habitar o chabá

Upload: beatriz-serrazina

Post on 14-Feb-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/23/2019 Habitar o Chab

    1/8

    Laboratrio de Projecto VI

    DocentesJoo Sousa Morais I Joana Bastos Malheiro

    DiscenteBeatriz Serrazina

    20101257 # MIARQ 5A

    Habitar o Chab I A Cidade (In)Formal

    MEMRIADESCRITIVA[JANEIRODE2015]

    ANLISEDOTERRITRIO

    Localizada junto costa de Angola, Luanda um territrio em convulso. Depois de um perodo decolonizao portuguesa - do qual resultaram espantosos edifcios de arquitectura moderna - e da

    recentemente terminada guerra civil, a cidade vive agora momentos de forte polarizao. A concentraode poder e a crescente riqueza possuda por uma minoria contrasta com o enorme fluxo de populao

    rural que procura na capital melhores condies de vida. Construdos a um ritmo vertiginoso, os arranha-cus luxuosos, que despontam no centro cada vez mais ocidentalizado, tentam (sem elevado sucesso)

    contrariar a evoluo do musseque que estrangula e estende a periferia para l dos limites da cidade

    formal.

  • 7/23/2019 Habitar o Chab

    2/8

    neste contexto de forte desconexo territorial, espelho de uma sociedade dual, que se encontra obairro do Chab, alvo de interveno neste projecto. No quadrante sul de Luanda, este local situa-se numa

    posio da transio que ocorre entre as duas realidades, sendo por isso uma potencial charneira de

    unio e coeso do tecido urbano- o propsito primordial deste exerccio.

    Assim, na envolvente podem ser encontradas escalas de edificado muito distintas e sem conexo entre si.

    O Bairro Azul, a noroeste, constitudo por grandes moradias que ladeiam o Memorial Agostinho Neto,

    cone da cidade. No quadrante oposto, a nordeste, desenvolve-se o Bairro da Maianga, que pertence

    malha radial de Alvalade e faz parte, igualmente, do tecido formal. No entanto, caminhar para sul significa

    encontrar um territrio saturado de musseques, o Bairro Catambor, onde impera a precariedade.

    Rasgando verticalmente este tecido, contudo, est o Bairro Prenda, desenhado pelo arquitecto FernoLopes Simes de Carvalho em 1963, ento responsvel pelo Gabinete de Urbanizao Municipal. A sua

    presena sublinhada no s pela imponncia que as torres de habitao assumem na paisagem urbana

    (o impacto sobre a encosta do Chab brutal), como tambm pela enorme importncia histrica no

    crescimento da capital angolana e na sugesto de aplicao de um modelo corbusiano adaptado s

    especificidades locais, numa reinterpretao contempornea da cidade-jardim, para a definio da urbe.

    Delimitado por vias de intenso trfego virio no encontro com todos estes bairros, o Chab v ento a sua

    localizao mediadora ameaada pela falta de comunicao interterritorial. Esta agravada no seuflanco norte vincado pela passagem do canal do Rio Seco, cujo nome caracteriza a lixeira a cu aberto

  • 7/23/2019 Habitar o Chab

    3/8

    existente, fruto do depsito continuado de lixo ao longo de todo o leito. O seu percurso atravessa todos

    locais enunciados, desde o Parque Jos Marti, importante zona verde da cidade, encontrando o o Parque

    Z Du, no Bairro Azul, e, por fim, com a foz no oceano. este canal que, nos dias de hoje, representa

    fisicamente a separao entre os tecidos formal e o informalque constituem Luanda, pelo que a suaregenerao, face ao objectivo proposto, encarada como um fulcral eixo de sutura.

    Uma anlise dos equipamentos presentes permite antever uma existncia duas grandes reas: a sade ea cultura. A primeira representada pelo Hospital do Prenda, a melhor unidade sanitria nacional, oDispensrio Anti-Tuberculose e o Hospital Psiquitrico (j fora dos limites), com carter universitrio e

    nico no pas. J a rea cultural preenchida pela Escola Primria do Prenda, o Hipermercado Kanguru, o

    Cine Tivoli e o Centro Desportivo, antevendo a necessidade de conhecimento, comrcio, expressoartstica e desporto.

    Identificam-se, finda a primeira anlise, as trs premissas at agora enunciadas, que constituem a ideia

    principal do projecto: o Parque Urbano de Luanda, que agrega a rea verde do Rio Seco, o plohospitalar e o plo cultural e preenche uma enorme lacuna na cidade - a falta de espao pblicoqualificado.

  • 7/23/2019 Habitar o Chab

    4/8

    TRAADOURBANOA definio do traado urbano procura unir as diferentes realidades que envolvem o Chab: o eixonascente-poente conecta a Maianga e o Bairro Azul, enquanto o eixo norte-sul d rpido acesso, em

    primeira instncia, entre o Prenda e os equipamentos do plo hospital, e tambm, numa escala maisabrangente, destes locais para o centro a cidade.

    Porm, para alm destes grandes eixos, h ainda no traar da malha o reconhecimento e manuteno da

    memria do lugar, que se reflecte nos percursos informais e orgnicos desenhados pelo quotidiano doshabitantes. Tal preservao revela-se essencial neste contexto, a partir do momento em que se assumem

    os edifcios presentes como no qualificveis e sem possibilidade de serem alvo de qualquer tipo de

    reabilitao. Sendo a nica soluo reconstruir, fazendo de novo, considera-se deste modo de extremaimportncia manter no territrio referncias, para que as pessoas se identifiquem com o seu local de vida.Caso contrrio, entrar-se-ia numa lgica de tbua rasa (que aplicada em grande escala na Luanda de

    hoje), na qual no valorizado o local - e, face a algo no reconhecvel, a adaptao no acontece.

    Numa tentativa de inverso desta lgica, foram identificados os principais percursos desta memria, que

    deixam a descoberta as necessidades e vontades dos locais: um atravessamento rpido entre o Prenda e

    o Bairro Azul e um caminho transversal, ao longo do rio, cuja interseco marca uma vincada praa. No

    integrar do novo edificado, este percurso rasga o que encontra, sobrepondo-se a qualquer mudana. Oconjugar destes dois pontos - malha geometrizada e memria - origina a mtrica de organizao e odispositivo morfolgico que faz cidade.

  • 7/23/2019 Habitar o Chab

    5/8

    PROGRAMADEUSOSRecuperando o imaginrio de plos na cidade, desenhou-se um programa de usos que sustentasse a suadefinio na capital angolana. Noplo da sade, face importncia das unidades descritas, prope-se

    uma intercomunicao mais premente entre as mesmas, a par da edificao de um centro deinvestigao, possibilitando assim a optimizao do sistema e o aumento da sua relevncia no panorama

    angolano.

    No plo da cultura- e considerando esta como a base de qualquer sociedade, com poder de coeso -aposta-se no incremento de equipamentos culturais: um novo mercado, um centro cultural, um centro de

    conhecimento (redefinindo a escola primria), a revitalizao do cinema Tivoli e a edificao de galerias

    comerciais.

    Por fim, a rea verde, tendo como geratriz o eixo do canal do Rio, poder ser estendida em fasessucessivas at preencher a totalidade das margens que correm da Maianga ao mar. Esta zona de recreio e

    lazer pautada pela presena de vegetao local, equipamentos de apoio prtica desportiva

    (complementares ao pavilho desportivo j existente) e espaos de convite permanncia e

    deambulao. Actuando tambm neste plano verde, est a sugesto de uma capela.

  • 7/23/2019 Habitar o Chab

    6/8

    RELAOCOMAENVOLVENTEO edificado assume diferentes escalas de acordo coma envolvente mais prxima, tentando garantir assimuma boa relao com a pr-existncia. A distribuio dos diversos tipos de habitao - unifamiliar e

    colectiva de baixa e mdia altura - acontece tendo como pano de fundo os tecidos j descritos.

    Consequentemente, a habitao unifamiliar est colocada junto ao musseque a sul, enquanto a habitao

    colectiva de baixa e mdia altura tem lugar na relao com o Bairro Prenda e o Bairro da Maianga. Por

    outro lado, as dimenses do construdo acompanham o desnvel da topografia, tornando-se de alturamais reduzida medida que se aproximam do parque natural.

    Ainda na tentativa de uma boa comunicao com o exterior, so propostos fora da rea de interveno,para alm da extenso do parque natural, a construo de um balnerio de apoio, numa praa informaldo musseque junto ao mercado, a continuidade do principal eixo virio longitudinal at Maianga e acontinuao dos percursos orgnicos da rea verde at escola primriade Alvalade (tecido informalperto do centro desportivo).

  • 7/23/2019 Habitar o Chab

    7/8

    A CASACompreender a evoluo da casa no contexto tropical africano revela o ptio como elemento elementoestruturanteda habitao. Tambm a rua se assume como palco principal da vida quotidiana e, por

    conseguinte, nela que se desenvolvem as actividades do dia a dia. Por outro lado, a casa no possuiapenas as funes de proteco e conforto, sendo considerada por quem a habita como uma fonte desustento primordial - alugam-se quartos, desenvolve-se trabalho em oficinas, vendas informais soorganizadas janela e at alguns animais so criados.

    Por isso, no desenho da habitao, so introduzidos diversos conceitos - flexibilidade, auto-construo,identidade e sustentabilidade - que se interligam numa articulao de espaos baseada numa malha

    quadriculada, cuja geometria permite a fcil aplicao de materiais pr-fabricados (locais e baixo custo),dando lugar a uma casa evolutiva, qual fornecida apenas a estrutura base e as zonas hmidas (dedifcil concretizao pelos proprietrios). Neste caso, todas os restantes espaos a efectuar so da

    responsabilidade do morador, que o principal conhecedor das suas necessidades.

    Uma cobertura elevada permite a ventilao natural destes volumes modulares, desenvolvidos em torno

    de um ptio. Finalmente, respeitando a relao com a rua enunciada, define-se, na lgica de quarteiro e

    entre duas fileiras de talhes, uma viela mais privada, para onde se voltam as frentes de habitao. Na

    frente oposta, abre-se a loja, que, junto rede viria, actua no espao pblico. O ptio, esse, fica

    reservado como o local mais privado. Estar dentro, estando fora.

  • 7/23/2019 Habitar o Chab

    8/8

    O MERCADOPara alm da casa como fonte de rendimento, surge nos trpicos o edifcio do mercado como ponto deencontro dirio e plataforma de transio de bens. A sua relevncia no apenas funcional, mas tambm

    social, torna, inclusive, este equipamento num caso de estudo do GUC. No projecto destacada aimportncia de um ptio envolvido por bancas de vendas comuns - e este desenho replicado, comsucessivas adaptaes, em locais distintos, como Bissau e Lobito.

    Em Luanda, tambm de acordo com esta lgica, edifica-se o Mercado Kinaxixe (recentemente destrudo),em 1950, segundo o trao de Vasco Vieira da Costa, a sul da rea de interveno. Este mercado, pautado

    por um grande ptio central, fachada em brise soleil vertical e uma galeria em arca no piso trreo,

    tornou-se um cone da capital e notvel exemplar de arquitectura moderna.

    Deste modo, tomou-se como referncia nesta proposta, que, integrando a imagem do Kinaxixe, busca

    tambm as observaes de Simes de Carvalho - as lojas de rua, de apoio ao comrcio informal e osestratos mais desfavorecidos do musseque, que no tm acesso nave central.

    Em dois pisos, o volume principal, junto ao cruzamento entre a Avenida de Samba e a Avenida

    Comandante Arguelles (garantido boa acessibilidade e ocupando o anterior Hiper Kanguru), estende-se

    em direco ao parque atravs de uma praa semi-coberta com estrutura laminada e, no sentido aposto,

    ao musseque, com pequenas lojas informais em torno do ptio. De grande dimenso, o novo mercado

    pode actuar como uma centralidade contempornea no Chab.