heliodoro balbi

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POLIANTIA EM MEMRIA DEHELIODORO BALBIORGANIZADA PELO

GRMIO CULTURAL HELIODORO BALBI

MANAUS 1945

Durante a FebreMorrer! E ser lanado ao mar, no mar do Oriente... No teu dorso senil, ondas do mar Vermelho! E no deflvio real do teu lquido esplho Ir a Morte arrastando o meu corpo inda quente...

Meu loiro sonho! minha pobre alma! meu velho Tronco! A flutuarem dentro os juncais da corrente... E debater-me em vo! Como em vo, loucamente, No aranhl se debate um ureo escaravelho!

No alto do cu radioso o ocaso dos Oceanos... Meu sangue a jorrar pondo vermelhas estrias Na garganta de luz dos esqualos e goelanos...

E eu s! e eu mudo! a rodopiar em caraces! Tendo, atravs as rubras rbitas vazias. A iluso imortal de um combate de ses...

HELIODORO BALBI

FLR DE PEDRA voi chavete glintelletri sani Mirate la dottrina che sascende Sotto il velame delli versi strani. DANTE

Esta, por ser talhada em pedra fria, Talvez, senhora, menos vos agrade, - Talhou-a o fogo ideal da fantasia No mrmore pago da egrgia Hellade.

Um dia o artista, olhando um bloco, sente A alva syrma dos sonhos a segu-lo, E, sem pensar, alucinadamente, Pega do bloco e crava-lhe o anfismilo.

Primeiro, a mo nervosa rasga e aviva O trao, que o circunda e cinge em torno, E v, pasmado, a curva de uma ogiva Na branca cinzeladura de um contrno.

De novo o bloco escinde e, pontilhando. O centro, ergue o pistilo luz radiosa, E exulta, ao ver um sol agonisando No ureo cariz de um cinto de rosa...

Alm, j slta a fibra, o caule desce Sutl, rolando em balbucio de onda, E, entre pompas, viceja e transfloresce

O mas rijo o bloco se arredonda.

Al, brunindo a aresta branca e lisa Das folhas, (que as talhara iguais a trevo) Levanta a mo, graciosamente e frisa A linha dos relvos num relvo.

E salta luz, estonteante, e presa Da brancura do mrmore risonho, A flr, que encerra em si toda a beleza Das nevroses do cu e ansias do sonho...

- Losna ou meimendro, venenosa ou santa, Mr ! carquisio da vida e urna da morte, (Exclama) teu primor meu brao espanta... Nunca meu brao mais a pedra corte.

Mas furioso, o artista nesse instante Quebra a flr e do mrmore renega, Pois no lhe dera a natureza amante O estuoso aroma da giesta grega.

A flr de pedra como o verso: toma O supremo lavor que o fere e anima, Mas neste, o sentimento como o aroma: Foge rindo e cantando flr da rima.

Peds, senhora, um canto... e o plecto firo. Quero a emoo suprema na beleza... Por isso o plectro despedaa e atiro Ao cu o grito de - DIO NATUREZA! HELIODORO BALBI

HELIODORO BALIBI, filho de Nicolo Balbi, natural de Manaus, nascido em 16 de Fevereiro de 1876. Fez o curso de humanidades, na sua cidade natal e na capital de Pernambuco, onde, aps curso brilhantssimo, se bacharelou em Direito, tendo sido escolhido orador de sua turma. O discurso, que ento proferiu e que se acha impresso, documento literrio impecvel pela forma e pela eloquncia. Seu nome ficou aureolado, no Recife, entre os mais ldimos talentos da Academia. Fez, al, muitas publicaes nos jornais, entre outras, apreciadas poesias. Regressando ao Amazonas, prestou concurso para a cadeira de Literatura do Ginsio Amazonense, obtendo o primeiro lugar. Foi nomeado e prestou compromisso, repartindo sua atividade pelo jornalismo, advocacia e magistrio. No foi feliz na poltica. Seu temperamento de combatente que no admitia tergiversaes, privou-o de ser reconhecido deputado federal, cujo direito defendeu pessoalmente, por duas vezes, no Rio de Janeiro, perante a respectiva Cmara. Seu nome no deixava de ser sufragado nos comcio eleitorais da terra amazonense; tudo, porm, sem resultado. Nunca deixou de combater a anarquia administrativa, que viu minar o Amazonas. HELIODORO BALBI, desenganado da luta partidria, retirou-se para o Acre, a servio de advocacia. L, travou polmica, na imprensa local, contra os dominadores, em cujas lides faleceu a 26 de Novembro de 1919, nunca desmentido a nobreza de seu carter nem a tradio intelectual dos Balbi, de Ragusa (Itlia), de que descendia. (da COROGRAFIA DO ESTADO DO AMAZONAS, do prof. Agnello Bittencourt).

PRTICOUm belo ideal, um grande esforo, uma luta constante - eis o GRMIO CULTURAL HELIODORO BALBI em suas linhas mestras. Produto da ambio intelectual de alguns jovens, que j esto dispersados aos quatros ventos da vida, tem se mantido sempre como um fecundador de espritos pela continuidade do labor de outros mos, os quais, impelidos ao rodopiar magnetizante das controvrsias culturais e do malabarismo elevado das idias que se chocam, tm-se formado num ambiente de intelectualismo vibrante, em que as convices e os pontos de vista so mantidos ou derrotados ao calor dos debates, em que as inteligncias se desdobram em conceitos e citaes, num sadio combate de opinies, no qual se empenham os novos espadachins da cultura. Foi uma escolha extraordinria, pelos primeiros gremistas, o nome de Heliodoro Balbi para presidir nossas labutas de esprito. Dizemos tal devido a que, s agora, volvidos anos depois da primeira sesso do Grmio, podemos contemplar o caminho percorrido e assinalar os vnculos de nossas pegadas no terreno arenoso e implacvel; uma verdadeira estepe na qual nos aoitaram os ventos sibilantes do desprzo de uma e parva maioria, os ventos glidos e corrosivos dos que menoscabavam nossas atividades e procuravam nos fazer desistir da caminhada herica, as tempestades de areia - que no influram no nosso esforo grantico - da risota imbecl dos badamcos coligados em aliana natura; e, pior, a intromisso prfida da brisa regelante, vinda dos campos devastados, do desencorajamento, que nos derrubou muitos companheiros, ainda no bem formados no exemplo de Heliodoro Balbi, fazendo-os emigrar para as plcidas regies onde a vida calma e parada, onde os homens vegetam no anonimato duma existncia medocre. No entanto, como antes ficou dito, a extraordinria escolha de um homem smbolo para nosso patrono, forneceu-nos um exemplo grandioso de coragem, altrusmo, e abnegao: sua vida. E foi l, neste campo fecundo, onde fomos buscar as mudas, formosas de vida, que plantamos em nossa seara, e sombra das quais, transformadas hoje em frondosas rvores, continuamos nosso trabalho persistente em prl de uma intelectualidade vigorosa, fora do romantismo estril, dentro da realidade perscrutada pelo poder do esprito. O ponto capital de nossa ao reside hoje nessa poliantia que ora publicamos. Ela a oblata da mocidade gremista, que vem, consciente e altiva, deposit-la no altar dos imortais, daqueles que, quando no se perpetuam no bronze rememorativo, esto, no entanto, delineados e esculpidos na memria das geraes seguintes, transmitindo, mesmo depois de mortos, atravs de seus exemplos, o calor da vida, a substancia moral da existncia, como Heliodoro Balbi, que constitui um exemplo frisante.

S nos compete agora, que disputamos do esquecimento a memria dsse amazonense inigualvel, pela palavra elegante e verdadeira dos cronistas desta poliantia, proclamar-lhes, a sses brilhantes colaboradores intelectuais, o nosso agradecimento comovido, dizendo-lhes, pela voz do corao - que se entende mais do que se ouve - que o Amazonas inteiro est agradecido, pois viu ser feita justia a um de seus maiores filhos.

HELIODORO BALBI, UM HOMEM SMBOLOHELIODORO BALBI foi, no Amazonas, um dos ltimos rebentos da escola jurdico-filosfica do Recife. Formado em direito no ambiente mental que produziu Tobias Barreto, Silvio Romero, Martins Junior, Arthur Orlando, Phaelante da Camara, Gervasio Fioravante, Laurindo Leo, - poude assimilar, com a brilhante inteligncia de que era dotado, o esprito cultural da poca em que um Braz Florentino, um Constanco Pontual, um Barros Sobrinho, Nunes Machado eram reservas pensamentais que transmitiam como os mesmos Tobias, Clovis, Silvio, Martins Junior e outros, o positivismo cindido de Augusto Conte e ensinado por Benjamin Constant, Teixeira Mendes e Miguel Lemos, o materialismo antigo de Holbach, Lamettrie, o materialista transformista que rebatia Plato e Aristoteles, Santo Agostinho e Santo Tomaz, Pascoal e Pasteur, at os monistas evolucionistas que encheram o Brasil de Haeckel e Noir, Hartmann e Schopenhauer, Kant e Strauss. Heliodoro Balbi condessou, numa sntese, todo esse ambiente revolucionrio daquela poca pernambucana, no seu memorvel discurso como orador da turma dos bacharis de 1902. Parece que foi Laurindo de Leo, o erudito filsofo e pensador de robusta inteligncia, - mestre que fez crear com o exemplo, com a palavra com as lies, o esprito maravilhoso da filosofia no gnio de Balbi, porque a influencia do mestre pernambucano bem sentida em Balbi atravs das citaes, da lgica, da anlise que o pensador amazonense fez em torno das teorias de Iherrring, Hermann Post, Wundt, Gabriel Tarde, Summer Maine, Darwin, Picard, Savingny. Heliodoro Balbi foi um grande amazonense que soube crear, em Pernambuco, um grande circulo de encantados pelo seu talento. Talvez tivesse sido um outro Estelita Tapajs si no dispersasse o talento solar que ele soube irradiar e demonstrar atravs do jornalismo, dos discursos que escreveu, das lutas forenses que vitoriou, das lies jurdicas que ele soube irradiar nas ctedras do direito em que pontificou. Tenho a impresso que entre Tobias Barreto, Silvio Romero e Laurindo Leo, - Balbi preferiu seguir ao professor de filosofia da Faculdade de Direito de Recife, a esse grande e imortal Laurindo Aristteles Carneiro Leo, o mestre pernambucano que teve a honra de ver Guilherme Wundt, - um dos maiores

psiclogos alemes, - quasi que copiar sua classificao das cincias, aparecida no substancioso trabalho sob o ttulo Analogias Sociaes. Laurindo Leo encheu o talento de Balbi das verdades da filosofia. Balbi era filosofo verdadeiro. Quem o conheceu o sabe. Ironia, piedade, erudio, oratria, tudo ele possua. Sabia rir quando vencia o orgulho de algum. Esquecia a infmia, a intriga. Perdoava escandalosamente. No era mau. A bondade era o trao mais profundo de seu carter. Sua passagem pela vida, foi feita por cima dos homens, pairando nobremente, elevadamente sobre todos. No desceu demais s misrias das paixes mais baixas. Boemio, soube conduzir-se, entre os homens, - ensinando aos prprios homens, doutrinando com exemplo de sua vida nobre e despretensiosa, os contemporneos de sua poca. E para isso arrastava, com sua sombra, com a sua palavra, com o seu verbo, com o seu gnio, - os moos, os professores, os mestres, os bomios, os poetas, os oradores, os pobres, os que tinham sede de justia, andrajosos, os que tinham fome, os perseguidos, os que choravam. Sua palavra era oracular: Balbi disse, Balbi falou, - isso se ouvia sempre. Sua personalidade foi o centro da vida social, poltica, cultural de sua terra. Foi temido, respeitado, porque tinha talento e dignidade. Por isso quase que o mataram a fome. Nada foi em sua terra. E a misria o tangeu para o Acre, onde a morte o surpreendeu, gigantescamente. Sua cultura era extraordinria. Conhecia profundamente direito, sociologia, filosofia e historia. Tinha que morrer como morreram Martins Junior e Arajo Filho: quase sem falar!... Destinos dos grandes oradores? No sei... Balbi , para o Amazonas, o Ajuricaba da cultura: o heri que se deixou vencer pela atrao fatdica das guas, mas nunca pela prepotncia dos homens... Manaus, 8 de outubro de 1945. Andr Arajo

HELIODORO BALBIDiscurso pronunciado pelo dr. Jos Lopes de Aguiar, vicegovernador do Acre na Administrao Hugo Carneiro, por ocasio da chegada dos restos mortais de Heliodoro Balbi, a 25 de fevereiro de 1928, que foram acompanhados por aquele causdico no seu trajeto de Rio Branco at Manaus. Senhores amazonenses: Ao pisar o solo hospitaleiro e bendito banhado pelo majestoso rio-mar, a terra das imensas solides florestais, que to bem inspiraram essas pginas luminosas do Na plancie Amaznica, de Raimundo Morais, eu vos sado efusivamente, meus ilustres patrcios de aqum da Linha Cunha Gomes. Venho de bem longe. Venho da terra da borracha, daquele rinco da ptria brasileira, que a coragem indmita de Plcido de Castro e a diplomacia de Rio Branco integraram ao patrimnio nacional. Emissrio do Governo do Acre, aqui me traz a honrosa misso de vos entregar os despojos terrenos de um filho dileto deste Estado, daquele que em vida se chamou Heliodoro de Lima Balbi. Para satisfazer os justos anelos do povo generoso, altivo e nobre desta terra de gloriosas tradies, S. Excia. o Sr. Dr. Hugo Carneiro, eminente governador do Acre e de vs conhecido, porque pelo poder executivo municipal desta formosa e culta cidade passou, deixando honrosa reputao de probidade, trabalho e energia, determinou a exumao dos ossos de Heliodoro Balbi, sepultando no cemitrio da cidade de Rio Branco, onde, vitimado pela epidemia da gripe espanhola, faleceu a 26 de novembro de 1918. Este ato se realizou solenemente na manh de 24 de janeiro, data gloriosa que recorda o trmino da revoluo libertadora do Acre. Senhores: eu conheci, pessoalmente, Heliodoro Balbi, em Rio Branco, para onde os revezes polticos do seu Estado natal o atiraram. Conhec-o, quando j uma perene sombra de tristeza lhe escurecia a fisionomia. Muitas e muitas vezes tivemos de trocar idias em torno de assuntos vrios, sobretudo de casos concretos que se debatiam no fro judicirio daquela cidade, onde depois de haver chegado, foi aniquilado pelo infortnio da morte de sua querida esposa, que aqui deixara. Tocante, senhores, foi a cerimnia da exumao dos ossos do vosso saudoso irmo. Imponente foi o cortejo da urna morturia, que lhe conduzia os despojos, desde a necrpole municipal at a matriz de So Sebastio e da at o edifcio do grupo escolar 7 de Setembro, onde aguardou o dia do embarque para esta formosa princesa do Rio Negro, onde vem repousar para todo o sempre.

Com efeito, no dia 13 do ms cadente, embarcava no porto do Rio Branco a urna funerria, frente de cuja procisso cvica se encontra o chefe do governo daquele Territrio. A navegao que o conduzia se deslizava mansamente pela superfcie das guas, aqui serenas, ali crispada pelo sopro dos ventos, mas, sem perigo, Deus a trouxe a salvo a esta enseada amiga. No menos tocante esta solenidade; no menos importante o cortejo luzido da vossa grandiosa recepo, to em chocante contraste com a palavra mal segura do mensageiro desconhecido. Aqui nesta multido, onde se distingue a pessoa ilustre do representante do Sr. Presidente do Estado, vejo representantes de todas as classes sociais, desde os altos poderes constitucionais do Estado at o simples operrio; desde a fina intelectualidade at o estudante de primeiras letras. O quadro vivo que se debuxa a meus olhos me impressiona e profundamente me comove. Quer isto dizer, senhores, que os restos mortais, que acompanha at vs o so de um homem que vos pertencia a todos. Subia aos paramos dourados das letras; mas sabia descer e sofrer como o fraco oprimido! Quem foi ele? Vs que o digais, porque melhor que eu bem o sabeis. Foi um literato, um jornalista, um orador, um professor, um filsofo, um poeta, amigo de sua terra, um grande sofredor! A sua psicologia est lidimamente pincelada naquelas pginas cintilantes do verso distinto intelectual, Pricles de Morais, no seu precioso livro FIGURAS & SENSAES. Era versado no vernculo, cujas roupagens vistosas to bem lhe vestiam a idia. Na contextura da frase elegante e castia do literato ressaltava a grandeza do pensamento do filsofo. Poltico e advogado da causa pblica ele simbolizava a f no ideal republicano, como um indefeso apstolo do direito, da verdade e da justia. Lidador estrnuo, defendeu as liberdades pblicas e os ldimos princpios da democracia, ao lado dos fulgurantes espritos de Adriano Jorge e Arajo Filho e outros, constituindo admirvel sntese de um apostolado cvico. Orador e polemista de flego, sua palavra inflamada tinha o poder de levantar as turbas, de transfigurar o auditrio, produzindo deslumbramentos como si foram lampejos de relmpagos do Sinai. Mas para que eu dizer o que melhor sabeis?

Vs, senhores amazonenses, que tendes autoridade para dizer o que ele foi, porque aqui, nesta culta cidade, hoje governada pelo esprito brilhante de Arajo Lima, foi que se travaram as pelejas mais renhidas daquele talento peregrino, daquela inteligncia de escol. Vs, senhores da Academia de Letras, cuja vaga por ele deixada e que foi brilhantemente preenchida por essa robusta ilustrao, que Manuel Jos Ribeiro da Cunha, com aquela notvel pea oratria com que tomou assento no douta cadeira de Tito Lvio de Castro -, vs, repito, que podeis com fulguraes de talento dizer da vida, da mentalidade forte, do gnio verbal daquele, cujos ossos eu vos restituo em nome do Governo do Territrio do Acre. Vs, mestre e discpulos do Ginsio Amazonense, em cujo corpo docente era luzeiro, bem sabeis da erudio do mestre que se foi e que vivendo na nossa saudade. Vs, senhores das classes proletrias, das classes conservadoras e trabalhistas, vinde derramar sobre esta urna os vossos olhares marejados de lgrimas sentidas, da expresso dolente de uma saudade infinda, de uma gratido eterna. Vs, polticos e jornalistas desta terra glorificada pelo martrio e grande pelas riquezas naturais de seu solo, no vos esquecestes ainda do vosso companheiro de lutas, que aqui est inanimado. Sim, ele morreu! A morte o melhor bem da vida, disse o padre Antonio Vieira. Nesse, transito do bero ao tmulo, ele teve glrias e triunfos, mas teve tambm amargas decepes. Ele passou, verdade, mas na sua passagem deixou uma inextinguvel esteira de luz. Passou, mas o seu pensamento. O mavioso poeta de Iracema, fechando o encantador poema que decantou a figura lendria de uma mulher que tinha os cabelos negros que a asa da grana e mais longo que o talhe da palmeira avanou esta proposio conceituosa. Tudo passa sobre a terra. Em contraposio, afirmou o genial autor da Trindade do Mundo, dr. Farias Brito, o maior filsofo brasileiro: Nem tudo passa. O pensamento humano no passa.

Assim, senhores, o pensamento de Heliodoro Balbi no passou. Senhores: o Acre est presente s homenagens com que, denotando a vossa alta cultura cvica, recebeis os restos mortais do vosso irmo. E o Acre est presente no s pela palavra do humilde representante do governo, seno ainda, e mais eloquentemente, pela sua bandeira, que vdes envolvendo num largo abrao a urna do morto querido. O Acre vos acompanha em todas essas manifestaes que tributais memria inolvidvel do filho ilustre que viu o bero nestas florestas e sombra benfazeja das mesma florestas vem dormir para sempre, sentindo mais perto a admirao dos seus irmos e mais quentes as lgrimas dos queridos filhos que aqui esto. Senhor Prefeito: mais eloquente do que as minhas palavras esta homenagem de que sou portador e que por deliberao do governo do Acre, a Municipalidade de Rio Branco me manda vos entregue com os ossos de Heliodoro Balbi, que aqui tendes todos vs para o vosso culto cvico, para o vosso amor mais vivo, para a vossa saudade mais cruciante.

O VERBO DE BALBIDiscorrendo sbre a vida intelectual de Cicero, observou Bussuet em profunda anlise, como era prprio do seu feito literrio, corovel das mincias, que o egrgio orador romano imprimia s suas produes de qualquer gnero a elocuo peculiar da tribuna, constituindo essa qualidade inata do seu esprito um encanto para quem quer que o ouvisse. Ainda no despreocupado lavor das suas cartas intimas, Ccero, se as lia a algum interlocutor no convvio domstico, declamava-as com nfase, sublinhando as frases de mais interesse com o entorno especial de quem discursa. E to perfeito era no compor, como no ler o que compunha. Invocamos esse episdio histrico, recolhido de antigas leituras, para associ-lo a uma lembrana grata que guardamos de Heliodoro Balbi, em cujo temperamento literrio era tambm evidente a singular propenso a que aludimos. Jornalista, crtico, professor e orador, era todavia nesta derradeira feio de seu fecundo talento que consubstanciava as demais. Se Balbi reconhecia essa tendncia irrefugvel, ignormo-lo; mas que a certificavam muitas dos que ele admitiu sua esplndida camaradagem, certo. De feito, eram instantes de volpia espiritual os que passvamos a ouvir Heliodoro na aprumada declamao dos seus mais simples escritos. O clamo do jornalista nervosamente arrebatado, no ataque como na defesa, soava na sua boca como um vibrante requesitrio de rosto, onde a argumentao borbulhava e cachoava na candncia dos adjetivos, no explodir da frase viril e cortante, no comento pulverizador das alegaes adversas. Nunca lhe foi fcil a atitude serena na magistratura da crtica, e talvez no se lhe conhea uma pgina em que, de par com tolerantes e amenos conceitos, no abrolhe o acleo da ironia a rever o nimo irrequieto e combativo Balbi. Sempre e sempre o orador nas ardncias do elquio. Na ctedra, igualmente. Esse seu modo de ser mental achava ai exuberante, despeada expanso. Pelo comum, o ponto da matria, de antemo fornecido aos alunos, representava apenas um pretexto para dissertaes eloquentes. Ampla cultura, servida por extraordinrio memria, ministrava a Balbi elementos a flux para explanao de jeito tribuncio, que eram incontroversamente o seu forte; e era v-lo ento copioso e facundo, na multiplicidade dos conforme e paralelos, no entrechoque dos seus com os pontos de vista dos autores, no raro em snteses magnficas, que muitas vezes explicavam xido, nos exames, dos estudantes de melhor e mais segura retentiva. Conclua-se agora do que fica dito o que poderia ser Balbi, tribuno at a medula, perante uma multido que, rumorejando na praa pblica, lhe

estimulasse os clamores de vingador popular, confiando-lhe ao patrocnio a reivindicao de um direito, a obteno de um ato elementar justia, inflexivelmente negado pelos governos. Nesses momentos, a torrente oratria de Balbi espadanava em tropos rutilantes, sua indignao trovejava metforas de fogo, fraguava imagens que sacudiam o auditrio incrvel turbilhonar verbalista, em que iam rolando os governantes marcados com cruis estigmas, numa flagelao que durava at que a fadiga empolgasse o fadiga empolgasse o flagelador. Muito mais que a atuao catedrtica do mestre, muito mais que os triunfos do jornalista e os ensinamentos do crtico, entreluzem na memria da gerao que vai passando as oraes formidveis desse dolo das turba, de quem ficaram altos pensamentos, ainda hoje repetidos na saudade de quantos o amaram e admiraram. JOO LEDA

HELIODORO BALBIFoi a florao intelectual mais viva do seu tempo, no Amazonas. Filho desta terra, foram seus pais Nicolau Balbi e Domiciana Bacury Balbi. Fez o curso na antiga Escola Normal do Estado e o de Preperatrios no Ginsio Amazonense. Como estudante, distinguiu-se, logo por seu talento, mostrando-se, nos comcios da mocidade, um orador fluente, imaginoso. Abrilhantva os jornais da poca (ltima dcada do sculo XIX) com suas poesias e digresses literrias. Funcionrio da Recebedoria do Estado, retirando-se, de quando em vez, para a capital de Pernambuco, conseguiu forme-se ali em direito, tendo sido o orador de sua turma. Produziu uma das peas mais fulgurantes da Faculdade. Regressou no Amazonas, nimbado de uma consagrao exaltada nos meios culturais da terra de Arajo Filho e Gaspar Guimares. Em concurso memorvel, conquistou a Cadeira de Literatura do Ginsio Amazonense, onde pontificou por alguns anos, ao mesmo tempo que se entregava s lides da imprensa partidria. Foi um polemista ardoroso, veemente, de uma grande intransigncia de princpios, atitudes que ia ao destemor. Redigindo o jornal O Norte,desta capital,deu provas do seu carter independente e, tantas vezes, impetuoso. No se incomodava de lanar a seta do desagrado aos magnatas do situacionismo poltico. Mostrava prazer nisso. Heliodoro Balbi, em plena oposio aos detentores do poder, no amazonas, fez-se candidato a uma das vagas de Deputado Federal. Conseguiu brilhante sufrgio. Vai ao Rio de Janeiro para defender deu diploma, perante a Cmara. Formidvel, discurso proferido. Nesse documento parlamentar, o ardoroso amazonense, atacando os prceres da poltica situacionista do seu Estado, num exagero de linguagem, dizia: Os ladres de minha terra so to audaciosos, que escalariam o cu se as estrelas fossem libras esterlinas. No chegou a sentar-se na curul do Parlamento. A politicagem de campanrio no permitia expanses de pensamentos, liberdade de opinio. E o temperamento de Heliodoro Balbi no suportava o guante do partido governamental. s margens da correnteza que descia do Olympo, no encontrou nenhum remanso da vitria. Quase desiludido, sofrendo a falta de pagamento de sua remunerao de Professor do Ginsio, retirava-se para o Acre, ento sonho dourado das inteligncias livres. L, entre nos prlios do fro e sustenta, pela imprensa, a mais memorvel, erudita e brilhante controvrsias com um tambm ardoroso advogado da regio, contenda de que saiu aureolado. Pouco tempo depois, Heliodoro falecia. Como justa homenagem a sua luminosa memria, seus restos mortais so transportados para esta capital (Manaus) onde jazem no cemitrio de So Joo Batista. Como poeta, foi de uma espontaneidade natural. A cadncia dos seus versos musical e emocionante. No posso

esquecer o poemelo relicrios. Que, me parece, escreveu para ser recitado beira do seu tmulo... Creio na adversidade do destino. E, entre os exemplos, que me vm mente, aponto Cames, Bocage, Heliodoro Balbi, aedos de vida amargurada, incompreendida. Mas, as geraes psteras costumam pagar dos gnios, a dvida de glria, que os outros ficaram a dever, erguendo-lhes, no bronze ou no mrmore, a eternidade do reconhecimento ptrio. Manaus, setembro de 1945. AGNELLO BITTENCOURT Da Academia Amazonense de Letras

BALBI IDEALISTAA lembrana de Heliodoro, no meu esprito, apesar da convivncia nos ltimos tempos ficou adstrita s primeiras recordaes, quando da minha juventude, logo em seguida chegada a Manaus, em 1904. No poderia v-lo, naturalmente, nessa poca, com o discernimento necessrio para lhe interpretar a personalidade, com o seu relvo prprio, as suas grandes qualidades, os seus predicados de lutador e homem de imprensa. Recordo-me de o ter assistido, no decair de uma tarde de vero, na realizao de um comcio, na antiga praa General Osrio, falando ao povo, que o cercava e lhe aplaudia as investidas contra os dominadores da poca. Mas, nessa recordao, que poderia estar desmerecida pelos defeitos de minha observao, Balbi no me apareceu como tribuno popular, no estilo da velha escola, desbordante na gesticulao, causticante nos adjetivos, com a voz alta, olhos esbugalhados, suarentos e fatigado. Bem ao contrrio disso: era sbrio de linguagem, apesar de usar palavras elegantes e frases perfeitas; olhava para o auditrio, mal disfarando as dificuldades de sua miopia, atravs das lentes, sem perder o aprumo de sua elegncia, grifando, com o gesto medido, as palavras, que lhe saam em torrente, na improvisao do seu discurso. No se lhe notava a preocupao do efeito imediato, nem o exagero das palavras para arrancar aplausos passageiros. Era como se fosse um missionrio, algum que estivesse no desempenho de um sacerdcio, olhando para muito longe de si mesmo, na satisfao de um compromisso assumido com a posteridade, fora de sua poca, fugindo ao presente para sacrificar-se, na imolao espiritual de seu devotamento, causa do futuro. E no era um nefito da vida publica, nem um retardatrio das iluses acadmicas, muito embora alguns aspectos de sua personalidade estivessem a denunciar, em alternativas, talvez inconscientes e inesperadas, traos expressivos dessas duas atitudes da sua mentalidade. Como jornalista, citam-se de seus artigos, mesmo quando empenhado em polmicas, trechos inteiros de estilo aproximado do gongorismo, cheios de palavras pouco usadas, selecionadas a capricho, ao sabor do ritmo e da musicalidade dos perodos. Mas, em tudo isto, na sua linguagem, como nas suas resolues de publicidade, havia um quer fosse de misticismo, de uma predeterminao estranha sua vontade, qual de ordinrio ceia e com a qual frequentemente se conformava, obediente s razes ntimas de um subjetivismo superior s prprias contingncias de sua vida sacrificada, como pensar isolado no ambiente das suas lutas, sempre indiferente s necessidades e s vicissitudes. Nas suas palavras, nos seus gestos, idias e nos seus trabalhos, a servio profissional e no ardor das pugnas jornalsticas, no se lhe descobriam as contrariedades geradas pela incompreenso de seus contemporneos, as decepes creadas pelo conflito entre o seu idealismo e as arbitrariedades e desmandos da poca. Era sereno, comentando, na deliciosa ironia de sua palestra, com a voz suave e sorrindo,

os fatos e os homens, sem lhes ferir a suscetibilidade, sem os maltratar, vendoos a todos, em conjunto, como expresses de pensamentos e como smbolos de uma idia. E se esta era, quele tempo, a impresso causada pela atitude mental de Heliodoro Balbi no meu esprito, ainda quando mal ensaiava as primeiras rondas experimentais de minha vida, verifiquei depois, ao influxo de nossa convivncia, que alis, nunca se aproximou da intimidade, no limite cordel de encontros passageiros, que a mesma condizia com a realidade de seu temperamento eminentemente acadmico. Das vezes em que conversvamos, de ordinrio nos corredores do Palcio da Justia, tive a confirmao daquela atitude ideolgica, daquele prisma de seu temperamento. Das suas maneiras medidas, como se estivesse receoso de alterar a voz para no perturbar a serenidade da casa judiciria, quem o no conhecesse poderia julgar que se tratava de um tmido, quando no de um simples bomio, displicente, acomodatcio. Mas, sua simplicidade, na sua delicadeza, na sua doura de palavra e de gestos, no havia nem uma renuncia, nada que o demovesse de pensar e dizer o que sentia, expondo seu raciocnio e pronunciando seu julgamento sobre as coisas e sobre os homens, com ironia muitas vezes, com serenidade outras. Sem que o disssse, notava-se que, na sua intimidade, havia um conflito permanente, chocando-se o idealista, alcandorado nos seus sonhos de perfeio, com os fatos e as coisas do momento. E depois, quando falava, sorria e distanciava-se das rodas, ajeitando o pince-nez, como se nada houvesse dito, deixando aos circunstantes o trabalho de lhe julgarem as resolues espirituais, livre de qualquer responsabilidade ou de qualquer conivncia com as calamidades ambientes... A sua crtica, entretanto, no era destrutiva. Ressaltava os erros e lhe dava a corrigenda, tal como imaginava, com aticismo, no somente quanto a forma, como quanto elevao das idias. Ainda que lamentasse a derrocada que o envolvia, o que mais o martirizava era reconhecer a distncia em que tudo se encontrava da perfeio, do aprumo acadmico das suas impresses, das realidades por ele sonhadas. Era, em tudo e por tudo, nos prlios pela conquista da ctedra, na pugnas eleitorais, nas campanhas de imprensa, ao exerccio do magistrio, um idealista, um sonhador, com a sinceridade intencional das suas prprias convices. Na poca em que surgiu, justificava-se sua atitude de combate to somente pela sua significao idealista, escravizado, como se encontrava, naturalmente, s iluses acadmicas, o seu esprito ainda no conformado, nem muito menos, deformado, pelas contingncias e pelas asperezas da vida real. Da sua combatividade, que no conhecia desfalecimentos, perdendo noites sem fim nos trabalhos de imprensa, horas inteiras de propaganda em comcios e reunies de carter poltico e partidrio, no resultou, porm, como era de esperar, a modificao dos processos administrativos, nem houve como

lhe assinalar, na trajetria fugaz de sua juventude e de sua maturidade, a influncia de suas idias no panorama poltico de sua terra. Era tido como pensador e filsofo, como estudioso de assuntos de alta, alta responsabilidade, devaneando, em horas fugidas, no trato reservado das musas... Mas, foi um exemplo de virtudes raras. Pelo menos, quando tudo era pretexto para uma transigncia oportuna e lucrativa, na conquista rpida de algum posto funcional, ele colocou acima dessas contingncias bem humanas, oferecendo-se em sacrifcio, pelo que considerava um bem coletivo, a servio das suas idias de perfeio, que jamais foram por ele abandonadas, mesmo nos derradeiros anos de sua vida, quando ao Acre, onde o seu temperamento se no desmereceu das qualidades originrias, abrindo polmica, entre outros, com o advogado Bruno Barbosa, alta discusso de idias, no desmentido das suas preocupaes acadmicas, das qualidades eminentes do seu idealismo. E assim foi a sua vida toda. Foi um grande idealista, um grande sonhador incompreendido. Sob esse prisma, alias brilhante, foi um exemplo digno de ser imitado. Batalhou pelos seus ideais de perfeio at quando a morte o colheu impiedosamente, ainda em plena fora de idade, tendo apenas passado dos quarenta anos, imolando-o na arena em que havia aparecido como os antigos gladiadores, pronto para as pelejas espirituais, com a coragem destemida de suas virtudes cvicas...

Huascar de Figueiredo( da Academia Amazonense de Letras )

HELIODORO BALBI( PGINAS DE UM MEMORIAL )Um ms depois... Trinta dias escoado dolorosamente sobre a hora trgica da desapario, para sempre, do grande e sacrificado Amigo, e nossa dor ainda perdura intensa, e a sua sombra, como um sonho luminoso que o destino desarticulou, j inanimadas todas as iluses, nos acompanha por toda a parte, e quanto mais nos segue, invocando as pginas comovidas de sua vida, mais se refina a nossa sensibilidade e, numa histeria frentica de quem investe e se dobra impotente, aniquilado ante a brutalidade do irremedivel vibra nervosa, em frmitos inquietantes, na nsia de um pesadelo que no tem fim, sacudido de angstias selvagens e de irreprimveis alucinaes... Trinta dias que se esgotaram, hora por hora, minuto por minuto; numa agonia de moribundo, e no conseguiram apag-lo de nossa lembrana. Morto, mergulhado no silncio do tmulo, vive imperturbvel para a nossa imaginao, para o nosso enlevo desfeito, para a nossa amargura. Numa desvairada obsesso de sentidos, vemo-lo, sentimo-lo. O seu relevo palpitante. H tomos, h molculas, h vida nessa estrutura humana. H sstole e h distole nesse corao que a morte paralisou. V-mo-lo. Nos seus membros no h a gelidez apavorante dos cadveres. mentira! No h inrcia nos seus msculos. Olha-nos. como dantes iluminado o seu olhar. Nele, dominadoras, fulguram as centelhas do gnio Grande Amigo! Grande Amigo! E despertamos ansiados dessa loucura bendita. Tudo sonho! Nada do formidvel naufrgio. Destroos memrias e lembranas, - da misrrima derrocada. A realidade confunde-nos, aniquila-nos, desvaira-nos. Daquele esprito maravilhoso, daqueles dilculos de glria, daquela alma de artista, poeira, poeira, poeira... Terias razo, meu muito amado Maeterlinck, afirmando que a morte no mais do que um renascimento imortal num bero de chamas?... Ah! Os desalentos da saudade, os desvarios das lembranas... Morto, irremediavelmente morto!... Como, meu desditoso amigo, nesta hora de tremendo infortnio, quando, sobre a minha sensibilidade conturbada, ainda se projetam funerrias as sombras da noite sinistra que devorou num arranco de besta sacrlega, como fazer, em dois traos, no desatavio destas memrias, a sntese de tua obra, que nada mais seria do que um simulacro de idias e de pensamentos, no tumulto irrefreado de quem no medita nem raciocina, na tortura do inesperado, estarrecido e inerte, sentindo a morte e no se conformando, vendo o sol, no ocaso, apagando-se, e renunciar, no delrio da impotncia, por no ter cintilas divinas, que lhe animem as reverberaes agonizantes ?

Nesta angustia de amigo que perde o maior dos amigos, e nesta hora torva da morte, no sei como pincelar-te a vida sarcasmo pungente! eu que jamais consegui saber qual dos dois sentimentos em mim era o maior se o de admirao pelos surtos alcandorados do teu poder criador, sob a flama apotetica da imaginao, de remgios condoreiros, ou se de deslumbramento pela superioridade esmagadora de tua atitude. As magnficas, as imprevistas, as surpreendentes atitudes... L fora, no borborinho da vida, desordenada, desenfreada, ruge a tormenta. Vejo-lo impassvel. No te demoves. Ah! O pampeiro no tem foras para quebrar as caritides de ao desse carter inquebrantvel. Sorris, inflexvel careta sarcstica do destino, feroz da insistncia de sua insnia demolidora. Coragem fria, coragem intrpida, que enfrenta tempestades de dio e assdio de vilanagens e no tem um instante de hesitao. Singular configurao do carter que delimita o animal e define o homem perfeito, inteirio, inamolgvel o homem, na acepo integral da palavra, e quase superior poca em que viveu. Admirei-o por essas nobres atitudes. E, fechando os olhos, aqui sozinho, nesta hora evocadora de meditao e de tristeza, pensando no meu grande irmo pelo destino, pelo infortnio, pelas crenas, pelo afeto, por tudo aquilo que vincula duas almas indestructivelmente gmeas, sinto e compreendo que muito maior que essa admirao sem excessos foi o meu bem querer excessivo por essa figura de legenda, cheia de virtudes e sem nenhum defeito, cheia de devotamentos e sem nenhum rancor, gigante numa terra de liliputianos, dignidade serena que trava, de chofre, as enxurradas crescentes da covardia. Abstrio o amigo, revejo o homem. E, revendo-o, - estranha contextura de carter! em toda a sua vida de serenos herosmos e abnegadas resignaes, essa figura avulta mais. Dir-se-ia que quanto mais adversa lhe foi a fortuna, mais enrgica a resistncia, mais impetuosa a arremetida. Vencido, ao apupo da rafama sanguissedenta e bbeda da paixo, como era apiedado o seu sorriso, como era grande e suprema a sua misericrdia!... Vencedor, muito maior o seu perdo. O triunfo no o embriagava. Era estmulo para novas conquistas, incentivo para novas vitrias. Esse carter no se obnubilava com o torvelinho das torpezas terrenas. Nunca houve dio que se aninhasse naquela imensa bondade. A desforra tinha a durao da peleja. Passada esta, nem sequer ficava o ressentimento. Ningum mais depressa esqueceu a invectiva e perdoou a injria. Surto s animosidades irritadias, fazendo da justia e a verdade os mais puros sacerdcios de sua vida, no tinha preferncias e no tinha pendores. Iluminado pelos mais puros sentimentos, qual bendito semeador, os ardores de sua palavra sugestionadora e a dialtica doutrinria de suas apstrofes de fogo, de lances de rajada e de sonoridades de bronze, transformavam a terra calcinada, de vegetao inculta e maninha, em esplndidos vergeis, de florao magnfica, que rebentam pela primavera em

tempestades de seiva, e frutificam no outono, volpia fecundadora da primeira sazo... A xedra Acadmica... Neste claro-escuro crepuscular, de lucilaes melanclicas, no meu quarto humilde de amaldioado da fortuna, meia-tinta das minhas cismas de revoltado, descubro, poeirenta, dormindo sobre a Mocidade morta de Gonzaga Duque, (singular coincidncia!) a xedra, - minarete trmulo, esgulo e branco, sob o amplo velrio azul desta paliada de bronze, em meio de sarissas reluzentes e lanas voadoras... Vendo-a, revivo, exttico e emocionado, os lances afogueados dessa outra mocidade morta, a tua, que passou como um sonho que nunca mais volta, sumido nas diluncias dos amargores supremos, catstrofe das iluses mais queridas. Evoco, revolvendo essas pginas, a glria desse tempo de quimeras, sob o tumulo do xito, quando ainda no se pensa nas cabriolas do destino, e se tem a vertigem da primeira vitrias no aplauso alucinado das turbas e na languidez misteriosa do primeiro olhar de mulher, que para ns se volta, simbolizando o desconhecido, sob secretas atraes. A xedra, das lembranas pssaros amados... o primeiro sonho desmoronando, e que eu ressuscito hoje, com a idia da morte a insular-me das contingncias da vida. Relendo-a, nesta hora de torvos pressgios, vejo-te hirto, glido, os olhos vidrados, emparedado no silncio do fretro, irreparavelmente morto, arrastando para o vago e para o indefinido, impelido par a noite eterna, exilado de ns, isolado do mundo, na imobilidade do supremo xtase... E como eu compreendo a dor do teu derradeiro instante... E que afinidade imensa a tua com esse vulto dolorosamente incompreendido de Camilo, da Mocidade morta, auto-biografado pelo grande artista, generoso e infeliz, que foi Gonzaga Duque, - s! s! sem camaradas, desviado da farandola bomia da mocidade, que vem pla alegria, a pandeirar iluses, a cantar madrigais, s feiras gritalhonas e cubiosas da vida... Atiro a xedra. Apago a luz. Meia noite. Tenho a impresso do nada incognoscvel. Persuado-me de que vais voltar... A terra das iluses... Nela, sem que nunca o pressentisses, abriu-se teu tmulo. Buscaste-a voluntariamente. Mas depois de saber-lhe o tamanho das perfdias, no fugiste tentao. E porque no fugiste serpe conhecendo-lhe os instintos sombrios, foste enroscado nos seus torcicolos colubrinos. Desgraado amigo! Quiseste, no teu enlevo de visionrio, atravs de teu sonho Morrer! E ser lanado ao mar, no mar do Oriente, No teu dorso senil, ondas do mar Vermelho... O delrio da febre!

Nesse dia de chuva, sob um cu de zarco, vindos da festa natalcia de um poeta nosso, trazendo nos ouvidos o rumor sonoro das ltimas estrofes, votamos cara, atuados da melancolia do dia invernoso. Penetramos no gabinete. O Studio, em desordem, ressentia-se de nossa ausncia. Sobre a mesa, entre papeis revoltos, livros semi-abertos, notas a lpis, e taciturno, o busto de Lon Dierx, num socle de terra-cota. As estantes, fechadas, atulhadas de livros, tinham a gravidade de esttuas, e na parede, em face s janelas escancaradas, que davam para o rio Negro, e por se escoava a ltima rstea de luz crepuscular, entre panplias e arabescos de tarsia, fazendo pendant com pastel de Baschet, linda cabea de virgem sarracena, engrinaldada de cabelos de oiro, - a cpia impressionante de um baixo relevo de Cettgnano, Hros Inconnu, soberbo na majestade do seu porte. No alto, a crayon, santificando a austeridade daquele ambiente, o retrato da senhora Emilia Balbi, com seus grandes olhos negros, dolentes e pensativos, e a nvoa de um sorriso de infinita meiguice a lhe aflorar dos lbios. Derreado sobre a poltrona, confiando o bigode ralo, imerso em cogitaes, olhando as espirais de fumo do cigarro, o esprito vagando ao longe, completamente absorto, Balbi tinha vincos de desalento na face triste. Fingi no reparar-lhe a cisma. Reli, sem compreender, lombadas de livros. Detive-me desinteressado, examinando o pastel do artista francz. De repente, inquieto, no me contive: - Em que pensas, homem?!... Balbi levantou-se, resoluto: - definitivo. Vou ao Acre. Acabo de receber um radiograma. Tenho a minha palavra empenhada. Sorri, incrdulo, expresso categrica de suas palavras. Naquela conjuntura e dada a delicadeza de sua situao intima parecia uma fuga. No me conformava com a estupidez daquela sbita deciso que se me afigurava irrevogvel. Partir, naquele momento, a esposa irremissivelmente condenada, sob o cilcio de enfermidade cruel, e esse golpe da separao desfechado assim, desapiedado, e o seu remorso, e a sua conscincia... Que loucura! Propus solues novas ao problema de sua vida, tentei convenc-lo da inutilidade da iniciativa. Viver na selva, desafiando riscos e intempries, isolado, entre estranhos. Estava irredutvel. Precisava sair. Tinha que se ausentar nem que fosse por pouco tempo, mas imprescindvel essa viagem. Aventurei de novo, convencido da lgica fatal deste ltimo argumento: - Olha que no encontrars com vida dona Emilia... Foi rude a investida. Olhou-me, acabrunhado, erguendo-se da poltrona. Que mistrios imperscrutveis agitariam aquela alma! Passou no Studio, de

lado a lado nervoso, o rosto contrado num imperceptvel rictus. Estacou em frente ao retrato, fitou-o demoradamente, e depois, clere, como tangido por uma impulso estranha, procurou a entrada e desapareceu, descendo a escada, precipitadamente. Hoje, escrevendo estas memrias, com que carinho e desconforto releio a sua carta, vinda do Acre, seis meses depois do desastre de sua partida. A senhora Balbi j era morta. Transcrevo-lhe, textualmente, os perodos amargos: Ainda estou estonteado com o rude golpe que o destino me desferiu. Ainda no tenho perfeita a conscincia do meu ser, preso como me acho sensao viva do meu aniquilamento. Para cmulo do meu infortnio, o desespero ntimo, tenaz, indominvel de seguir s carreiras para a, de abandonar tudo, constituintes, interesses, situaes indefinidas, e sentir-me ao mesmo tempo chumbado ao solo, preso aos compromissos de minha palavra. No posso imaginar o dia de minha alforria. Creio, porm, que s em fevereiro poderei si estar. Sou um enclausurado neste ermo, sem dedicaes, sem amigos quase selvagem, condio a que fui levado por necessidade profiltica, por higiene pessoal. Nada tenho feito. Mas no irei a Manaus sem solver meus compromissos. Prefiro morrer em caminho. O Acre uma grande iluso... E continuava assim, nesse diapaso doloroso. O Acre uma grande iluso! Desafortunado amigo! Tarde de mais o reconhecimento... Um talento dispersivo. Em volume, para que fosse a catedral do nosso culto, o missal de marfim antigo onde a mocidade contemplasse os esplendores da Religio da Beleza, do mestre nada ficou. De sua glria, para o julgamento dos psteros, quase nada... Papeis velhos, artigos de jornais, ensaios, crnicas de polmica, - a aluvio de suas campanhas polticas, versos aqui e acol, epigramas, stiras, estudos filosficos, correspondncias literrias e, em folheto, o clebre Discurso, proferido no Recife, quando orador de sua turma, de xito sensacional, que perdura at hoje. Mas para a documentao evidente do potencial de sua fora, em uma obra de alicerces cientficos, vazada nos recursos inexaurveis de sua cultura, e desse exatamente a idia de quanto era capaz aquela inteligncia, servida por ilustrao to slida; em que uma obra, como ele planejava, onde se estudasse a evoluo do pensamento moderno, e, guisa de crtica, ao sabor de comentrios filosficos, fossem discutidos, analisados, interpretados os fenmenos sociais; um livro de doutrinas e de idias que bastasse para a consagrao de um nome e que surgisse como o depoimento vivo do seu saber enciclopdico, uma obra, assim, - pela sua vida de alternativas dolorosas, de contingncias amarguradas, humilhantes, na luta desesperada pela subsistncia, - no chegou a realizar o mestre. No se cuide que esse fracasso tivesse havido desfalecimento de energias. Forte,

enfrentando os revezes corajosamente, de uma vontade indomvel, enfraqueciam-no as arestas anfratuosas de um talento dispersivo, que concebe e no realiza, talento de impulsos e de ousadias, mas sem medida, sem constncia, sem tenacidade, num eterno desequilbrio, estiolando-se mesa dos cafs, nas horas vagabundas do bilhar, perdulariamente, criminosamente, despreocupado da glria, indiferente s responsabilidades do futuro. No raro, na intimidade dos amigos, no entusiasmo efmero de suas palestras cintilantes, - Balbi era um conversador surpreendente que hipnotizava pelo encanto e pelo ritmo das observaes a imagem alava-se arrojada, e, de sonoridade em sonoridade, de deslumbramento em deslumbramento, construa os planos maravilhosos do edifcio de sua obra, sem esquecer detalhes minsculos, compenetrado da sua viso de arquiteto espiritual, empenhado nas minudncias extremas para a majestade hiertica do conjunto. Tenho ainda ntidas na memria as suas palavras persuasivas, esboando-me as linhas gerais de um estudo experimental, de propores grandiosas, em contraposio s idias de Hachet-Souplet, expendidas na Genese dos Instintos. Esse trabalho nunca foi executado. A ele aludi, certa vez, alguns dias antes de sua partida. Sorriu, contrafeito, alegando falta de vagares. A verdade que minguava em Balbi, releve-me o amigo e mestre a severidade deste julgamento pstumo, - a perseverana no esforo, que redundava em lastimosa incapacidade produtiva. Arrebatado temperamento de prosador, com um estilo personalssimo a estrutura de sua prosa era inconfundvel. superior feio de sua vernaculidade exigente, temperada aos clssicos de nossa lngua, reunida a sabor tico de uma adjetivao bizarra, de harmoniosas orquestraes e que contrastava com o arcasmo salobro da convencionalssima etiqueta purista. Perpetrava a crnica com a mestria de um Lavedan. Conhecia-lhe os segredos, imprimia-lhe vontade a tonalidade e a amplitude que desejava. Impressivo na anlise dos acontecimentos, que condimentava com a sua vis satrica inexcedvel, a crnica de Balbi, palpitante, viva, sugestiva era um repositrio de ironias corrosivas que se transmudavam em fino humour, focando, em flagrante, os homens e as coisas de seu tempo. Don Pelayo, Emilio Reis, j.Tissot, seus antigos pseudnimos, denunciavam-no desde logo, por no conseguirem dissimular os lampejos geniais do mestre. Poeta admirvel, emancipado de escolas, rebelde a quaisquer influncias, da Flr de Pedra, talhada em moldes parnasianos, que data a sua iniciao. Como, porm, em presena de sua obra potica, to desordenada e to fragmentria, e nesta pgina arrancada a um memorial de lgrimas, sem nenhuma inteno crtica, tentar um estudo sobre os estados de sensibilidade de sua poesia, revelandolhe a psicologia, discutindo-lhe a esttica e a forma, acompanhado, enfim, os processos evolutivos de sua arte. Os versos de Balbi andam dispersos pelos jornais, e a sua produo de hoje, formoso manancial onde o artista atingiu a culminncia da perfeio, essa foi com ele, nessa malograda aventura do Acre, que lhe custou a vida, e sem dvida desapareceu, para a futura glorificao de outro nome... Nada escapou do formidvel sossbro. De sua obra, originria da

prodigiosa operosidade de outros tempos, das tradies de seu nome vitorioso, que era um lbaro de f para a mocidade sonhadora, s isto vestgios apagados, fragmentos transviados, papeis bolorentos cados no olvido, e a lembrana comovida dos amigos, os solitrios pegureiros do ideal, que contemplam essas runas como se fossem os derradeiros escombros de um templo que desabasse sepultando com ele religies mortais e civilizaes desaparecidas. Do mestre pode-se dizer, com propriedade, o que disse Junqueiro, referindo-se obra fialhesca: De metade de um bloco de mrmore fez Beleza. A outra metade estilhaou-a e converteu-se em p. Grande Balbi! A ltima vez que o vi, quando o acompanhei por toda parte at dizer-lhe o derradeiro adeus (e nunca me surpreendeu o pressentimento trgico de ser esse o ltimo!) foi no dia da sua partida. A viagem era definitiva. Ningum o demovera. Seguia resoluto para o pas da iluso e da perfdia, tangido por inadiveis compromissos, levado pela angstia de uma posio insustentvel, desprovido de recursos, na iminncia de afrontosas humilhaes. Pouco lhe importava partir abandonando a esposa, filhos, amigos posio proventos futuros que nunca chegariam, sacrificado sanha dos revezes polticos. Coragem lhe no faltava para novas lutas, nem se sentia abatido pela tortura da contingncia. Todavia desnorteava-o confrangendo-o, esse ambiente pesado de opresses morais de toda sorte, que o asfixiava, que lhe tirava a alegria de viver, constrangendo-o aventura, sem temer-lhe as conseqncias. Mas, nessa noite de inquietaes e de pesares, o que minava essa alma intrpida que jamais na vida se arreceara dos perigos, era a dolorosa certeza de partir, com rumo incerto e destino ignorado, e nunca mais ver, nunca mais! A companheira abenoada de tantos anos de felicidade e de infortnio, a doce companheira que compartilhara com ele as alternativas da fortuna mandaz, estuante e feliz, nos dias ensolarados do triunfo, e apertando-o ao peito, comovida e soluante, s amarugens da desdita... Essa, que foi a mais amada de todas as mulheres, a se ficava, sem poder segui-lo ainda uma vez, lancinada no seu abandono, e preza ao leito, imobilizada, errante na sua dor, livorescida na sua agonia, corroda pela enfermidade terrvel que dias depois lhe fechou os olhos. Era a perspectiva desse transe que o combalia, desarvorando-o; e, quando noite, taciturnos, regressvamos casa, o suplcio de v-la de novo e ter que partir, retardava-lhe os passos. Vi-o porta, cambaleante, rechaado, os olhos marejados de lgrimas. - Ah! Meu velho, que horrvel provao! a pior hora da minha vida... Entramos silenciosos. Vi-a de longe, no seu leito de morte, os olhos parados e cheios de angstia, as faces lvidas, um sorriso doloroso esvoaando dos lbios desmaiados... As eternas oscilaes da alma!

No quis ver o resto, Fugi. Fui esper-lo na praa em frente igreja, olhando a baa deserta. No cu, lavado de bistre, palpitavam as primeiras estrelas. Minutos depois, vi que voltava, espetral, sombrio no seu mundo desespero, as trpegas, sem poder articular palavra. Olhei-o, comovido. Apertei-o com fora em meus braos. Tentei consollo. Murmurou-me ao ouvido, com voz embargada: - Tu no imaginas a minha angstia! Acabo de abraar um cadver... Chorava convulsivamente. S ento reparei que eu tambm tinha os olhos arrasados dagua. (Do livro Figuras e Sensaes, de Pericles Moraes.)

UM CAMPEADOR AMAZNICO:- HELIODORO BALBI A Histria poltica do Amazonas h uma pgina que fixa em contornos soberbos a fisionomia de uma poca. a que se refere, ainda no princpio deste sculo, atuao combativa de Heliodoro Balbi. Quem se der ao trabalho de compulsar-lhe os anais, revolvendo-os e analisando-os detidamente atravs do papel que desempenharam os seus pr-homens, no conseguir descobrir um outro nome com as credenciais de valor mental, integridade, independncia e desassombro individual capaz de resistir-lhe ao confronto. Poderosa envergadura de preliador, ele tinha o entusiasmo sagrado das causas que defendia. De uma dignidade de pirmide, as suas palavras e os seus atos revelavam-lhe a sobranceria do carter, cuja contextura imaculada serviria de padro s geraes que o sucederam. Temperamento vibrtil, de arrancadas impressivas que o arremessavam a perigosas temeridades, Heliodoro Balbi, que era a bravura em ao, possua a arte aprimorada de beirar os precipcios sem neles se precipitar. Forrado de uma intrepidez que atingia a raias da loucura, desafiava impavidamente a vesnia dos potentados, subjugando e abatendo os adversrios com os golpes mortais que lhes desfechava o seu verbo incandescente. Vencia-os com galhardia, sem contudo tripudiar sobre os vencidos e sem ostentar a arrogncia de certos vencedores embriagados pelo triunfo. Vencia-os e desprezava-os, sem mais relembrar-lhes as vilanias, postas em prova nos lances de refregas aceradas e atrozes. De natureza generosa, expansiva e exuberante, se no tinha clemncia no desarticular as trincheiras inimigas, bombardeando-as com a lgica e a dialtica de requisitrios implacveis, logo se apiedava dos antagonistas que lhe tombavam aos ps. Dir-se-ia que a sua tangapema de brbaro, para emprestar a imagem de um escritor nosso era enfeitada de rosas. No se arriscava luta para humilhar quem quer que fosse, seno em defesa de seus postulados doutrinrios. Sempre o encontrei cerrando fileiras nas oposies e combatendo, na tribuna e no jornal, os dspotas e os oligarcas, cujo prestgio se desmoronava s investidas demolidoras de sua palavra e de sua pena. s tentativas de suborno que se ensaiavam para quebrantar-lhe o mpeto, respondia aumentando a virulncia das arremetidas. No o seduziam as posies de mando. Renunciava a tudo que no estivesse em conformidade com a disciplina de sua ideologia poltica e o grande estilo de sua estrutura moral. Eu de mim confesso, evocando ainda uma vez a figura preexcelsa do maior amazonense, em todos os tempos, que o meu contato com Heliodoro Balbi foi uma das raras felicidades que o destino me concedeu. Conheci-o precisa mente nesse perodo trepidante da histria do Amazonas, em que a sua figura extremamente sedutora, aliciava espritos e coraes. J

formado em Direito, abandonava as pugnas acadmicas, onde a tradio de sua inteligncia e de sua cultura se irradiava luminosamente, regressando terra natal, com a iluso de pr um dique regenerador torrente de oprbrios que a corrompia e aviltavam. Iniciou-se, portanto, na vida pblica antevendo desde logo os riscos da tarefa a enfrentar. Visionando, porm os aspectos confrangedores da deliqescncia generalizada que lhe rebaixava o nvel moral, acelerou a sua interveno profiltica, que se fez sentir na imprensa e nos comcios populares, onde o seu verbo tempestuoso escancarava as mazelas e comburia as lceras administrativas. As represlias, como seria inevitvel, vieram depressa, em jactos purulentos que lhe intentavam desvirtuar a finalidade das atitudes. Revidando como um gigante, no deu trgua camarilha assalariada. E os seus gestos de altaneira e desprendimento apaixonavam os mais apticos e indiferentes. Quando ainda deputado estadual, renunciou subitamente o mandato, em desagravo a uma deliberao da prpria Assemblia Legislativa, que lhe parecia ofensiva inteireza de suas convices. Conduzido logo depois ao Parlamento Nacional, levado, pela imperiosa determinao de um eleitorado autnomo, que assim lhe coroava a cabea de loiros, teve o seu diploma anulado pela mais inslita e afrontosa das depuraes. Imolado sanha dos usurpadores, embora aclamado pelas conscincias honestas, retorna luta o campeador infatigvel, como se o amargor das derrotas lhe retemperasse as energias. Desde ento as suas campanhas recrudesceram, no estigmatizar em libelos vitriolescos a desfaatez e os crimes dos detentores do poder. Num dado momento a sua popularidade foi uma fora indominvel e avassaladora, tornando-se o dolo do Amazonas e o baluarte do seu povo oprimido e sofredor. Radicalmente infenso aos ditirambos lricos, edulcorados de promessas falazes que jamais seriam cumpridas, Heliodoro Balbi, para conquistar a adorao e a idolatria dos seus contemporneos nunca assumiu, em seus discursos, compromissos fementidos. As suas promessas resumiam-se em permanecer sempre ao lado das populaes famintas, que se estorciam de misria, e ningum lhe duvidava dos propsitos, tanto a beleza de suas atitudes falava mais alto que a grandiloquncia de sua oratria. Toda a vida desse homem, que nasceu a centelha do gnio na fronte, vale por um exemplo de civismo e de dignidade. Civismo, que era um trao viril de rude inflexibilidade, em contraste com o servilismo coletivo. Dignidade de paladino medievo, que luta e sucumbe na peleja para vingar o ultraje que lhe vulnerasse a honra. A sua morte inopinada naquela desastrosa aventura do Acre, resultou em fatalidade para o Amazonas. Porque, em 1930, com a transio poltica que se operou no Brasil, se Balbi existisse, outros seriam os horizontes do seu destino. A ele, a esse herico condutor de multides, irrecusavelmente estaria reservada a misso, frente do governo de sua terra, de resguard-la contra o assdio da inconscincia desalmada, cata de proventos e posies. Nenhum outro homem melhor talhado para as alternativas da conjuntura. Fora ele,

sozinho, de peito descoberto e de lana em riste, homem de prol na pena e na espada, quem encarnava a reao contra o arbtrio e a prepotncia dos dominadores. Foram as ousadias de sua dialtica, que lhes denunciara as mazelas orgnicas. Foi a eloqncia do seu verbo que lhes profligara os desmandos, arrastando-os desmoralizados irriso pblica, em quanto os outros, os salvadores de ltima hora, dantes embuados e escondidos, fugindo s responsabilidades, aguardavam que as situaes se aclarassem para se agacharem sombra do vencedor. E aos que lhe conhecessem os moldes rijos da verticalidade, no causaria espanto o gesto de repulsa do nobre Cid amaznico, quando, pouco tempo depois, sacrificando-se por amor ao torro nativo, se despojasse bruscamente da autoridade e das honrarias que lhe conferiram por direito de conquista, contanto que, inerte, de braos cruzados, em vergonhosa capitulao, lhe no assistisse ao esfacelamento. Tal em sntese a configurao emersoniana desse lidador de virtudes excepcionais, cujo nome legendrio, vinte e sete anos depois da sua morte, a mocidade idealista do Amazonas arranca da poeira do olvido, onde o sepultaram a ingratido e a versatilidade dos homens amnsicos, para celebrar-lhe a glria, na mais legitima das consagraes.

PERICLES MORAES

Grandes nomes da Literatura da Lngua Portugusa

HELIODORO BALBIEscreve MENDONADE SOUZA AINDA HOJE, decorridos cinqenta e quatro anos do trespasse, HELIODOR BALBI, pelos mltiplos e notveis remgios poticos, sociolgicos e filosficos, permanece em nossa admirao e estima. Mas firme, mais estvel, nesta permisso do tempo, podemos sentir-lhe os rumos colossais, infinitos. Jamais hesitou em face dos obstculos. A vida e a obra oferecem-nos o valor insigne, extraordinrio em atividade mental, forte personalismo, raciocnio empolgante, agudssima veemncia nos julgamentos polticos e sociais. A faculdade rara naquilo em que o talento e o gnio, sem reserva e sem inveja, sem restries e sem medo, exigiam-lhe enleio e culto. O nobilssimo nimo em que sempre assim viveu a se explicar: - O direito, como fenmeno evolutivo, no um produto da cultura: um fenmeno concomitante do aparecimento do primeiro homem, que foi o primeiro selvagem. A sua gnese est no ato reflexo, determinado pelo meio csmico um simples movimento, como a conscincia na sua gnese. Cumpre-se distingui-lo nesse itinerrio de leis e razes para as foras fsicas e sociais, para o cosmo, para a vida. Senti-lo nas constantes modalidades da existncia agitada. Nutre em horizontes mais desafogados. Tpica, figurativa, emblemtica no lume de Prometeu. Deixou-nos uma obra vasta, complexa, pica no raro poder de emoo, de sagacidade, de amplssimo saber. Uma vida inteira devotada aos livros, s doutas idias. Na crtica e na polmica sabia mostrar-se altssimo, superior, honrado no valor das convices lmpidas e nas aes nobres. Em feliz estudo de recapitulao dos grupos humanos, de reconhecimento ao progresso e de conscincia histrica, deixa-se ver e aplaudir nesta mensagem estimuladora aos que sabem defender com diligncia e bravura o governo poltico dos povos contra os sectrios e inquos:

- Afirmar que a sociedade evolui, que todo organizao social apenas uma resultante da raa e do clima,que os homens agem sob a influncia principal de agente atmosfricos ,de necessidades e instintos hereditrios, esquecer a ao fecunda dos gnios, a convergncia enrgica dos desejos e aspiraes coletivas, dos ideais que norteam todos os agrupamentos humanos, os transportes da multido apaixonada, das massas populares em delrio, a exploso de idias de encontros pacficos de raas e de povos, a potncia das opinies individuais, a corrente das tradies, a fora poderosa dos costumes, esquecer tudo isso, todos os fatores pessoais da histria. Nesta hora de interesse comum da Famlia Universal pela Paz, em face das ameaas de novas guerras, nada mais oportuno e justificado do que relermos, com profunda ateno, estas palavras de HELIODORO BALBI, imensas de notvel verdade poltico-social: - Sem liberdade no h direito e a fora a inimiga da liberdade. Como, porm, no h direito sem o respeito s personalidades que o exercitam, o homem luta pela posse eterna desse respeito, que a condio da sua prpria vida. quando o homem tiver feito a sociedade como organizao do trabalho a vasta famlia humana constituir ento um s todo social, falando uma s lngua e tendo um s direito. Nesse destino da cndida ventura, o direito, conseqncia direta da imperfeio humana, integrar-se-ia moral. Tornarse-ia o homem coparticipante de uma sociedade aceita em deveres. Simplesmente porque, neste ltimo estgio da constituio social, da universalizao jurdica e poltica, o homem atingiria o nirvana supremo do esprito mundial. Teria vencido o prprio mundo. S na crena em Deus o homem consegue deixar de ser o lobo do homem. O individualismo extremo ainda por sculos e sculos fora acompanhar o aperfeioamento moral da Humanidade. Da estas palavras finais de HELIODORO BALBI, no discurso de formatura, aos novos bacharis: - O diploma de capacidade que solenemente hoje recebeis, se a carta de vossa liberdade privada, da vossa independncia poltica, tambm o cdigo dos vossos deveres humanos. Quando tiverdes conscincia de tudo o que ela vos diz, de tudo o que ela voz quer dizer, a vossa vida ser uma srie infinita de lutas contra todas as opresses e contra todos os opressores.

Nesta aurora de novo movimento de ordem e progresso, de melhor futuro para a nossa Ptria, aps tanta politicalha, torna-se oportuno, realmente, observamos com notvel respeito estes imortais excertos de HELIODORO BALBI: - O patrimnio dos orfos, a massa dos falidos, os bens dos ausentes, precisam de mos puras para guard-los, de mos limpas para geri-los, de mos honestas para mov-los. Trabalhai, colegas, pela redeno do homem, que ser o dia em que, tendo ele plenitude de justia, no ter mais necessidade de pleitear direitos. BALBI nasceu nesta bela cidade dos manaus a 16 de fevereiro de 1878. O trespasse ocorreu em Rio Branco, capital do Estado do Acre, a 26 de novembro de 1918. Por especial deferncia do Dr. Hugo Carneiro, dez anos depois, os restos do grande amazonense forem piedosamente exumados e transladados para Manaus. Desde 13 de fevereiro de 1928, repousam no Cemitrio de So Joo. Fundou revistas acadmicas, colaborou em jornais. Orador de nossa Academia, em vrias solenidades, e, com legtimo orgulho, por algum tempo, do Instituto Arqueolgico e Geogrfico Pernambucano. Igualmente, orador da Turma de Bacharis de 1902, pela tradicional Faculdade de Direito do Recife. Como deputado estadual apresentou aos nobilssimos, pares projetos de inegvel interesse pblico. Com professor defendeu, de maneira afetiva, insigne, a pureza de nosso idioma na modulao da galanteia, desenvoltura, esplendor e glria. Neste rememorativo esfro em que o consideramos egrgio cultor do Direito e da Liberdade, em face da sociologia e da filosofia, a parafrase-lo, bem podemos aqui dizer-lhes: Hoje que os HELIODOROS BALBIS raream, desaparecem, morrem, precisamos cri-los, faz-los, multiplic-los. Sem dvida, necessitamos vener-los no que somos, agradec-los no que temos, imortaliz-los no que havemos feito na sucesso dos tempos. Em louvor, pois, do grande HELIODORO BALBI aqui, com imperecvel gratido, estas palavras de nossa mais profunda reverncia.

NA FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE EM 1902HELIODORO BALBICaros colegas: Essa agalma que ai fica no vos satisfar de certo porque a mim mesmo no satisfaz. O tempo, que o fator das obras eternas, passou por ela rpido de mais. No pude escod-la e escand-la no quanto bastasse insatisfao do meu esprito sempre propcio o considerar sobre a natureza imperfeita do homem e o fundo frgil das coisas. A semelhana desse extraordinrio escultor alemo, Max Klinger, que dezesseis anos levara a compor a esttua de Beethoven para que nela pudesse com exatitude conciliar o pensamento profundo e doloroso da civilizao crist com a beleza irradiante do paganismo, eu deveria voltar com esta agalma para a oficina, de novo tenda conduz-la e, escopro mo, durante muitos anos ainda, lavr-la, refend-la, brun-la, retoc-la, para que satisfizesse a vs pela segurana dos seus conceitos e a mim bastasse pela beleza de sua forma. Recebei-a, porm, assim como est: ser grande o vosso desgosto, maior porm o meu tormento. Algum dia talvez, se as energias que dentro de mim hoje abrolham no se tiverem enfraquecido e esta alvorada de amor que dentro de mim resplandece no se houver apagado, eu vos ofereo um produto mais digno, uma obra mais duradoira. Ides perlustrar desconhecidos caminhos, percorrer estranhas veredas, um dia na volta de algum atalho ou margem risonha de alguma clareira havemos de novo de nos encontrar. Quero ver-vos ento como vos vejo agora, encontrar-vos como hoje vos deixo: sem mculas, sem manchas, sem ndoas, sem impurezas. Nestes dias arrastados e maus em que tudo capitula e rasteja; em que os mais livres entrouxam as suas crenas no guarda roupa da velhice; em que preciso alugar um fato de conveno na mascarada geral, para no cair varado pelos baldes dos apupadores da verdade; em que no se pode ter a franqueza da coragem honesta, sem assanhar enxames aferroadores; em que as enxurradas poderosas vo arrebatando s conscincias o desinteresse, a lealdade, o entusiasmo, a justia, em que a defesa do direito a luta do nufrago agarrado s escarpas de um penhasco solitrio e lavrado pelos raios entre as lufadas e o oceano- ides entrar para a vida pblica, para o fervedouro poltico, esse ondeante plago social, essa gigantesca voragem sempre escancarada para as grandezas da ptria.

Ides para o meio dessa tremenda subverso de princpios e caracteres mas ide como uma fora de resistncia, como uma audcia convencida da firmeza do seu protesto. Levantai-vos contra todas as torpezas e iniqidades, contra os desmandos dos almetas e bonzos, strapas e lacaios republicanos, cujos ideais no transpuseram nunca a cerca da sua herdade, a linha do horizonte da sua aldeia e, aparvalhadamente, querem dirigir opinies, governar povos, superintender cidades e educar geraes. O diploma de capacidade que solenemente hoje recebeis, se a carta da vossa liberdade privada, da vossa ao social, o po da vossa independncia poltica, tambm o cdigo dos vossos deveres humanos. Quando tiverdes conscincia de tudo o que ela vos diz, de tudo o que ela vos quer dizer, a vossa vida ser uma srie infinita de lutas contra todas as opresses e contra todos os opressores. As sociedades caracterizam-se pelas revolues e o homem que as constitui e que no um centro de revoluo no um fator social. Garibaldi, Mazzini, Cipriani, Bolivar, Bakounine, Andrada Toltoi, so a imagem da liberdade ela mesma feita homem, para quebrar os ferros dos mrtires e abrir as prises dos justos. Protestai, pois, contra todas as tiranias, contra as da imprensa como as dos governos, contra as dos juzes como as dos mestres, contra as de todos aqueles que exeram, por mnima, uma parcela de poder social. Oponde-vos firme e tenazmente s moafas e mazorcas daqueles que, com estupendo cinismo e indigna covardia, mercadejam a honra da ptria infamando a glria de seu nome. Hoje que a insacivel paixo da riqueza, o amor desordenado ao ganho, a cupidez sem nome a lei dos nossos governantes, dos quais se pode dizer com Sulpicius Lupercus que Nulla huic in lucro cura pudoris erit: Istud templorum damno existioque requirit; Hoc coelo jubeus ut petat, inde petet... Entrais para a vida pblica. Entrai sim, mas entrai como uma voz de protesto contra os oligarcas da Repblica, contra os jornais impudentes, contra os advogados sem escrpulos, contra os governos ladres, contra os juzes venais. Entrai, sim, mas entrai como legionrio do direito, como sentinelas da justia, como amigos da liberdade e do homem. O patrimnio dos rfos, a massa dos falidos, os bens dos ausentes, precisam de mos pura para guardlos, de mos limpas para geri-los, de mos honestas para move-los. Hoje que os Fbios, os Curcius, os Cincinatos raream, desaparecem, morrem, preciso cri-los, faz-los, multiplic-los. E h de ser de vs que sair o renascimento da ptria abatida, a fraternidade dos homens do esboo amorfo

da sociedade de amanh, prlogo incolor ainda dessa epopia de luz, inassinalvel hoje, ma que ser o estado definitivo e ltimo da constituio social. Trabalhai pela confiana, pelo amor, pela fraternidade dos homens, pelo progresso indefinido dos Doukhobors, que os sonha entrevistos por George brands no Le Grande Homme e por Tarbouriech em La cit future no chegaro a ser uma simples iluso. Trabalhai, colegas, pela redeno do homem, que ser o dia em que, tendo ele plenitude de justia, no ter mais necessidade de pleitear direitos.

Iggdrazill era uma rvore da cosmogonia escandinava. Os seus frutos eram homens e tinham trs razes - uma para o passado, outra para o presente e a terceira para o futuro, pois que devia simbolizar a eternidade da vida csmica. Eternamente verde baloiava-se sobre a fonte Urd. Trs moas junto a ela detinham o destino dos filhos do tempo e o orvalho branco que de suas ramas caa, transformava-se em mel para o alimento das abelhas. Era a maior de todas as rvores e os seus ramos tocavam o cu. Essa rvore a imagem perfeita do direito que, depois de ter estendido ao passado e ao presente, estende-se ao futuro para simbolizar a eternidade da vida social. Os homens so os sues frutos porque no h convvio humano. A liberdade, a igualdade e a fraternidade so as suas sentinelas, condies da sua existncia, sem as quais impossvel deter o mpeto das paixes; as abelhas que vm alimentarse do seu mel, so todos os que tm fome e sede de justia (que a fonte sobre o qual o direito se inclina) so todos aqueles que ides amparar com o calor o equilbrio, harmonia, grandeza e majestade do vasto edifcio social.

CMARA DOS DEPUTADOS

ALMINO AFFONSODEPUTADO FEDERAL

HELIODORO BALBI.

eoESBULHO

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ELEITORAL

BRASLIA - 1998

CMARA DOS DEPUTADOS DEPUTADO ALMINO AFFONSO

HELIODORO BALBI E O ESBULHO ELEITORALDeputado Almino Affonso, no plenrio Da Cmara dos Deputados, a Heliodoro Balbi.

Centro de Documentao e informao Coordenao de Publicaes BRASLIA 1998

CMARA DOS DEPUTADOS 50 Legislatura 4 Sesso Legislativa SERIE SEPARATAS DE DISCURSOS, PARECERES E PROJETO N 25/98

A Antonio Angarita da Silva, Manoel Otvio Rodrigues de Souza, Olavo Sobeira Sampaio, Ilson Guimares de Oliveira, Antonio Pereira Terindade, Evandro Carreira e Aloizio Nobre meus companheiros Do Grmio Cultural Heliodoro Balbi, em Manaus (1945/1949). Vnculo com que Os evoco com a admirao Sempre renovada Almino Affonso Braslia, 1998

Ex.mo Senhor Presidente da Cmara dos Deputados, eminentes Colegas: No quero que se conclua meu mandato de deputado federal, que exero algo me diz pela derradeira vez, sem deixar nos Anais da Casa o testemunho de minha profunda admirao pela legendria figura de Heliodoro Balbi. Aprendi a conhec-lo em toda a sua dimenso, quando a juventude entreabria para mim os horizontes da vida, ouvindo e lendo alguns dos maiores intelectuais de minha terra, cujos depoimentos sobre Heliodoro Balbi enfeixados numa polianteia reconstruram-lhe a grandeza de orador inexcedvel, jurista renomado, jornalista lapidar, professor emrito de literatura, poeta primoroso e, acima de tudo, de espadachim intimorato que enfrentou os desmandos polticos e a degenerescncia moral da oligarquia Neri que, durante tantos anos seguidos, dominou o Amazonas. Desde cedo, a configurao do lutador desenhou-se em sua vida. Amazonense, nascido em Manaus, a 16 de fevereiro de 1876, filho de Nicolau Balbi e Domiciana Balbi, as razes de seus ancestrais, no entanto, ficavam-se nos Balbi de Ragusa, Itlia. Fez seus estudos preparatrios no Ginsio Amazonense, tendo em seguida viajado para Recife, onde com brilho incomum fez o Curso Jurdico na Faculdade de Direito, j ento cercada de justificado renome. Segundo Agnello Bittencourt, para assegurar seus prprios estudos, dividia seu tempo entre a Recebedoria do Estado do Amazonas, do qual era funcionrio pblico, e a capital pernambucana, para onde se deslocava de quando em vez(1). Rendia-se, ao que tudo indica, s carncia da economia domstica, com inevitvel prejuzo ao convvio acadmico. No obstante isso, logrou to reconhecido destaque entre seus colegas que foi consagrado, pelos bacharelados de 1902, como orador da Turma. Ansio Jobim, traando-lhe o esboo biogrfico, evoca sua passagem pela Academia de Direito, com acentuadas cores: deixou a velha e tradicional Faculdade coberto de louvores de seus amigos, colegas e condiscpulos, porque era um expositor de filosofia, e muitos acadmicos procuravam-no para ouvirem as prelees numa linguagem ao alcance dos novatos que queriam enfronhar-se nas teorias dos epgonos construtores dos sistemas filosficos. Todos o ouviam religiosamente e, saindo do plano filosfico, o autodidata se emaranhava na literatura clssica em que era versado erudito(2).

Andr Arajo, em admirvel pgina de reconhecimento, deteve-se com maior vagar do celebrado discurso: Heliodoro Balbi foi, no Amazonas, um dos ltimos rebentos da escola jurdico-filosfica do Recife. Formado em direito no ambiente mental que produziu Tobias Barreto, Silvio Romero, Martins Jnior, Arthur Orlando, Phaelante da Cmara, Gervasio Fioravante, Laurindo Leo, pde assimilar, com a brilhante inteligncia de que era dotado, o esprito cultural da poca em que um Braz Florentino, um Constncio Pontual, um Barros Sobrinho, um Nunes Machado, eram reservas pensamentais que transmitiam como os mesmos Tobias, Clovis, Silvio, Martins Jnior e outros, o positivismo cindido de Augusto Conte e ensinado por Benjamim Constant, Teixeira Mendes e Miguel Lemos, o materialismo antigo de Holbach, Lamettrie, o materialismo transformista que rebatia Plato e Aristteles, Santo Agostinho e Santo Tomaz, Pascal e Pasteur, at os monistas evolucionistas que encheram o Brasil de Haeckel e Noir, Hartmann e Schopenhauer, Kant e Strauss. Heliodoro Balbi condenou, numa sntese, todo esse ambiente revolucionrio daquela poca pernambucana, no seu memorvel discurso como orador da Turma dos Bacharis de 1902(3). Como efeito, no apertado espao de uma plaqueta de 54 pginas, Heliodoro Balbi em plena juventude revela seriedade de seus conhecimentos jurdicos, filosficos e literrios, produzindo um discurso de rara beleza e de extraordinria fora humanstica, que transcende as peas oratrias de ocasio e se impe como a mensagem de uma gerao. Envolto no clima da perorao, Heliodoro Balbi diz a seus colegas, como se encarnasse a palavra de um profeta: As sociedades caracterizam-se pelas revolues e o homem que a constitui e que no um centro de revoluo no um fator social. Garibaldi, Mazzini, Cipriani, Bolivar, Bakounine, Andrada, Tolstoi, so a imagem da liberdade, ela mesma feita homem, para quebrar os ferros dos mrtires e abrir as prises dos justos. Protestai, pois, contra todas as tiranias, contra as da imprensa como as dos governos, contra as dos juzes como as dos mestres, contra as de todos aqueles que exeram, por mnima, uma parcela de poder social. Oponde-vos firme e tenazmente s moatras e mazocas daqueles que, com estupendo cinismo e indigna covardia, mercadejam a honra da ptria inflamando a glria de seu nome(4). Chama a ateno o espao que Heliodoro Balbi reservou em seu discurso, no obstante o delimitado nmero de pginas em que o vazou, causa da mulher. Na Constituio de 1891 o iderio republicano no contemplara, com inequvoca clareza, a relao igualitria entre o homem e a mulher. Nem mesmo o direito de voto lhe era reconhecido. A esse respeito, Joo Barbalho, em seus Comentrios, destaca, de maneira clara, embora estranha, que alm das excluses expressas na Constituio, subsiste a das mulheres, visto no ter sido aprovado nenhuma das vrias emendas que lhes atribuiam o direito de voto poltico. E mais adiante, de modo conclusivo: A

maioria do congresso constituinte, apesar da brilhante e vigorosa dialtica exibida em prol da mulher-votante, no quis a responsabilidade de arrastar para o turbilho das paixes polticas a parte serena e anglica do gnio humano(5). Em contraste com essa viso cultural excludente, ainda na primeira dcada republicana. Helidoro Balbi repassa, criticamente, o que a cincia ento proclamava sobre a mulher, e sentencia: A vossa presena nesta festa o protesto solene de que a mulher brasileira empreendeu a obra da sua emancipao orgnica. E linhas adiante, como o descortino de quem sabia ver alm do horizonte, Balbi festeja a transformao que se vai operando: Concorrendo nossa festa e audindo-nos, brilhantemente afirmas, minhas senhoras, que neste vasto firmamento de astros apagados, que a esfera intelectiva da mulher brasileira, vai operar-se uma profunda revoluo. Esperemo-la. Notai porm que o halo glorioso que circunda a fronte dos eleitos, j sob a primavera e o cu de muito climas, se recurva e desdobra em largas faixas de luz sobre a fronte de muitas damas. A mulher por toda parte comea a levanta-se. A tendncia histrica da liberdade humana por toda parte impelea emancipao(6). Por mais estranho que seja, o discurso de Helidoro Balbi que impressiona pela densidade da anlise doutrinria e beleza da oratria provocou reaes negativa de setores de mestre e colegas, a ponto de perturbar pelo burburinho a audio de quantos, atentos elocuo, quisessem ouvi-la. Pela exploso com que Balbi reage irreverncia cochichos e risotas, pode-se imaginar as propores do fato, a um s tempo injusto e inslito. Seguramente a inveja, que aula as almas pequenas, no conseguiu acomodar-se em sua insignificncia: e irrompeu, sem disfarces, na grosseria das manifestaes. Heliodoro Balbi, no prefcio plaquete, d-lhes a resposta de pblico, em rebencadas que custa acreditar no tenham tido, desbordando os limites verbais num confronto de fato um desfecho sangrento. Regressou a Manaus, a 13 de junho de 1903, casando-se em seguida com Emlia Balbi. Prestou concurso, no Ginsio Amazonense, conquista a Cadeira de Literatura, a cujo magistrio se entregou por vrios anos. Desse mister nos resta um depoimento, que me parece imperioso transcrev-lo, sobretudo porque provm de Joo Leda, um dos mestres de maior grandeza de nosso idioma: Sempre e sempre o orador nas ardncias do elquio. Na ctedra, igualmente. Esse seu modo de ser mental achava a exuberante, despeada expanso. Pelo comum, o ponto da matria, de antemo fornecido aos alunos, representava apenas um pretexto para dissertaes eloqentes. Ampla cultura, servida por extraordinria memria, ministrava a Balbi elementos a flux para explanao de jeito tribuncio, que eram incontroversamente o seu forte(7).

Alm da dedicao sua banca de advocacia, Heliodoro Balbi entregouse, de corpo e alma, militncia do jornalismo. Como acentua Ansio Jobim: Vejo para a imprensa, para a tribuna cvica. O seu jornal Correio do Norte foi um trao de luz de epopia, de missionarismo poltico doutrinrio, de smbolo de coragem, de honra, de f e de bravura. Desde o artigo de fundo de expresso lapidar at a crnica, o noticirio ele urdia, arquitetava magnficas(8). O testemunho de Huascar de Figueiredo, com a pureza de quem recorda lembranas da juventude, mostra o quanto o jornalismo em Heliodoro Balbi era uma outra dimenso do homem pblico: Como jornalista, citam-se de seus artigos, mesmo quando empenhados em polmicas, trechos inteiros de estilo aproximado do gongorismo, cheios de palavras pouco usadas, selecionadas a capricho, ao sabor do ritmo e da musicalidade dos perodos. Mas, em tudo isto, na sua linguagem, como nas resolues de publicidade, havia um quer que fosse de misticismo, de uma predeterminao estranha sua vontade, qual de ordinrio cedia e com a qual freqentemente se conformava, obediente s razes ntimas de um subjetivismo, superior s prprias condies de sua vida sacrificada, como pensador isolado no ambiente das suas lutas, sempre indiferente s necessidades e s vicissitudes(9). O tribuno, na praa pblica e na imprensa, desenhou-lhe a liderana poltica. A sua palavra era oracular. Com a fora das torrentes, a despeito de tudo o que a ele se opunha, Balbi aceita o desafio da vida pblica: elege-se Deputado Assemblia Legislativa do Estado. Mas, como um predestinado, Heliodoro Balbi era, sobretudo, um apstolo. Seu Cdigo de Honra j escrevera no memorvel Discurso de Formatura: renuncia ao mandato popular to logo sente que, entre as suas normas de conduta e a prtica poltica na Assemblia Legislativa, abrira-se um fosso. o que depe Ansio Jobim em seu ensaio O Amazonas sua histria: Fatos espetaculares que ocorreram e atentatrios do decro da Assemblia levaram-no abandonar o recinto depois de um discurso inflamado e renuncia ao diploma, atitude para a qual se exigia um esprito superior, desinteressado e vibrante de altivez, cnscio de seus deveres sociais e polticos, dos ideais de democracia(13). Contudo, o Campeador Amaznico como Pericles Moraes o designava no ensarilhou as armas. O tribuno ganho as praas pblicas, incendiando multides, Joo Leda, melhor que ningum, retrata o fascnio de sua eloqncia: Conclua-se agora do que fica dito o que poderia ser Balbi, tribuno at a medula, perante uma multido que, remorejando na praa pblica, lhe estimulasse os clamores de vingador popular, confiando-lhe ao patrocnio a reivindicao de um direito, a obteno de um ato de elementar justia, inflexivelmente negado pelos governos. Nesses momentos, a torrente oratria de Balbi espadanava em tropos rutilantes, sua indignao troveja metforas de

fogo, fraguava imagens que sacudiam o auditrio incrvel turbilhonar verbalista, em que se iam rolando os governantes marcados com cruis estigmas, numa flagelao que durava at que a fadiga empolgasse o flagelador(11). Cavalgando sua prpria intrepidez, de lana em punho contra os governantes que infelicitaram o Amazonas, Heliodoro Balbi assumia seu destino. O Povo, na grandeza de sua percepo, viu bem que ali estava o seu heri e fez dele seu representante do Parlamento Nacional em 1906, para a Legislatura que se estenderia at 1908. poca, entretanto, o processo eleitoral era uma corrida de obstculos. Lograr sair dos Estados com a consagrao das urnas era uma condio necessria, mas no suficiente para que o candidato, por fim vitorioso, assumisse a Deputao Federal. A Constituio de 1891, em seu art. 18, pargrafo nico, prescrevia: A cada uma das cmaras compete: verificar e reconhecer os poderes de seus membros. Joo Barbalho, em sua obra Constituio Federal Brasileira, Comentrios, editada em 1902, emite a respeito as seguintes ponderaes: a ltima fase da formao do corpo legislativo. Feita e eleio, resta averiguar se em seu processo foi exatamente observada a lei, e se os portadores de diploma realmente eleitos, sem o que no podem ser declarados tais nem tomar assento na qualidade de representantes da nao(12). Alm de jurista consagrado, Joo Barbalho tem a seu favor a autoridade de haver participado, como constituinte, da elaborao da Primeira Constituio Republicana. Por isso mesmo, so particularmente valiosos seus comentrios, quando entrev o risco do abuso institucionalizado: A Constituio seguiu o exemplo geral das outras naes, embora no se possa deixar de reconhecer que a verificao dos poderes pelos prprios eleitos por vezes ocasio de grandes abusos devido ao esprito de faco e cujo corretivo est a desafiar a cogitao dos publicistas e homens de Estado(13). Alonga-se Barbalho na justificativa doutrinria de conferir ao prprio Parlamento a funo de verificar os poderes dos membros do Legislativo, mas no nos esclarece muito acerca do funcionamento em s do mecanismo adotado para a verificao de poderes, nem acerca da origem do citado mecanismo(14). Recolho de um breve parecer sobre a Verificao de poderes na Repblica Velha, de autoria do Assessor Legislativo Jos Theodoro Mascarenhas Menck, observaes que julgo importante transcrev-las: Um estudo acerca da prtica do funcionamento do sistema de verificao de poderes, adotado no Parlamento brasileiro at a criao da justia eleitoral, j na dcada de trinta deste sculo, deveria partir de um estudo dos pareceres da Comisso de Verificao dos Poderes. Infelizmente, tal estudo no pde ser realizado, uma vez que, provavelmente na transferncia de sua sede do Rio de Janeiro para Braslia, a Cmara dos Deputados perdeu a coleo em que

foram publicados os pareceres daquela comisso, restando, hoje, nos arquivos desta Casa, uns poucos exemplares referentes dcada de vinte(15). De todo modo, como demonstra Walter Costa Porto em sua obra O voto no Brasil, a partir de 1902 a verificao de poderes ganharia, no entanto, extraordinria repercusso, primeiramente, por uma deciso tomada no Governo de Campos Sales e, depois, pelo modo por que, atravs dela,foram agravados os vcios da representao e as deformaes da consulta popular(16). Nasce, poca, a chamada Poltica dos Governadores que, margem os objetivos proclamados por Campos Sales, resultou no domnio das oligarquias regionais e na asfixia poltica das oposies, ao longo de quase trs dcadas. No tenho como, no apertado espao deste discurso, alongar-me na anlise das teses que se entrechocam: Campos Sales que assegurava pretender proporcionar a todos os grupos garantias iguais, com absoluta imparcialidade, de modo a evitar a vitria ilegtima e absorvente de um deles; e Jos Maria Bello que, diante dos fatos vale dizer do terceiro escrutnio escrevia: A velha comdia das eleies democrticas no Brasil recebia a sua consagrao oficial(17). Controvrsia parte, o fato indesmentvel que, desde ento, as depuraes, no mbito da Comisso de Verificao de Poderes, sucederamse s dezenas. Valham alguns exemplos: na Legislatura de 1900-1902 foram 74 os diplomados no reconhecidos; na Legislatura de 1906-1908, degolaramse 17; na Legislatura de 1909-1911, foram 12 os guilhotinados; na Legislatura de 1912-1914, 91 foram depurados e 63 na Legislatura de 19151917(18). nesse clima, de mandonismo oligrquico, que Heliodoro Balbi chega ao Rio de Janeiro, em 1906, quando a Cmara dos Deputados ainda funcionava na Cadeia Velha, na expectativa de ser reconhecido co mandato popular que o Amazonas lhe conferira. Acaso alimentava iluses esse gladiador afeito s lutas desiguais de sua Terra? Nos Anais da Cmara dos Deputados, referentes s Sesses Preparatrias, as anotaes so frias como se acaso, por meio delas, no estivesse legitimado o esbulho de um mandato popular. Vale registr-las, contudo, sem alterar-lhes a pobreza verbal: Por no lhe ter sido expedido diploma, o Sr. Heliodoro Balbi apresentou Contestao ao diploma conferido ao candidato Henrique Ferreira Pena de Azevedo em 18-41906 (Anais, 1906, Vol.1 pgs. 3, 8, 121, 130). Logo a seguir, com a crueza de uma certido de bito: Pelo Parecer n 27, de 1906, aprovado em 1-5-1906, o Sr. Heliodoro Balbi no foi reconhecido Deputado pela Cmara (Anais1906, Vol. 1 pgs. 118, 121,232). Era a degola que o tenente Coronel Antonio Constantino Nery, ento Governador do Amazonas, em contubrnio com a liderana de Pinheiro Machado, impunha ao bravo lidador pela audcia com que encarnava, em Manaus, a resistncia moral e poltica aos desmandos da oligarquia.

Segundo Ansio Jobim, eleito Deputado Federal, partiu para o Rio sobraando volumosa document