hidrodinâmica pnv5200 apostila 2007
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Departamento de Engenharia Naval e Oceânica
Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
HIDRODINÂMICA I
Alexandre Nicolaos Simos
Texto de apoio à disciplina PNV5200
VERSÃO PRELIMINAR
2006
Hidrodinâmica I
Índice
1. INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 1
2. FUNDAMENTOS DE MECÂNICA DOS FLUIDOS ............................................... 19 2.1. As Equações Constitutivas da Dinâmica dos Fluidos: uma perspectiva histórica ... 20 2.2. Escoamentos Irrotacionais: Teoria do Potencial ........................................................ 29
2.2.1. Irrotacionalidade e o Potencial de Velocidades ........................................................................ 30 2.2.2. O Problema de Contorno .......................................................................................................... 33 2.2.3. Aspectos Importantes da Solução do Problema de Contorno ................................................... 36 2.2.4. Forças Hidrodinâmicas ............................................................................................................. 40 2.2.5. Massa Adicional ....................................................................................................................... 49
3. TEORIA LINEAR DE ONDAS DE GRAVIDADE ................................................... 53 3.1. Nota Histórica ................................................................................................................ 54 3.2. O Problema de Contorno: Ondas Planas Progressivas .............................................. 58 3.3. Energia............................................................................................................................ 69 3.4. Efeitos de Profundidade Variável................................................................................. 72 3.5. Superposição de Ondas Planas ..................................................................................... 77 3.6. Ondas Irregulares .......................................................................................................... 83
3.6.1. A Estatística das Ondas do Mar................................................................................................ 87 3.6.2. Espectro de Energia das Ondas do Mar .................................................................................... 93 3.6.3. Espectros de Energia Padrão .................................................................................................. 101 3.6.4. Espalhamento Direcional........................................................................................................ 106 3.6.5. Aspectos Básicos da Geração de Ondas do Mar..................................................................... 107
4. DINÂMICA DE SISTEMAS OCEÂNICOS EM ONDAS....................................... 116 4.1. Hipóteses Simplificadoras ........................................................................................... 116 4.2. Definições e Hidrostática............................................................................................. 121 4.3. Forças Hidrodinâmicas ............................................................................................... 127
4.3.1. Massa Adicional e Amortecimento de Radiação .................................................................... 132 4.3.2. Forças de Excitação em Ondas ............................................................................................... 135
4.3.2.1 Aproximação no Regime de Ondas Longas .................................................................. 139 4.3.2.2 A Fórmula de Morison.................................................................................................. 142
4.4. Resposta em Ondas Regulares.................................................................................... 144 4.4.1. Incorporação de Amortecimento Viscoso............................................................................... 150
4.5. Resposta em Ondas Irregulares.................................................................................. 152 4.5.1. A Abordagem no Domínio do Tempo .................................................................................... 155
4.6. Determinação dos Coeficientes Potenciais................................................................. 158 5. UMA INTRODUÇÃO AOS EFEITOS HIDRODINÂMICOS DE SEGUNDA-ORDEM ............................................................................................................................. 161
REFERÊNCIAS BIBILOGRÁFICAS ............................................................................. 162
Hidrodinâmica I 1
1. INTRODUÇÃO
“...there was far more imagination in the head of
Archimedes than in that of Homer.”
Voltaire
O curso: Objetivos, conteúdo, abordagem e aspectos gerais
A mecânica dos fluidos é uma das ciências fundamentais para diversas
áreas da engenharia, como a engenharia mecânica, hidráulica, aeronáutica, naval
e oceânica. Obviamente, cada uma das diferentes áreas de aplicação tecnológica
requer conhecimentos específicos e, assim, por exemplo, efeitos de
compressibilidade no escoamento se mostram de fundamental importância para a
engenharia aeronáutica, enquanto efeitos de superfície-livre estão freqüentemente
presentes nos estudos de engenharia naval e oceânica.
O desafio do engenheiro naval consiste em projetar sistemas que
naveguem ou permaneçam estacionários na superfície da água ou imersos de
forma eficiente. A medida de tal eficiência depende do tipo de sistema em
questão, mas, de uma maneira geral, objetivos como a redução da potência
necessária para navegação, um bom comportamento em ondas, estabilidade
direcional e manobrabilidade são constantemente perseguidos. Para que estes
objetivos possam ser alcançados, é fundamental o conhecimento das forças
externas que atuarão sobre o sistema, permitindo uma correta avaliação de sua
dinâmica sobre a ação destas forças. Além das forças aerodinâmicas decorrentes
da ação do vento, os sistemas navais e oceânicos estão constantemente
submetidos à ação de correntezas e ondas de superfície. Conseqüentemente, a
hidrodinâmica assume papel crucial na formação do engenheiro naval, permitindo
que o mesmo modele a ação destes agentes ambientais e, dessa forma, possa
prever suas conseqüências sobre o sistema a ser projetado.
Hidrodinâmica I 2
As aplicações da hidrodinâmica na área de engenharia naval e oceânica
são vastas. Em geral, o estudo do desempenho hidrodinâmico de uma
embarcação pode ser desmembrado em três áreas principais: resistência e
propulsão, manobrabilidade e comportamento no mar (seakeeping). Este último
tópico de estudo é, justamente, o alvo principal deste curso.
A disciplina PNV 5200 (Hidrodinâmica I) foi elaborada como uma disciplina
básica em hidrodinâmica, sugerida como um estágio inicial àqueles que
pretendem uma especialização nesta área. Seu enfoque recai sobre aspectos de
comportamento no mar de navios e sistemas oceânicos, dando maior ênfase a
estes últimos (sistemas estacionários), os quais englobam, por exemplo,
plataformas flutuantes de prospecção de petróleo no mar. Ao contrário dos
estudos de resistência, propulsão ou manobrabilidade, para os quais os efeitos de
viscosidade e vorticidade do escoamento são primordiais, os movimentos de
corpos flutuantes em ondas não são, grosso modo, afetados por tais efeitos de
forma tão significativa. Assim, boa parte da teoria apresentada neste texto é regida
pela hipótese de fluido ideal. As bases para o estudo de escoamentos potenciais
já foram estabelecidas nas disciplinas de mecânica dos fluidos e, para os
graduandos ou graduados em engenharia naval, na disciplina de mecânica dos
meios contínuos. Dessa forma, este texto apresenta apenas uma breve revisão
das equações constitutivas da mecânica dos fluidos e das hipóteses
simplificadoras que adotaremos para a modelagem matemática. Espera-se
também que o aluno tenha conceitos básicos de funções analíticas1 e
conhecimentos de dinâmica dos corpos rígidos, mecânica analítica e estatística,
bem como noções fundamentais de métodos numéricos normalmente empregados
para a solução de problemas de contorno (especialmente o Método de Elementos
de Contorno apresentado aos alunos do curso de engenharia naval nas disciplinas
de métodos computacionais).
Após uma breve revisão de mecânica dos fluidos, o curso passa a enfocar
a modelagem do ambiente marítimo, adentrando pela Teoria Linear de Ondas de
1 É procedimento usual tratar os potenciais de velocidade do escoamento como funções
complexas, tomando partido do caráter harmônico de suas variações no tempo.
Hidrodinâmica I 3
Gravidade como base para a representação estatística das ondas de superfície do
mar. Neste contexto, são também discutidos aspectos básicos de geração de
ondas marítimas. Segue-se um estudo do comportamento dinâmico de estruturas
flutuantes em ondas e a discussão dos métodos computacionais usualmente
empregados para a solução do problema de escoamento potencial, suas
vantagens e limitações. O curso se encerra com uma introdução aos problemas
causados por efeitos hidrodinâmicos não-lineares e qual a metodologia básica
para o tratamento dos mesmos.
É importante mencionar, porém, que, muito embora boa parte do curso seja
realmente dedicada à apresentação e discussão dos fundamentos teóricos de
hidrodinâmica de superfície, os objetivos estarão sempre vinculados a problemas
reais enfrentados atualmente no projeto de sistemas oceânicos, especialmente no
contexto nacional. O caráter aplicado do curso se apresenta através da
abordagem de problemas atuais de engenharia naval e oceânica e da introdução
às técnicas hoje disponíveis para a avaliação e solução destes problemas.
Atualmente, no cenário mundial de exploração de petróleo e gás no mar,
um dos principais desafios tecnológicos que se impõem diz respeito à viabilização
de operações em águas profundas e ultra-profundas, acima de 2000 metros de
lâmina d’água. No contexto nacional, esse desafio adquire uma relevância
especial, uma vez que a maior parte das reservas comprovadas em território
nacional se encontram em águas profundas. O problema tem seus
desdobramentos nas mais diferentes áreas tecnológicas em engenharia oceânica,
e, particularmente, no estudo hidrodinâmico dos sistemas flutuantes. De fato, uma
das principais barreiras hoje enfrentadas neste estudo é a crescente dificuldade,
ou mesmo a impossibilidade, já na maioria dos casos, de se realizar ensaios
completos em tanques de provas com modelos em escala reduzida. Esse fato é
decorrência direta das limitações físicas destes tanques e do crescente aumento
das lâminas d’água operacionais, fato que será discutido mais profundamente
adiante. Em razão das dificuldades crescentes para a avaliação experimental do
comportamento no mar de sistemas oceânicos em águas profundas, os métodos
numéricos têm se tornado importantes ferramentas de auxílio em projeto. Cada
Hidrodinâmica I 4
vez mais, uma abordagem combinada unindo técnicas experimentais e análises
numéricas vem se definindo como padrão para o projeto de novos sistemas
oceânicos de produção de petróleo e gás. Assim, ao longo deste curso, pretende-
se discutir problemas relevantes na área de engenharia oceânica e quais são as
técnicas, tanto experimentais quanto numéricas, hoje disponíveis para sua
solução, fornecendo o embasamento teórico necessário para a compreensão e o
desenvolvimento de tais técnicas.
No que se refere a este texto, ele deve ser entendido mais como um guia
para a orientação dos estudos, os quais devem ser complementados através de
referências bibliográficas específicas sugeridas ao longo do mesmo. O conjunto de
referências fundamentais que servirão de apoio para o curso é composto tanto por
textos já clássicos em hidrodinâmica marítima, que possibilitam um
aprofundamento nos conceitos básicos, como textos mais modernos que abordam
especificamente técnicas experimentais ou numéricas usualmente empregadas no
contexto da engenharia naval e oceânica. O aluno deve ter em mente que o
estudo destes textos complementares é fundamental para a solidificação dos
conceitos que serão discutidos no curso e para permitir um maior aprofundamento
nos diferentes tópicos de interesse, constituindo requisito básico para uma
especialização adequada àqueles que atuam ou pretendem atuar na área. Uma
descrição mais detalhada das principais referências bibliográficas sugeridas é
apresentada ao final deste primeiro capítulo.
Alguns Problemas Atuais de Interesse
A necessidade de exploração em águas profundas e ultra-profundas orienta
o desenvolvimento tecnológico no contexto atual da engenharia oceânica mundial
e, particularmente, no caso brasileiro. Esse desafio tem influenciado a área de
pesquisa e desenvolvimento em engenharia oceânica há anos, desenvolvimento
este que converge, por exemplo, para novas concepções de sistemas flutuantes
capazes de viabilizar técnica e economicamente a exploração de petróleo a tais
Hidrodinâmica I 5
profundidades. No contexto nacional, a importância estratégica de se enfrentar
esse desafio é clara. A Petrobras estima, para 2006, uma produção de 1.9 milhões
de barris por dia, dos quais 70% serão provenientes de reservas em águas
profundas e ultra-profundas na Bacia de Campos. Recentemente, a Petrobras
anunciou a descoberta de um campo de óleos leves na Bacia de Santos, de
excelente qualidade, a profundidades médias de seis mil metros.
Como regra, os custos iniciais envolvidos na concretização de um novo
sistema de produção são razão direta da profundidade na qual o mesmo será
instalado. À parte as maiores dificuldades de perfuração dos poços, o montante de
linhas de amarração, cabos umbilicais e risers aumenta, assim como aumentam
as exigências estruturais sobre os mesmos e, conseqüentemente, seu custo por
metro. As maiores dificuldades de fundeio também contribuem para elevações dos
custos. Dessa forma, para garantir a viabilidade econômica da exploração, uma
maior capacidade de produção se faz necessária, com plantas de capacidade na
faixa de 300.000 bopd. Por fim, as maiores exigências de payload, em conjunto
com as maiores cargas de linhas e cabos, acabam por impor maiores dimensões
dos sistemas flutuantes.
Uma outra característica tem sido perseguida constantemente nos projetos
de sistemas recentes: uma excelente resposta à excitação de ondas, com baixos
movimentos verticais resultantes. Um bom comportamento no mar é decisivo para
viabilizar o emprego dos chamados risers rígidos. Estes, são compostos
basicamente de uma estrutura de aço com uma concepção estrutural bem mais
simples se comparada aos chamados risers flexíveis (ver Figura 1), e, por isso,
mesmo, seu custo/metro é muitas vezes inferior.
Uma vez que os custos dos subsistemas submersos (linhas e cabos)
respondem por boa parte do custo total inicial de um sistema de produção, os
risers rígidos rapidamente se tornaram objeto do desejo das indústrias de petróleo.
Não obstante a questão do custo, um outro aspecto torna a necessidade de
emprego de risers rígidos ainda mais premente. Os risers flexíveis já esbarram,
atualmente, em limitações de integridade estrutural para resistir às pressões
impostas a grandes profundidades.
Hidrodinâmica I 6
Figura 1 – Representação esquemática da estrutura de um riser flexível (fonte:www.zentech.co.uk)
Por outro lado, os risers rígidos, embora tenham uma resistência estrutural
muito superior ao colapso, sofrem mais quando expostos a cargas dinâmicas,
principalmente aquelas impostas por movimentos verticais nos pontos de conexão
com os sistemas flutuantes. Não suportando a flambagem localizada, as cargas de
compressão dinâmica às quais estarão submetidos devem ser limitadas. Uma vez
que estas cargas variam diretamente com as amplitudes de movimento de
primeira-ordem do sistema flutuante, decorrem exigências mais restritivas quanto
ao comportamento no mar dos sistemas que desejem empregar risers rígidos.
Há, ainda, uma outra fonte de economia diretamente dependente de uma
boa resposta em ondas: a possibilidade de se adotar completação seca. Por
completação seca entende-se que todo o comando de válvulas do poço é feito no
próprio sistema flutuante e não nas cabeças dos poços (sistema de completação
molhada).
À medida que a produção avançava para profundidades maiores, diferentes
concepções de casco foram desenvolvidas. As plataformas semi-submersíveis,
tipo de casco que reinava praticamente absoluto entre os sistemas flutuantes de
produção nas décadas de 1970 e 1980, passaram a perder espaço para novas
concepções como as plataformas de pernas tracionadas (Tension Leg Platforms,
ou TLPs) e as plataformas SPAR.
Hidrodinâmica I 7
Figura 2 – Representação de Plataforma TLP
Os cascos das plataformas TLP em
muito se assemelham aos das semi-
submersíveis, mas seus movimentos
verticais são minimizados pela ação de
tendões pré-tracionados fundeados
verticalmente no fundo do mar, os quais
também conferem a necessária
restauração no plano horizontal.
Plataformas TLP passaram a ser
empregadas especialmente no Golfo do
México e hoje operam instaladas em
profundidades superiores a 1000
metros.
Ao contrário das plataformas TLP, as
chamadas plataformas SPAR, procuram
reduzir seus movimentos verticais
minimizando as forças hidrodinâmicas
de ondas. Seus cascos cilíndricos de
grandes calados proporcionam baixa
excitação em primeira-ordem, tirando
proveito do decaimento exponencial do
campo de pressões linear induzindo
pelas ondas com a profundidade.
Figura 3 – Concepção de Plataforma SPAR
Obviamente, a redução de movimentos verticais almejada pelos novos
sistemas apresenta um custo em termos de projeto. As TLPs são concepções de
altíssimo custo inicial. As plataformas SPAR, por sua vez, sofrem com outros tipos
de excitação hidrodinâmica, como os movimentos induzidos por vórtices (vortex
induced motions, ou VIM) resultantes da ação de correntezas marítimas. Para
Hidrodinâmica I 8
atenuar estes movimentos, supressores de vórtices (denominados strakes) devem
ser posicionados ao longo do casco da plataforma e representam um custo
considerável. Além disso, como efeitos hidrodinâmicos não-lineares devidos à
ação de ondas decaem mais lentamente com a profundidade, as plataformas
SPAR sofrem com movimentos angulares de baixa-freqüência (os chamados slow-
pitch e slow-roll)2.
No Brasil, condições ambientais menos severas do que aquelas que se
apresentam no Golfo do México ou no Mar do Norte, aliadas a uma conjuntura
econômica particular da Petrobras, levou à priorização de uma configuração
diferente de sistema de produção: os sistemas FPSO (Floating Production,
Storage and Offloading systems). Ao final da década de 1980, a Petrobras
contava com uma frota de navios petroleiros do tipo VLCC (Very Large Crude
Carriers) prestes a se tornar obsoleta por sua idade média e também em virtude
de novas leis internacionais de navegação que exigiam cascos-duplos para
petroleiros. A possibilidade de conversão destes navios em sistemas de produção
abria, então, uma alternativa econômica interessante para o emprego destes
navios e, tomando partido de condições ambientais relativamente brandas nas
costas brasileiras, vários sistemas FPSO passaram a ser instalados na Bacia de
Campos já no início da década de 1990.
Figura 4 – Sistema FPSO
Os sistemas FPSO apresentam
vantagens consideráveis em termos de
payload e capacidade de
armazenamento do óleo, mas seus
elevados movimentos em ondas
inviabilizam o emprego de risers rígidos
e de completação seca.
2 Uma discussão mais detalhada destes fenômenos será apresentada no Capítulo 6, que traz uma
introdução a problemas hidrodinâmicos não-lineares.
Hidrodinâmica I 9
Em virtude destas condições particulares, os sistemas oceânicos flutuantes
que entraram em operação no Brasil nos últimos anos foram todos baseados em
sistemas FPSO e plataformas semi-submersíveis.
No entanto, como mencionado acima, o emprego de FPSOs traz consigo
problemas inerentes principalmente aos movimentos induzidos por ondas. Como
seus cascos não foram projetados para serem “transparentes” às ondas, estes
sistemas são normalmente sujeitos a movimentos verticais de grandes amplitudes,
se comparados aos outros tipos de sistemas flutuantes. As forças de correnteza
experimentadas por seus cascos também podem atingir valores elevados,
exigindo sistemas de amarração mais robustos. Inicialmente, procurando
minimizar os esforços ambientais combinados de ondas, ventos e correntezas, os
sistemas FPSO eram usualmente concebidos na chamada configuração Turret.
Este tipo de configuração consiste em um cilindro inserido na proa do navio e que
suporta todos os risers e linhas de amarração. Através de um sistema de
rolamentos, o casco pode, então, pivotar em torno do turret, o que permite que o
navio se alinhe com a resultante dos esforços ambientais. Mais recentemente,
porém, sistemas alternativos de amarração passaram a ser empregados, caso por
exemplo do sistema DICAS (Differential Compliance Anchoring System), o qual
consiste, basicamente, em dois conjuntos de amarras com rigezas diferentes à
proa e à popa do FPSO, o que confere uma certa flexibilidade ao sistema em
termos de aproamento. Qualquer que seja a configuração da amarração, contudo,
os sistemas FPSO sofrem intensas solicitações ambientais. Em situações
extremas de ondas os movimentos verticais são de tal ordem que inviabilizam o
emprego de risers rígidos, uma séria desvantagem deste tipo de sistema.
A operação de descarregamento (ou alívio) dos sistemas FPSO envolve o
acoplamento de um navio petroleiro (shuttle), normalmente à popa do navio-
cisterna, e o transbordo do óleo é realizado através de um mangote. Dependendo
do porte relativo dos dois navios, esta operação pode levar dias, período no qual
os navios estarão sujeitos a variações climáticas de ondas, correnteza e ventos.
Hidrodinâmica I 10
O sistema composto pelos dois navios
acoplados (em tandem) pode apresentar
problema de instabilidade dinâmica,
conhecido por fishtailing. O risco
inerente à operação faz com que
normalmente sejam empregados
rebocadores ou, mais recentemente,
navios aliviadores dotados de sistema
de posicionamento dinâmico (SPD). Figura 5 – Operação de Alívio de Sistema
FPSO
De qualquer forma, a operação de alívio envolve um risco considerável e
tem sido objeto de diversos estudos numéricos e experimentais. Devido à
proximidade entre os dois corpos, os efeitos de interferência hidrodinâmica entre
os dois navios desempenham um papel importante nas forças de ondas e de
correnteza e, conseqüentemente, na dinâmica do sistema tandem. Apenas alguns
simuladores dinâmicos no mundo são capazes de considerar os efeitos de
interferência de origem potencial (nas forças de ondas) ao longo das simulações
de operações de alívio e poucos possuem um modelo teórico ou numérico
consolidado para o cálculo das interferências devido à esteira rotacional à jusante
do sistema FPSO. Este tópico é um dos objetos atuais de pesquisa na área.
Outro tema central para a engenharia oceânica atual continua sendo o
desenvolvimento de novas concepções de casco que combinem um bom
comportamento em ondas (viabilizando o emprego de risers rígidos) com outras
características que facilitem a viabilização econômica da exploração em águas
profundas como, por exemplo, a capacidade de armazenamento do óleo ou a
possibilidade de emprego de completação seca. Novas propostas de casco estão
sendo analisadas atualmente para o cenário nacional como possibilidades
promissoras.
Hidrodinâmica I 11
Figura 6 – Plataforma MonoBR
Uma dessas concepções é a chamada
plataforma MonoColuna, consistindo
em um casco cilíndrico dotado de uma
abertura interna (moonpool) cuja
função é reduzir os movimentos de
ondas do casco. Um sistema deste
tipo foi projetado no PNV EPUSP em
parceria com a Petrobrás (projeto
MonoBR) e alia bom comportamento
em ondas, capacidade de
armazenamento de óleo além de
permitir completação seca.
O PNV participa também do desenvolvimento de uma nova concepção de
casco FPSO, denominado FPSOBR, que apresenta uma nova geometria e
dimensões maiores do que os FPSOs atuais, visando reduzir os movimentos de
primeira-ordem induzidos por ondas e viabilizar o emprego de risers rígidos.
Simultaneamente, novas plataformas semi-submersíveis encontram-se em
construção para operação na Bacia de Campos. Em geral, a configuração atual se
baseia em quatro colunas e quatro pontoons e os cascos apresentam dimensões
avantajadas (com deslocamentos superiores a 80.000 toneladas).
Como ponto em comum, estes novos sistemas se caracterizam por um
aumento de suas dimensões principais, se comparados aos sistemas mais
antigos. Isto serve a dois propósitos interessantes: em primeiro lugar, propicia um
aumento do payload e, portanto, da capacidade de produção, o que favorece a
viabilidade econômica para sistemas em águas ultra-profundas.
Concomitantemente, permite uma elevação dos períodos naturais de movimento
de heave, roll e pitch (valores acima de 30 segundos são típicos para estes
sistemas) e, assim, os afasta dos períodos de ondas de maior energia e garante,
por fim, menores movimentos de primeira-ordem.
Todavia, esses benefícios não se apresentam sem acarretar o
aparecimento de novos problemas. Ensaios em tanque de provas destas novas
Hidrodinâmica I 12
concepções já apontam para o preocupante aparecimento de ressonâncias nos
movimentos verticais induzidas por efeitos hidrodinâmicos não-lineares, fato, até
então, não observado para plataformas semi-submersíveis ou sistemas FPSO3.
Este tipo de fenômeno pode trazer conseqüências graves, especialmente em
termos de fadiga dos risers rígidos e já constitui um novo e importante tema de
investigação.
Em resumo, através desta breve introdução, é possível perceber que os
desafios impostos pela exploração de petróleo e gás em águas profundas e ultra-
profundas são enormes. Vários tópicos de pesquisa na área de hidrodinâmica
estão ainda em aberto e requerem extensos estudos teóricos, numéricos e
experimentais. Cada vez mais, o engenheiro que pretende atuar nesta área
precisa aprofundar seus conhecimentos teóricos e técnicos na busca de soluções
adequadas para estes problemas. O objetivo deste curso é apresentar os
fundamentos de hidrodinâmica necessários para um estudo mais específico de
diversos problemas atuais na área de engenharia naval e oceânica. Ao longo de
todo o texto, procura-se relacionar os tópicos de estudo com as tarefas de
responsabilidade dos profissionais desta área, descrevendo os principais
problemas reais associados a estes tópicos e orientando estudos futuros.
Breve Discussão sobre o Estado da Arte
O desenvolvimento computacional presenciado nas últimas décadas
possibilitou um significativo avanço dos métodos numéricos para a engenharia em
geral e, hoje, o projetista conta com uma vasta gama de ferramentas numéricas já
bem consolidadas. Todavia, os alunos de engenharia naval e oceânica percebem,
desde o início do curso, que as técnicas experimentais são ainda hoje de
fundamental importância para a área, tanto em se tratando do projeto de navios
como para o projeto de sistemas oceânicos. Em se tratando de hidrodinâmica, o
3 Uma discussão mais aprofundada destes efeitos de 2a ordem é apresentada no Capítulo 6.
Hidrodinâmica I 13
que se observa hoje é uma crescente interação entre métodos numéricos e
experimentais, o que tem proporcionado processos de projeto mais expeditos e
reduzido o número de ensaios necessários entre as fases de concepção e o
projeto final de um navio ou sistema oceânico.
O emprego de ferramentas numéricas de computational fluid dynamics
(CFD), destinadas à solução das equações constitutivas de escoamentos de
fluidos reais, já é comum no projeto de navios para auxiliar na predição de
resistência ao avanço e propulsão. Em função principalmente dos elevados
números de Reynolds que caracterizam o problema, a aplicação dessas técnicas
é, ainda hoje, limitada, e não permite excluir totalmente as avaliações
experimentais em tanque de provas. Contudo, análises de CFD são incorporadas
rotineiramente nas etapas preliminares de projeto para a avaliação de variações
geométricas nos cascos e nos apêndices, eliminando assim a necessidade de um
grande número de modelos em escala reduzida ou do emprego de métodos
estatísticos e suas inerentes imprecisões. Ainda no tocante à resistência ao
avanço, ferramentas computacionais baseadas no método de elementos de
contorno (boundary-elements method, BEM) são amplamente empregadas para o
estudo do corpo de proa e da influência do bulbo na geração de ondas. Com isso,
é possível perceber um declínio constante nas encomendas de testes realizadas
por estaleiros nos principais tanques de provas mundiais desde a década de 1980.
Este declínio é parcialmente compensado, por outro lado, por um aumento dos
ensaios financiados por instituições de fomento à pesquisa e destinados
principalmente à validação dos códigos numéricos.
Quando se trata do estudo de manobras, a aplicabilidade dos métodos de
CFD fica ainda mais comprometida. A grande influência de efeitos viscosos
devidos a variações na esteira rotacional e as alterações no campo de ondas
associadas às acelerações do corpo não podem ser reproduzidas numericamente
com a precisão necessária. Ainda hoje, portanto, a avaliação de manobras recai
sobre métodos semi-empíricos nos quais as forças hidrodinâmicas são calibradas
através de coeficientes experimentais obtidos em tanques de provas. Testes de
manobras com modelos em escala reduzida (empregando os chamados planar-
Hidrodinâmica I 14
motion e yaw-rotating mechanisms) são realizados para a obtenção de
coeficientes de forças hidrodinâmicas que serão introduzidos nas equações do
movimento do navio e permitirão uma avaliação de seu comportamento por
intermédio de simuladores dinâmicos.
No que se refere ao comportamento no mar (seakeeping), os métodos
numéricos já assumem um papel crucial. Em virtude da menor influência de efeitos
de viscosidade no escoamento, o problema normalmente pode ser tratado sob a
ótica dos escoamentos potenciais, o que permite soluções numéricas com maior
grau de precisão. Para o projeto de navios, ensaios de comportamento no mar já
são realizados apenas para efeitos de validação do projeto final, com exceção de
alguns tipos particulares de embarcações (caso dos navios ro-ro), para os quais
as regulamentações da IMO (International Maritime Organization) ainda exigem
alguns estudos experimentais relativos à segurança no mar. No projeto de
sistemas oceânicos, devido às maiores restrições de movimentos induzidos por
ondas, os ensaios em tanque de provas ainda são parte inerente do processo de
projeto, especialmente em se tratando de novas concepções de cascos. Todavia,
o emprego de programas de BEM em etapas preliminares de projeto para a
predição das características de comportamento no mar já é uma constante.
A aplicação de métodos numéricos baseados em BEM para a predição do
comportamento no mar de embarcações com velocidade de avanço apresenta um
fator complicador representado, basicamente, pela superposição do campo de
ondas estacionário gerado pelo deslocamento da embarcação com os campos de
ondas irradiados e difratados pela mesma. Quando a velocidade de avanço não é
nula é necessário discretizar a superfície-livre do fluido e a existência de diversos
campos de ondas com comprimentos e direções de propagação diferentes
dificultam o ajuste da malha numérica e a solução do problema. Em aplicações
offshore, por outro lado, normalmente se trabalha com o problema de velocidade
de avanço nula. Nesse caso, a solução do problema é mais simples e, nas
análises lineares, normalmente é possível evitar a necessidade de discretização
da superfície-livre através do emprego de funções matemáticas (funções de
Green) que satisfazem automaticamente a condição de contorno linearizada na
Hidrodinâmica I 15
superfície. Os métodos baseados em BEM (normalmente referenciados como
métodos do painéis ou panel methods) podem determinar as forças e os
movimentos induzidos por ondas tanto no domínio do tempo como no domínio da
freqüência.
Desde o início da década de 1980,
pacotes comerciais desenvolvidos no
MIT (programas como WAMIT, TIMIT e
HITIM) foram rapidamente aceitos pela
indústria e instituições de pesquisa e
hoje são amplamente empregados em
projetos da área offshore. Movimentos e
forças de primeira-ordem são calculados
através destes programas de forma
confiável e com excelente precisão.
Figura 7 – Malha numérica de plataforma S/S gerada para emprego de software baseado
em BEM
Todavia, muitos dos problemas de interesse na área naval e oceânica são
inerentemente não-lineares e, nestes casos, a análise numérica se torna muito
mais complexa e custosa em termos computacionais. Deve-se ter em mente que o
processo de linearização do problema de contorno que caracteriza as análises de
comportamento no mar admite, como premissas básicas, uma baixa declividade
de ondas e baixos movimentos do corpo flutuante. Assim, os movimentos de
navios ou plataformas em mares extremos certamente apresentam não-
linearidades, mas, usualmente, as mesmas podem ser negligenciadas em termos
práticos de projeto. As forças de deriva em embarcações são um fenômeno não-
linear que também pode ser tratado através de aproximações com base nos
resultados de análises lineares sem maiores conseqüências na maioria dos casos.
Alguns problemas mais específicos, entretanto, requerem necessariamente um
tratamento não-linear. Na área naval, um exemplo clássico é o problema de
resistência adicional em ondas (added resistance in waves), causada na maior
parte por perturbações causadas no fluido devido ao movimento do navio em
ondas. Em virtude destas perturbações, a resistência ao avanço do navio será
maior em ondas do que em águas calmas. Trata-se de um efeito de segunda-
Hidrodinâmica I 16
ordem proporcional ao quadrado das amplitudes de movimentos do navio.
Exemplos de problemas na área offshore que exigem um tratamento não-linear
incluem a predição de air-gap em plataformas semi-submersíveis, o problema de
wave runup em colunas de plataformas e cascos de navios (e conseqüentemente,
a predição de água no convés ou greenwater). Nestes casos, os efeitos não-
lineares são fundamentais para uma correta avaliação do problema em situações
extremas de ondas, uma vez que os mesmos são tanto maiores quanto maior for a
declividade das ondas (wave steepness). Pode-se mencionar ainda os efeitos de
springing (forças verticais de segunda-ordem em alta freqüência) e ringging
(forças causadas pelo impacto de ondas de alta declividade sobre o casco) que
excitam os tendões de plataformas TLPs. Problemas de excitação de movimentos
ressonantes por forças de segunda-ordem de baixa freqüência são usuais em
plataformas do tipo SPAR (slow-pitch e/ou slow-roll) e, atualmente, começaram a
ser observados também em plataformas semi-submersíveis e até mesmo em
sistemas FPSOs em razão do aumento de suas dimensões e períodos naturais de
oscilação.
Via de regra, para o tratamento dos problemas mencionados acima, uma
análise numérica racional ainda não é viável como parte da metodologia de
projeto, quer seja pela não consolidação ou validação dos métodos ou em função
dos elevados custos computacionais. Assim, em muito dependem, ainda hoje, de
análises experimentais e do emprego de modelos semi-empíricos ou abordagens
estatísticas. No que se refere ao comportamento no mar de navios ou plataformas
oceânicas, a modelagem analítica ou numérica destes problemas não-lineares
constitui, atualmente, um dos principais focos de pesquisa e desenvolvimento na
área hidrodinâmica.
A Bibliografia Básica do Curso
A bibliografia referenciada ao longo deste texto é extensa e compreende
desde livros indicados para um acompanhamento geral do curso até trabalhos que
Hidrodinâmica I 17
abordam problemas específicos com elevado grau de profundidade. Nesta seção,
pretende-se discutir os primeiros, através de uma revisão sucinta dos principais
textos que devem ser adotados pelos alunos como um complemento fundamental
aos estudos.
Faltinsen (1990) apresenta uma visão geral do estado da arte na área de
hidrodinâmica de navios e sistemas oceânicos e discute alguns dos principais
problemas enfrentados atualmente neste campo. O livro apresenta uma visão
geral dos modelos teóricos e das técnicas experimentais e numéricas usualmente
adotadas no tratamento destes problemas. Não há uma abordagem aprofundada
em cada tópico, mas o livro é bastante completo e apresenta uma excelente
coleção de referências para estudos suplementares, o que o torna uma boa opção
para uma primeira leitura.
Bertram (2000) trata exclusivamente da hidrodinâmica de navios. Por ser
um livro recente, é uma boa referência para um primeiro contato com os métodos
numéricos empregados atualmente para o estudo de resistência ao avanço,
propulsores, comportamento no mar e manobras.
Uma excelente apresentação da teoria linear de ondas de gravidade e da
modelagem teórica de comportamento no mar de sistemas oceânicos pode ser
encontrada em Newman (1977), texto já clássico em hidrodinâmica marítima. O
enfoque apresentado é eminentemente teórico e requer um conhecimento básico
prévio de mecânica dos fluidos e cálculo. É uma leitura fortemente recomendada
para o acompanhamento do curso.
Massel (1996) discute tópicos mais específicos da teoria de ondas do mar
com maior profundidade, como, por exemplo, aspectos da teoria de geração de
ondas e abordagem estatística das ondas do mar (espectros de energia). Uma
outra boa opção para um estudo mais profundo da teoria de ondas é o livro de Mei
(1989).
Price & Bishop (1974), outro livro já clássico em hidrodinâmica marítima, dá
um enfoque probabilístico à modelagem das ondas e do comportamento no mar.
Já Chakrabarti (1994) discute exclusivamente técnicas experimentais empregadas
para diversos fins no contexto de hidrodinâmica marítima e representa a principal
Hidrodinâmica I 18
fonte complementar para as discussões referentes a ensaios em tanques de
provas com modelos em escala reduzida.
Por fim, completando o rol de referências fundamentais, o livro editado por
Okhusu (1996) é uma fonte recomendada para um melhor entendimento do
estado da arte em hidrodinâmica marítima e os principais tópicos de pesquisa
atuais na área. Discute as técnicas atualmente empregadas para o tratamento de
diferentes problemas como, por exemplo, o emprego de CFD para o escoamento
no entorno de navios, a modelagem numérica do comportamento de navios em
ondas e hidrodinâmica de alta velocidade, propulsores e impacto hidrodinâmico.
Hidrodinâmica I 19
2. FUNDAMENTOS DE MECÂNICA DOS FLUIDOS
Todos os homens tendem por natureza a saber.
Aristóteles (Metafísica)
Um primeiro objetivo deste capítulo é rever alguns conceitos básicos de
mecânica dos fluidos que permitirão recordar as hipóteses fundamentais por trás
do estudo do escoamento de fluidos ideais. O entendimento destas hipóteses e
suas implicações é necessário para se divisar com exatidão as vantagens obtidas
em termos de complexidade matemática do problema e, principalmente, as
limitações desta abordagem. Assim, a seção 2.1 trará uma revisão das equações
de movimento que descrevem a dinâmica de um fluido. Uma vez que todos os
conceitos e a formulação apresentados já foram discutidos ao longo do curso de
graduação, não haverá a preocupação em se deter nos pormenores das deduções
matemáticas, devendo o aluno recorrer, para isto, aos textos básicos de mecânica
dos fluidos ou mecânica dos meios contínuos. Além disso, não se pretende
simplesmente reproduzir uma série de equações que já foram vistas e revistas ao
longo do curso de graduação, o que tornaria a leitura, no mínimo, desinteressante.
Tirando proveito do fato que os conceitos fundamentais por trás da formulação já
foram (ou deveriam ter sido) absorvidos pelo aluno, procura-se, então, rever os
conceitos fundamentais sob uma perspectiva histórica e, até certo ponto,
cronológica. Esta abordagem pode não ser a melhor do ponto de vista didático,
mas (espero eu), torna a recordação mais instingante.
Já a seção 2.2 tratará exclusivamente da teoria de escoamentos potenciais.
A intenção aqui será a de estender os conceitos apresentados na graduação
através de uma discussão de aspectos matemáticos fundamentais para uma maior
compreensão da abordagem empregada no equacionamento e das técnicas
existentes para a solução de diferentes problemas envolvendo escoamentos
Hidrodinâmica I 20
potenciais, dentre eles o problema de comportamento no mar, que será
apresentado mais adiante.
Por fim, deve-se mencionar que a notação seguida ao longo do texto segue
de perto aquela introduzida nas apostilas de PNV2340 (Mecânica dos Meios
Contínuos) e PNV2441 (Métodos Numéricos para Engenharia I).
2.1. As Equações Constitutivas da Dinâmica dos Fluidos: uma perspectiva histórica
As evidências da existência de fricção nos fluidos foram levantadas muito
antes dos estudos de Sir Isaac Newton (1642-1727)4, mas coube a Newton
formular, de maneira inédita, uma lei que descrevesse a interdependência entre as
tensões de cisalhamento entre diferentes “camadas do fluido” e os parâmetros que
caracterizam o movimento das mesmas. Em seu Philosophiae naturalis principia
(1687), Newton escreveu que se uma porção de um corpo fluido é mantida em
movimento, este movimento gradualmente se comunica ao restante do fluido.
Esses feitos, já observados muito antes de seu nascimento, foram atribuídos por
ele a um defectus lubricitatis, ou seja, um defeito de lubrificação ou uma fricção
interna ou, finalmente, viscosidade.
Newton postulou uma lei para a fricção em um fluido através do seguinte
modelo: Considere-se duas placas paralelas, cada qual com uma área unitária,
separadas por uma região fluida preenchendo a distância y, como representado
na figura abaixo:
4 Para uma descrição mais detalhada sugere-se a leitura de Tokaty (1994).
Hidrodinâmica I 21
V
V
y
V
V
V
V
y
Figura 8 – Modelo de Fricção de Newton
Se a placa superior é posta em movimento com uma velocidade V com
respeito à placa inferior, então o perfil de velocidades no fluido entre as placas é
linear e a força necessária para manter o movimento é proporcional a:
yVµτ = ou
dydVµτ = (2.1)
onde:
µ: coeficiente de viscosidade dinâmica do fluido ( )smkg . ;
τ: força de cisalhamento por unidade de área ou tensão de cisalhamento
(N/m2)
A equação (2.1), de fato, funciona bem para escoamentos com baixos
números de Reynolds (elevadas viscosidades e/ou baixas velocidades), em geral,
até Re=2000.
Após os trabalhos de Newton, a Mecânica dos Fluidos ganhou grande
impulso em termos de sua modelagem matemática, especialmente através dos
estudos dos iluministas. No entanto, 150 anos se passariam após a lei postulada
por Newton para que a viscosidade do fluido fosse, finalmente, integrada às
equações gerais do movimento dos fluidos.
Antes que isso acontecesse, ver-se-ia surgir a descrição matemática que
descreve os movimentos dos fluidos através do equacionamento que hoje nos é
Hidrodinâmica I 22
familiar e que, ao ignorar a influência da viscosidade, forma a base do que hoje
conhecemos como dinâmica dos fluidos ideais.
Leonhard Euler (1707-83)5, de forma inédita, empregou de forma
sistemática e organizada conceitos de cálculo diferencial e integral ao estudo da
dinâmica de meios contínuos e, dessa forma, deduziu um conjunto de equações
que lhe rende o título de fundador da área que hoje conhecemos como Mecânica
dos Fluidos. Somente a partir dos trabalhos deste grande matemático, a dinâmica
dos escoamentos passou a ser estudada através de uma modelagem matemática
estruturada. Em 1755, Euler aplicou os conceitos da segunda lei de Newton ao
problema de escoamento de um fluido. Para fluidos incompressíveis (ρ=cte), o
conjunto de equações diferenciais que representa as equações de movimento
propostas por Euler e que leva seu nome é dado por:
zz
zz
yz
xzz
yy
zy
yy
xyy
xx
zx
yx
xxx
gzp
zv
vyv
vxv
vt
vDt
Dv
gyp
zv
vy
vv
xv
vt
vDt
Dv
gxp
zv
vyv
vxv
vt
vDt
Dv
−∂∂
−=∂
∂+
∂∂
+∂∂
+∂
∂=
−∂∂
−=∂
∂+
∂
∂+
∂
∂+
∂
∂=
−∂∂
−=∂
∂+
∂∂
+∂∂
+∂
∂=
ρ
ρ
ρ
1
1
1
(2.2)
na qual o campo vetorial ktxvjtxvitxvtxv zyx
rrrrrrrr ),(),(),(),( ++= representa o campo
de velocidades do fluido e, em conjunto campo escalar ),( txp r que representa o
campo de pressões no escoamento, definem o conjunto de 4 incógnitas a serem
determinadas como solução do problema matemático.
Em sua forma vetorial, a equação de Euler pode ser escrita de forma mais
compacta:
5 Euler, Leonhard (1707-83): brilhante matemático suíço, gerou contribuições fundamentais para
diversos ramos da matemática e suas aplicações: equações diferenciais, séries infinitas, cálculo de
variações, funções analíticas, mecânica e hidrodinâmica. Foi um dos nomes de maior destaque na
ciência durante o século XVIII.
Hidrodinâmica I 23
gpvvtv rrrr
−∇−=∇+∂∂
ρ1)( (2.3)
No conjunto de equações (2.2), ρ representa a densidade (ou massa
específica) do fluido. Percebe-se, assim, que o conjunto de forças sugerido por
Newton e expresso em (2.1) também não se encontra incorporado às Equações
de Euler. As equações de Euler representam, portanto, as equações de
movimento de escoamentos do que hoje conhecemos como fluidos ideais
(incompressíveis e inviscidos).
Euler introduziu, também, o conceito de linhas de corrente (streamlines),
definindo-as como o conjunto de curvas (imaginárias) tangentes em cada ponto ao
vetor velocidade do escoamento. Se uma destas curvas é descrita
parametricamente por em um instante de tempo t qualquer, então as
linhas de corrente são as soluções de:
),( tsxx rr=
),( txvdsxd rrr
=
em um instante de tempo fixo t. Em um sistema de coordenadas cartesianas, esta
equação vetorial dá origem a três equações escalares:
zyx vdsdzv
dsdyv
dsdx
=== ;;
ou, de maneira equivalente:
zyx v
dzvdy
vdx
== (2.4)
Obs: As linhas de corrente não devem ser confundidas com as trajetórias (paths)
descritas pelas partículas fluidas e representadas por:
),( txvdtxd rrr
=
e, portanto, as linhas de corrente coincidem com as trajetórias das partículas, em
geral, apenas para o caso de escoamento permanente.
Hidrodinâmica I 24
Outra inestimável contribuição de Euler foi a dedução da equação
diferencial da continuidade, que expressa a conservação de massa na forma:
0)()()(=⎟⎟
⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛∂
∂+
∂
∂+
∂∂
+∂∂
zv
yv
xv
tzyx ρρρρ (2.5)
e que, sob a hipótese de fluido incompressível e homogêneo se reduz
simplesmente a:
0=⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛∂∂
+∂
∂+
∂∂
=⋅∇=zv
yv
xv
vvdiv zyxrr (2.6)
Dessa forma, tem-se um conjunto de quatro equações formado por (2.2) e
(2.6) que permite obter as quatro incógnitas procuradas, as quais, uma vez
determinadas, caracterizam qualquer escoamento de fluido ideal.
Euler, assim, abriu um novo campo para o estudo de escoamentos fluidos,
até então de caráter eminentemente empírico. Como escreveu Lagrange6,
“através das descobertas de Euler, toda a mecânica dos fluidos foi reduzida a um
problema de cálculo e, se as equações algum dia se mostrarem integráveis, as
características do escoamento e o comportamento de um fluido sob a ação de
forças estarão determinados para todas as circunstâncias”. Na verdade, hoje
percebemos um certo exagero na constatação de Lagrange, mas é inegável que o
trabalho de Euler forneceu as bases para avanços posteriores, como a
incorporação dos efeitos de viscosidade.
De fato, Lagrange chegou à conclusão que as Equações de Euler poderiam
ser resolvidas apenas em duas condições específicas: escoamentos irrotacionais
6 Lagrange, Joseph Louis (1716-1813): nascido na Itália, desenvolveu seus trabalhos mais
importantes na França e revolucionou o estudo da mecânica. Foi um dos fundadores do cálculo
variacional, posteriormente expandido por Wierstrass, e introduziu os princípios analíticos no
estudo da mecânica e fluido-dinâmica.
Hidrodinâmica I 25
( 0rrr
=×∇= vvrot ) ou escoamentos rotacionais, mas permanentes. O primeiro caso
levou à definição do potencial de velocidades ),( txrφ , uma função escalar com a
seguinte propriedade: ),(),( txtxv rrr φ∇= .
Observando a equação de Euler (2.3) e lembrando a identidade (verificar
como exercício):
)()(21)( vvvvvv rrrrrr
×∇×−⋅∇=∇
pode-se escrever:
)(21 2 vvpv
tv rrr
×∇×=⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛++∇+
∂∂ β
ρ
onde já se adotou a hipótese de que as forças de campo são exclusivamente
conservativas e, portanto, podem ser escritas por um potencial de força β (se as
únicas forças atuantes forem gravitacionais e kggrr
−= , então )(gz−∇=β ).
Mas, se o escoamento for potencial ( ),(),( txtxv rrr φ∇= ), então,
necessariamente (demonstrar): 0rrr
=×∇= vvrot
e a equação de Euler se reduz a:
021 2 r
=⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛+++
∂∂
∇ βρ
φ pvt
e, Lagrange então deduziu que (e esta é a conhecida integral da equação de Euler
proposta por Lagrange para escoamentos irrotacionais de fluido incompressível):
)(21 2 tCpv
t=+++
∂∂ β
ρφ (2.7)
No caso particular de escoamento irrotacional e permanente 0=∂∂ tφ e,
portanto:
Cpv =++ βρ
2
21 (2.8)
Hidrodinâmica I 26
As equações (2.7) e (2.8) são duas formas da conhecida equação atribuída
a Daniel Bernoulli7, deduzidas para o caso particular de escoamento irrotacional.
Bernoulli, contemporâneo de Euler, realizou uma série de estudos sobre
escoamentos de fluidos. Foi o responsável pelo primeiro texto didático em
mecânica dos fluidos, seu Hydrodynamica (1738), no qual relaciona, de forma
inédita, o campo de pressões ao campo de velocidades. É interessante notar,
todavia, que as relações deduzidas por Bernoulli, no entanto, apresentam uma
forma diferente daquela expressa na equação que carrega seu nome, obtida
mediante a integral de Lagrange das Equações de Euler.
Deve-se notar também, que as equações de Bernoulli também são válidas
para o segundo caso previsto por Lagrange, o caso de escoamentos permanentes
e rotacionais, embora, neste caso, sua aplicação seja restrita às linhas de corrente
do escoamento. De fato, retomemos a equação:
)(21 2 vvpv
tv rrr
×∇×=⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛++∇+
∂∂ β
ρ
Uma vez que o escoamento é permanente 0=∂∂ tvr e, portanto:
)(21 2 vvpv rr
×∇×=⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛++∇ β
ρ
Sabe-se que é um vetor perpendicular à superfície f(x)=cte, e, assim, o
vetor deve ser perpendicular às superfícies nas quais:
f∇
)( vv rr×∇×
Cpv =++ βρ
2
21 (2.9)
Mas, )( vv rr×∇× é perpendicular tanto a vr como a vr×∇ . Dessa forma, as
superfícies nas quais a equação (2.9) se aplica são as superfícies que contém os
vetores e . Um conjunto de linhas que satisfaz esta propriedade é o
conjunto de linhas de corrente do escoamento. Assim, embora as equações (2.8)
e (2.9) sejam matematicamente idênticas, no caso de escoamentos permanentes
vr vr×∇
7 Bernoulli, Daniel (1700-82): Nascido na Holanda, membro de uma famosa família suíça da qual
vários se destacaram como importantes matemáticos, é conhecido por seus trabalhos em
mecânica dos fluidos e teoria cinética dos gases. Também trabalhou em astronomia e magnetismo.
Hidrodinâmica I 27
rotacionais, (2.9) se aplica apenas ao longo de uma linha de corrente. Valores
diferentes da constante C são atribuídos às diferentes linhas de corrente. Já no
caso de escoamentos irrotacionais (permanentes ou não) a equação de Bernoulli
(na forma (2.8) ou (2.7)) se aplica indistintamente entre quaisquer pontos no
domínio do fluido.
Ao longo do século XVIII, a fluido-mecânica se desenvolvia rapidamente.
Vários pesquisadores trabalhavam em diversos problemas práticos de
escoamentos fluidos, sobre o novo ferramental proporcionado pelo cálculo
diferencial e integral. Dentre estes trabalhos, merece destaque, por exemplo, o
estudo realizado por D’Alembert8 sobre a resistência oferecida por um fluido a
corpos que se deslocam através do mesmo. Em sua obra Essai d’une nouvelle
theorie de la resistance des fluides (1752), D’Alembert introduziu o importante
conceito de ponto de estagnação e chegou à perturbadora conclusão de que a
teoria indicava que a resistência total oferecida pelo fluido seria nula (o conhecido
Paradoxo de D’Alembert).
Estudos experimentais também proliferavam, como os trabalhos realizados
por Chevalier de Borda (1733-99). Borda estudou os efeitos de constrição do fluxo
através de tubos e também soou um alarme quanto ao fato que os resultados nem
sempre pareciam em harmonia com as leis formuladas por Bernoulli e Lagrange,
pois, explica, quando um escoamento encontra uma expansão súbita (de área),
ele é perturbado de tal maneira que acaba perdendo parte de sua energia cinética,
ou sua “living force”. Na verdade, as observações de Borda se relacionam com a
separação da camada-limite e turbulência, conceitos que somente seriam
entendidos anos depois.
Ficava cada vez mais claro, portanto, que a mecânica dos fluidos carecia
de uma formulação mais geral. O próximo “salto” qualitativo viria com a publicação
8 D’Alembert, Jean le Rond (1717-83): Matemático francês desenvolveu diversos trabalhos em
mecânica geral e mecânica dos corpos celestes, além de fazer importantes contribuições à teoria
de equações diferenciais a derivadas parciais.
Hidrodinâmica I 28
do trabalho de Claude Louis Navier9 que, unindo a hipótese de fricção de Newton
a observações experimentais, incluiu, de forma inédita, as forças de cisalhamento
oriundas da ação da viscosidade do fluido, complementando as equações
originalmente propostas por Euler:
gvpvvtv rrrrr
+∆+−∇=⎟⎠⎞
⎜⎝⎛ ∇+
∂∂ µρ )( (2.10)
ou, na forma escalar:
zzzzz
zz
yz
xz
yyyyy
zy
yy
xy
xxxxx
zx
yx
xx
gzv
yv
xv
zp
zvv
yvv
xvv
tv
gz
v
y
v
x
vyp
zv
vy
vv
xv
vt
v
gzv
yv
xv
xp
zv
vyv
vxv
vt
v
+⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛
∂∂
+∂∂
+∂∂
+∂∂
−=∂
∂+
∂∂
+∂∂
+∂
∂
+⎟⎟
⎠
⎞
⎜⎜
⎝
⎛
∂
∂+
∂
∂+
∂
∂+
∂∂
−=∂
∂+
∂
∂+
∂
∂+
∂
∂
+⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛
∂
∂+
∂
∂+
∂
∂+
∂∂
−=∂
∂+
∂∂
+∂∂
+∂
∂
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
1
1
1
νρ
νρ
νρ
(2.11)
As equações acima são conhecidas como Equações de Navier-Stokes10.
No conjunto de equações (2.10) e (2.11), µ representa a chamada
constante de viscosidade dinâmica ( ρµν = é o coeficiente de viscosidade
cinemática). O termo entre parênteses no lado esquerdo da equação corresponde
ao campo de acelerações do fluido definido segundo a representação Euleriana do
escoamento. O termo )( vgradp r∆+− µ é o próprio divergente do chamado Tensor
de Tensões sob a hipótese de fluido newtoniano e engloba todas as chamadas
forças de superfície (forças de pressão e tensões de cisalhamento) atuantes sobre
as partículas fluidas. Lembramos que o operador “nabla” é dado por:
9 Navier, Claude Louis Marie Henri (1785-1836): Matemático francês que realizou diversos
trabalhos na área de mecânica. É mais conhecido por suas equações de movimento de fluidos
que, de forma inédita, incluíram efeitos de viscosidade. 10 Em um trabalho apresentado à Academie de Sciences, em Paris, em 18 de março de 1822,
Navier apresentou, pela primeira vez, sua teoria, cujas equações seriam publicadas anos depois.
Em uma forma diferente, as mesmas equações foram obtidas por Sir George Gabriel Stokes (1819-
1903), físico-matemático britânico, em um trabalho datado de 1845.
Hidrodinâmica I 29
2
2
2
2
2
22 (.)(.)(.)(.)(.)
zyx ∂∂
+∂∂
+∂
∂=∇=∆
Deve-se observar que aproximadamente 150 anos se passaram entre a Lei
de fricção de Newton e a incorporação dos efeitos de viscosidade nas equações
de movimento do fluido. A partir dos trabalhos de Navier, uma nova perspectiva se
abriu na área de mecânica dos fluidos: o estudo dos chamados fluidos reais.
Quanto ao escopo deste curso, focado para o estudo de ondas de
gravidade e para o problema de comportamento no mar, no entanto, normalmente
os efeitos de viscosidade são pequenos o suficiente para que possamos
considerá-los desprezíveis ou, alternativamente, propormos correções externas
simplificadas que, de certa forma, os incorporem quando necessário. Assim, o
arcabouço matemático no qual nos basearemos corresponde, em sua maior parte,
ao estudo de fluidos ideais e, em especial, ao problema de escoamentos
potenciais, aos quais daremos maior atenção no restante deste capítulo.
2.2. Escoamentos Irrotacionais: Teoria do Potencial
Apesar de suas óbvias limitações, o estudo de escoamentos potenciais é
de suma importância na mecânica dos fluidos e, em particular, em hidrodinâmica
marítima. A teoria do potencial constitui a base sobre a qual se fundamenta a
Teoria de Ondas de Gravidade e, portanto, o estudo do comportamento no mar,
como veremos nos próximos capítulos.
Trataremos aqui de escoamentos de fluidos ideais (contínuos,
incompressíveis, homogêneos e inviscidos) e irrotacionais, hipóteses que, do
ponto de vista matemático, introduzem grandes simplificações, como foi possível
perceber nas discussões realizadas anteriormente. Neste contexto, veremos que a
equação da continuidade é expressa pela equação de Laplace. As equações do
movimento do fluido, que incorporam a dinâmica do escoamento, se reduzem às
equações de Bernoulli (2.7) ou (2.8).
Hidrodinâmica I 30
No curso de mecânica dos meios contínuos, uma introdução ao problema
de escoamento potencial ao redor de corpos submersos foi apresentada. Vimos
que a hipótese básica para que a hipótese de escoamento potencial seja
assumida é que a camada-limite seja fina, comparada com as dimensões
características do corpo, o que implica, por sua vez, em altos números de
Reynolds (Re). Em outras palavras, as forças que regem a dinâmica do
escoamento devem ser preponderantemente de origem inercial.
O objetivo, no restante deste capítulo é fazer uma breve revisão dos
conceitos fundamentais e, por vezes, recuperar tais conceitos através de uma
demonstração matemática mais rigorosa. Lembremo-nos de Lagrange, ao
observar que, se a teoria em construção se mostrasse válida, todo o problema da
dinâmica dos fluidos se reduziria a um problema de cálculo. Lagrange queria dizer,
de fato, que esperava que se houvesse ultrapassado a barreira da modelagem
matemática do fenômeno físico. Dois séculos após a observação de Lagrange,
muitos modelos matemáticos já se encontram bem estabelecidos na área de
hidrodinâmica. Por vezes, esses modelos requerem o conhecimento de tópicos
avançados de matemática. Inegavelmente, um bom hidrodinamicista deve,
necessariamente, aliar a percepção do fenômeno físico a um vasto ferramental
matemático. Para o engenheiro que pretende se especializar na área de
hidrodinâmica, o estudo de diferentes tópicos de matemática (equações
diferenciais a derivadas parciais, teoria de funções a variáveis complexas, entre
outros) deve ser encarado como condição sine qua non. Em suma, o que se
pretende dizer com essa pequena digressão é: “percamos o medo...”
2.2.1. Irrotacionalidade e o Potencial de Velocidades
Vimos que as equações constitutivas do movimento de fluidos ideais são as
equações de Euler (2.2) e a equação da continuidade (2.6). Vamos, aqui, discorrer
um pouco mais sobre a definição do chamado potencial de velocidades e as
simplificações matemáticas decorrentes da hipótese de escoamento irrotacional.
Hidrodinâmica I 31
Definimos circulação em torno de uma curva fechada ct (contorno material)
como sendo:
(2.12) ∫=Γtc
rdtxv rrr ).,(
O teorema de Kelvin (da conservação da circulação) afirma que em um
fluido ideal, sob ação de forças exclusivamente conservativas, a circulação em
torno de qualquer contorno material que se desloca com o fluido permanece
constante11, ou seja:
0).,( ==Γ
∫tc
rdtxvdtd
dtd rrr (2.13)
O significado físico deste teorema pode ser entendido pelo fato de, na
ausência de efeitos de viscosidade e, portanto, de tensões de cisalhamento, não
haver forças capazes de alterar a taxa de rotação das partículas fluidas.
De acordo com (2.13), a circulação em um escoamento de fluido ideal é
constante com o tempo. Podemos considerar, então, sem perda de generalidade,
que o fluido tenha partido do repouso em algum instante de tempo passado e que,
portanto, Γ=0 para qualquer instante de tempo e qualquer contorno material
definido no escoamento.
Por outro lado, o teorema de Stokes para um campo vetorial contínuo e
diferenciável relaciona o conceito de circulação com o conceito de vorticidade do
campo vetorial, na forma:
(2.14) ∫∫∫∂
=SS
rdvdSnvrot rrrr ..
onde S é a superfície limitada pelo contorno fechado S∂ . O lado esquerdo da
equação (2.14) representa a vorticidade (em inglês, vorticity), enquanto o lado
direito é, por definição, a circulação, que deve ser nula para qualquer contorno
11 A demonstração deste teorema pode ser encontrada, por exemplo, em Newman (1977), pgs.
103 e 104.
Hidrodinâmica I 32
material. Assim, a vorticidade deve se anular para qualquer superfície S definida
no domínio do fluido e, portanto12:
0rrr
=×∇= vvrot
ou seja, o escoamento que conserva circulação deve ser, necessariamente,
irrotacional. Esta conclusão é extremamente importante, pois é possível
demonstrar que um campo vetorial para o qual o rotacional é identicamente nulo
pode ser representado como o gradiente de um campo escalar. Esta afirmação,
por sua vez, decorre do teorema de Helmholtz, teorema fundamental do cálculo
vetorial (a demonstração deste teorema pode ser encontrada, por exemplo, em
Wills (1958), pg. 121). Seja um campo vetorial finito e contínuo. O teorema de
Helmholtz afirma que esse campo vetorial pode ser decomposto em um campo
gradiente (cujo rotacional é nulo) e um campo solenoidal (cuja divergência é nula),
na forma
Fr
13:
AFrr
×∇+−∇= φ
onde φ é uma função escalar e Ar
um campo vetorial cuja divergência é nula. A
definição do campo vetorial Ar
mostra que esse campo sempre poderá ser
considerado identicamente nulo se 0rr
=×∇ F 14.
Decorre do teorema de Helmholtz, portanto, que o campo de velocidades
de um escoamento irrotacional pode ser descrito através do gradiente de
uma função escalar
),( txv rr
),( txrφ , denominada potencial de velocidades:
),(),( txtxv rrr φ∇=
12 É importante observar que nem sempre conseguimos aplicar o teorema de Stokes, podendo
causar certa confusão. Isso ocorre, por exemplo, em problemas planos de escoamento potencial
em torno de corpos submersos. Qualquer contorno material que envolva o corpo não permite a
aplicação do teorema, pois a superfície interior não será definida exclusivamente por este contorno
(trata-se de um domínio que não é simplesmente conexo).
13 Uma importante conseqüência deste teorema é o fato de que o campo vetorial Fr
estará
completamente determinado uma vez conhecidas a sua divergência e o seu rotacional.
14 Observar que )()( AArr
×∇×∇=′∇+×∇×∇ φ
Hidrodinâmica I 33
Obviamente, o potencial de velocidades é uma abstração. Sua introdução,
contudo, permite uma grande simplificação matemática, uma vez que as três
componentes do vetor velocidade podem ser derivadas a partir de uma única
função escalar. De fato, a equação da continuidade (2.6) para escoamentos
potenciais resulta, simplesmente:
0)( 2
2
2
2
2
2
=∆=⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛∂∂
+∂∂
+∂∂
=∇⋅∇= φφφφφzyx
vdivr (2.15)
que é a conhecida equação de Laplace. Assim, em um escoamento potencial, o
campo de velocidades (e, portanto, de acelerações) decorre exclusivamente da
condição de conservação de massa. A solução da equação de Laplace (que é
uma equação diferencial linear de segunda-ordem a derivadas parciais) fornece
diretamente o potencial de velocidades e, dessa forma, o campo de velocidades
do escoamento. A incógnita restante, o campo de pressões, é então obtido através
da equação de Bernoulli (2.7). O problema matemático se reduz, então, a um
problema de duas equações e duas incógnitas ( ),( txrφ e ),( txp r ).
2.2.2. O Problema de Contorno
A equação de Laplace representa a forma mais simples de uma classe de
equações diferenciais de segunda-ordem conhecidas como equações elípticas15.
Aparece em muitos ramos da física-matemática e muitas características
pertinentes às funções que a satisfazem (normalmente referenciadas como
funções harmônicas) são conhecidas. Sabe-se, por exemplo, que estas funções e
suas derivadas espaciais são finitas e contínuas, exceto pela possibilidade de
singularidades nas fronteiras do domínio.
A distinção entre diferentes tipos de escoamento resulta das condições
impostas nestas fronteiras, as chamadas condições de contorno. Nos problemas
15 Uma discussão quanto à classificação das equações a derivadas parciais de segunda-ordem e
sobre as diferentes aplicações da Equação de Laplace pode ser encontrada, por exemplo, em
Sobolev (1989).
Hidrodinâmica I 34
de mecânica dos fluidos, estas podem representar condições cinemáticas
(relativas às velocidades do fluido na fronteira) ou dinâmicas (condição sobre as
forças).
Um dos problemas de interesse mais simples corresponde ao caso de um
escoamento uniforme sobre um corpo rígido fixo, com superfície designada por SB,
em um fluido sem fronteiras. O problema é esquematizado na figura abaixo.
x
y
U
z
SB
n
x
y
U
z
SB
x
y
U
z
SB
nn
Figura 9 – Escoamento Uniforme sobre Corpo Fixo
Sabemos que, por se tratar de um escoamento irrotacional, a condição
cinemática apropriada na fronteira do corpo é a condição de impermeabilidade,
uma vez que a condição de não-escorregamento necessariamente implicaria em
rotacionalidade do escoamento. Neste problema, uma segunda condição se impõe
em uma fronteira definida a uma distância suficientemente distante do corpo e que
implica que a perturbação causada pela presença do corpo deve,
necessariamente, tender a zero à medida que nos afastamos do corpo. A esta
condição, dá-se o nome de condição de evanescência.
Dessa forma, o problema de contorno pode ser equacionado: Determinar o
potencial de velocidades φ, tal que:
iU
nn
x
SS
BB
r
r
=∇
=∂∂
=⋅∇
=∆
∞→φ
φφ
φ
lim
;0
0
(2.16)
Hidrodinâmica I 35
Uma questão que naturalmente se coloca neste ponto diz respeito à
unicidade das soluções dos problemas de contorno. Na realidade, é trivial
demonstrar que, se a região ocupada pelo fluido é simplesmente-conexa, a
solução, de fato, será univocamente determinada, a menos de uma constante.
Para demonstrar este fato, suponhamos que o problema acima admitisse duas
soluções distintas )(1 xrφ e )(2 xrφ . Então )()()( 21 xxx rrr φφχ −= deverá satisfazer:
0lim
;00
r
r
=∇
=⋅∇
=∆
∞→x
SBn
χ
χχ
O domínio do fluido está compreendido pela fronteira S (por exemplo, no
caso acima, representada pela união do contorno do corpo com uma superfície
definida no infinito). Observando que:
0)()( =⋅∇=⋅∇ ∫∫ dSndSnSS
rr χχχχ
e aplicando o teorema da divergência:
[ ] 0)()( =∆+∇⋅∇=∇=⋅∇ ∫ ∫∫ dVdVdivdSnV VS
χχχχχχχχ r 16
Como 0=∆χ , chega-se, finalmente, a:
0)()( 2∫∫ =∇=∇⋅∇VV
dVdV χχχ
de onde decorre que 0≡∇χ ou cte=χ e, portanto, as soluções do problema de
escoamento potencial estão univocamente definidas, a menos de uma constante.
Todavia, é importante ressaltar que a prova de unicidade apresentada
acima pressupõe que o domínio fluido seja simplesmente conexo17 (premissa do
teorema da divergência) e que a posição das fronteiras seja conhecida a priori. No
16 A segunda passagem nesta dedução corresponde à forma geral da conhecida fórmula de
integração por partes e pode ser demonstrada facilmente. Esta demonstração fica como exercício. 17 Um caso evidente para o qual o domínio fluido não será simplesmente-conexo se refere ao
problema bidimensional de escoamento em torno de um corpo rígido.
Hidrodinâmica I 36
entanto, haverá casos em que a posição e a velocidade na fronteira não serão
conhecidas a priori. É o caso, por exemplo, do problema de escoamento induzido
por ondas na superfície-livre do fluido, pois a forma da onda e, portanto, a
elevação da superfície, não estarão previamente determinadas. Serão, ao
contrário, conseqüência da solução do problema de contorno. Nesse caso,
informações adicionais serão necessárias e serão providenciadas através de uma
condição dinâmica na superfície, a qual impõe que a pressão na superfície seja
igual à pressão atmosférica.
2.2.3. Aspectos Importantes da Solução do Problema de Contorno
No curso de Mecânica dos Meios Contínuos (PNV2340) vimos algumas
soluções analíticas para problemas de escoamento potencial ao redor de corpos
de geometrias simples, como cilindros circulares. Posteriormente, na disciplina de
Métodos Computacionais (PNV2441), estendemos as possibilidades de solução
através de técnicas numéricas que permitem resolver o problema para corpos de
geometria arbitrária. Vimos, em particular, que as perturbações causadas por um
corpo imerso em um escoamento originalmente uniforme acabavam por requerer a
introdução de singularidades matemáticas, a mais simples das quais representada
por uma fonte ou sorvedouro.
Nos cursos de graduação, a introdução destas singularidades foi
apresentada de forma ad hoc. Assim, por exemplo, vimos que a solução analítica
do problema de escoamento bidimensional em torno de um cilindro circular é
obtida pela superposição do potencial de velocidades do escoamento uniforme e o
potencial de um dipolo situado no centro do cilindro. Na realidade, o dipolo é uma
singularidade que pode ser definida matematicamente pela combinação de uma
fonte e um sorvedouro, quando a distância entre as duas singularidades tende a
zero18. As técnicas numéricas estudadas em PNV2441 se baseavam em duas
abordagens distintas, o método das fontes e o método de Green, e, em ambos os
18 Para a definição precisa, consultar Newman (1977), pg. 114.
Hidrodinâmica I 37
casos, o potencial de velocidades das fontes/sorvedouros também eram parte
inerente da solução.
Não nos interessa, aqui, reproduzir novamente as soluções analíticas já
discutidas na graduação, embora uma recordação por parte do aluno seja
importante neste momento. Para tanto, o aluno pode recorrer a bons livros de
mecânica dos fluidos (como sugestão, Batchelor (1967)) e de hidrodinâmica (por
exemplo, Newman (1977)), além das apostilas dos cursos supra-citados.
Nossa intenção, no restante desta seção, será o de analisar aspectos
matemáticos da solução de problemas de contorno governados pela equação de
Laplace com o objetivo de melhor fundamentar as técnicas anteriormente
apresentadas e tentar identificar a razão da aparente onipresença destas
singularidades.
Uma função de Green é uma função que representa a solução de uma
equação diferencial não-homogênea. Há toda uma teoria no estudo de equações
diferenciais a derivadas parciais que define uma metodologia para a construção
destas funções. Obviamente, uma discussão sobre esta teoria foge do escopo
deste curso, mas, para aqueles que desejam se aprofundar neste estudo, uma
boa referência é Sobolev (1989). Discutiremos, aqui, apenas alguns aspectos
principais. Tecnicamente, uma função de Green de um operador linear L em um
ponto x0 é qualquer solução de (Lf)(x) = δ(x-x0), onde δ representa a função delta
de Dirac. Esta função, por sua vez, é uma função descontínua que apresenta a
propriedade: δ =0, para qualquer x≠x0 e δ(x0) = ∞. Além disso, temos que:
. 1)( =∫+∞
∞−
xδ
Denominemos ),( 0xxG rr a função de Green de um problema de contorno
particular. No caso da equação de Laplace, o operador linear L corresponde ao
próprio operador Laplaciano . Assim, neste caso, a função de Green deverá
satisfazer a seguinte identidade:
()∆
),,(),( 0000 zzyyxxxxG −−−=∆ δrr
Hidrodinâmica I 38
e, conseqüentemente:
1),( 0 =∆∫∫∫ dVxxGV
rr
onde V representa uma região que envolve o ponto (x0,y0,z0).
Sem a imposição de condições de contorno específicas, a função de Green
referente à equação de Laplace é dada por:
2
02
02
0
0)()()(
141),(
zzyyxxxxG
−+−+−−=
πrr (2.17)
ou, definindo r como a distância entre os pontos (x,y,z) e (x0,y0,z0): rG π41−= .
Esta função é conhecida como solução fundamental (ou solução principal) da
equação de Laplace.
Podemos indicar a demonstração deste fato: De acordo com o teorema da
divergência, podemos escrever:
1),(),( 00 =⋅∇=∇⋅∇=∆ ∫∫∫∫∫∫∫∫ dSnGdVxxGdVxxGSVV
rrrrr
onde S representa a fronteira da região V, orientada segundo o versos normal nr .
Trabalhando em coordenadas esféricas e considerando que S corresponda à
superfície de uma esfera de raio r centrada no ponto (x0,y0,z0), temos, então:
1)(4 2 =∂
∂=
∂∂
=⋅∇ ∫∫∫∫ rrGrdS
rGdSnG
SS
πr
e, portanto:
r
rGπ41)( −=
A função de Green definida por (2.17) é justamente o que convencionamos
chamar de potencial de velocidades de uma fonte unitária tridimensional. Assim, a
equação da continuidade 0=∆φ , tem como solução fundamental, no caso
tridimensional, o potencial de uma fonte unitária φS dado por:
2
02
02
0
0)()()(
141),(
zzyyxxxxS
−+−+−−=
πφ rr
Hidrodinâmica I 39
De maneira análoga, pode-se demonstrar que, para o caso bidimensional, a
solução principal é dada por:
20
200 )()(log
21),( yyxxxxS −+−=π
φ rr
que representa, por sua vez, o potencial de uma fonte unitária bidimensional.
Decorre daí, portanto, o fato de estas singularidades estarem presentes
como núcleo das soluções de vários problemas de escoamento potencial que já
estudamos ao longo da graduação.
Obviamente, contudo, as soluções dependerão das condições de contorno
específicas de cada problema. Várias técnicas matemáticas podem ser
empregadas para estimar estas soluções. Assim, por exemplo, no caso de
escoamentos bidimensionais, uma série de ferramentas matemáticas podem ser
exploradas através da teoria de funções analíticas, com a definição do potencial
complexo. Em particular, esta opção permite o emprego do chamado mapeamento
conforme, que permite obter a solução de geometrias 2D complexas mediante a
solução de problemas com geometrias mais simples19. A técnica de separação de
variáveis pode ser empregada em casos de escoamentos tridimensionais, através
da qual se obtém uma aproximação para o potencial de velocidades procurado
através de uma combinação linear dos chamados multipolos. Uma boa referência
para uma primeira leitura sobre estas técnicas é Newman (1977).
Para o caso de problemas de escoamento potencial com superfície-livre e
geometrias complexas, como cascos de navios ou plataformas oceânicas, a
solução do problema de contorno invariavelmente recorre a métodos numéricos.
Um dos métodos mais difundidos atualmente para a solução do problema de
comportamento no mar de sistemas oceânicos é o método de elementos de
contorno (boundary elements method, BEM). O estudo dos fundamentos deste
método já foi realizado em PNV2441 e será retomado no Capítulo 5 deste texto.
Devemos nos lembrar, contudo, que a operacionalização deste método depende
19 No caso específico do problema de comportamento no mar, a técnica de mapeamento conforme
é uma alternativa para ser empregada no tratamento de corpos esbeltos, através da chamada
teoria de faixas (strip theory). Uma discussão sobre este ponto é feita no Capítulo 5.
Hidrodinâmica I 40
de uma modelagem matemática prévia do potencial de velocidades procurado.
Esta modelagem pode ser baseada, por exemplo, considerando-se o potencial de
velocidades procurado como aquele decorrente de uma distribuição de fontes
sobre a superfície do corpo (método das fontes) ou, alternativamente, através de
uma aplicação direta do teorema de Green. Neste último caso, a solução numérica
se baseia na aplicação da função de Green apropriada para o problema em
questão. A função apropriada é aquela que naturalmente satisfaz as condições de
contorno em parte da fronteira (retomaremos essa discussão no capítulo 5). Em
ambas as modelagens, contudo, as singularidades (fontes) são partes inerentes
da solução.
2.2.4. Forças Hidrodinâmicas
Retomemos o problema de escoamento potencial ao redor de um corpo
imerso em fluido sem fronteiras para discutirmos o equacionamento das forças
que atuam sobre o corpo em decorrência do campo de pressões dinâmico.
Iniciaremos com o caso mais simples, quando o escoamento é uniforme. Neste
caso, supondo Oxyz solidário ao corpo, os dois problemas ilustrados abaixo são
idênticos do ponto de vista dinâmico, a menos de uma mudança de referencial:
x
y
U
z
SB
n
x
y
U
z
SB
x
y
U
z
SB
nn
iU
n
x
SBr
r
=∇
=⋅∇
=∆
∞→φ
φφ
lim
;00
x
y
U
z
SB
n
x
y
U
z
SB
nn
0lim
;0
r
rr
=∇
−=⋅∇
=∆
∞→x
SiUn
B
φ
φ
φ
Figura 10 – Escoamento uniforme: corpos fixos e corpos em movimento
Hidrodinâmica I 41
No caso mais geral, quando o escoamento não é uniforme e , as
mesmas condições cinemáticas se aplicam às velocidades do corpo e do fluido,
porém, agora, os problemas serão diferentes do ponto de vista dinâmico.
)(tUUrr
=
Nas deduções a seguir, consideraremos o caso no qual o corpo se move
através de um fluido originalmente em repouso, com velocidade )(tUr
.
Consideraremos, então, as seis componentes do vetor de forças e momentos
de origem hidrodinâmica que atuam sobre o corpo em movimento e que
serão obtidos mediante integração direta do campo de pressões sobre o corpo:
)(tFr
)(tMr
∫∫
∫∫
×=
=
B
B
S
S
dSnrpM
dSnpF
)( rrr
rr
(2.18)
onde é o versor normal orientado para “fora” do domínio fluido (e, portanto, para
dentro do corpo) e
nr
rr é o vetor posição da superfície dS no sistema de referências
O(x,y,z).
Desconsiderando a parcela hidrostática do campo de pressões (as quais
resultam nas forças de empuxo sobre o corpo), o campo de pressões p é obtido a
partir da equação de Bernoulli na sua forma (2.7) e, assim:
∫∫
∫∫
×⎥⎦⎤
⎢⎣⎡ ∇⋅∇+
∂∂
−=
⎥⎦⎤
⎢⎣⎡ ∇⋅∇+
∂∂
−=
B
B
S
S
dSnrt
M
dSnt
F
)(21
21
rrr
rr
φφρφρ
φφρφρ
(2.19)
É possível obter um equacionamento alternativo para as forças e momentos
expressos em (2.19) ao considerarmos uma superfície de controle SC fixa, exterior
à superfície do corpo SB, como ilustrado na figura abaixo.
Hidrodinâmica I 42
SB
nU(t)
SC
n
SB
nnU(t)
SC
nn
Figura 11 – Esquematização da superfície de controle SC
É possível demonstrar20 que as forças e momentos sobre o corpo podem
ser escritos também na forma:
( )
( )∫∫∫∫
∫∫∫∫
⎥⎦⎤
⎢⎣⎡ ∇⋅∇−∇
∂∂
×−×−=
⎥⎦⎤
⎢⎣⎡ ∇⋅∇−∇
∂∂
−−=
CB
CB
SS
SS
dSnn
rdSnrdtdM
dSnn
dSndtdF
rrrrr
rrr
φφφφρφρ
φφφφρφρ
21)(
21
(2.20)
Do ponto de vista matemático, a vantagem obtida ao se equacionar as
forças e momentos na forma (2.20) não é evidente, se as compararmos com as
expressões (2.19). Todavia, uma grande simplificação pode ser obtida, por
exemplo, no caso de um corpo se movendo em fluido sem fronteiras. Neste caso,
tomando partido do fato de a superfície de controle ser arbitrária, podemos
posicioná-la na região que convencionamos denominar campo distante (far field,
em inglês). Como o próprio nome indica, trata-se da região do escoamento
suficientemente afastada do corpo, região na qual, os detalhes geométricos do
corpo não mais são importantes para o escoamento local. A conveniência da
formulação (2.20) ficará clara a seguir, quando discutirmos especificamente o
problema de um corpo em movimento arbitrário em um fluido sem fronteiras.
20 Essa demonstração é relativamente extensa e envolve a aplicação do teorema da divergência e
do teorema do transporte. Pode ser encontrada em Newman [1977] pg. 132 a 134.
Hidrodinâmica I 43
Consideremos agora, o problema de um corpo rígido que se move em um
fluido sem fronteiras, originalmente em repouso. Nesse caso, se tomarmos a
superfície de controle em uma região suficientemente distante do corpo, as
contribuições para as forças e momentos oriundas da integração em SC tenderão
a zero e, dessa forma, resulta simplesmente:
∫∫
∫∫
×−=
−=
B
B
S
S
dSnrdtdM
dSndtdF
)( rrr
rr
φρ
φρ
(2.21)
Para o caso particular de o corpo se mover com velocidade constante
cteUUUU == ),,( 321
r, recaímos em um problema de escoamento potencial em
regime permanente e, nesse caso, a integral sobre o corpo na primeira equação
de (2.21) resulta independente do tempo. Conseqüentemente, conclui-se que,
para o problema de translação do corpo com velocidade constante através de um
fluido inviscido e irrotacional, a resultante das forças hidrodinâmicas sobre o corpo
será nula ( 0rr
=F ). Este resultado configura o conhecido Paradoxo de D’Alembert,
ao qual nos referimos anteriormente. Todavia, nesta mesma situação, um
momento não nulo pode existir. De fato, consideremos como exemplo o caso de
um corpo se deslocando paralelamente ao eixo x (sistema de referência Oxyz,
fixo), com velocidade . O problema somente será independente do tempo
em um sistema de referências que se move com o corpo (O’x’y’z’). A relação entre
os dois referenciais é dada por:
iUUrr
1=
zzyy
tUxx
==
−=
''' 1
e, portanto: itUrrrrr
1' −=
Neste sistema de referências, o potencial ',','( zyxφ ) será independente do
tempo, assim como o versor normal ),,( 321 nnnn =r , mas o produto vetorial nr rr
×'
não o será, pois:
ktnUjtnUnrnrrrrrrr
2131' −−×=×
Hidrodinâmica I 44
Assim, retomando o caso mais geral de translação uniforme com
cteUUUU == ),,( 321
r e observando que podemos escrever:
)(' nUtnrnr rrrrrr×−×=×
então, o momento sobre o corpo em (2.21) pode ser reescrito na forma:
∫∫∫∫∫∫ ×−×−=×−=BBB SSS
dSnUtdtddSnr
dtddSnr
dtdM )()'()( rrrrrrr
φρφρφρ
e, finalmente:
∫∫∫∫ ×−=×−=BB SS
dSnUdSnUM rrrrrφρφρ )( (2.22)
A expressão (2.22) demonstra que o momento hidrodinâmico atuante sobre
o corpo é perpendicular ao vetor velocidade Ur
. Mais ainda, esse momento será
nulo se o corpo possuir simetria em relação aos dois eixos perpendiculares a Ur
(pois a integral nessas duas direções resultará nula devido à simetria do termo
nrφ ). Assim, o momento sobre uma esfera em translação uniforme será nulo, mas,
por exemplo, no caso de deslocamento de um submarino ou torpedo (que
apresenta simetria apenas com relação ao plano “vertical” que inclui a linha de
centro), o corpo experimentará um momento de pitch (que tende a “subir” ou
“baixar” sua proa), desestabilizando o movimento do corpo.
O momento expresso em (2.22) é usualmente conhecido como momento de
Munk e desempenha um papel crucial em aerodinâmica e hidrodinâmica. Como
vimos, um corpo como um torpedo ou a fuselagem de um avião em movimento
retilíneo uniforme sofrerá a ação do momento de Munk, que tende a desviá-lo de
seu curso original. Este fato exige a adoção de medidas corretivas para garantir a
estabilidade direcional do corpo. De forma empírica, a solução deste tipo de
problema é conhecida há muito tempo e explica, por exemplo, a necessidade do
emprego de penas na extremidade posterior de uma flecha. O mesmo papel é
desempenhado pelos estabilizadores adotados em aviões, torpedos e submarinos,
denominados genericamente empenagens21. Deve-se observar que, mesmo que
haja simetria geométrica do corpo, a simetria do escoamento dependerá da
Hidrodinâmica I 45
direção de propagação. Assim, por exemplo, mesmo que a fuselagem seja um
corpo de revolução alongado em movimento retilíneo uniforme, qualquer
perturbação na velocidade (pequenas e inevitáveis componentes de velocidade
perpendiculares à velocidade de avanço) acarretará em uma perda da simetria do
escoamento e induzirá um momento desestabilizador.
Retomemos, então, o caso mais geral quando o movimento não é uniforme,
considerando os seis graus de liberdade do corpo. Nesta seção, tomaremos a
liberdade de utilizar uma notação alternativa para simplificar o equacionamento.
Assim, denotaremos as três componentes de translação (surge, sway e heave)
através dos índices i=1,2,3, respectivamente. Da mesma forma, as três
componentes de rotação (roll, pitch e yaw) serão referenciadas através dos
índices i=4,5,6. Dessa forma, se o corpo apresenta velocidades de translação
e rotação com relação a um referencial que se move com o corpo, em
nossa notação podemos escrever:
)(tUr
)(tΩr
))(),(),(())(),(),(()(
))(),(),(()(
654321
321
tUtUtUtttt
tUtUtUtU
=ΩΩΩ=Ω
=r
r
A condição de contorno apropriada no corpo (condição de
impermeabilidade) implica que:
nrUn rrrrr⋅×Ω+=⋅∇ )'(φ em SB
ou, alternativamente:
)'( nrnUn
rrrrr×⋅Ω+⋅=
∂∂φ em SB
A forma da condição de contorno acima permite supor uma solução do tipo:
(2.23) ∑=
=6
1)(
iii tU ϕφ
Aqui, cada componente iϕ representará, fisicamente, o potencial de
velocidades relativo ao um movimento com velocidade unitária no grau de
liberdade i.
21 Do francês empennage, “penas de uma flecha”.
Hidrodinâmica I 46
É fácil perceber que (2.23) será de fato solução desde que as respectivas
componentes iϕ satisfaçam a equação de Laplace, a condição de evanescência e
as seguintes condições no corpo:
ii n
n=
∂∂ϕ
i=1,2,3
(2.24)
3)'( −×=∂∂
ii nr
nrrϕ
i=4,5,6
É importante notar que cada um dos componentes iϕ depende apenas da
geometria do corpo, não dependendo das velocidades do corpo rígido e, portanto,
do tempo.
A força hidrodinâmica atuante sobre o corpo é dada pela equação (2.21).
Considerando (2.23) em (2.21), percebemos que a força total será obtida através
da composição de seis vetores, na forma:
∫∫∫∫∫∫
∑
∂∂
−−=−=
==
BBB Sii
Sii
Siii
ii
dStnUdSnUdSntU
dtdF
FFr
r&rr
rr
ϕρϕρϕρ )(
6
1
É importante notar que, devido à rotação do corpo, o versor normal sofre
variação com o tempo, a qual, por sua vez, é dada por:
ntn rrr
×Ω=∂∂
Assim, a força hidrodinâmica total é dada pela somatória das seguintes
componentes:
∫∫∫∫ ×Ω−−=BB S
iiS
iii dSnUdSnUF rrr&r
ϕρϕρ (2.25)
O momento hidrodinâmico também está expresso na equação (2.21).
Todavia, deve-se notar que o vetor rr é definido em relação ao referencial fixo no
espaço e, portanto, depende do tempo. Se )(trOr denotar o vetor posição da
origem do sistema de coordenadas solidário ao corpo, podemos escrever:
Hidrodinâmica I 47
')( rtrr Orrr
+=
e o momento será dado por:
∫∫∫∫ ×−×−=BB SS
O dSnrdtddSnr
dtdM )'()( rrrrr
φρφρ
ou:
∫∫∫∫ ×−⎥⎥⎦
⎤
⎢⎢⎣
⎡×−=
BB SSO dSnr
dtddSnr
dtdM )'( rrrrr
φρφρ
e, lembrando que )()( tUdttrd O
rr= , temos:
∫∫∫∫ ×−×−×=BB SS
O dSnrdtddSnUFrM )'( rrrrrrr
φρφρ
Por fim, devemos observar que )'( nr rr× é um vetor fixo com relação ao
sistema de coordenadas solidário ao corpo e, portanto:
)'()'( nrdt
nrd rrrrr
××Ω=×
O momento resulta, então:
∫∫∫∫∫∫ ××Ω−×∂∂
−×−×=BBB SSS
O dSnrdSnrt
dSnUFrM )'()'( rrrrrrrrrrφρφρφρ
Deve-se notar que o primeiro termo corresponde ao momento gerado pela
força resultante aplicada na origem do sistema móvel em relação à origem do
sistema fixo. Dessa forma, o momento hidrodinâmico calculado com relação à
origem do sistema que se move com o corpo é dado por:
Fr
∫∫∫∫∫∫ ××Ω−×∂∂
−×−=BBB SSS
dSnrdSnrt
dSnUM )'()'( rrrrrrrrφρφρφρ (2.26)
Considerando, agora, a decomposição do potencial (2.23) na expressão do
momento (2.26), temos:
∑=
=6
1iiMM
rr
onde:
Hidrodinâmica I 48
∫∫∫∫∫∫ ××Ω−×−×−=BBB S
iiS
iiS
iii dSnrUdSnrUdSnUUM )'()'( rrrrr&rrrϕρϕρϕρ (2.27)
As expressões (2.25) e (2.27) sumarizam o cálculo da força e momento
hidrodinâmicos atuantes sobre um corpo tridimensional que realiza um movimento
arbitrário através do fluido. Cabe notar, todavia, que cada um dos integrandos
presentes nestas duas expressões representa um vetor que depende apenas da
geometria do corpo. Cada um destes vetores apresenta três componentes
j=1,2,3 e, de acordo com as condições de contorno no corpo definidas em (2.24),
podemos escrever cada uma destas componentes de uma maneira alternativa:
∫∫∫∫
∫∫∫∫
∂
∂=×
∂
∂=
+
BB
BB
S
ji
Sji
S
ji
Sji
dSn
dSnr
dSn
dSn
3)'(ϕ
ϕϕ
ϕϕϕ
rr
Dessa forma, verifica-se que todas as integrais presentes em (2.25) e (2.27)
podem ser agrupadas em uma matriz (6X6), usualmente denominada matriz de
massa adicional, dada por:
∫∫ ∂∂
=BS
lklk dS
nm
ϕϕρ k=1,..,6 e l=1,..,6 (2.28)
Cada um dos termos de força e momento hidrodinâmicos depende apenas
das velocidades e acelerações de corpo rígido e dos coeficientes de massa
adicional mkl. Esses últimos, por sua vez, dependem exclusivamente da geometria
do corpo e, uma vez que estamos trabalhando no contexto de fluido inviscido, os
coeficientes de massa adicional caracterizam plenamente as propriedades
hidrodinâmicas do corpo22.
É importante ressaltar, também, que as expressões de força e momento
(2.25) e (2.27) foram deduzidas sob a hipótese de o fluido não ser limitado por
outras fronteiras que não aquelas impostas pelo próprio corpo. Nos casos em que
22 Obviamente, a geometria do corpo traz implicações também sobre o arrasto hidrodinâmico
decorrente dos efeitos de viscosidade.
Hidrodinâmica I 49
efeitos de superfície-livre são relevantes, por exemplo, estas expressões se
modificam. Retornaremos a este problema nos capítulos 4 e 5.
Antes de encerrar este breve apanhado sobre a teoria de escoamento
potencial, algumas propriedades importantes relativas aos coeficientes de massa
adicional serão discutidas a seguir.
2.2.5. Massa Adicional
As massas adicionais do corpo representam, do ponto de vista físico, a
quantidade de fluido acelerada pelo movimento do corpo. Sua denominação
decorre de uma analogia direta com as forças de inércia do corpo rígido, as quais
se expressam na mesma forma das expressões (2.25) e (2.27), com a massa e os
momentos de inércia do corpo substituindo os coeficientes de massa adicional
(para uma demonstração desta analogia, ver Newman (1977), pg.148). Esta
igualdade de forma permite que as forças inerciais totais agindo sobre o corpo
sejam escritas através de uma matriz de massas virtuais, cujos coeficientes são
dados pela soma das inércias do corpo e adicionais (Mij + mij).
Deve-se, no entanto, tomar cuidado com essa analogia, observando, por
exemplo, que, em geral, as massas adicionais de translação (m11, m22, m33) de um
corpo são diferentes (a menos que simetrias geométricas sejam garantidas) e,
portanto, essas “massas” dependem da direção do movimento do corpo. Além
disso, não havendo a referida simetria, coeficientes cruzados (m12, m13, m23) serão
não-nulos, o que implica que as forças inerciais hidrodinâmicas terão direção
diferente da aceleração do corpo.
Do fato de as inércias fluidas dependerem da direção de movimento do
corpo decorre também o fato de o vetor quantidade de movimento do fluido não
ser, em geral, paralelo ao vetor velocidade do corpo, o que explica, de outro ponto
de vista, a existência do momento de Munk, discutida anteriormente.
A matriz de massas adicionais é uma matriz simétrica, ou seja: . A
demonstração dessa propriedade é simples, bastando-se aplicar o Teorema de
jiij mm =
Hidrodinâmica I 50
Green aos potenciais iϕ e jϕ sobre a superfície SB + SC (ver Figura 11). Se
tomarmos a superfície SC a uma distância suficientemente grande do corpo (e
temos liberdade para isso, nesse caso), a integral sobre SC se anulará em
decorrência da condição de evanescência do potencial. Assim:
∫∫ =⎥⎦
⎤⎢⎣
⎡∂∂
−∂
∂
BS
ij
ji dS
nn0
ϕϕ
ϕϕ
e, portanto:
jiij mm =
Há, também, uma relação direta entre massa adicional e energia cinética do
fluido, como mostraremos a seguir:
A energia cinética do fluido (T) é dada por:
∫∫∫ ∇⋅∇=V
dVT )(21 φφρ (2.29)
com o domínio de integração representado todo o domínio fluido limitado por SB e
SC, de acordo com a Figura 11.
A energia cinética pode ser reescrita em função dos potenciais iϕ ,
empregando-se, para isso, a decomposição (2.23) na expressão (2.29):
∑∑∫∫∫ ∇⋅∇=i j V
jjii dVUUT )()(21 ϕϕρ
∑∑ ∫∫∫ ∇⋅∇=i j V
jiji dVUUT )(21 ϕϕρ
Por outro lado, a partir da definição dos coeficientes de massa adicional
(2.28) e da aplicação do Teorema da Divergência, temos23:
dVdVdSn
m jiV
ijVS
ijij
B
)()( ϕϕρϕϕρϕ
ϕρ ∇⋅∇=∇⋅∇=∂∂
= ∫∫∫∫∫∫∫∫
e, portanto:
23 Lembrar que 0=∆ iϕ
Hidrodinâmica I 51
∑∑=i j
jiij UUmT21 (2.30)
Assim, percebe-se que os coeficientes de massa adicional são constantes
que multiplicam termos quadráticos nas componentes de velocidade do corpo, o
que reforça, mais uma vez, a analogia dos coeficientes mij com “massas”.
Newman (1977) apresenta valores dos coeficientes de massa adicional
para algumas geometrias particulares, 2D e 3D, para as quais é possível obter
valores analíticos das massas adicionais. A Figura 12 apresenta os coeficientes de
massa adicional de algumas figuras planas (a maioria calculada através de
técnicas de mapeamento conforme).
Figura 12 – Coeficientes de massa adicional de alguns corpos 2D (fonte: Newman,1977)
A Figura 13 apresenta os coeficientes normalizados para elipsóides de
revolução, empregando como fatores de adimensionalização a massa e o
momento de inércia do volume fluido deslocado pelo corpo.
Hidrodinâmica I 52
Figura 13 – Coeficientes de massa adicional de elipsóides de revolução
Hidrodinâmica I 53
3. TEORIA LINEAR DE ONDAS DE GRAVIDADE
“The basic law of the seaway
is the apparent lack of any law”
Lord Rayleigh
O que caracteriza de fato a chamada hidrodinâmica marítima é o estudo da
propagação de ondas na superfície do mar. O estudo do comportamento dinâmico
de estruturas flutuantes em ondas requer, como ponto de partida, que sejamos
capazes de modelar a excitação causada por uma determinada situação de mar.
O caráter aleatório das ondas do mar traz como conseqüência a necessidade de
um tratamento estatístico do problema (que será discutido nas seções 3.6 e 3.7),
tratamento este que se funda, como veremos, no estudo da chamada Teoria
Linear de Ondas de Gravidade.
Toda a modelagem matemática que será apresentada neste capítulo é
baseada na teoria do potencial, implicando, portanto, em escoamento irrotacional.
De fato, os fundamentos da teoria que hoje agrupamos sob o nome de teoria de
ondas de superfície foram estabelecidos antes da dedução das equações de
Navier-Stokes, como veremos na seção 3.1. Efeitos de viscosidade são
importantes em alguns problemas específicos, como no caso do estudo das forças
de excitação de ondas sobre corpos de pequenas dimensões (problema que
discutiremos mais adiante, no Capítulo 4) e no problema de geração de ondas
pelo vento (discutido, de forma breve, na seção 3.7). Todavia, para o estudo geral
de ondas de superfície e para o problema de comportamento no mar, os efeitos de
viscosidade podem, em geral, ser desprezados, com excelentes comprovações
experimentais (voltaremos a discutir este ponto na seção 4.1).
É importante destacar também que outros fenômenos ondulatórios são
verificados no ambiente oceânico, além das ondas de superfície que trataremos
neste capítulo. Exemplos destes fenômenos são as chamadas ondas internas
Hidrodinâmica I 54
(internal waves), causadas por diferenças de densidade, e as ondas inerciais
(inertial waves), associadas à aceleração de Coriolis. Nestes dois casos, no
entanto, as freqüências de oscilação são baixas o suficiente para não causar
efeitos dinâmicos significativos em corpos flutuantes ou imersos e, assim,
apresentam pouco interesse no contexto da engenharia naval. No outro extremo
do espectro, há fenômenos ondulatórios em altas freqüências, como as ondas
capilares, que também não afetam significativamente corpos de dimensões usuais
em engenharia naval e oceânica24.
Assim, este capítulo é dedicado à teoria que nos permite representar as
ondas de superfície e sua ação sobre corpos flutuantes e imersos e também as
ondas geradas pelo movimento de uma embarcação (importante, por exemplo, no
estudo de resistência ao avanço). Em particular, estudaremos esta teoria no
contexto das ondas de pequena amplitude, o que nos permitirá linearizar o
problema de contorno, trazendo grandes simplificações matemáticas. Veremos
que este procedimento é adequado para boa parte dos problemas em engenharia,
embora efeitos não-lineares sejam importantes em muitas aplicações de
engenharia naval e oceânica. De fato, a teoria não-linear de ondas é um tópico de
estudo importante para aqueles que pretendem atuar na área, mas não faz parte
do escopo deste curso básico. Aqui, nos restringiremos a discutir alguns aspectos
fundamentais da modelagem dos fenômenos não-lineares e discutir alguns dos
principais problemas decorrentes dos mesmos no campo da engenharia oceânica
(objetivos do Capítulo 5).
3.1. Nota Histórica
Raros são os livros didáticos na área de hidrodinâmica que trazem um contexto
histórico da evolução da teoria que trata das ondas de superfície. Este fato talvez
se deva a uma relativa desorganização do processo que levou ao que hoje
entendemos como teoria de ondas de gravidade. De fato, vários cientistas
24 Para uma descrição aprofundada destes fenômenos ondulatórios ver, por exemplo, Phillips
(1966).
Hidrodinâmica I 55
abordaram o tema, desenvolvendo um equacionamento que tem origem
praticamente simultânea com o desenvolvimento da teoria de fluidos ideais,
especialmente a partir do século XVIII, como vimos anteriormente. Muitos dos
trabalhos originais mais importantes, embora contribuam com resultados
fundamentais quanto à modelagem matemática do problema, trazem erros e foram
alvo de controvérsias no meio acadêmico durante muito tempo. Nesta seção
discutiremos alguns aspectos importantes deste desenvolvimento, com a
finalidade de situá-lo no contexto histórico abordado no capítulo anterior. Para os
que tiverem interesse em maiores detalhes, duas excelentes referências são Craik
(2004) e Craik (2005). Ao longo deste capítulo, notas adicionais sobre as origens
da teoria de ondas de superfície serão apresentadas, concomitantemente com o
equacionamento.
Não é de se surpreender que Newton tenha sido pioneiro na tentativa de
elaborar uma teoria matemática de ondas. Em seu Principia (1687), Newton
propôs uma analogia entre as ondas de superfície e o escoamento oscilatório em
um tubo em U. Embora com óbvias limitações, as hipóteses de Newton permitiram
equacionar corretamente a relação entre a freqüência angular (ω) e o comprimento
de onda (λ) na ausência de efeitos de fundo, deduzindo que λω 1∝ . Newton
estava consciente das limitações do modelo que propunha e explicitou que “isto é
verdade na suposição de que as partes de água sobem ou descem em linha reta,
mas, na verdade, este movimento é realizado em um círculo”.
Quase um século depois, já conhecidas as equações propostas por Euler,
Laplace reexaminou o problema das ondas. Foi ele o primeiro a mostrar que o
escoamento induzido pelas ondas é governado pela equação diferencial que hoje
conhecemos como Equação de Laplace. Através de uma descrição “Lagrangiana”
do movimento e denotando por x e z pequenos deslocamentos das partículas na
direção horizontal e vertical, com posição inicial (X;Z), Laplace chega nas
seguintes soluções periódicas:
Hidrodinâmica I 56
cZcZ
cZcZ
eecXtAz
eecXsentAx
//
//
cos)(
)(
−
−
−−=
+=
com z=0 representando o fundo. Já se verifica na dedução de Laplace, portanto, a
variação hiperbólica com a profundidade e as trajetórias elípticas das partículas
fluidas, corretamente satisfazendo a condição de impermeabilidade em Z=0.
Simultaneamente e de forma independente, Lagrange derivou as equações
linearizadas para ondas de pequena amplitude e obteve a solução para o caso
limite de ondas longas em profundidade finita. Para ondas em profundidade finita,
Lagrange descobriu que “a velocidade de propagação das ondas será aquela que
um corpo pesado iria adquirir ao cair de uma altura correspondente à metade da
altura da água no canal”, ou seja, gh .
Conquanto vários trabalhos adicionais tenham sido publicados neste
período, com diferentes graus de sofisticação, o próximo passo significativo na
modelagem adveio de um trabalho publicado por Cauchy25, então com 25 anos de
idade, como resultado de sua participação em um concurso lançado em 1813 pela
Académie de Sciences, do qual saiu vencedor. Poisson26, então um dos juízes do
concurso, depositou um memorial independente sobre o tema. Os trabalhos
apresentavam uma sofisticação matemática muito acima do comum para a época,
o que afastou os leitores e rendeu violentas críticas posteriores, especialmente por
parte dos cientistas ingleses que desenvolveram importantes trabalhos neste
campo ao longo do século XIX. A análise de Cauchy e Poisson empregava
transformadas de Fourier com superposição de infinitos modos estacionários,
cada qual com freqüência própria de oscilação, e aproximações assintóticas para
realizar as integrações. Além dos métodos matemáticos repelirem boa parte dos
25 Cauchy, Agustin-Louis (1789-1857): Matemático francês, famoso pelo rigor empregado em suas
demonstrações, realizou contribuições importantíssimas em diversas áreas da matemática
(análise, teoria das séries, cálculo a variáveis complexas, etc.) e física (óptica, hidrodinâmica,
elasticidade).
Hidrodinâmica I 57
leitores, alguns resultados físicos, decorrentes de fato do caráter dispersivo das
ondas de gravidade, eram contrários à intuição, o que colaborou ainda mais para
as críticas negativas. Todavia, embora trouxesse algumas inconsistências, a
análise de Cauchy-Poisson é hoje tida como um importante marco da teoria
matemática de problemas de valor inicial.
A partir da primeira metade do século XIX, grandes contribuições à teoria
de ondas de superfície foram dadas por pesquisadores ingleses. Seguindo a
tradição empirista britânica, estes trabalhos foram orientados por importantes
experimentos científicos realizados em tanques de provas, dentre os quais
aqueles realizados por Russell27. Os experimentos de Russell ficaram famosos por
sua descoberta da onda solitária (solitary wave), à qual chamou (com certo
exagero, como depois escreveria Airy28) de “The Great Primary Wave”.
Dentre os importantes trabalhos desta época estão os de Green29, Airy e,
finalmente, Stokes30. Mais uma vez, intensas disputas acadêmicas em torno da
teoria foram travadas na época (ver Craik (2004), para maiores detalhes). Em seu
trabalho “On the motion of waves in a variable canal of small depth and width”, de
1838, Green apresenta provavelmente a primeira aplicação do que hoje
26 Poisson, Siméon Denis (1781-1840): físico-matemático francês com inúmeros trabalhos
fundamentais em matemática pura e aplicada, física-matemática e mecânica. 27 Russell, John Scott (1808-1882): Nascido em Glasgow, lecionou matemática e filosofia natural
na Universidade de Edimburgo. Posteriormente, trabalhou como engenheiro naval, função na qual
realizou diversos ensaios em canais. 28 Airy, Sir George Biddell (1801-1892): Astrônomo britânico, fez importantes contribuições à teoria
de ondas. 29 Green, George (1793-1841): matemático britânico; seu trabalho mais importante “An Essay on
the Applications of Mathematical Analysis to the Theories of Electricity and Magnetism” (1828),
introduz vários conceitos importantes, entre eles a idéia de funções potenciais e a classe de
funções que hoje recebe seu nome. 30 Stokes, George Gabriel (1819-1903): físico-matemático irlandês, Stokes lecionou durante muito
tempo na Universidade de Cambridge, período no qual publicou seus mais importantes trabalhos.
Considerado um dos cientistas mais importantes de seu tempo, tem contribuições fundamentais
em mecânica dos fluidos (entre elas, as equações de Navier-Stokes), óptica e física-matemática
(incluindo o teorema hoje conhecido como Teorema de Stokes).
Hidrodinâmica I 58
conhecemos como “Método de Escalas Múltiplas” ao problema de ondas e prova
que, em profundidade infinita, as trajetórias das partículas fluidas são círculos com
raios que decaem exponencialmente com a profundidade (muito embora esse
resultado pudesse ter sido facilmente obtido a partir do equacionamento proposto
muito tempo antes por Laplace). Embora seu maior interesse fosse na teoria das
marés, Airy trabalhou também sobre o problema de ondas em um canal, provando
a forma elíptica das trajetórias em profundidade finita e deduzindo corretamente a
relação de dispersão de ondas neste caso. Além disso, Airy afirmou
categoricamente que “...provided it be long in proportion to the depth of the fluid,
the wave can, when moving freely, have no other velocity than gh ...but Mr.
Russel was not aware of the influence of the length of the wave in any case and
therefore has not given it…”. Isto, combinado com sua crítica à importância
desproporcional dada por Russel à onda solitária, iniciou uma longa disputa entre
os dois pesquisadores.
Os trabalhos mais importantes de Airy foram publicados quando Stokes
começava seus estudos sobre ondas. Sem dúvida, os trabalhos posteriores de
Stokes estão entre os mais influentes na história da teoria de ondas de superfície,
tendo sido ele, por exemplo, quem formalizou de forma definitiva o
equacionamento de ondas irregulares através da somatória de componentes
harmônicas. Stokes também introduziu importantes avanços com relação à
modelagem não-linear de ondas e seus resultados voltarão a ser discutidos no
Capítulo 5. Um histórico bastante completo da trajetória científica de Stokes pode
ser encontrado em Craik (2005).
3.2. O Problema de Contorno: Ondas Planas Progressivas
Revisaremos, deste ponto em diante, os principais aspectos da chamada
Teoria Linear de Ondas de Gravidade, com a qual o aluno já teve um primeiro
contato nas disciplinas de graduação do curso de Engenharia Naval. Estudaremos
inicialmente o problema mais simples, referente a uma onda plana progressiva,
cuja solução constitui a base para a modelagem estatística das ondas do mar que
Hidrodinâmica I 59
discutiremos mais adiante. Este problema está ilustrado, esquematicamente, na
figura abaixo.
Figura 14 – Onda plana progressiva em região de profundidade h
A onda, neste caso, se caracteriza por sua amplitude A (ζa na figura), pelo seu
comprimento λ e seu período de oscilação T. A elevação da superfície é descrita
pela relação z = ζ(x,t). A partir destes parâmetros básicos, podemos definir outros
que serão importantes para a compreensão do problema. Assim, podemos definir
a freqüência angular da onda ( Tπω 2= ) e o chamado número de onda
( λπ2=k ).
A velocidade de fase (ou velocidade de propagação) da onda é a velocidade
de movimento das cristas e cavas e é, obviamente, definida por:
T
c λ= (3.1)
A altura de onda (H) é definida pela altura entre a crista e a cava da onda e sua
declividade (wave steepness, em inglês) é dada por H/λ.
No contexto da teoria potencial, o problema consiste em determinar o potencial
de velocidades φ(x,z,t) do escoamento induzido por este campo ondulatório. Uma
vez conhecido tal potencial, o campo de velocidades no fluido estará definido,
assim como o campo de pressões, através da Equação de Bernoulli na sua forma
(2.7). Discutiremos, a seguir, a formulação do problema de contorno e sua solução
mais simples, que dá origem à chamada teoria linear de ondas.
Hidrodinâmica I 60
Condição de Continuidade e Equação de Laplace
Como vimos anteriormente, no contexto da teoria potencial toda a dinâmica
do fluido resulta da imposição da condição de conservação de massa. Assim, a
equação básica a ser satisfeita é a equação de Laplace:
02
2
2
2
2
2
=⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛∂∂
+∂∂
+∂∂
=∆zyxφφφφ
No caso em estudo, temos: 0=∂∂ yφ e 022 =∂∂ yφ . Assim, no problema
plano:
02
2
2
2
=⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛∂∂
+∂∂
=∆zxφφφ (3.2)
Procuramos uma solução que resulte em uma oscilação harmônica do
potencial em x e no tempo e sabemos que a perturbação causada pela onda decai
à medida que nos afastamos da superfície. Tais aspectos físicos naturalmente nos
induzem a procurar uma solução da forma31:
(3.3) ])(Re[),,( tiikxezPtzx ωφ +−=
Substituindo (3.3) na equação de Laplace, resulta a seguinte equação
diferencial ordinária de segunda-ordem:
0)()( 22
2
=−∂
zPkz
zPd ,
a qual deve ser satisfeita em todo o domínio fluido. A solução mais geral desta
equação é dada em termos de funções exponenciais:
(3.4) kzkz eCeCzP −+= 21)(
31 Podemos descrever a solução em termos reais como )()(),,( tkxsenzPtzx ωφ −= , bastando
lembrar que: . Todavia, nos interessa manter a notação complexa, pois
esta será importante no tratamento do problema de comportamento no mar, que será discutido no
capítulo 5.
)()cos( ααα isenei +=
Hidrodinâmica I 61
com constantes C1 e C2 a serem determinadas. Portanto, a solução geral da
equação de Laplace com uma função da forma (3.3) resulta:
(3.5) ])Re[(),,( 21tiikxkzkz eeCeCtzx ωφ +−−+=
As duas constantes ainda indefinidas presentes na solução, cujos valores a
particularizam, dependerão, então, das condições de contorno do problema. O
contorno em questão é dado pelo fundo e pela própria superfície-livre z = ζ(x,t). A
seguir, discutiremos as condições físicas a serem impostas nestas fronteiras.
A Condição de Contorno no Fundo
Naturalmente, a condição de contorno a ser imposta no fundo é a condição
de impermeabilidade desta fronteira (z=-h), que se expressa por:
0=∂∂
zφ em z=-h (3.6)
e, substituindo (3.5) em (3.6), temos:
021 =−− khkh eCeC
condição satisfeita se: kheCC 21 = e kheCC −= 22
Portanto, a função P(z) dada em (3.4) pode ser reescrita na forma:
)(cosh)(2
)( )()( hzkCeeCzP hzkhzk +=+= +−+
e o potencial de velocidades resulta, então:
(3.7) ])(coshRe[),,( tiikxehzkCtzx ωφ +−+=
restando, ainda, a determinação de C.
Condição de Contorno Dinâmica na Superfície-Livre
A própria natureza da superfície-livre exigirá duas condições a serem
impostas. A primeira, chamada de condição dinâmica, garante que a pressão
hidrodinâmica na superfície seja igual à pressão atmosférica, ou seja p=p0 para
Hidrodinâmica I 62
z=ζ. Assim, sobre a superfície-livre, a equação de Bernoulli para escoamentos
não-permanentes (2.7), implicará:
021 02 =
−−=+∇+
∂∂
ρζφφ pp
gt
(3.8)
É possível mostrar, através de um argumento de escala, que na hipótese
de ondas de pequena declividade ( 1/ <<λA ou, alternativamente, ), o
termo quadrático na velocidade é desprezível face ao termo linear
1<<kA
t∂∂ /φ , pois32:
1)(/
2
<<=∂∂
∇ kAOtφ
φ
Como primeira etapa da linearização do problema, podemos desprezar o
termo quadrático na condição dinâmica, cuja forma linear resulta então:
tg ∂
∂−=
φζ 1
A rigor, a condição acima deveria ser imposta sobre a superfície z=ζ, a qual
não é conhecida a priori, o que, de fato, constitui outra fonte de não-linearidade do
problema. Todavia, é fácil notar que, de forma consistente com a linearização
proposta acima, podemos adotar, com erros da mesma ordem:
tg ∂
∂−=
φζ 1 em z=0 (3.9)
Dada a variação harmônica no espaço e no tempo assumida para o
potencial de velocidades (eq. 3.3), a condição (3.9) implica em uma oscilação
também harmônica da superfície-livre, a qual, então, pode ser admitida da forma:
)cos(),( tkxAtx ωζ −= (3.10)
Assim, substituindo (3.7) em (3.9) e observando (3.10) obtemos, finalmente:
kh
igACcoshω
=
O potencial de velocidades do escoamento resulta, então:
)(cosh
)(coshcosh
)(coshRe),,( tkxsenkh
hzkgAekh
hzkigAtzx tiikx ωωω
φ ω −+
=⎥⎦⎤
⎢⎣⎡ +
= +− (3.11)
32 A demonstração fica como exercício.
Hidrodinâmica I 63
Observando (3.11), é fácil notar que, no limite de profundidade infinita
( ), o potencial de velocidades é dado simplesmente por: ∞→h
)(Re),,( tkxsenegAeeigAtzx kztiikxkz ωωω
φ ω −=⎥⎦⎤
⎢⎣⎡= +− (3.12)
Neste ponto, aparentemente a solução está completa, mas, como veremos,
há ainda uma restrição adicional que traduz uma característica extremamente
importante da física das ondas de gravidade.
Condição de Contorno Cinemática na Superfície-Livre
Devemos garantir a compatibilidade entre a velocidade do fluido ( φ∇ ) e a
velocidade da superfície. Para isso, observemos que a superfície é descrita por
z=ζ(x,t) e, portanto:
dtdx
xtdtdz
∂∂
+∂∂
=ζζ em z=ζ
A referida compatibilidade cinemática implica, então, que:
xxtz ∂
∂∂∂
+∂∂
=∂∂ φζζφ em z=ζ
mas, de acordo com a hipótese de pequena declividade, o segundo termo na
equação acima é pequeno comparado com o primeiro33 e, dessa forma, podemos
desprezar este termo de segunda-ordem, resultando:
tz ∂
∂=
∂∂ ζφ em z=0 (3.13)
No contexto da teoria linear, a condição cinemática (3.13) pode ser
combinada com a condição dinâmica (3.9) para fornecer uma condição de
contorno única na superfície, conhecida como condição de Cauchy-Poisson:
33 Observar que )/( λζ AOx =∂∂
Hidrodinâmica I 64
012
2
=∂∂
+∂∂
tgtz φ em z=0
ou, alternativamente:
02
2
=∂∂
+∂∂
zg
tφφ em z=0 (3.14)
Substituindo a solução (3.11) na identidade acima, decorre uma relação
entre a freqüência ω e o número de onda k na forma:
khg
ktanh
2ω= (3.15)
que é conhecida como relação de dispersão de onda.
Analogamente, substituindo (3.12) em (3.14) ou observando que
quando , obtém-se a relação de dispersão em águas
profundas:
1tanh →kh ∞→kh
g
k2ω
= (3.16)
A relação de dispersão impõe, então, uma relação entre o comprimento de
onda e seu período de oscilação. Em termos da velocidade de propagação da
onda, (3.15) implica que:
khkg
kTc tanh===
ωλ (3.16)
e, portanto, a velocidade de fase da onda cresce com seu comprimento. Essa
dependência da velocidade de propagação na freqüência (e, portanto, no
comprimento de onda), mostra que ondas de diferentes freqüências se propagarão
com velocidades diferentes. Assim, se em um dado momento verificamos um mar
no qual identificamos uma superposição de ondas de diferentes freqüências
(característico de um mar em uma região de tempestades), com o passar do
tempo, à medida que estas ondas se afastam da região de geração, as diferentes
“componentes” do mar tendem a se dispersar, formando zonas mais homogêneas,
Hidrodinâmica I 65
com períodos e comprimentos bem definidos (situação conhecida como swell)34.
Daí dizermos que as ondas de gravidade são ondas dispersivas.
Através de (3.16), podemos também avaliar a influência da profundidade
sobre a velocidade de propagação e estudar os seus limites assintóticos em águas
profundas e águas rasas.
Em águas profundas, a velocidade de fase é dada por:
Tkgc 56.125.1 ≅≅= λ
Já no limite de águas rasas ( ) a velocidade de propagação será
(como já observara Airy em sua contenda com Russel) necessariamente:
0→kh
ghc =
indicando que, neste limite, as ondas não mais serão dispersivas. A esta
velocidade se dá o nome de velocidade crítica de propagação. De fato, (3.16) já
mostra que, à medida que a onda caminha para regiões de menor profundidade,
sofre uma desaceleração. Essa dependência da velocidade de propagação na
profundidade dá origem ao fenômeno de refração de ondas, que voltaremos a
discutir mais adiante.
Campo de velocidades e campo de pressões
Uma vez determinado o potencial de velocidades do escoamento, conhece-
se a cinemática das partículas fluidas e, através da equação do movimento, o
campo de pressões no fluido.
O campo de velocidades no fluido é dado por:
ktzxwitzxutzxtzxvrrr ),,(),,(),,(),,( +=∇= φ
com as componentes de velocidade, no caso mais geral de profundidade finita, na
forma:
34 Isso explica porque os marinheiros experientes interpretam um swell como sinal de aproximação
de uma tempestade.
Hidrodinâmica I 66
)sin(
sinh)(sinh),,(
)cos(sinh
)(cosh),,(
tkxkh
hzkAtzxw
tkxkh
hzkAtzxu
ωω
ωω
−+
=
−+
= (3.17)
A variação espacial deste campo de velocidades é ilustrada na figura
abaixo, que deve ser entendida como um “retrato” do campo em um determinado
instante de tempo.
Figura 15 – Campo de velocidades do escoamento em profundidade finita
É fácil verificar que no limite de profundidade infinita o campo de
velocidades resulta:
(3.18) )sin(),,()cos(),,(
tkxAetzxwtkxAetzxu
kz
kz
ωω
ωω
−=
−=
demonstrando que, na ausência de efeitos de fundo, a velocidade do escoamento
(e, como veremos, o campo de pressões dinâmicas) decai exponencialmente com
a profundidade, como ilustrado abaixo:
Figura 16 – Campo de velocidades do escoamento em profundidade infinita
Hidrodinâmica I 67
As trajetórias descritas pelas partículas fluidas podem ser facilmente
obtidas observando que, no contexto de pequena declividade da onda (pequenos
deslocamentos das partículas fluidas), podemos aproximar a equação da trajetória
integrando no tempo os campos de velocidade (3.17) e (3.18) em torno da posição
média de cada partícula ( xx ≈ ; zz ≈ ).
Assim, em profundidade finita, podemos escrever:
1
sinh)(sinh
)(
sinh)(cosh
)(2
2
2
2
=
⎟⎠⎞
⎜⎝⎛ +
−+
⎟⎠⎞
⎜⎝⎛ +
−
khhzkA
zz
khhzkA
xx
indicando que, no contexto da teoria linear de ondas, as trajetórias das partículas
fluidas em profundidade finita correspondem a órbitas elípticas, cujos semi-eixos
verticais decaem mais rapidamente com a profundidade, até o limite em que
resultam nulos sobre o fundo ( hz −= ). Na superfície-livre ( 0=z ), o semi-eixo
vertical equivale à amplitude da onda. Estas trajetórias são esquematizadas na
figura a seguir.
Figura 17 – Trajetórias das partículas em profundidade finita
Em profundidade infinita, por sua vez, as trajetórias correspondem a órbitas
circulares, cujo raio decai exponencialmente com a profundidade:
222 )()()( zkAezzxx =−+−
A figura abaixo ilustra as trajetórias neste limite:
Hidrodinâmica I 68
Figura 18 – Trajetórias das partículas em profundidade infinita
O campo de pressões no fluido é obtido mediante a aplicação da equação
de Bernoulli para escoamentos irrotacionais não-permanentes (eq. 2.7). Todavia,
para sermos consistentes com a linearização empregada, devemos desprezar o
termo não-linear nas velocidades (proporcional a ) e, dessa forma, obtemos o
chamado campo de pressões linear, dado por:
2φ∇
)cos(cosh
)(cosh),,( tkxkh
hzkgAgztzxp ωρρ −+
+−= (3.19)
ou, no caso de profundidade infinita:
(3.20) kzkz etxggztkxgAegztzxp ),()cos(),,( ζρρωρρ +−=−+−=
Nas expressões (3.19) e (3.20), o primeiro termo corresponde à parcela
hidrostática da pressão e o segundo à chamada parcela de pressão dinâmica. No
estudo de comportamento mar, a ação desta parcela dinâmica de pressão será
responsável pelas chamadas forças de excitação de ondas de primeira-ordem35.
Retornaremos a este ponto no Capítulo 4.
35 Uma discussão sobre as forças de excitação de segunda-ordem é alvo do Capítulo 6. Dentre
estas forças encontram-se, por exemplo, as chamadas forças de deriva, extremamente importantes
na análise dinâmica de sistemas oceânicos.
Hidrodinâmica I 69
3.3. Energia
As ondas de gravidade decorrem de um balanceamento entre a energia
cinética e a energia potencial do fluido. A definição da energia de onda e da
velocidade com a qual essa energia é transportada é importante, por exemplo, no
estudo de resistência ao avanço de embarcações.
No caso geral, em um certo volume de fluido pré-definido (∀), a energia
total será dada pela soma das parcelas cinética (K) e potencial (P), na forma:
∀⎟⎠⎞
⎜⎝⎛ +∇⋅∇=+ ∫∫∫
∀
dgzPK φφρ21 (3.21)
Consideremos agora uma coluna vertical que se estende do fundo à
superfície-livre, de forma que a área da superfície-livre média (z=0) delimitada por
esta coluna seja unitária. A densidade de energia ou energia por unidade de área
da superfície-livre média será dada por:
)(21
21
21 22 hgdzdzgzPKE
h h
−+∇⋅∇=⎟⎠⎞
⎜⎝⎛ +∇⋅∇=+= ∫ ∫
− −
ζρφφρφφρζ ζ
Deve-se observar, no entanto, que o termo de energia potencial dado por
corresponde a uma parcela de energia constante entre o fundo e a superfície
média e, portanto, não está relacionado ao movimento ondulatório, razão pela qual
será desconsiderado doravante.
22/1 ghρ
Retomando o problema mais simples de uma onda plana progressiva em
profundidade infinita, podemos considerar o campo de velocidades ( φ∇ ) cujas
componentes são dadas por (3.18) e proceder à integração do termo de energia
cinética, resultando:
2222
21
4ζρρω ζ ge
kAE k += (3.22)
Podemos simplificar a expressão acima notando que, no contexto da teoria
linear, temos necessariamente 1<<ζk e, portanto, o termo exponencial na parcela
cinética pode ser considerado unitário. Além disso, empregando a relação de
dispersão em águas profundas (3.16) e a equação da superfície (3.10), podemos
reescrever (3.22) na forma:
Hidrodinâmica I 70
)(cos21
422
2
tkxgAgAE ωρρ−+=
É interessante tomarmos o valor médio da energia ( E ) no decorrer de um
período de onda36 (T) e, neste caso, chega-se a:
222
21
44gAgAgAE ρρρ
=+= (3.23)
Seguindo procedimento análogo, é possível mostrar que a equação (3.23)
vale também para o caso mais geral de ondas em profundidade finita (a
demonstração fica como exercício) e, portanto, que a energia média de onda se
divide igualmente entre as parcelas cinética e potencial.
Podemos analisar também a velocidade com que a energia média de onda
é transportada à medida que a onda se propaga. Para tanto, determinaremos o
trabalho realizado pelo fluido. A figura abaixo mostra um plano vertical AA’
perpendicular à direção de propagação da onda. Consideraremos um elemento
desse plano com largura unitária e altura dz (destacado na figura):
Figura 19 – Transporte de Energia
36 dtET
ETt
t∫+
=1
Hidrodinâmica I 71
O trabalho realizado pelo fluido que passa por este elemento é dado pelo
produto entre a força e a distância, ou seja:
)..(.1. dtudzpdW =
e, portanto, o trabalho médio realizado em um período de onda, ou a potência, é
dada por:
dtpudzT
WTt
t h∫ ∫+
−
=01
já considerando que a parcela entre z=0 e z=ζ pode ser desprezada no contexto
da teoria linear de ondas. Empregando (3.19) e (3.17), a expressão acima resulta:
dtdztkxzhk
khkhTAkg
dtdztkxzhkzkhT
AkgW
Tt
t h
Tt
t h
∫ ∫
∫ ∫+
−
+
−
−++
+−+−=
022
22
02
)(cos)(coshcoshsinh
)cos()(coshsinh
ωω
ρ
ωωρ
(3.24)
É fácil perceber, no entanto, que o primeiro termo de (3.24) resulta nulo e
observando que:
hkhk
dzzhkh 2
12sinh41)(cosh
02 +=+∫
−
chega-se a:
⎟⎠⎞
⎜⎝⎛ += hkh
kkhgAW
212sinh
41
2sinh
2ωρ
ou ainda, em termos da velocidade de fase ( kc ω= ):
⎟⎠⎞
⎜⎝⎛ +=
khkhcgAW2sinh
2122
1 2ρ (3.25)
Velocidade de Grupo
A potência média realizada em um ciclo de onda (3.25) pode ser também
escrita em termos da energia média:
gcEW =
Hidrodinâmica I 72
onde cg representa a velocidade com que a energia se propaga e é chamada
velocidade de grupo (group velocity)37.
No caso mais geral de profundidade finita, a velocidade de grupo é,
portanto, dada por:
⎟⎠⎞
⎜⎝⎛ +=
khkhccg 2sinh
212
(3.26)
Os limites assintóticos são fáceis de se verificar:
i) Em profunidade infinita ( ∞→kh ), a velocidade de grupo é metade da
velocidade de fase: 2ccg =
ii) No limite de águas rasas , a velocidade de grupo coincide com
a própria velocidade de fase:
)0( →kh
ccg =
Voltaremos a discutir o conceito de velocidade de grupo mais adiante, na
seção (3.5). Antes, contudo, discutiremos efeitos interessantes que ocorrem
quando ondas planas progressivas se propagam em regiões de profundidade
variável.
3.4. Efeitos de Profundidade Variável
Até o momento, a teoria apresentada considerou o problema de ondas em
profundidade constante. Estudaremos, agora, os efeitos previstos pela teoria linear
quando a onda se propaga em um local no qual a profundidade varia de forma
considerável em relação ao comprimento de onda. Talvez o exemplo mais claro
deste tipo de situação sejam as ondas que chegam a uma praia, provenientes de
alto-mar. Todavia, no caso de profundidade variável, o período de onda (e,
37 A razão desta denominação ficará mais clara quando discutirmos a superposição de ondas, mais
adiante.
Hidrodinâmica I 73
portanto, sua freqüência) é a única propriedade que se mantém inalterada. Alguns
fenômenos importantes como variações na velocidade de fase e velocidade de
grupo podem ser inferidas a partir da teoria já apresentada nas seções
precedentes. Nesta seção, discutiremos aspectos importantes referentes a
variações na altura de onda e no movimento do fluido e o chamado fenômeno de
refração de ondas.
Variações na Altura de Onda e no Movimento das Partículas Fluidas
A variação na altura de onda (H) induzida por variações de profundidade
pode ser inferida considerando-se o princípio de conservação da energia de onda.
Assim, tomemos o exemplo ilustrado abaixo de uma onda que se propaga de uma
região de grande profundidade para um local (praia) de profundidade decrescente.
hh
Figura 20 – Propagação de Ondas em Profundidade Variável
Suponhamos dois planos verticais perpendiculares à frente de ondas, o
primeiro ainda em profundidade infinita e o segundo em uma profundidade
genérica h. Sabemos que a energia de onda entre os dois planos verticais deve
ser conservada e, portanto, os fluxos de energia através dos dois planos verticais
devem ser iguais. Assim, empregando o sub-índice “∞” para indicar as
propriedades da onda em profundidade infinita, podemos escrever:
Wkh
khcgAc
gAW =⎟⎠⎞
⎜⎝⎛ +== ∞
∞∞ 2sinh21
221
221 22 ρρ
Hidrodinâmica I 74
e, assim:
⎟⎠⎞
⎜⎝⎛ +
== ∞
∞∞
khkhc
cHH
AA
2sinh21
1
ou, a partir das relações (3.16) e após alguma álgebra, pode-se escrever:
⎟⎠⎞
⎜⎝⎛ +
==∞∞
khkhkhH
HAA
2sinh21tanh
1 (3.27)
Além da variação na altura de onda, podemos inferir as variações na
trajetória e velocidade das partículas fluidas. De fato, é fácil verificar a partir das
equações (3.17) e (3.18) que as relações entre as amplitudes das componentes
de velocidade das partículas fluidas na superfície média (z=0) são dadas por:
∞∞
∞∞
===
===
AA
zwzw
khkh
AA
zuzu
)0()0(
sinhcosh
)0()0(
(3.28)
Percebe-se, portanto, que, enquanto a velocidade vertical aumenta na
proporção da altura de onda, a velocidade horizontal sofre um acréscimo muito
mais significativo à medida que a profundidade de onda diminui. Isso traduz,
obviamente, um alongamento horizontal das trajetórias à medida que a onda se
propaga para regiões de menor profundidade. Esse efeito é ilustrado na figura
abaixo, que mostra as variações nas trajetórias para uma onda de comprimento
m100=∞λ para diferentes valores de profundidade:
Figura 21 – Efeitos de profundidade sobre as trajetórias das partículas fluidas
Hidrodinâmica I 75
A figura a seguir apresenta as variações de altura de onda (3.27) e
velocidade horizontal (3.28) em função do parâmetro adimensional ∞λh .
Profundidade adimensional ∞λh
Figura 22 – Efeitos de profundidade sobre a altura de onda e velocidade do fluido
Algumas conseqüências práticas importantes podem ser discutidas à luz
dos resultados apresentados acima. Inicialmente, observamos que a altura de
onda aumenta à medida que a profundidade diminui. Ao mesmo tempo, porém,
sabemos que o comprimento de onda sofre uma redução, acompanhando a
redução na velocidade de fase da onda, uma vez que khtanh=∞λλ .38
Conseqüentemente, a declividade da onda aumenta conforme a profundidade
diminui. Há um limite de estabilidade da onda caracterizado por um valor máximo
de declividade, observável experimentalmente, acima do qual a onda irá
“quebrar”39. Nesse limite, obviamente, efeitos não-lineares se tornam importantes,
fugindo do contexto da teoria linear. No entanto, os resultados acima identificam
38 Podemos entender o que ocorre à medida que as ondas atingem a praia como uma
“compactação” do trem de ondas, com conseqüente aumento de altura em função da conservação
da energia de ondas. 39 Em águas profundas, esse limite é dado aproximadamente por 14.0=λH
Hidrodinâmica I 76
os fenômenos físicos principais que explicam, por exemplo, o comportamento das
ondas do mar que incidem sobre uma praia.
É interessante notar ainda que variações significativas na altura de onda só
são previstas para profundidades muito baixas, tipicamente para 06.0<∞λh e,
dessa forma, essa variação é de pouco interesse no contexto da engenharia naval
e oceânica, muito embora seja importante, por exemplo, para a área de
engenharia costeira. Por outro lado, a variação na velocidade horizontal do
escoamento é mais significativa e encontra aplicações importantes no estudo de
forças hidrodinâmicas sobre plataformas fixas em regiões de baixa profundidade,
por exemplo.
Por fim, os resultados da figura acima atestam, de forma gráfica, que os
efeitos de profundidade sobre o campo de velocidades do escoamento e sobre o
perfil da onda são de fato desprezíveis para 5.0>λh , valor usualmente
empregado como limite de validade da hipótese de profundidade infinita.
O Fenômeno de Refração de Ondas
Suponhamos o caso de um trem de ondas planas que incide obliquamente
sobre uma praia de batimetria uniforme, ilustrado na figura abaixo.
praia
h1h2h3
cristasdireção da onda
praia
h1h2h3
cristasdireção da onda
Figura 23 – Onda incidindo obliquamente em praia de batimetria uniforme
Hidrodinâmica I 77
Como a velocidade de fase (que caracteriza a velocidade das cristas)
diminui com a profundidade, as regiões das cristas localizadas em maior
profundidade se moverão com velocidades maiores do que aquelas em
profundidades menores. Assim, o trem de ondas experimentará uma rotação,
alterando a sua direção à medida que a onda se aproxima e tendendo a incidir
paralelamente à linha da praia. A esse fenômeno de variação da direção do trem
de ondas dá-se o nome de refração40. Esse fenômeno explica, portanto, a
tendência que observamos de as ondas incidirem de forma mais ou menos
paralela à praia, independentemente da direção de propagação em alto mar.
3.5. Superposição de Ondas Planas
O princípio de superposição de ondas pode ser aplicado, por exemplo, para
modelar o problema de reflexão de ondas. O caso mais simples é o de uma onda
plana com amplitude A e freqüência ω que incide sobre uma parede vertical. Essa
parede reflete integralmente a energia de onda incidente. Nesse caso, portanto, o
sistema de ondas final será composto por duas componentes harmônicas de
mesma freqüência, mas que se propagam em direções opostas:
tkxAtkxAtkxAtx ωωωζ coscos2)cos()cos(),( =++−= (3.29)
e o potencial, no caso de águas profundas, será dado por:
tkxegAtzx kz ωω
φ sincos2),,( −= (3.30)
Percebe-se, assim, que a onda gerada na superfície através da superposição
das ondas incidente e refletida terá amplitude máxima igual ao dobro da amplitude
40 Do latim “re-frangere”, que significa “mudar de direção”.
Hidrodinâmica I 78
de onda incidente. Além disso, esta onda não se caracteriza como uma onda
progressiva, sendo conhecida como “onda estacionária” (em inglês, standing
wave). É fácil verificar que existem infinitos pontos na superfície
,..5,3,1;21 == n
knx π nos quais a amplitude de onda é sempre nula no decorrer do
tempo. Estes pontos, assim como os pontos de amplitude máxima, são fixos no
tempo e daí decorre a denominação “onda estacionária”. A figura abaixo
apresenta uma superposição de fotografias de uma onda estacionária obtida em
tanque de provas. É interessante observar que as trajetórias das partículas fluidas
de uma onda estacionária não correspondem a órbitas fechadas como no caso de
ondas progressivas.
Figura 24 – Movimento do Fluido sob uma Onda Estacionária. (fonte: Newman,1977)
Em engenharia naval este tipo de onda surge, por exemplo, no movimento do
líquido contido no interior de tanques de embarcações parcialmente cheios,
fenômeno conhecido como sloshing, embora, neste caso, efeitos de profundidade
finita devam ser incorporados. Ondas estacionárias também se podem se fazer
presentes em moonpools de sistemas oceânicos.
No caso de ondas que incidem sobre uma praia (a qual absorverá parte da
energia de onda incidente) ou sobre um navio (o qual irá refletir parcialmente a
energia de onda, permitindo a transmissão da energia restante), a amplitude da
onda refletida será reduzida. A razão entre a amplitude de onda refletida e a
amplitude de onda incidente (A) define o chamado coeficiente de reflexão (CR).
Hidrodinâmica I 79
Assim, no caso bidimensional, o campo de ondas composto pela onda incidente e
pela onda refletida pode ser escrito41:
(3.31) ]Re[),( tiikxR
tiikx eCeAtx ωωζ ++− +=
Em um tanque de provas, quer seja ele dotado de absorção passiva (praia)
ou de algum sistema ativo de absorção de ondas, é comum a presença de ondas
refletidas nas próprias extremidades do tanque ou por um modelo presente no
tanque. Geralmente essas ondas são de pequena amplitude e se fazem notar na
forma de uma modulação de amplitude do campo de ondas incidente. De fato,
(3.11) pode ser reescrita na forma:
(3.32) )]1(Re[),( 2kxiR
tiikx eCeAtx += +− ωζ
onde o termo entre parênteses denota a variação de amplitude, que oscila em x
com metade do comprimento de onda incidente (ou com o dobro do número de
onda). Com o auxílio de (3.32), o coeficiente de reflexão de ondas regulares de um
tanque de provas pode então ser medido através da monitoração da amplitude de
onda em dois ou mais pontos ao longo da direção de propagação.
Através da superposição de ondas podemos também realizar uma
interpretação alternativa do conceito de velocidade de grupo. Imaginemos, então,
a superposição de duas ondas harmônicas de mesma amplitude e com
freqüências próximas δωω ± e correspondentes números de onda kk δ± , as
quais se propagam na mesma direção, sendo que 1<<ωδω (e, portanto,
1<<kkδ ). A elevação da superfície será dada por:
])()cos[(])()cos[(),( txkkAtxkkAtx δωωδδωωδζ −−−++−+=
e a expressão acima pode ser reescrita na forma:
)cos(2),()cos(),(),(
tkxAtxtkxtxtx
δωδςωςζ
−=−=
(3.33)
41 Adotaremos a notação complexa, pois a fase da onda refletida pode ser diferente de zero e,
nesse caso, o coeficiente de reflexão assume valores complexos.
Hidrodinâmica I 80
A função ),( txς é uma função de modulação, conhecida como envoltória,
cujo período δωπ2 e comprimento de onda kδπ2 são muito maiores do que os
respectivos períodos e comprimentos das componentes harmônicas que se
sobrepõem. Para ilustrar tal modulação, a figura da página seguinte apresenta a
elevação da superfície para o caso em que A=1, 1=ω e 201=ωδω , em
diferentes instantes de tempo (verifique que, para 1<<ωδω , ωδωδ 2≅kk ). O
perfil apresentado é conhecido como batimento e é típico das ondas observadas
na superfície do mar. Na figura (a) estão indicados os comprimentos das
componentes harmônicas (aproximadamente kπ2 ) e da modulação ( kδπ2 ).
Sabemos que as velocidades de fase das duas componentes
harmônicas são praticamente iguais e podem ser dadas, aproximadamente, por
kc ω= . Todavia, a envoltória se propaga com uma velocidade kcg δδω= , a qual,
no limite em que 0→kδ , pode ser definida como:
dkdcg
ω= (3.34)
A velocidade de grupo, portanto, corresponde também à velocidade com
que o “pacote” ou grupo de ondas se propaga (daí seu nome). Para ilustrar este
fato, na figura abaixo estão indicados dois pontos: o ponto denotado por ‘o’ se
desloca no tempo com a velocidade de grupo do sistema, enquanto o ponto
denotado por ‘∗’ se propaga com a velocidade de fase da onda. Percebe-se que
as componentes de onda se movem mais rapidamente, se deslocando através dos
“pacotes” de onda.
Hidrodinâmica I 81
0 100 200 3-4
-3
-2
-1
0
1
2
3
4t=0 s
0 100 200 3-4
-3
-2
-1
0
1
2
3
4
0 100 200 3-4
-3
-2
-1
0
1
2
3
4
)
Figura 25 – Composição de ondas d
2π/k
2π/δk00 400 500 600x1
00 400 500 600x1
t=15 s
00 400 500 600x1
t=45 s
e freqüências próximas em dtempo
ζ(x,t
700 800
700 800
700 800
iferentes instantes de
Hidrodinâmica I 82
Algumas observações interessantes podem ser feitas a partir dos
resultados acima: A figura a seguir, extraída de Newman (1977), apresenta um
conjunto de imagens seqüenciais de um trem de ondas gerado em tanque de
provas. O eixo das abscissas representa a posição ao longo do tanque. Cada
imagem representa uma “fotografia” da superfície do tanque em um determinado
instante de tempo, avançando no sentido vertical (de cima para baixo). As ondas
se propagam da esquerda para a direita (batedor de ondas à esquerda). A
profundidade do tanque é suficiente para que se desconsiderem efeitos de fundo.
Figura 26 – Velocidade de Fase e Velocidade de Grupo (fonte:Newman,1977)
As duas linhas indicadas como “group velocity” indicam o deslocamento da
frente de onda e do final do trem de onda, como vistos no tanque, os quais se
movem com a velocidade de grupo da onda. A linha indicada por “phase velocity”
acompanha o deslocamento de uma crista de onda, que, obviamente, se propaga
com a velocidade de fase. Como a velocidade de fase é maior do que a
velocidade de grupo, o que ocorre é que as cristas de onda parecem “morrer” na
Hidrodinâmica I 83
frente do trem de ondas, enquanto ondulações surgem na superfície ao final do
mesmo.
Um outro ponto interessante: os períodos típicos das ondas do mar se situam
por volta de 4 a 12 segundos. O período das ondas representado nas figuras da
página anterior é de 6.28 segundos, portanto típico. Os surfistas costumam ter
como regra a afirmação de que, em um swell, “uma onda grande chega a cada
três ondas”. De fato, tal regra empírica apresenta uma certa consistência com a
teoria, o que pode ser confirmado ao se observar os batimentos apresentados
anteriormente.
Por fim, cabe destacar que a superposição de ondas harmônicas em seu caso
mais geral, com componentes de diferentes amplitudes, freqüências e, muitas
vezes, direções de propagação, constitui a técnica básica para a modelagem
estatística das ondas do mar, que será discutida em detalhes nas próximas
seções.
3.6. Ondas Irregulares
Dentre os diferentes fenômenos físicos responsáveis por induzir efeitos
ondulatórios no ambiente marítimo, encontramos a geração de ondas causada
pela ação do vento sobre a superfície do mar. As ondas de superfície originadas
por esta ação são aquelas que apresentam maior interesse no contexto da
engenharia naval e oceânica, uma vez que apresentam períodos e amplitudes
típicas capazes excitar de forma significativa a dinâmica de navios ou sistemas
oceânicos usuais. Estas ondas freqüentemente apresentam caráter bastante
aleatório, com períodos e alturas de ondas variando continuamente com o tempo
e, muitas vezes, com ondas se propagando em diferentes direções. Essa
aleatoriedade nos obriga, então, a uma modelagem estatística das ondas do mar,
com o intuito de extrairmos informações importantes sobre os efeitos causados
por diferentes “estados de mar” sobre navios ou sistemas oceânicos.
Hidrodinâmica I 84
Atualmente, existem diversas bases de dados com informações estatísticas
das ondas de mar para diferentes regiões do globo. Estas bases foram
construídas ao longo dos anos com base em registros de ondas dos diferentes
locais, os quais podem ser obtidos por diferentes meios. Originalmente,
informações sobre as ondas eram quase que exclusivamente baseadas em
observações visuais reportadas pelas tripulações das embarcações. Hoje, há
diversos meios, muito mais precisos, para a inferência estatística das ondas do
mar em determinado local. O método mais difundido consiste na utilização das
chamadas bóias oceanográficas, mas alternativas se tornam cada vez mais
difundidas como, por exemplo, a medição de ondas através de radares.
A figura abaixo apresenta um trecho típico de um registro de ondas do mar.
Figura 27 – Trecho de Série Temporal de um Registro de Ondas
Quando este tipo de registro se encontra disponível, uma análise
simplificada é suficiente para obtermos informações estatísticas importantes. Via
de regra, considera-se que o tempo de registro deve ser pelo menos 100 vezes
maior do que o maior período de ondas registrado para garantir uma base
estatística confiável. A seguir, discutiremos alguns dos parâmetros estatísticos
mais importantes para a descrição das ondas do mar.
Nosso objetivo, por enquanto, é introduzir alguns parâmetros estatísticos
fundamentais através de um exemplo numérico e um tratamento simplificado.
Hidrodinâmica I 85
Período Médio de Ondas
O período médio de ondas T (average wave period) pode ser obtido
facilmente a partir de um registro como a média dos períodos entre zeros
ascendentes (average zero up-crossing period) ou dos períodos entre cristas ou
cavas sucessivas.
Estatísticas de Altura de Ondas
De um modo bem simplificado, a altura média de ondas pode ser obtida
com base em um histograma contendo as informações do número de ocorrências
dentro de determinadas faixas de alturas de ondas. A razão entre o número de
ocorrências em cada faixa e o número total de ciclos contido no registro fornece
quocientes de freqüência que caracterizam a chamada função densidade de
probabilidade f(x) (probability density function). A soma cumulativa destes
quocientes fornece, por fim, a chamada função de distribuição F(x) (distribution
function) das alturas de onda.
Um exemplo numérico é fornecido abaixo, para um registro de 150 ciclos:
Os resultados acima são apresentados graficamente na figura abaixo. A
função densidade de probabilidade se apresenta na forma de um histograma (a).
A função de distribuição é dada em (b).
Hidrodinâmica I 86
Figura 28 – Função Densidade de Probabilidade e Função de Distribuição de Alturas de Ondas
Informações estatísticas importantes podem ser obtidas a partir da função
f(x). Por exemplo, a probabilidade de que a altura de onda no registro exceda um
certo valor a é dada simplesmente por:
(3.35)∫∞
=>a
w dxxfaHP )(~
Como exemplo, é fácil verificar no caso acima que a probabilidade de a
altura de onda exceder 3.25 m é de 4%.
A altura média de ondas H (mean wave height) é dada por:
∫∞
=0
)(. dxxfxH (3.36)
e, no caso acima, 64.1=H m.
Um parâmetro importante normalmente empregado para a descrição de um
determinado estado de mar é a chamada altura significativa de ondas H1/3
Hidrodinâmica I 87
(significant wave height)42. A altura significativa é definida como a médias das
ondas 1/3 maiores. Assim, dividindo-se a área do histograma da função f(x) em
três partes iguais e denotando por a0 o limite inferior do terço mais à direita, a
altura significativa será dada por:
∫∞
=0
)(.3/1a
dxxfxH
No exemplo numérico acima, a altura significativa é dada pela média das 50
maiores ondas no registro e, portanto, 51.23/1 =H m.
3.6.1. A Estatística das Ondas do Mar
Para um tratamento estatístico mais apropriado, uma análise mais completa
do registro de ondas se faz necessária. Neste caso, uma amostragem (sampling)
da elevação da superfície será realizada a partir de um número grande (N) de
registros tomados a intervalos de tempo iguais ( t∆ ), conforme ilustrado na figura
abaixo.
Figura 29 – Amostragem de um registro de ondas.
42 A razão para o emprego da altura significativa como parâmetro estatístico tem origem histórica.
Estudos mostraram que um observador bem treinado tende a fornecer como a altura característica
de ondas irregulares um valor que se aproxima muito de H1/3. Assim, dada a importância já
Hidrodinâmica I 88
O tempo total do registro é dado por T=N t∆ e a freqüência de amostragem
(sampling frequency) é dada por tf S ∆= 1 . Na análise das ondas do mar,
usualmente se utilizam registros que variam de 15 a 20 minutos de aquisição, com
freqüência de amostragem típica por volta de 2 Hz. A menos na condição de um
swell muito longo, esses tempos de registro são altos o suficiente para garantir a
aquisição de um número mínimo de ciclos de ondas, mas ainda baixos o suficiente
para evitar a influência espúria de fenômenos de baixa freqüência, como a
variação dos níveis de maré.
Através da amostragem, gera-se uma série com N valores da elevação nζ
medida a cada intervalo de tempo.
Irregularidade do Mar e Gaussianeidade
A análise de registros de ondas obtidos em campo demonstra que a função
densidade de probabilidade da série discreta de elevação da superfície nζ é muito
bem reproduzida por uma distribuição Gaussiana (ou normal). Como nζ
representa a oscilação da superfície em torno de seu valor indeformado, é óbvio
que sua média é nula. Assim, a função densidade de probabilidade de nζ pode
ser representada por uma distribuição normal de média nula e desvio-padrão σ :
2
2
2
21)( σ
ζ
πσζ
−= ef (3.37)
sendo o desvio-padrão dado por:
∑=−
=N
nnN 1
2
11 ζσ (3.38)
Uma distribuição Gaussiana é plenamente caracterizada por dois
parâmetros: sua média (no caso nula) e seu desvio-padrão. A figura abaixo
ressaltada das inferências visuais como fonte original para as estatísticas de ondas do mar, a
altura significativa passou a ser um parâmetro usual na modelagem.
Hidrodinâmica I 89
apresenta a representação gráfica de uma distribuição Gaussiana com média nula
e desvio-padrão 1=σ .
Figura 30 – Distribuição Normal ou Gaussiana com média nula e 1=σ .
Percebe-se que os pontos de inflexão da distribuição são dados por
σ±=x . Em uma distribuição normal, a probabilidade de que a variável aleatória
exceda um certo valor a é dada por:
∫∫∞
−∞
==>aa
dedfaP ζσπ
ζζζ σζ
2
2
2
21)( (3.39)
A probabilidade de que a variável seja maior do que o desvio-padrão é de
aproximadamente 32%, ou seja 32.0 => σζP , enquanto que a probabilidade de
exceder um valor equivalente a 3σ é de apenas 0.3% ( 003.03 => σζP ).
A razão da Gaussianeidade de )(ζf pode ser melhor entendida se nos
remetermos ao processo de geração das ondas aleatórias. Estas ondas são
resultantes da composição de várias componentes causadas pela ação do vento
em diferentes locais da superfície do mar. A ação do vento em regiões diferentes
ocorre de maneira independente e, assim, as ondas irregulares podem ser
entendidas como a soma de variáveis independentes. Sabe-se, a partir do
Hidrodinâmica I 90
Teorema do Limite Central, que a distribuição de probabilidade de uma variável
aleatória composta pela superposição de variáveis independentes é Gaussiana,
independentemente da forma das distribuições de probabilidade das variáveis
originais. Esse resultado, de fato, constitui a razão fundamental da importância da
distribuição normal na teoria da probabilidade.
As propriedades matemáticas das distribuições Gaussianas podem ser
encontradas em qualquer texto sobre variáveis aleatórias. Uma propriedade em
especial é muito importante no contexto do estudo de comportamento no mar e,
portanto, merece ser destacada: Uma operação linear sobre uma variável
Gaussiana preserva a Gaussianeidade do processo. Em outras palavras, se X é
uma variável aleatória com distribuição Gaussiana, média µ e variância , então
a variável
2σ
baXY += também terá distribuição Gaussiana com média ba +µ e
variância . Dessa forma, se pudermos supor que a dinâmica de um sistema
oceânico sob ação de ondas irregulares é linear na amplitude de onda, a resposta
do sistema será necessariamente Gaussiana na medida que
22σa
)(tζ também o é.
Essa questão será fundamental para o estudo estatístico da resposta do sistema
em um mar cuja estatística é conhecida, ponto que será retomado no próximo
Capítulo.
Distribuição de Rayleigh das Amplitudes
Se a faixa de freqüências em um estado de mar não for muito ampla, o
espectro é dito de banda estreita. Faremos uma análise mais detalhada quanto à
largura de banda do espectro mais adiante. No momento, nos basta observar que
a boa parte dos estados de mar de interesse pode ser caracterizada como
espectros de banda estreita. Nesse caso, e como a distribuição de probabilidade
da elevação é Gaussiana, é possível mostrar que a estatística de amplitudes (ou
Hidrodinâmica I 91
alturas) de ondas seguirá uma distribuição de Rayleigh43. Esta distribuição é
dada por:
22
22)( σ
σ
AeAAf
−= (3.40)
De acordo com esta distribuição, a probabilidade de que a amplitude A
exceda um determinado valor a é dada por:
22
22
222
1)( σσ
σ
a
a
A
a
edAAedAAfaAP−
∞−
∞
===> ∫∫ (3.41)
O valor médio das amplitudes que excedem o valor a pode ser visualizado,
graficamente, como a coordenada x do baricentro da área hachurada na figura
abaixo:
Figura 31 – Distribuição de Rayleigh
Por definição, a amplitude significativa é dada pela média das amplitudes
1/3 maiores:
∫∞
=0
)(.3/1a
dAAfAA
sendo: 3/1 2
20
20 ==>
−σ
a
eaAP
43 A demonstração matemática deste fato pode ser encontrada, por exemplo, em Price & Bishop
(1974).
Hidrodinâmica I 92
e, portanto, a0 = 1.4823σ.
Assim, é fácil verificar que:
σσ42
3/1
3/1
≅≅
HA
(3.42)
A expressão (3.41) pode ser reescrita em termos das alturas de onda na
forma:
2
23/1
⎟⎠⎞⎜
⎝⎛−
=> Hh
ehHP (3.43)
que indica a probabilidade de a altura de onda exceder um certo valor h em um
mar com altura significativa H1/3.
Um parâmetro normalmente empregado na análise dinâmica de sistemas
oceânicos é a máxima altura de onda (maximum wave height) esperada em um
estado de mar. Por convenção, esta altura é calculada como sendo aquela cuja
probabilidade de ser excedida é 1/1000. Esse valor, aparentemente arbitrário, foi
definido considerando-se que um estado de mar típico tem duração aproximada
de 3 horas (tempo característico de uma tempestade) e contém, grosso modo, um
número de ciclos de ondas próximo de 1000. Segundo esta convenção, a máxima
altura de onda HMAX pode ser calculada em função de H1/3 por intermédio de
(3.43):
(3.44) 3/186.1 HH MAX =
Até o momento, nos preocupamos em derivar parâmetros estatísticos
importantes que podem ser obtidos a partir de registros de ondas. Para um
enfoque estatístico da resposta de sistemas oceânicos, todavia, é ainda
necessário que caracterizemos de forma mais precisa o que entendemos por
“estados de mar”. No projeto de sistemas oceânicos, as análises dinâmicas são
realizadas com base em estados de mar típicos da região na qual o sistema irá
operar. As características do mar em uma dada região são obtidas através de
análises estatísticas de “longo prazo” e a representação de seus diferentes
Hidrodinâmica I 93
estados é feita através do espectro de energia de ondas. Essa representação será
discutida em detalhes a seguir.
3.6.2. Espectro de Energia das Ondas do Mar
Caracterização do Mar
Denotemos por ),( 1 txrζ o registro de ondas obtido em uma posição arbitrária
1xr . Se pudermos distinguir uma direção única de propagação de forma que toda a
irregularidade da onda se manifeste nesta direção, o mar é chamado de swell ou
de cristas-longas (long-crested sea). Neste tipo de mar, considera-se que,
embora a amplitude e o espaçamento das cristas varie com o tempo, as ondas
permanecem paralelas.
Em um mar de cristas-longas, dada a sua homogeneidade espacial, o
registro realizado na posição 1xr ( ),( 1 txrζ ) e um outro registro realizado na posição
2xr ( ),( 2 txrζ ) serão processos aleatórios caracterizados pelas mesmas relações
estatísticas. Em outras palavras, embora a “história” da elevação da superfície
possa ser diferente, a estatística do mar independe da posição de medida e o mar
pode ser caracterizado exclusivamente com base em sua variação temporal )(tζ .
Conseqüentemente, a estatística do mar pode ser dada com base apenas na
freqüência de onda e em sua amplitude.
Por outro lado, se as ondas do mar se propagam não em uma direção
única, mas sim com uma certa dispersão angular, o mar é chamado de mar local ou de cristas-curtas (short-crested sea). Este tipo de situação ocorre,
tipicamente, quando observamos o mar próximo a ou no próprio local de sua
geração (tempestade), daí o nome “mar local”. Neste caso, é difícil identificar as
cristas das ondas e o mar se mostra “confuso”. A posição de registro do mar é
agora importante e a estatística dependerá não apenas do tempo, mas também da
posição ),( txrζ . Nesta situação, a estatística do mar deverá ser descrita não
Hidrodinâmica I 94
apenas em função da freqüência, mas também em função da direção. Os
espectros de mar que caracterizam mares short-crested são conhecidos como
“espectros direcionais” e normalmente são parametrizados por uma medida de
“espalhamento direcional” (µ).
Podemos representar esquematicamente as diferenças entre um swell e um
mar local através de gráficos de contorno (contour plots) de seus espectros de
energia (cuja definição, daremos a seguir). Por ora, basta perceber que os
espectros de mar-local apresentam distribuição em uma larga faixa de direções
(ou um maior espalhamento), enquanto os espectros que caracterizam um swell
apresentam espalhamento pequeno e, portanto, na prática, são considerados
unidirecionais.
Figura 32 – Diferença de espalhamento de um mar local (a) e um swell (b). Fonte: Price & Bishop (1974).
É importante mencionar, por fim, que um mar real é comumente formado
pela composição de diferentes mares, por exemplo, pela composição de um swell
e um mar local, geralmente se propagando em direções distintas. Nesse caso, o
espectro de energia do mar será caracterizado por mais de um pico de energia.
A seguir, discutiremos a definição de espectro considerando o caso mais
simples, de mar unidirecional (long-crested). Na seção 3.6.4 discutiremos, de
forma breve, a representação espectral de mares com espalhamento direcional
(short-crested).
Hidrodinâmica I 95
Superposição de Ondas e Espectro de Energia
As ondas irregulares do mar podem ser representadas através da
superposição de ondas regulares de diferentes amplitudes e freqüências. O
procedimento clássico para se obter o conteúdo de freqüência de um certo sinal
aleatório é decompô-lo em uma série de Fourier44.
Suponhamos então um certo registro de onda )(tζ com tempo total de
medição T. Definindo:
ωω
πω
∆=
=∆
jT
j
2
a série de Fourier do sinal será dada por:
(3.45) ∑ ∑∞
=
∞
=
−=+=1 1
)(]sincos[)(j j
tijjjjj
jjeAtstct εωωωζ
onde, obviamente:
)arctan(
22
jjj
jjj
cs
scA
=
+=
ε
Os coeficientes Aj representam a amplitude de cada uma das componentes
harmônicas e os coeficientes εj suas respectivas fases.
Os coeficientes de Fourier são definidos por:
∫
∫
=
=
T
jj
T
jj
dtttT
s
dtttT
c
0
0
.sin)(2
.cos)(2
ωζ
ωζ (3.46)
Como )(tζ é Gaussiano de média nula, os coeficientes de Fourier também
o serão. Portanto, a amplitude (Aj) segue a distribuição de Rayleigh e a fase εj é
uniformemente distribuída no intervalo πεπ ≤≤− j .
44 Maiores detalhes podem ser encontrados, por exemplo, em Price & Bishop (1974).
Hidrodinâmica I 96
Uma vez que estamos interessados apenas na estatística e não em
reproduzir a real elevação da superfície em dado instante de tempo t, as fases εj
entre as componentes harmônicas podem ser desconsideradas.
Uma medida da densidade de energia das ondas do mar em torno de uma
dada freqüência nω é dada por:
∑∆+
∆=
ωω
ωζ ω
ωn
n
nn AS 2
211)( (3.47)
Deve-se observar que, se multiplicada por ρg, a expressão acima fornece o
valor médio da energia por unidade de área das ondas na faixa de freqüências
ω∆ (ver eq. 3.23).
No limite em que 0→∆ω , tem-se:
2
21).( nn AdS =ωωζ (3.48)
e a função )(ωζS assim definida é conhecida como “densidade espectral” ou
simplesmente espectro de energia das ondas. A figura abaixo ilustra as
definições acima.
Figura 33 – Definição de Densidade Espectral
Por definição, a variância do sinal )(tζ também pode ser dada a partir de
seu espectro de energia, na forma:
Hidrodinâmica I 97
(3.49) ∫∞
=0
2 ).( ωωσ ζ dS n
A figura abaixo fornece uma interpretação gráfica do significado físico do
espectro de ondas e de como ele se relaciona com o registro de ondas original.
Figura 34 – Representação esquemática da relação entre o espectro de energia e o registro de ondas original
Em unidades SI, o espectro )(ωζS tem unidade de m2s e pode ser
representado também em termos da freqüência de onda em Hertz ( ). Nesse
caso, porém, convém observar que o espectro sofre uma transformação. O
requisito a ser seguido impõe que a energia total contida nos intervalos
f
ω∆ e
seja igual, e, portanto: f∆
dffSdS ).().( ζζ ωω =
e, como πω 2=dfd :
π
ω ζζ 2
)()(
fSS = (3.50)
Hidrodinâmica I 98
A relação (3.50) permite converter a representação do espectro da
freqüência para a freqüência angular e vice-versa. A figura abaixo ilustra a
representação de um espectro de mar típico nas duas bases diferentes.
Figura 35 – Espectro de Mar em termos de ω (rad/s) e f (Hz)
Parâmetros Estatísticos Importantes
Como veremos, uma série de parâmetros estatísticos importantes pode ser
derivada a partir dos chamados “momentos espectrais”, definidos por:
(3.51) ∫∞
=0
).( ωωω ζ dSm kk
onde o sub-índice k denota o momento k-ésima ordem.
É fácil verificar, a partir de (3.49) e (3.51), que a variância da elevação )(tζ
corresponde ao momento espectral de ordem zero (m0). O desvio-padrão do sinal
de elevação da superfície é então dado por:
2/1
00 ).( ⎥
⎦
⎤⎢⎣
⎡=== ∫
∞
ωωσ ζ dSmRMS (3.52)
Através da expressão (3.42), pode-se relacionar também o momento m0
com a amplitude (ou com a altura) significativa de onda na forma:
Hidrodinâmica I 99
03/1
03/1
4
2
mH
mA
=
= (3.53)
Dois períodos característicos importantes são relacionados aos momentos
de primeira e segunda-ordem. De fato, o momento de 1ª ordem (m1) permite
estimar a freqüência do baricentro do espectro através da relação 011 mm ω= e,
assim, o período (T1) dado por:
1
01 2
mm
T π= (3.54)
é conhecido como período central do espectro (mean centroid wave period).
O momento de 2ª ordem, por sua vez, fornece uma estimativa do momento
de inércia de área do espectro. Esse momento pode ser escrito como ,
onde a freqüência
02
22 mm ω=
2ω faz o papel de “raio de giração”. O período associado, dado
por:
2
02 2
mm
T π= (3.55)
é chamado período médio entre zeros (mean zero-crossing wave period). Muitas
vezes esse período aparece na literatura denotado por Tz.
Como veremos na próxima seção, outro período característico importante é
o período de máxima energia do espectro ou seu período de pico (Tp). Este, por
sua vez, se relacionará com o período central e com o período entre zeros
dependendo da forma do espectro de energia.
A energia de onda se distribui em torno da freqüência central 1ω em uma
faixa de freqüências da ordem ∆Ω . Podemos definir a “largura de banda” do
espectro como sendo 1/ω∆Ω=e . Se 1<<e , o espectro é dito de “banda estreita”.
Neste caso, o mar é “quase harmônico”. Se, por outro lado, e for próximo de 1 ou
Hidrodinâmica I 100
maior, dizemos que o espectro é de “banda larga”. Uma definição usualmente
aceita para a largura de banda em função dos momentos espectrais é45:
40
221mm
me −= (3.56)
A influência do Tempo de Registro
A forma do espectro e os valores estatísticos dependerão, como vimos, do
tempo total de registro de onda (T). A duração do registro também pode ser
caracterizada pelo número total de ciclos de ondas que ele contém (N). Como
discutimos no início desta seção, há um valor adequado para N que define uma
base estatística apropriada para a análise espectral. Valores de N muito baixos
obviamente prejudicam as estatísticas, enquanto valores muito altos também
podem “corromper” a análise ao incorporar variações espúrias da superfície
(como, por exemplo, variações de maré).
A figura abaixo foi extraída de um estudo da ITTC (International Towing
Tank Conference) e ilustra a variação de alguns parâmetros estatísticos
significativos em função do número de ciclos empregado na análise. Os resultados
da figura apresentam a razão entre o valor calculado com registros de diferentes
duração e aquele calculado com um grande número de ciclos. Esse estudo foi
realizado com um mar de período central T1 aproximadamente igual a 6 segundos.
É possível observar que, para N>50, as razões se mostram mais ou menos
constantes, indicando que um número muito maior de ciclos seria necessário para
garantir a convergência.
45 Para maiores detalhes quanto a essa dedução, ver Price & Bishop (1974), seção 9.6.2.
Hidrodinâmica I 101
Figura 36 – Efeito do tempo de registro sobre as estatísticas
De acordo com as recomendações da 17ª ITTC (1984), o valor N=50 deve
ser adotado com um limite inferior para a análise espectral de um determinado
estado de mar. Atualmente, o valor N=100 é usualmente adotado com padrão e
N=200 é considerado “excelent practice” pela ITTC. Na prática, um registro com
duração 100 vezes maior do que o maior período esperado é considerado um
procedimento-padrão. Para mares típicos, isso significa tempos de registro entre
15 e 20 minutos, conforme dissemos no início deste Capítulo.
3.6.3. Espectros de Energia Padrão
Vários estudos foram realizados, especialmente a partir da década de 1960,
com o intuito de relacionar as ondas do mar e as características do vento que as
gera, dando origem à chamada “teoria de geração” das ondas do mar. Alguns
aspectos dessa teoria serão apresentados, de forma breve, na próxima seção.
Esses estudos incentivaram várias tentativas de se correlacionar a velocidade de
vento com o espectro de ondas do mar gerado.
Miles (1960) e Phillips (1966) mostraram que existe uma relação entre a
pressão aerodinâmica na zona de geração e a freqüência das ondas geradas. As
ondas mais curtas (freqüências mais altas) crescem até que se tornam instáveis e
Hidrodinâmica I 102
“quebram” e, dessa forma, a energia do mar em altas freqüências passa a ser
limitada por essa dissipação.
Se existir uma “pista” (fetch) suficientemente longa para a ação do vento
sobre a superfície, e o vento soprar por um tempo igualmente suficiente, o mar
gerado atingirá uma situação de equilíbrio. Nesta situação, o mar é chamado de
“plenamente desenvolvido” (fully developed seas). O espectro de energia de um
mar plenamente desenvolvido atinge um máximo (pico) em uma freqüência pω que
é inversamente proporcional à velocidade do vento. Este fato pode ser melhor
entendido se considerarmos, como argumento físico, que na situação de equilíbrio
a velocidade do vento deverá igualar uma velocidade de grupo típica ( pg ω2/ ), a
qual caracteriza a velocidade com que a energia das ondas se propaga.
Através de um argumento dimensional, Phillips (1966) demonstra que no
limite de altas freqüências deve-se ter:
5
2
)(ω
ωζgS ∝ ( ∞→ω ) (3.57)
Desde então, vários formatos padronizados foram propostos para )(ωζS
em função da velocidade do vento. Exemplos são o espectro de ondas de
Darbyshire, o espectro de ondas do British Towing Tank Panel e o espectro de
ondas de Neumann, os quais, atualmente, se encontram em desuso46.
Dois formatos padronizados de espectro são os mais comumente
empregados nos dias atuais e, por essa razão, serão discutidos em maiores
detalhes a seguir.
O Espectro de Pierson-Moskowitz
O espectro original proposto por Pierson & Moskowitz (1963) foi obtido de
forma semi-empírica com base na análise de um grande número de registros de
ondas do Atlântico Norte. Por terem sido realizados em uma região “aberta”,
46 Maiores informações podem ser encontradas em Price & Bishop (1974).
Hidrodinâmica I 103
supostamente estes registros se referem, em sua maioria, a mares plenamente
desenvolvidos. O espectro original era dado por:
⎥⎥⎦
⎤
⎢⎢⎣
⎡⎟⎠⎞
⎜⎝⎛−=
4
5
2
74.0exp0081.0)(ωω
ωζgVgS (3.58)
onde V é a velocidade média do vento medido a uma altura de 19.5 metros.
Posteriormente, algumas modificações foram propostas e o espectro
passou a ser aceito com o seguinte formato:
⎟⎠⎞
⎜⎝⎛−= 45 exp)(
ωωωζ
BAS (3.59)
A ITTC de 1969 propôs uma representação baseada em apenas um
parâmetro, a altura significativa H1/3. Recomendou que se adotassem os seguintes
valores para as constantes A e B:
2
3/1
2
11.30081.0
HB
gA
=
=
Em 1967, a ISSC (International Ship Structures Congress) recomendou, por
sua vez, a adoção de dois parâmetros como base para a representação do
espectro, a altura significativa e o período central T1. Nesse caso:
41
41
23/1
692
173
TB
TH
A
=
=
O espectro sugerido pela ISSC é também conhecido como espectro de
Bretschneider e é, hoje em dia, a forma mais usual de emprego do espectro de
Pierson-Moskowitz. Para esta forma de espectro, as seguintes relações teóricas
podem ser obtidas para os períodos característicos:
(3.60) 21 407.1296.1 TTTp ==
Deve-se observar que os espectro proposto pela ISSC recai naquele
proposto pela ITTC quando 3/11 86.3 HT = , uma relação que está de acordo com
os resultados originais analisados por Pierson e Moskowitz. De fato, alguns
Hidrodinâmica I 104
pesquisadores argumentam que a representação por dois parâmetros distintos
apresenta o inconveniente de permitir uma utilização imprópria da formulação,
uma vez que existe uma relação teórica entre ambos que deve ser preservada.
O Espectro de JONSWAP
Entre 1968 e 1969 um extenso programa de monitoração de ondas,
conhecido como Joint North Sea Wave Project (JONSWAP), foi conduzido no Mar
do Norte ao longo de uma linha de 100 milhas com origem na ilha Sylt (costa
noroeste da Alemanha). A análise dos dados resultou na proposta de um formato
de espectro para mares gerados em pistas limitadas (fetch-limited) ou costeiros.
A 17ª ITTC (1984) recomenda a seguinte definição do espectro de
JONSWAP para mares com pista limitada:
A
pp TTH
S γωωωζ⎪⎭
⎪⎬⎫
⎪⎩
⎪⎨⎧−
= −− 44
54
23/1 1950exp
.320)( (3.61)
com:
⎪⎪⎭
⎪⎪⎬
⎫
⎪⎪⎩
⎪⎪⎨
⎧
⎟⎟⎟
⎠
⎞
⎜⎜⎜
⎝
⎛ −−=
=2
2
1exp
3.3
σ
ωω
γ
pA
e a constante σ assume diferentes valores dependendo de ω:
σ = 0.07 (se pωω < )
σ = 0.09 (se pωω > )
A relação entre os períodos característicos para o espectro (3.61) é dada
por:
(3.62) 21 287.1199.1 TTTp ==
O parâmetro γ é conhecido como peakedness factor. Muitas vezes, o
espectro de JONSWAP é empregado tendo como terceiro parâmetro o valor de γ.
Hidrodinâmica I 105
É importante mencionar que o espectro (3.61) recupera o espectro de
Bretschneider ao se considerar . 522.1=Aγ
Comparação entre os Espectros
A figura abaixo apresenta uma comparação entre os espectros de onda de
Bretschneider e JONSWAP para mares com altura significativa de 4 metros e
períodos de pico de 6, 8 e 10 segundos.
Figura 37 – Comparação das formulações espectrais de Bretschneider e JONSWAP
Percebe-se que os espectros de JONSWAP se caracterizam por
apresentarem picos mais pronunciados. Conseqüentemente, a declividade média
das ondas é maior segundo a representação de JONSWAP. De fato, uma das
críticas encontradas na literatura ao modelo proposto por Pierson-Moskowitz se
refere a uma eventual subestimação da declividade característica do mar.
Como prática de projeto, é usual a modelagem de “mares locais” tendo
como base o espectro de JONSWAP e a consideração do espectro de
Bretschneider para regiões “abertas”, ou mares considerados plenamente
desenvolvidos.
Hidrodinâmica I 106
3.6.4. Espalhamento Direcional
Conforme discutimos anteriormente, os mares, especialmente aqueles
próximos à zona de geração, se caracterizam por um certo espalhamento
direcional. A representação dos chamados mares de cristas-curtas (short-crested)
exige que o espectro de energia traga informações sobre esse espalhamento.
Uma distribuição na forma de cosseno-quadrado é usualmente empregada
para introduzir o espalhamento direcional em um espectro. Com esse modelo, a
energia de onda unidirecional, discutida na seção precedente, é distribuída em
uma certa faixa angular, na forma:
)()(cos2),( 2 ωµµπ
µω ζζ SS⎭⎬⎫
⎩⎨⎧ −= ;
2)(
2πµµπ
≤−≤− (3.63)
onde µ representa a direção de onda dominante.
Neste modelo simplificado, a faixa de espalhamento é fixa (180o) e a
variação de energia ocorre de forma independente na freqüência e na direção.
Assim, em cada direção a forma do espectro é a mesma, apenas a sua
intensidade varia. Uma comparação entre o modelo proposto em (3.63) e um
espectro medido em campo é apresentado na figura abaixo.
Figura 38 – Espectro Direcional de Ondas
Hidrodinâmica I 107
Modelos mais elaborados podem ser encontrados na literatura, nos quais a
distribuição de energia e a faixa angular do espalhamento são controladas por um
ou mais parâmetros. Uma discussão mais aprofundada sobre estes modelos foge
do escopo deste curso, mas pode ser encontrada, por exemplo, em Massel (1996)
e Ochi (1998).
3.6.5. Aspectos Básicos da Geração de Ondas do Mar
Em 1805, o Almirante Sir Francis Beaufort propôs uma escala para medida
da intensidade do vento no mar. Sua escala relaciona a velocidade de vento, as
ondas do mar e as atitudes a serem tomadas a bordo dos navios, à época, de
propulsão a vela. A chamada “escala de Beaufort” foi posteriormente adaptada
para uso em terra e, ainda hoje, é empregada por várias estações meteorológicas.
A figura abaixo apresenta impressões visuais dos estados de mar tipicamente
associados com os diferentes valores da escala de Beaufort. A figura na página
seguinte apresenta uma definição dos valores da escala e diferentes descrições
dos estados de mar associados.
Como indica a escala de Beaufort, as ondas do mar estão associadas ao
vento, pois são geradas por variações da pressão atmosférica com o movimento
das massas de ar. Nossa intenção, nesta seção, é introduzir alguns conceitos da
teoria de geração das ondas do mar, para que seja possível compreender melhor
a relação entre um estado de mar e o vento que o gerou.
Hidrodinâmica I 108
Figura 39 – Impressão visual de estados de mar associados às intensidades Beaufort
Hidrodinâmica I 109
Figura 40 – A escala de intensidade de vento de Beaufort
Hidrodinâmica I 110
Pela própria natureza do fenômeno, podemos relacionar como parâmetros
importantes na geração de onda pelo vento: a velocidade do vento (U); a distância
existente sobre a qual o vento pode atuar na superfície do mar (normalmente
chamada de “pista” ou, em inglês, fetch (F)) e a duração da tempestade ou o
tempo total de ação do vento. A figura abaixo relaciona os parâmetros acima com
os parâmetros estatísticos do mar gerado. No eixo vertical esquerdo lê-se a altura
significativa de onda (em escala logarítmica) em função de U, F e da duração. Os
períodos de onda podem ser obtidos pela interpolação das curvas tracejadas.
Figura 41 – Relação entre parâmetros na geração de ondas pelo vento.
Percebe-se claramente, nos resultados acima, que os parâmetros de onda
tendem assintóticamente a situações de equilíbrio para cada velocidade de vento
(U). Estas situações de equilíbrio estão indicadas pela região triangular à direita do
gráfico. Uma vez atingido o equilíbrio, a altura e o período de onda não mais
Hidrodinâmica I 111
variarão, mesmo que o vento ainda tenha pista e tempo para agir. O mar que
atinge tal situação é conhecido como mar plenamente desenvolvido (fully
developed sea). A seguir, apresentaremos um argumento físico que explica o
mecanismo pelo qual esse equilíbrio é atingido e o que ele representa.
De acordo com as equações (3.23) e (3.53), a energia média de ondas de
um determinado estado de mar pode ser expressa por:
2/10
23/12
1 gmgAE ρρ == (3.64)
A velocidade média com que essa energia é propagada pode ser expressa
através de uma velocidade de grupo representativa do mar, a qual associaremos à
freqüência de pico do espectro:
p
ggcω2
= (3.65)
De acordo com os resultados apresentados no gráfico acima, a energia
média e a velocidade de grupo serão função dos parâmetros F, U e da duração.
Na situação de equilíbrio, todavia, passam a depender exclusivamente da
velocidade de vento. A razão para isso é simples: o aumento da energia de ondas
não pode depender da velocidade absoluta do vento (U), mas sim de sua
velocidade relativa à velocidade de propagação do grupo de ondas (U-cg). Há,
portanto, um limite para o crescimento da altura de ondas expresso pela condição
. Dessa observação decorre que deve existir uma “declividade padrão”, que
podemos definir por
Ucg ≅
gHH ppp πωλδ 2/3/12
3/1 =≅ , a qual deve ser praticamente
invariante para qualquer mar plenamente desenvolvido.
A tabela abaixo apresenta uma indicação da relação típica entre velocidade
de vento, altura e período de onda, baseada em registros obtidos em área aberta
(Open Area) e em região de pista limitada (North Sea Area).
Hidrodinâmica I 112
A partir dos resultados acima, é possível inferir, a partir dos resultados
obtidos em águas abertas, o valor de declividade padrão. Relembrando que, para
um espectro de Bretschneider 21 407.1296.1 TTTp == , os resultados indicam uma
certa variação da declividade padrão, com valores entre 1.2% (Beaufort 1) e 3,6%
(Beaufort 12). O valor de %6,2≅pδ pode, então, ser considerado como típico para
para um mar plenamente desenvolvido. Devemos notar que esse é precisamente
o valor de declividade pressuposto na relação 3/11 86.3 HT = , quando o espectro
da ISSC (de 2 parâmetros) recupera o espectro proposto pela ITTC.
A existência de um valor típico de declividade para mares plenamente
desenvolvidos ou, em outras palavras, a existência de uma relação típica entre
altura e período de ondas, justifica as críticas quanto ao espectro proposto pela
ISSC, uma vez que este permite a adoção de valores de altura e período de forma
independente.
Observando as relações (3.62), também podemos calcular os valores de pδ
com base nas observações feitas no Mar do Norte. Para uma dada intensidade de
vento, os resultados indicam valores um pouco maiores de declividade, se
comparados com o caso de águas abertas. Os valores variam na faixa
Hidrodinâmica I 113
%1.4%8.1 << pδ . Os resultados estão de acordo com o fato de o espectro de
JONSWAP se caracterizar por declividades maiores, fato este já mencionado
anteriormente.
As estatísticas de longo-termo das condições de mar de uma determinada
região são realizadas com base na monitoração de ondas no local durante um
longo período de tempo. Através da análise de um grande número de registros é
possível gerar uma tabela de ocorrência de ondas, exemplificada abaixo. Essa
tabela foi obtida para uma certa região do Mar do Norte e corresponde às
condições registradas durante períodos de inverno. Obviamente, dadas as
especificidades climáticas e geográficas, as condições dependerão fortemente do
local e da época do ano no qual foram realizados os registros. Assim, é comum
que essas tabelas sejam apresentadas com uma periodicidade mensal. Para a
confecção da tabela abaixo, por exemplo, foram tomados aproximadamente um
milhão de registros de onda.
Através das tabelas de ocorrência de ondas é possível fazer inferências
estatísticas de longo prazo. Verificou-se, empiricamente, que as probabilidades de
exceder uma determinada altura de ondas pode ser bem reproduzida através de
uma distribuição log-normal ou, alternativamente, através de uma distribuição de
Hidrodinâmica I 114
Weibull. A figura abaixo apresenta uma comparação entre a distribuição
logarítmica e os dados experimentais referentes à tabela acima.
Figura 42 – Distribuição logarítmica baseada em dados de ondas do Mar do Norte.
Nesse caso, para se calcular a probabilidade de que a altura significativa de
onda H1/3 exceda um determinado valor h naquele local e naquela época do ano,
basta considerar:
ha
hHP 1)(log 3/1 =>
onde a é um parâmetro que se refere à declividade da curva e deve ser ajustado
aos dados experimentais.
A distribuição de Weibull é uma generalização da distribuição acima,
expressa matematicamente na forma:
⎪⎭
⎪⎬⎫
⎪⎩
⎪⎨⎧
⎟⎠⎞
⎜⎝⎛ −
−=>b
achhHP exp)( 3/1
onde b é um parâmetro de ajuste e c um limite inferior (lower-bound) para a altura
de ondas. Como, no caso de ondas do mar, o parâmetro c é usualmente próximo
de zero e b próximo de 1, as duas distribuições normalmente se equivalem em
termos de precisão das estimativas.
Hidrodinâmica I 115
A figura abaixo apresenta um exemplo de um histograma de altura de
ondas (a) e a comparação de resultados com uma distribuição logarítmica (b) e
uma distribuição de Weibull (c).
Figura 43 – Histograma de altura de ondas, distribuição log-normal e distribuição de Weibull
Mediante o procedimento de análise ilustrado acima, é possível levantar um
conjunto de informações importantes para o projeto de sistemas oceânicos.
Parâmetros comumente empregados, por exemplo, são as chamadas condições
de mar “decenárias” e “centenárias”, que se referem às piores condições de mar
previstas para ocorrerem em um determinado local em horizontes de tempo de
dez e cem anos, respectivamente.
Hidrodinâmica I 116
4. DINÂMICA DE SISTEMAS OCEÂNICOS EM ONDAS
“As far as the laws of mathematics refer to reality, they are not certain;
and as far as they are certain,
they do not refer to reality”
Albert Einstein [Geometry and Experience]
4.1. Hipóteses Simplificadoras
Neste capítulo apresentaremos um modelo para descrição do comportamento
no mar de sistemas oceânicos. Trata-se de um modelo aproximado que, em
virtude destas aproximações, carrega com si algumas limitações. Estudaremos a
dinâmica de sistemas flutuantes sob a óptica da teoria linear no domínio da
freqüência. Trataremos o sistema flutuante como um oscilador linear com seis
graus de liberdade (os movimentos de surge, sway, heave, roll, pitch e yaw). A
imposta linearidade do modelo de forças de excitação e do modelo dinâmico do
corpo possibilita empregar a hipótese de superposição de ondas harmônicas e
tratar o problema de um mar real de forma estatística, baseada em seu espectro
de energia. Dessa forma, a dinâmica correspondente a cada componente
harmônica do mar será equacionada de forma independente. Através desta
abordagem podemos inferir características dinâmicas importantes da resposta
linear do corpo (movimentos do corpo nas freqüências das ondas do mar),
também conhecida como resposta de 1ª ordem. Uma vez que o problema é
linear, a dinâmica de 1ª ordem pode ser caracterizada através de funções de
transferência denominadas Response Amplitude Operators (RAOs). Uma vez
obtidos os RAOs e com base em um espectro de energia de ondas que
caracteriza um determinado estado de mar, é possível avaliar as estatísticas de
resposta do sistema submetido a este mar, inferindo, por exemplo, as amplitudes
máximas esperadas para os movimentos nos seis graus de liberdade. A teoria
Hidrodinâmica I 117
linear, embora aproximada, fornece aproximações excelentes para a resposta de
1ª ordem para a grande maioria dos sistemas oceânicos de interesse e, assim, é
prática fundamental no projeto de sistemas navais e oceânicos. Nesta seção,
procuraremos explorar as características físicas do problema que nos permitem
adotar as simplificações inerentes à teoria linear e discutir quais as limitações
decorrentes desta abordagem.
As duas hipóteses simplificadoras fundamentais que serão adotadas na
modelagem são as hipóteses de escoamento potencial e de que as condições de
contorno na superfície-livre e na superfície do corpo sejam lineares. Vimos, no
capítulo precedente, que a adoção destas duas hipóteses se justifica no problema
tratamento das ondas do mar, desde que a declividade da onda seja baixa
(kA<<1). Agora, estamos interessados não mais no problema de uma onda livre,
mas sim no caso em que esta onda encontra um corpo flutuante ou submerso e na
dinâmica resultante deste encontro. Precisamos, pois, justificar as mesmas
hipóteses neste novo contexto. Esse é o objetivo almejado com a discussão que
se segue.
No capítulo 3 vimos que o escoamento induzido por uma onda que se propaga
na superfície do mar é oscilatório e, portanto, caracterizado por acelerações do
fluido. Este escoamento acelerado causará, como conseqüência, forças e
acelerações de um corpo imerso neste fluido. A questão que se coloca é a
seguinte: Podemos considerar o escoamento resultante do movimento deste corpo
como potencial? Obviamente, isto só será possível se pudermos garantir, mais
uma vez, que as forças inerciais no escoamento decorrente deste movimento
sejam muito maiores do que as forças viscosas. Um insight importante sobre este
problema é dado pelo estudo experimental do escoamento em torno de corpos
acelerados. A figura abaixo, extraída de Newman (1977), apresenta uma
visualização do escoamento decorrente de uma aceleração impulsiva de um
cilindro imerso. Cada fotografia representa um instante posterior ao início do
movimento, partindo do repouso até o momento em que o cilindro já adquiriu
velocidade constante. Este conjunto de fotografias foi registrado em um trabalho
Hidrodinâmica I 118
de Prandtl em 1927 e seu estudo nos permite observar características que serão
fundamentais para a nossa análise.
Percebe-se que, nos instantes iniciais do movimento, há a formação de uma
esteira com dois vórtices simétricos. À medida que o cilindro avança, esta esteira
perde a estabilidade e dá origem a uma esteira oscilatória, com desprendimento
alternado de vórtices.
Figura 44 – Visualização do escoamento em torno de um cilindro acelerado impulsivamente (extraída de Newman (1977))
A característica que nós é importante aqui é a seguinte: Até o momento em
que a esteira perde a estabilidade, tudo se passa como um escoamento potencial
em torno de um corpo que se alonga (entendendo o corpo como o cilindro mais os
dois vórtices simétricos à jusante). Nos instantes iniciais do movimento, a
contribuição da viscosidade sobre a dinâmica global do fluido é pequena.
Podemos quantificar essa discussão: As forças inerciais dependem da aceleração
do fluido e podem ser inferidas, ao menos nos instantes iniciais, como
(ver equações 2.25 e 2.28). Normalizando esta força obtemos um
coeficiente de força inercial
UmFI&
11=
2211 2/1 lUUmCFI ρ&= onde l é a dimensão
característica do corpo (no caso, o diâmetro do cilindro). Se o coeficiente de
Hidrodinâmica I 119
arrasto viscoso é dado por CD, podemos inferir a relação entre as forças viscosas
e inerciais da seguinte forma:
lU
UUm
ClUCC D
FI
D&&
2
11
222/1∝=
ρ (4.1)
uma vez que a massa adicional é proporcional ao volume do corpo.
Suponhamos, agora, que o corpo de dimensão característica l está sujeito
ao escoamento oscilatório imposto pela passagem de um onda harmônica de
amplitude A e freqüência ω. Sabemos que a amplitude da velocidade do
escoamento oscilatório é dada por ωA e a amplitude da aceleração por ω2A.
Dessa forma, (4.1) implica que:
lA
CC
FI
D ∝ (4.2)
Assim, podemos garantir que a influência das forças viscosas na dinâmica
do fluido será pequena desde que A<<l.
Em resumo, na hipótese de que a amplitude da onda seja pequena
comparada com as dimensões típicas do corpo, a hipótese de escoamento
potencial deve fornecer bons resultados. Além disso, sob esta hipótese a força
sobre o corpo pode também ser considerada linear e, assim: . No
caso de navios, a hipótese acima é normalmente satisfeita, a não ser em casos de
ondas de mar com amplitudes extremamente elevadas. No caso de cascos como
os de plataformas semi-submersíveis, um outro efeito atua em favor desta
simplificação: Como boa parte do volume de deslocamento se encontra submerso
e como a velocidade e aceleração do fluido decaem rapidamente com a
profundidade, a ação das forças viscosas (quadráticas em U) decai mais
rapidamente do que a ação das forças inerciais (lineares em U ). Vemos, portanto,
que as próprias características geométricas dos sistemas garantem a qualidade da
aproximação para a grande maioria dos casos de interesse em engenharia naval e
oceânica. Alguns casos práticos para os quais a hipótese de que A<<l não pode
ser aplicada são o estudo de risers ou tubulações próximas à superfície e
sistemas flutuantes de dimensões reduzidas, como, por exemplo, monobóias.
Uma discussão sobre estes casos será realizada mais adiante, na seção 4.3.2.2.
εω += tiFOF eCC
&
Hidrodinâmica I 120
Logicamente, as aproximações trazem como conseqüência algumas
limitações. Em termos práticos, no contexto da engenharia oceânica, uma das
principais se refere à impossibilidade de prever movimentos de deriva de sistemas
flutuantes induzidos por ondas. Como veremos no Capítulo 5, tais movimentos
decorrem de um fenômeno hidrodinâmico não-linear de segunda-ordem, cuja
consideração é fundamental para o dimensionamento do sistema de amarração.
Além deste, outros fenômenos hidrodinâmicos não-lineares freqüentemente
causam problemas e dão trabalho aos projetistas. Dentre eles, pode-se citar o
problema de run-up de ondas sobre estruturas de grandes dimensões, fenômeno
importante para a previsão do air gap mínimo de plataformas e de embarque de
água no convés (greenwater) e problemas de vibrações estruturais causadas pelo
impacto hidrodinâmico com ondas de maior declividade. Cada um destes tópicos
requer a consideração de uma teoria de ondas que inclua efeitos de ordem
superior (quadráticos ou até mesmo cúbicos na amplitude de onda). Dada a
importância destes problemas no que se refere ao projeto de sistemas navais e
oceânicos, o Capítulo 5 apresentará uma introdução à chamada Teoria Não-Linear
de Ondas.
Uma outra conseqüência das simplificações adotadas no estudo da
resposta de primeira-ordem diz respeito à sua precisão quanto à previsão de
movimentos de ressonantes de sistemas oceânicos. Sabe-se que as amplitudes
de movimentos ressonantes dependem fundamentalmente do amortecimento.
Assim, se efeitos de origem viscosa contribuírem com uma parcela significativa
para o amortecimento total do movimento os erros envolvidos serão grandes, já
que os efeitos de viscosidade foram desconsiderados a priori. Um caso típico é o
de movimento de jogo (em inglês, roll) de navios. Os períodos naturais de roll se
situam tipicamente entre 10 e 20 segundos e, conseqüentemente, respostas
ressonantes são freqüentemente induzidas pelas ondas do mar. Neste caso, dada
a geometria usual dos cascos, os efeitos de dissipação de energia por radiação de
ondas são pequenos e o amortecimento é, portanto, dominado por efeitos
viscosos. O emprego da teoria linear para estudo do comportamento no mar de
navios é prática padrão e apresenta bons resultados, desde que correções sejam
Hidrodinâmica I 121
adotadas no caso de eventuais movimentos ressonantes. Uma discussão quanto
ao método empregado em tais correções será realizada na seção 4.4.1.
4.2. Definições e Hidrostática
Consideremos um corpo flutuante em situação de equilíbrio hidrostático, livre
para se mover em seus seis graus-de-liberdade, como ilustrado na figura abaixo:
x
y
z
H
βξ4
ξ1
ξ2
ξ5ξ3
ξ6
ondas
A,ω
x
y
z
H
βξ4
ξ1
ξ2
ξ5ξ3
ξ6
ondas
A,ω
Figura 45 – Definição dos movimentos do corpo em seis graus-de-liberdade
O sistema de referências Oxyz é suposto fixo no espaço e com origem na
superfície-livre indeformada do mar (representada, então, por z=0). Na notação
indicial que adotaremos, os movimentos de translação em relação aos eixos x, y e
z (surge, sway e heave) têm amplitudes referenciadas por ( 321 ;; ξξξ ),
respectivamente. Os movimentos de rotação em torno dos mesmos eixos (roll,
pitch e yaw) têm amplitudes dadas por ( 654 ;; ξξξ ).
Nesta seção vamos recuperar conceitos básicos de hidrostática, já velhos
conhecidos dos alunos de engenharia naval. De fato, a hidrostática é, do conjunto
Hidrodinâmica I 122
de disciplinas que hoje formam o escopo básico da engenharia naval, a mais
antiga. Através desse estudo equacionaremos as forças e momentos de
restauração hidrostáticos que regem a flutuabilidade e a estabilidade estática do
corpo flutuante.
O problema hidrostático se caracteriza pela ausência de velocidades e
acelerações do fluido (e, portanto, do corpo flutuante). Nesse caso, o campo de
pressões (já entendo a pressão como relativa à pressão atmosférica) é dado
simplesmente por:
gzp ρ−= (4.3)
As resultantes de força e de momento decorrentes da integração de (4.3) sobre
a superfície molhada do corpo (SB) resultam então:
(4.4) dSnrzgM
dSnzgF
B
B
S
S
)( rrr
rr
×−=
−=
∫∫
∫∫
ρ
ρ
onde rr representa o vetor posição (x,y,z).
Suponhamos, agora, um referencial O’x’y’z’ solidário ao corpo, ilustrado na
figura abaixo:
x
y
z
ξ1
ξ2
ξ5ξ3
x’y’
z’
x
y
z
ξ1
ξ2
ξ5ξ3
x’y’
z’
Figura 46 – Referencial fixo e referencial solidário ao corpo
Para um corpo livre, a força e o momento em (4.4) serão contrabalançados
pela força peso do corpo. Como o centro de gravidade do corpo (CG) se desloca
com o corpo, é conveniente expressar o momento em termos do referencial
Hidrodinâmica I 123
solidário ao corpo. Se ),,( 321 ξξξξ =T
r denota o vetor de translação do corpo, então
podemos escrever e assim, aplicando a fórmula de mudança de pólo
entre os pólos O e O’, verifica-se que o momento em relação ao referencial
solidário ao corpo (
Trr ξrvr
+= '
'Mr
) é expresso por:
dSnrzgM TSB
])[(' rrrr×−−= ∫∫ ξρ (4.5)
Obviamente, a área molhada do corpo depende dos valores de 6,...,1 ; =jjξ .
Dessa forma, para avaliar a força em (4.4) e o momento em (4.5) vamos
considerar o volume V definido como o volume interno do corpo abaixo do plano
z=0. Esse volume é limitado pela superfície molhada do corpo e pela área de corte
no plano z=0. Aplicando o Teorema de Gauss para a expressão da força em (4.4),
concluímos que:
kgVdzzgFV
rrρρ =∇= ∫∫∫ )( (4.6)
pois a integral de superfície sobre o plano z=0 é nula.
A força em (4.6) é obviamente a força de empuxo (buoyancy em inglês)
atuante sobre o corpo. Analogamente, para o momento (4.5), podemos aplicar
uma das variantes do Teorema de Gauss, que estabelece para uma campo
vetorial Q a seguinte relaçãor 47 (com a normal exterior ao domínio):
VdQdSQnVS∫∫∫∫∫ ×∇=× )()(
rrr
através da qual deduzimos que:
∫∫∫∫∫∫ −−−=−×∇−=VV
T dVjxiygdVrzgM ])()[()(' 12
rrrrrξξρξρ (4.7)
Mostraremos, agora, que o momento (4.7) é o produto entre a força de empuxo
e o vetor posição do centro de empuxo do corpo (ou centro de carena, CB). Para
tanto, notemos que o volume V (instantâneo) pode ser obtido como a diferença
entre o volume de deslocamento original (∀ , abaixo da linha d’água z’=0) e o
47 Esta variante decorre diretamente do Teorema da Divergência, bastando, para isso, tomá-lo para
um campo vetorial QcFvrr
×= , onde cr é um vetor constante no espaço e não nulo.
Hidrodinâmica I 124
volume da “cunha” definida entre os planos z=0 e z’=0 ( ). Na hipótese de
pequenos deslocamentos, um elemento de volume dessa cunha pode ser escrito
como e, assim, volume da cunha pode ser obtido mediante
integração sobre a área do plano de linha d’água (A
0V
''0 dyzdxdV =
W). Dessa forma:
(4.8) kdyzdxgFWA
rr
⎥⎥⎦
⎤
⎢⎢⎣
⎡−∀= ∫∫ ''ρ
∫∫∫∫∫ ×−−−−=∀ WA
dydxkrzgdVjxiygM '')'(])()[(' 12
rrrrrρξξρ (4.9)
Note que as integrais acima, agora, são feitas sobre parâmetros conhecidos a
priori para um determinado calado do corpo. Para tornar as expressões ainda mais
convenientes, seria interessante reescrevê-las em termos do referencial solidário
ao corpo. Para isso, observamos que a relação entre os dois sistemas de
coordenadas pode ser aproximada, mais uma vez supondo pequenos
deslocamentos de rotação, na forma:
'' xxx RTrrv ×++= ξξ (4.10)
Considerando (4.10) em (4.8) e (4.9), obtemos:
(4.11) kdydxxygFWA
rr
⎥⎥⎦
⎤
⎢⎢⎣
⎡−+−∀= ∫∫ '')''( 543 ξξξρ
∫∫
∫∫∫−−+−
−+−−+=∀
WA
dydxjxiyxyg
dVjyzxizxygM
'')'')(''(
])'''()'''[('
543
6546
vr
rrr
ξξξρ
ξξξξρ
(4.12)
Por fim, sendo:
∫∫∫∀∀
== dVxzyxx BBBB '1),,( rv (4.13)
a posição do centro de carena do corpo (note que as coordenadas já são dadas
em relação ao referencial do corpo) e:
Hidrodinâmica I 125
(4.14)
dSyS
dSyxS
dSxS
dSyS
dSxS
W
W
W
W
W
A
A
A
A
A
222
12
211
2
1
'
''
'
'
'
∫∫
∫∫
∫∫
∫∫
∫∫
=
=
=
=
=
os momentos de área do plano de flutuação, as equações (4.11) e (4.12) podem
ser reescritas na forma:
( kSSAgF W )rr
15243 ξξξρ +−−∀= (4.15)
jSSSyzxg
iSSSzxygM
BBB
BBBr
rr
])([
])(['
1151241365
1252242346
ξξξξξρ
ξξξξξρ
+−−−+∀−
−+−−−+∀= (4.16)
Como esperado, a força hidrostática confere a restauração em heave enquanto
o momento hidrostático é responsável pelas restaurações em roll e pitch. Os
movimentos do corpo no plano horizontal não possuem restauração hidrostática e,
portanto, só podem ser restritos através de forças externas (por exemplo, através
de amarrações).
Para um corpo submerso, AW e os momentos (4.14) são nulos e as
restaurações hidrostáticas dependem apenas do volume de deslocamento e da
posição do centro de carena.
O ponto de coordenadas ( 0;; 21 WW ASAS ) é conhecido, na terminologia naval,
como centro de flutuação (em inglês, center of flotation, CF) e representa o centro
de giro do corpo flutuante em roll e pitch. No restante desta seção,
consideraremos o CF como a origem do sistema de coordenadas solidário ao
Hidrodinâmica I 126
corpo (nesse caso, ) e que o corpo possui um plano de simetria
vertical
021 == SS48 (caso de um navio, por exemplo), então 012 =S .
As forças e momento hidrostáticos são contrabalançados pela força peso do
corpo ( ) e seu momento em relação à origem do sistema de coordenadas
do corpo. Se as coordenadas do centro de gravidade do corpo (CG), escritas no
sistema local, são dadas por ( ) podemos somar as contribuições do peso
às forças e momentos hidrostáticos e escrever as forças e momentos totais como:
mg−;0;0
GGG zyx ;;
( )[ kAgmF Wt ]rr
3ξρ −−∀= (4.17)
jmgyyggSmgzzgmgxxg
igSmgzzgmgxxgmgyygM
GBGBGB
GBGBGBtr
rr
)]()()[(
)]()()[('
6115
2246
−∀−+−∀+−∀−
−+−∀−−∀+−∀=
ρξρρξρ
ρρξρξρ (4.18)
Adotando a notação indicial para forças ( ) e momentos ( )
podemos reescrever (4.17) e (4.18) na forma matricial:
321 ;; FFF 654 ;; FFF
( )ji ; 0 e ji ; 1
][)()(
,,
5,4,3,i
≠===
+−∀−−∀+−∀=
jiji
iiGBiGBi CmgxxgmgyygmggFδδ
ξδρδρδρ (4.19)
A matriz é uma matriz (6x6) conhecida como matriz de restauração
hidrostática , cujos termos não nulos são dados por:
][C
)()(
)()(
56
1155
46
2244
33
GB
GB
GB
GB
W
mgyygcgSmgzzgc
mgxxgcgSmgzzgc
gAc
−∀=+−∀−=
−∀=+−∀−=
−=
ρρρ
ρρρ
ρ
(4.20)
48 Mesmo que o corpo não o possua, pode-se sempre adotar uma rotação dos eixos horizontais de
forma a anular o momento cruzado de área.
Hidrodinâmica I 127
Para que o corpo esteja em equilíbrio ( 0=iξ ), a expressão (4.19) impõe as
seguintes condições:
∀= ρm
e:
GB
GB
yyxx
==
A primeira condição recupera o Princípio de Arquimedes. A segunda impõe
que as forças peso e empuxo tenham pontos de aplicação na mesma vertical,
anulando os momentos. Nesta situação de equilíbrio, os termos em (4.20)
resultam:
0)(
0)(
56
1155
46
2244
33
=∀+−−=
=∀+−−=
−=
cSzzmgc
cSzzmgc
gAc
GB
GB
Wρ
(4.21)
O termo de restauração em roll ( ) em (4.20) é conhecido na nomenclatura
naval com altura metacêntrica transversal (GM
44c
t), enquanto o termo de restauração
em pitch é a chamada altura metacêntrica longitudinal (GMl). É normalmente deste
ponto que a maioria dos livros básicos de Arquitetura Naval parte para o estudo de
estabilidade estática de embarcações. Toda a dedução acima, no entanto, será
muito importante para o equacionamento da dinâmica de um corpo flutuante em
ondas, dado que a matriz [C] é usualmente a única fonte de restauração dos
movimentos de heave, roll e pitch.
4.3. Forças Hidrodinâmicas
Nossa intenção, agora, é descrever as forças hidrodinâmicas que atuarão
sobre o corpo flutuante quando da incidência de uma onda plana progressiva de
Hidrodinâmica I 128
pequena amplitude (A) e freqüência ω. Consideraremos, portanto, ondas lineares
e os movimentos induzidos pelas mesmas e assim, para facilitar o
desenvolvimento algébrico, adotaremos novamente a notação complexa.
As amplitudes de movimento 6,...,1 ; =jjξ serão números complexos,
trazendo com si não apenas as informações de amplitude de deslocamento do
corpo mas também as informações das fases relativas entre cada movimento e a
onda incidente. Dessa forma, as seis componentes de velocidade do corpo podem
ser expressas na forma:
(4.22) 6,...,1 )Re()( == jeitU tijj
ωωξ
Como as ondas incidentes sobre o corpo são supostas de pequena amplitude,
os deslocamentos do corpo também o serão e, assim, podemos adotar
procedimento análogo àquele empregado no Capítulo 2 (ver eq. 2.23) e decompor
o potencial de velocidades procurado na forma:
(4.23) ⎪⎭
⎪⎬⎫
⎪⎩
⎪⎨⎧
⎥⎦
⎤⎢⎣
⎡+= ∑
=
ti
jAjj ezyxAzyxtzyx ωφφξφ
6
1),,(),,(Re),,,(
Em (4.23) cada potencial 6,...,1 ; z)y,(x, =jjφ representa o potencial de
velocidades devido a um movimento de amplitude unitária no correspondente grau
de liberdade, na ausência de ondas incidentes. O potencial resultante da soma
dessas seis componentes é conhecido então como potencial de radiação. O nome
se refere ao fato de que o corpo, ao se movimentar, irradia ondas que se
propagam, afastando-se do mesmo.
O potencial z)y,(x,Aφ , por sua vez, representa o potencial devido à presença
da onda incidente com amplitude unitária e sua interação com o corpo fixo e é
conhecido como potencial de difração. Pode ser decomposto também em duas
componentes distintas, a primeira referente ao potencial de onda incidente não
perturbada, ou seja, na ausência do corpo ( z)y,(x,0φ ) e a segunda representado o
“espalhamento” desta onda uma vez que a mesma incide sobre o corpo fixo
( z)y,(x,7φ ):
z)y,(x,z)y,(x, z)y,(x, 70 φφφ +=A (4.24)
Hidrodinâmica I 129
Deve-se observar que toda essa decomposição de efeitos indicada em (4.23)
e (4.24) somente é possível graças à hipótese de pequenas amplitudes de onda e
pequenos deslocamentos do corpo. Nessa situação, podemos desconsiderar
variações geométricas da região molhada do corpo e, uma vez que a teoria é
linear, podemos admitir a superposição dos diferentes campos ondulatórios.
Cabe-nos, agora, equacionar o problema de contorno em função das oito
componentes distintas identificadas acima. Considerando (4.23), sabemos que
cada componente deverá satisfazer a equação da continuidade:
7,...,1,0 0 ==∆ jjφ (4.25)
A imposição da condição de Cauchy-Poisson na superfície-livre (z=0), por sua
vez, implica em:
7,...,1,0 0,z em 02
===∂
∂+− j
zgj
j
φφω (4.26)
e a condição de impermeabilidade no fundo:
7,...,1,0 ,-z em 0 ===∂
∂jh
zjφ
(4.27)
ou, alternativamente, em profundidade infinita 7,...,0 ; 0 =→ jjφ quando
-∞→z .
Finalmente, para os potenciais de radiação, a condição de contorno no corpo
exige que:
6,5,4 , em )(
3,2,1 , em
B3
B
=×=∂
∂
==∂
∂
− jSnrin
jSnin
jj
jj
rrωφ
ωφ
(4.28)
Já para o potencial de difração, a correta imposição da condição de contorno
implica em:
em 0 BSn
A =∂
∂φ
e, portanto:
Hidrodinâmica I 130
em n
B
07 Sn ∂
∂−=
∂∂ φφ
(4.29)
A solução do problema de contorno consiste em determinar as sete incógnitas
representadas pelos seis potenciais de radiação e pelo potencial de
espalhamento, já que o potencial de onda incidente é conhecido. Essa solução
pode ser entendida como a superposição de dois problemas de natureza física
distinta. O primeiro corresponde àquele expresso pelas equações (4.25-4.28) e é
conhecido como problema de radiação. O segundo, referente à solução das
equações (4.25-4.27 e 4.29), é chamado problema de difração. Como veremos, da
solução do primeiro resultam as forças inerciais (massas adicionais) e o chamado
“amortecimento de radiação” (radiation damping), enquanto do segundo resultam
as chamadas “forças de excitação” (wave-exciting forces) que são aquelas
efetivamente responsáveis por induzir os movimentos do corpo.
Antes, contudo, precisamos discutir a necessidade de uma condição de
contorno adicional chamada condição de radiação. Tal necessidade fica óbvia se
observarmos, por exemplo, que um termo na forma z)y,(x,. AC φ , com C
representando uma constante arbitrária, pode ser somado aos potenciais de
radiação 6,...,1 ; z)y,(x, =jjφ sem violar as condições de contorno (4.26-4.28). Em
outras palavras, a unicidade das soluções não está ainda garantida. Esse
problema, contudo, pode ser eliminado através da imposição de uma condição
que garanta que as ondas irradiadas e espalhadas tenham o sentido de
propagação correto, afastando-se do corpo. Assim, definindo pode-
se escrever:
2/122 )( yxR +=
721 ,Rp/ 1 ,...,,jeR
ikRj =∞→∝ −φ (4.30)
onde o decaimento com a distância é imposto para garantir a conservação de
energia à medida que a onda se afasta do corpo. Em um caso bidimensional, a
condição correspondente seria dada por:
(4.31) p/ x ±∞→∝ ikxj emφ
Hidrodinâmica I 131
As forças hidrodinâmicas atuantes sobre o corpo podem ser calculadas
mediante a integração do campo de pressão linear sobre a superfície SB, campo
este obtido através da equação de Bernoulli, desprezando-se o termo quadrático
na velocidade do fluido:
gzt
p ρφρ −∂∂
−= t)z,y,(x,
ou:
(4.32) ⎪⎭
⎪⎬⎫
⎪⎩
⎪⎨⎧
⎥⎦
⎤⎢⎣
⎡+−= ∑
=
ti
jAjj eizyxAzyxtzyxp ωωφφξρ
6
1),,(),,(Re),,,(
Assim, as forças e momentos sobre o corpo resultam:
⎪⎭
⎪⎬⎫
⎪⎩
⎪⎨⎧
+−
⎥⎥⎦
⎤
⎢⎢⎣
⎡−
−=
∫∫
∑ ∫∫
∫∫
=
B
B
B
S
ti
j Sj
tij
S
dSnAei
dSnei
dSnzgtF
r
r
rr
)(Re
Re
)(
70
6
1
φφωρ
φωξρ
ρ
ω
ω (4.33)
⎪⎭
⎪⎬⎫
⎪⎩
⎪⎨⎧
×+−
⎥⎥⎦
⎤
⎢⎢⎣
⎡×−
×−=
∫∫
∑ ∫∫
∫∫
=
B
B
B
S
ti
j Sj
tij
S
dSnrAei
dSnrei
dSnrzgtM
))((Re
)(Re
)()(
70
6
1
rr
rr
rrr
φφωρ
φωξρ
ρ
ω
ω (4.34)
Cada uma das três componentes nas equações (4.33) e (4.34) representam
diferentes contribuições para a força e o momento resultante. Comparando essas
duas equações com (4.4), percebe-se que o primeiro termo de força e momento
Hidrodinâmica I 132
corresponde, na verdade, às contribuições hidrostáticas49. Estas foram discutidas
na seção anterior e, como já sabemos, serão as responsáveis pela restauração
hidrostática do corpo em heave, roll e pitch. As integrais no segundo termo de
(4.33) e (4.34) são facilmente identificadas com os termos de força e momento
derivados em (2.25) e (2.27) no estudo das forças hidrodinâmicas sobre um corpo
com movimento arbitrário em fluido infinito. Naquela ocasião, definimos tais
integrais como as massas adicionais. Aqui, porém, os potenciais
6,...,1 ; z)y,(x, =jjφ são complexos. A massa adicional corresponderá à parte real
destas integrais, enquanto a parte imaginária resultará no chamado
amortecimento de radiação. Por fim, a terceira componente em (4.33) e (4.34)
representa a força e o momento induzidos pela ação da onda incidente sobre o
corpo.
As forças e momentos hidrostáticos já foram discutidos na seção 4.2. A seguir,
discutiremos separadamente as demais forças e momentos hidrodinâmicos.
4.3.1. Massa Adicional e Amortecimento de Radiação
Discutiremos nesta seção as características das componentes de força e
momento representadas pelo segundo termo das equações (4.33) e (4.34). Para
facilitar a exposição, trabalharemos novamente com uma notação indicial
denotando as três componentes dessa força e momento na forma ),,( 321 FFFF =r
e
, lembrando que ),,(),,( 654321 FFFMMMM ==v
, MFvr
agora se referem
exclusivamente à força e momento representados pelo segundo termo em (4.33) e
49 Cabe aqui um comentário quanto à influência da onda sobre a área molhada do corpo. Na
hipótese de pequena amplitude de onda e pequenos deslocamentos do corpo, é possível mostrar
que a contribuição de força decorrente da variação da superfície molhada do corpo induzida pelo
movimento da superfície-livre é uma contribuição de segunda-ordem na amplitude da onda e pode,
assim, ser desprezada. Para maiores detalhes ver Newman (1977).
Hidrodinâmica I 133
(4.34). Através dessa notação podemos representar as seis componentes de
forma matricial:
(4.35) 6,...,2,1 Re6
1
=⎭⎬⎫
⎩⎨⎧
= ∑=
ifeFj
ijti
jiωξ
onde, considerando (4.28) em (4.33) e (4.34):
∫∫ ∂∂
−=BS
ji
ij dSn
f φφ
ρ (4.36)
É fácil perceber que os 36 coeficientes são análogos às massas adicionais
definidas em (2.28). Aqui, porém, estes coeficientes são complexos e suas partes
real e imaginária dependem da freqüência
ijf
ω em função da condição de contorno
(4.26). Definindo-se:
(4.37) ijijij biaf ωω −= 2
as componentes de força (4.35) resultam:
( ) 6,...,2,1 Re6
1
2 =⎭⎬⎫
⎩⎨⎧
−= ∑=
ibiaeFj
ijijti
ji ωωξ ω
e, lembrando que as velocidades e acelerações do corpo são dadas por:
6,...,1 )Re()(
6,...,1 )Re()(2 =−=
==
jetU
jeitUti
jj
tijj
ω
ω
ξω
ωξ&
podemos reescrever as forças na forma:
6,...,2,1 6
1
==+−= ∑=
iUbUaF jijj
jiji& (4.38)
Verifica-se, assim, que as forças e momentos resultantes sobre o corpo
apresentam componentes em fase com a aceleração do corpo (inerciais) e
componentes em fase com as velocidades do corpo (amortecimentos),
respectivamente proporcionais a:
∫∫
∫∫
∂∂
=−=
∂∂
−==
B
B
Sj
iij
Sj
iijij
dSn
fbij
dSn
fa
φφ
ωρ
ωω
φφ
ωρ
ωω
)Im(1)(
)Re(1)( 22
(4.39)
Hidrodinâmica I 134
Os coeficientes são os coeficientes de massa adicional enquanto os
coeficientes recebem o nome de coeficientes de amortecimento de radiação.
ija
ijb
As massas adicionais diferem daquelas correspondentes ao corpo imerso em
fluido sem fronteiras, devido à presença da superfície livre. O amortecimento por
radiação se deve ao fato de que o corpo, ao oscilar, irradia ondas que se
propagam para longe do corpo representando um fluxo de energia. Consideremos
agora um único modo de oscilação do corpo. Observando (4.38) percebemos que
o trabalho médio realizado para contrabalançar as forças impostas pelo fluido ao
longo de um ciclo de onda é dado por:
222
21
iiiiiiii bUbUF ξω==− (4.40)
Lembrando que a energia média transportada pela onda é proporcional ao
quadrado de sua amplitude, (4.40) mostra que há uma relação direta entre os
coeficientes de amortecimento e a amplitude de onda irradiada pelo corpo. ijb
Uma propriedade importante dos coeficientes e é a simetria. A
demonstração desse fato é análoga ao que fizemos para demonstrar a simetria
das massas adicionais na seção 2.2.5, mediante o emprego do Teorema de
Green. Aqui, todavia, o teorema deve ser aplicado considerando-se não apenas a
superfície do corpo (S
ija ijb
ijm
B), mas também a superfície-livre (SF), o fundo (Sbot) e a
fronteira distante do corpo (S∞):
∫∫∞+++
=⎥⎦
⎤⎢⎣
⎡∂∂
−∂
∂
SSSS
ij
ji
botFB
dSnn
0φ
φφ
φ (4.41)
É fácil verificar, no entanto, que a consideração das condições de contorno
correspondentes em cada uma das fronteiras, com exceção da superfície do
corpo, implica na anulação do integrando e, assim:
∫∫ =⎥⎦
⎤⎢⎣
⎡∂∂
−∂
∂
BS
ij
ji dS
nn0
φφ
φφ (4.42)
o que implica diretamente em:
Hidrodinâmica I 135
jiij ff =
Além disso, pode-se demonstrar que, nos limites de baixas e altas freqüências
( 0→ω e ∞→ω ), existem relações diretas entre os coeficientes de massa
adicional do corpo no problema com superfície-livre ( ) e aqueles obtidos em
fluido sem fronteiras ( ). Uma discussão sobre o comportamento da massa
adicional e do amortecimento nesses limites assintóticos pode ser encontrada, por
exemplo, em Newman (1977).
ija
ijm
4.3.2. Forças de Excitação em Ondas
Resta-nos, por fim, analisar o terceiro termo nas expressões de força e
momento (4.33) e (4.34). Estes, como dissemos, se referem às forças e momentos
causados pela incidência de ondas sobre o corpo fixo. Empregando novamente
uma notação indicial, podemos escrever as três componentes de força e de
momento de excitação na forma:
6,...,2,1 Re, == iXAeF iti
iexcω (4.43)
e, empregando-se as condições de contorno (4.28) em (4.33) e (4.34), obtém-se:
∫∫ ∂∂
+−=BS
ii dS
nX
φφφρ )( 70 (4.44)
Os termos representam, portanto, as amplitudes complexas de força de
excitação nos respectivos graus de liberdade, para uma amplitude de onda
unitária. Graças à linearidade do problema, uma vez obtidos os valores de ,
serão conhecidos os valores das forças para qualquer valor de amplitude de onda,
bastando-se multiplicá-los de acordo com (4.43).
iX
iX
O potencial de onda incidente 0φ é conhecido. O potencial 7φ deve ser
determinado como solução do problema de difração, discutido anteriormente.
Hidrodinâmica I 136
Cabe aqui uma pequena digressão. As parcelas de força de excitação que
dependem exclusivamente da ação da onda incidente ( ∫∫ ∂∂
−=BS
ii dS
nX
φφρ 0 ) são
conhecidas como forças de Froude-Krylov. A chamada hipótese de Froude-Krylov
consiste, então, em aproximar as forças de excitação desconsiderando-se a
perturbação causada pelo corpo no escoamento. Trata-se, de fato, da
aproximação mais simples para estas forças e sua aplicação, embora muito
limitada, pode ser justificada em alguns casos. Um exemplo é o caso das forças
de excitação sobre um navio esbelto (alto L/B), quando o comprimento de onda é
muito maior do que a boca da embarcação. Neste caso pode-se mostrar que as
componentes de Froude-Krylov são os termos dominantes nas forças de surge,
heave e pitch e bons resultados podem ser obtidos com o emprego da técnica
conhecida como teoria de faixas (strip-theory)50. Todavia, na grande maioria dos
problemas envolvendo corpos flutuantes de grandes dimensões, a influência do
potencial de espalhamento é decisiva e os dois termos da equação (4.44) devem
ser considerados para o computo das forças de excitação.
No contexto da teoria linear, os coeficientes de força de excitação (4.44) serão
calculados sobre a superfície-molhada média do corpo, isto é, sem considerar a
influência da elevação da superfície sobre tal área. Conseqüentemente, as forças
de excitação serão idênticas quer o corpo esteja fixo ou livre para se mover em
ondas. A distinção entre os dois problemas decorre de efeitos de segunda-ordem.
Uma vez que o potencial de espalhamento 7φ e os potenciais de radiação
6,...,1 ; z)y,(x, =iiφ satisfazem as mesmas condições de contorno na superfície-
livre e no fundo e a mesma condição de radiação, podemos novamente empregar
o Teorema de Green para obter:
∫∫ =⎥⎦⎤
⎢⎣⎡
∂∂
−∂∂
BS
ii dS
nn07
7 φφ
φφ (4.45)
50 Maiores detalhes podem ser encontrados em Newman (1977).
Hidrodinâmica I 137
e, substituindo (4.45) em (4.44), escrever:
∫∫ ⎟⎠⎞
⎜⎝⎛
∂∂
+∂∂
−=BS
ii
i dSnn
X 70
φφ
φφρ
Porém, observando a condição de contorno (4.29), podemos escrever as
forças de excitação de uma forma alternativa, independente do potencial de
difração:
∫∫ ⎟⎠⎞
⎜⎝⎛
∂∂
−∂∂
−=BS
ii
i dSnn
X 00
φφ
φφρ (4.46)
As relações (4.46) são conhecidas na literatura como Relações de Haskind.
Elas expressam as forças de excitação nos vários graus de liberdade em função
de seus respectivos potenciais de radiação. É interessante notar ainda que,
novamente de acordo com o teorema de Green:
∫∫∞+++
=⎥⎦⎤
⎢⎣⎡
∂∂
−∂∂
SSSSi
i
botFB
dSnn
000
φφ
φφ (4.47)
e, aqui, as integrais em SF e Sbot mais uma vez se anulam devido às condições de
contorno, mas a integral em S∞ não, pois o potencial de onda incidente não
satisfaz a condição de radiação. Dessa forma, podemos reescrever (4.46) como:
∫∫∞
⎟⎠⎞
⎜⎝⎛
∂∂
−∂∂
=S
ii
i dSnn
X 00
φφ
φφρ (4.48)
e verificamos, portanto, que as forças de excitação no corpo também podem ser
obtidas com base nos potenciais de radiação calculados no chamado “campo
distante” (far-field, em inglês).
Mais ainda, pode-se mostrar51 que no campo distante os potenciais de
radiação são proporcionais à raiz quadrada do fluxo de energia, que por sua vez,
como discutimos anteriormente, se relaciona com os coeficientes de
amortecimento de radiação. Empregando-se o método da fase estacionária, pode-
se encontrar a relação entre as forças de excitação e os coeficientes de
amortecimento de radiação:
51 Para uma discussão mais elaborada ver, por exemplo, Newman (1977).
Hidrodinâmica I 138
θθπρ
π
dXgc
kb ig
ii ∫=2
0
2)(8
(4.49)
onde o ângulo θ denota a direção de incidência de onda.
A expressão (4.49) permite inferir o comportamento das forças de excitação
no limite de altas freqüências ( ∞→ω ). Sabendo que o amortecimento de radiação
tende a zero neste limite (ver Newman (1977), pgs 303-304), pode-se deduzir que
as forças de excitação devem tender a zero mais rapidamente do que o termo
. Considerando-se a relação de dispersão de ondas verifica-se, então,
que no limite de altas freqüências as forças de excitação em um problema
tridimensional decaem mais rapidamente do que . Para problemas
bidimensionais, de forma similar, esse decaimento deve ser mais rápido do que
. O significado físico deste decaimento é fácil de compreender: O limite de
altas freqüências
( ) 2/1/ kcg
2/3−ω
2/1−ω
∞→ω corresponde também ao limite em que o comprimento de
onda tende a zero 0→λ e, nesta situação, a superfície do corpo estará sujeita à
ação simultânea de vários ciclos de ondas que acabam por se cancelar. Além
disso, o decaimento exponencial da perturbação ondulatória sobre o fluido
aumenta com a freqüência de onda, o que implica que, neste limite, a pressão
dinâmica só será significativa em uma faixa muito estreita abaixo da superfície
média do fluido. Denotemos por um comprimento típico do corpo. Os dois
efeitos acima, combinados, explicam porque as forças de excitação devem tender
a zero à medida que
Bl
∞→ω ou, alternativamente, à medida que o comprimento de
onda se torna muito pequeno face às dimensões típicas do corpo 1/ <<Blλ .
Situação muito diferente ocorre na situação oposta, no limite de baixas
freqüências 0→ω ou quando o comprimento de ondas é muito grande
comparado às dimensões típicas do corpo ( 1/ >>Blλ ). Este é o chamado regime
de ondas longas e será discutido em maiores detalhes a seguir.
Hidrodinâmica I 139
4.3.2.1 Aproximação no Regime de Ondas Longas
Interessa-nos agora estudar uma aproximação para as forças de excitação no
regime de ondas longas ( 0→ω ).
A condição de contorno no corpo implica que:
nn rr .. 07 φφ −∇=∇ em SB (4.50)
mas esta pode ser reescrita a partir dos potenciais de radiação, bastando para
isso considerar as condições (4.28):
⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛∂∂
∂∂
+∂∂
∂∂
+∂∂
∂∂
=∇nznynx
in 3020107 .
φφφφφφω
φ r em SB (4.51)
e, portanto:
nzyx
in rr .. 30
20
10
7 ⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛∇
∂∂
+∇∂∂
+∇∂
∂=∇ φ
φφ
φφ
φω
φ em SB (4.52)
No regime de ondas longas, a aproximação consiste em considerar o campo
de velocidades induzido pela onda incidente como um campo constante sobre o
corpo cteBS
≅∇ 0φ . Nessa condição, podemos reescrever (4.52) como:
nzyx
in rr .. 30
20
10
7 ⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛∂
∂+
∂∂
+∂
∂∇≅∇ φ
φφ
φφ
φω
φ em SB (4.53)
da qual deduzimos que o potencial de espalhamento 7φ pode, no regime de ondas
longas, ser aproximado por:
⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛∂
∂+
∂∂
+∂
∂≅ 3
02
01
07 φ
φφ
φφ
φω
φzyx
i (4.54)
Substituindo (4.54) em (4.44) tem-se, então:
∑∫∫= ⎥
⎥⎦
⎤
⎢⎢⎣
⎡
∂∂
+⎟⎠⎞
⎜⎝⎛
∂∂
−≅3
1
00
j jij
S
ii x
fidSn
XB
φω
φφρ (4.55)
O primeiro termo em (4.55) será responsável pela força e pelo momento
induzidos pelo potencial de onda incidente:
Hidrodinâmica I 140
(4.56)
⎪⎭
⎪⎬⎫
⎪⎩
⎪⎨⎧
×−=
⎪⎭
⎪⎬⎫
⎪⎩
⎪⎨⎧
−=
∫∫
∫∫
B
B
S
tiexc
S
tiexc
dSnrAeitM
dSnAeitF
)(Re)(
Re)(
00,
00,
rrr
rr
φωρ
φωρ
ω
ω
No entanto, aplicando-se o teorema de Gauss na forma do gradiente,
podemos calcular a força com base no volume de deslocamento do corpo (∀ ) e
na área do plano de flutuação, pois:
∫∫∫∫∫∫∫ −∇−=∀ wB AS
dSndVdSn rr000 φφφ (4.57)
Todavia, como no regime de ondas longas a variação espacial do potencial
0φ é lenta (já que ), podemos aproximá-lo através da seguinte expansão em
série de Taylor:
0→k
⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛
∂∂
+∂
∂+≅
==
yy
xx
xxx 0
0
0
000 )0()(
rrrr
rr φφφφ (4.58)
e, assim:
∫∫∫∫∫∫== ∂
∂−
∂∂
−−−∀∇≅wwB AxAx
wS
dSnyy
dSnxx
AdSn rrrrrrrr0
0
0
0000 )0(
φφφφφ
Mas, lembrando das definições dos momentos de área do plano de flutuação
dadas em (4.14), podemos ainda escrever:
kSy
Sx
AdSnxx
wSB
rrrrrrr ⎟
⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛
∂∂
+∂
∂++−∀∇≅
==∫∫ 2
0
01
0
0000 )0(
φφφφφ (4.59)
Analogamente, aplicando o teorema de Gauss na forma do divergente tem-se
para a integral no cálculo do momento:
∫∫∫∫∫∫∫ ×−×∇=×∀ wB AS
dSnrdVrdSnr )()()( 000rrrrr φφφ
ou:
∫∫∫∫ −+×∀∇≅×wB A
BS
dSjxiyxdSnr )()( 000
rrrrr φφφ (4.60)
e, considerando (4.58):
Hidrodinâmica I 141
jSy
Sx
S
iSy
Sx
SxdSnr
xx
xxB
SB
rr
rrrrr
rrrr
rrrr
⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛
∂∂
+∂
∂+−
−⎟⎟⎠
⎞⎜⎜⎝
⎛
∂∂
+∂
∂++×∀∇≅×
==
==∫∫
120
011
0
010
220
012
0
02000
)0(
)0()(
φφφ
φφφφφ
(4.61)
Cabe, então, observar que as derivadas do potencial 0φ serão termos
proporcionais a ( 10 <<φk ). Dessa forma, os termos proporcionais a essas
derivadas em (4.59) e (4.61) são pequenos se comparados aos termos
proporcionais a 0φ , assim como é pequena a contribuição advinda do potencial de
espalhamento (ver (4.55)). Assim, os termos dominantes de força e o momento de
excitação neste limite podem ser expressos simplesmente por:
))(0(Re)(
)0(Re)(
120
0
jSiSAeitM
AAeitFti
exc
wti
excvrrr
rr
−−≅
−≅
φωρ
φωρω
ω
(4.62)
Finalmente, observando que:
)()0(Re 0 tgAei ti ζφω ω −=r
chega-se às seguintes expressões para esses termos:
))(()(
)()(
12 jSiStgtM
ktgAtF
exc
wexcvrr
rr
−≅
≅
ζρ
ζρ (4.63)
Percebe-se, portanto, que no limite de baixas freqüências ( 0→ω ), as forças e
momentos de excitação dominantes correspondem às forças e momentos
hidrostáticos associados à elevação de onda incidente sobre o corpo.
A contribuição do potencial de espalhamento em (4.55) pode ser relacionada
com os coeficientes de massa adicional e amortecimento (parte real e parte
imaginária de ). ijf
Podemos inferir a influência desta contribuição através da análise de um caso
simples. Suponhamos, então, um corpo flutuante simétrico em relação aos planos
x=0 e y=0. Vamos calcular a força vertical sobre este corpo induzida por ondas de
baixa freqüência. Neste caso, dada a simetria do corpo, sabemos que
, assim como os momentos de área 03231 == ff 021 == SS . De (4.55) e (4.59),
temos então:
Hidrodinâmica I 142
z
fiAiiX w ∂∂
+−∀∇+≅ 033003 )0(
φω
φρωφρωr
e, de (4.26) e (4.37) e considerando )0(00
rφφ k≅∇ :
)0()()0()0( 033332
003
rrrφωω
ωφρωφρω kbiaiAikiX w −+−∀+≅
ou:
[ ] )0()0()0( 00333303
rrrφρωφρφω wAikbakiX −+∀++≅
e, assim:
[ ] )0()0()0(Re)( 00333303
rrrφρωφρφω wAikbakitF −+∀+≅
Por fim, notando que ),0()0(Re 0 twAeki tir
&r
=ωφω e ),0()0(Re 0 twAek tirr
=ωφ
podemos escrever:
[ ] )()()()( 00330333 tgAtwbtwatF wζρρ ++∀+≅ & (4.64)
A expressão (4.64) demonstra, portanto, que além da força hidrostática
associada à onda, a qual representa aqui o termo dominante, há ainda um termo
inercial, proporcional à aceleração vertical do fluido calculada na origem, e um
termo de amortecimento, proporcional à velocidade vertical do fluido neste mesmo
ponto.
Se o corpo estiver submerso a uma profundidade tal que efeitos de superfície-
livre possam ser ignorados, então 0;0; 333333 =≅≅ wAbma . Nesse caso, a
expressão (4.64) se resume em:
[ ] )()( 0333 twmtF &∀+≅ ρ (4.65)
4.3.2.2 A Fórmula de Morison
É fácil perceber a semelhança de (4.65) com o termo inercial da chamada
fórmula de Morison, já conhecida dos estudantes de engenharia naval. Esta
equação foi proposta de maneira ad hoc na década de 50 por J.E. Morison, então
aluno de graduação, para o cálculo das forças sobre uma coluna vertical de seção
circular exposta a ondas. Para isso, sobrepôs dois efeitos: a força inercial de
Hidrodinâmica I 143
ondas e a força de origem viscosa e, assim, derivou uma equação para a força em
cada seção da coluna. A abordagem empregada por Morison se mostra
apropriada para o estudo da força sobre corpos no regime de ondas longas, com
aplicações, por exemplo, no estudo de forças sobre risers, umbilicais, dutos
submersos, estruturas treliçadas de plataformas do tipo jaqueta e até mesmo
como aproximação para forças sobre plataformas semi-submersíveis. Tomemos
como exemplo o problema de um cilindro circular horizontal longo, submerso a
uma profundidade h, sob a ação de uma onda regular com amplitude A e
freqüência ω:
h
D
A
h
D
A
Figura 47 – Ação de ondas sobre um cilindro circular submerso
Neste caso, empregando-se a abordagem proposta por Morison, a força
seccional de heave é dada por:
[ ] )()(21)(1)( 0003 twtDwCtwCStf DM ρρ ++= & (4.66)
onde S corresponde à área da seção, CM é o coeficiente de inércia da seção em
heave e CD é o coeficiente de arrasto do cilindro. A força é então composta por um
termo inercial e um termo não-linear (quadrático) de arrasto, o segundo defasado
de 90o do primeiro.
Keulegan & Carpenter (1958) determinaram experimentalmente os valores de
CM e CD para vários tipos de cilindros sob escoamento oscilatório e verificaram
que os resultados apresentavam boa aderência com o adimensional que hoje leva
o nome de número de Keulegan Carpenter (KC):
D
VTKC = (4.67)
Hidrodinâmica I 144
onde V representa a amplitude de velocidade do escoamento e T o período de
oscilação do mesmo.
No caso do escoamento induzido por ondas harmônicas, temos e,
assim, o valor de KC para o cilindro da figura 47 é dado por:
kzAeV =
kheDAKC −=
ωπ2 (4.68)
No regime de KC baixo (tipicamente KC<3), as forças inerciais são
dominantes e o termo de arrasto pode ser desprezado. Conforme discutimos na
seção 4.1, neste caso a amplitude de movimento do fluido é muito pequena para a
formação da camada-limite e para a separação da mesma, não havendo a
formação de uma esteira rotacional significativa. Nesse limite, vale a aproximação
de escoamento potencial e o coeficiente de inércia corresponderá ao coeficiente
de massa adicional teórico da seção. Assim:
[ ] )(1)( 03 twCStf M &+≅ ρ (4.69)
e a força total sobre o cilindro recuperará, então, aquela prevista pela equação
(4.65).
Para valores mais altos de KC, o termo de arrasto passa a desempenhar
papel importante. Nessa situação, portanto, os efeitos viscosos serão importantes
e os coeficientes de inércia (CM) e de arrasto (CD) serão influenciados pelo número
de Reynolds (Re) e pela rugosidade da superfície. Um estudo bastante completo
sobre os valores destes coeficientes para diferentes valores de KC pode ser
encontrado, por exemplo, em Sarpkaya & Isaacson (1981).
4.4. Resposta em Ondas Regulares
Nas seções anteriores, discutimos as forças hidrostáticas e hidrodinâmicas
atuantes sobre um corpo flutuante ou submerso em ondas. Nosso objetivo, agora,
é levantar as equações do movimento do corpo e discutir alguns aspectos
importantes da dinâmica de sistemas oceânicos usuais.
Hidrodinâmica I 145
As equações do movimento decorrem diretamente da segunda lei de Newton
ao se igualar as forças e momentos inerciais do corpo às forças e momentos
decorrentes do campo de pressão do fluido (4.33) e (4.34). Assim, observando
(4.19)52, (4.35) e (4.43), podemos escrever as seis equações de movimento
acopladas na forma complexa:
i=1,2,...,6 (4.70) ⎥⎦
⎤⎢⎣
⎡++−= ∑∑
==
6
1
6
1
)(j
iijijjti
jjij AXfceUM ξω&
onde os termos Mij representam os coeficientes da matriz de inércia do corpo,
dada por:
[M] =
m 0 0 0 mzG -myG
0 m 0 -mzG 0 mxG
0 0 m myG -mxG 0
0 -mzG myG I11 I12 I13
mzG 0 -mxG I21 I22 I23
-myG mxG 0 I31 I32 I33
Lembrando que:
j=1,2,...,6 (4.71) )Re()(
)Re()(2 ti
jj
tijj
etU
eitUω
ω
ξω
ωξ
−=
=&
temos então:
i=1,2,...,6 [∑=
=+−−6
1
2
jiijijijj AXcfMωξ ]
]
Finalmente, de (4.37) temos que e, assim, podemos
reescrever as equações do movimento na forma final:
ijijij biaf ωω −= 2
(4.72) [∑=
=+++−6
1
2 )(j
iijijijijj AXcbiaM ωωξ
52 Por simplicidade, os termos decorrentes do peso próprio do corpo em (4.19) já foram
incorporados nos coeficientes cij.
Hidrodinâmica I 146
As seis equações em (4.72) podem ainda ser escritas na forma matricial, ao
se definir a matriz de massas adicionais [A], a matriz de amortecimento de
radiação [B] e a matriz de restauração hidrostática [C]:
XACBiAM =+++− ξωω ][][])[]([2 (4.73)
Deve-se notar que em (4.73) os coeficientes das quatro matrizes são reais,
enquanto o vetor de forças de excitação X é complexo, assim como também é
complexo o vetor das amplitudes de movimento ξ.
O vetor complexo AZ ξ= representa os movimentos do corpo (amplitude
e fase) quando excitado por uma onda de amplitude unitária. Este vetor
corresponde, portanto, a uma função de transferência que relaciona a amplitude
de onda com a resposta linear do sistema dinâmico. É mais conhecido na
literatura como o vetor dos Response Amplitude Operators (RAOs). Obviamente,
os RAOs dependerão não apenas da freqüência de onda ω mas também da
direção de incidência da onda em relação ao corpo (β). Assim, observando (4.73),
verificamos que o vetor de RAOs pode ser calculado como:
(4.74) XCBiAMZ 12 ][][])[]([),( −+++−= ωωβω
O vetor é complexo e, portanto, cada elemento é dado por: ,...,, 621 ZZZZ =
j=1,2,...,6 IjRjj iZZZ ,, +=
O módulo de Zj ( 2,
2, IjRjj ZZZ += ) fornece a amplitude de movimento no
grau de liberdade j para uma onda de amplitude unitária de freqüência ω que
incide sobre o corpo com um ângulo β. A fase de Zj ( )/arctan( ,, RjIjj ZZ=ε )
representa a diferença de fase entre o movimento do corpo no grau de liberdade j
e a onda incidente.
Hidrodinâmica I 147
A figura abaixo ilustra os RAOs de heave e pitch de um navio petroleiro (sem
velocidade de avanço) para duas diferentes direções de incidência:
β=180ο (incidência de ondas pela proa) e β=90ο (incidência de través). Neste caso,
os coeficientes potenciais (massas adicionais, amortecimentos, restaurações e
forças de excitação) foram calculados através de um software baseado na técnica
de teoria de faixas.
Figura 48 – RAOs de heave e pitch de um navio petroleiro
Podemos discutir alguns aspectos qualitativos da resposta. Tomemos como
exemplo, então, o movimento de heave. Dada a simetria do navio em relação ao
plano y=0, a maioria dos acoplamentos dinâmicos com o movimento vertical
resulta nula, exceto um possível acoplamento heave-pitch. Este acoplamento de
fato existe no exemplo acima e se apresenta claramente nos resultados. Todavia,
por simplicidade, vamos supor que a influência do movimento de pitch no RAO de
heave é pequena, como de fato o é na realidade, dados os valores usualmente
Hidrodinâmica I 148
elevados da restauração hidrostática de pitch. Assim, ignorando esse possível
acoplamento, o RAO de heave será dado por:
)(
),(333333
23
3 cbiamX
Z+++−
=ωω
βω (4.75)
onde: ∀= ρm é o deslocamento em massa do corpo e WgAc ρ=33 representa a
restauração hidrostática em heave (ver 4.20). Assim:
)(
),(3333
23
3WgAbia
XZ
ρωρωβω
+++∀−= (4.76)
No limite de baixas freqüências ( 0→ω ), a força de excitação em heave pode
ser aproximada por (4.64), o que significa, portanto, que:
1),(3 →βωZ para 0→ω (4.77)
como mostram os resultados da figura (4.38). Além disso, a fase resulta nula neste
limite ( 0 qdo 03 →→ ωε ) . Ou seja, quando a onda é muito longa em comparação
com as dimensões típicas do navio, o navio simplesmente acompanha a elevação
da superfície-livre.
Por outro lado, no limite de altas freqüências ( ∞→ω ), vimos que a força de
excitação deve tender a zero e, portanto:
0),(3 →βωZ para ∞→ω (4.78)
Percebe-se em (4.76) que o movimento de heave apresenta uma freqüência
natural dada por:
33
3 agAW
n +∀=
ρρ
ω (4.79)
e, portanto, o navio experimentará uma ressonância em heave quando a
freqüência de onda coincidir com a freqüência natural ( 3nωω = ). Através dos
resultados da figura 48 percebemos que 5.03 ≅nω rad/s para o navio em questão.
Ou seja, o período natural do movimento vertical é aproximadamente 12,5
segundos.
No caso de corpos flutuantes, ressonâncias ocorrerão também para os
movimentos de pitch e roll, em função da restauração hidrostática nestes modos.
Hidrodinâmica I 149
No caso de navios, como a restauração em pitch é usualmente grande, as
freqüências naturais são elevadas e normalmente não há problemas de
ressonância com as ondas do mar. O mesmo não ocorre, todavia, para o
movimento de roll. Outros tipos de sistemas como as plataformas semi-
submersíveis, por exemplo, são projetados com o objetivo específico de
apresentarem freqüências naturais em heave, roll e pitch suficientemente baixas
para estarem dessintonizadas da faixa de freqüências de energia significativa das
ondas do mar. O objetivo destes sistemas é justamente reduzir os movimentos
ressonantes nestes modos e, com isso, minimizar os movimentos verticais.
Se não houver nenhum tipo de restrição externa aos movimentos do plano
vertical (surge, sway e yaw), esses movimentos não apresentarão ressonâncias
pois a restauração hidrostática nesses modos é nula. Sistemas oceânicos
ancorados passarão a ter períodos freqüências naturais de oscilação no plano
horizontal, cujos valores serão diretamente proporcionais à rigidez das linhas de
ancoragem. Em geral, estas freqüências são baixas, com períodos típicos da
ordem de 100 segundos. Dessa forma, ressonâncias não serão excitadas em
primeira-ordem, mas apenas através de forças hidrodinâmicas de baixa freqüência
de segunda-ordem, dando origem ao fenômeno conhecido como deriva-lenta
(slow-drifts).
Como no caso de um oscilador mecânico, a amplitude de resposta
ressonante será inversamente proporcional ao coeficiente de amortecimento do
movimento. Na modelagem baseada em escoamento potencial, esse
amortecimento depende exclusivamente dos coeficientes bij, ou seja, do
amortecimento por irradiação de ondas. Nos casos dos movimentos de heave,
pitch e roll, em alguns casos esse amortecimento pode ser baixo, de forma que a
influência dos amortecimentos de origem viscosa passa a ser importante para a
estimativa da amplitude de movimento ressonante. Esse aspecto será discutido
em maiores detalhes a seguir.
Hidrodinâmica I 150
4.4.1. Incorporação de Amortecimento Viscoso
Em alguns casos, o corpo flutuante ao oscilar praticamente não gera ondas
e, dessa forma, o amortecimento por radiação de ondas é pequeno. Um caso
típico no qual isso ocorre é o movimento de roll de um navio. Além disso, cascos
projetados para apresentar pequenos valores de força de excitação em heave,
pitch e roll necessariamente apresentarão baixos valores de amortecimento de
radiação nestes movimentos, fato que pode ser deduzido diretamente a partir das
relações de Haskind (ver eq. 4.49). Nessa categoria se enquadram, por exemplo,
os cascos de plataformas semi-submersíveis, TLPs, Spars e Mono-Colunas.
Em todos os casos discutidos acima, o amortecimento viscoso pode ser da
mesma ordem ou até mesmo dominante no amortecimento total do sistema e deve
ser incluído no cálculo dos RAOs sob pena de superestimar, e muito, as
amplitudes de resposta ressonantes. Sabemos, contudo, que o amortecimento de
origem viscosa é tipicamente quadrático na velocidade do movimento (Uj). Assim,
o amortecimento total pode geralmente ser modelado na forma:
jjjjjj UUdUdB )2()1( += (4.80)
Os valores dos coeficientes linear e quadrático são normalmente
obtidos a partir de ensaios de decaimento realizados em tanque de provas com
modelos do casco em escala reduzida.
);( )2()1(jj dd
A figura a seguir ilustra os resultados de ensaios de decaimento em heave e
roll de um modelo de navio FPSO (escala 1:90).
Hidrodinâmica I 151
10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60
-0.1
-0.05
0
0.05
0.1
0.15
0.2
0.25
0.3
Sinal de decaimento - Anotar Período e Intervalo
t(s) (a)
180 200 220 240 260 280 300 320 340 360-8
-6
-4
-2
0
2
4
6
8
Sinal de decaimento - Anotar Período e Intervalo
t(s) (b)
Figura 49 – Resultados de ensaios de decaimento em heave (a) e roll (b) com modelo de navio FPSO
Uma discussão sobre aspectos operacionais envolvidos neste tipo de
ensaio e sobre as técnicas existentes para a obtenção dos coeficientes de
amortecimento a partir de seus resultados pode ser encontrada, por exemplo, em
Chackrabarti (1994).
Deve-se observar, todavia, que para o cálculo dos RAOs supõe-se que a
dinâmica do sistema seja linear. Assim, deve-se obter um valor de amortecimento
linear equivalente , definido com base na hipótese de que a energia
dissipada por esse amortecimento no decorrer de um ciclo do movimento seja
igual àquela dissipada pelo amortecimento original. Ou seja:
)( )(eqjd
dtUUUdUdT
dtUUdT jjjj
T
jjj
T
jeq
j ).(1.1 )2(
0
)1(
0
)( += ∫∫ (4.81)
Observando (4.71) e após alguma álgebra, conclui-se então que o
amortecimento pode ser escrito como:
jeq
jj UdB )(=
com:
)2()1()(
38
jjjeq
j ddd ωξπ
+= (4.82)
O segundo termo em (4.82) deve então ser somado ao termo de
amortecimento de radiação (bjj) para o computo dos RAOs. Este é o procedimento
Hidrodinâmica I 152
usualmente empregado pelos softwares que trabalham com o problema de
comportamento no mar, por exemplo o programa WAMIT®. Esta abordagem
apresenta, contudo, um problema de ordem prática. Percebe-se em (4.82) que o
amortecimento equivalente dependerá não apenas da freqüência da onda, mas
também da amplitude do movimento, desconhecida a priori. Isto normalmente
obriga o ajuste dos coeficientes de amortecimento com base em valores
experimentais de RAO obtidos através de ensaios em ondas regulares.
Por esta razão, também, em simulações dinâmicas do sistema no domínio
do tempo é preferível não empregar diretamente os RAOs para cálculo dos
movimentos, mas sim utilizar os coeficientes potenciais calculados numericamente
para resolver a equação dinâmica não-linear, incluindo os termos de
amortecimento quadrático. Uma discussão sobre o enfoque no domínio do tempo
será apresentada na seção 4.5.1.
4.5. Resposta em Ondas Irregulares
Uma vez conhecidas as funções de transferência dos movimentos para
amplitude de onda unitária (RAOs), espectros de energia dos movimentos
(também chamados espectros de resposta) podem ser facilmente calculados para
qualquer espectro de mar )(ωζS .
O procedimento para tanto é simples. Lembremos, inicialmente, da definição
do espectro de energia do mar (ver eq. 3.48):
2
21).( nn AdS =ωωζ
Analogamente, o espectro de resposta do sistema no grau de liberdade j pode
ser definido por:
2
)(21).( ωξωω jj dS = (4.83)
e, portanto:
Hidrodinâmica I 153
22
)(21
)()(
).( ωωωξ
ωω AA
dS jj =
ou seja:
)()()(2
ωωω ζSZS jj = (4.84)
onde )(ωjZ representa o RAO do grau de liberdade j.
O procedimento descrito por (4.84) para obtenção dos espectros de resposta é
conhecido como cruzamento espectral. Uma interpretação gráfica deste
procedimento é apresentada na figura abaixo.
Figura 50 – Interpretação gráfica do cruzamento espectral.
Uma vez determinados os espectros )(ωjS as mesmas inferências
estatísticas, discutidas na seção 3.6.2 com respeito às ondas do mar, podem ser
obtidas para os movimentos do corpo. Obtêm-se, então, as estatísticas de
resposta do corpo para um determinado estado de mar. Tomemos mais uma vez
como exemplo o movimento de heave para exemplificar o processo. O espectro de
Hidrodinâmica I 154
resposta em heave é )(3 ωS . O momento espectral de k-ésima ordem do
movimento de heave é então dado por:
(4.85) ∫∞
=0
3,3 ).( ωωω dSm kk
A amplitude significativa do movimento de heave será:
0,33/13 2 mA =
e o período médio de movimento pode ser estimado como o período central do
espectro de resposta:
1,3
0,331 2
mm
T π=
O período entre zeros do movimento, por sua vez, é dado por:
2,3
0,332 2
mm
T π=
Como a dinâmica do sistema foi suposta linear, a função distribuição da
resposta será Gaussiana, na medida que a distribuição de onda também o é. A
distribuição de amplitudes de resposta seguirá a distribuição de Rayleigh e,
portanto, a probabilidade de que a amplitude de heave exceda um determinado
valor a pode ser calculada como:
0,3
2
23 ma
eaAP−
=>
Pode-se ainda estimar o número médio de vezes que isso ocorrerá ao longo
de uma hora:
3600 33
2
aAPT
N hora >=
Procedimentos análogos podem ser realizados para os outros graus-de-
liberdade, complementando-se assim as estatísticas de resposta dos movimentos
de primeira-ordem.
Hidrodinâmica I 155
4.5.1. A Abordagem no Domínio do Tempo
Simuladores numéricos do comportamento dinâmico de sistemas oceânicos
são ferramentas de projeto cada vez mais importantes no contexto da engenharia
naval e oceânica. Estes códigos permitem avaliar, no domínio do tempo, as
respostas de sistemas flutuantes sob ação de ondas, vento e correnteza marítima.
Consideram a influência de risers e linhas de amarração e, hoje em dia, dadas as
lâminas d’água de operação cada vez maiores, representam um complemento
importantíssimo aos estudos em tanques de provas, já que estes últimos passam
a sofrer sérios problemas de escala.
Uma abordagem no domínio do tempo permite ainda lidar com efeitos de
natureza não-linear como, por exemplo, o problema de amortecimento viscoso
discutido na seção precedente. A grande maioria dos simuladores de sistemas
oceânicos emprega os resultados de programas que calculam os coeficientes
potenciais no domínio da freqüência. O procedimento operacional requer, então,
uma realização do espectro de mar e uma transformação dos resultados para que
possam ser empregados no domínio do tempo.
No decorrer desta seção apresentaremos, de forma breve, os fundamentos
desta transformação. Nosso objetivo aqui não é o de equacionar de forma
completa o problema, mas sim indicar os princípios nos quais este
equacionamento se baseia. Para tanto trabalharemos, por simplicidade, com o
movimento em um único grau-de-liberdade.
As Funções de Resposta Impulsivas
Suponhamos, então, um corpo flutuante livre para se mover em um grau-de-
liberdade, com movimento descrito por x(t), e que no instante de tempo t=t0 o
corpo esteja em repouso. Durante um pequeno intervalo de tempo , o corpo
realiza um deslocamento impulsivo
t∆
x∆ com velocidade constante V , de tal forma
que: . tVx ∆=∆
Hidrodinâmica I 156
O potencial de velocidades do escoamento induzido por este movimento
impulsivo ),,,( tzyxφ pode ser escrito como:
xtzyxtzyx ∆= ),,,(),,,( χφ ; (4.86)
onde ),,,( tzyxχ é o potencial de velocidades normalizado pelo deslocamento.
Obviamente, o fluido ainda realizará movimentos após o intervalo , quando
o corpo volta ao repouso. O princípio básico da técnica que vamos descrever é,
então, o seguinte: Um movimento arbitrário do corpo pode ser descrito como uma
sucessão de deslocamentos impulsivos. O escoamento fluido durante um intervalo
de tempo qualquer, contudo, será influenciado pelo movimento que o fluido
tinha nos instantes anteriores e, da mesma forma, influenciará o escoamento nos
instantes posteriores. O fluido apresenta então uma certa memória daquilo que
ocorreu com o escoamento em instantes passados.
t∆
t∆
O potencial do escoamento durante um intervalo ( mmm ttt ∆+, ) será então
escrito como:
(4.87) tVtttVt kkm
m
kkmm ∆∆++= −
=−∑ ),()(
1χψφ
com:
m: número de time-steps;
tm: tmt ∆+0
Vm: velocidade durante o intervalo ( ttt mm ∆+, );
Vk: velocidade durante o intervalo ( ttt kmkm ∆+−− , );
ψ : potencial de velocidades normalizado pela velocidade no intervalo
( ); ttt mm ∆+,
χ : potencial de velocidades normalizado pelo deslocamento no intervalo
( ); ttt kmkm ∆+−− ,
No limite em que , (4.87) pode ser reescrita como: 0→∆t
(4.88) ∫∞−
−+=t
dtxttxt ττχψφ )().()()( &&
Hidrodinâmica I 157
O campo de pressões do escoamento, por sua vez, pode ser estimado
diretamente da equação de Bernoulli. Supondo que o problema seja linear, a
pressão dinâmica será então dada por:
t
tp∂∂
−=φρ)(
e a força sobre o corpo é obtida mediante integração sobre a superfície molhada
SB:
∫∫=BS
dSnpF r
Somando também a essa força um termo de restauração hidrostática e uma
força de excitação externa W(t), Cummins (1962) demonstrou que a equação do
movimento pode ser escrita na forma:
(4.89) ∫∞
=+−++0
)()()().()()( tWtCxdtxBtxAM τττ &&&
com coeficientes (A;B) a serem determinados a partir dos potenciais ψ e χ . Hoje
(4.89) é conhecida como equação de Cummins.
Ogilvie (1964), por outro lado, relacionou os coeficientes (A;B) com os
coeficientes de massa adicional )(ωa e de amortecimento por radiação )(ωb
demonstrando que:
)( ∞== ωaA (4.90)
e
∫∞
=0
)cos()(2)( ωωωπ
τ dtbB (4.91)
A equação (4.91) é conhecida como função de retardo ou função de
memória. Através de (4.90) e (4.91) pode-se equacionar o problema no domínio
do tempo empregando-se a equação de movimento (4.89) e os coeficientes
potenciais calculados no domínio da freqüência. Resta ainda, todavia, a
necessidade de realizar as forças externas (por exemplo, a força de excitação de
ondas) no domínio do tempo. Para tanto, parte-se do princípio de superposição de
ondas harmônicas, permitido no contexto da teoria linear de ondas. Supondo que
Hidrodinâmica I 158
o corpo esteja sob ação de um mar com espectro de energia dado por )(ωζS e
lembrando que:
∑=
+=N
nnnn tAt
1)cos()( εωζ
podemos escrever:
∑=
++=N
nXnnnnn tAXtW
1
)cos()()( εεωω (4.92)
onde X(ωn) são as forças de excitação de ondas para amplitude de onda unitária
discutidas na seção (4.3), que apresentam fase Xnε .
Com as forças calculadas em (4.92) e com os coeficientes dados por (4.90) e
(4.91), pode-se finalmente integrar numericamente a equação do movimento
(4.89) tendo como dados de entrada os coeficientes potenciais calculados através
de um programa linear no domínio da freqüência (por exemplo, o programa
WAMIT®).
4.6. Determinação dos Coeficientes Potenciais
Ao longo deste capítulo apresentamos a modelagem teórica que permite
calcular as forças hidrodinâmicas e, em última instância, a chamada resposta de
primeira-ordem de sistemas oceânicos flutuantes. Esse cálculo, todavia, depende
da solução dos problemas de contorno de radiação (eqs. 4.25 – 4.28) e de
difração (eqs. 4.25 – 4.27 e 4.29). Através desta solução serão conhecidos os
potenciais de radiação e espalhamento 7,...,1 ; z)y,(x, =jjφ e, de posse dos
mesmos, será possível então calcular as massas adicionais, amortecimentos de
radiação e forças de excitação.
Atualmente, para as geometrias usuais de cascos, essa solução é obtida
através de procedimentos numéricos baseados em técnicas que consideram
escoamentos potenciais bidimensionais (2D) ou tridimensionais (3D). Uma
discussão mais profunda sobre as técnicas e métodos numéricos empregados
para a determinação dos potenciais de velocidade foge do escopo deste curso. No
Hidrodinâmica I 159
entanto, algumas menções serão feitas a seguir, com o objetivo de orientar
aqueles que desejarem iniciar um estudo sobre essas técnicas.
Originalmente, uma das primeiras técnicas desenvolvidas para o estudo de
comportamento no mar de navios foi baseada na chamada Teoria de Faixas (Strip
Theory). Estas se caracterizam por transformar o problema tridimensional em uma
série de problemas bidimensionais independentes. O processo consiste em
estudar cada seção do navio como uma seção independente, resolvendo então
problemas de contorno bidimensionais. Obviamente, esta aproximação será tanto
melhor quanto menores forem os efeitos tridimensionais do escoamento sobre o
corpo. Em geral, admite-se que uma precisão aceitável pode ser obtida para
corpos esbeltos, com relação comprimeto/boca elevada (tipicamente L/B >3). Os
resultados finais são então obtidos mediante uma simples integração ao longo do
comprimento do corpo.
O passo inicial para o desenvolvimento dessa metodologia foram os trabalhos
de Ursell (ver, por exemplo, Ursell (1949)), que obteve uma solução analítica para
o escoamento em torno de um cilindro circular infinitamente longo semi-imerso em
um fluido. Todavia, as seções usuais de casco de navios não são exatamente
circulares. Tasai (1959) empregou então técnicas de mapeamento conforme para
obter os potenciais de velocidade em sway, heave e roll de seções geométricas
típicas de cascos de navios. O método consiste em mapear seções quaisquer em
seções circulares no plano complexo, onde valem as soluções derivadas por
Ursell, para, posteriormente, projetar estas soluções de volta para o plano real.
Uma das limitações do método de Ursell-Tasai é a impossibilidade de mapear
seções completamente submersas, como, por exemplo, o bulbo de proa de
navios. Esta limitação foi posteriormente superada por Frank (1967). A teoria
proposta por Frank obtém as soluções procuradas com base no potencial da
chamada fonte pulsante bidimensional.
Mais recentemente, com o progressivo aumento de capacidade dos
processadores numéricos, os métodos para a solução do problema de
escoamento tridimensional se tornaram viáveis. Atualmente, o procedimento mais
difundido para o estudo do problema de comportamento no mar é baseado em
Hidrodinâmica I 160
uma técnica numérica denominada método de elementos de contorno (boundary
elements method, BEM). Esse método consiste, como o próprio nome diz, na
solução do problema considerando apenas o contorno do domínio fluido (ao
contrário do método de elementos finitos, por exemplo) e é vantajoso em termos
de esforço numérico para problemas de contorno lineares baseados na equação
de Laplace. Os alunos de engenharia naval da EPUSP têm um primeiro contato
com a aplicação deste método para a solução de problemas de escoamento
potencial na disciplina Métodos Computacionais para Engenharia I (PNV2441).
Em geral, a modelagem teórica para a solução do problema 3D se baseia na
aplicação do Teorema de Green para obter uma equação diferencial cuja variável
é o próprio potencial de velocidades procurado. A solução é em muito simplificada
com o conhecimento das chamadas Funções de Green do problema de contorno
específico. Essas funções de Green são o equivalente da fonte pulsante 2D
empregada originalmente por Frank. No caso do estudo de comportamento no mar
de sistemas flutuantes sem velocidade de avanço, por exemplo, a função de
Green permite que a equação diferencial seja automaticamente satisfeita em boa
parte do contorno (no caso, na superfície-livre e no fundo, além de garantir a
satisfação da condição de radiação de ondas). Com isso, a solução da equação
diferencial deve ser realizada exclusivamente sobre a superfície molhada do
corpo. As técnicas empregadas para essa solução podem se basear em uma
discretização da superfície do corpo na forma de painéis (o chamado método dos
painéis) ou através da representação analítica desta superfície por funções B-
spline.
A metodologia acima descrita é empregada por diversos programas
desenvolvidos para a solução do problema de comportamento no mar, entre eles o
programa WAMIT®, desenvolvido originalmente no Massachusetts Institute of
Technology (MIT).
Maiores detalhes sobre as técnicas para solução do problema de escoamento
tridimensional podem ser encontrados, por exemplo, em Bertram (2000).
Hidrodinâmica I 161
5. UMA INTRODUÇÃO AOS EFEITOS HIDRODINÂMICOS DE SEGUNDA-ORDEM
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Hidrodinâmica I 162
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