hans kelsen e carl schmitt - debate entre normativismo e decisionismo
TRANSCRIPT
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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO
PUC-SP
Paula Vspoli Godoy
HANS KELSEN E CARL SCHMITT: o debate entre normativismo e decisionismo
MESTRADO EM DIREITO CONSTITUCIONAL
SO PAULO
2010
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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO
PUC-SP
Paula Vspoli Godoy
HANS KELSEN E CARL SCHMITT: o debate entre normativismo e decisionismo
MESTRADO EM DIREITO CONSTITUCIONAL
Dissertao apresentada Banca Examinadora da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, como exigncia parcial para obteno do ttulo de Mestre em Direito Constitucional, sob orientao do Professor Doutor Antnio Carlos Mendes.
SO PAULO
2010
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Banca Examinadora
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Ao meu saudoso pai, Iber Godoy e
minha grande incentivadora e amada
me, Silvia Vspoli Godoy.
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AGRADECIMENTOS
Agradeo ao meu orientador, Professor Doutor Antnio Carlos Mendes, pela
oportunidade, pelos ensinamentos e, principalmente, pela confiana irrestrita.
Agradeo ao Conselho Regional de Medicina do Estado de So Paulo, por acreditar
e investir na minha formao acadmica e profissional.
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RESUMO
Este trabalho visa abordar o debate entre os juristas Hans Kelsen e Carl Schmitt
ocorrido no entreguerras, durante a Repblica de Weimar. Procura analisar a teoria
e os conceitos que cada autor possui sobre questes como democracia, soberania,
poder de um governante e seus limites, Estado de Direito, fora e funo da
Constituio. Analisa os dualismos que permeiam este debate, dentre os quais,
normativismo e decisionismo, Direito e Poder, Jurdico e Poltico, normalidade e
exceo, reflexes que os levaram s respostas diversas sobre quem deve ser o
guardio da Constituio: o Tribunal Constitucional na concepo de Kelsen e o
Presidente do Reich na concepo de Schmitt. As posies tericas de cada autor
quanto ao controle de constitucionalidade das leis, no obstante terem ocorrido na
primeira metade do sculo XX, ainda provocam estudos e crticas acirradas, seja
pelo formalismo exacerbado de Kelsen ou pela ideologia reacionria e autoritria de
Schmitt. Muitos doutrinadores da Teoria e da Filosofia do Direito e do Direito
Constitucional contemporneos abordam este tema para tratar dos problemas atuais
da jurisdio constitucional. As crticas ao normativismo formalista, ao estado de
exceo e ao modelo parlamentar demoliberal, destacam-se entre os temas mais
analisados. A contemporaneidade deste debate e sua importncia na incessante
busca pelo aperfeioamento do controle de constitucionalidade das leis e garantia do
princpio democrtico e dos direito inseridos na Constituio so o objeto do
presente estudo.
PALAVRAS-CHAVE: Hans Kelsen. Carl Schmitt. Normativismo. Decisionismo.
Estado de exceo. Formalismo. Controle de constitucionalidade. Tribunal
Constitucional.
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ABSTRACT
The purpose of this work is to analyze the debates between the jurists Hans Kelsen
and Carl Schmitt occurred in between wars, during the Weimar Republic. It also
purports to consider the theory and the concepts of each author on issues such as
democracy, sovereignty, the power of a governor and his limitations, State of Law,
strength and function of the Constitution. It analyzes the dualisms involved in this
debate, among which, normativism and decisionism, Law and Power, Legal and
Political affairs, normality and exception, reflections which eventually led them to the
diverse answer on who must be the guardian of the Constitution: the Constitutional
Court according to Kelsens conception and the President of the Reich according to
Schmitts conception. The theoretical accounts of each author regarding the control
of law constitutionality, notwithstanding having occurred on the first half of the
twentieth century, still bring about studies and fierce criticisms, whether it is due to
Kelsens exacerbated formalism or to Schmitts reactionary and authoritarian
ideology. Many indoctrinators of the Theory and the Philosophy of contemporary Law
and Constitutional Law address the subject to deal with the present problems of the
constitutional jurisdiction. The criticisms to the formalist normativism, to the state of
exception and the demo-liberal parliament model, are amongst the most analyzed
issues. The contemporanity of this debate and its importance in the relentless search
for the improvement of the control of constitutionality of the law and assurance of the
democratic principle and the rights introduced in the Constitution is the goal of the
present study.
KEY WORDS: Hans Kelsen, Carl Schmitt, normativism, decisionism, state of
exception, formalism, control of the constitutionality, Constitutional Court.
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SUMRIO
INTRODUO E OBJETIVOS ............................................................................ 08
CAPTULO I CONTEXTO HISTRICO: OS AUTORES E SUAS OBRAS ...... 12
1.1 Sobre Hans Kelsen ............................................................................. 12
1.2 Sobre Carl Schmitt .............................................................................. 13
1.3 O debate sobre O guardio da Constituio .................................... 15
1.3.1 Kelsen 1929 ........................................................................ 15
1.3.2 Schmitt 1931 ....................................................................... 20
1.3.3 Kelsen 1932 ........................................................................ 40
CAPTULO II O NORMATIVISMO KELSENIANO ............................................ 49
2.1 Essncia e valor da democracia 1920 ............................................. 50
2.2 Teoria Pura do Direito 1934 e Teoria Geral do Direito e do
Estado 1945 ..................................................................................... 51
CAPTULO III O DECISIONISMO SCHMITTIANO .......................................... 62
3.1 Teologia poltica 1922 ...................................................................... 63
3.2 A situao histrico-cultural do atual parlamentarismo 1923 ........... 67
3.3 Teoria da Constituio 1928 ............................................................ 70
3.4 O conceito do poltico 1932 .............................................................. 74
3.5 Legalidade e legitimidade 1932 ....................................................... 77
CAPTULO IV AS ANLISES DESTA DICOTOMIA ........................................ 82
4.1 Sobre a posio adotada por Kelsen ................................................... 82
4.1.1 Kelsen visto por Norberto Bobbio .......................................... 82
4.1.2 Kelsen visto por Fabio Ulhoa Coelho ..................................... 88
4.2 Sobre a posio adotada por Schmitt .................................................. 91
4.2.1 Schmitt visto por Jos Caamao Martnez ............................ 91
4.2.2 Schmitt visto por Giorgio Agamben ...................................... 103
4.3 Outros estudos sobre o tema ............................................................. 107
CONCLUSO ..................................................................................................... 118
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .................................................................. 125
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................. 128
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INTRODUO E OBJETIVOS
O debate intelectual entre o alemo Carl Schmitt e o austraco Hans Kelsen
se deu no entreguerras, mais especificamente entre 1929 e 1932, antes de Hitler
ascender ao poder como chanceler na Alemanha e pr fim Repblica de Weimar
(que durou de 1919 a 1933) e sua Constituio de 1918.
Neste momento histrico, os dois juristas travam um debate sobre quem deve
ser o guardio, o defensor, o garantidor da Constituio e dos direitos nela inseridos,
ou seja, quem ou que rgo deve ser competente para realizar o controle de
constitucionalidade das leis que regem uma nao.
O pensamento de cada um desses autores a respeito do controle de
constitucionalidade das leis pelo guardio da Constituio consequncia dos
conceitos e teorias que cada um possui do que seja a democracia, a soberania, o
poder de um governante e seus limites, o Estado de Direito, o Estado Constitucional
e, claro, a funo e a fora da Constituio.
Assim, a concluso a que chegaram sobre quem deve ser o guardio da
Constituio pautada por todo raciocnio terico que cada qual possui em relao
cincia do Direito, Teoria do Estado, Teoria Constitucional e que so frutos
daquele perodo histrico.
A teoria de Kelsen conhecida como um positivismo normativista, a qual
parte da premissa de que o Estado e o Direito (ordenamento jurdico) so a mesma
coisa, afinal, o ordenamento jurdico formado pelas leis votadas pelos
representantes do povo (soberania popular = soberania normativa), que manifestam
a forma de Estado que aquele grupo social pretende formar.
J Schmitt possui uma teoria designada decisionista. A norma jurdica, para
Schmitt, difere da existncia do Estado, pois este ltimo entendido como a
unidade poltica (e no normativa) de um povo. Por isso, faz uma distino entre
Constituio e Lei Constitucional, pois para ele, uma Constituio no se apoia em
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uma norma abstrata como fundamento de validade, mas em uma deciso poltica,
surgida de um ser poltico concreto.
Por isso, a resposta questo Quem deve ser o guardio da Constituio?
ir depender dos componentes que formam a teoria jurdica de cada autor. Baseado
no normativismo, Kelsen entende que os Tribunais Constitucionais so um meio
idneo para se garantir a essncia da democracia, oferecendo proteo aos direitos,
controlando leis, regulamentos, tratados internacionais, todos subordinados e
conforme a lei maior que a Constituio. J Schmitt, que se baseia na tese
decisionista, entende que os Tribunais podem at controlar as leis em face dos
mandamentos constitucionais, mas no podem defender nem proteger a
Constituio, pois o problema da unidade do Estado (como deciso poltica do povo)
recai sobre outro representante popular: o Presidente do Reich.
Para Schmitt, a teoria de Kelsen acarreta uma politizao da justia, pois os
litgios constitucionais sempre sero polticos e no de mera conformidade
normativa. J para Kelsen, a teoria schmittiana possui natureza ideolgica e no
cientfica, confundindo o problema da poltica com o de Direito, estando Schmitt
naquela poca ainda aderindo a um constitucionalismo monrquico. Para Kelsen,
pretender que o Presidente do Reich represente um poder neutro uma fico,
afinal, ele sempre ser eleito por um partido poltico.
Muitos doutrinadores reduzem o debate destes dois juristas como sendo o
enfrentamento de um liberal-democrata com um nacional-socialista. Mas muito
mais que isso, pois a bagagem intelectual e a abrangncia de suas obras so de
tamanha grandeza que so referncias obrigatrias Teoria do Direito, Teoria do
Estado e Teoria da Constituio, at os dias de hoje.
Independentemente das crticas sofridas por Schmitt no sentido de que sua
teoria legitimou a ascenso de Hitler e o regime nazista totalitrio em Weimar, seu
pensamento baseado em alguns conceitos jurdicos e polticos que contrariam o
modelo normativo kelseniano e que no podem ser ignorados. De fato, a histria
parece ter dado razo a Kelsen, haja vista o modelo jurisdicional de controle de
constitucionalidade das leis hoje existente na maioria dos pases ocidentais. Mas as
observaes realizadas por Schmitt, relacionadas aos problemas do modelo
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normativo formalista, ainda so objeto de estudo e crticas de autores
contemporneos.
Ou seja, o debate ainda atual. O modelo kelseniano demonstrou ser
legitimador da democracia, um meio idneo de representao popular na
composio do ordenamento jurdico, assim como a formao do Tribunal
Constitucional como garantidor da Constituio nos moldes austracos, serviu de
referncia para muitos pases com diferentes nuances. Porm, de alguma forma, a
crtica de Schmitt quanto ao excesso de formalismo desvinculado da realidade
social, ineficcia do Parlamento na soluo dos conflitos e na satisfao dos
anseios sociais, bem como a crtica sobre a politizao dos Tribunais so tambm
pertinentes e merecem ser estudados.
Com o propsito de verificar a posio adotada por cada autor no debate
sobre Quem deve ser o guardio da Constituio? partiremos primeiramente dos
textos produzidos por eles neste enfrentamento terico ocorrido no entreguerras, o
que nos obriga, num segundo momento, a abordar o conjunto da obra de cada um,
passando pelas discusses de normativismo e o decisionismo, Direito e Poder,
Jurdico e Poltico, normalidade e exceo, ou seja, suas premissas, seus conceitos,
seus caminhos.
Assim, a questo de quem deve realizar o controle de constitucionalidade das
leis de um Estado ser o ponto de partida para o conhecimento da obra destes
autores e de suas vises antagnicas, as quais continuam causando polmica.
Pretende verificar, sob a viso destes juristas, quem vem frente: o Direito ou o
Poder? A norma ou a deciso? Qual o mecanismo mais adequado para cumprir e
garantir o princpio democrtico? Pretende verificar como, quem ou que rgo
mais competente e legtimo para resguardar e garantir os preceitos e princpios
contidos na Constituio.
Primeiramente, ser exposto o contexto histrico em que viveram estes
autores e que influenciaram sua formao acadmica e suas obras. Posteriormente,
analisaremos diretamente o debate sobre o guardio da Constituio. Partindo do
debate sobre o controle de constitucionalidade, abordaremos as obras principais
destes autores e seus conceitos centrais que elucidam suas posies, para, ento,
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expormos as anlises que tm sido realizadas por outros tericos do Direito sobre
esta questo e sobre o posicionamento destes dois grandes juristas.
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CAPTULO I CONTEXTO HISTRICO: OS AUTORES E SUAS OBRAS
1.1 Sobre Hans Kelsen
Hans Kelsen nasceu em Praga, pertencente poca ao Imprio Austro-
Hngaro. Formou-se pela faculdade de Direito de Viena, na qual lecionou a partir de
1911. Foi assessor jurdico do Ministrio da Guerra, o que lhe permitiu, a partir de
1918, colaborar com a redao da nova Constituio austraca, proclamada em
1920. Foi membro do Tribunal Constitucional Austraco de 1921 a 1930, quando se
mudou para a Alemanha, sendo professor da Universidade de Colnia.
Judeu, abandonou a Alemanha com a ascenso dos nazistas ao poder,
transferindo-se para Genebra. Ao comear a Segunda Guerra Mundial, emigrou para
os Estados Unidos em 1940. Lecionou em Harvard e Berkeley. Em 1934 publicou
sua mais famosa obra, a Teoria Pura do Direito. Sua obra Teoria Geral do Direito e
do Estado, de 1945, praticamente a condensao de todo seu pensamento.
Sua Teoria Pura do Direito teve muitos adeptos, sendo estudada e adotada
alm das fronteiras austracas. Porm, sua pureza metodolgica e o enfoque
normativo de seu pensamento tambm sofreram crticas. Segundo o Professor
Trcio Sampaio Ferraz1:
[...] Kelsen foi continuamente acusado de reducionista, de esquecer as dimenses sociais e valorativas, de fazer do fenmeno jurdico uma mera forma normativa, despida de seus caracteres humanos. Sua inteno, no entanto, no foi jamais a de negar os aspectos multifaciais de um fenmeno complexo como o direito, mas de escolher, dentre eles, um que coubesse autonomamente ao jurista. Sua idia era a de que uma cincia que se ocupasse de tudo corria o risco de se perder em debates estreis e, pior, de no se impor conforme os critrios de rigor inerentes a qualquer pensamento que se pretendesse cientfico.
Por isso, em busca dessa pureza metodolgica, Kelsen enfoca todo seu
raciocnio na norma posta. Afasta qualquer ato de vontade, qualquer aspecto social,
1 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Prefcio obra Para Entender Kelsen, de Fabio Ulhoa Coelho.
5. ed. So Paulo: Saraiva, 2009, p. XVI.
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poltico ou moral que possa estar por trs dela. A existncia da norma independe de
quem a criou, o que importa a sua validade. No importa a ele se a norma justa
ou no, pois o critrio de justia vai alm do direito, envolvendo avaliaes morais.
Um aspecto importante e fundamental para desenvolver o presente trabalho
verificar que para Kelsen, do ponto de vista da cincia jurdica, o Direito e o Estado
se confundem. O Estado organizado atravs de normas, que estabelecem
competncias e sanes. Sem a ordem normativa o Estado deixa de existir. Esta
premissa far com que compreendamos toda sua linha de pensamento, inclusive, a
sua posio quanto ao guardio da Constituio.
1.2 Sobre Carl Schmitt
Carl Schmitt certamente um dos mais polmicos pensadores do sculo XX.
Sua obra jurdica mescla constantemente com suas ideias polticas e os
acontecimentos de sua poca. No obstante as crticas sofridas pelo autor em razo
de sua militncia poltica junto ao partido nazista, ao qual se filiou em 1930, seu
pensamento jurdico profundo e coerente, tendo uma obra vasta que merece ser
estudada de forma cientfica e independente de ideologias.
No h dvida de que em sua obra constam, alm de textos cientficos sobre
a teoria do Direito, alguns contendo verdadeiros discursos ideolgico-panfletrios.
Por isso, sofreu um verdadeiro paradoxo pessoal, entre a independncia intelectual
e oportunismo poltico, o que lhe gerou inclusive ameaas de morte pelo regime
nazista, pois tinha um passado em que manteve contato com judeus (dedicou,
inclusive, sua obra Teoria da Constituio ao amigo Dr. Fritz Eisler, morto em
1914). Suas ideias acabaram por incomodar o regime nazista, no obstante ter
mudado seu discurso para favorec-lo (alguns textos possuem at um contedo
antissemita).
O cerne de sua teoria embasado no pensamento jurdico decisionista. Foi
um debatedor no s do normativismo formal representado por Kelsen, como do
liberalismo e do regime parlamentarista. Schmitt faz uma correlao direta entre os
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conceitos de Direito e Soberania, diferentemente de Kelsen, que os separa
completamente.
O autor, filho de pais catlicos fervorosos, recebeu uma educao religiosa
que marcaria toda sua trajetria intelectual. A situao poltica da Alemanha aps a
Primeira Guerra Mundial, entre 1917 e 1920, bem como a Revoluo Bolchevique,
os levantes comunistas alemes e os efeitos do Tratado de Versalhes para a
Alemanha marcaram toda sua gerao. O advento da Repblica de Weimar em
1919 e o incio do parlamentarismo no lugar de um regime autoritrio permearam
toda sua preocupao intelectual.
Schmitt tinha um verdadeiro temor de uma crise e fragmentao do Estado
alemo. A Alemanha estava marcada por uma forte diviso de partidos no
Parlamento, o que fez com que ele desacreditasse o debate livre, o qual chama de
romantismo poltico, pois, para ele, este era incapaz de chegar a uma deciso. Por
isso, opta por uma posio conservadora, defendendo at a garantia de poderes
excepcionais ao Presidente do Reich.
Schmitt, segundo Ronaldo Porto Macedo Jr.2, a exemplo do que ocorreu com
outros intelectuais alemes, menosprezou o poder dos nazistas em 1930. No
confiava em Adolf Hitler, pois entendia que ele no tinha capacidade para realizar as
reformas necessrias, evitar a crise e recuperar a capacidade do governo que
estava desmantelada por um parlamento pluralista. Mesmo aps a tomada do poder
pelos nazistas, Schmitt acreditou que uma influncia mais conservadora e tradicional
de suas ideias pudesse conter os perigos da ditadura anunciada pelo novo Fuhrer.
Em 1 de maio de 1933, aps o partido nazista ter expurgado das
universidades alems professores socialistas, judeus, liberais e antinazistas, Schmitt
se filia ao partido nacional-socialista. Neste perodo escreveu muitos textos sobre o
Estado totalitrio, inserindo observaes antissemitas em suas obras. Mas vale
notar, que mesmo escrevendo estes textos pr-nazismo, o tempo todo precisou
provar sua adeso ideolgica ao nazismo, pois era visto pelos prprios nazistas
como um oportunista.
2 MACEDO JR., Ronaldo Porto. Carl Schmitt e a fundamentao do Direito. So Paulo: Max Limonad,
2001.
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Seu oportunismo chegou a tal ponto que suas posies no eram aceitas
como autnticas nem para os nazistas nem para os antinazistas. Sua situao era
difcil tanto internamente como no exterior. Manteve-se em silncio desde o incio de
1936 at o final da Segunda Guerra. Aps a Segunda Guerra, Schmitt volta a
escrever.
Mas as obras de Schmitt que interessaro a este trabalho so aquelas
produzidas durante a Repblica de Weimar, no entreguerras. H quem diga que sua
real inteno em apoiar o regime nazista era tentar realizar sua teoria constitucional
do Estado Total e no o Estado ditatorial instalado naqueles moldes.
O que se busca aqui contrapor sua teoria decisionista ao normativismo
formal de Kelsen, mas para tanto, no poderamos deixar de contextualiz-la em sua
poca, vez que fruto destes acontecimentos.
1.3 O debate sobre O guardio da Constituio
1.3.1 Kelsen 1929
Em 1928, Kelsen publicou em francs o artigo A jurisdio Constitucional.
Com base em sua Teoria Geral do Estado de 1925, trata da natureza da garantia
jurisdicional da Constituio. Tendo sido um dos elaboradores da Constituio
austraca de 1920, visa demonstrar a tcnica por ele elaborada para garantir o
exerccio regular das funes estatais3.
Busca desta forma, a regularidade tanto da criao do direito, da legislao,
como da execuo da lei, das normas jurdicas aplicadas. Para isso, parte da
premissa de que o direito regula sua prpria criao e o Estado se cria e recria sem
cessar com o direito. O direito, no caminho que percorre desde a Constituio at os
atos de execuo material, no para de se concretizar.
3 Kelsen entende por funes estatais os atos jurdicos de legislar e executar o direito.
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Por isso, esclarece que Constituio, lei e decreto so normas jurdicas
gerais, sendo que sentena e ato administrativo so normas jurdicas individuais. A
cada grau que desce na escala hierrquica das normas a partir da Constituio, a
liberdade de criao diminui. A regularidade nada mais do que a relao de
correspondncia de um grau inferior com o grau superior da ordem jurdica. Assim
garantia da Constituio significa regularidade das regras subordinadas a ela.
A transio da monarquia absoluta para a monarquia constitucional, fez com
que deslocasse o poder das mos do monarca para o texto da Constituio e que as
leis fossem votadas com a colaborao dos representantes nacionais. Porm, no
foi isso que se viu ocorrer, pois mesmo aps a instaurao da monarquia
constitucional, em muitos Estados, no s o poder de sano das leis permaneceu
com o monarca, mas a promulgao das leis, ou seja, o monarca ainda exercia a
funo de controle.
Porm, no obstante houvesse quem ainda defendesse que o controle de
constitucionalidade deveria ser realizado pelos chefes de Estado, Kelsen entendia
que o exame de constitucionalidade devia ser retirado dos rgos de aplicao do
direito, pois se trata de tcnica jurdica moderna de controlar a regularidade dos atos
estatais.
Kelsen descreve estas tcnicas como sendo preventivas (que evitam a
produo de atos irregulares) e repressivas (que reagem contra o ato irregular j
produzido). Essas tcnicas no devem ser restritas a casos concretos, como faziam
os Tribunais da poca, pois geram falta de unidade das solues e insegurana do
direito da resultante, afinal, um Tribunal pode entender pela aplicao de um
regulamento ou lei por consider-los regulares, enquanto um outro Tribunal faz o
contrrio, vedando-os.
Devido a isso, entendia que deveria haver uma centralizao do poder de
examinar a regularidade das normas gerais, por uma autoridade nica, bem como
deveria ser abandonada a limitao da anulao ao caso concreto, adotando-se um
sistema de anulao total, para todos os casos em que a norma seria ou no
aplicada. Tal poder s pode ser confiado a uma instncia central suprema.
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Kelsen discorre sobre a anulao de atos administrativos e sentenas, mas
foca sua anlise na tcnica que objetiva garantir a regularidade das funes estatais,
que a anulao do ato inconstitucional, que representa a principal garantia da
Constituio (o que no significa no considerar outros meios de assegurar
regularidade de atos a ela subordinados).
Para ele, uma nica forma de se ter uma garantia eficaz da
constitucionalidade por um terceiro rgo e no pelo prprio rgo que produziu
aquele ato (seria, segundo o autor, at uma ingenuidade poltica contar que o
Parlamento, por exemplo, anularia uma lei votada por ele prprio). Portanto, deveria
ser um rgo diferente, independente dele e de qualquer outra autoridade estatal:
uma jurisdio ou um tribunal constitucional.
Uma das objees a este sistema jurisdicional diz que este seria incompatvel
com a soberania do Parlamento. Outra, que decorre da separao de poderes, diz
que este sistema faz com que haja uma intromisso no poder legislativo. Kelsen
rebate ambas. Para isso, traz a origem da doutrina da separao de poderes e fala
que na verdade se trata de diviso de poderes, repartio de poderes entre
diferentes rgos, no para isol-los reciprocamente, mas para permitir um controle
recproco de um sobre o outro, impedindo a concentrao de poder e regularizando
o funcionamento dos diferentes rgos.
Assim, a jurisdio constitucional no s no contrria a este princpio,
como a afirmao dele. evidente que um Tribunal independente diante de um
Parlamento e diante do Governo. E justamente estes que devem ser controlados
pela jurisdio constitucional.
Por essa razo importante esclarecer a distino entre elaborao e
anulao das leis. Quando se anula uma lei, aplicando as normas da Constituio,
no h liberdade como na criao das leis. Enquanto o legislador s est preso
Constituio quanto ao procedimento e aos princpios e diretivas gerais, a jurisdio
constitucional est determinada pela Constituio, a aplicao do direito e pouca
criao do direito, pois ela atua como um legislador negativo.
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So objetos do controle de constitucionalidade das leis todos os atos que
revestem a forma de leis, mesmo aqueles que contm normas individuais, como atos
administrativos e regulamentos. Para Kelsen, o controle deve se estender tambm
aos decretos com fora de lei, como o chamado decreto de necessidade, afinal,
quanto mais estritas as condies que a Constituio os autoriza, maior o perigo de
uma aplicao inconstitucional e, por isso, mais necessrio um controle de sua
constitucionalidade. Tambm aduz a necessidade de controle dos tratados
internacionais, pois estes so fonte de direito equivalentes s leis e devem ser
conforme a Constituio.
Quanto ao controle dos princpios constitucionais, o autor diz que os mesmos
j esto incorporados s normas jurdicas. Mas, se alguns princpios no foram
traduzidos como normas de direito positivo, difcil obter uma determinao unvoca
dos mesmos, vez que so imprecisos: equidade, liberdade, igualdade, justia,
moralidade, etc. Nestes casos, tanto o legislador como os rgos de execuo das
leis esto autorizados a preencher de forma discricionria o domnio que lhes
confiado pela Constituio.
Numa situao desta (quando se tratar de princpios), no possvel que o
Tribunal se pronuncie sobre seu contedo, pois a concepo que os juzes tiverem
destes termos poderia estar em oposio com a da populao e com a da maioria do
Parlamento que votou a lei. Para evitar tal deslocamento de poder, a Constituio
deve abster-se desse gnero de termos e, se quiser estabelecer princpios relativos
ao contedo das leis, dever faz-lo da forma mais precisa possvel.
O significado jurdico e poltico que Kelsen d jurisdio constitucional : se
no houvesse a garantia de que atos que contrariem a Constituio fossem
anulados, quer dizer, se no houvesse a anulao dos atos inconstitucionais, ela
no seria tecnicamente obrigatria. Conforme o autor seria um anseio sem fora
obrigatria.
Outro valor importante da jurisdio constitucional se refere aos Estados que
vivem uma repblica democrtica, pois nestes, a jurisdio constitucional uma
forma de defesa das garantias das funes estatais, uma vez que quanto mais a
democracia se expande, mais o controle deve ser reforado. A jurisdio
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constitucional acaba servindo como meio de proteo da minoria contra a maioria.
Toda minoria (de classe, nacional, religiosa) cujos interesses so protegidos pela
Constituio, tem interesse na constitucionalidade das leis. Neste ponto, importante
transcrever o que aduz o autor:
Se virmos a essncia da democracia no na onipotncia da maioria, mas no compromisso constante entre os grupos representados no Parlamento pela maioria e pela minoria, e por conseguinte na paz social, a justia constitucional aparecer como um meio particularmente adequado realizao dessa idia. A simples ameaa do pedido ao tribunal constitucional pode ser, nas mos da minoria, um instrumento capaz de impedir que a maioria viole seus interesses constitucionalmente protegidos, e de se opor ditadura da maioria, no menos perigosa para a paz social que a da minoria
4.
Kelsen tambm verifica grande importncia da jurisdio constitucional nas
formas de Estado federativo. Este modelo descentralizado faz com que
determinadas matrias sejam regidas por leis centrais e outras por leis locais. A
repartio de competncias a ideia central do federalismo. E por isso que diz o
autor:
A proteo desse limite constitucional das competncias entre Unio e estados federados uma questo poltica vital, sentida como tal no Estado federativo, no qual a competncia sempre d ensejo a lutas apaixonadas. Mais que em qualquer outra parte, faz-se sentir aqui a necessidade de uma instncia objetiva que decida essas lutas de modo pacfico, de um tribunal ao qual esses litgios possam ser levados como problemas de ordem jurdica e decididos como tal isto , de um tribunal constitucional.
5
No Estado federado no h prevalncia do direito federal sobre o direito
estadual, por essa razo, ambos em suas relaes recprocas devem ser julgados
de acordo com a Constituio que delimita seus domnios.
Esses so os pontos principais da jurisdio constitucional, teoria de Kelsen
publicada neste perodo, a qual sofrer crticas ao seu modelo, como veremos
adiante.
4 KELSEN. Jurisdio Constitucional, p. 182.
5 KELSEN, op.cit., p. 183.
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1.3.2 Schmitt 1931
CRTICA AO MODELO KELSENIANO
O pensador alemo Carl Schmitt escreveu a obra O Guardio da
Constituio em 1931, na qual questiona o papel do Poder Judicirio como o
garantidor da Constituio, nos termos da teoria da jurisdio constitucional
kelseniana. Sua crtica parte do rechao ao normativismo, neutralidade da Teoria
Pura do Direito de Kelsen e ao liberalismo, que julga somente servirem de apoio aos
ideais burgueses da poca.
Inicia sua obra esclarecendo que a tarefa de apontar o guardio difcil,
haja vista a complicada situao constitucional da Alemanha vivida naquela poca,
encontrando-se em total transformao. A Constituio de Weimar tratava das
garantias da Constituio e por isso a importncia de se perguntar sobre seu
defensor. Vrias propostas da poca so pelo tribunal do Reich, como defensor e
vigia, mas entende serem estas propostas confusas, pois resultam numa
justaposio entre os tribunais da Alemanha.
Todos que tratam o tema tendem a ser influenciados a transferir todos os
problemas simplesmente para um processo judicial e desconsideram a diferena
fundamental entre deciso processual e deciso de divergncias de opinio sobre
uma determinao constitucional. Limita-se a tratar do problema como sendo um
mero problema de proteo contra leis e decretos inconstitucionais.
Schmitt diz que provavelmente estes entendimentos se deram em razo dos
resduos do perodo anterior guerra e sob influncia da soluo austraca
(modelo kelseniano de jurisdio constitucional), mas pouco se discutiu sobre o
significado de uma ampliao da justia, contentando-se com normativismos e
formalismos abstratos. Por isso se faz necessrio apreciar o problema
concretamente.
Comea dizendo que a ideia de tribunais sentenciadores como garantidores
de uma Constituio surge a partir de ideias difundidas sobre a Suprema Corte dos
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Estados Unidos da Amrica, a qual defende princpios gerais, e se apresenta como
guardio de toda uma ordem social e econmica. Porm, no se pode simplesmente
transferir essa ideia s condies de um Estado europeu, vez que so poltica e
socialmente bem diferentes.
Caracteriza o modelo americano de controle de constitucionalidade, que faz
dos tribunais daquele pas verdadeiros guardies da Constituio, como sendo tpico
modelo de Estado judicial. Mas o modelo americano absolutamente diferente do
tribunal do Reich alemo, que tem uma importncia muito modesta em comparao
com o direito de exame de um tribunal norte-americano e se movimenta dentro de
limites muito mais estreitos. O juiz alemo pode negar aplicao lei ordinria num
caso concreto, mas no priv-la de validade. Trata-se apenas do conflito de
subsunes correspondentes ao tipo, no havendo outro tipo de exame pelos
tribunais. Esclarece que:
A fundamentao atm-se cuidadosamente, para no falar formalmente, normatizao da norma constitucional e correspondente ao preceito jurdico, a qual, pelo seu tipo e sua estrutura lgica, possibilita uma confrontao com a lei ordinria. Sobretudo, no h segundo essa deciso nenhum exame judicial de uma lei no tocante a sua concordncia com princpios jurdicos gerais como boa-f, direito certo, razoabilidade (reasonableness, expediency) e noes semelhantes das quais se serve a prtica do supremo tribunal dos Estados Unidos
6.
Schmitt entende, assim, que o modelo alemo de exame judicial, ao contrrio
do norte-americano, deve permanecer situado na legislao, pois toda justia est
vinculada a normas e cessa quando as prprias normas tornam-se em seu contedo
duvidosas e discutveis. A justia permanece vinculada lei e, ainda que se
anteponha uma lei ordinria a uma norma constitucional, ela no se torna a guardi
da Constituio.
Com efeito, somente quando ocorrer insubordinao e resistncia aos
comandos constitucionais que deve existir um guardio da Constituio em
sentido institucional. Por isso, os tribunais, tendo apenas a possibilidade de no
aplicao de leis inconstitucionais, no podem ser considerados como guardies. A
aceitao do guardio da Constituio como pertencente esfera da justia pode
6 SCHMITT, O guardio da Constituio, p. 27.
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ser explicada como uma ideia mal compreendida do Estado de Direito, a qual
concebe a resoluo judicial para todas as questes polticas, o que enseja no que
ele chama de politizao da justia.
Espera-se de um guardio uma determinada proteo a um determinado risco
bem definido e temido concretamente. Enquanto no sculo XIX este risco provinha
do governo, ou seja, vinha do executivo, atualmente, a preocupao se dirige contra
o legislador, por uma tutela contra as maiorias parlamentares. A norma
constitucional deve proteger interesses minoritrios, contra essa maioria. Por essa
razo o legislador no pode ser o guardio da Constituio.
Tambm, muitos estudiosos no procuraram na Constituio de Weimar o
guardio da Constituio na esfera do executivo, pois ainda havia a impresso da
secular luta constitucional contra o governo.
Mas isso no quer dizer, para Schmitt, que o guardio est na esfera da
justia, pois devido estrutura judicial, a proteo judicial fica restrita a fatos tpicos
j concludos, enquanto os casos verdadeiramente interessantes da proteo
constitucional permanecem fora da abrangncia judicial.
Entende que no h como se cogitar a justia como guardi da Constituio
nem mesmo nas hipteses em que o Parlamento incapaz de ao, no fazendo
uso de seus poderes constitucionais. Se um tribunal for incumbido de dirimir todas
as dvidas e divergncias emergentes, para a qual pudessem apelar a maioria e a
minoria parlamentar, tal tribunal seria uma instncia poltica junto ao Parlamento, ao
presidente e ao governo do Reich.
Quando h uma justia constitucional fiscalizadora do legislador e do
governo, ou est havendo uma violao constitucional a ser comprovada exercendo
o tribunal uma atividade repressiva, ou o caso se encontra obscuro e duvidoso seja
por motivos concretos, seja por incompletude e amplido de toda Constituio
escrita. No existe nestes casos questo de direito pura, sendo a deciso deste
tribunal diferente de uma deciso judicial, diferente de justia.
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Nesse contexto, o juiz se ver na situao de tomar medidas polticas,
tornando-se um fator poderoso na poltica interna do Estado, sendo que sua
independncia judicial no poder mais proteg-lo da responsabilidade poltica.
Neste momento da obra, Schmitt inicia uma crtica direta teoria de Kelsen,
rechaando seu formalismo exacerbado em que tudo pode virar questo de justia,
em que tudo pode se tornar norma e estabelecimento de normas:
Quando o juiz, com base em uma determinao da lei penal, condena o ru pena de recluso, a sentena que determina a priso derivada, em seu contedo, da lei por meio de uma subsuno do caso a ser decidido, correspondente ao tipo, a uma norma que possibilita uma subsuno correspondente ao tipo e que j define antecipadamente, dentro de uma determinada esfera (pena de recluso), o contedo da sentena. Quando o Primeiro Ministro do Reich faz uma aliana com a Rssia com base no artigo 56 da Constituio, ou quando o Presidente do Reich, com base no artigo 48, ordena uma ajuda para o leste, a aliana russa ou a ajuda para o leste no derivada, em seu contedo e por meio de subsuno correspondente ao tipo, das disposies da norma constitucional constantes no artigo 56 ou 48 como aquela pena de recluso da norma da lei penal. um abuso deixar misturar a diferenciao entre instruo de competncias e normatizao material, justificar as mais variadas proposies, ordens, regulamentaes, poderes e decises com a palavra norma e, onde se trata de justia, nem mais diferenciar entre normas sujeitas e as no sujeitas ao da justia. [...] Como todo problema terico constitucional, o da justia constitucional pode ser simplesmente solucionado por meio de conceitos formais. Mas to logo se tenha em conta a diversidade objetiva entre legislao e justia e a diversidade entre normas sujeitas e normas no sujeitas ao da justia, revela-se que aquela leve simplicidade representa to s um jogo de equvocos. Quando Kelsen, e.g., fala de uma universal gradao da ordem jurdica e sobre essa base constri todo seu raciocnio, isso possvel apenas enquanto os diversos significados na ambgua palavra Constituio norma de base, deciso poltica geral, o contedo incidente de pargrafos constitucionais escritos (R. Smend), instruo de competncias da norma constitucional, normatizao singular da norma constitucional para direito material assim como os muitos tipos de normas no so diferenciados, mas continuadamente confundidos uns com os outros. [...] Assim, a teoria de graus, com sua universalidade da norma, interessante, talvez, para a teoria jurdica abstrata, mas no para a teoria constitucional. No se atinge o problema especfico, pois, em vez de uma base terico-constitucional, dado um esquema terico-jurdico vazio de ordem jurdica e de gradao universal ou hierarquia de normas. [...] Com razo, h apenas uma hierarquia de seres concretamente existentes, uma superioridade e subordinao de instncias concretas. Uma hierarquia de normas uma antropomorfizao da norma, sem esprito crtico e ametdica, e uma alegoria improvisada
7. (grifo do autor).
7 SCHMITT, op.cit., p. 58-60 (notas).
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Assim, para Schmitt, esses conceitos formais, em que tudo pode se tornar
norma so uma estranha mistura de abstraes sem fundamento e metforas
fantasiosas que se revelam neste problema do guardio da Constituio.
No h nenhuma justia de norma sobre norma, enquanto o conceito de
norma no manter certa preciso. Na Constituio de Weimar, esta questo
importante, pois na segunda parte esto colocados os mais variados princpios,
disposies de direito material, programas, diretrizes e compromissos. Se
qualificarmos todos esses preceitos como norma, esta palavra ter perdido seu
valor e se tornado intil. Por isso, neste ponto que reside, nos mais importantes
casos, a obscuridade e a contradio, at mesmo dentro das prprias determinaes
do texto constitucional. Aqui, tambm, elimina-se a possibilidade de se simular uma
gradao de normas e resolver uma coliso de normas por meio da ideia de
hierarquia.
Diante desta situao, uma deciso de um tribunal sobre norma de contedo
duvidoso ou obscuro uma interpretao autntica. E para o autor toda instncia
que coloca, autenticamente, um contedo legal duvidoso fora de dvida, atua no
caso como legislador. Caso ela coloque o contedo duvidoso de uma norma
constitucional fora de dvida, ento ele atua como legislador constitucional8.
Toda sentena, nestes casos, possui um carter decisionista, numa
eliminao autoritria da dvida surgida exatamente das muitas possveis
argumentaes. Quando assim decide um tribunal, ele se manifesta como
constituinte em funo altamente poltica.
Por isso, til que se estabelea o quo sero incumbidas as instncias
existentes e as a serem institudas, no estabelecimento do contedo de leis
constitucionais obscuras e indeterminadas. No correto formalizar o conceito da
divergncia constitucional retirando dele seu sentido concreto e qualificar tudo como
divergncia constitucional para a qual se deva instituir um tribunal constitucional
como competente. Aduz o autor:
8 SCHMITT, op.cit., p. 67.
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Instituir, perante tal Constituio, um tribunal constitucional para divergncias constitucionais e no lhe entregar em mos um conceito de divergncias constitucionais, ou seja, nenhuma outra delimitao de sua competncia alm de uma definio vocabular totalmente v, segundo a qual toda divergncia acerca de uma disposio constitucional uma divergncia constitucional, significa, na realidade, nada mais do que entregar ao prprio tribunal a deciso sobre sua competncia
9.
A primeira condio, segundo o autor, para uma justia constitucional
permanece sendo um ntido conceito de divergncia constitucional. Este conceito,
por sua vez, s pode ser definido com uma estreita relao, com um claramente
reconhecido conceito de Constituio.
CONSTITUIO COMO CONTRATO
Se a Constituio for concebida como um contrato, ou seja, uma situao
jurdica bi ou plurilateral e no uma deciso ou lei poltica fundamental, da pode ser
respondida a pergunta sobre o que divergncia constitucional e quem pode ser
parte desta divergncia, pois as divergncias constitucionais seriam aquelas entre as
partes do contrato ou acordo constitucional sobre o contedo de suas estipulaes.
Numa federao, a Constituio um contrato de uma confederao de
Estados. Nesta organizao instaura-se uma instncia para dirimir as divergncias
entre os membros da federao, ou entre eles e a Unio. Na Alemanha,
divergncias entre o Reich e Estados ou entre Estados so divergncias a partir do
contrato federal.
Porm, as divergncias constitucionais dentro de um Estado so divergncias
entre Parlamento e governo a partir do contrato constitucional existente entre eles. A
federao est interessada numa resoluo pacfica e esta deciso est ligada
organizao federal e no pode ser dela separada.
Mas no caso da Alemanha, a Constituio de Weimar, segundo Schmitt:
Persevera na idia democrtica da unidade homognea e indivisvel de todo o povo alemo, o qual se outorgou uma Constituio por meio de uma deciso poltica positiva, ou seja, por intermdio de ato unilateral. Com isso todas as interpretaes e aplicaes da Constituio de Weimar que se
9 SCHMITT, op.cit., p. 73.
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esforam em fazer dela um contrato, um acordo ou algo semelhante, so solenemente rejeitadas como violaes do esprito da Constituio
10.
Na Constituio de Weimar, de fato, h um elemento de tipo contratual que
a organizao federativa, o que baseia um tribunal de Estado como descrito
anteriormente. Mas, h tambm outro elemento anlogo ao contratual, o qual o autor
chama de elemento pluralista. Este elemento formado por grupos sociais,
partidos polticos, associaes, organizaes que conduzem a um sistema
organizado que transpe as fronteiras estaduais, difundindo-se no Reich. Atuam
como um poder calculvel e relativamente seguro e slido. Fazem com que haja
uma tendncia para uma diviso pluralista do Estado. E, sendo assim, as partes
portadoras do pluralismo reivindicam a prpria Constituio, isto , o poder estatal e
seu exerccio.
Ou seja, num Estado pluralista como a Alemanha, as coalizes poltico-
partidrias acabam processando um partido hostil ou acabam chegando a acordos,
que tm por objeto verdadeiros litgios constitucionais.
Por isso que no pode ser indefinido um conceito de norma e do que seja
uma divergncia constitucional. Para ele, conceituar toda deciso, lei ou contrato,
como norma encobre essa realidade pluralista com ajuda de um formalismo e
mantm uma turva anttese entre o jurdico e o poltico, servente a todos os
subterfgios e volatizaes, numa confusa situao11.
por essa razo que Schmitt vai defender que a Constituio de Weimar
deve ser entendida como uma deciso poltica do povo alemo em sua
homogeneidade, na qualidade de detentor do poder legislativo constitucional, sendo
o Reich alemo uma democracia constitucional. Assim, a resposta sobre o guardio
da Constituio no precisar ser baseada em estruturas judiciais fictcias.
10 SCHMITT, op.cit., p. 90.
11 SCHMITT, op.cit., p. 93.
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A PROPOSTA DE SCHMITT
Buscando chegar resposta de quem deve ser o guardio da Constituio,
Schmitt esclarece a concreta situao constitucional do Reich alemo e a caracteriza
por meio de trs conceitos: pluralismo, policracia e federalismo, que so fenmenos
que devem ser diferenciados entre si dentro da vida estatal, sendo que esto ligados
somente por uma oposio comum, que vem a ser a unidade estatal fechada e
universal. So definidos a seguir:
a) federalismo: justaposio e cooperao de Estados, uma pluralidade de
formas estatais sobre base estatal;
b) pluralismo: maioria de complexos sociais de poder, solidamente organizados,
estendendo-se pelo Estado, apoderando-se da volio estatal, sem deixar de
ser um produto social (no-estatal);
c) policracia: maioria de detentores da economia pblica, juridicamente
autnomos, em cuja autonomia a vontade estatal encontra um limite.
sobre esta complicada confuso que se encontrava o Reich, segundo o autor, e
que vinha sendo fragmentado por estes trs fenmenos. Por isso no se pode
instituir um guardio da Constituio sem um conceito claro de norma, de
Constituio e de divergncias constitucionais.
PLURALISMO
Schmitt esclarece que as constituies alems do sculo XIX estruturaram-se
sob uma diferenciao clara, um dualismo, entre Estado e sociedade. Naquele
tempo o Estado era forte o suficiente para se opor s foras sociais, mas no
impedia sua reunio na sociedade. Manteve-se em considervel neutralidade e no-
interveno perante a religio e a economia, respeitando amplamente a autonomia
dessas esferas da vida. Dessa forma, foi possvel um equilbrio e um dualismo. Este
tipo de Estado era ao mesmo tempo um Estado dirigente e um Estado legiferante12.
12 Para Schmitt, os Estados se classificam segundo a rea na qual encontram o cerne de sua
atividade: Estados jurisdicionais, Estados de governo ou executivo e Estados legiferantes. Mas no
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O Estado legiferante como o desenvolvido no sculo XIX retirava do juiz e
transferia ao legislador a deciso cuja racionalidade e justia possam sempre trazer
discusso. Neste tipo de Estado no pode haver justia constitucional como
guardio da Constituio, pois aqui a justia no decide questes constitucionais e
legislativas j discutidas. O Parlamento, nesta poca, trazia em si mesmo a
verdadeira garantia da Constituio.
Mas isso s foi possvel nessa poca em que o Parlamento representava o
povo e toda a sociedade que se contrapunham ao governo e ao Estado. A partir da
transformao do Estado em Estado liberal, mnimo e neutro, surgem partidos cuja
discusso e luta de opinies configuram a opinio pblica, o que dentro de um jogo
livre de foras estatais e econmicas, acabam por dominar.
Os direitos polticos, a liberdade pessoal, de opinio, de contrato, econmica
e a propriedade privada fazem com que o Estado liberal seja um Estado neutro, no
intervencionista perante a sociedade. Isso fez com que o Estado se mudasse por
completo, na medida em que aquela construo dual entre Estado/sociedade,
governo/povo, perdeu sua tenso, e o Estado legiferante chegou ao fim, havendo
em Weimar uma auto-organizao da sociedade.
A sociedade auto-organizada em Estado faz com que Estado e sociedade
sejam inseparveis (acaba aquele dualismo mencionado anteriormente). O Estado
deixa de ser neutro, pois os partidos nos quais se organizam os diversos interesses
e tendncias sociais, so a prpria sociedade transformada em Estado partidrio. A
sociedade que se auto-organiza no Estado est a caminho de passar de um Estado
neutro para um Estado total da identidade entre Estado e sociedade. Com o
Parlamento despedaado e sendo o Estado uma auto-organizao da sociedade,
resta saber como essa sociedade que se auto-organiza chegar a manter uma
unidade.
Devido a isso, outro grande problema que o autor aponta no Estado de
Weimar em relao aos partidos polticos. Entende que os partidos menores so
produtos sociologicamente pouco slidos, enquanto os partidos maiores so
h Estados que concentram somente um desses modelos, eles so uma mistura dessas trs espcies, apesar de ser possvel caracteriz-los segundo a rea central de sua atividade estatal.
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produtos rgidos e minuciosamente organizados, formados por burocracias
influentes, vinculados a uma clientela unida intelectual, social e economicamente.
Esses grandes partidos so to organizados que aspiram uma mudana para
o total e renem seu time ainda na juventude. Mas essas organizaes convivem
lado a lado com as outras formando o Estado pluralista. Esta pluralidade partidria
evita que ocorra um Estado total, unipartidarista, como na Unio Sovitica e na Itlia.
Por isso, para o autor, o Parlamento deveria ser o cenrio de um processo de
comutao, por meio do qual a pluralidade dos antagonismos, interesses e opinies
sociais, econmicas, culturais e confessionais se transformassem na unidade da
vontade poltica. Porm, no era isso que ocorria na Alemanha da poca, pois ao
invs de uma vontade estatal, davam-se apenas interesses momentneos e
especiais:
A presente situao do parlamentarismo alemo caracteriza-se pelo fato de que a volio estatal depende de maiorias parlamentares de numerosos partidos heterogneos em todos os aspectos, maiorias estas instveis e alternantes de caso a caso. A maioria sempre uma maioria de coalizo e, de acordo com as vrias reas da luta poltica poltica externa, poltica econmica, poltica social, poltica cultural muito diferente. Esse Estado partidrio democrtico-parlamentarista , numa palavra, um instvel Estado partidrio de coalizo. Os defeitos e inconvenientes de tal situao j foram frequentemente apresentados e criticados o suficiente, p.ex., maiorias incalculveis, governos incapazes de governar e, devido a sua vinculaes compromissrias, irresponsveis, acordos partidrios e faccionais ininterruptos e realizados s custas de um terceiro ou do todo estatal, nos quais cada partido partcipe se deixa pagar por sua colaborao, distribuio de cargos e prebendas estatais, municipais e outros de carter pblico entre os adeptos do partido segundo algum cdigo da fora da faco ou da situao ttica. Mesmo os partidos que, com uma franca atitude poltico-estatal, queiram colocar o interesse do todo acima dos objetivos partidrios, so forados, em parte por considerao a sua clientela e a seus eleitores, mas ainda mais pelo imanente pluralismo de tal sistema, ou a ajudar a impelir o contnuo movimento compromissrio ou, porm, a ficar insignificantemente, parte e, no final, encontram-se na situao aquele conhecido cachorro da fbula de La Fontaine, o qual guarda com a melhor das intenes o assado de seu senhor, mas, quando v outros cachorros carem sobre o mesmo, tambm passa a participar, finalmente, da refeio
13.
Como se observa, para Schmitt, o Parlamento como um cenrio de repartio
pluralista de foras sociais organizadas se torna incapaz de ao ou de se
transformar em maioria, ou faz com que a maioria faa uso de todas as
13 SCHMITT, op.cit., p. 129-130.
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possibilidades legais como meios e instrumentos de proteo posse de seu poder,
restringindo a chance de seus adversrios de fazerem o mesmo.
Neste ponto, faz mais uma crtica ao formalismo, que acaba por cobrir com
um vu de palavras e frmulas, a servio desses mecanismos. Diz que surge um
pluralismo dos conceitos de legalidade que destri o respeito Constituio e a
transforma num terreno inseguro e disputado por vrios lados, enquanto a lgica da
Constituio deveria ser a de tomar uma deciso poltica capaz de colocar fora de
dvida o que a base comum da unidade estatal, posta por ela.
POLICRACIA
Entende Schmitt que o Estado de Weimar era um Estado assistencial e
preocupado com o bem-estar social, e tambm era fiscal e tributrio, pois ainda tinha
que levantar tributos como reparao a Estados estrangeiros (ps Primeira Guerra -
Tratado de Versalhes). Ou seja, h uma grande mudana de Estado legiferante para
um Estado econmico. Porm, diz que por mais que essa mudana para um Estado
econmico e preocupado com o bem-estar social signifique um momento crtico para
o tradicional Estado legiferante, no significa que se tenha que alimentar os
tribunais, pois todos os problemas advindos com este novo modelo devem ser
solucionados pelo governo e no pela justia.
Essas tendncias pluralistas j expostas ocorrem simultaneamente com a
mudana para o Estado econmico. Na rea da economia, deveria haver uma
uniformidade mais forte de toda direo, com a possibilidade de um programa
financeiro e econmico uniforme, que pudesse combater os problemas enfrentados
na Alemanha. Mas um Parlamento que to somente um cenrio de um Estado
partidrio-pluralista e instvel, no capaz de tal planejamento.
Como consequncia de tal policracia, apresenta-se uma falta de diretrizes
uniformes, uma desorganizao e falta de planejamento, at mesmo uma
adversidade ao planejamento. Toda tentativa de se estabelecer um programa
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financeiro abrangente, encontra empecilhos nesta policracia multifacetada, a qual
est assegurada por detrs de um forte dique de proteo legal e constitucional14.
FEDERALISMO
Schmitt entendia no haver incompatibilidade entre o modelo federalista e o
parlamentarismo, como ocorre na Alemanha ps-guerra, porm entendia que s
seria possvel ser bem sucedido, se houvesse uma relao recproca de coeso e
rigidez da unidade estatal.
O federalismo podia ser, inclusive, um contrapeso forte para as correntes
pluralistas de poder e seus mtodos partidrios de dominao, sendo o meio mais
seguro de descentralizao.
POR UMA NEUTRALIDADE
Schmitt entendia que, para superar os problemas do ps-guerra, devia-se
impedir o domnio do Estado por meio dos vrios partidos, o Estado pluralista,
exigindo-se instncias e procedimentos neutros, independentes desse tipo de
Estado partidrio, cujos mtodos dominam o primeiro plano de nossa vida poltica
de forma inoportuna e evidente.
Por isso se fazia necessrio que houvesse uma fora contrria a esse Estado
partidrio-pluralista, sob pena de haver uma dominao do poder, seja por meios
legais, seja de forma sub-reptcia. Faltava um governo estvel e capaz de governar.
Para tanto, Schmitt prope um Estado poltico-partidariamente neutro, que se
oponha s foras e mtodos do Estado de coalizo partidrio, que por seus
agrupamentos pluralistas, policrticos e federalistas, ora esto em posies opostas,
ora podem formar uma aliana.
Mas no possvel que a base deste Estado neutro seja a justia, pois no se
pode confiar as decises polticas, sob quaisquer encobrimentos judiciais, aos
14 SCHMITT, op.cit., p. 135.
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tribunais do Estado ocupados com juzes de carreira. Por mais que os alemes
tendessem a ter uma necessidade de legalidade, a jurisdicizao da poltica devia
ser protegida justamente para que se tivesse uma estrutura judicial independente e
um Estado de Direito no afetado por uma politizao partidria.
O instvel Estado partidrio leva a um governo incapaz de governar, com
decises polticas parciais e sem objetividade, alm de transformar o Estado numa
justaposio de acordos e contratos por meio dos quais os partidos repartem cargos,
rendimentos e vantagens. Assim, o pluralismo levava a uma total disperso da
unidade alem. Destaca Schmitt mais um perigo:
Ficaria, ento, a cargo da presso de fora, do interesse dos Estados credores na unidade do devedor das reparaes de guerra, se a unidade da Alemanha deve perdurar ou no, e seria uma questo de discrio de governos estrangeiros se um comissrio ou uma potestade estrangeiro determina as diretrizes da poltica interna alem aps o senso poltico do povo alemo no mais ter sido suficiente para uma prpria volio
15.
Por isso dizia que a poltica inevitvel e inexterminvel. Toda rea da
atividade humana poltica e se torna imediatamente poltica quando os conflitos e
questes decisivos se passam nessa rea. Tudo o que de interesse pblico
poltico e nada que diga respeito ao Estado pode ser despolitizado. A fuga da
poltica a fuga do Estado16.
Portanto, a soluo para as dificuldades enfrentadas na Alemanha no
estavam no enfraquecimento do Estado, fraqueza esta resultante dos mtodos
pluralistas-partidrios, que geram falta de imparcialidade e objetividade. Quem
propunha despolitizar o Estado (como Kelsen e seu normativismo!) em nome da
neutralidade, esquecia-se que para que haja uma imparcialidade independente,
necessria uma fora que possa oferecer resistncia a agrupamentos de interesses
poderosos:
Neutralidade no sentido de imparcialidade e objetividade no se constitui em fraqueza e apolitismo, mas em seu contrrio. Assim, a soluo no reside em uma imparcialidade apoltica, mas em uma poltica objetivamente informada e que no perde de vista o interesse do todo
17.
15 SCHMITT, op.cit., p. 160.
16 Idem, p. 161.
17 Idem, p. 168.
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Para que se tenha um governo capaz de governar, como Schmitt entendia
querer a Constituio do Reich, devia-se criar um governo eficiente. Para ser
eficiente este governo devia ser apoiado e aclamado pelo povo, pois assim fica mais
forte do que qualquer outro tipo de governo. Por isso estava prevista na Constituio
do Reich uma democracia parlamentar e tambm plebiscitria. E no centro da parte
constitucional plebiscitria estava o presidente do Reich.
A importncia do papel desempenhado pelo presidente do Reich estava
prevista no artigo 48 da Constituio de Weimar:
Article 48 If a state does not fulfill the obligations laid upon it by the Reich constitution or Reich laws, the Reich President may use armed force to cause it to oblige. In case public safety is seriously threatened or disturbed, the Reich President may take the measures necessary to reestablish law and order, if necessary using armed force. In the pursuit of this aim, he may suspend the civil rights described in articles 114, 115, 117, 118, 123, 124 and 153, partially or entirely. The Reich President must inform the Reichstag immediately about all measures undertaken based on paragraphs 1 and 2 of this article. The measures must be suspended immediately if the Reichstag so demand. If danger is imminent, the provincial government may, for their specific territory, implement steps as described in paragraph 2. These steps may be suspended if so demanded by the Reich President or the Reichstag. Further details shall be established by Reich legislation.
18
Para Schmitt, era no artigo 48 que se encontrava o instrumento mais
importante de combate do pluralismo-partidrio, atravs do estado de exceo, o
direito de baixar decretos de emergncia em casos de ameaas ordem e
segurana pblicas. Entende que as crticas a este artigo se explicam tanto pela
diversidade de interesses e concepes poltico-partidrias, como pelo fato do
18 Traduo livre do artigo 48.
Se um estado no cumpre os deveres que lhe incumbem a Constituio ou as leis do Reich, o presidente do Reich pode usar fora militar para lhes obrigar. No caso da segurana pblica ser seriamente ameaada ou perturbada, o Presidente do Reich pode tomar as medidas necessrias para restabelecer a lei e a ordem, se necessrio utilizado da fora armada. Na prossecuo deste objetivo, ele pode suspender os direitos civis descritos nos artigos 114, 115, 117, 118, 123, 124 e 153, parcial ou totalmente. O Presidente do Reich deve informar o Reichstag imediatamente sobre todas as medidas tomadas baseadas nos pargrafos 1 e 2 do presente artigo. As medidas tm de ser imediatamente suspensas se o Reichstag exigir. Se perigo for iminente, o governo estadual pode, para o seu territrio especfico, implementar medidas, como descritas no pargrafo 2. Estas medidas devem ser suspensas se assim exigirem o presidente do Reich ou o Reichstag. Maiores detalhes sero estabelecidos pela legislao do Reich.
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estado de exceo trazer resqucios de uma monarquia constitucional e, por isso,
perturbava os pontos de vista de um direito constitucional republicano.
Mas para o autor, este artigo, que permitia ao presidente do Reich baixar
decretos (em estado de emergncia, considervel ameaa da segurana e ordem
pblicas), equiparava o presidente a um legislador ordinrio. Inclusive, j havia na
Alemanha a praxe de baixar decretos de emergncia em casos de exceo -
econmicos e financeiros - no tendo estes decretos sido contestados, tendo,
inclusive, sido homologados pelo Tribunal e reconhecidos pelo Parlamento do Reich,
o que fazia com que contivessem uma anuncia a sua validade jurdico-
constitucional.
Schmitt destaca, nos termos deste artigo, a possibilidade do presidente do
Reich baixar decretos de ordem financeira. Entendia que a necessidade de uma lei
incondicionalmente formal para tanto, fez-se necessria na poca da monarquia,
como meio de presso da burguesia contra a monarquia constitucional, condio de
separao entre Estado e sociedade, ou seja, dirigia-se contra a monarquia,
buscando restringir o poder do rei e reservando ao Parlamento o poder de legislar
sobre direito financeiro.
Porm, a situao da Alemanha mudou com a Constituio de Weimar. A lei
oramentria no era mais um acordo entre Parlamento e governo, bem como o
governo no era mais independente do Parlamento, havendo controle sobre ele.
Alm disso, o presidente do Reich era eleito pela totalidade do povo alemo,
representando-o.
Schmitt dizia ser a Constituio de Weimar democrtica e afirmava a
admissibilidade do direito de baixar decretos substitutivos de leis de finanas, o que
no significa um poder ilimitado e incontrolado do presidente do Reich, pois esses
poderes extraordinrios tm de ser desenvolvidos a partir da Constituio vigente.
Um eventual abuso seria controlado pelo Parlamento do Reich e, nas palavras do
autor, no em normatividades ou inibies judiciais. O Parlamento, caso atingisse a
maioria, teria esta capacidade, apesar de ter se tornado pluralista. Merece ser
transcrito este trecho:
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Seria no s historicamente impossvel e moralmente insuportvel, mas tambm juridicamente errado justificar hoje tal direito a uma incapacidade geral de ao com argumentos, com os quais um Parlamento liberal do sculo XIX, composto por notabilidades, procurava colocar fora de combate seu adversrio monrquico. Se, na presente situao constitucional da Alemanha, se formou justamente uma praxe do estado de exceo econmico-financeiro com um direito de baixar decretos substitutivos de leis, isso, ento, no arbitrariedade nem acaso, nem mesmo ditadura no sentido da divisa vulgar e poltico-partidria, mas a expresso de uma relao profunda e internamente legal. Corresponde ao rumo que um Estado legiferante toma para o Estado econmico e que no mais pode ser executado por um Parlamento pluralisticamente dividido. O estado de exceo revela, como mostrado anteriormente, o ncleo do Estado em sua particularidade concreta e o Estado judicante desenvolve a lei marcial, um processo judicial sumrio, o Estado militar e policial a transio do poder executivo como tpico meio de seu estado de exceo. O direito econmico-financeiro de baixar decretos substitutivos de leis da atual praxe do artigo 48 permanece, analogamente, de acordo com a ordem existente e, diante de um pluralismo inconstitucional, procura salvar o Estado legiferante constitucional, cuja corporao legislativa est pluralisticamente dividida. A tentativa de produzir um antdoto e um movimento contrrio s pode ser empreendida constitucional e legalmente pelo presidente do Reich, d a perceber, simultaneamente, que o presidente do Reich precisa ser visto como guardio de toda essa ordem constitucional
19.
O GUARDIO DA CONSTITUIO
Schmitt entende, diante do exposto, que as divergncias de opinio deviam
ser conciliadas ou resolvidas no judicialmente, mas por meio de um rgo neutro,
localizado no acima, mas ao lado dos outros poderes constitucionais, dotado de
poderes singulares. Sua tarefa devia ser a de assegurar o funcionamento dos
diversos poderes e salvaguardar a Constituio. Por isso essa tarefa no devia ser
conferida a um dos poderes j existentes dando-lhe poder maior que aos demais,
mas a um terceiro neutro que se situe ao lado deles, equilibrando-os.
Cita Benjamin Constant e sua teoria do pouvoir neutre, intermdiaire e
rgulateur da luta da burguesia francesa por uma Constituio liberal. Baseia-se em
uma instituio poltica que reconhece no Estado constitucional a posio do rei20 ou
do presidente do Estado, como sendo neutra, intermediria, reguladora. A questo
se esse chefe de Estado deveria reinar ou governar, o que na Alemanha
19 SCHMITT, op.cit., p. 190.
20 Nesta passagem Schmitt menciona em nota o modelo brasileiro da Constituio de 1824, que
previa um Poder Moderador ao Imperador (p. 195).
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diferentemente da Frana no se concebia, pois os alemes entendiam que no
sobraria nada ao reinar se tirasse dele o governar.
Mas Schmitt responde dizendo que na teoria do poder neutro a funo deste
terceiro neutro no consiste em atividade contnua de comando e regulamentar, mas
defensora e reguladora, ativada somente em casos imperiosos. Por isso, essa
funo indispensvel num sistema de Estado de Direito com diferenciao de
poderes.
Na Constituio de Weimar a posio do presidente do Reich eleito pelo povo
estava munida de poderes que o tornam independente do Parlamento, embora
dependente de referenda ministerial. Os poderes constitucionais a ele destinados
correspondiam aos mencionados por Benjamin Constant em sua teoria. A proteo
da Constituio do Reich (o que diferente de norma constitucional) conforme
prevista no mencionado artigo 48 demonstrava isso.
Schmitt menciona que os autores da Constituio de Weimar j visualizaram a
formao de um Estado de coalizo partidrio pluralista, prevendo que quanto mais
colegiados, referendos, votaes, conselhos, etc., mais teria o Parlamento
dificuldade de atingir uma maioria e, por isso, seria maior a necessidade de um
ponto fixo, uma personalidade que tivesse o todo em vista. Ele menciona F.
Naumann, um dos autores da Constituio de Weimar:
Temos tambm que ter algum que cumpra deveres representativos, que mantenha relaes com todas as partes do pas, com todos os partidos e (!) com os Estados estrangeiros e que represente uma grandeza intermediria entre o Parlamento e o governo. Existe a possibilidade de que, no Parlamento do Reich, no possa ser encontrada uma maioria e que, por conseguinte, no possa, sem mais, ser formado um governo. Ento o presidente tem que se tornar eficiente. [...] Toda a questo presidencial no nenhuma questo partidria, mas, sim, uma questo de tcnica poltica e harmonia
21.
Assim, sendo o Reich alemo uma organizao complicada, no somente por
ser federativo, mas por ser pluralista e policrtico, fazia-se necessrio este pouvoir
neutre, com funo intermediria, reguladora e defensora.
21 SCHMITT, op.cit., p. 202.
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Alm disso, o significado deste poder neutro devia ser aplicado para o
Estado (e no somente ao chefe de Estado) em sua totalidade, representando a
unidade poltica de todo o povo. Em razo da Alemanha de Weimar viver um sistema
pluralista formado por diversos agrupamentos de interesses, devia haver um
conciliador que tome uma deciso neutra. No sistema pluralista alemo o Estado
aparecia como um complexo de poder ao lado dos outros complexos sociais de
poder, que se alia ora a um lado, ora a outro, provocando uma deciso.
S que se esse cenrio pluralista tornasse as instncias conciliatrias
incapazes de ao, isso faria com que o Estado ou deixasse de existir como um
todo, ou provocasse uma deciso necessria a partir da fora da unidade e do todo.
Seria uma deciso aberta e publicada pelo Estado, em que tanto a conciliao
quanto a sua declarao de obrigatoriedade so obras do Estado.
Este conciliador deveria ser algum independente, pois essa era uma
condio de todas as propostas de guardio da Constituio. Havia vrios
membros do Estado que poderiam ser considerados independentes: o juiz, o
funcionrio de carreira, os membros do Tribunal de Contas, um deputado
parlamentar, o professor de uma escola superior, etc. Mas havia a independncia do
chefe de Estado, seja o monarca de uma monarquia constitucional, seja a
independncia do presidente do Estado em uma democracia constitucional, como a
que garantia a Constituio de Weimar, por meio de eleio por todo o povo alemo.
Era claro, para Schmitt, o porqu se pensava comumente na independncia
judicial. A posio do juiz protegida, possui cargo vitalcio, retirado do conflito dos
antagonismos econmicos e sociais, etc. Afinal, ningum consideraria neutro um
tribunal composto por polticos-partidrios. Como so uma instncia independente,
neutra e objetiva, fica fcil compreender o porqu se acreditava ter despolitizado
todos os conflitos constitucionais, quando a deciso era conferida a um colegiado de
juzes funcionrios pblicos. Mas, Schmitt explica porque um tribunal no podia ser o
guardio da Constituio:
No entanto, abusa-se dos conceitos de estrutura judicial e jurisdio, assim como da garantia institucional do funcionalismo de carreira alemo, quando, em todos os casos, nos quais, por motivos prticos, surgem independncia e neutralidade como oportunas ou necessrias, pretende-se logo introduzir um tribunal e uma estrutura judicial lotados com juristas funcionrios de
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carreira. Tanto a justia como o funcionalismo de carreira recebero uma carga insuportvel se todas as tarefas e decises polticas, para as quais forem desejadas independncia e neutralidade poltico-partidria, se amontoarem sobre eles. Alm disso, a instituio de semelhante guardio da Constituio seria diretamente confrontada com a conseqncia poltica do princpio democrtico
22.
Schmitt entende que era necessrio nas monarquias constitucionais um
exame judicial perante o direito real de baixar decretos, mas que isso no fazia mais
sentido, pois a justia no se direcionava mais ao monarca, e sim ao Parlamento. Ao
concentrar todos os conflitos constitucionais num tribunal, estar-se-ia criando uma
instncia de alta poltica dotada de poderes legislativos constitucionais. Do ponto de
vista democrtico, seria praticamente impossvel transferir tais funes a uma
aristocracia da toga.
O autor destaca que dentre os diversos casos de independncia, todos
esto ligados com a ideia do todo, da unidade poltica. As referncias que a
Constituio de Weimar faz a essa totalidade contm uma oposio ao sistema
pluralista da vida social e econmica, sendo que esta totalidade deve ser superior a
esses agrupamentos.
Neste ponto se distingue a posio do presidente do Reich dos demais
membros independentes do Estado. Ele se encontra no centro de todo um sistema
de neutralidade e independncia poltico-partidrias, construdo sobre uma base
plebiscitria. O autor esclarece:
Antes que se institua, ento, para questes e conflitos relativos alta poltica, um tribunal como guardio da Constituio e, por meio de tais politizaes, se onere e coloque em risco a justia, dever-se-ia, primeiramente, lembrar desse contedo positivo da Constituio de Weimar e de seu sistema constitucional. Consoante o presente contedo da Constituio de Weimar, j existe um guardio da Constituio, a saber, o Presidente do Reich. Tanto o elemento relativamente esttico e permanente (eleio por 7 anos, difcil revocabilidade, independncia de maiorias parlamentares alternantes), quanto ao tipo de seus poderes (as competncias segundo os artigos 45 e 46 da Constituio, dissoluo do Parlamento do Reich segundo o artigo 25 e instituio de plebiscito segundo o artigo 73 da Constituio, assinatura e promulgao de leis segundo o artigo 70, execuo pelo Reich e proteo da Constituio segundo o artigo 48) tm o objetivo de criar um rgo poltico-partidariamente neutro devido a sua relao direta com a totalidade estatal, o qual, como tal, o defensor e guardio da situao constitucional e do funcionamento constitucional das
22 SCHMITT, op.cit., p. 227.
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supremas instncias jurdicas e, em caso de necessidade, est dotado de poderes eficientes para uma proteo efetiva da Constituio
23.
Por fim, entende Schmitt que o fato do presidente do Reich ser o guardio da
Constituio respeita tanto o juramento feito no artigo 42 de que defender a
Constituio como, principalmente, respeita o principio democrtico, sobre o qual se
baseia a Constituio de Weimar, pois ele foi eleito pela totalidade do povo alemo.
23 SCHMITT, op.cit., p. 233. Os artigos mencionados so os seguintes:
Article 25 The Reich president has the right to dissolve the Reichstag, but only once for the same reason. New elections, at the latest, are held 60 days after the dissolution. Article 42 The Reich President, when taking his office, swears the following oath: I swear to devote my energy to the welfare of the German people, to increase its prosperity, to prevent damage, to hold up the Reich constitution and its laws, to consciously honour my duties and to exercise justice to every individual. The addition of a religious formula is acceptable. Article 45 When it comes to international law, the Reich is represented by the Reich President. He concludes alliances and other treaties with foreign powers in the name of the Reich. He accredits and receives ambassadors. War can only be declared and peace only be signed by Reich law. Alliances and treaties which relate to matters of Reich legislation require the approval of Reichstag. Article 46 The Reich President appoints and discharges Reich Beamte and officers, unless specified otherwise by Reich law. He may have other administrations take charge of. Article 48 If a state does not fulfil the obligations laid upon it by the Reich constitution or the Reich laws, the Reich President may use armed force to cause it to oblige. In case public safety is seriously threatened or disturbed, the Reich President may take the measures necessary to reestablish law and order, if necessary using armed force. In the pursuit of this aim he may suspend the civil rights described in articles 114, 115, 117, 118, 123, 124 and 154, partially or entirely. The Reich President has to inform Reichstag immediately about all measures undertaken which are based on paragraphs 1 and 2 of this article. The measures have to be suspended immediately if Reichstag demands so. If danger is imminent, the state government may, for their specific territory, implement steps as described in paragraph 2. These steps have to be suspended if so demanded by the Reich President or the Reichstag. Further details are provided by Reich law. Article 70 The Reich president has to sign laws which have been passed according to the constitutional process, and to publish them within one month in the Reich law gazette. Article 73 A law passed by Reichstag has to be presented in a plebiscite, if the Reich president decides so, within the period of one month. A law, the proclamation of which has been suspended because of a move supported by minimum one third of the members of Reichstag has to be presented in a plebiscite, if one twentieth of the enfranchised voters demand so. A plebiscite also has to be held if one tenth of the enfranchised voters demand a law draft to be presented. In order for a referendum petition to be approved, a law draft must be prepared. It has to be presented to Reichstag by the government, accompanied by the latter's comment. The plebiscite will not be held, if the law draft in question has been accepted unaltered by Reichstag. In regard to the budget, taxation laws and pay regulations, only the Reich president can request a plebiscite. Plebiscite and referendum petitions are regulated by a Reich law.
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Esses princpios democrticos so um contrapeso para o pluralismo dos grupos
sociais e econmicos de poder, dando autoridade ao presidente do Reich para agir,
defendendo a unidade do povo como uma totalidade poltica.
1.3.3 Kelsen 1932
No mesmo ano em que Schmitt faz sua crtica ao normativismo e ao modelo
do Tribunal Constitucional austraco, Kelsen rebate frontalmente a essas crticas no
artigo Quem deve ser o guardio da Constituio?.
Esclarece que ao princpio da mxima legalidade da funo estatal, na qual
se baseia o Estado de direito, corresponde a necessidade de se controlar a
constitucionalidade do comportamento dos rgos subordinados Constituio:
Parlamento e Governo.
Entende que no debate sobre o problema da garantia constitucional realizado
nos ltimos anos faltou salientar o fato de que ao se criar uma instituio para
controlar a constitucionalidade dos atos estatais, este controle no pode ser confiado
a um dos rgos cujos atos devam ser controlados, afinal, ningum pode ser juiz de
causa prpria. Para Kelsen, a funo poltica da Constituio estabelecer limites
ao exerccio do poder e garanti-la, o que significa que estes limites no sero
ultrapassados.
Inicia seu artigo j rebatendo Carl Schmitt ao dizer que quem entende que o
natural guardio da Constituio o chefe de Estado, procura mascarar a perda de
poder que o chefe de Estado experimentou na passagem da monarquia absoluta
para a monarquia constitucional. Isso pertence a uma ideologia constitucional
advinda do princpio monrquico.
Para Kelsen, dizer que o governo seria o guardio da Constituio
encobrir o real carter de sua funo. Dizer que o monarca uma terceira instncia,
acima do antagonismo entre Parlamento e governo e detentor de um poder neutro
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uma fico de notvel audcia24. Como poderia o monarca, detentor de grande
parcela do poder do Estado, ser neutro em relao ao exerccio de tal poder e
controlar sua constitucionalidade?
A posio schmittiana buscava aplicar um conhecimento cientfico de Teoria
do Estado, o que s pode ser entendido como ideologia poltica. Esta teoria
constitucional buscava somente um objetivo poltico, que o de um movimento
contra um tribunal constitucional.
Entende que o artigo 48 da Constituio do Reich coloca um espao muito
estreito para conseguir evitar que com tal manobra ela seja golpeada. Admira a
Kelsen, falando abertamente de Carl Schmitt, que em tempos de repblica
democrtica como a de Weimar, utilize-se a tese do chefe de Estado como guardio
da Constituio. Admira-se ele ainda, com o fato de Schmitt querer restaurar a
doutrina da monarquia constitucional, do pouvoir neutre do monarca de Benjamin
Constant, e querer aplic-la a um Estado republicano.
Critica a tese de Schmitt quando aquele diz que a situao da monarquia
constitucional em que havia a dualidade entre Estado e sociedade se encontra
superada, bem como quando diz que no seria necessrio na Constituio de
Weimar que o legislador aprove o oramento na forma de lei, podendo faz-lo por
decreto o presidente, na forma do artigo 48. Para Kelsen, a frmula do pouvoir
neutre de Constant nas mos de Schmitt, tornou-se um instrumento capital
necessrio na sua interpretao da Constituio de Weimar, pois, somente assim,
Schmitt conseguiu estabelecer que o guardio da Constituio no fosse um
Tribunal, mas o presidente do Reich, com base na prpria Constituio de Weimar.
A tentativa de se aplicar a ideologia de Constant sobre o poder do monarca
numa repblica democrtica discutvel na medida em que se pretende estender a
competncia deste ltimo para alm do mbito de atribuies de um monarca
constitucional. Schmitt o fez atravs de uma interpretao extensiva do artigo 48, na
qual ampliava a competncia do presidente do Reich e o tornava senhor soberano
24 Quem deve ser o guardio da Constituio? In Jurisdio Constitucional, p. 241.
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do Estado (apesar de Schmitt recusar-se a cham-la de ditadura), mas que no era
compatvel com quem deve garantir a Constituio.
Ora, o prprio Schmitt reconhecia que numa monarquia constitucional o
perigo de violao da Constituio vinha do prprio governo (dualidade: governo x
sociedade), mas depois justifica que numa repblica democrtica do sculo XX, o
temor no se dirigia mais a ele, mas ao legislador, como se em Weimar a questo da
constitucionalidade do governo que atua com base no artigo 48 no fosse uma
questo importante. Ou seja, Schmitt no cogitou a possibilidade de violao
constitucional por parte do governo!
Kelsen tambm rebate a teoria schmittiana que no reconhece o judicirio
como guardio da Constituio. Quando Schmitt tentou demonstrar que os
tribunais da Alemanha somente exerciam um controle material sobre as leis,
rejeitando a aplicao de lei inconstitucional a um caso concreto, entendeu que no
se tratava de um guardio da Constituio. Mas Kelsen se admira pelo fato de
Schmitt no ter enxergado tal atitude como controle, pois na prtica funciona como
garante da Constituio, mesmo no lhe concedendo este ttulo.
Diz ainda que Schmitt partiu de um pressuposto errneo de que uma deciso
sobre a constitucionalidade das leis seria um ato poltico, com base na contradio
entre funo jurisdicional e funo poltica. Mas, se usarmos o termo poltica como
exerccio do poder, no podemos restringi-lo somente no processo legislativo ou
nos atos do executivo. O exerccio do poder tem continuao na jurisdio, pois em
toda sentena judiciria h uma deciso, um elemento de exerccio de poder:
A opinio que somente a legislao seria poltica mas no a verdadeira jurisdio to errnea quanto aquela segundo a qual apenas a legislao seria criao produtiva do direito, e a jurisdio, porm, mera aplicao reprodutiva. Trata-se, em essncia, de duas variantes de um mesmo erro. Na medida em que o legislador autoriza o juiz a avaliar, dentro de certos limites, interesses contrastantes entre si, e decidir conflitos em favor de um ou outro, est lhe conferindo um poder de criao do direito, e portanto um poder que d funo judiciria o mesmo carter poltico que possui ainda que em maior medida legislao
25. (grifo do autor).
25 KELSEN, op.cit., p. 251.
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Quando Schmitt falava da diferena fundamental entre a deciso de um
processo e a deciso de dvidas e diferenas de opinio sobre o contedo de uma
disposio constitucional, Kelsen diz que, de fato, a maioria das decises dos
processos so sobre dvidas e diferenas de opinio sobre o contedo de uma
disposio l