história de vn contos e causos 1ª edição

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História de Venda Nova em contos e causos narrados para crianças e jovens.

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Page 1: História de VN Contos e Causos 1ª Edição
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História de Venda Novaem contos e causos

narrados para crianças e jovens

2003

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Ficha Técnica

Comissão do Concurso:Alice Alves da Silva

Simone Aparecida PenaRicardo Evangelista

Claudia Andrade de BarrosAna Maria Silva

Expedita Ercília Marinho de CastroTânia Cássia Cossenzo Soares

Agnez de Lélis SaraivaAgripina Marta da CunhaVicente Paula de Souza

Correção de Redação:Anderson Ribeiro de Oliveira

Silvana Rosilene Gonçalves de Souza

Ilustradores:Carlos José dos SantosCléria Maria das GraçasHerik Henrique SantosJose Cirilo de Oliveira

José Maria TeixeiraMarco Antônio de Oliveira

Márcio SantosRoberto Oliveira de Melo

Sônia PedrosaTatiana Mendes Perdigão

Walter Reis

Assessoria de Comunicação da SCOMGER-VNSecretaria Municipal Regional de Serviços Sociais Venda Nova

Secretaria Municipal de Coordenação de Gestão Regional Venda Nova

Supervisão editorial: Assessoria de Comunicação SocialPrefeitura de Belo Horizonte

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Apresentação

A procura por arquivos e registros que contenham a história de Venda Nova é permanente e contínua. Estudantes, historiadores e pesquisadores buscam constan-temente a Administração Regional de Venda Nova no intuito de encontrar dados e informações sobre a região e seu passado.

Comprometida com a qualidade de atendimento à população, a SCONGER-VN, apoiada pela Secretaria Municipal de Cultura, lançou o concurso “História de Venda Nova em Contos e Causos”, objetivando estimular a pesquisa e fazer aflorar a história oral, tão rica em dados, porém sem registro.

Engajar pessoas nesse projeto não foi tarefa fácil, pois sensibilizar a parti-cipação em atividades dessa natureza demanda tempo, diálogo, proximidade e con-fiança.

Esse primeiro ensaio contou com a presença de professores e bibliotecários das escolas municipais, funcionários das gerências de cultura e educação que, em comissão, se organizaram para encaminhar o projeto. Foram muitas reuniões, palestras, idas às escolas, encontros com pessoas da comunidade, artistas locais, etc. Cabe-nos ressaltar aqui, a participação muito especial das escolas municipais Dora Tomich Laender, Professor Moacyr Andrade e Professora Ondina Nobre, cujos alunos, orientados por seus professores, se envolveram potencialmente com o projeto, pesquisando, escrevendo e fazendo fluir a criação literária.

Foram 124 contos inscritos para o concurso, pertencentes às categorias A, B, C e D. De acordo com o regulamento, foram selecionados 16, que aí estão para o deleite de crianças, jovens e adultos. Os artistas de Venda Nova contribuíram com sua arte, dando vida aos contos através da imagem. Enfim, podemos dizer que esse livro é o resultado de um amplo trabalho coletivo, de pessoas que acreditaram no impossível.

Com muito orgulho, passamos às mãos da comunidade vendanovense parte de nossa rica, bela e até pitoresca memória: histórias de quem viveu, vive e faz a Venda Nova verdadeira.

A Comissão

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Palavras do Secretário...

Quando assumi a Secretaria de Serviços Sociais em Venda Nova, tomei co-nhecimento do projeto de resgate da memória de Venda Nova e, apesar das muitas questões apontadas em sua estrutura, percebi a possibilidade de sua implemen-tação.

Assim, a partir de muitas conversas e negociações, conseguimos redimen-sionar alguns princípios, algumas ações, sem perdermos os objetivos principais que eram o resgate da memória histórica e sua tradução em contos acessíveis à crianças e jovens.

Acredito termos alcançado êxito com esse projeto. Concluímos essa etapa ao entregarmos à comunidade vendanovense e à todo povo belo-horizontino fragmen-tos vivos da história dessa Venda Nova de quase trezentos anos, tendo a certeza de que muito ainda temos a pesquisar e desvendar.

Ao povo de Venda Nova, meu abraço e votos de que essa leitura lhes traga muitas alegrias.

Geraldo Afonso HerzogSecretário Municipal da Coordenação

de Gestão Regional Venda NovaAno 2003

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Agradecimentos

Cada qual dá de si aquilo que compreende ser complementar ao outro. Construir parceria no trabalho é uma experiência que gratifica e estimula a vida.

À Geraldo Afonso Herzog, atual Secretário de Coordenação da Adminis-tração Regional Venda Nova, sensível à cultura e às letras, nossa gratidão pelo empenho e confiança.

À Maria Auxiliadora Gomes, Secretária de Serviços Sociais por época do lan-çamento do projeto de Valorização do Patrimônio e das Identidades Culturais de Venda Nova que muito estimulou e apoiou, nosso muito obrigado.

Às gerências de Educação e Cultura pelo engajamento, dedicação, investi-mento e luta pelo sucesso desse concurso, nosso apreço e consideração.

Aos professores, profissionais das bibliotecas e diretores das escolas que sempre estiveram junto nesse trabalho, nossos sinceros agradecimentos.

Professores Anderson e Silvana, diretor e vice-diretora da E. M. Geraldo Teixeira da Costa, colaboradores especiais que aceitaram o desafio de fazer a corre-ção dos textos, agradecemos seu empenho e a simpatia com que acolheram mais uma tarefa na sua já difícil arte de administrar uma escola.

Dona Lúcia César, Dona América e Sr. Mário, personagens vivos dessa histó-ria, nossa mais profunda gratidão.

A toda a comunidade de Venda Nova, nosso muito obrigado!

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Prefácio

Completando 106 anos, Belo Horizonte é uma cidade jovem, mas que já tem uma história rica e importante. E como essa história é escrita a cada dia pelas pes-soas que aqui vivem e trabalham, muitos fatos interessantes não estão registrados em documentos, mas passam de pai para filho, de geração em geração.

Transformar esses fatos em história foi o desafio que os participantes do concurso “História de Venda Nova em contos e causos narrados para crianças e jo-vens” aceitaram e enfrentaram com êxito. O resultado do trabalho pode ser visto nesta publicação, que tenho o orgulho de apresentar aos belo-horizontinos e, em especial, aos filhos de Venda Nova.

Fernando Damata PimentelPrefeito de Belo Horizonte

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Índice

> A igreja mal assombrada 13

> Céu de Minas 14

> Noite misteriosa 16

> O sapo de dois metros 18

> O vigia da escola 19

> O fantasma do Pedro Guerra 20

> Feliz e pequena parte de minha história 22

> Histórias do nosso bairro 24

> Mudanças 26

> No escurinho do cinema 30

> O caso do machado, na época em que água

ainda era um recurso natural inesgotável 33

> O mercador de sonhos 36

> O que Venda Nova representa para mim 40

> “Velhos tempos, belos dias” 43

> Venda Nova que eu amo 46

> Venda Velha 48

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A igreja mal assombrada

Bruna Fernanda Gomes de Morais - 12 anosAluna da E. M.Profª Ondina Nobre

Dizem que a Igreja de São Lázaro, no bairro Céu Azul, é mal assombrada. Segundo moradores locais, há muito tempo atrás, em frente a esta Igreja, localizada

à Rua Horácio Dolabela Vaz, morava uma mulher muito estranha. O seu dia-a-dia era sempre o mes-mo: toda vez que via a Igreja aberta, entrava e ficava de cabe-ça baixa, com um véu preto quase lhe cobrindo o rosto, em um cantinho no último banco. Nunca ninguém viu seu rosto, mas dizem que era muito bonita.

Muitos boatos surgiram sobre a estranha mulher, inclu-sive o de que ela havia matado o próprio marido, porque era apaixonada pelo padre. Isso jus-tificava sua presença diária na Igreja.

Um dia, a estranha mu-lher apareceu morta nos arredo-

res da Igreja. Depois disso, a Igreja de São Lázaro, no Céu Azul, nunca mais foi a mesma. Dizem que por lá ouvem-se gritos, ruídos, arrastar de bancos, barulhos na sacristia e as velas não param acesas.

Até hoje, a Igreja é muito estranha. Fica sempre fechada e quase nunca se vê padre por lá. Dizem que é porque o espírito da estranha mulher assombra os fiéis e os padres que a freqüentam. Segundo algumas pessoas, que conhecem essa histó-ria, ela persegue os padres da Igreja São Lázaro, porque fora o padre que ela amava que a matara.

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Céu de Minas

Paula Fernanda Oliveira Souza, Juliete Oliveira de Souza ePaloma Souza de Paula - 12 anos

Alunas da E. M. Profª Ondina Nobre

Um dia, eu estava arrumando o porão da minha casa. Achei um baú, fiquei curiosa e resolvi abri-lo.

Achei vários objetos do meu pai; dente eles, um diário e nele li: “Diário: Um passado inesquecível - tudo sobre minha vida”.

Eu sou Paulo José de Souza, nasci em 1964, na cidade de Ipatinga, morei na roça até os meus oito anos.

Minha família decidiu morar no bairro Céu Azul. Viemos de caminhão. Eu estava com vontade de fazer xixi, e desci. Quando terminei, olhei para trás e vi um boi. Na mesma hora, saí correndo, pois percebi que o boi era selvagem.

No começo, só havia terrenos baldios; hoje, são nossas casas. Foi difícil me adaptar, eu não gostava de conversar com as pessoas, pois era acostumado a viver na roça.

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No meu bairro, existiam apenas duas casas e, ao redor desses dois terrenos, só tinha mato, que hoje é a casa da Damaris, do Tiago, dentre outros.

Uma das coisas mais difíceis do meu cotidiano era ir para escola, cujo nome era Escola Estadual do Lajão. Era difícil, porque eu tinha que caminhar horas e horas, passava pela estrada de terra, que hoje é a rua mais movimentada do Céu Azul B. Um dia, eu estava voltando da escola e resolvi pedir carona; só que eu não sabia que o caminhão estava cheio de porcos e tive que agüentar o mau cheiro até chegar em casa. Quando cheguei, fui direto para o banheiro e aprendi uma lição: “Nunca mais pedirei carona.”

Anos depois, o bairro foi crescendo, lojas foram surgindo, dente elas a de Nely (mãe de Paulo), que ficava na rua joviano lucas de Almeida, onde hoje mora a família de Paulo.

Nos estabelecimentos comerciais de antigamente, costumavam vender de tudo um pouco.

Na adolescência, Paulo abriu um bar, na rua Padre Paulo Regória, onde todas às noites várias turmas marcavam presença. Ouviam Beatles e Raul Seixas; era uma verdadeira festa! Todos dançavam, bebiam e comiam.

Em uma dessas “festas”, ele conheceu Kátia, que tinha 18 anos. Passaram a sair, conheceram-se melhor e começaram a namorar. Casaram-se e tiveram dois filhos.

Hoje, o Céu Azul é um bairro muito desenvolvido. Cada morador tem o seu valor e faz parte da história do bairro.

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Noite misteriosa

Laís Franklins Muniz - 12 anos Aluna da E. M. Professora Ondina Nobre

Há 38 anos atrás, meu pai cresceu ouvindo uma história de seu avô, que aconteceu na fazenda Olhos D’água, onde hoje localiza-se o bairro Céu Azul.

Zezinho, um corajoso homem que morava na fazenda Olhos D’água, costumava, quase todo fim de tarde, passear na casa de seu amigo, José Delga, que morava na fazenda Canoa, local onde fica hoje o supermercado Mandala, na rua Dona Gertrudes, próximo ao bairro da Lagoa.

Naquele tempo, quando ainda não existia a luz elétrica, as pessoas não gostavam de andar sozinhas à noite. A escuridão, o sussurrar de sapos e grilos apavoram-nas. O brilho fosco da lua alongava sombras à beira do caminho, fazendo as pessoas confundirem-nas com coisas do outro mundo; por isso, os homens daquela época saíam à noite sempre em grupos. Mas, Zezinho, muito corajoso, não dava confiança ao que diziam na época e, constantemente, ia visitar o amigo José Delga, tomando sempre o cuidado de não se demorar para retornar à sua casa.

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Certa vez, quando Zezinho voltava da casa do amigo, por volta da meia noite, por um pequeno trilho, no meio da mata, assustou-se, quando, ao longe, avistou dois homens bem no meio do trilho por onde deveria passar. Estranhou a presença deles, mas seguiu em frente, esperando que eles se afastassem, quando se aproxi-masse. Como os homens não se mexeram, ao se aproximar, pediu licença, ao que também não foi atendido. Diante da teimosia dos homens, pegou um pau na beira do caminho e começou a batê-lo nos dois homens, mas se apavorou ao ver que eles nem se mexiam. Parecia que ele estava batendo no nada.

Apavorado, largou o pedaço de pau pelo caminho e desceu, a todo vapor, o pequeno trilho, sem ao menos voltar para ver se era seguido pelos estranhos ho-mens. Atravessou, sem ver a pinguelinha do brejão, rumo à sua casa, que ficava próxima onde hoje está situada a Escola Municipal Adauto Lúcio Cardoso.

Dizem que Zezinho chegou tão apavorado em casa, que não conseguiu ir até a porta. Pulou diretamente pela janela de seu quarto, pedindo à sua mulher que não acendesse a lamparina, pois, diziam, naquele tempo, que, quem visse assombração, não poderia ver luz.

Dizem que Zezinho nunca quis contar com detalhes o que aconteceu, mas se sabe que nunca mais saiu sozinho à noite.

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O sapo de dois metros

Denise Soares Luiz e Luiz Gustavo de Carvalho Pena12 anos - Alunos da E. M.Prof. Ondina Nobre

Uma senhora de 86 anos, chamada Euclídia, mora-dora do bairro Céu Azul, conta várias histórias de quando ainda existia a Fazenda Olhos D’água.

Essa senhora trabalhava para um homem que morava próximo à fazenda Olhos D’água. Esse homem era muito rico e ruim, pois a fazia trabalhar dia e noite, feito escrava, e, além disso, ele era muito misterioso. Todos os dias, à noite, ele entrava em um quarto escuro, a que só ele tinha acesso, para alimentar uns seres estranhos e barulhentos, que ninguém sabia o que eram. O senhor também era dono de um matadouro e de um centro de macumba, e, provavelmente, esses seres eram usados nos rituais. Todas as tardes, Dona Eulália lavava as tripas de boi e porco, para fazer lingüiça. Mais à noitinha, ela lavava e passava as roupas, em uma varanda, próxima ao quarto misterioso.

Um certo dia, enquanto passava roupas, ela percebeu que havia algo de errado acontecendo, como se houvesse alguém a vigiando.

Quando ela olhou para a janela, viu um sapo misterioso de dois metros, debruçado, no parapeito da janela, tossindo e sorrindo. O susto foi enorme, e ela largou o ferro sobre as roupas todas atrapalhadas e saiu correndo assustada.

Dona Euclídia só voltou dias depois, e o senhor explicou para ela que aquele sapo era usado nas suas macumbas. Hoje, Dona Euclídia conta essa história e ri até não querer mais! Pois é... São histórias assim do nosso povo que fazem a nossa vida mais alegre; e como diz Dona Euclídia: “Saiu pelo pato! Entrou pelo pinto, quem quiser, agora, me conte cinco!”

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O vigia da escola

Larissa Alves CardosoAluna da E. M. Professora Ondina Nobre

Conta o povo do Céu Azul que toda a região era uma enorme fazenda, que se chamava Olhos D’água, e cujo dono era o senhor Joaquim dos Santos.

Segundo os moradores, o nome Céu Azul foi dado ao loteamento pelos corretores encarregados de vender os lotes. Conta-se que vinham eles em dire-ção ao local em um fusquinha, discutin-do que nome escolher, enquanto no rádio ouviam Roberto Carlos cantando “De que vale o céu azul”, quando, de

repente, um deles sugeriu:

- Já sei. O nome será Céu Azul!Com o progresso do bairro, tiveram que construir uma escola. Em home-

nagem ao dono das terras, deram-lhe o nome de Escola Municipal Cel. Joaquim dos Santos. A rua da escola ganhou o nome do filho do senhor Joaquim dos Santos: Rua Antônio José dos Santos.

Hoje, a Escola Cel. Joaquim dos Santos situa-se na rua mais movimentada do bairro; mesmo assim, dizem que o Senhor Joaquim está sempre a vigiá-la.Muitos de seus antigos estudantes afirmam que já o viram rondando as proximi-dades da escola.

Após tantos anos, dos mais antigos moradores aos mais novos que não conheceram o Sr. Joaquim, todos sabem que ele é um velhinho moreno, de olhos castanhos e usa bengala.

No passado, todos tinham medo de passar perto da Escola, durante a noite. Alguns diziam que ele era muito mau, que seu olhar era tenebroso e atacava quem ousasse chegar perto da Esco-la. Outros afirmavam que ele era um bom velhinho, cuidan-do do patrimônio.

Ainda hoje, após às 22h, muitos passam por lá receosos de verem o velhinho da bengala, vigiando a Escola Cel. Joaquim dos Santos.

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O fantasma do Pedro Guerra

Carlos Ely PimentaProfessor da E. M. Professor Pedro Guerra

Tudo começou em 1980, quando o então prefeito de Belo Horizonte, de olho nos votos da região de Venda Nova, resolveu que iria construir uma escola no bairro Manti-queira. Naquela época, o bairro tinha a fama de ser habitado por “índios”, denominação que os de fora davam para menosprezar os nossos antigos moradores, como se ser índio não devesse ser uma honra, já que são os índios os verdadeiros donos desta terra cha-mada Brasil. De fato, há muitos e muitos anos, viveram índios de verdade no bairro Manti-queira. E para além de outras inúmeras quali-dades, os índios da tribo Mantiqueira tinham um grande carinho pela natureza e pelos animais domésticos da aldeia. Tão grande era esse carinho que, quando esses animais mor-riam, eles não eram jogados no córrego Vilarinho, nem nas terras onde não morava ninguém, como hoje fazem nos lotes vagos. Nossos índios, há algumas centenas de anos, construíram um cemitério de animais, onde eram enterrados os cachorros, gatos, galinhas e outros bichos que eles gostavam de criar. Esse cemitério era na divisa da aldeia da tribo Mantiqueira com a da tribo Paraúna. Uma vez, porém, com a chegada dos chamados “homens civilizados”, a al-deia foi invadida e destruída, e os novos moradores transformaram o cemitério de animais em cemitério de gente, e os animais mortos passaram a ser jogados nos lotes vagos e dentro do córrego Vilarinho. Insatisfeito com o destino desses pobres animais, um velho pajé, sobrevivente da invasão, lançou uma maldição sobre toda a região dizendo que, em todo dia 31 de outubro, um fantasma se elevaria do cemi-tério para realizar a vingança.

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O prefeito conhecia a história, mas não acreditava nela. Tudo que ele conseguia ver à sua frente era voto e poder. E, ignorando a tradição da região, man-dou acabar com o cemitério e construiu no lugar a Escola Municipal Professor Pedro Guerra. Depois disso, pouco se ouviu falar sobre esse prefeito. Dizem que ele está politicamente morto, mas ninguém tem absoluta certeza disso. E, desde a inauguração da Escola, nunca mais o Mantiqueira foi o mesmo. Coisas estranhas começaram a acontecer em todo dia 31 de outubro, que é o dia das Bruxas. Certa vez, uma turma inteira de alunos desapareceu misteriosamente, sem deixar vestígios. Alguns chegaram a pensar que fossem os jacarés, caboclos-d’água e outros monstros que viviam no córrego Vilarinho.

Mas isso era conversa fiada: a maioria sabia que era o “Fantasma do Pedro Guerra”, que surgiu com a maldição do velho pajé. E não era só isso que o danado fazia: no galinheiro da escola, os frangos viviam morrendo de enfarto, por conta do susto com o fantasma. Na escola, havia também uma criação de coelhos que, quando viam o fantasma, suicidavam, mordendo a própria língua e sangrando até morrer. O fantasma era tão atrevido, que chegou a quebrar as telhas e furar o teto do auditório e da sala de eletromecânica - a sala do João Batista. As enchentes que invadiam a Escola também eram causadas pelo fantasma, porque ele queria que a Prefeitura limpasse o córrego. Uma vez, ele colocou abelhas no banheiro das meninas, e isso gerou uma grande confusão, com ferroadas na “bunda” e na barriga. O fantasma atacava de dia e de noite, e os guardas da Escola morriam de medo. Os mais medrosos chegavam a pedir conta na firma, só para não ficarem ouvindo aquelas músicas estranhas de órgãos e pianos, o sinal tocando de madrugada, almas penadas gemendo, correntes sendo arrastadas, cães e lobos uivando, vozes gritando desesperadas, sangue espalhado pelas escadas, gargalhadas escandalosas, cabeças de abóbora iluminadas, dezenas de morcegos enormes, esqueletos arma-dos de arco e flecha, caixões com cachorros cheios de bichos, horrendos miados de gatos... Há quem diga que até o Capeta do Vilarinho era um aluno atentado do Pedro Guerra, que foi arrastado pela enchente do córrego, até lá perto da Quadra, e se transformou em capeta. Ninguém sabe ao certo quais as intenções do fantasma. Talvez ele quisesse mesmo vingança, talvez ele fosse a própria encarnação da Maldade, ou até invenção da cabeça de gente que não tem o que fazer. Mas tudo que está dito realmente aconteceu, tem testemunhas, e até retratos. Os professores e funcionários mais antigos da Escola conhecem bem a história do Fantasma do Pedro Guerra.

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Feliz e pequena parte de minha história

Nilcilane Coelho dos SantosAluna da E. M. Dora Tomich Laender

Há mais ou menos 35 anos atrás, chegou por esses lados uma caminhonete com pessoas, cachorro e algumas plantinhas. Era a minha mudança para o bairro Minas Caixa. Chegamos todos bem. Na minha rua, não havia luz; no fundo do quin-tal, dava para se ver uma montanha que era chamada de Serra Verde, onde, naquela época, buscávamos lenha para cozinhar. Isto porque o caminhão de gás só passava em Venda Nova e, quando minha mãe queria um bujão, pedia a um carroceiro, que passava uma vez por semana, para entregar o leite e o gás. Ah! Também não tínhamos água em casa, buscávamos em um chafariz. Bom, hoje, depois de todos esses anos, na montanha construíram prédios e agora é chamada bairro Serra Verde. Há mais casas no Minas Caixa, farmácia, padaria, hospital próximo, ônibus na porta a cada 15 minutos, quando antes era a cada meia hora, e o caminhão do gás passa 3 vezes por semana.

Minha família aumentou, somos 11 pessoas e muitas mudanças acontece-ram ao longo destes anos. Várias escolas foram inauguradas quando, naquela época, só havia uma. Enfim, agora somos mais felizes, porque até igreja que existia só em Venda Nova, já temos duas em nossa rua.

E mais, a vizinhança da minha rua, no final de cada ano, enfeita as casas, com luzes, e ficam todas iluminadas, é muito gostoso, pois a gente sente a harmonia que o Menino Jesus coloca nos nossos corações. No dia 31 de dezembro temos, também, uma festa especial: a queima de fogos de artifício. É muito linda esta festa, pois o padre de nossa comunidade é quem organiza esta maravilha. Ficamos todos felizes, pois, nesse dia, a harmonia e confraternização são completas.

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Lembrei-me de um outro fato marcante que aconteceu aqui, que foi muito bom. Tivemos a visita do Arcebispo de Belo Horizonte, Dom Serafim. Ele é muito gentil e muito nos alegrou.

Voltando ao passado, me lembrei também que, às vezes, vinha um circo para nosso bairro. Eu, minhas irmãs e nossas amigas íamos todos os finais de semana, aproveitávamos o máximo, pois, segunda-feira, era dia de voltar às aulas, tarefas de casa e tudo mais.

Temos um posto de saúde em nosso bairro, bem mais equipado, com melhor atendimento aos pacientes. Ah! Uma outra coisa que foi e que está sendo muito importante para mim. Após muitos anos sem estudar, Deus me deu a graça de poder voltar e continuar onde parei. Agora espero Nele que eu consiga realizar o meu desejo de melhorar minha formação. Gosto de minha escola e das pessoas que me rodeiam. Hoje, estou muito feliz, porque, apesar dos tropeços que atravessei ao longo desses anos, Deus me ajudou a vencer.

Esta é apenas uma pequena parte da minha história. Depois eu conto mais um pouco.

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Histórias do nosso bairro

Alunos da 1ª série-noturno da E. M. Dora Tomich LaenderCom colaboração de Vantuir Braga Barbosa e da Profª. Glória

Há 35 anos, o bairro São Pedro tinha o nome de Quelozito. Aqui não havia água encanada, luz ou esgoto. O esgoto das casas era jogado em fossas, construídas pelos próprios mora-dores. A iluminação era de velas e lamparinas. As famílias com melhores condições financeiras tinham o “liquinho” (espécie de lampião a gás). A água era retirada de cisternas e das várias minas de águas cristalinas, existentes em vários pontos do bairro. Além disso, o Córrego Coronel Manoel Assunção, que atravessa o bairro, era também limpo, e as pessoas pescavam e usavam suas águas para lavar roupas.

A rua Padre Pedro Pinto era muito estreita e também a única fonte de saída do bairro para o centro de BH. Havia duas pontes que davam acesso à rua Padre Pedro Pinto, pois o córrego Vilarinho atravessava, também, o bairro. Uma das pon-tes ficava entre as ruas Cascalheira e Severino Lara e a outra estava situada onde hoje é a avenida Edgar Torres. Os primeiros moradores, depois de atravessarem essas pontes, davam prefe-rência às trilhas, porque as ruas eram precárias e cheias de buracos.

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No começo, tudo era matagal, os moradores eram pobres e faziam suas casas de adobe.

Para preparar as refeições, as donas de casa usavam muito o fogão a lenha. A lenha era conseguida nas fazendas da vizinhança, a custo, muitas vezes, de corre-rias, pois os cachorros e jagunços dos fazendeiros corriam atrás dos invasores.

Onde hoje fica situada a Praça Alvorada, havia um campo de futebol, que era muito concorrido para jogos e campeonatos, patrocinados por uma das antigas mo-radoras, dona Josefina e toda sua família. Próximo ao campo, havia uma mina de água cristalina, onde as donas de casa buscavam água para usar em casa. Também era lá outro local usado para lavar roupas.

A MG 10 era também uma mata, onde as crianças costumavam se enfiar em busca de preá e pequenos pássaros.

Onde hoje é o Conjunto Minas Caixa, ficava o sítio do senhor Edgar Torres, que criava gado bovino para produção de leite e engorda.

A vida era tranqüila e saudável, apesar de sofrida. Hoje, vemos o quanto o progresso destrói para construir os sonhos dos homens. Sonhos esses que nos fazem olhar para trás e pensarmos que éramos felizes e não sabíamos.

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Page 27: História de VN Contos e Causos 1ª Edição

Mudanças

Luiz Roberto da Silva Morador de Venda Nova

Depois que o caminhão estava cheio, o motorista deu a partida no motor e seguiu em direção à avenida Antônio Carlos. Tudo ia ficando para trás.

Passamos pela Lagoa da Pampulha; em seguida, pegamos uma estrada cerca-da de mato por todos os lados.

O caminhão ia preguiçosamente, marcando o ritmo do barulho dos móveis amarrados na carroceria. Todos iam embolados na boléia. Mãe, Sônia, Célia e Maria iam assentadas. Vera, Henrique, Cristina e Serginho iam no colo. Paulinho e eu, de pé. Passamos pelos restaurantes El Rancho e Frango Assado. Uma placa de trânsito indicava o caminho: PEDRO LEOPOLDO / SANTA LUZIA - SIGA EM FRENTE; VENDA NOVA - VIRE À ESQUERDA. Viramos. Passamos em frente a um curtume, que exalava um cheiro horrível, passamos também pela ponte e viramos à direita, numa pequena rua de terra.

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Page 28: História de VN Contos e Causos 1ª Edição

Chegamos à rua Lagoa Santa. A casa era a de n.º 121. Uma casinha singela: duas janelas amarelas, com uma porta no meio e um telhado com caída para frente. O que mais me interessava era o quintal. Deveria ter uns 2000 m². A casa era recuada da rua uns 50 metros. Tinha vários pés de manga e de goiaba. Mais no fundo, um abatedouro de frangos, desativado. Na frente, um enorme bambuzal e, do lado esquerdo, uma grande área com um matagal que ia até o córrego Vilarinho, onde era a divisa. O motorista já havia desamarrado todos os móveis. Era preciso agir depres-sa, pois a noite não demoraria a chegar. E ela chegou trazendo uma enorme escuri-dão, realçando um céu cheio de estrelas. Da janela da sala, podiam-se ver poucas luzes. Na parte do fundo, a escuridão era total. Havia um pasto. Era só mato. Com a chegada da noite, uma infinidade de insetos começou entrar casa adentro. As pare-des ficaram todas pontilhadas daqueles bichinhos, que eram realçados pela pintura nova. A maioria, eu nunca tinha visto antes. Lá fora uma orquestra de sapos, grilos e uma diversidade de outros bichos quebrava o silêncio da noite. O cheiro de tinta nova misturava-se com o do mato. Dominados pelo cansaço, não demoramos a adormecer.

Os dias se passavam e aos, poucos, fui me acostumando com aquele mundo novo e fascinante. Era interessante levantar cedinho para buscar pão na padaria, que ficava na rua Padre Pedro Pinto. Comprava sempre um pão de ½ quilo, que era embrulhado num pequeno pedaço de papel, deixando aparecer as duas pontas, e um litro de leite, que vinha em uma garrafa de vidro com o desenho de uma vaquinha.

Um dia, estava brincando sozinho, no pasto, com um patinete, quando vi uma menina se aproximar. Ela parou e ficou me olhando. “O que você está fazendo aqui neste lugar sozinha?” perguntei. “Vou para a casa de minha tia, que fica logo ali”, apontando para umas folhas de coqueiro, que apareciam atrás do morro. “Você não tem medo?” “Medo de quê?” “Não sei, talvez de um bicho ou de um boi.” “Não precisa se preocupar, eles não colocam mais bois por aqui.” Em seguida, despediu-se e foi embora. Passados alguns dias, encontramo-nos de novo, no mesmo local. Só que aí ela já fazia parte dos meus pensamentos. Pude perceber que eu também fazia parte dos dela. Era bem franzina, tinha os olhos e os cabelos castanhos e uma franja que quase encobria as sobrancelhas. Chamava-se Izabel e era um ano mais nova do que eu. Um dia, para minha surpresa, ela se aproximou e, na ponta dos pés, me deu um beijo e saiu correndo rumo à casa de sua tia.

Os dias se passavam lentamente, naquele bairro tão tranqüilo. Um dia, tive uma experiência fascinante. Era a primeira vez em que eu iria sair sozinho à noite. Iria ao cinema, que ficava perto da pracinha de Venda Nova. Era uma mistura de medo com prazer. A rua Padre Pedro Pinto não tinha uma iluminação muito boa. Uma vez ou outra, passava um carro. Algumas pessoas iam à igreja assistir à missa, que começava na mesma hora do filme. A praça estava bem movimentada: um

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carrinho de pipoca, várias pessoas andando pela rua despreocupadas. A fila do cinema estava grande. O filme era sucesso absoluto: “Dio come ti amo.”

Já eram quase 22 horas. Nunca tinha andado sozinho àquela hora da noite. À medida que ia descendo, a rua ia ficando deserta. Quando passei da igreja, não havia mais nenhuma alma viva na rua. Nenhum carro. O vento frio batia no meu rosto, parecendo que queria me amedrontar. Por alguns instantes, tive medo. Voltar, nem pensar! No cruzamento das ruas Padre Pedro Pinto e Lagoa Santa, havia um cruzeiro, o que serviu para alimentar mais minha fantasia, pois era noite de lua cheia, e aquele cenário lembrava um filme de terror. Os postes de luz elétrica desalinhados, feitos de eucaliptos, sustentavam lâmpadas que eram tão fracas, que competiam e per-diam para a luz da lua.

Um dia, quando ia à mercearia do Sr. Zezinho, vi uma movimentação estra-nha, num terreno baldio, ali perto. Apressei o passo e vi que se tratava de um parque de diversões, que estava sendo instalado ali. Não demorou muito e já estava sendo inaugurado. Que felicidade!!! Nas tardes de domingo, o parque ficava lotado. O cheiro de pipoca se espalhava por todo lugar. O alto-falante tocava os sucessos do momento, intercalados pelos recados enviados: “Esta música vai para a menina de blusa amarela, comendo pipoca, perto da bilheteria, como prova de muito amor e carinho”. O primeiro brinquedo que escolhi foi a roda gigante. Era a primeira vez em que eu iria andar naquele brinquedo. Tomei o meu lugar. O funcionário colocou uma barra de proteção na minha frente, trancou, puxou a alavanca, o que fez com que ela começasse a rodar. Era uma emoção indescritível!. De repente, tudo ia ficando pe-queno lá em baixo. O colorido das roupas era, pouco a pouco, substituído pelo preto dos cabelos. Os carros tomavam outro formato, vistos de cima. O encontro de dois ônibus formava um pequeno congestionamento lá em baixo. Congestiona-mento em Venda Nova? Uma piada! Depois descíamos e tudo mudava novamente. Passava bem baixinho, tudo voltava ao normal. Em seguida, começávamos a subir outra vez. O córrego Vilarinho, visto lá de cima, corria como uma serpente por entre o milharal. Dava para ver também o moinho do Sr. Raimundo, onde levávamos o mi-lho para fazer fubá. Era um fubá grosso, uma delícia! As ruas, que partiam da rua Padre Pedro Pinto, terminavam nas pequenas pontes de madeira no Vilarinho. A par-tir daí, eram ruas de terra e com pouquíssimas casas. Um pouco à direita, pude ver o encontro das águas de um córrego que vinha do curtume e se encontrava com o do Vilarinho, formando um só. O que vinha do curtume, tinha uma água verde, cheia de fiapos, que eram jogados pelas descargas daquela empresa. O Vilarinho tinha as águas turvas, mas ainda tinha muito peixe. O curioso era que as águas não se misturavam até chegarem às manilhas gigantes, que passavam por debaixo da rodo-via. Pouco depois dali, havia uma cachoeira que desaguava em um imenso lago de forma arredondada. Na margem direita do Vilarinho, se via uma ou outra casinha perdida naquela imensidão verde. De repente, o funcionário puxa a alavanca e a

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roda gigante pára. Era a minha vez de descer. Saí cambaleando e encantado com aquela maravilha. Para a minha surpresa, quando passei pelo portão, me deparei com a Izabel e sua família. Ela estava com um vestidinho vermelho, dois laços brancos nos ombros, um arco na cabeça e uma sandalhinha combinando com o vestido. Foi a primeira vez em que a vi tão bem arrumada. Estava linda! Por um instante, trocamos olhares. Seus pais perceberam. Ninguém falou nada. Sua mãe a puxou pelo braço e, em pouco tempo, sumiu no meio da multidão.

A segunda-feira amanheceu com chuvas torrenciais caindo sobre Venda Nova. Só no finalzinho da tarde que ela deu uma trégua. Várias pessoas foram para a ponte ver o caudaloso rio em que se transformara o Vilarinho. As águas inundaram toda a região. Passou por cima do milharal e de várias pontes, chegando até a altura do moinho do Sr. Raimundo. As casas mais próximas ficaram debaixo d’água. Dali, de cima da ponte, eu observava aquele cenário, sem saber que, um dia, tudo aquilo se transformaria. A casa do meu amigo, que também fora inundada, daria lugar a uma loja do Mc Donald’s; aquela lagoa redonda seria uma estação do metrô; a rodovia passaria por cima de um viaduto mais alto do que o mais alto dos eucaliptos; o curtume seria transformado no Hospital Dom Bosco; o parque daria lugar à Unidade de Pronto Atendimento (UPA); o terreno da casa da tia da Izabel seria o estaciona-mento do Shopping Norte; a casa onde eu morei seria demolida para ser construído um prediozinho e a sala seria uma loja de cerâmica, e as mangueiras, o chiqueiro e o bambuzal dariam lugar à pista sentido centro-bairro da Av. Vilarinho. O pasto onde eu brincava seria o bairro Ana Lúcia. O buraco quente seria um depósito de papel e um escritório de despachante; o córrego do Curtume seria a Av. 12 de Outubro; na frente da casa da Izabel, seria o Pronto Socorro de Venda Nova; aquela grande área verde seria pontilhada de casas, transformando-se em bairros como: Comerciários, Serra Verde, Minas Caixa, Jacqueline, Juliana e tantos outros; o cinema seria transfor-mado em supermercado; a maioria das casas antigas da rua Padre Pedro Pinto seriam demolidas; aquela tranqüila pracinha seria o centro nervoso de Venda Nova; todo aquele vale do Vilarinho se transformaria numa imensa avenida de mesmo nome. Ah, quanta mudança!!!

Um dia, quando estava em casa, ouvi uma voz me chamando lá no pasto. Fui atender e era Izabel. Fiquei surpreso com aquela visita. Ela veio me avisar que estava se mudando, sua casa havia sido desapropriada.

Da janela da sala, ainda pude ver o caminhão de mudanças parado. Quando o sinal abriu, o caminhão partiu no sentido Pampulha, levando-a. Foi a última vez em que a vi!...

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No escurinho do cinema

Maria Nilza Pinto Funcionária da PBH - Regional Venda Nova

Falando de Venda Nova, não posso deixar de mencionar aqui a nossa casa de espetáculos do ano de 1958. Estou falando exatamente do nosso querido e velho Cine São Pedro. Ficava situado numa antiga construção e, neste prédio, funcionava o Posto de Saúde e o cinema, entre a rua Padre Pedro Pinto e o início da rua Santo Antônio, onde hoje é o começo do jardim da Igreja Matriz. Ali, além de filmes, eram apresentados belos espetáculos teatrais, encenados por atores e atrizes talentosos, filhos de Venda Nova, que faziam a platéia vibrar e se emocionar com cada palavra, cada gesto.

Ah! que saudade daquelas peças emocionantes! O Cine São Pedro exibia filmes todas as noites. Aos domingos, havia matinê, à tarde, e duas sessões à noite. Os cartazes pendurados nas paredes do prédio, do lado de dentro e do lado de fora, anunciavam os filmes em exibição durante a semana. Todas as segundas-feira era sessão das moças. Mulheres não pagavam ingresso. Neste dia, os homens não gos-tavam de ir ao cinema.

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Antes da sessão das vinte horas, desfilávamos num footting, de braços dados com as amigas, aos acordes de belos tangos, em frente ao cinema. (É...havia até prefixo de entrada).

Quantos namoros começaram ali e terminaram em casamento...No Cine São Pedro, assistiam aos belos filmes: dramas, suspense e os de

faroeste...Mesmo não sendo confortável, o cinema lotava, e não nos incomodavam as

cadeiras duras do velho São Pedro, quando víamos na tela nossos artistas prefe-ridos: Alan Delon, Antony Quen, Deborah Quer, e a dupla Sofia Loren e Rock Hudson.

Quando o filme era de longa metragem, como: “Assim Caminha a Humani-dade”, havia um intervalo de cinco minutos, durante a exibição, para trocar a fita. Era como se fosse um descanso visual, “pra não cansar a vista”, como diziam os mais velhos.

Todos saíam à rua no intervalo. A maioria, os homens, claro. Quem fumava aproveitava para tomar um cafezinho e acender um cigarro, “esticar as pernas”, diziam outros.

Os apaixonados vinham trazendo pipoca para a namorada, um cafezinho quentinho no copo “lagoinha”, para agradar o sogro que, às vezes, estava do lado, e até um sanduíche de pão com salame para a sogra, que, na pressa de acompanhar a filha, não teve tempo de jantar.

Os filmes, sempre velhos, eram processados em equipamentos antigos, e a troca do rolo de fita era feita manualmente. De vez em quando, a fita se partia, e aí acendiam as luzes. Quando isto acontecia, era um verdadeiro “flagra”, igualzinho à música da Rita Lee. Era muito engraçado: só se viam braços se erguendo e barulho de cotovelos batendo nas cadeiras. As mocinhas desconfiadas, olhando para um lado e para outro, tentavam arrumar os cabelos e ajeitar a roupa. Ao lado, a mãe, que cochilava de boca aberta, despertava de sobressalto.

Quando chovia, era um problema. Não fora do cinema, mas dentro dele. Era goteira pra tudo que era lado. Para quem se assentasse na última fila ou assistia ao filme de pé, tinha o privilégio de abrir o guarda-chuva. Mas tudo isso era bom. Era muito bom, então, quando entravam em cartaz filmes mexicanos, com Miguel Aceves Mejia. O artista cantante e sua orquestra encantavam o cinema e superlo-tavam as três sessões. E lá estávamos nós, assistíamos, uma, duas, três vezes ao

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mesmo filme. E cada vez era uma emoção diferente. Como era bom ver aquelas cenas de amor (nada de cenas eróticas), que nos faziam sonhar de olhos abertos: cenas que ainda hoje devem bailar na memória das senhoras, mocinhas daquela época.

Não posso deixar de mencionar aqui os filmes brasileiros, do nosso querido e inesquecível cineasta e ator Mazzarope. Este, sim, era campeão de bilheteria a semana inteira. Vinham ao cinema as vovós e os vovôs, os pais acompanhados dos filhos; era um verdadeiro programa de família. De vez em quando, cenas cômicas aconteciam na platéia também.

Certa vez, em meio a uma sessão de suspense, em que o silêncio era geral, ouvimos um grito no meio dos espectadores - barulho de cadeiras - as luzes se acenderam. Uma mocinha, apavorada, passando por cima das pessoas que estavam assentadas, desabotoava a blusa e sacudia a saia, sapateando apavorada. “Ah! Meu Deus!”

Era uma barata, dessas bem grandes, que, em hora mais imprópria, resolveu subir pelas pernas da senhorita, e ninguém viu onde foi parar.

Alvoroço também (me contaram) foi uma cena de bang-bang com direito a mocinho e bandido. Não na tela, mas dentro do cinema, numa cena real. Foi uma confusão! Todo mundo queria sair ao mesmo tempo por uma porta estreitinha. Mas, felizmente, tudo acabou bem; apesar do susto, ninguém morreu.

Assim era a vida cultural dos vendanovenses. Cinema, teatro, horas dançan-tes agradabilíssimas, comemorações religiosas que atraíam multidões.

Este conto não é virtual.É uma história real, que deixou muita saudade em todos nós!

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O Caso do Machado, na época em que água ainda era recurso natural inesgotável.

José Maria Teixeira - ZemhArtista plástico e professor de

Artes Cênicas

D. Deolina Alves Ferreira, segundo ela mesma, nasceu na cidade de Belo Oriente, próxima a Teófilo Otone, norte de Minas Gerais. Em 1970, casada e com inúmeros filhos, mudou-se com seis (dos mais de quinze que pôs no mundo) para Belo Horizonte, vindo morar em Venda Nova, re-

gião recém loteada. Adquiriu um lo-te no bairro Nova York, hoje Comerciários, situado nas montanhas, à direita da Co-lônia de Férias do SESC. Região agro-pastoril da capital, terra de antigos herdeiros e loteadores, família dos Parreiras, Giannetis, Pessoa, Genesco Aparecido de Oliveira e outros.

Quinta moradora do bairro, que hoje conta com mais de três mil casas, com setenta e nove anos, lúcida, conta da dificuldade de se obter água potável para cozinhar, beber e lavar. Naquela época, não existia Copasa nem serviço de água na região. Há trinta e três anos e até meados da década de oitenta, a água potável era obtida cavando-se poços, às vezes, bastantes fundos; as famosas cisternas que, nas partes mais montanhosas, ultrapassavam quarenta metros de fundura, para se obter água, que era puxada até a superfície pelo saril, grande manivela de madeira, apoiada em dois postes de um metro e meio de altura, fincado nos dois lados do buraco.

No centro da manivela, instalada horizontalmente, era onde se amarrava a corda que ia sendo enrolada, passo a passo, em um verdadeiro serviço braçal, tra-zendo a lata cheia até chegar à superfície e poder ser carregada até dentro de casa, às vezes, distância longa, “lata d’água na cabeça”. Um sem número de trabalhadores morreram neste tipo de escavação, por acidente de trabalho (a lata cheia de terra soltava da ponta da corda e caía em queda livre sobre o sujeito, que cavava lá em baixo) ou em época de chuva, pois a terra desbarrancava e “engolia” o sujeito, ou,

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ainda, caso mais raro, mas com uma certa freqüência, a escavação, em área de pedra, dava em um veio de gás natural, matando asfixiado o trabalhador. Muitas vezes, cortavam ramos verdes e jogavam-nos dentro do buraco, para “cortar” o gás e poder continuar o trabalho, sem perder o que já havia sido feito. Há muitos casos de cisternas de muitos e muitos metros que deram em pedra pura e cisternas que foram abandonadas, vindo a servir de cemitério para um cavalo despercebido ou por outro animal que pastava por ali. Algumas pessoas sabiam fazer o teste dos sete pratos em círculo, para testar o local escolhido: se o prato “soasse”, ali daria água, mas, na maioria das vezes, era um lance de risco e sorte, mas sempre um trabalho pesado e, muitas vezes, desumano.

Deolina, muito “trabalhadeira”, na época com mais de quarenta anos, mu-lher mestiça, descendente de índio, negro e português, como boa parte dos brasi-leiros, criativa, catando esterco de gado pelos pastos, descobriu uma pequena mina em uma grota (junção das partes mais baixas de duas montanhas, é sempre onde corre alguma água), colocando ali um pedaço de telha. Observando aquela biqui-nha, imaginou que, se cavasse ali um poço, obteria mais água e de melhor qua-lidade. Assim fez, pediu ao marido, seu Odorico, experiente ferreiro, homem sério e trabalhador, exce-lente artífice do ferro, que lhe fi-zesse uma ferramenta para cavar. Pegou ele suas ferramentas, foi para o fole (instrumento sanfo-nado, utilizado para soprar as bra-sas e amolecer o ferro) e fez-lhe um ponteiro-talhadeira, para que, acompanhada do filho, ela cavas-se o tal poço na pedra úmida. Cavava, dividindo o tempo com a busca de lenha no pasto, para fazer fogo no fogão, e os lotes que roçava, em Venda Nova, a três cruzeiros por dia, e lembra que dava para comprar um pacote de arroz canjiquinha e um quilo de feijão para alimentar os filhos. A água pura do poço che-gou a ser utilizada por grande parte da população, chegou a cavar três ou quatro poços perto uns dos outros, tendo o mais fundo alcançado, quando ela estava dentro dele, a altura do seu pescoço, perfazendo, mais ou menos um metro e meio. Imaginem, cavado na pedra, recolhendo e guardando geladinha, como ela diz, a água que “minava”, lentamente, da pedra no fundo do poço!

Para chegar no poço, passava-se no lote de outra vizinha, que não gostava muito disso, embora também usasse a água. Essa vizinha tinha dois ou três filhos

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solteiros e, Deolina, cinco filhas jovens, saudáveis e atarefadas no ir e vir da biqui-nha e na divisão dos afazeres da casa. Um dia, a dona do lote tomou da nossa amiga um machado emprestado, o tempo passou e ela não devolveu. Certo dia, chateada com a circulação das moças, ameaçou cortá-las de machado. Imaginem ferir Amélia, Marlene, Tereza, Rosa ou Iêda, e ainda mais com o machado da mãe delas! Deolina sempre foi um exemplo de mulher trabalhadeira, em casa e fora de casa, prestativa com os vizinhos, só “explodindo” em último caso e de posse da razão. Por causa dis-so, desgostada, rompeu relações com a ameaçadora, mesmo porque, ela, Deolina, lavava as roupas de sua família na biquinha (como ficou conhecido o lugar), e colocava as peças para “quarar” sobre uma grande pedra existente ali. Não se sabe quem andara sujando suas roupas, obrigando-a a repassá-las no sabão. Paciente-mente, não brigou com ninguém por isso, ela e as filhas, em um exemplo de sua ausência de violência, cortavam caminho para ir até a fonte.

Um dia, nossa heroína vinha andando pela rua, bacia de esterco sobre a cabeça, e a opositora ia em sentido contrário. Aproximando-se, a outra puxou assunto: D. Deolina, nós poderíamos conversar, a coisa passou.

Deolina não viu razão para perdoar; bem disposta e humorada, como é seu costume, respondeu:

“Olha fulana, comigo é assim, se está mole eu endureço, se está duro eu amoleço, se você vem de frente, eu viro de banda, sigo meu caminho e levo a minha vida! (ou seja, não tem conversa.)”, e deixou a mulher pra lá, claro, após reaver seu precioso machado. Casou as filhas, e vem conduzindo sua vida até hoje. Ela completará oitenta anos no dia dois de fevereiro.

É um exemplo da formação da população das grandes cidades. Quando veio para Belo Horizonte, duas filhas suas já haviam aqui se instalado, as outras menores precisavam estudar. A vida na roça era difícil, o marido, profissional de valor, muitas vezes fazia fecho de mola de carroça, o amortecedor de veículo de tração animal, para aliviar o atrito nas costas do cavalo e apoiar a roda, mas, com o crescimento do número de veículos e a redução do número de carroças, “já viu a situação, né?” O ser humano tem um enorme poder de se adaptar, fazer, amar e perdoar, mas tudo tem limites, não é?

(O autor escreveu após entrevistar D. Deolina)

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O mercador de sonhos

João Bosco Rodrigues Líder comunitário

O caminhoEra um caminho de terra batida.Uma estrada poeirenta que ligava Sabará ao interior de Minas.Ela também ligava “Portugal” às regiões mineradoras.Por este caminho, transitavam pessoas.Passavam viajantes, tropeiros, mascates, muitos animais e as nossas riquezas.Todos andavam muito ocupados e raramente paravam.Faziam seu trajeto, sem se importar com o que acontecia ao seu redor.

O povoadoHavia um povoado à beira do caminho.Um lugar distante e muito isolado.Nele moravam pessoas.Era um lugar muito verde.Havia algumas casas espalhadas e muitas plantações.Lá passava um córrego de águas cristalinas.E, de longe, podia se avistar uma igreja de duas torres.

O caminho

O povoado

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A ComunidadeO conjunto de moradores formava a comunidade. Cada pessoa da comunidade tinha a sua habilidade.Tia Cotinha era dona de uma fazenda. Ela criava gado e plantava milho.Sr. Antônio Ferreira era um pescador de linha e anzol. Ele sempre pescava no Córrego do Vilarinho. Mestre Quinquim era um excelente pedreiro. Era o mestre de obras mais conhecido do povoado.Luiz Vieira era dono da venda. Lá vendia muitos produtos secos e molhados.Maria Dias era Diretora da Escola Santos Dumont. Suas aulas eram superinte-ressantes.Padre Pedro era muito atencioso. Corria de um lado para o outro para atender as pessoas.E Sr. Zinho era o mais antigo morador do povoado. Sabia todos os casos e histórias da região.

O viajanteEram muitos os viajantes.Porém, poucos paravam no povoado.Juca Tropeiro era um viajante diferente.Ele e seu burrinho Nicolau adoravam o povoado.Juca sempre parava para saber notícias da comunidade.Visitava Tia Cotinha, almoçava com Luiz Vieira e pescava com Sr. Antônio Ferreira.Às vezes, ficava para dormir na casa de Mestre Quinquim.No outro dia, logo pela manhã, após participar da missa, seguia viagem.Passava pelo cruzeiro, atravessava o Córrego do Nado e seguia cantando a saudade.Na bagagem, os livros de Maria Dias e, na memória, as histórias do Sr. Zinho.

A Comunidade

O viajante

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Os SonhosJuca Tropeiro transportava mercadorias.Ele comprava na Bahia e vendia em Minas.Junto com as mercadorias, vinham os sonhos.Sonhos de liberdade, independência e prosperidade.Ele falava de sentimentos, pessoas e lugares fantásticos.Lá no povoado todos os moradores o conheciam.A sua chegada era motivo de muita alegria.Suas palavras despertavam as pessoas para o mundo.Provocavam sonhos de uma vida melhor.Juca Tropeiro era o símbolo do novo.O mercador de sonhos.

O FuturoEram muitos os sonhos.Eles brotavam por toda parte.As palavras de Juca transformaram a comunidade.Tia Cotinha queria aumentar a produção da fazenda. Então, ela construiu um grande açude para irrigação.Sr. Antônio Ferreira sempre quis pegar peixes maiores.Então, ele fez um barco mais forte e foi pescar no Rio das Velhas.Mestre Quinquim planejava melhorar as casas do povoado.Então, ele encheu uma forma de barro, colocou no forno e fez tijolos.Luiz Vieira sonhava com uma venda maior, onde os viajantes pudessem descansar.

Os Sonhos

O Futuro

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Então, ele pediu Mestre Quinquim que construísse uma Venda Nova.Maria Dias se preocupava muito com os alunos que vinham lá do cerrado.Então, ela fez um acordo com o Sr. Miro, que só cobraria meia passagem de estudante.Padre Pedro, para atender mais pessoas, precisava ser mais veloz.Então, ele economizou muito e comprou um carro.Sr. Zinho, que tudo via acontecer, imaginava escrever um livro. Então, ele pegou caneta e papel e anotou tudo o que sabia.

A históriaEra um caminhoQue dava num povoado,Que tinha uma linda comunidade.Naquele lugar, paravam muitos viajantes.Pessoas que transportavam mercadorias e sonhos.Lá os sonhos transformavam a realidade das pessoas.Não sei dizer com certeza onde fica esse lugar.Só sei dizer que lá tem uma venda Nova.Uma venda bem grande!Uma venda bem nova!Uma venda nova!Já sei!Venda Nova!

A história

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O que Venda Nova representa para mim

Farlei Francisco Souza Morador de Venda Nova

Meu nome é Ilânio Farofa, e eu irei contar para vocês um pouco de minha história e o quanto Venda Nova esteve e está presente nela. Nasci e fui criado no bairro Visconde do Rio Branco (que todos conhecem apenas por Rio Branco), próxi-mo à Escola de Engenharia e à Escola Municipal Geraldo Teixeira da Costa, mais conhecida como GETECO. Lembro-me de como era bom poder sair correndo pelado, pelas ruas de meu bairro, quando eu tinha uns três anos e deixava minha tia louca, correndo atrás de mim. No jardim, foi complicado, porque um valentão mais velho do que eu sempre “matava a mosca”, que estava na minha testa, com um forte tapa. Espero que ele não tenha sentido o que senti, talvez ele tenha feito só para aparecer para os amigos. Ainda bem que segui os conselhos de minha mãe e de meu avô paterno, que me diziam que devemos cumprimentar a todos e tratá-los bem, sem preconceito. É claro que, com limite, pois, “quem com porco anda, farelo come”. Tenho um rosto muito comum e fui confundido com um cara em que um grupo de garotos queria bater. Tentei fugir, mas eles me seguraram. Foi quando o “Fornalha”, um negão que morava perto da minha casa e era amigo de minha família, vendo a bagunça, perguntou o que eu estava fazendo ali. Eu contei-lhe os fatos, e ele impediu que eu apanhasse de graça.

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Uma vez, brincando de bola na rua, eu vi o irmão do “Fornalha”, batendo um pau no chão, dizendo que, se sua mãe fosse viva, ele faria tudo por ela. Fui correndo para casa beijar, abraçar e dizer que amava minha mãe. Desde então, não espero mais que ela morra, para que eu lhe mostre o quão importante ela é para mim. Quando fui para o primário, na Escola Estadual João Câmara, lembro-me de como era bom brincar de esconde-esconde ou pega-pega naquela pracinha. Quando brincávamos de polícia e ladrão, eu sempre era polícia e, por ser gordinho, nunca pegava o ladrão. Hoje, a polícia não é muito diferente. Um dia, minha professora pensou que eu estava com sarampo ou catapora. Por morar perto de uma mata, fui muito picado por pernilongos e estava com pintas vermelhas pelo corpo; mata que é conhecida como “Mata do Tabajara” e que hoje é o Parque Alexandre Brant, lugar em que eu costumava brincar com meus amigos de pega-pega e de bicicleta. Ao completar meus estudos no João Câmara, tive que fazer meu primeiro “vestibular” para poder estudar no GETECO. Graças a Deus, passei e não me esqueço de uma professora de Matemática que eu tinha, que dizia que queria ter um filho como eu e seu gabarito para correção de prova dos outros alunos era minha prova. Fiz amigos dos quais me lembro até hoje e, caso vocês estejam lendo, vai aqui o meu abraço: Helbert (vovô), Regis (Gim), João Paulo, Paulo, Beto... A partir de agora, começaria uma fase da minha vida em que eu precisaria sair da minha tão querida Zona Norte de BH, Venda Nova. Passei no Vestibular do Colégio Técnico do Centro Pedagógico da UFMG - COLTEC. Lembro-me de que, ao ver meu nome no jornal, minha mãe, que estava com a perna engessada até a virilha, cumpriu sua promessa e deu três pulinhos para “São Longuinho”. Lá ouvi uma frase do diretor que considero fantástica: “ Olhe para a pessoa que está do seu lado, a partir de hoje vocês passarão oito horas do dia ao lado dela, portanto trate de fazê-la seu melhor amigo...” Até hoje lembro do Sammy e sua tranqüilidade, do Eric e sua mania de querer levar vantagem em tudo, do Fabiano e suas filosofias de banheiro e do Geison, que de nós cinco parecia o mais normal, com exceção do “bigodinho de trocador”. Numa aula de Português, fui fazer um comentário sobre Venda Nova e tive que agüentar o professor sempre me perguntando ao me ver: ” E aí? Como vai Venda Nova, muita enchente na Vilarinho?” O interessante foi que este professor comentou sobre um episódio curioso, no qual, após uma enchente, os bombeiros foram socorrer as vítimas e observaram que em muitas casas havia antena, mas não TV. Que loucura! Por que as pessoas queriam mostrar algo que não eram? No primário, fui criticado por ter meus cadernos encapados com sacos de açúcar, eu respondi que continuaria a encapar do mesmo jeito e que o bonito plástico da papelaria só era mais caro.

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Meus colegas de classe sempre perguntavam pelo Capeta do Vilarinho (como ele fez sucesso!), eu respondia que o exorcista o havia expulsado da Quadra. Ao terminar o curso técnico, fui estagiar no Hospital do Barreiro, e era legal comentar com o povo das diferenças entre minha “roça” e aquele lugar que era novo para mim, mas não me atraiu tanto, por ter um ar poluído, devido à intensa indus-trialização. O Hospital fica aproximadamente 26 Km da minha casa e esta fica a 16 Km do centro de BH. Em Geografia, tive uma aula sobre movimento pendular e vivi isto na pele. Vi pessoas que moravam na zona Norte e trabalhavam na zona Sudoeste (Barreiro). Conheci a minha primeira namorada e fiquei muito tempo indo para lá, até o dia em que a convenci de vir morar em Venda Nova, com sua família. Infelizmente, não deu certo, e hoje seguimos nossas vidas, mas ela não se arrepen-de de ter trocado a agitação do Barreio pela tranqüilidade de Venda Nova. Ao passar no vestibular, propriamente dito, deparei-me com muitas pessoas do interior de Minas e até de outros estados. Logo para não me sentir excluído, resolvi dizer que sou do interior de Belo Horizonte. Isso gerou uma dúvida engraçada: Venda Nova faz parte de Belo Horizonte? Eu respondo que, apesar de chegar mais rápido em Neves, Vespasiano ou Santa Luzia, eu pago meus impostos e voto para candidatos de BH. Não posso deixar de valorizar Vespasiano, terra do meu pai, onde passava minhas férias brincando com os porquinhos. Era muito bom! Sou tão regionalista que me decepcionei com o Estado do Rio. Estive lá e exibi em minha camisa a bandeira de Minas e ninguém a reconheceu, ouviu falar de Tiradentes, nem conhecia a Bandeira do Rio. Em contrapartida, todos conheciam a bandeira do “Mengão”. Apaixonei-me por uma fluminense que ficou impressionada com o amor por onde nasci e vivo, e seus pais sempre me perguntavam quando a “venda ia ficar velha”. Ela adorou se tornar vendanovense, mas não perdeu o sotaque. Nosso filho, Pedro, hoje é gordinho e fala como mineiro, mas, quando passa as férias na casa dos pais dela, volta falando maneiro, maluco e puxando o “s”, igual a todo carioca. Gosto de meu País, sou fã do meu Estado, é bom viver nesta Capital e melhor ainda ser vendanovense. Como pude me esquecer de outra vantagem que é estar tão perto da Pampulha: adoro andar de bicicleta lá. Tchau e aproveitem o que de bom nossa terra nos oferece.

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"Velhos tempos, belos dias"

Gerson Eustáquio de Araújo- Funcionário da E. M. Milton Campos -

Eu era um menino esperto, que crescia livre em uma Venda Nova, cercada pelo verde das matas, imensas pastagens com vacas e bezerros, córregos e lagoas por todos os lados. Brincava com o cachorro “Bob”, que corria atrás da galinha, sempre assustada com a presença de alguma cobra, pequena ou grande. Depois eu também saía correndo, gritando:

Corre aqui, vô, que tem uma cobra no terreiro! Onde está esta jararaca, que vou sumir com ela? Tava mesmo ali, olhando pra galinha, que fugia do “Bob”.

Então, meu avô olhava em volta e não vendo cobra nenhuma, voltava a sentar-se sob a gostosa sombra da mangueira, continuando a fumar seu cachimbo. Fiquei sem graça, mas achei melhor brincar com meus bonecos de barro, sob o olhar de “Bob”. Gostava de fazer casas, castelos e bonecos de barro ou argila. Era noite, lampião aceso, fogão a lenha fazendo um barulho e soltando muita fumaça que, por sua vez, formava grossa camada de picumã nas paredes e no teto da cozinha. Minha vó guardava a banha de porco em latas grandes, com pedaços de carne e torresmo. A lingüiça ficava pendurada em uma vara sobre o fogão, para defumar. Não existia geladeira e toda comida era conservada, naturalmente, contando com a sabedoria dos antigos.

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Chovia, trovejava e relampejava muito, chegando a clarear ao longe com rabiscos, ligando céu e terra. Tremendo de medo, procurei ficar próximo ao meu avô, que fumava seu inseparável cachimbo.

Tô com medo vô! Tem muito barulho e raio.Eu sei, meu filho. É por causa do coqueiro, não é? Não vai acontecer de

novo. Um raio não cai no mesmo lugar, por mais vezes. Neste momento, reparei que a vovó rezava o terço e pedia proteção aos

santos de sua devoção.Este barulho mata, vô?Não, filho, é o trovão. O raio é que pode matar, cortar um coqueiro ao meio

ou incendiar uma árvore. É perigoso mesmo e causa medo. Certa vez, eu fiquei com muito medo também, sabe!

Meu avô sempre contava histórias, algumas difíceis de serem levadas a sério, mas que eu gostava de escutar.

Quando eu levava boiada para o matadouro, sempre passava por trilhas perigosas, com muito mato, lobos, cobras e onças. Dava medo! dizia meu avô, procurando fazer-me esquecer dos trovões e raios.

O tempo passou, eu cresci e, junto comigo, Venda Nova também tomou outras formas, sem matas e pastos. Sentado em um banco da praça principal, fecho os olhos e retorno ao passado, como que em um túnel do tempo. Vejo um padre sorridente passeando em um carro Ford 1928, conhecido, popularmente, como “Baratinha”. Padre Pedro Pinto foi um exemplo de vida, incen-tivador da música, teatro e, merecidamente, seu nome foi escolhido para ser o da principal rua do bairro. Vejo, também, o caminhão tanque “Vaquinha”, percorrendo as ruas; as pes-soas com as vasilhas, comprando leite puro e gostoso. O padeiro grita, oferecendo pão, buzinando sem parar: “Olha o pão!” No Cine São Pedro, o sucesso é “JECA TATU” Mazzarope, com filas para comprar ingresso e muita paquera no “footing”, com as moças andando e os rapazes fazendo piadinhas inocentes. O cinema era diversão obrigatória, nos fins de semana. Não havia televisão, que só começou em 1955, com a TV Itacolomi, sendo artigo de luxo em poucas casas. Uma novidade apresentada pelo Cine São Pedro foi a tela em cinemascope, com o filme “Manto Sagrado”. Na década de 60, é inaugurado o Cine BELENE, puxando a movimentação do “footing” para uma nova praça. Os primeiros filmes do Cine BELENE foram os clássicos “RASTROS DE ÓDIO” e “MELODIA IMORTAL”.

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Pela música dentro do cinema, é possível calcular o tempo restante para o início da projeção, mesmo porque há um ritual interessante, que combina música e uma cor de luz, até que tocasse a música prefixo, geralmente clássica.

No Cine BELENE, a música prefixo é “ÊXODUS”, que sempre causa muita emoção.

Agora minhas lembranças são as pescarias no córrego Vilarinho, com águas claras e várias nascentes, conhecidas como bicas, onde as mulheres enchiam latas com água, lavavam roupas, cantavam e conversavam.

Lembro-me dos engraçados ônibus “jardineiras”, com bagageiro em cima, lotado de sacos, gaiolas, malas, etc.

Sempre uma galinha escapava e ficava correndo dentro da “jardineira”, provocando confusão.

Divertido era ver o motorista fazer o ônibus funcionar, girando uma manivela enfiada no “nariz” da jardineira, mesmo que estivesse chovendo.

As festas de São Sebastião, Santo Antônio, dentre outras, eram oportuni-dades para encontros entre pessoas de várias cidades (Neves, Santa Luzia, Lagoa Santa, etc).

A Semana Santa destacava-se pela beleza plástica das encenações ao vivo, bem como pelo sentimento contrito dos fiéis, com todo mundo falando baixo e até mesmo chegando ao choro.

O som de uma melodia de Roberto Carlos, vinda de uma loja, faz-me retornar ao presente, olhar em volta e acabar concordando com o cantor: “O tempo passa tão depressa, mas em mim deixou (...) tantas alegrias (...) velhos tempos, belos dias.” Pai, por que o senhor tá chorando? Saudades, filho, muita saudade de um tempo que passou! Pai, conta mais histórias de Venda Nova, aquela da noiva que caiu da carroça, da banda de música, da Igreja, que também funcionava como colégio, da (...)Por favor pai, conta mais! Está bem! São tantas histórias que dá para escrever um livro. Vou contar uma bem legal! “ Era uma vez...”

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Venda Nova que eu amo

Nilce Helena do Carmo CostaMoradora de Venda Nova

Hoje vou falar um pouco sobre o lugar que escolhi para viver e criar a minha família. Era o ano de 1981, quando me mudei para Venda Nova. Naquela época, bem diferente de hoje, não tínhamos quase nada de progresso, faltavam ônibus, escolas, asfalto, hospitais, supermercados... Eu morei os treze primeiros anos sempre do lado de cima da Av. Vilarinho, ou seja, nas ruas do Parque São Pedro e Ana Lúcia. Lembro-me como se fosse hoje, havia um córrego sujo, feio, cheio de bichos mortos e lixo, que cortava a Av. Vilarinho, e de uma espécie de ponte que ligava o bairro Minas Caixa à Venda Nova e ruas sem asfalto. Também havia coisas engraçadas, como o local onde está o Shopping Norte, lugar em que ficavam os circos e parques que vinham aqui. Quando minha filha nasceu, era dia 12 de fevereiro de 1982. Chovia muito e da Mater Clínica até a Vilarinho um táxi me levou; só que não subiu a rua que dava acesso a minha rua, uma subida íngrime. Moral da história: eu subi a pé e atolando. Outras coisas engraçadas eram as festas na Av. Vilarinho, sempre no mês de julho, quando a mesma ficava tomada de barracas. Assisti a bons shows, patroci-nados pelos então candidatos a vereadores da época, o Sr. Irani Barbosa e o Sr. Silvinho Resende, além de outros. Também havia o pau de sebo e o porco barreado

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que era solto, e todos corriam para capturá-lo. Ah! Eu me lembro também quando os corretores de imóveis ficavam implorando, pelas ruas, para as pessoas comprarem cotas do Hospital Dom Bosco, e ninguém colocava muita fé. Vi surgir o asfalto na Av. Vilarinho, brotarem prédios enormes no meio do nada, abrirem supermercados, fecharem o cinema (que ficava onde hoje funciona o supermercado Smart), o cartório se mudar para a rua Santo Antônio e, por falar nisso, que saudade das missas do saudoso Pe. Matias, da festa de Santo Antônio na pracinha da Igreja, da procissão da Sexta-feira Santa, com a banda acompanhando e tocando o tempo todo, muitos personagens bíblicos, a encenação da Paixão de Cristo. Entristeci-me quando levaram a nossa biblioteca, que funcionava no prédio da Regional Norte, onde podíamos pesquisar, pegar livros emprestados. Com certeza, perdemos muito com isso.

Que festa foi quando os ônibus verdes, que, na época, eram chamados de Uninorte, desfilaram pela Vilarinho, foram mais de quarenta ônibus. Vi os primeiros postes do metrô chegarem e irem, até que vieram definitivamente, há poucos me-ses. Mesmo quando o asfalto “chegou” às ruas dos bairros, assisti a terríveis enchen-tes, que, inclusive, vitimaram pessoas que eu conhecia.

Hoje, posso falar com orgulho: “Sou moradora de Venda Nova, do progresso, da alegria, aqui ainda conseguimos encontrar as pessoas nas ruas e pararmos para prosear como nos velhos tempos!”

Também muito me agrada o fato de a melhor escola pública de Minas Gerais, como foi constatado recentemente, ser a nossa velha Escola Santos Dumont, onde meus filhos estudaram e que este ano completou 70 gloriosos anos!

Como costumo dizer, somos privilegiados, porque aqui temos de tudo o que precisamos: hospitais, escolas, um comércio muito bom, além de ser esta região muito bem localizada, perto de aeroportos, de universidades e shopping.

Ah! Enfim, poderia ficar horas destacando as marcantes impressões desta minha Venda Nova, que eu adotei, para sempre, em meu coração e que me faz muito feliz!

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Venda Velha

Sandra Suely Oliveira Pereira Profª da E. M. Moisés Kalil

Eu era ainda uma criança, tinha uns sete ou oito anos. Minha avó estava ficando idosa e, por ordem de meu pai, deveria acompanhá-la quando saísse. O que no início era uma obrigação, com o tempo, tornou-se um prazer, cheio de aventuras. Estávamos cada vez mais unidas e um amor imenso, recheado com uma grande amizade, cresceu e solidificou-se entre nós.

Era uma delícia viajar com ela até sua cidadezinha natal, de nome Tijuco, depois de Neves. Lembro-me bem, entrávamos no ônibus, debaixo do viaduto São Francisco, próximo às nossas casas. A viagem era muito demorada e nossa primeira parada era em Venda Nova. Antes, porém, acontecia o meu primeiro desafio, passar sobre uma ponte que ficava bem na entrada. Eu quase morria de tanto pavor, achava que não iríamos conseguir. Se tivesse chovido muito “lá para aquelas bandas”, com certeza a ponte estaria inundada. E se o motorista vacilasse? E se a ponte não suportasse o peso? Minha avó, ciente da minha insegurança, com toda paciência, pegava minhas mãos e dizia que não precisava preocupar-me, o Anjinho da Guarda seria nosso companheiro. Parecia mágica, eu fechava os olhos e... pluft! Já estáva-mos do outro lado da ponte. Então, era só alegria, de imediato agradecia a Deus ao passarmos pela Igreja Matriz, bem no alto do morro, e começava a imaginar as coisas boas que nos aconteceriam. Venda Nova e seus moradores estavam sempre de braços abertos para receberem a todos que por lá chegassem.

A parada do ônibus acontecia em uma venda e durava aproximadamente vinte minutos, para o uso dos sanitários - casinhas construídas sobre fossas - e para comermos uma merenda. Fecho os olhos e começo a relembrar: o chão de cimento grosso, caixotes de madeira com divisões para cereais, que eram vendidos no quilo, em saquinhos de papel pardo. A imagem de Santo Antônio, padroeiro e protetor dos

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moradores, no centro da prateleira, que ocupava toda a parede da entrada. Grandes rolos de fumo de várias qualidades. Sobre o balcão, legumes e frutas eram expostos em gamelas de madeira bem talhadas. Um fogão de lenha do lado e, sobre ele, no cheirinho da fumaça, bexigas de salame, pedaços de toucinho e lingüiças. Doces caseiros dos mais deliciosos, fubá de moinho d’água. Nossa merenda era como um manjar dos deuses. Pão com salame e café bem quentinho; o pó, moído na hora! O pão era enorme, de meio quilo. O vendeiro colocava-o sobre o balcão e ia cortando as fatias. Os “espertos” pegavam as partes do meio, que eram mais largas; as pontas, ficavam para os últimos. Quem desejasse poderia também comprar um pedaço de rosca caseira, com um gostinho irresistível de cravo e canela, ou deliciar-se com um cobu broa de fubá com queijo, assada na folha de bananeira.

Naquela época, Venda Nova era roça, local de casas para descanso e de chácaras. Hoje é sinônimo de modernidade. A vendinha da parada, tão acolhedora, não existe mais. Pão com salame, “já era”, agora temos Mc Donald’s, shoppings, grandes supermercados e muito mais. No lugar da minha “ponte do cai não cai”, hoje está a Av. Dr. Álvaro Camargos, conhecida por todos como 12 de Outubro. Trabalho na região de Venda Nova e sou amante de tudo que lembra roça ou tempos antigos. Em minha casa, tenho um fogão a lenha, panelas de ferro fundido, gamelas e caçarolas. É no calor do fogo e vendo o feijão engrossar que “desestresso” e dou asas à imaginação. Uma colega de trabalho diz que não entende essa minha paixão, brinca comigo e fala que é movida a gás carbônico; logicamente, ela tem os seus motivos. Mas, sentimento é coisa que não dá para disfarçar. O jovem, por exemplo, apaixona-se por algo ou alguém, diz que é uma “questão de pele”. Consi-dero o termo apropriado; através da pele sentimos e descobrimos inúmeras coisas. Mas, ao remexermos em acontecimentos especiais do passado, aqueles que estão adormecidos em algum cantinho do nosso coração, acontece mais, muito mais que uma “questão de pele”. Um fervilhar em todo o nosso corpo e não apenas um, mas todos os órgãos dos sentidos despertam: tato, olfato, paladar... Uma revolução de sensações desencadeadas em segundos, uma a uma. Ou todas ao mesmo tempo, em milésimos de segundos, parecendo um turbilhão. Ao falar sobre Venda Nova, não uso apenas meu cérebro e suas funções para a escrita; todo o meu corpo e sentimentos trabalham juntos. Que saudades, da minha avó e dos nossos passeios, da vendinha! Estarão sempre nos meus pensamentos. Hum... Agora mesmo sinto o cheirinho daquele café tão saboroso da nossa parada, relembro o vai e vem das pessoas, alguns tropeiros que ainda existiam, chegando em seus cavalos suados, para também serem acolhidos ou pedirem pouso. Ouço até o motorista do ônibus gritando: “Acabou a hora da merenda, vamos continuar a viagem. A próxima parada será em Ribeirão das Neves; com a graça de Deus, chega-remos ao Tijuco”.

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