluo de compromisso entre a necessidade de instrumentos subsidiados e a possibilidade de realizar atividades consistentes de P&D.

    Os resultados obtidos vo ao encontro de muitas das consideraes apresentadas no estudo realizado junto s organizaes que tomaram parte em projetos financiados pelo CT-Info. So eles:

    Existncia de uma complexa liturgia na configurao exigida para os projetos do fundo, que monopolizada pelo complexo acadmico-universitrio;e

    Distanciamento das instituies de pesquisa das perspectivas do mundo dos negcios.

    A esses, acrescenta-se a crtica falta de conhecimento acerca do instrumento por parte de seu pblico-alvo: o setor produtivo.

  • ZUCOLOTO, G. F.; NOGUEIRA, M. O.; GRIMALDI, D. S.; CARNEIRO, F. L. H endogeneidade no acesso s polticas polticas de... 65

    4.4. CONCLUses

    No sentido de se elaborar um diagnstico voltado ao aprimoramento do CT-Info, a constatao mais relevante deste estudo particularmente em relao ao que foi defini-do como foco do CT-Info (Brasil/MCT, s.d.) foi que o fundo apresenta uma limitada capacidade de ampliar a base de firmas que o utilizam, mantendo-se restrito a um cr-culo de organizaes que, pelas suas caractersticas, se colocam como satlites do CAU.

    Conforme se verificou, o conjunto de empresas que se beneficia do CT-Info, ou que a ele tem acesso, est dividido em dois grupos distintos. Um, majoritrio, composto por pequenas e microempresas com relaes umbilicais ao CAU; outro composto por gran-des companhias com uma trajetria histrica de relacionamento com esse complexo. As pequenas empresas geradas fora do CAU e as mdias empresas que nunca tiveram tal ligao (ou, se tiveram, perderam-na ao longo do tempo) parecem no possuir as mesmas facilidades de acesso ao instrumento de fomento. Em outras palavras, o que se depreende que o CT-Info ainda no foi capaz de ultrapassar os limites da universida-de. As causas mais visveis desse comportamento endgeno, de captura do CT-Info pelo CAU, so deficincias na divulgao e uma srie de procedimentos complexos, formais e burocrticos em sua execuo. Essa situao se traduz na baixssima participao de mdias empresas, que seriam as que provavelmente renem as melhores condies para que o instrumento produza as externalidades desejveis e que esto, aparentemente, vi-das por esse tipo de apoio. Esse quadro resulta em que no se cumpra em sua plenitude o objetivo de acelerar o processo de desenvolvimento impulsionando-o por interm-dio da hlice trplice formada por Estado, universidade e empresa (Etzkowitz, 2009).

    H, ainda, a hiptese de que a relao causal seja exatamente a inversa. Isto , que todos os fatores assinalados sejam, na verdade, uma consequncia da captura do ins-trumento pelo CAU, surgindo como um desdobramento natural do fenmeno. Ou at mesmo enquanto um conjunto de mecanismos sistmicos destinados exatamente a as-segurar esta captura e preservar seu monoplio. Porm, o que parece ser mais provvel a existncia de um crculo vicioso, isto , de uma situao induzida por um processo reflexivo, na qual as duas dinmicas se coalimentam.

    evidente que, a partir de um estudo dessa natureza, temerrio que se faam generalizaes, porquanto seu objeto restringiu-se a um setor especfico de um nico instrumento. Todavia, os resultados obtidos sugerem a necessidade de uma profunda reflexo sobre as polticas pblicas de desenvolvimento, permitindo que se formule uma hiptese que merece investigao mais ampla: a de que as tradicionais polticas de desenvolvimento, baseadas fundamentalmente em instrumentos creditcios e tri-butrios, so restritas em sua capacidade de incentivo, uma vez que no incorporam, ao processo, novos agentes econmicos, mas se limitam a facilitar a ao daqueles que j so atores naquele contexto ou que apresentam elevado potencial para vir a s-lo.

  • 66 Rev. Econ. Contemp., Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 39-68, jan-abr/2013

    5. CONsIDeRAes FINAIs

    As polticas pblicas avaliadas neste artigo apontam para resultados bastante si-milares. As anlises apresentadas sugerem que, de forma geral, os incentivos inova-o e exportao selecionados neste trabalho beneficiam empresas que j realizam atividades de exportao, P&D ou desenvolvimento tecnolgico. Os instrumentos no parecem capazes de ampliar a base de empresas engajadas nessas atividades. No demonstram eficcia na disseminao de tais prticas por todo o conjunto da econo-mia, sendo capturados por segmentos especficos de seus diversos setores. Haveria, portanto, um crculo vicioso no qual um limitado grupo de empresas se beneficia dos instrumentos exatamente por j adotarem anteriormente as prticas que tais instru-mentos objetivam promover. Em outras palavras, ao invs de incentivar empresas a adotarem as prticas em questo, os instrumentos se limitam a facilitar a operao daquelas que j as adotavam.

    Desse modo, o objetivo central do texto foi questionar a endogeneidade das pol-ticas de incentivo exportao e inovao no Brasil, dado que estas acabam estimu-lando os agentes que, em sua maioria, j so exportadores ou inovadores. Ao invs de incentivar novos agentes a exportar ou inovar, o que se observa um efeito contrrio: agentes que j investem em exportao ou inovao acabam capturando tais recursos. a essa concluso central do texto que o ttulo se reporta: incentivo leva exportao/inovao, ou inovadores/exportadores captam o incentivo?

    Tais concluses, ainda que preliminares e demandantes de aprofundamento, e de avaliaes similares de outros instrumentos, servem como ponto de partida para a formulao das hipteses explicativas. Uma das hipteses mais evidentes a de que os instrumentos tradicionais, baseados em crditos e incentivos fiscais, tm uma capaci-dade de abrangncia limitada, existindo barreiras que impedem que um contingente mais significativo de empresas faa uso deles. Essas barreiras podem caracterizar-se por aspectos ligados ao tamanho, dicotomia formalidade e informalidade dos negcios, burocracia (ou liturgia) que envolve a utilizao desses instrumentos, ou mesmo a um nvel de desenvolvimento de tecnologia de gesto no alcanado pela maior parte das empresas, especialmente as PME, necessrio at para que as empresas compreendam a importncia desses fatores para o seu crescimento e sustentao.

    Tal hiptese sugere que, para o pas alcanar os patamares desejados de desenvol-vimento, crescimento e produtividade, os instrumentos existentes devam ser redefini-dos. Ou ento, novos instrumentos de polticas pblicas, de natureza diversa dos que hoje so empregados, direcionados (adequados) especificamente para outros agentes da economia, e que sejam complementares aos j existentes, devam ser desenhados.

  • ZUCOLOTO, G. F.; NOGUEIRA, M. O.; GRIMALDI, D. S.; CARNEIRO, F. L. H endogeneidade no acesso s polticas polticas de... 67

    6. ReFeRNCIAs BIBLIOGRFICAs

    AVELLAR, A. P. Avaliao do impacto do PDTI sobre o gasto em atividades de inovao e em P&D das empresas industriais. In: DE NEGRI, F.; KUBOTA, L. (Orgs.) Polticas de incentivo inovao tecnolgica no Brasil. Braslia: IPEA, 2008.

    BANCO CENTRAL DO BRASIL (BCB). Base de microdados. Braslia: BCB, 2006.

    BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES). Base de microdados. Rio de Janeiro: BNDES, 2009.

    BRASIL. Ministrio da Cincia e Tecnologia. Relatrio anual da utilizao dos incentivos fiscais: ano base 2008. Braslia: MCT, nov., 2009. Disponvel em: . Acesso em: 24 abr. 2013.

    BRASIL. Ministrio da Cincia e Tecnologia. Fundos Setoriais FNDCT: fundo setorial de tecnologia da informao CT-Info. [s.d.]. Disponvel em: . Acesso em: 19 jan. 2010.

    BRASIL. Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior. Inovar e investir para sustentar o crescimento: ntegra da apresentao da poltica de desenvolvimento produtivo (PDP). Braslia: MDIC, [s.d.]. Disponvel em: .

    CORDER, S. Polticas de inovao tecnolgica no Brasil: experincia recente e perspectivas. Texto para Discusso, IPEA, n. 1.244, dez., 2006.

    ETZKOWITZ, H. Hlice trplice: universidade indstria governo. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2009.

    GRECO, S. M. S. S. ET AL. Empreendedorismo no Brasil: 2008. Curitiba: IBQP, 2009. Disponvel em: . Acesso em: 20 mar. 2010.

    GRIMALDI, D.; CARNEIRO, F. Avaliao de polticas pblicas de promoo de exportao: uma anlise de micro-dados para o Exim, Proex e Drawback entre 2003 e 2007. In: ACIOLY, L.; CINTRA, M. A. M. (Orgs.) Insero internacional brasileira: temas de economia internacional. Livro 3, Vol. 2. Braslia: IPEA, 2010. Disponvel em: . Acesso em: 6 de maio de 2013

    GUIMARES, E. Polticas de inovao: financiamento e incentivos. Texto para Discusso, IPEA, n. 1.212, ago. 2006.

    INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATSTICA (IBGE). Pesquisa Industrial 2003: empresa. Rio de Janeiro: IBGE, 2003. Disponvel em: . Acesso em: 24 abr. 2013.

    INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATSTICA (IBGE). Pesquisa de inovao tecnolgica (PINTEC). Rio de Janeiro: IBGE, 2005. Disponvel em: . Acesso em: 24 abr. 2013.

  • 68 Rev. Econ. Contemp., Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 39-68, jan-abr/2013

    KANNEBLEY JNIOR, S.; ESTEVES, L. A.; SILVA, A. M. P.; ARAUJO, B. C. Padres microeconmicos de comrcio internacional e a estratgia brasileira de exportao. Texto para Discusso, IPEA, n. 1.473, 2010.

    MATESCO, V. R.; TAFNER, P. O estmulo aos investimentos tecnolgicos: o impacto sobre as empresas brasileiras. Pesquisa e Planejamento Econmico, Rio de Janeiro, v. 26, n. 2, p. 307-332, ago., 1996.

    MINISTRIO DO DESENVOLVIMENTO INDSTRIA E COMRCIO EXTERIOR (MDIC). Base de microdados de comrcio exterior. Braslia: MDIC, 2009.

    MOREIRA, N.; ALMEIDA, F. A. S.; COTA, M. F. M.; SBRAGIA, R. A inovao tecnolgica no Brasil: os avanos no marco regulatrio e a gesto dos fundos setoriais. Revista de Gesto USP, So Paulo, v. 14, n. especial, p. 31-44, 2007.

    MINISTRIO DO TRABALHO E EMPREGO (MTE). Base de microdados RAIS. Braslia: MTE, 2009

    NOGUEIRA, M.; KUBOTA, L.; MILANI, D. CT-Info: uma viso a fundo. Revista Brasileira de Inovao, v. 2, n. 10, jul./dez., 2011.

    SERVIO BRASILEIRO DE APOIO S MICRO E PEQUENAS EMPRESAS (SEBRAE). Fatores condicionantes e taxas de sobrevivncia e mortalidade das micro e pequenas empresas no Brasil: 2003-2005. Braslia: SEBRAE, 2007. Disponvel em: . Acesso em: 23 abr. 2013.

    UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT (UNCTAD). World investment report: transnational corporations and the internationalization of R&D. cap. 6. New York; Geneva: UNCTAD, 2005.

    ZUCOLOTO, G. F. Lei do Bem: impactos nas atividades de P&D no Brasil setoriais. Radar, IPEA, n. 6, fev., 2010.

  • Reproduced with permission of the copyright owner. Further reproduction prohibited withoutpermission.