história da literatura ocidental

2
Introdução HISTÓRIA DA LITERATURA” é um conceito moder no. Os antigos, embora interessados na coleção e interpretação dos fatos literários, nunca pensaram em organizar panoramas históricos das suas literaturas. A nenhum escritor grego ou romano ocorreu jamais a ideia de referir os acontecimentos literários de tempos idos; e e e e na época da decadência das letras e da civilização surgiu o interesse puramente pragmático, da parte de professores de Retórica ou de bibliófilos, de organizar relações dos livros mais úteis para o ensino, para melhorar o gosto decaído, ou, então, compor dicionários de citações e florilégios de resumos, para salvar da destruição pelos bárbaros os tesouros literários do passado. Marcus Fabius Quintilianus (c. 35-95 da nossa era) não foi professor de Literatura, e sim de Língua e Retórica, conservador como são em geral os professores, mas dum conservantismo diferente, doloroso. Romano austero de estirpe espanhola, Quintiliano observou com tristeza no coração a decadência estilística e moral entre os

Upload: djp1992

Post on 27-Jul-2015

1.191 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: História da Literatura Ocidental

Introdução

HISTÓRIA DA LITERATURA” é um conceito moder

no. Os antigos, embora interessados na coleção e interpretação dos fatos literários, nunca

pensaram em organizar panoramas históricos das suas literaturas. A nenhum escritor grego

ou romano ocorreu jamais a ideia de referir os acontecimentos literários de tempos idos; e e e e só

na época da decadência das letras e da civilização surgiu o interesse puramente pragmático,

da parte de professores de Retórica ou de bibliófilos, de organizar relações dos livros mais

úteis para o ensino, para melhorar o gosto decaído, ou, então, compor dicionários de citações

e florilégios de resumos, para salvar da destruição pelos bárbaros os tesouros literários do

passado.

Marcus Fabius Quintilianus (c. 35-95 da nossa era) não foi professor de Literatura,

e sim de Língua e Retórica, conservador como são em geral os professores, mas dum

conservantismo diferente, doloroso. Romano austero de estirpe espanhola, Quintiliano

observou com tristeza no coração a decadência estilística e moral entre os

Page 2: História da Literatura Ocidental

História da Literatura Ocidental 1733

não é “moderno”, pertence à época antes de Balzac. E a mistura menos agradável de sátira e

sentimentalismo também pertence a uma época passada, ao século XVIII dos Fielding e Sterne que eram os

seus modelos literários. Neles aprendeu o fino estilo coloquial que o distingue de todos os outros

romancistas ingleses da sua época. E Thackeray escreveu mais uma obra-prima quando se internou no

século XVIII: The History of Henry Esmond, romance histórico e romance social ao mesmo tempo.

Assim como havia em Macaulay um gênio “manqué” de romancista, havia em Thackeray um gênio

“manqué” de historiador, conforme a sua própria expressão: “I would have history familiar rather than

heroic; and think that Mr. Hogarth and Mr. Fielding will give our children a much better idea of the manners

of the present age in England than the Court Gazette and the newspapers which we get thence.” Isso está

em Henry Esmond e refere-se ao século XVIII: Pendennis é “history familiar” de homens fracos e triviais

como os encontramos todos os dias, vistos pelos olhos de um humorista, quer dizer, neste caso, de um

satírico que perdoou aos homens porque são tão fracos e lamentáveis. Thackeray pertence à “literatura da

desilusão”, típica dos anos de 1850; é um realista, tendo diante dos olhos o vasto panorama da cidade de

Londres, da sociedade inglesa, do Império britânico. Nada vê de grandioso neste panorama grandioso; só

misérias morais e intelectuais; mas o realismo de Thackeray cria contornos firmes; os seus personagens

tornam-se inesquecíveis, mais representativos da época vitoriana do que os personagens da Court Gazette e

dos “newspapers”. São criações de um artista.

O artista Thackeray era, ele mesmo, jornalista, e jornalista vitoriano, prisioneiro do gosto do seu

público. Só assim se explica a sua timidez quanto ao grande tabu dos vitorianos, a sexualidade, e o

afrouxamento do seu radicalismo de intelectual, virando cada vez mais moderado. Enfim, começou a evitar a

apresentação de personagens maus; e com isso a sua sátira e crítica social perderam a razão de ser. The

Newcomes e The Virginians, continuando respectivamente a ação de Pendennis e Henry Esmond, já são

apenas bons romances. Mas sempre Thackeray conservou o espírito cáustico e um “je ne sais quoi” de

tristeza dissimulada; lendo-o, pensa-se às vezes em seus contemporâneos: em Flaubert, Turgeniev e

Machado de Assis.