história econômica - mircea
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MIRCEA BUESCU
HISTRIA ECONMICA
DO BRASIL
LEITURA BSICA
Antonio Paim (organizador)
CENTRO DE DOCUMENTAO DO
PENSAMENTO BRASILEIRO (CDPB)
2011
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SUMRIO
APRESENTAO Antnio Paim .......................................... 4
MATRIA INTRODUTRIA Prefcio Amrico Jacobina Lacombe ...................................... 13 Textos de Mircea Buescu
- Um programa de trabalho para a histria
econmica do Brasil ............................................................... 20
- Esquema de histria econmica do Brasil .............................. 30
OS TRS PRIMEIROS SCULOS - A economia aucareira em 1600 e seus
aspectos quantitativos ............................................................. 52
- Sobre o valor da exportao colonial ..................................... 61
SCULO XIX
Nota introdutria Antnio Paim ............................................... 65 Textos de Mircea Buescu
8. DIVISOR DE GUAS ...................................................... 69
8.1 Balano do modelo colonialista mercantilista ................... 69
8.2 Chegada da Corte .............................................................. 74
8.3 Poltica econmica ............................................................ 75
8.4 Gargalo externo ................................................................. 87
8.5 Outras atividades econmicas.............................................91
8.6 Novos rumos ..................................................................... 93
9. O CICLO DO CAF ......................................................... 96
9.1 Perspectiva em meados do sculo XIX ............................. 96
9.2 Condicionamentos externos .............................................. 98
9.3 Condicionamentos internos ..............................................101
9.4 Empresa e rentabilidade ...................................................113
9.5 Comrcio exterior .............................................................118
9.6 Agricultura de subsistncia ...............................................135
9.7 Incio da indstria .............................................................139
9.8 Moeda e finanas ..............................................................145
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9.9 Balano do perodo ............................................................ 158
Revendo a poltica econmica do Imprio (1991) ....................... 165
Notas sobre a economia do Segundo Reinado ............................. 188
SCULO XX
Apresentao Antnio Paim ..................................................... 203 TEXTOS DE MIRCEA BUESCU
- Brasil: problemas econmicos e experincia histrica
Cap. VIII Processo da industrializao ............................... 205 Cap. IX Papel do Governo .................................................. 222 - Lies da histria .................................................................... 230
- A experincia deflacionria de Joaquim Murtinho ................. 247
- Arranco ou transio (1930/1960) .......................................... 289
- Acerca da teoria dos choques externos ................................... 312
- Os objetivos nacionais nos planos econmicos
(1964/1985) ............................................................................ 335
- Progresso e declnio do planejamento econmico
no Brasil ................................................................................. 359
- Os anos 80: a dcada perdida ................................................. 375
- Desenvolvimento econmico: condicionamentos .................. 396
CORRENTES DE IDIAS SOBRE A
ECONOMIA BRASILEIRA (1965-1990)
- Correntes de idias sobre a economia brasileira
(1965/1990) ............................................................................. 416
- Capitais estrangeiros (um debate no Conselho Tcnico)......... 438
- Notas histricas sobre imperialismo, dependncia
e dominao ........................................................................... 454
- Inflao, mentalidades e estruturas..........................................474
- O fascnio do discurso marxista ............................................. 490
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APRESENTAO
Antonio Paim
Nasceu em Bucareste, Romnia, a 14 de setembro
de 1914. Concluiu a Faculdade de Direito de Bucareste
e diplomou-se em estudos superiores da Faculdade de
Direito de Paris. Em sua ptria de origem, foi chefe de
servio no Ministrio do Comrcio Exterior. Emigrou
para o Brasil em 1949, aos 35 anos de idade. Em 1954
obteve a nacionalidade brasileira.
Nos anos sessenta, economistas ligados a Roberto
Campos (1917/2001) criaram a Editora APEC Analise
e Perspectiva Econmica que desenvolveu um grande
trabalho no sentido de recuperar a tradio liberal,
sucessivamente arquivada depois da Revoluo de 30.
Alm de haver completamente desaparecido de nosso
meio, o liberalismo econmico era criticado e
deturpado. A moda, que no desapareceu de todo, em
matria de economia, era a vulgata marxista.
A APEC publicou diversos dos livros escritos por
Roberto Campos. Alm disto, deu a conhecer a obra de
economistas liberais da poca. Progressivamente, os
nomes de Adam Smith e seus seguidores deixaram de
ser satanizados, criando espao prprio nos cursos de
economia. Sem embargo, remanescentes da vulgata
continuam a insistir nas superadas teses cepalianas,
cata de culpados, no exterior, pelo atraso que ainda
registramos em parcelas do territrio e at conseguem
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manter polticas obsoletas como uma reforma agrria
fora do tempo.
Ligando-se APEC, depois de 1962, da qual seria
diretor, entre 1972 a 1979 e consultor a partir de 1980,
responde em grande medida pelo sucesso do empreen-
dimento, notadamente ao estimular e contribuir deci-
sivamente para a elaborao de anlises da economia
brasileira, dignas do nome.
Tornou-se professor de histria econmica na
PUC-RJ (1965 a 1986) e no Instituto Benett de Ensino.
Deu aulas de economia e histria econmica no Instituto
Rio Branco, na Faculdade Santa rsula, na Fundao
Getlio Vargas e ainda em outras instituies do Rio de
Janeiro e de outros estados.
Buescu exerceu ainda a funo de assessor no
Gabinete do Ministro da Fazenda, de 1967 a 1986. Scio
efetivo do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro.
Publicou grande nmero de artigos e ensaios em
jornais (Jornal do Comrcio; O Globo, Jornal do
Brasil) e revistas, entre outras a Revista do Instituto
Histrico e Geogrfico Brasileiro, Carta Econmica da
APEC e Carta Mensal, rgo do Conselho Tcnico da
Confederao Nacional do Comrcio, de que era
membro.
O grande feito de Mircea Buescu reside na
notvel contribuio que deu para estruturar o estudo do
nosso desenvolvimento econmico em bases estri -
tamente cientficas, como se pode ver da Bibliografia
adiante.
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Faleceu no Rio de Janeiro a 16 de maio de 2003,
aos 89 anos de idade.
O levantamento dos dados biogrficos de Mircea
Buescu s foi possvel graas recuperao de uma
breve nota, de sua autoria, que havia sido encaminhada
ao Conselho Tcnico da Confederao Nacional do
Comrcio a que pertencia graas diligncia da
secretria Sandra Nascimento. Faltava, entretanto, a
data de falecimento, obtida graas iniciativa de Arno
Wehling, presidente do Instituto Histrico e Geogrfico
Brasileiro, e presteza e solicitude da secretria
Tupiara Machareth.
Fica a lacuna relativa aos ltimos anos de vida.
Segundo os registros constantes da Carta
Mensal, sua ltima conferncia teve lugar em maio de
1995, isto , ainda viveria oito anos, caracterizados pela
interrupo abrupta de sua brilhante produo
intelectual. Os quatro ensaios subseqentes aparecidos
na revista (nos anos de 1996 e 1997, referidos adiante),
sem indicao de que teriam resultado de conferncias,
devem ter sido encaminhados diretamente para
publicao, praxe admitida. No elogio dos scios
falecidos, no caso a cargo de Vitorino Chermont de
Miranda, afirma-se: presena assdua, nas sesses do
CEPHAS, enquanto a sade lhe permitiu (RIHGB, 184
(421): 280; out.-dez., 2003). de presumir, portanto,
que a inatividade observada haja decorrido do estado de
sade.
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BIBLIOGRAFIA
Livros
Histria do Desenvolvimento Econmico do Brasil (1967);
2 edio, Rio de Janeiro: A Casa do Livro, 1969, 178 p. (em
colaborao com Vicente Tapajs)
Exerccios de Histria Econmica do Brasil (1968). Rio de
Janeiro: APEC Editora, 1969, 136 p.
Histria Econmica do Brasil. Pesquisas e anlises. Rio de
Janeiro: APEC, 1970, 284 p.
O divisor de guas: 1808/1850 . Rio de Janeiro: APEC,
1972.
300 anos de inflao . Rio de Janeiro: APEC, 1973.
Evoluo econmica do Brasil (1974). 4 edio. Rio de
Janeiro: APEC, 1974, 230p.
10 anos de renovao econmica. Rio de Janeiro: APEC,
1974 (em colaborao com Victor Silva)
A moderna histria econmica . Rio de Janeiro, 1976 (em
colaborao com Manuel Pelez).
Guerra e desenvolvimento . Rio de Janeiro: APEC, 1976.
Brasil. Disparidades de renda no passado . Rio de Janeiro:
APEC, 1979, 136p.
Mtodos quantitativos em histria . Rio de Janeiro: Livros
Tcnicos e Cientficos, 1983.
Histria Administrativa do Brasil . Organizao e Admi-
nistrao do Ministrio da Fazenda no Imprio. Rio de
Janeiro: FUNCEP, 1984.
Brasil. Problemas econmicos e experincia histrica . Rio
de Janeiro: Forense Universitria, 1985.
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Artigos e Ensaios
Revista do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro
Quantidade e qualidade em histria econmica: o caso da
inflao brasileira no sculo XIX. v. 313, p. 21-45,
out./dez., 1976.
O caf na histria do Brasil. v. 321, p. 234-236,
out./dez., 1978.
Disparidades regionais, v. 318, p. 88-91, jan./mar., 1978.
Inegalits regionales au Brsil das la seconde moiti du
XIX sicle. v. 321, p. 222-232, out./dez., 1978.
Criao do Banco do Brasil, v. 322, p. 181-184,
jan./mar., 1979.
Miguel Calmon e a valorizao do caf. v. 327, p. 235 -
238, abr./jun., 1980.
No centenrio da Lei Saraiva. v. 330, p. 179-186,
jan./mar., 1981.
Novas notas sobre a Lei Saraiva. v. 331, p. 209-211,
abr./jun., 1981.
O sistema eleitoral aps a Lei Saraiva. v. 332, p. 225 -
227, jul./set., 1981.
Natalidade e mortalidade da populao escrava. v. 334,
p. 163-165, jan./mar., 1982.
Uma interpretao marxista da escravido no Brasil. v.
334, p. 183-190, jan./mar., 1982.
Exportao no Brasil colonial. v. 335, p. 129-132,
abr./jun., 1982.
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Situao dos escravos no sculo XIX. v. 336, p. 145-147,
jul./set., 1982.
Poltica econmica do Segundo Reinado. v. 339, p. 7 -12,
abr./jun., 1983.
Centenrio do Motim do Vintm. v. 339, p. 113-120,
abr./jun., 1983.
O alvar bicentenrio de 1785. v. 350, p. 183-186,
jan./mar., 1986.
O reerguimento econmico: 1903-1913. v. 353, p. 1033-
1050, out./dez., 1986.
Um estadista controvertido: Joaquim Murtinho. v. 365, p.
529-572, out./dez., 1989.
A Primeira Repblica e o sistema econmico inter -
nacional. v. 379, p. 350-363, abr./jun., 1993.
Carta Mensal
Desenvolvimento e lazer. v. 36, n. 423, p. 35-42, jun.
1990.
Inflao: mentalidades e estruturas. v. 36, n. 427, p . 7-
14, out. 1990.
Progresso e declnio do planejamento econmico no
Brasil. v. 36, n. 428, p. 53-61, nov. 1990.
Os objetivos nacionais nos planos econmicos (1964/
1985). v. 36, n. 430, p. 23-37, jan. 1991.
A experincia deflacionria de Joaquim Murtinho. v. 36,
n. 431, p. 37-56, fev. 1991.
Comentrios margem da perestoika. v. 36, n. 432, p.
41-49, mar. 1991.
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A inflao como combate pela renda. v. 37, n. 436, p. 23-
32, jul. 1991.
Primrdios do protecionismo alfandegrio no Brasil. v.
37, n. 437, p. 7-23, ago. 1991.
Revendo a poltica econmica do imprio, v. 37, n. 441,
p. 3-13, dez. 1991.
Correntes e idias sobre a economia brasileira (1965-
1990). v. 37, n. 444, p. 49-58, mar. 1992.
Os anos 80: a dcada perdida. v. 38, n. 447, p. 53 -62,
jun. 1992.
Variaes sobre um tema ecolgico. v. 38, n. 452, p. 11-
19, nov. 1992.
Arranco ou transio. v. 38, n. 455, p. 21-30, fev. 1993.
Notas histricas sobre imperialismo, dependncia e
dominao. v. 39, n. 460, p. 29-36, jul. 1993.
Acerca da teoria dos choques externos. v. 39, n. 466, p.
50-59, jan. 1994.
Lies da histria. v. 40, n. 471, p. 41-48, jan. 1994.
Desigualdades regionais: primrdios. v. 40, n. 474, p. 54 -
63, set. 1994.
A investigao quantitativa do passado. v. 41, n. 484, p.
3-10, jul. 1995.
Desenvolvimento econmico. v. 41, n. 485, p. 33-43,
ago. 1995.
Drcula: histria e fantasia. v. 41, n. 487, p. 56 -65, out.
1995.
Notas histricas acerca da dvida externa. v. 41, n. 492,
p. 75-83, mar. 1996.
O fascnio do discurso marxista. v. 42, n. 498, p. 77 -85,
set. 1996.
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Notas sobre a economia do Segundo Reinado. v. 43, n.
502, p. 13-20, jan. 1997.
Capitais estrangeiros: um debate no Conselho Tcnico. v.
43, n. 508, p. 17-26, jul. 1997.
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MATRIA INTRODUTRIA
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PREFCIO
Amrico Jacobina Lacombe
Por estranho que parea, num tempo em que
tanto se fala em economia, nossa bibliografia de
histria econmica escassssima. O mais recente e
completo de nossos estudos de metodologia histrica e
historiografia, a Teoria da Histria do Brasil, do prof.
Jos Honrio Rodrigues, 3 ed. (So Paulo, 1969), mal
conclui uma pgina com a relao das obras principais
nesse setor, e assim mesmo incluindo as de pura
documentao, as biografias, as histrias das finanas e
as monografias sobre produtos especiais ou aspectos
parciais. Os trabalhos de conjunto sobre a histria da
economia brasileira contam-se pelos dedos.
Em primeiro lugar, os Pontos de Partida para a
Histria Econmica do Brasil, de Lemos Brito, que so
de 1923, e representam um esforo de organizao dos
dados constantes da historiografia corrente, sem muita
preocupao tcnica.
De 1929 a obra de Lcio de Azevedo, pocas de
Portugal Econmico. Ainda que no vise ao Brasil
especialmente, a maneira pela qual encarou a economia
colonial e o mtodo que empregou no estudo dos ciclos
econmicos (termo que da por diante vai ser sempre
empregado) transformaram este livro num modelo de
cujo plano e terminologia dificilmente escapam os
continuadores.
De 1935 o livro de J. F. Normano: Brazil A
study of Economic Types, inteligente exposio que no
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tomou conhecimento do historiador portugus, mas
contribuiu, por sua vez, com algumas idias que se
incorporam aos relatos subseqentes.
Em, 1937 surge a obra clssica de Roberto Si-
monsen. Criando em 1933 a Escola Livre de Sociologia
e Poltica de So Paulo, viu-se o homem de empresa,
doubl de intelectual, com a responsabilidade im-
prevista de ministrar pessoalmente o curso de histria
econmica. Da resultou a Histria Econmica do
Brasil, cujas edies se sucedem ininterruptamente. Sem
ser um historiador por formao, mas homem de boa
cultura geral e econmica, Simonsen empregou sua
notvel inteligncia e sua invejvel capacidade de
organizao na feitura de uma obra magistral.
Submeteu-a ao crivo de eruditos do nvel de Rodolfo
Garcia, Afonso dE. Taunay e Eugnio de Castro. Da
resultou um livro bsico, lcido e metdico, em que se
vo abeberar os seguidores inevitavelmente.
De 1938 a maravilha de exposio representada
pelas aulas ministradas em Montevidu pelo professor
Afonso Arinos de Melo Franco e editadas pelo Minis-
trio da Educao: Sntese da Histria Econmica do
Brasil, vrias vezes reproduzidas. Tudo o que apareceu
precedentemente foi esquematizado de maneira tal que
os compndios no fazem, pela maior parte, da por
diante, seno seguir a esteira do conferencista.
Com Caio Prado Junior, na Histria Econmica
do Brasil em 1945, escrita para um pblico estrangeiro
(encomenda que foi do Fundo de Cultura Econmica do
Mxico) temos uma viso diferente do problema. O
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autor lamenta justamente ser escassa a produo
brasileira em matria de literatura econmica que
examina e seleciona. Mas proclama a dificuldade de
elaborar cientificamente o assunto segundo suas
concepes dialticas, j que uma iluso ingnua
esta idia muito corrente de uma possvel e suposta
imparcialidade filosfica que no existe e no pode
existir. Verdade esta que j fra proclamada por
Aristteles: a de que para deixar de filosofar, ainda
preciso filosofar.
Completamente outro o ponto de vista de Celso
Furtado na sua Formao Econmica do Brasil, de
1959. O problema historiogrfico no o preocupou.
Omite-se quase totalmente a bibliografia histrica
brasileira, previne ele na Introduo, pois escapa ao
campo especfico do presente estudo, que sim-
plesmente a anlise dos processos econmicos e no a
reconstituio dos eventos histricos que esto por trs
desses processos. E realmente toda a massa de
informaes necessria ao raciocnio colhida nos
trabalhos antecessores.
A interveno do prof. Mircea Buescu no campo
de nossos estudos de histria econmica, com os
Exerccios de Histria Econmica do Brasil, e com a
Histria do Desenvolvimento Econmico do Brasil (em
colaborao com o prof. Vicente Tapajs), traz-nos uma
contribuio importantssima.
Esprito formado no trato contnuo dos
problemas econmicos, formado por uma profunda
preocupao pelo material historiogrfico empregado
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na elaborao dos estudos, o professor Buescu
empreendeu uma exaustiva reviso nos dados
elementares nas fontes primrias de nossa evoluo. Na
falta de estatsticas e relatrios oficiais, em vista da
poltica de sigilo caracterstica dos governos da era
moderna, nossas fontes vm sendo os cronistas e os
missionrios coloniais. No se pensara, porm, at
agora em submeter os dados multifrios extrados
desses trabalhos, nem sempre com a exatido ne-
cessria aos raciocnios histricos e econmicos, a uma
costratao rigorosa. Sobre eles se apoiaram os
historiadores at aqui. Mas o professor Buescu
demonstra que muita coisa precisa ser posta em dvida
e repensada. Pelo menos no lcito chegar a certas
concluses sem averiguar certos pontos assaz
duvidosos.
Urge um trabalho preparatrio de apuradas
pesquisas para obter uma srie de dados quantitativos
essenciais ao reestudo de vrios captulos que
enganosamente julgvamos documentados. Como se
ver das pginas que se seguem, o Autor fez srias
tentativas neste sentido, no curso que ministra na
Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro. Os
resultados no corresponderam totalmente aos esforos
empregados mas, de qualquer modo, demonstraram a
possibilidade de se chegar a concluses muito
importantes.
A soluo que ocorre ao professor Buescu a de
um Instituto especializado em Histria Econmica do
Brasil, capaz de centralizar as tentativas nesse sentido.
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bvia a concluso. Mas, por outro lado, parece-me que
mais rapidamente se poderia organizar tal instituto
sombra de instituies j existentes, interessadas nas
pesquisas histrico-econmicas. E so muitas as que
esto sentindo a necessidade de dar uma base slida e
documentada a um setor perigosamente exposto aos
ventos das paixes.
Como companheiro de trabalhos e de lutas no
campo universitrio e s a esse ttulo estou ocupando
estas pginas no me resta seno desejar
ardentemente que o apelo do Autor encontre eco no
meio dos esclarecidos. No faltam, merc de Deus,
jovens dispostos e livres para pesquisas trabalhosas,
mas empolgantes. Dem-nos ambiente e meio e ns, os
professores, auxiliares e estudantes, os transfor-
maremos em elementos para uma slida construo
cientfica futura.
o que j antevejo com otimismo e confiana.
Que as palavras deste mestre frutifiquem.
(Transcrito de Histria Econmica do Brasil.
Pesquisas e anlises, de Mircea Buescu Rio de
Janeiro, APEC, 1970, pgs. 13-16)
Nota do editor
Amrico Jacobina Lacombe (1909/1974) concluiu o curso de
direito aos 22 anos, em 1931. Ainda nos anos trinta, teve atuao
destacada no Centro Dom Vital que exerceu grande influncia
nos crculos catlicos durante largo perodo e foi secretrio do
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Conselho Nacional de Educao. Integrou o grupo que lanou as
bases da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro, onde,
a partir de 1941 passou a lecionar Histria do Brasil. Graas a
essa condio, viria a produzir extensa bibliografia dedicada ao
tema, o que o tornaria renomado historiador e o levaria ao
exerccio da Presidncia do Instituto Histrico Brasileiro. Seria
tambm diretor da casa de Rui Barbosa e responsvel pelo
ordenamento de sua obra para edio. Pertenceu Academia
Brasileira de Letras.
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TEXTOS DE MIRCEA BUESCU
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UM PROGRAMA DE TRABALHO
PARA A HISTRIA ECONMICA DO BRASIL
O desvio do estudo da Histria Econmica do
Brasil do caminho que normalmente devia seguir isto
, pesquisa exaustiva dos dados informativos (em
grande parte quantitativos); depois, sntese coerente
destes dados; e finalmente outra sntese integrando a
realidade econmica no conjunto da realidade cultural
esse desvio, queimando as etapas e passando
diretamente para o terceiro estgio do caminho normal,
foi, sem dvida, em grande parte, obra das escolas
materialistas, estruturalistas e outras semelhantes que
enfatizaram demasiadamente o aspecto social e
institucional os problemas das classes sociais, dos
sistemas, das estruturas, dos regimes, das instituies
polticas, etc. de estranhar que doutrinas que
sublinharam at alm dos limites lgicos a importncia
do fator econmico na evoluo da Humanidade,
contriburam para a marginalizao do estudo
especificamente econmico na Histria.
Um caso tpico o estudo da evoluo econmica
do Brasil no perodo moderno at a Segunda Guerra
Mundial. No prefcio do seu excelente livro
recentemente publicado no Brasil (1), Frdric Mauro
escrevia: Aps essa fase colonial de nossas pesquisas
histricas, sentimo-nos atrados eventualmente pelos
sculos XIX e XX, cuja economia os historiadores
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brasileiros negligenciaram em extremo. Entretanto,
procure-se nos livros clssicos da histria econmica
do Brasil, e encontrar-se- um nmero imenso de
pginas dedicadas quele perodo. S uma perquirio
mais atenta descobrir o sentido, perfeitamente justo,
das palavras de Mauro: que, apesar da extenso dos
comentrios (todos, de acordo com uma certa filosofia
poltica e social), a base informativa, o documento, a
estatstica no existem o que torna extremamente
precrio o respectivo comentrio.
Ningum pode minimizar a importncia dos
sistemas, das instituies, das classes, das foras
polticas e sociais em jogo, e assim por diante.
Entretanto, uma avaliao objetiva destes fatores, em
termos econmicos, s pode ser feita depois da anlise
do processe econmico e dos seus efeitos. Para fixar-se
bem essa posio, talvez seja conveniente, mais uma
vez, indicar os caminhos a seguir mesmo se, s vezes,
esta tarefa parea repisar o terreno do bvio.
* * *
O que a Histria Econmica? o estudo dos
fatos econmicos sob perspectiva tempornea isto , o
estudo do modo como os homens resolveram o seu
problema de bem-estar material, produzindo mais para
poderem consumir mais. Do ponto de vista teleolgico
interessa o consumo, do ponto de vista gentico, a
produo: dada a escassez da natureza, inclusive no que
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tange capacidade do homem, a produo que
constitui o aspecto dramtico do problema econmico.
De forma simplificada, a Histria Econmica deve
pesquisar e explicar como o homem organizou a pro-
duo e, em face dessa organizao, quais os resultados
alcanados em termos de consumo (implicando,
tambm, num problema de distribuio da renda). A
histria dos fatos econmicos a descrio cronolgica
e a anlise dos esforos humanos criadores de valores
econmicos, a luta pela reduo dos custos e aumento
das satisfaes obtidas. Evidentemente, nisso intervm
uma srie de elementos institucionais e estruturais
porm, num primeiro estgio da anlise no permitido
preterir o fato simples, mas fundamental, de como e
quanto se produziu uma avaliao dos fatores de
produo aproveitados e dos produtos realizados.
Essa anlise ser obrigatoriamente quantitativa.
Isto no quer dizer que os fatores qualitativos
devam ser desprezados. O desenvolvimento econmico
funo do homem, envolvendo, portanto, todo o
comportamento da comunidade humana no respectivo
momento histrico. A necessidade de quantificar a
Histria Econmica para efeito de melhor apreciar os
fatos econmicos nico meio objetivo e comparar
custos e benefcios sociais no implica em desprezar
ou minimizar os fatores qualitativos.(2)
As etapas inevitveis para a construo de uma
Histria Econmica do Brasil como de outras
comunidades seriam, portanto: 1) a anlise dos fatos
econmicos produtos, fatores de produo, custos,
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preos, rendas, etc. quase totalmente quantitativa (3);
2) sntese dos fatos econmicos aspectos
macroeconmicos, estruturas, instituies, etc.; 3)
sntese final, englobando todos os fatos culturais em
cada momento histrico para determinar-se sua
interdependncia (4). Obviamente, pelas necessidades
de exposio, as trs etapas poderiam ser atacadas em
conjunto, porm nunca com a preterio das etapas
iniciais.
* * *
Um programa de trabalho para a Histria
Econmica do Brasil, deveria seguir as mesmas etapas,
sob pena de chegar a concluses inadequadas ou
incoerentes.
Esta formulao programtica no implica na
negao do que foi feito at agora no campo das
pesquisas e da elaborao de snteses quantitativas.
Quanto s primeiras, no podem ser citados aqui todos
os trabalhos realizados apesar de, em muitos casos, a
pesquisa puramente histrica ter tido prioridade em
detrimento da pesquisa da histria econmica (5). O que
falta, no que foi feito, uma consolidao dos
elementos objetivos, atualmente espalhados em vrias
publicaes, para que se proceda a seu confronto
verificando-lhes a coerncia. E seriam necessrias
muitas novas pesquisas referentes a todas as pocas e,
sobretudo, a pocas mais recentes.
-
24
24
Como dizia Mauro, o sculo XIX foi pouco
estudado apesar de muito interpretado e comentado
(o perodo a partir da Segunda Guerra Mundial, foi
analisado com maior objetividade pelos economistas
brasileiros). Fala-se, por exemplo da economia
brasileira do sculo XIX sem se ter, at agora, um
estudo da inflao naquela poca, a no ser o trabalho
pioneiro, e valioso sob muitos aspectos, de Oliver
nody (6). Entretanto, a quantificao da inflao ,
como no podia deixar de ser, bastante precria, e
exigiria novas pesquisas para sua confirmao ou
retificao. Os dados encontram-se esparsos em jornais,
revistas, livros, documentos oficiais e privados,
testamentos, inventrios, registros, e s pela sua coleta e
ulterior confronto poderia construir-se uma escala, algo
mais completo, dos preos no sculo XIX. O trabalho
no ser fcil, porque se trata justamente de uma
quantidade enorme de dados informativos espalhados
em todo o Brasil e numa imensa variedade de fontes.
Tentei fazer, por exemplo, um levantamento dos
preos em perodos decenais entre 1835 e 1875, atravs
dos anncios classificados do Jornal do Commercio,
mas os resultados foram inexpressivos: poucas mer-
cadorias so comparveis, no se podendo chegar a um
resultado ponderado (7). Por exemplo, entre aquelas
duas datas, o preo do acar mascavo subiu 79,4%, o
do acar refinado 56,8% e o do arroz 52,9%. Os
resultados parecem coerentes. Entretanto, durante o
mesmo perodo o preo da carne seca elevava-se de
224.2%. As variaes a prazo mais curto so ainda mais
-
25
25
traioeiras: entre 1835 e 1845 o acar mascavo sobe de
5,3%, o refinado de 21,2%, a carne seca de 63,2%, o
milho de 75,5%, enquanto o preo do arroz acusa queda
de 3,6%. (Foram comparados preos mdios, elimi-
nando-se aqueles que destoavam, por razes desco-
nhecidas, do conjunto). Trabalho evidentemente pre-
crio e insuficiente, que talvez possa ser valorizado pela
comparao com outras informaes similares. O levan-
tamento completo fica para ser feito, com pacincia e
esprito crtico. Como na maioria das vezes, a infor-
mao sobre o preo da mercadoria d poucas indi-
caes quanto qualidade. S juntando um grande n-
mero de informaes ser possvel eliminar as eventuais
distores. E entre um nmero reduzido de fontes a
comparao irrealizvel, como, por exemplo, entre as
informaes fornecidas por Leithold e Rango em
1819(8) e as de Davatz uns quarenta anos mais tarde (9).
Entretanto, este o nico caminho. Sem esta
construo, embora muitas vezes precria, as discusses
em torno dos temas da Histria Econmica do Brasil
continuaro dominadas pelas interpretaes doutri-
nrias, na falta de uma base objetiva de interpretao.
Um exemplo tpico a construo, aparentemente
coerente, da teoria da exportao das crises pelos
pases industrializados para o Brasil e da transferncia
do nus da crise pelos exportadores de caf para a massa
dos consumidores brasileiros. No desprovida de
base verdica essa dupla teoria, porm a sua
apresentao de forma radical e excessiva, no parece
justificar-se pelos dados estatsticos disponveis(10).
-
26
26
Inmeros exemplos poderiam ser dados que
justificassem a obra de pesquisa e reconsiderao da
Histria Econmica do Brasil. Esta afirmao no
implica em negar o que at agora foi feito(11). Mas,
mesmo para o que tem sido feito, seria indispensvel
aquele trabalho de consolidao, a fim de medir a
coerncia dos vrios resultados (12).
* * *
Seria preciso organizar pesquisas sistemticas
(obra de um eventual Instituto de Histria Econmica do
Brasil, desejo meu talvez bastante utpico), sobre os
aspectos micro e macroeconmicos da economia
brasileira no perodo entre o Descobrimento e fim da
Segunda Guerra Mundial (perodo que, por analogia
com a terminologia clssica na Histria, constituiria, em
muitos pontos, a fase pr-literria da Histria
Econmica do Brasil, poca em que no houve
levantamentos estatsticos sistematizados, a no ser em
alguns poucos setores).
Este programa de pesquisas deveria conter, entre
outras (a enumerao no exaustiva):
evoluo da populao no apenas para
permitir o calculo da renda per capita, mas tambm,
atravs do perfil dos grupos raciais (brancos, pretos,
ndios) e sociais (rurais e urbanos, livres e escravos),
para ajudar no clculo das rendas, uma vez que a
-
27
27
estimativa direta do produto real poderia ser mais difcil
(13).
- avaliao da produo; muito difcil no que
tange aos produtos de consumo interno, seria mais fcil
para os produtos de exportao, mas, mesmo para estes,
uma reavaliao ser necessria, e a base ser en-
contrada na estatstica do movimento martimo (14);
levantamento da evoluo dos preos locais;
levantamento da evoluo dos preos de ex-
portao;
estatsticas sobre os salrios e outros ren-
dimentos;
volume das importaes dos escravos e de seus
preos(15);
quantificao do fiscalismo colonial e do nus
resultante da intermediao comercial e financeira da
Metrpole aspecto extremamente importante para
determinar-se a parte de renda efetivamente aproveitada
pela Colnia;
despesa pblica (para a poca colonial) a fim de
saber-se a parte da renda que, captada pela Metrpole,
voltava para a Colnia;
volume monetrio; para a poca independente:
emisses de papel-moeda e volume de meios de
pagamento;
investimentos estrangeiros e seus lucros.(15 bis)
Evidentemente, uma primeira operao consistiria
no levantamento do que foi feito at agora e h muitas
pesquisas extremamente valiosas; em segundo lugar, o
-
28
28
material existente deveria passar pelo crivo crtico para
avaliar-lhe a coerncia; novas pesquisas deveriam ser
prosseguidas paralelamente, e medida que chegassem
os resultados, os dados anteriores seriam novamente
submetidos anlise crtica. Por fim, haveria a
construo de conjuntos macroeconmicos, objetivos e
coerentes, que dariam a imagem global da evoluo
econmica. Tentativas desse tipo j foram feitas, tais
como as construes de Roberto Simonsen no que tange
evoluo das exportaes, de Maurcio Goulart sobre a
importao de escravos, de Celso Furtado concernente
evoluo da renda em algumas pocas e regies.
Tentei levar adiante essas construes referentes
ao fim do sculo XVI para melhor caracterizar, em
termos quantitativos, a evoluo da economia nacional.
Utilizei (16), para calcular a evoluo da renda, as
estimativas da exportao colonial construdas por
Simonsen, e os dados disponveis para o perodo
independente, estabelecendo, depois, uma escala de
propores entre o valor da exportao e o da Renda
Interna. Tive a satisfao de encontrar um mtodo
anlogo, embora apresentado sob forma de um modelo
matemtico mais sofisticado (porm admitindo
basicamente uma relao entre as flutuaes da
exportao e da Renda Interna), num notvel trabalho
feito por Teodoro Oniga (17).
A diferena fundamental entre os dois mtodos
que adotei uma relao varivel entre a renda gerada
pelas exportaes e a renda global, enquanto Oniga
admite que entre 1830 e 1960 o crescimento da renda
-
29
29
num perodo decenal corresponde constantemente a 40%
do valor total das exportaes no respectivo decnio.
A aplicao de uma relao constante
exportao/renda parece uma inadvertncia no clculo
final, pois o prprio Oniga, com seu penetrante poder de
anlise, fala em que a dependncia renda/exportao se
vlida num intervalo em que as exportaes
representam uma frao relativamente pequena e
decrescente (entre 19% e 7.5% - entre 1947 e 1960), ela
tem maiores chances ainda de exprimir uma realidade
econmica no passado, quando as exportaes
contribuem com uma frao muito mais importante no
total da produo (nosso grifo).(18) Devo lembrar que
eu tinha aplicado, entre 1600 e 1950, uma escala de
relao exportao/renda partindo de 80% e chegando a
10%. Os resultados globais da evoluo da renda so os
seguintes:
1000 US$ milhes
1800 8.750 72,6
1850 22.080 183,3
1900 132.933 1.103,3
1950 1.387.070 11.512,7
Estes dados diferem bastante dos apresentados em
livro anterior (19) por duas razes: a) adotou-se para
1850 a relao E/RI de 35% (em vez de 40%) e para
1900 de 25% (em vez de 30%); b) a fim de evitar as
distores resultantes das flutuaes da exportao, a
base do clculo no foi o valor da exportao dos anos
-
30
30
1850 e 1900, e sim a mdia do valor da faixa de 10 anos
em torno das respectivas datas.
Os estudos contidos no presente livro representam
tentativas de completar e reajustar os trabalhos
realizados por outros, a fim de se chegar, com o tempo,
a uma Histria Econmica do Brasil quantificada,
objetiva e coerente, constituindo uma experincia
aproveitvel para a compreenso dos rduos problemas
do desenvolvimento econmico.
ESQUEMA DA HISTRIA ECONMICA
DO BRASIL
1. Ciclos e subciclos:
- Formao econmica determinada pelo binmio mer can-
tilismo/colonialismo: organizao da Colnia de modo a
garantir a balana comercial favorvel da Metrpole
(atravs da produo de metais preciosos ou de produtos
conjunturais de exportao).(20) Concentrao dos fatores
de produo no produto conjuntural (tendncia para a
monocultura); instrumentos institucionais favorecendo o
produto conjuntural.
- Ciclos:
perodos em que a exportao concentrada num certo
produto conjuntural.
- Efeitos:
- o produto conjuntural liderando a exportao;(21)
- a exportao (com a intermediao inevitvel da
Metrpole) constituindo a principal fonte criadora da renda
-
31
31
colonial, o produto conjuntural (cclico) desempenha papel
decisivo na criao da renda;
- atrao dos fatores da produo:
- expanso territorial;
- expanso demogrfica;
- entrada de capitais; alta rentabilidade (reinves --
timento);
- reflexo sobre outras atividades econmicas (fluxos de
renda);
- estratificao social correspondendo s necessidades
do produto cclico;
- criao de instituies polticas e sociais adequadas.
- Ciclos:
perodos em que o centro dinmico da economia cons -
titudo por um certo produto conjuntural de exportao.
- Subciclos:
perodos em que produtos secundrios sustentaram a
balana comercial, sem o dinamismo de um verdadeiro
ciclo; ligao com o consumi interno.(22)
Cronologia dos ciclos:
1503- 1550: ciclo do pau-brasil (23)
1550-1650: ciclo do acar (24)
1560 at o fim do perodo colonial: subciclo do gado
1642 at o fim do perodo colonial: subciclo do fumo (25)
1694-1760: ciclo da minerao (diamantes: a partir de 1729)
1780-1790: subciclo do algodo
1790-1810: ressurgimento do ciclo do acar
1825-1930: ciclo do caf
2. Do Descobrimento at meados do sculo XVI
2.1 Quadro histrico
1492 Bula Inter Caetera do papa Alexandre VI
1994 Tratado de Tordesilhas
1500 Pedro lvares Cabral no Porto Seguro
1501-1503 Expedies de reconhecimento
-
32
32
1504 Incurses francesas no Brasil
1506 Novos progromos contra os judeus nos pases
ibricos
1516-1519 e 1526-1528 Expedies de Cristvo Jacques
1519-1521 Conquista do Mxico por Corts
1524-1532 Conquista do Peru por Pizarro
1530-1532 Expedio de Martim Afonso de Souza
1532 Fundao de So Vicente
1534 Criao das primeiras Capitanias Hereditrias
Constituio da Companhia de Jesus
1545 Descobrimento das minas de prata de Potosi (Peru)
1548 Regimento de Tom de Souza
1549 Constituio do Governo Geral do Brasil
Fundao da cidade de Salvador
Chegada dos padres jesutas (Manuel da
Nbrega)
2.2 Ciclo do pau-brasil
Condicionamentos externos aumento das rendas e do
consumo na Europa Ocidental; demanda de tecidos;
expanso do artesanato; demanda de corantes (preos
altos, suportando o alto custo do transporte transoce -
nico); rentabilidade (custo local: 1.000 ris por quintal;
venda para o consumidor: 4.000 ris).
Condicionamentos internos fatores de produo:
- recursos naturais: planta nativa, sem exigir cuidados
especiais;
- mo-de-obra; ndios (livres ou escravos), para derru-
barem as rvores e transportarem-nas at o local de
embarque;
- tecnologia: rudimentar (corte de rvores), conhecida
pelos ndios;
- capital: reduzida exigncia no local (pagamento dos
ndios in natura ou sua utilizao como escravos; cons-
tituio de feitorias temporrias para o embarque do pau-
-
33
33
brasil); necessidade de volumosos capitais para transporte
e comercializao (apelo para os cristos novos).
Funcionamento:
- monoplio da Coroa;
- arrendamento (1) grupo de cristos-novos liderados por
Ferno de Noronha 1503);
- limitao da renda pela demanda ( 20.000 quintais por
ano = 80.000); (26)
- dificuldades criadas pelos ataques dos ndios e pelas
incurses dos corsrios, piratas, comrcio entrelopo;
- substituio por um produto mais rendoso (acar); (27)
- persistncia da exportao de pau-brasil durante o
perodo colonial;
- liquidao do produto pela inveno dos corantes
artificiais (ndigo artificial).
Efeitos:
- prioridade na pauta de exportao (at 1540-1550,
provavelmente, 90-95% do valor anual da exportao);
- criao de renda (fora da Colonia);
- valor da exportao de pau-brasil no perodo colonial:
15.000.000 (2,8% da exportao total, 1,7% da Renda
Interna colonial);
- poucos reflexos no conjunto econmico-social: sem
penetrao territorial, sem crescimento demogrfico (a no
ser, ambas muito superficiais); sem criao de classes
sociais, e outras atividades reflexas (quase sem carter de
verdadeiro ciclo); entretanto, justificando a necessidade da
criao de um sistema poltico-militar da defesa:
capitanias hereditrias. (28)
3. De meados do sculo XVI a meados do sculo XVII
3.1 Quadro histrico
1551 Criao do bispado da Bahia
1554 Fundao do Colgio Jesuta de So Vicente
-
34
34
1555-1565 Franceses no Rio de Janeiro (Villegaignon)
1565 Fundao da cidade do Rio de Janeiro
1571 Batalha de Lepanto
1573-16578 Instituio de dois governos
1578 Batalha do Alccer-Qubir
1580-1640 Portugal unido Espanha
1583-1591 Ataques ingleses ao Brasil
1584 Conquista da Paraba
1588 Desastre da Invencvel Armada
1589 Conquista de Sergipe
1591-1595 Primeira visitao do Santo Ofcio
1594-1597 Ataques franceses
1599-1604 Ataques holandeses
1599 Conquista do Rio Grande
1600 Constituio da Companhia Inglesa das ndias
Orientais
1602 Constituio da Companhia Holandesa das ndias
Orientais
1608-1612 Instituio de dois governos
1609 Trgua Espanha-Holanda
1612-1615 Franceses no Maranho
1618-1648 Guerra de Trinta Anos
1621 Fundao do Estado do Maranho e Gro-Par
Constituio da Companhia Holandesa das ndias
Ocidentais
1624-1625 Holandeses na Bahia
1630-1654 Holandeses em Pernambuco, Itamarac, Rio
Grande, Paraba, Sergipe e Maranho
1637 Expedio de Pedro Teixeira na Amaznia
1637-1644 Governo de Nassau
1642 Tratado Portugal-Inglaterra
1645 Insurreio pernambucana
1648 Reconquista da Angola pelos portugueses
1651 Ato de Navegao de Cromwell
1652-1653 Guerra Inglaterra-Holanda
-
35
35
3.2 Ciclo do acar 1550-1650
Condicionamentos externos:
- elevao das rendas na Europa Ocidental;
- aumento do consumo de acar;
- dificuldades do abastecimento do Oriente Prximo e
Extremo Oriente;
- elevao geral dos preos em decorrncia do afluxo de
metais preciosos do Novo Mundo (arroba de acar em
1500: 400 ris; em 1650: 1.800 ris).
Condicionamentos internos fatores de produo :
- recursos naturais: terra disponvel de qualidade
relativamente boa (massap), clima, florestas prximas
(lenha para fornalhas), rios (fora motriz e transporte); em
toda a extenso da costa, mas sobretudo de Sergipe a Rio
Grande do Norte; necessidade de animais de carga (v.
subciclo do gato);
- mo-de-obra: ndios (livres ou escravos) inadaptados;
reduzida mo-de-obra branca; importao macia de
escravos africanos (29)
- tecnologia: experincia anterior dos portugueses
(Madeira);
- capital: necessidade de capitais volumosos (um engenho:
10-15.000); dificuldades financeiras dos donatrios (30);
papel dos cristos-novos e dos intermedirios comerciais e
financeiros; capitalizao na prpria economia aucareira,
porm com dificuldades de capital de giro (31);
Funcionamento:
- unidade de produo: engenho de acar (economia
autrquica); formao: donos de engenho, trabalhadores
livres, escravos, cultivadores livres (arrendatrios
fornecedores de cana); agregados, forros, artesos, etc.;
- favores oferecidos aos donos de engenho pela Me-
trpole(4);
-
36
36
- fiscalismo: dzimo do acar (1/10 da quantidade
produzida); intermediao obrigatria da Metrpole na
exportao (papel dos grandes centros europeus de
comercializao: Anturpia);
- insegurana: ataques dos ndios, corsrios, piratas e
comrcio entrelopo; ocupao holandesa(33);
- expanso durante a conjuntura ascendente (1550-1650):
aumento das quantidades produzidas e exportadas (1600?
1.200.000 arrobas; 1650: 2.000.000 arrobas), ao mesmo
tempo que os preos se elevavam;
- alta rentabilidade;
- mudana da conjuntura aps 1650: concorrncia
antilhesa, queda dos preos (fim da inflao europia);
- ressurgimento por causa da revoluo nas Antilhas
(1789);
- Bloqueio Continental (1806): acar de beterraba.
Efeitos:
- prioridade na pauta de exportao: 1600 - 2.100.000
(90% do total); 1650 - 3.800.000 (95% do total); no
perodo colonial: 300 milhes 56% da exportao total
(34);
- importante receita para a Coroa (e para os intermedirios
comerciais e financeiros);
- criao de renda (talvez 2/3 fora da Colnia); do total da
renda colonial, 33% gerados pelo acar;
- fixao dos colonos; ocupao territorial (embora apenas
litornea);
- expanso demogrfica: atrao dos colonos, integrao
de ndios, importao macia de escravos africanos;
- estruturao social (criao de latifndios, situao
subserviente dos demais cultivadores); isolamento dos
engenhos; hbitos de consumo mais elevados nos
engenhos (em grande parte, com produtos importados);
reduzida urbanizao (35);
-
37
37
- criao de atividades conexas: presa de escravos (ndios:
bandeirantes; pretos: mercadores); atividades adjuntas no
engenho; criao de gado.
3.3 Subciclo do gado
Condicionamentos:
- ligao indireta com o setor exportador: fornecimento de
fora motriz, meio de transporte, alimentao e matria -
prima artesanal para os engenhos de acar (mais tarde,
sustentao no ciclo da minerao, inclusive para gado
cavalar e muar);
- ligao direta: exportao de couro (tambm como
envlucro para fumo);
- para consumo interno: alimentao e artesanato (aspecto
anticclico) (36);
- facilidade para fatores de produo: extenso territorial;
mo-de-obra ndia adequada; pouca necessidade de capital
(capitalizao natural no prprio setor).
Funcionamento:
- pontos de expanso: Bahia, Pernambuco, So Vicente;
- expanso ao longo dos rios (So Francisco); limitaes
legais para no prejudicar a cultura da cana;
- grandes currais (em torno dos engenhos) e pequenos
currais;
- rentabilidade modesta.
Efeitos:
- sustentao da balana comercial (sobretudo nas pocas
de crise do acar); total da exportao no perodo
colonial: 15.000.000 (2,8% do total);
- receita para a Metrpole;
- fortalecimento do setor autnomo (composio do setor:
agricultura de subsistncia mandioca, algodo, etc.
pesca de baleia, criao de gado, colheita tropical,
pequenas ocupaes agropecurias e hortigranjeiras;
-
38
38
reduzido artesanato; inexistncia de um grande mercado:
nveis baixos de renda, falta de ligaes entre os ncleos,
pouco interesse dos investidores, economia no -
monetria);
- criao de uma classe mdia rural (maior mobilidade
social);
- grande expanso territorial (37).
4. A Segunda Metade do Sculo XVII
4.1 Quadro histrico
1632 Criao do Conselho Ultramarino
1649 Constituio da Companhia Geral do Comrcio do
Brasil
1654 Expulso dos holandeses
Tratado Portugal-Inglaterra
1657 Instituio do Governo de Pernambuco
Lutas na fronteira Sul
1661 Tratado Portugal-Inglaterra
Tratado de paz da Haia
1665 Franceses em So Domingos
1669 Dissoluo da Companhia Holandesa das ndias
Ocidentais
1680 Fundao da Colnia do Sacramento
1681 Tratado de Lisboa
Perda das ndias Portuguesas
1682 Constituio da Companhia do Comrcio do
Maranho
1633-1713 Guerra dos Brbaros (Confederao dos Cariris)
1684 Revolta de Beckman
1695 Destruio do quilombo de Palmares
1703 Tratado de Methuen
4.2 Hiato econmico Subciclo do fumo
- queda do ciclo do acar: baixa das cotaes (aumento
da oferta em decorrncia da criao dos centros produtores
nas Antilhas; queda geral dos preos); o acar mantm-
-
39
39
se, entretanto, como principal produto de exportao do
Brasil; queda da rentabilidade - descapitalizao do setor
(38);
- medidas de defesa da receita colonial:
- criao do Conselho Ultramarino;
- constituio de organizaes monopolistas para comer-
cializar os produtos da Colnia: Companhia Geral do
Comrcio do Brasil (1649-1663) e Companhia do
Comrcio do Maranho (1632-1685); sucesso relativo da
primeira, apenas;
- monoplio do fumo (1642);
- monoplio do sal (1658);
- liberao do comrcio em navios estrangeiros (1671);
- navegao obrigatria em frotas (1688);
- importncia relativamente maior dos produtos sub -
cclicos na exportao e na gerao da renda: couro,
algodo (Maranho), fumo.
Subciclo do fumo (a partir da segunda metade do sculo XVII)
- conjuntura: aumento do consumo na Europa Ocidental;
produto importante para o escambo dos escravos africanos; em
pequena proporo, para o consumo interno (39);
- condicionamentos: planta indgena; tecnologia tradicio nal;
mo-de-obra local ou escrava; necessidade reduzida de capital;
- funcionamento:
- rentabilidade relativamente reduzida;
- monoplio da Coroa importante receita pblica;
- participao da economia colonial: exportao total
12.000.000 (2,2% do valor da exportao colonial, 1,3% da
Renda Interna do perodo colonial).
Resultados do perodo
- queda da exportao, apesar das medidas de defesa e da
participao dos subciclos;
- queda da Renda Interna, sendo dependente da exportao;
-
40
40
- crescimento relativo do setor autnomo da economia (no
dependente da exportao): mandioca, milho, plantas
alimentcias, frutas, trigo, etc. (fumo, algodo, pecuria na
medida em que no se exportavam); artesanato (muito
reduzido);
- em termos per capita a exportao caiu, entre 1650 e 1700,
de 23.10.0 para 6.14.0, a Renda Interna, de 29.8.0 para
11.8.0.
4.3 Panorama do sculo XVII
- Evoluo da exportao (aspecto cclico) reflexo sobre
a gerao de renda (boa parte da Renda Interna talvez
2/3 ficava fora da Colnia) crescimento relativo do
setor autnomo (40).
Exportao (E) Renda Interna (RI)
Setor autnomo
(RI-E)
1000 variao
%
1000 variao
%
1000 variao
%
1600
1650
1700
2.400
4.000
2.400
. . .
+ 67%
40%
3.000
5.000
4.000
. . .
+ 67%
20%
600
1.000
1.000
. . .
+ 67%
+ 60%
- Composio da exportao:
1600 1650 1700
1000
% do
total 1000
% do
total 1000
% do
total
acar
pau-brasil
fumo
couro
minerao
2.160
100
15
. . .
90%
4%
0
. . .
3.800
75
. . .
. . .
95%
2%
. . .
. . .
1.800
45
. . .
100
310
75%
2%
. . .
4%
13%
-
41
41
- Expanso territorial e demogrfica:
rea ocupada
(km2)
Populao
(hab)
Densidade
(hab / km2)
1600
1650
1700
25.800
. . .
110.700
100.000
170.000
350.000
3,9
. . .
3,2 (41)
5. A primeira metade do sculo XVIII
5.1 Quadro histrico
1693 Ouro em Taubat
1694 Fundao da Casa da Moeda (Bahia; no Rio de
Janeiro em 1702)
1700 Tratado de Lisboa
1704-1705 Ataques espanhis a Sacramento
1708 Guerra dos Emboabas
1709 Criao da Capitania de So Paulo e Minas Gerais
1710 Guerra dos Mascates
Corsrios franceses na Costa do Rio de Janeiro
1715 Tratado de Utrecht
1720 Criao da Capitania de Minas Gerais
Brasil Vice-Reinado
1725 Criao de Casas de Fundio
1729 Diamantes em Serro Frio
1735-1737 Ataques espanhis a Sacramento
1744 Criao da Capitania de Gois
1747 Primeira tipografia no Rio de Janeiro
1749 Capitania de Mato Grosso
1750 Tratado de Madrid
1763 Mudana da capital para o Rio de Janeiro
5.2 Ciclo da minerao (1693-1760)
Condicionamentos externos:
- importncia do ouro como moeda internacional;
-
42
42
- mercantilismo crisofilia (procura constante desde o
Descobrimento: entradas, bandeiras).
Condicionamentos internos:
- condies naturais: ouro e diamantes a flor da terra em
grandes quantidades;
- mo-de-obra: novos colonos ou atrados de outras zonas;
importao de escravos;
- tecnologia: bastante simples, conhecida na Metrpole e
at pelos negros;
- capitais: necessidade de pouco capital (escravos,
equipamento); transferido de outras zonas, trazido pelos
novos colonos ou criado pela prpria minerao.
Funcionamento:
- descoberta de ouro em Taubat (1693); extenso para
Mato Grosso e Gois; diamantes em Serro Frio (1729);
- fiscalismo: quinto do ouro (1735-1750: capitao);
derrama; monoplio dos diamantes (1731);
- obrigao da cunhagem (Casas de Fundio);
- medidas de defesa em relao ao contrabando
(organizao administrativa na regio da minerao);
importncia do contrabando (20% de produo);
- entrada macia de novos colonos na regio da minerao
(guerra dos Emboabas);
- queda da produo na segunda metade do sculo XVIII;
excesso do fiscalismo (Inconfidncia Mineira -Tiradentes
1789). (42)
Efeitos:
- exportao: no perodo colonial, 170 milhes (31,7%
da exportao total);
- importante fonte da receita para a Coroa;
- criao de renda (no perodo colonial, 19,0% da Renda
Interna total);
- reflexos sobre outras atividades (comrcio, artesanato);
-
43
43
- elevao (passageira, dos nveis de consumo; urbaniza-
o (comrcio, artesanato, administrao);
- novas classes (parcialmente desaparecidas aps a queda
do ciclo proletariado rural e urbano);
- monetizao da economia;
- elevao dos preos (inflao) na regio mineira. (43)
6. De meados do sculo XVIII at a Mudana da Corte
6.1 Quadro histrico
1750-1777 O marqus de Pombal, secretrio de Estado
1751 Criao do Estado do Gro-Par e Maranho
1759 Expulso dos jesutas
1762 Capitulao de Sacramento
1763 Mudana da capital para o Rio de Janeiro
1772 Criao do Estado do Maranho e Piau
1774 Escolas Rgias no Rio de Janeiro e
So Joo del Rei
1778 Guerra da Independncia dos Estados Unidos
1789 Revoluo Francesa Revolta no Haiti
Inconfidncia Mineira
1798 Conjurao Baiana
1802 Revolta em So Domingos
1807 Bloqueio Continental
Criao da Capitania do Rio Grande do Sul
1808 Mudana da Corte para o Rio de Janeiro
6.2 Hiato econmico Subciclo do algodo
- queda do ciclo da minerao (esgotamento das r eservas
facilmente alcanveis);
- contnua decadncia do acar (entretanto, pequeno res -
surgimento aps a revolta nas Antilhas, destruindo ins -
talaes e eliminando temporariamente um concorrente);
golpe definitivo com o aparecimento do acar de
beterraba;
- fraqueza da economia de subsistncia;
- medidas de defesa:
-
44
44
- constituio da Companhia Geral do Comrcio do
Gro-Par e Maranho (1755-1777) e da Companhia
Geral do Comrcio de Pernambuco e Paraba (1759-
1780);
- polticas de Pombal: criao da Mesa de Inspeo
(1759), maior liberdade de navegao (1765), reduo
dos fretes martimos (1766);
- proibio das indstrias (1785).
Subciclo do algodo
Condicionamentos:
externos: revoluo Industrial na Inglaterra: demanda
maior de algodo; guerra da Independncia
norte-americana: falta de matria-prima norte-
americana.
internos: condies ecolgicas (planta indgena); mo -
de-obra escrava (ndia); pouca necessidade de
capital;
- Sustentao da balana comercial: exportao
12.000.000 durante o perodo colonial (2,2% da expor-
tao total);
- Ligao com o setor autnomo (consumo local);
- Criao de renda (importncia regional: Norte).
Resultados do perodo
- queda da exportao;
- queda da Renda Interna;
- crescimento relativo (embora em condies precrias) do
setor autnomo da economia;
- queda da exportao per capita ( 2 9/10 em 1750, 1
1/10 em 1800) e da renda per capita ( 4 8/10 em 1750,
2 2/3 em 1800).
-
45
45
6.3 Panorama do sculo XVIII
- Nova variao cclica graas minerao; depois, queda
da exportao (porm menor, graas interveno de
outros produtos); contudo, ligeiro crescimento da renda
(graas ao desenvolvimento relativo ao setor autnomo)
(44).
Exportao (E) Renda Interna (RI)
Setor autnomo
(RI-E)
1000 variao
%
1000 variao
%
1000 variao
%
1700
1750
1800
2.400
4.300
3.500
40%
+ 79%
19%
4.000
7.200
8.800
20%
+ 80%
+ 22%
1.600
2.900
5.300
+ 60%
+ 81%
+ 83%
- Composio da exportao:
1700 1750 1800
1000
% do
total 1000
% do
total 1000
% do
total
acar
pau-brasil
fumo
couro
minerao
algodo
1.800
45
. . .
100
310
. . .
75%
2%
. . .
4%
13%
. . .
2.000
30
100
110
2.035
. . .
47%
0
2%
2%
47%
. . .
1.100
60
225
200
855
200
31%
0
6%
6%
24%
6%
- Expanso territorial e demogrfica:
rea ocupada
(km2)
Populao
(hab)
Densidade
(hab / km2)
1700
1750
1800
110.700
. . .
324.000
350.000
1.500.000
3.300.000
3,2
. . .
10,2 (45)
-
46
46
NOTAS (1) Frdric Mauro, LXXIX, pg. 10. (2) Apesar da insistncia quanto necessidade de quantificar a Histria Econmica do Brasil, como metodologia analtica, enfatizei sempre a importncia primordial do conjunto dos fatores culturais em que se processa o desenvolvimento econmico (v. Mircea Buescu-Vicente Tapajs XXI). (3) No se pode negar a precariedade dos estudos quantitativos referentes a pocas remotas em que as informaes estatsticas so muito escassas, principalmente por causa do desinteresse dos cronistas pela quantificao do fenmeno social at, pelo menos, o sculo XVI (v. John V. Nef LXXXVI bis). Caso tpico a crtica feita a Earl J. Hamilton pela precariedade dos clculos sobre a evoluo dos preos nos sculos XVI e XVIII. Evidentemente, os clculos devem ser aceitos com cautela, mas de qualquer forma a tentativa de quantificao represen tou um progresso com vistas a uma interpretao mais objetiva do fenmeno. Como diz Frdric Mauro, o que fez melhor que nada (op. cit., pg. 18). Os estudos publicados no presente volume so tentativas no mesmo sentido e sou o primeiro a compreender as limitaes de tais exerccios de quantificao. Insisti em quo audaciosa a tentativa de calcular a renda inte rna do Brasil em 1600 (v. infra, pgs. 81-90: BRASIL 1600), mas achei que este o caminho para um estudo mais objetivo do passado brasileiro. Tive a satisfao de encontrar um apoio, embora no referente ao meu estudo, em Frdric Mauro (op. cit., pg. 28): Mas, ser objetado, para que serve estudar a renda nacional do sculo XVII, quando, naquela poca, ningum pensava nisso? Duas razes para faz-lo nos parecem essenciais. De uma parte, este o nico meio de compreender a organizao de conjunto da economia nesta poca e de op-la organizao das economias seguintes. De outra parte, este o nico meio de compreender as flutuaes a longo prazo desta economia, de discernir as variveis mais interessantes para estudar, de precisar seu valor e sua significao. (Para a perspectiva da evoluo da renda no Brasil, v. infra, o grfico da pg. 224). (4) O livro citado de Frdric Mauro, depois de adotar, teori-camente, as mesmas posies quanto metodologia da Histria Econmica, contm vrios estudos enquadrando-se nas duas
-
47
47
etapas mencionadas. De um lado, pesquisas quantitativas micro e macroeconmicas contribuindo para o conhecimento do compor-tamento da economia em vrias pocas: atividades do mercador Ferno Martins na primeira metade do sculo XVII, contabilidade do Engenho Sergipe do Conde na mesma poca, anlise do livro -razo de Antnio Coelho Guerreiro no fim do sculo XVII e o incio do sculo XVIII. De outro lado , snteses como o Imprio Portugus e o Comrcio Franco-Portugus nos meados do sculo XVIII, ou, sobretudo, o brilhante estudo Acerca de um modelo intercontinental: a expanso ultramarina europia entre 1500 e 1800. (Sobre o assunto, v. do mesmo autor LXXVIII).
(5) o caso dos excelentes trabalhos divulgados pelos
ESTUDOS HISTRICOS da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras de Marlia exemplo de dedicao e entusiasmo pela pesquisa histrica.
(6) Oliver nody LXXXVIII.
(7) v. infra, pgs.244-249: Preo de escravos no sculo XIX.
(8) T. von Leithold L. von Rango LXX.
(9) Thomas Davatz XLI. Um livro excelente cujas fontes de informao foram, tambm, os anncios de jornal, mas que
oferece igualmente poucas possibilidades de comparao entre os
preos no perodo imperial: Delso Renault CII.
(10) v. infra, pgs. 250-268: Caf, cmbio e inflao no Brasil (1850-1900). Outro caso interessante aquele da poltica da defesa do nvel de renda durante a Grande Crise de 1929, atravs da compra e da queima pelo Governo dos excedentes de caf: v.
uma refutao da tese tradicional em Carlos Manuel Pelaez XC.
(11) v. na bibliografia final os grandes trabalhos de Capistrano de
Abreu, Roberto Simonsen, Afonso Taunay, Celso Furtado,
Maurcio Goulart e outros.
(12) No que concerne quantificao da economia brasileira em
fins do sculo XVI por Celso Furtado, v. infra, pgs. 81 -90:
Brasil 1600. Quanto reconsiderao da estimativa feita por
-
48
48
Simonsen para a receita da exportao no perodo colonial, v.
infra, pgs. 196-198: Sobre o valor da exportao colonial.
(13) Foi esta a tcnica que utilizei para o clculo da Renda Interna
no fim do sculo XVI v. infra, pgs. 81-90: Brasil 1600.
(14) Frdric Mauro (LXXiX, pg. 78), insiste, com razo, nessa
pesquisa. Exemplos de levgantamentos dessa natureza encontram -
se nos grandes trabalhos de Pierre Chaunu XXXIX bis e do prprio Mauro LXXVI.
(15) v. infra, pgs. 201-208: Notas sobre o volume da importao de escravos; pgs. 209-218: Novas notas sobre a importao de escravos.
(15 bis) Enquanto se aprontava o presente livro, um grupo de
professores e alunos, do qual faz parte o autor, constituiu o Centro
de Pesquisas de Histria Econmica do Brasil (CEPHEB). Espera-
se que, com o tempo, este Centro consiga preencher a lacuna
apontada no texto.
(16) v. infra, pgs. 81-90: Brasil 1600; tambm, M. Buescu V. Tapajs op. cit., pg. 166.
(17) Teodoro Oniga LXXXVII bis.
(18) As mesmas ponderaes so vlidas a respeito das esti -
mativas feitas por Srgio Nunes de Magalhes Junior (LXXII bis);
v. infra, pgs. 272-279: A Renda interna (1920-1940): uma tentativa de quantificao.
(19) M. Buescu V. Tapajs ibidem.
(20) O mercantilismo pode ter sua filosofia sintetizada no sorites:
o poder dado pela riqueza; a riqueza dada pelos metais
preciosos; os metais preciosos so dados pela balana comercial
supervitria.
(21) Para certas limitaes a essas caractersticas, v. Mircea
Buescu Vicente Tapajs XXI pgs. 24-25.
-
49
49
(22) Podem ser chamados anticiclos na medida em que contriburam para interiorizar a economia conf. M. Buescu V. Tapajs op. cit., pg. 25.
(23) Sobre o fim do ciclo do pau-brasil, v. infra, pgs. 45-50:
Novas indicaes sobre o primeiro sculo do Brasil.
(24) Sobre o fim do ciclo do acar, v. infra, pgs. 109 -131: O Engenho Sergipe do Conde no sculo XVII: um levantamento
quantitativo.
(25) v. infra, pgs. 74-80: Contribuio para a histria do subciclo do gado.
(26) v. Roberto C. Simonsen CXII, pgs. 63-64 um clculo sobre a rentabibilidade do ciclo.
(27) Sobre a persistncia do ciclo do pau-brasil, v. infra, pgs. 45-
50: Novas indicaes sobre o primeiro sculo do Brasil.
(28) v. Vicente Tapajs CXXI.
(29) Sobre a rentabilidade do escravo, v. M. Buescu V. Tapajs XXI, pg. 124.
(30) v. supra, pgs. 45-50: novas indicaes sobre o primeiro sculo do Brasil.
(31) v. infra, pgs. 169-174: Uma controvrsia em torno de Antonil.
(32) Sobre os direitos dos donatrios V. Tapajs CXXI.
(33) v. infra, pgs. 139-149: Invaso holandesa no sculo XVII: perdas da economia aucareira. Dois livros so fundamentais: Hermann Wtjen CXXXIX e C. R. Boxer XIII.
(34) A quantificao da exportao colonial foi feita por Roberto
Simonsen (CXII). Sobre uma possvel reavaliao dos nmeros, v.
infra, pgs. 196-198: Sobre a exportao colonial.
-
50
50
(35) Sobre a vida social da poca, fundamental o livro de
Gilberto Freyre LIV.
(36) A importncia relativa do gado aparece quando relacionamos
o nmero de cabeas existentes em 1600 (650.000) com o nmero
de habitantes (100.000): isso d 6,5 cabeas por habitante. No
Brasil de 1960, a relao no passava de 0,8.
(37) v. infra, pgs. 167-168: Panorama do sculo XVII.
(38) Sobre a decadncia do setor aucareiro, v. infra, pgs. 169 -
174: Uma controvrsia em torno de Antonil.
(39) v. infra, pgs. 189-193: A economia do fumo segundo Antonil.
(40) As estimativas aqui alinhadas, forosamente precrias , so
resultado de um mtodo de clculo que foi exposto em M. Buescu
V. Tapajs XXI, pgs. 132-140.
(41) A queda da densidade (N.B.: em relao rea econo -
micamente ocupada) pode ser interpretada como reflexo do sub -
ciclo do gado, atividade tipicamente extensiva.
(42) Livro fundamental o de C. R. Boxer XII.
(43) Informaes valiosas em Andreoni (Antonil) IV.
(44) Detalhes quantitativos em M. Buescu V. Tapajs XXI Para um balano da Colnia, v. infra, pgs. 219-224: Desen-volvimento econmico do Brasil razes histricas.
(45) Numa economia de agricultura extensiva, o aumento da den -
sidade demogrfica, no acompanhado por progressos tecnol -
gicos, poderia explicar, em parte pelo menos, a queda global da
renda per capita.
(Transcrito de Histria Econmica do Brasil , Rio de Janeiro:
APEC, 1970, pgs. 25-33).
-
51
51
OS TRS PRIMEIROS SCULOS
-
52
52
A ECONOMIA AUCAREIRA EM 1600
E OS SEUS ASPECTOS QUANTITATIVOS
O fenmeno econmico essencialmente
quantificvel. Pelo carter especfico do seu suporte
material o valor econmico, ao contrrio das outras
categorias axiolgicas, apresenta duas dimenses: ao
lado das conotaes qualitativas, definem-no, e de
maneira mais patente, as conotaes quantitativas. No
deve ser exagerado o mrito destas ltimas, pois atrs
do quantitativo, de aparncia rigorosa, sempre aparece o
qualitativo mas, do ponto de vista formal, a
quantificao resolve o problema, como, por exemplo, o
preo unido do mercado estabelece o equilbrio aparente
entre as partes, embora tenha, muito provavelmente,
significado qualitativo diferente para cada uma delas. A
apreciao objetiva do fenmeno econmico no seu
desenrolar histrico ficar extremamente precria se no
se basear na quantificao. Como se poder falar
objetivamente em progresso ou retrocesso se a
afirmao se sustenta, apenas, em sinais exteriores, bem
precrios?
Afirmar a necessidade da quantificao na
Histria Econmica no significa minimizar as
dificuldades de empreend-la por falta de documentos.
Como se sabe, a tendncia de precisar o fenmeno
-
53
53
social em termos numricos hbito recente que,
mesmo na Europa, mais avanada culturalmente, no
apareceu antes da segunda metade do sculo XVI.(1).
fcil imaginar a penria de elementos num Brasil
Colonial que a Metrpole manteve em quarentena
cultural. Contudo, as informaes existem: por exemplo,
se em 1618, Brandnio, apesar de sua origem e
profisso, se apega bastante pouco aos nmeros,
Gandavo, uns 70 anos antes, j tratava em termos
quantitativos a economia aucareira incipiente.
L onde os dados faltam, poder-se- interpolar ou
extrapolar mtodo matemtico de usar a imaginao.
Dever aplicar-se com cautela e prudncia, exigindo-se
que a construo resultante seja racional e coerente. No
ser fcil chegar a uma quantificao de uma certa
amplitude, abrangendo todo o passado da economia
brasileira. At l, ser preciso juntar dados, conferi -los,
complet-los, construindo-se, aos poucos, a imagem
quantificada. Brilhante exemplo foram dados por
Roberto Simonsen(2) e Celso Furtado(3). Tentativas
mais ousadas, portanto mais aleatrias, foram feitas num
livro meu, em co-autoria com o Prof. V. Tapajs (4).
A necessidade de reconsiderar e conferir alguns
dados tornados tradicionais aparece ao analisar-se um
documento recentemente elaborado pelo XXI Curso da
CEPAL BNDE (5).
No vou referir-me aos valores indicados em
vrias ocasies e transformados em moeda atual, pois
parecem mais um erro grfico. Por exemplo, diz-se que
o rendimento do acar era de 300.000 cruzados ou
-
54
54
Cr$ 28 mil. O equvoco evidente. Simonsen fala em
28 contos da sua poca. Na realidade, 300 mil cruzados
do incio do sculo XVII correspondiam a 120 contos
daquela poca, ou seja, pouco mais de 115.000 (ouro).
Em valor atual (numa equiparao muito precria
quando se trata de pocas to distantes), seriam cerca de
US$ 955.000.
Essa confuso entre valores atuais e valores da
poca de Simonsen (que tambm no teve o cuidado de
indicar o que era objetivamente o valor da moeda da sua
poca) repete-se em vrias ocasies, Mais grave a
impreciso de um trecho referente ao rendimento total
do pau-brasil durante 30 anos de explorao. Indica-se a
soma de 120.000 contos, porm sem precisar-se em que
moeda. Poderia presumir-se que se trata da moeda do
sculo XVI, mas, ento, o valor indicado seria 100 vezes
o calculado por Simonsen para toda a exportao
colonial do pau-brasil, isto , em 300 anos, e no apenas
em 30. Cem vezes o valor e dez vezes o perodo, a
diferena seria de 1 para 1.000. Isto mostra mais uma
vez a necessidade de adotar-se um instrumento de
medio objetivo e unitrio na quantificao do passado
(6).
Incidentalmente, vale lembrar, tambm, os nme-
ros indicados no Relatrio CEPAL-BNDE a respeito da
populao escrava, quando se diz que em 1700 j havia
trs milhes (de escravos) aproximadamente. Ora, de
acordo com as fontes mais seguras de informao e
clculo, toda a populao do Brasil em 1700 devia
situar-se em torno de 350 mil almas. Como pode
-
55
55
explicar-se o nmero de trs milhes inscritos en toutes
lettres no Relatrio? Nem um eventual erro grfico
(1700 em vez de 1800) salva a situao. Em 1800 o
Brasil tinha aproximadamente 3.300.000 habitantes, do
que resultaria que a populao escrava teria
representado 91% do total o que seria um absurdo
evidente. Admite-se que no ponto culminante da
participao dos escravos na composio demogrfica,
no perodo 1750-1800, essa participao devia ser de
cerca de 50%.
Voltando para a economia aucareira, vale a pena
confrontar, mais uma vez, os nmeros concernentes
produo de acar em 1600. Repetindo Porto Seguro
(apesar das srias restries feitas por Simonsen), o
Relatrio CEPAL-BNDE indica 120 engenhos com
produo de 70.000 caixas de 10 quintais a unidade.
Uma pequena anlise mostra, entretanto, a incoerncia
da informao: 70.000 caixas a 10 quintais so 700.000
quintais ou cerca de 41 milhes de quilos ou 3,7 milhes
de arrobas. Divididos entre 120 engenhos, estes 3,7
milhes de arrobas dariam 30 mil arrobas por engenho e
por ano.
Ora, as informaes so abundantes no sentido de
que a produo anual de um engenho, por maior que
fosse, era muito mais modesta. Em 1570, Gandavo
falava numa mdia de 3.000 arrobas por ano, e outra
informao sua sugeriria ainda menos (cita, para a
Bahia, uma produo excepcional de 50.000 arrobas
para 23 engenhos pouco mais de 2.000 arrobas por
engenho). Brandnio, em 1618, diz que havia engenhos
-
56
56
pequenos de 3 a 5.000 arrobas e outros, maiores,
constituindo provavelmente a maioria, de 6 a 10.000
arrobas. Laet, na poca da ocupao holandesa, d um
mnimo de 3.000 e um mximo de 8.000. O prprio
Relatrio CEPAL-BNDE adota os extremos de 3.000 e
10.000 arrobas. Como poderiam ser 30.000?
Mesmo adotando, conforme a advertncia de
Simonsen (baseada na informao de Antonil), o peso de
35 arrobas por caixa, as 70.000 caixas dariam 2.450.000
arrobas, as quais, divididas para 120 engenhos,
corresponderiam a pouco mais de 20.000 arrobas por
engenho e por ano o que , tambm, inadmissvel (7).
O problema deve ser reconsiderado sob os dois
aspectos, do nmero de engenhos e da produo, a fim
de se chegar a um conjunto coerente de dados. No que
tange ao primeiro aspecto, deve-se, mais uma vez (8), e
apesar da autoridade de Varnhagen e Capistrano de
Abreu (que aderiu ao clculo cf. prefcio aos Dilogos
das Grandezas do Brasil), verificar se o nmero de 120
engenhos para o ano de 1600 sustentvel. Este exame
crtico parece ousado face aceitao, quase unnime,
do nmero oferecido por Varnhagen, aceito en passant
por Capistrano, discutido, porm sem concluso
definitiva, por Simonsen, adotado por Celso Furtado e,
finalmente, pelo Relatrio CEPAL-BNDE.
Um levantamento das principais informaes a
esse respeito permite estabelecer o seguinte quadro, com
os engenhos apontados pelos respectivos informantes
nas vrias Capitanias do Brasil (9):
-
57
57
1570 1583 1584 1587 1612 1627
Rio Grande
Paraba
Itamarac
Pernambuco
Bahia
Ilhus
Sergipe
Porto Seguro
Esprito Santo
Rio de Janeiro
So Vicente
-
-
1
23
18
8
-
5
1
-
4
-
-
-
66
36
3
-
1
6
3
-
-
-
-
60
40
-
-
2-3
4-5
-
3-4
-
-
3
50
36
6
-
2
6
2
3
1
12
10
99
50
5
1
1
-
-
-
-
18-20
18-20
100
50
-
-
-
-
40
-
Fontes: 1570 Gandavo; 1583 Ferno Cardim; 1584 Anchieta; 1587
Gabriel Soares; 1612 LIVRO DE D RAZO DO ESTADO DO BRASIL;
1627 Frei Vicente do Salvador.
Observa-se que nenhuma fonte abrange todas as
Capitanias. Portanto, para estabelecer a situao de
1600 deve-se proceder a uma corroborao, e a uma
interpolao dos dados disponveis. Mas ser possvel
admitir que o nmero de engenhos cresceu de 60 em
1570 para 115 em 1583, isto , de 90% em 13 anos,
para, depois, passar em outros 17 anos (de 1583 a 1600)
de 115 para 120, ou seja, um crescimento de apenas 3%?
A poca foi de intensa expanso do ciclo, e o fato que,
em 1627, corroborando os dados de Frei Vicente do
Salvador com os anteriores, pode-se aceitar um nmero
global de 240 engenhos.
Comparando-se os dados existentes, constata-se,
como era previsvel, a reduo da taxa de crescimento
em decorrncia da elevao dos nmeros absolutos. No
perodo 1583/1612 de 2-2,5%: em 1612/1627 pouco
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superior a 1%. Isto permitiria a interpolao da taxa de
crescimento de 3 a 4% para o subperodo de 1583 a
1600. As vrias hipteses poderiam levar a cifras entre
160 e 190 engenhos em 1600, porm, face informao
do Livro que d Razo, etc., pareceria mais plausvel a
cifra menor, 160 ou170 engenhos. O nmero poderia ser
ligeiramente aumentado levando-se em conta as
inevitveis omisses das fontes informadoras. Isto nos
levaria perto de 200 engenhos em 1600, bem longe dos
120 tradicionalmente admitidos.
Se, outra vez, ao tentar quantificar a economia
aucareira, em 1600, adotei o nmero de 200 engenhos
foi para chegar a um conjunto coerente de dados, pois ,
aceitando a quantidade anualmente exportada de acar ,
tal como foi calculada sob a autoridade de Simonsen
(1.200.000 arrobas), chega-se mdia de produo
anual de 6.000 arrobas por engenho, que parece
adequada, conforme as informaes j citadas sobre a
capacidade produtiva dos engenhos. Afinal de contas,
poder-se-ia dizer que, face penria de dados, o nmero
de 200 apenas indicativo, e 190 ou 180 engenhos so
da mesma ordem de grandeza. Pareceria ate que o
nmero mais baixo de 160 engenhos seria coerente,
pois corresponderia mdia anual de 7.500 arrobas
(contando que se aceite o volume global de 1.200.000
arrobas por ano, e no mais). Isso sugeriria que os
pequenos engenhos eram muito poucos o que, em
termos gerais, est certo. Mas at que ponto a maioria
era de engenhos de 7,8 ou 10 mil arrobas? Proceda-se,
como exerccio, a imaginar uma distribuio de
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engenhos, com a maioria de capacidade de 8-10.000
arrobas, mas admitindo-se, tambm, a existncia de
engenhos mdios e pequenos, ainda que em reduzida
proporo, e verificar-se- difcil admitir a mdia de
7.500 arrobas por engenho. Por isso, parece-me mais
plausvel uma cifra aproximando-se de 200 engenhos.
Uma pesquisa mais detalhada da produo dos engenhos
ajudar elucidao da questo (10).
Essa pesquisa no seria to estril quanto poderia
parecer primeira vista. com base em informaes
setoriais desse tipo que se poder proceder construo
de uma imagem mais objetiva, quantificada, da
realidade econmica do Brasil histrico (11) .
NOTAS
(1) John U. Nef. LXXXVI bis.
(2) Roberto C. Simonsen CXII. Parece-me, contudo, que certos
nmeros deveriam ser reconsiderados. V. infra: Sobre o valor da
exportao colonial, (pgs. 196 -198).
(3) Celso Furtado LVI. H excelentes tentativas de
quantificao macroeconmica dos ciclos aucareiro e mineiro,
bem como de outras pocas e setores. Demonstrei, entretanto, em
outra ocasio, que o confronto dos dados fornecidos para o ano de
1600 mostrava certa incoerncia (V. infra, pgs. 81 -90).
(4) Mircea Buescu Vicente Tapajs XXI.
(5) A Economia do Nordeste vista pelo XXI Curso da CEPAL -
BNDE (JORNAL DO BRASIL 27.10.1967).
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(6) M. Buescu V. Tapajs, op. cit., pgs. 30 e 145.
(7) Rocha Pombo (Simonsen op. cit., tabela da pg. 382) admite
200 engenhos e 2.800.000 arrobas por ano o que daria, ainda,
14.000 arrobas em mdia por engenho, bem acima do mximo
indicado por todas as fontes.
(8) Para uma primeira anlise, v. M. Buescu V. Tapajs, op. cit.,
pgs. 21-22.
(9) Brandnio no figura por ser sua informao totalmente
imprecisa: em Pernambuco os engenhos so infinitos, na Bahia
so muitos, na Paraba no poucos, no Esprito Santos
alguns, e assim por diante (v. infra, pg. 92).
(10) A pouca probabilidade da mdia de 7.500 arrobas por
engenho aparece, por exemplo, da leitura das contas do Engenho
Sergipe do Conde (o admirvel levantamento feito pelo Dr. Gildo
Moura, sob a gide do IAA e publicado no II volume de
DOCUMENTOS PARA A HISTRIA DO ACAR XLVI).
Num grande engenho, como aquele, a produo mdia anual
oscilava em torno de 10.000 arrobas. No se deve esquecer que as
informaes mais numerosas se referem a mdias menores:
Gabriel Soares d 120.000 arrobas para 40 engenhos na Bahia/
Ferno Cardim, 350.000 arrobas para 115 engenhos. Nestes, a
mdia situa-se em torno de 3.000 arrobas.
(11) Assim foi tentada uma quantificao da Renda Interna e da
Renda per capita em 1600, para comparao, mediante
interpolaes, com as pocas subseqentes: v. M. Buescu V.
Tapajs, op. cit., pgs. 165-168 e 174-176; v. tambm infra, pgs.
81-90.
(Transcrito de Histria Econmica do Brasil. Rio de Janeiro:
APEC, 1970, pgs. 62-67).
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SOBRE O VALOR DA EXPORTAO
COLONIAL
Roberto Simonsen foi um grande pioneiro na
tarefa rdua de quantificar a economia colonial
brasileira, partindo de dados esparsos, incompletos e
incertos. (1) Outros trabalhos foram feitos com o mesmo
intuito, mas nenhum, excetuando-se as tentativas de
Celso Furtado, com mesmo sentido amplo de oferecer
uma viso global da economia brasileira, em termos
numricos, objetivos. (2)
A sua estimativa do valor da exportao colonial
tornou-se ponto pacfico e indiscutvel: 536 milhes,
das quais 300 milhes a cargo do acar. O quadro
que ele redigiu o seu clssico tratado (3) indica,
segundo diversas fontes, os valores da exportao de
acar em vrias pocas, escolhendo aqueles que lhe
pareceram mais vlidos.
No se trata, nesta pequena nota, de proceder
anlise crtica das fontes e, conseqentemente, dos
valores-base adotados para a construo do quadro
global. Quero apontar apenas data venia uma
contradio interna nos prprios dados adotados por
Simonsen, aspecto at agora despercebido pelos
estudiosos.
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Para isso, suficiente dirigir um olhar
estatstico para o grfico que consigna, no mesmo
local do livro, as concluses estatsticas, referentes
exportao de acar. Numa apreciao muito
aproximada, mas vlida como ordem de grandeza,
encontram-se as seguintes posies:
Perodo
N de
anos
Valor mdio
( 1000)
Valor do perodo
( 1000)
(a) (b) (a x b)
1536-1570
1571-1580
1581-1600
1601-1630
1631-1641
1642-1650
1651-1670
1671-1710
1711-1760
1761-1776
1777-1783
1784-1795
1796-1814
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