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O direito subsidirio 1. O problema do direito subsidirio ou da integrao das lacunas no ordenamento jurdico por que cada povo se rege, reveste-se de primordial importncia no campo h histria jurdica e do direito comparado

Sem um conhecimento exacto de qual tenha sido o direito aplicvel no caso de insuficincia das fontes jurdicas imediatas, no possvel fazer uma ideia rigorosa do sistema jurdico por que cada povo se regeu em cada momento da sua evoluo histrica

O problema cresce de interesse e importncia quando remontamos a pocas em que a escassez e a imperfeio das fontes imediatas obrigavam a recorrer constantemente s fontes subsidirias, que assim obtinham, no quadro dos diversos direitos nacionais, um lugar de maior relevo e de mais larga aplicao do que as prprias normas de direito ptrio

O direito subsidirio assume um papel de excepcional relevo como elemento de aproximao cultural entre os provos, fazendo que os respectivos ordenamentos jurdicos mantenham entre si uma unidade muito mais acentuada

2.

Nos primeiros tempos da nossa independncia Portugal continuou a reger-se pelas mesmas fontes de direito que herdara da Monarquia Leonesa, com larga primazia para o costume.

S com o renascimento jurdico romano-cannico que o direito portugus se automatiza verdadeiramente do direito leons e castelhano.

Apesar de tudo, Portugal no se atrasou em relao aos demais reinos cristos peninsulares, podendo assegurar-se que j no sc. XII havia quem conhecesse as compilaes do direito romano e do direito cannico

Mas no decurso do sc. XIII que o fenmeno da recepo romano-cannica vai verificar-se no nosso Pas em grande escala:-so cada vez mais numerosas as notcias da presena nos centros culturais estrangeiros de estudantes portugueses, que eram veculos difusores do direito romano e cannico no seu regresso ptria, como igualmente o eram os dignitrios eclesisticos no regresso das suas frequentes deslocaes Cria Pontifcia neste ambiente que o direito portugus se automatiza do direito leons e castelhano, desde os comeos do sc. XIII, atravs duma actividade legislativa que se inicia no reinado de D. Afonso II, ainda em ritmo moderado, mas logo com a marca ntida da influncia justinianeia e do prestgio do direito cannico e que se vai intensificando no reinado de D. Afonso II

O quadro completa-se com a fundao do Estudo Geral dionisiano

3.

Num ambiente destes, no surpresa que as grandes fontes de direito subsidirio:-tenham comeado por ser o direito romano e o direito cannico -tenham tornado a grande fonte inspiradora da actividade legislativa dos monarcas: as compilaes romano-cannicas passavam a constituir as solues concretas dos problemas jurdicos a que os tribunais podiam recorrer para suprir as lacunas:-duma legislao incipiente-dum direito consuetudinrio cada vez mais ultrapassado

As compilaes romano-cannicas nesta primeira fase da sua vigncia subsidiria:-s eram acessveis a um escasso nmero de eruditos que tinham tido o privilgio de formar atravs delas o seu esprito jurdico nas universidades estrangeiras -na sua utilizao no podiam ultrapassar os limites do tribunal da Corte e de alguns tribunais cannicos, j providos por juzes com formao universitria

Mas ao longo do Reino, abundavam ainda os juzes de eleio popular, vidos da novidade dos textos romano-cannicos mas incapazes de compreender a lngua latina em que se encontravam regidos:-durante todo o sc. XIII, a justia em Portugal, continuou a ser exercida pelos juzes municipais de eleio popular -datam do reinado de D. Dinis as primeiras tentativas que se conhecem, da parte do monarca, para fixar nos tribunais municipais juzes de nomeao rgia, substituindo sucessivamente os juzes populares por juzes de confiana do Rei, que exerciam a justia em nome do monarca e que eram j, frequentemente, juzes letrados que tinham feito a sua formao jurdica na Universidade -a justificao oficial desta poltica era a de oferecer aos povos uma justia mais recta, mais objectiva, menos sujeita ao jogo das influncias, mas por detrs de tal justificao havia uma razo de ordem poltica (a vontade do rei de meter p dentro da administrao municipal) Surge a necessidade de utilizar, como expresso desse direito subsidirio romano-cannico, textos de segunda mo.

Foi desse modo que em Portugal foram utilizados como fontes subsidirias de direito, certas obras doutrinais de origem castelhana como o Fuero Real e as Siete Partidas: -todas estas obras foram traduzidas para portugus com vista sua mais fcil utilizao pelos nossos tribunais municipais Ex: o facto de se apresentarem copiadas num cdice organizado expressamente para uso dos juzes municipais da cidade da Guarda, em conjunto com o foral, os foros, costumes e principais leis gerais do Reino -as Siete Partidas:-constituram uma importante fonte da primeira grande codificao portuguesa, as Ordenaes Afonsinas -foram fonte subsidiria de direito em Portugal demonstrando-o:-a existncia de numerosas cpias e tradues -a existncia de certos protestos feitos contra a sua abusiva aplicao, em detrimento dos textos de direito romano e cannico, que se entendia deverem ser aplicados com prioridade absoluta sobre os textos legislativos do vizinho reino de Castela

Estes protestos dirigidos ao Rei contra a primazia dada s Partidas, no campo do direito subsidirio, sobre os textos de direito romano e cannico, so extremamente significativos, pois vm confirmar que a ampla aceitao que essa famosa colectnea castelhana alcanara em Portugal como fonte subsidiria no lhes advinha de qualquer autoridade extrnseca, mas da autoridade intrnseca que resultava de serem uma expresso consagrada do novo credor jurdico romano-cannico, com a vantagem de serem de muito mais fcil acesso

4.

Comeava em Portugal, desde princpios do sc. XV, a adquirir contornos definitivos uma nova panormica:-definitivamente ultrapassada a fase da aplicao das fontes castelhanas como direito subsidirio-est agora formado um novo quadro em que j no se concebe a aplicao de outras fontes subsidirias que no sejam directamente os textos legislativos do direito romano e cannico e, a seu lado, como textos doutrinais a Glosa de Acrsio e os Comentrios de Brtolo

O problema agora, no sc. XV, era o eventual conflito dos prprios textos romanos e cannicos entre si e dos textos doutrinais de Acrsio e Brtolo com os de outros autores de larga difuso e aceitao Este problema gerava hesitaes na jurisprudncia dos tribunais e tornava-se urgente uma interveno legislativa no sentido de o esclarecer, estabelecendo uma ordem hierrquica de valores, no campo das fontes subsidirias de direito

Foi o que veio a ser feito com a promulgao das Ordenaes Afonsinas

5. Aproveitou-se a oportunidade da elaborao da primeira grande codificao nacional para estabelecer pela primeira vez uma regulamentao cuidada e minuciosa do problema do direito subsidirio, apresentado como um problema de conflito de jurisdies entre o direito romano e o direito cannico, entre poder temporal e poder religioso

O primeiro problema de que a se trata comea por ser uma questo que nada tem que ver com o conflito de jurisdies entre a Igreja e o Estado: o da prioridade absoluta que deve ser dada ao disposto nas leis, estilos da Corte ou costumes do Reino

O problema do direito subsidirio surge quando o caso de que se trata no for regulado pelas fontes imediatas (as leis do Reino, os estilos da Corte e o costume), nesse momento surge o conflito entre o direito romano e o cannico:-estabelece-se um rigoroso critrio de prioridade entre os dois sistemas normativos, se preconizarem solues diversas para o caso:-nos problemas jurdicos de ordem temporal a prioridade pertence ao direito romano, excepto se da sua aplicao resultar pecado -nos problemas jurdicos de ordem espiritual deve dar-se a preferncia ao direito cannico -se o caso omisso no puder ser directamente pelos textos do direito romano ou cannico mandam as Ordenaes Afonsinas recorrer Glosa de Acrsio e, na insuficincia desta, opinio de Brtolo -finalmente, se nem assim for possvel encontrar soluo para o caso a julgar, deve o assunto ser levado apreciao pessoal do monarca, cuja deciso ficar a valer como lei para todos os casos similares

6. A regulamentao do problema do direito subsidirio assim fixadas nas Ordenaes Afonsinas, em meados do sc. XV, manteve-se nas suas linhas gerias nas Ordenaes Manuelinas, de comeos do sc. XVI, e nas Ordenaes Filipinas de 1603, e s no terceiro quartel do sc. XVIII foi profundamente modificada pela Lei da Boa Razo

H a assinalar, na passagem das Ordenaes Afonsinas para as Manuelinas, algumas alteraes de forma ou de fundo no texto da lei que traduzem:-uma nova mentalidade na evoluo da cincia jurdica -uma maior preocupao de rigor na apresentao dos textos legislativos

As Ordenaes Manuelinas:-tiveram uma primeira redaco, impressa que foi substituda por outra, porque o monarca no ficou satisfeito com essa reforma devido excessiva fidelidade das respectivas disposies ao texto das anteriores Ordenaes Afonsinas e mandou prosseguir os trabalhos de reviso -deram lugar a um texto bastante mais refundido, finalmente impresso e divulgado em 1521 como lei geral do Pas

O ttulo referente ao direito subsidirio um dos exemplos mais flagrantes destes dois escales de reforma manuelina:-o texto da verso primitiva:-coincide quase literalmente com o texto anterior das Ordenaes Afonsinas, conservando a mesma epgrafe e apenas pequenas alteraes formais, tendentes a modernizar a respectiva linguagem-apresenta uma alterao quanto ao fundo que transitar para a verso definitiva: as glosas de Acrsio s sero aplicadas quando por no forem reprovadas por uma opinio comum de doutores, o mesmo sucede com a opinio de Brtolo embora esta deva continuar a prevalecer quando contradita apenas por alguns doutores -o texto da verso definitiva:-nota-se ainda o preso da rotina quanto ao respectivo enquadramento formal -a epgrafe do ttulo j diferente, sendo de assinalar uma tomada de conscincia por parte do novo legislador de que o problema em questo transcende o restrito mbito de um conflito entre lei e decretal, entre direito romano e cannico

Depois de insistir na prioridade absoluta da aplicao das leis nacionais, estilos da Corte e costumes do Reino, o legislador remete a deciso dos casos omissos para as leis imperiais e para os santos cnones, mas f-lo com duas inovaes: -por um lado deixa de fazer distino entre problema jurdicos de ordem espiritual, em qua a prioridade era do direito cannico, e problemas jurdicos de ordem temporal, em que a prioridade era do direito cannico ou romano consoante a matria envolvesse ou no pecado, e reconduz-se tudo a um problema nico onde s conta o critrio do pecado, qualquer que seja a natureza do caso a resolver-por outro lado, suprime-se por completo aquela passagem do texto afonsino em que se dava como explicao da prioridade do direito cannico, nos casos de pecado, a obedincia ao Padre Santo e Santa Igreja, e substitui-se esta razo de ordem negativa por uma ordem positiva de acatamento

Quando o caso no puder ser resolvido pelo direito romano nem cannico, remetem as Ordenaes para a Glosa Magna de Acrsio e para a opinio de Brtolo com a restrio de no serem contrariadas pela opinio comum dos doutores

Por ltimo, remete o texto manuelino para o arbtrio do monarca:-na hiptese de o problema no ter soluo atravs de nenhuma das fontes at a enumeradas-no caso especial de o caso no envolver pecado e ser tratado somente, mas de maneira diversa, pelos textos do cnones e pelas leis dos doutores

7. A redao dada pelas Ordenaes Manuelinas ao problema do direito subsidirio transitou na ntegra, com meros retoques formais de modernizao da linguagem, para as Ordenaes Filipinas havendo a assinalar:-que o ttulo em causa deixou finalmente de figurar no comeo do Livro II das Ordenaes para passar a ficar colocado a meio do Livro III consagrado ao direito processual-o rompimento da ltima amarra que prendia o problema do direito subsidirio ideia inicial de um conflito de jurisdies entre o poder temporal, simbolizado pelo direito romano, e o poder eclesistico, simbolizado pelo direito cannico

discutvel se o enquadramento dado pelo legislador filipino ao problema do direito subsidirio, ao fazer dele um puro problema de direito processual, teria sido o mais indicado e o mais feliz, mas o que importa registar a preocupao que houve de romper com o seu enquadramento tradicional

Pode dizer-se que a prioridade dada pelas Ordenaes s leis ptrias, costumes do Reino e estilos da Corte nunca foi posta em causa:-vrios dos nossos praxistas exprimiram essa ideia dizendo que, em Portugal, o direito comum no era o direito romano mas o direito nacional

Nesta defesa da prioridade do direito nacional h quem afirme que as lacunas das leis do Reino devem, antes de mais nada, preencher-se com o que estiver disposto noutras leis nacionais, s sendo lcito lanar mo do direito romano depois de esgotado esse recurso

No que respeita aplicao das fontes subsidirias indicadas pelas Ordenaes, os pontos susceptveis de levantar dvidas eram o:-dos limites da aplicao do direito romano:-quanto a este ponto no faltou quem tirasse a concluso de que os tribunais se deviam recusar a aplicar aqueles preceitos do direito romano que porventura se verificasse no serem fundados na boa razo -do critrio de fixao da opinio comum:-quanto a este ponto a generalidade dos nossos praxistas ficou-se por uma posio intermdia, simultaneamente quantitativa e qualitativa: a opinio comum seria a opinio da maioria dos autores, mas de uma maioria qualificada, da maioria dos autores que tivessem versado ex professo o assunto em causa, analisando-o e discutindo-o, e no da maioria dos que simplesmente se lhes tivessem referido

Quando se contempla a panormica geral da nossa jurisprudncia, nos dois sculos e meio de vigncia do esquema manuelino e filipino das fontes subsidirias, o que domina o uso e abuso do direito romano como ratio scripta e o uso e abuso da communis opinio como critrio da respectiva interpretao, quando no se chega ao extremo de preferir o direito romano ao direito nacional, contra a letra expressa das Ordenaes.

8. A Lei da Boa Razo integra-se no quadro da abundante actividade legislativa de Marqus de Pombal.

Especialmente no campo do direito privado, era tao deficiente a legislao nacional e de tal forma vasto o domnio da integrao das respectivas lacunas, que bastava alterar as Ordenaes nesse ponto concreto para provocar uma verdadeira revoluo nos quadros do direito vigente

-a reforma dos critrios de interpretao e integrao das lacunas do direito nacional fez-se em 1769 pela Lei da Boa Razo -a reforma da mentalidade dos juristas veio a fazer-se progressivamente com a modificao radical do ensino jurdico levada a cabo pelos novos Estatutos da Universidade de Coimbra

9. O problema do direito subsidirio tratado pela Lei da Boa Razo depois de se ter regulamentado o problema da interpretao autntica das leis, fixando os casos em que a Casa da Suplicao (tribunal supremo do Reino) pode e deve proferir assentos normativos

A lei, em matria de direito subsidirio reduz tudo a uma questo de correcto entendimento e observncia do disposto nas Ordenaes, estas quando remeteram a regulamentao dos casos omissos para as leis imperiais estabeleceram a esse respeito uma limitao qual os doutrinadores e os tribunais nunca deram a devia importncia, cometendo dois abusos:-o de esquecerem as leis ptrias para fazerem uso exclusivo das leis romanas-o de aplicarem indiscriminadamente as leis romanas, sem averiguar se so fundadas na boa razo

Para o legislador pombalino, tudo se resume em pr cobro a este duplo abuso e em restituir o seu verdadeiro sentido e, por isso, limita-se o legislador a promulgar duas medidas fundamentais:-proibir a utilizao de quaisquer outros textos enquanto houver Ordenaes, Leis Ptrias ou usos do Reino-erguer um supremo critrio de integrao das lacunas do direito nacional boa razo referida nas Ordenaes

-tinha como equivalente a razo natural ou justa razo -passa agora a ser a recta ratio dos jusnaturalistas, arvorada em supremo padro da justia e da felicidade dos povos -o legislador pombalino vai primeiro proclamar o que a boa razo no e passa depois a proclamar o que por boa razo deve entender-se, sintetizando em 3 pontos o critrio que futuramente deveria seguir-se na sua determinao:-por boa razo deveria entender-se, em primeiro lugar aquela que consiste nos primitivos Principios, que contm verdades essenciais, intrnsecas e inalterveis, que a tica dos Romanos havia estabelecido, e que os Direitos Divido e Natural formalizaro para servirem de regras morais e civis entre o cristianismo

O direito romano seria fonte subsidiria desde que estivesse de acordo com o direito natural, devendo ser posto de lado quando tal no sucedesse

-por boa razo deveria entender-se aquela que se estabelece nas Leis Polticas, Econmicas, Mercantis e Martimas que as mesmas Naes crists tenham promulgado

Esta disposio sempre foi entendida pelos intrpretes como impeditiva da aplicao subsidiria do direito romano em tais matrias

10. A Lei da Boa Razo:-probe a aplicao subsidiria do direito cannico nos tribunais civis at a preceituada pelas Ordenaes para os casos que envolviam pecado, relegando a sua aplicao para os tribunais eclesisticos -baniu de uma vez para sempre a autoridade da Glosa de Acrsio e das Opinies da Brtolo

Os casos omissos seriam agora resolvidos pela boa razo, pela recta ratio dos jusnaturalistas, devendo essa boa razo ser procurada:-nos textos do direito romano que dela no se tivessem desviados-nos princpios do direito das gentes, unanimemente aceites pelas naes civilizadas -nas leis das naes crists iluminadas nos assuntos polticos, econmicos, mercantis e martimos

A aparente simplicidade do novo esquema do direito subsidirio esbarrava com um problema capaz de comprometer toda a execuo prtica: a mentalidade dos nossos tribunais e dos nossos jurisconsultos que em geral, eram afeitos rotina do mtodo bartolista e totalmente impreparados para o recurso ao direito romano como direito subsidirio

Este problema s ao cado de muitos anos poder ser vencido, com a formao de novas geraes de juristas, moldados pela Universidade em quadros mentais e ideolgicos substancialmente diversos

Para facilitar a aplicao imediata da Lei da Boa Razo tiveram os novos Estatutos da Universidade o cuidado de fixar uma srie de regras, de acordo com as quais os professores deviam ensinar os alunos a distinguir, nos textos de direito romano, os preceitos que podiam ou no considerar-se aplicveis a ttulo subsidirio, por estarem ou no de acordo com a boa razo

Reconhecendo os Estatutos que a aplicao dessas regras podia suscitar dificuldades, resolveram acrescentar-lhes um critrio de ordem prtica

Bem feitas as contas, os casos omissos deviam ser resolvidos pelo direito romano, desde que este no fosse contrrio boa razo

11.

Dois factos verificados na execuo da Lei da Boa Razo:-esta lei, longe de ter vindo a acabar com a confuso anteriormente reinante no seio da jurisprudncia portuguesa limitou-se a deslocar essa confuso para um campo inteiramente diverso, sem conseguir comin-la

Se anteriormente a chicana doa advogados e instabilidade das decises judiciais giravam em volta da opinio communis e da sua prioridade sobre Acrsio ou sobre Brtolo, passaram agora a mesma chicana e a mesma instabilidade a gravitar em torno da boa razo e da concordncia ou no com ela dos preceitos do direito romano

-a lei pode ser vtima da mesma tcita de meter vinho novo em odre velhos

Os nossos escritores da poca vo invocando cada vez menos a autoridade dos grandes mestres do usus modernus pandectarum e passando a recorrer em seu lugar s novas codificaes estrangeiras

Para justificar esta troca do direito romano pelos cdigos modernos, utilizam estes juristas um raciocnio que tem tanto de ingnuo e de simplista como de ilusrio: se os Estatutos da Universidade, em esclarecimento da Lei da Boa Razo permitem averiguar o uso moderno das naes nos escritos dos seus jurisconsultos, por maioria da razo deve esse uso moderno ser procurado nas suas leis

As grandes obras sobre que a Lei da Boa Razo e os Estatutos da Universidade julgaram pode construir definitivamente o edifico do nosso direito subsidirio acabaram por ceder quase totalmente o seu lugar s codificaes modernas

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