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Histórias familiares, trajetórias e experiências de liberdade de afrodescendentes
em Belo Horizonte, MG
JOSEMEIRE ALVES PEREIRA
Belo Horizonte era ainda considerada, pelos contemporâneos, um imenso
“canteiro de obras”, em 1912, quando chegaram à recém-inaugurada capital de Minas Gerais,
a ventre-livre Maria Pereira e seus filhos Bárbara Senhorinha, Eponina e Henrique. Pouco
tempo antes – mais precisamente até 1894, quando tiveram início os trabalhos de construção
da nova Capital que substituiria a antiga Ouro Preto –, aquelas terras abrigavam o Arraial do
Curral Del-Rei, originada no início do século XVIII (BARRETO, 1996). A necessidade de
transferência da sede administrativa do Estado de Minas Gerais para outra localidade,
debatida pelas classes políticas, durante as últimas décadas do século XIX, corresponde às
mudanças econômicas e políticas engendradas no país a partir do processo emancipacionista e
da instauração do regime republicano. Para estudiosos da história de Belo Horizonte, como
Maria Efigênia Lage de Rezende, a ideia de criação de uma nova capital “vincula-se à
emergência de novas forças econômicas dentro do Estado que, com a República, de certo
modo representativa destas novas forças, vão desencadear a luta para a obtenção do poder
político correspondente à sua expansão econômica.” (REZENDE apud DUTRA, 1988: 52)1 A
nova Capital teria surgido, assim, sob o signo da modernidade e do progresso, representados
pela própria República, em oposição à cidade colonial; e como estratégia de enfrentamento
aos riscos de desagregação político-administrativa e estagnação econômica a que estava
submetido o Estado, frente ao desenvolvimento testemunhado em outras regiões do país – em
especial no Rio de Janeiro e em São Paulo.2
Para a criação da nova cidade, foram desapropriados e devidamente remunerados
os antigos proprietários de terra do Arraial, que se instalaram em regiões próximas ao futuro
núcleo urbano da nova cidade. Quanto à população outrora ali escravizada e/ou liberta, a
despeito de sua relevância sobre o total da população da região, dela aparecem alguns raros
Doutoranda em História Social pela Universidade Estadual de Campinas. Bolsista Fapesp. 1 Ver também, a respeito da criação de Belo Horizonte, dentre outros: DUTRA, 1996; SILVA; SILVEIRA, 1994. 2 Segundo Tito Flávio Rodrigues de Aguiar (2006, p. 34), os debates políticos que precederam a mudança da capital do
Estado, entre as décadas de 1880 e 1890, evidenciavam preocupações das elites políticas e econômicas quanto à necessidade
de que o novo centro administrativo propiciasse a superação do sensível atraso no desenvolvimento em relação aos centros
econômicos do país – Rio de Janeiro e São Paulo. A noção de “modernização mineira” remete, assim, especialmente à de
progresso econômico. Ver também: DULCI, 1999.
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indícios na narrativa de Barreto sobre a história do Arraial e de Belo Horizonte, de onde, em
geral, emerge através de personagens secundários, tais como um escravizado fugido que teria
assassinado um major, ou outros descritos em atividades laborais (BARRETO, 1996: 112);
inseridos na ordem social vigente, como mulheres e homens sem instrução, mas agentes ou
beneficiários de alforrias3, em geral concedidas após a morte do proprietário e, não raro,
reclamadas por não serem cumpridas. No entanto, quase nada sabemos sobre o destino destas
pessoas, depois de emancipadas por meio da lei n°3.353, de 13.5.1888 (“Lei Áurea”), ou
mesmo antes, mediante outras formas legais de aquisição da liberdade de que se apropriaram
ou foram beneficiárias4. Teriam continuado a trabalhar com os antigos senhores? Em que
condições? Por quê? Migraram para outras localidades, como observamos ocorrer, em
diversas regiões do país (FRAGA FILHO, 2006; 2009; RIOS; MATTOS, 2005; TELLES,
2013) e também em outros países (FONER, 1988a; 1988b; COOPER, 2005), após os
processos abolicionistas? Teriam participado da construção da Capital? Teriam se integrado à
população de trabalhadores migrantes e imigrantes pobres que constituíam aqueles que seriam
considerados os primeiros núcleos de favelas que se formavam na futura cidade, antes mesmo
de sua inauguração?5 Estas são questões que ainda demandam atenção nos estudos sobre a
história de Belo Horizonte. Nestes, o que se ressalta, via de regra, é o esforço dos
idealizadores da nova capital em associar à cidade uma imagem de progresso, vinculada à
República – suplantava-se o velho Arraial e com ele o passado colonial e tudo aquilo que nele
representava “atraso”6. De todo modo, a memória histórica7 que se construiu para a cidade,
não guarda referência significativa à presença da população negra – afinal, poder-se-ia
argumentar, Belo Horizonte, ao contrário das principais sedes administrativas do país, nascia
sem a indelével marca da escravidão, que é, em geral, a via por meio da qual se faz referência
à população negra.
3 No acervo do Arquivo Público Mineiro, é possível encontrar, por exemplo, registros de cartas de liberdade, do período entre
1834 e 1848. Cf. APM-Acervo da Câmara Municipal de Sabará. 1º.Livro de Notas do Distrito do Curral Del-Rei.CMS-240,
rolo 34. 4 Ibid. 5 As favelas da Estação e da Fazenda do Leitão, segundo Barreto, já eram notadas desde 1895. A da Estação era um dos
primeiros elementos da paisagem com que tinha contato quem chegavam à cidade. Cf. Barreto, 1996, op. cit. 6 É importante ressaltar, contudo, que este discurso não propunha um completo rompimento com a tradição colonial, aliando-
se as concepções de modernidade e modernização, nas práticas e interesses políticos e econômicos em Minas Gerais, aos
elementos de tradição que se apresentassem conciliáveis com tais interesses. Ver, a respeito: BOMENY (1994). 7 Referenciando-se nos trabalhos de Pierre Nora sobre a memória, o historiador Antônio Torres Montenegro entende a
memória histórica como o “movimento de congelamento da memória”, relembrando que para Nora, “o próprio da história é a
crítica, a desconstrução permanente de significados em razão de todo o conjunto de experiências e práticas do presente. Mas,
quando esse movimento de ressignificação é interrompido, a história se torna Memória.” (FLORES; BEHAR, 2008, p. 197).
3
Não obstante, era justamente nesse momento em que se implementava o projeto
de modernidade forjado pelas elites mineiras, que ali chegava a família de Maria Pereira,
originária do município de Bonfim, na região de Paraopeba. Após ficar viúva, Maria decidira
“tentar a vida” em Belo Horizonte. Partia em “busca de trabalho” (LADISLAU, 2007)8, como
outros migrantes que afluíam para a cidade, à mesma época. Para ali instalar-se, ela e seus
filhos contaram com o apoio da família de Teodolindo Pires Fernandes, que já vivia em Belo
Horizonte, desde antes de 1912, com os irmãos, sua mãe, Ana Maria e seu pai, Nominato José
Fernandes, oriundos de Piedade dos Gerais, também em Minas Gerais. As duas famílias já se
conheciam e foi ainda por intermédio dos pais de Teodolindo que Maria e os filhos mais
velhos – Bárbara e Henrique conseguiram emprego. Teodolindo e Bárbara casaram-se,
depois, e passaram a viver no terreno do pai dele, situado onde atualmente se encontra o
Aglomerado Santa Lúcia, um dos mais conhecidos complexos de favela da cidade, na região
Sul. Ali também viviam Antônio Pedro da Silva, que deixara a Serra do Cipó, sua esposa
Maria Eulália dos Santos, que também partira da região de Paraopeba, e a pequena Santa,
primeira filha do casal, nascida em 1910, já na capital. Integrantes de duas famílias formada
por pessoas negras migrantes do interior do Estado, Nominato, Teodolindo e Antônio Pedro
trabalhavam, à época, em fazendas da região da antiga Colônia Afonso Pena, núcleo agrícola
que abastecia de gêneros alimentícios e artefatos para construção civil, a região central da
cidade, onde viviam os funcionários da administração pública da capital, que mesmo após sua
inauguração, em 12 de dezembro de 1897, continuava em construção.
Belo Horizonte9 teve sua constituição iniciada, entre fins do século XIX e as
primeiras décadas do século XX, por uma população de trabalhadores composta,
majoritariamente, por migrantes. Contava-se, inicialmente, um grande número de imigrantes
europeus, empregados nas obras de construção da cidade, mas também beneficiados no
processo de constituição das colônias agrícolas que tiveram importante papel no projeto de
modernização ensaiado pelo governo do Estado, entre os anos 1898 e 1914.10 Não obstante, a
8 Integram o mesmo relato de Dona Ione Pires Ladislau, em entrevista concedida à pesquisadora em 2007, as informações
que aqui coligimos para fazer referência às famílias da ventre-livre Maria, avó da entrevistada, e de Antônio Pedro e Eulália.
Para informações sobre a história de família destes últimos, contamos também com o depoimento de uma de suas filhas,
Isaltina da Silva Pereira. Cf. FERREIRA, 2007. 9 Nos projetos iniciais para a nova capital, ela era denominada como “Cidade de Minas”. Já em 1891, a cidade passou a se
chamar “Belo Horizonte”, nome pelo qual já se tornara conhecido o antigo Arraial do Curral Del-Rei. 10 Segundo Aguiar (2006: 285), em 1903, os estrangeiros correspondiam a 53% da população da zona colonial (agrícola),
sendo preponderante a presença de italianos. Ex-escravos e descendentes sofriam restrições à aquisição de terras nos núcleos
coloniais. Cf. Aguiar, ibidem, p. 278 e seguintes.
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maior parte da população da cidade que se consolidava então, era composta por pessoas
oriundas de outras regiões do estado e do país. Segundo o historiador Tarcísio Botelho (2007:
11-12), a cidade passou de 13 mil habitantes, em 1900, para mais de 17 mil, em 1905, cerca
de 40 mil, em 1912 e 55 mil, em 1920. Duas décadas depois, contava com 211 mil habitantes
e, em 1950, com 352 mil; com taxas de crescimento sempre acima de 4% ao ano.
Concomitante ao elevado crescimento demográfico, ao longo das quatro primeiras décadas do
século XX, observa-se o decréscimo do ingresso de imigrantes, em razão do fim da política de
subvenção do Governo que atraía, desde os últimos anos o século XIX, o fluxo internacional
de migração para o Estado. Portanto, como salienta Botelho, “será a migração de mineiros e
de outros brasileiros que sustentará o rápido crescimento da cidade”, impulsionado pelo
incremento da industrialização, a partir dos anos 192011, e pelo aprimoramento de
infraestrutura urbana.
Entretanto, o perfil e a trajetória dos envolvidos nos processos de migração
interna, durante as primeiras décadas do século XX, também são ainda pouco conhecidos.
Nos estudos sobre a história da cidade, para o período em questão, as referências à população
enfatizam, em geral, a participação de estrangeiros. (BOTELHO, 2007: 12-13; DUTRA,
1999; BELO HORIZONTE, 2004). Não obstante, alguns estudos dedicados às experiências
de vida e trabalho da população afrodescendente, no Pós-Abolição, em regiões de Minas
Gerais fortemente marcadas pela economia escravista – dentre os quais os trabalhos de
Guimarães (2006; 2007), Bosi (2004) e Meyer e Nascimento (2011), que tratam,
respectivamente das regiões da Zona da Mata, Mariana e São João Del Rei – nos oferecem um
panorama importante para a compreensão que ocorre em Belo Horizonte. Tais estudos
indicam que, assim como em outras regiões do Brasil (RIOS; MATTOS, 2005; FRAGA
FILHO, 2005) e em outros países (COOPER, 2005; FONER, 1988a), em seus respectivos
períodos pós-emancipação, o exercício da liberdade vivenciado pela população negra, nessas
regiões do estado, implicava não raro, no recurso à migração, como estratégia de gestão de
oportunidades de trabalho e condições de vida.
Com efeito, as análises de Tarcísio Botelho indicam que houve, no período entre
1890 e 1940, um aumento da população negra na região central de Minas Gerais, onde está
11 Nos anos 1920, Belo Horizonte ocupava, no Estado, a terceira posição nos índices de valor de produção e pessoal ocupado
na indústria; nos anos 1930, começa a consolidar-se como polo regional da indústria de ferro e aço e nos anos 1940, já
constituía o principal polo industrial do Estado. Cf. Botelho, op. cit., p. 12-13.
5
localizada a capital. Segundo o historiador, durante esse período, a proporção de negros só
aumentou em ritmo superior a esta região nos municípios do norte e leste, notando-se recuo
desta população em todas as demais regiões do Estado. (BOTELHO, 2007: 21). Assim, a
despeito da dificuldade de mensurar o percentual da população a partir do critério cor/raça12,
na cidade, durante as primeiras décadas do século XX, o autor estima que a presença de
descendentes de africanos na capital, embora reduzida nos primeiros anos, tendeu a aumentar,
devido ao fluxo migratório interno. Botelho afirma que esta dinâmica se insere no processo
mais amplo de deslocamento do campo para a cidade, no contexto de crescente urbanização
em diversas regiões do país. Atento ao ainda sensível desconhecimento sobre o destino dos
ex-escravizados e nascidos livres no advento da Abolição no país, Botelho admite a
possibilidade de que boa parte deles possa ter migrado para os centros urbanos. Não havendo
maior precisão quanto a informações sobre sua inserção no mercado de trabalho, afirma, é
provável que tenham passado a ocupar “postos de trabalho menos qualificados e pior
remunerados, já que provinham, em sua grande maioria, do meio rural” (BOTELHO, 2007;
ADELMAN, 1974). Considerando que a província de Minas Gerais foi detentora de grande
plantel de escravos durante o século XIX e que esta abundância de mão-de-obra permitiu que
a instituição paulatina do trabalho livre não dependesse tanto da imigração estrangeira, sendo
favorecida a fixação do contingente existente de mão-de-obra no trabalho agrícola, Botelho
acredita que a migração de negros para os grandes centros urbanos da região foi pouco
significativa até a década de 1930. A participação de afrodescendentes na composição da
população de Belo Horizonte, não obstante, teria se consolidado concomitantemente ao
aumento populacional ocorrido ao longo das primeiras décadas do século XX, como já
observado, devido ao desenvolvimento da cidade como o mais importante polo urbano e
industrial do Estado.
Afrodescendentes na população de Belo Horizonte
12 A análise de Botelho considera o silenciamento sobre a cor nas estatísticas e fontes produzidas no período, dificultando o
conhecimento sobre os destinos da população de negros após a Abolição: após o Censo de 1890, o quesito raça só voltou a
ser inserido na contagem da população a partir do de 1940. Mesmo fontes como os registros paroquiais e também os civis,
deixaram de informar a cor. (BOTELHO, 2007: p. 20-21). Como observado por Hebe Mattos (1995) e outros pesquisadores
do período Pós-Abolição, os registros judiciais – em especial os processos-crimes, são dos poucos em que se pode identificar
informações sobre a cor dos sujeitos referenciados em tais fontes. Também identificamos o registro da cor na documentação
policial produzida pela Chefia de Polícia em Minas Gerais – inclusive para Belo Horizonte – e nos Relatórios da Santa Casa
de Misericórdia, como será abordado neste texto.
6
Quando da decisão política de transferir a capital para a localidade do Arraial do
Curral Del Rei, era provável que ali anda se encontrassem trabalhadoras e trabalhadores
negros, que até bem pouco tempo haviam vivido sob o regime escravista, como escravizados
ou mesmo como libertos e seus descendentes; sobretudo se considerarmos que se tratava de
região onde historicamente se registrava forte presença de “pretos” e “mestiços”.13 Na
Comarca de Sabará, onde se localizava o Arraial, já em 1891, o articulista Lopes de Azeredo
escrevendo para a Folha Sabarense, órgão que se intitulava como de tendência liberal e
abolicionista, defende a criação de um “estabelecimento comercial” para refinar açúcar e
torrar café, como solução para o que, na interpretação dele e provavelmente de seus pares,
seriam problemas advindos das mudanças ocorridas nas relações de trabalho após a Abolição,
como deixa transparecer a queixa registrada no excerto:
As cosinheiras andam vasqueiras, careiras e sem sujeição. De hora a outra
estamos com nossas caras metades, ou filhas, a catarem arroz, picarem
hervas e carnes, descascarem alhos e cebolas, e a fazerem tudo mais lá pela
cosinha. Coitadinhas! Com que mimosas mãos, acostumadas apenas com
serviços delicados, hão de ser obrigadas tambem a torrar café e a limpar
assucar! Quatro cobres para a torradeira de café, meia pataca à Zefa que
alimpou o assucar. Mas tudo isto é um horror, principalmente nos gostosos
tempos de cambio a menos de 13. (Folha Sabarense, ANNO VII – No. 20,
15/11/1891, p. 01/02)
Ainda que não saibamos muito sobre a Zefa ou a torradeira de café, é plausível
inferir que, em uma região ainda não profundamente afetada pela presença de imigrantes
europeus, como nos lembra Botelho (2007), tais personagens representassem o perfil de
trabalhadores negros, recém-egressos da escravidão. A historiografia que trata de temas afetos
à região, no período em questão e depois da transferência da capital, quase nada diz sobre
estas pessoas. Em um importante estudo sobre as práticas operárias em Belo Horizonte e Juiz
de Fora, durante a chamada Primeira República, por exemplo, a caracterização do perfil dos
trabalhadores não envolve a identificação por cor/raça, muito embora nas imagens
13 De acordo com informações compiladas no Anuário Estatístico de Minas Gerais (1925), referente ao ano de 1921, o
recenseamento de 1872 registrava a presença de 336 pessoas escravizadas, na população da Freguesia de Nossa Senhora da
Boa Viagem do Curral Del Rei, frente a 5.524 livres. Dentre os cativos, contavam-se 145 mulheres e 191 homens. Em edição
de 1911 do mesmo Anuário, criado e dirigido por Nelson de Senna, o autor, preocupado em avaliar os números referentes à
população branca do estado, faz menção a um primeiro recenseamento realizado na Capitania das Minas Gerais, em 1776,
destacando a baixa proporção de brancos na Comarca do Rio das Velhas, à qual pertencia, então, a região de Sabará e o
povoado do Curral Del Rei. Na comarca haviam sido registrados, então, apenas 14.394 brancos “contra 85.182 mestiços e
pretos”. (MINAS GERAES, 1911: 255).
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fotográficas utilizadas pela autora, identifiquemos significativa presença de operários negros
(DUTRA, 1988).
Ainda em 1891, já se nota um silêncio quase absoluto e, ao nosso olhar, inquietante da
imprensa sobre a população negra – outrora presença constante nos periódicos, em função da
crescente onda de libertação de cativos, em face da eminente aprovação da Lei Áurea.14
Dentre as raríssimas referências, para aquele ano, encontramos além da notícia acima, esta,
que descreve um homem provavelmente negro, classificado caricaturalmente como um “tipo
popular”, na mesma edição da Folha Sabarense:
TYPOS POPULARES
___________________
Zé Grande
É incapaz de offender a quem quer que seja, coitado. Muito
prestativo, embora um pouco preguiçoso, occupa-se em toda sorte de
serviços, carrega agua, vai a mandados, serve de camarada, etc, etc.
É pequeno e magro, olhos grandes e avermelhados, muito agil e
comprimentador “de Deus e de todo mundo.”
No “reinado” da festa do Rosario comparece, infallivelmente, com
sua casaca bordada, chapéo armado e calça branca, muito engommada,
com dous frisos vermelhoes, satisfeito e risonho na sua qualidade de vassalo
estimado do rei.
O que o destaca muito de outro qualquer typo popular, é o habito de
saudar a quem encontra, sem excepção alguma, fazendo enorme barretada e
abaixando a cabeça em signal de submissão.
É impossivel ver-se o Zé Grande pela rua sem o inalteravel e
continuo: “Si, siôr, si siôr, si siôr!”
Como hoje abusa-se do fin de siècle à vontade, direi ao leitor que ele
é um “chuva” fin de siècle. Eu que o conheço ha muitos annos, não temo
mentir dizendo que bem poucas vezes o tenho visto em bom estado, isto é,
em estado natural. É também dos taes que eleva a agua ardente à altura de
pão nosso de cada dia. (...). O trocista. (Folha Sabarense, ANNO VII – No. 20,
15/11/1891, p. 02/03).
A descrição do “tipo popular” em questão, construída por um sujeito que se
diferencia socialmente dele, evoca possíveis elementos comportamentais da população de
trabalhadores habitantes do lugar que remetem à uma situação socioeconômica precária. O Zé
Grande, representação provável de um homem negro – a julgar pelos elementos culturais de
matrizes africanas apontados por meio da referência às suas vestes e à participação na Festa
14 A exemplo da própria Folha Sabarense, que em suas edições publicadas no ano de 1888, noticiou, valorizando-as como
exemplares, diversas iniciativas de alforria.
8
do Rosário –, não é mais um sujeito escravizado; não obstante, sua nova condição de
liberdade não lhe legou, de imediato, condições de uma vida segura e digna naquela
sociedade. A embriaguez e o comportamento aparentemente submisso parecem sugerir o
modo de vida possível – quem sabe forjado pelo Zé Grande, ante a cidadania inalcançada?...
De todo modo, em meio à grande lacuna de informações sobre a população negra
habitante do lugar, o que começamos a vislumbrar, então, é a emergência paulatina da
população negra de migrantes que passa a afluir para a região, a partir de fins do século XIX.
Entretanto, em meio ao quase total silêncio sobre os destinos dos habitantes negros do próprio
Arraial, um documento produzido pelo Delegado de Polícia de Belo Horizonte, Waldemar
Loureiro, em 1916, oferece uma importante informação sobre um grupo de ex-escravizados
residentes desde, pelo menos meados do século XIX, naquele território que passara a abrigar a
capital. Trata-se de um relatório elaborado pelo Delegado e dirigido ao Juiz Municipal do
termo, informando sobre as investigações procedidas sobre o assassinato de um certo Antonio
Caramate, por Francisco Gomes da Rocha. Por este documento, nos é dado conhecer sobre a
venda da “Fazenda Bom Sucesso”, em meados do século XIX a Joaquim Gomes da Rocha,
“falecido chefe da família Gomes da Rocha”. Quanto à outra parte, o proprietário André
Nogueira Villa Nova, “della dispôz, em testamento, declarando que a deixava em usofructo,
aos seus escravos RITA, parda; JOAQUIM, creoulo; FELICIANO, pardo, etc; até a decima
geração, revertendo, depois, em plena propriedade à Egreja da Piedade” (APM-Fundo Chefia
de Polícia. Ocorrências Policiais-Belo Horizonte, 1916), sendo o testamento datado, no
momento da elaboração do relatório, em mais de 70 anos, conforme o Delegado. Em 1916, os
descendentes de Rita, Joaquim, Feliciano e dos demais herdeiros da Fazenda Bom Sucesso
constituíam um grupo de 50 pessoas, aproximadamente. Segundo a documentação, havia um
conflito entre eles e a família Gomes da Rocha, envolvendo disputa pelos limites das terras. O
caso já havia chegado à Justiça, que, em geral favorecia aos Gomes da Rocha, quando se deu
o assassinato de Caramate, representante dos herdeiros. Este registro é emblemático acerca da
presença de trabalhadores negros e, especificamente, de uma extensa família negra de
agricultores e possuidores de terra, que viveram o período Pós-Abolição no mesmo território
onde se instalou a capital.15
15 Este mesmo perfil é comumente descrito nas narrativas de histórias familiares que registramos por meio de um conjunto de
15 entrevistas – dentre as quais está inclusa a de D. Ione Pires Ladislau, anteriormente referida. Trataremos deste aspecto
abaixo.
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A invisibilidade da presença de uma população constituída por pessoas negras em
Belo Horizonte nesse período se transforma, ainda mais, na medida em que encontramos, em
alguns tipos de fonte, a menção à cor dos indivíduos atendidos pelas instituições que os
produziram. É o caso dos registros de doentes atendidos pela Santa Casa de Misericórdia de
Belo Horizonte (1901-1935) e do Registro de Réus da Cadeia Pública de Belo Horizonte
(1913). Não são claros, até o momento na pesquisa, quais são os critérios utilizados para
definir a classificação da população por cor entre “branca”, “preta” e “mestiça” por estas
instituições, especialmente em um período em que a menção à cor está em desuso nos
registros oficiais. Não obstante, cabe ressaltar que o dado é uma constante em todos os
Relatórios da Santa Casa de Belo Horizonte, encontrados; bem como nas Listas de doentes
das outras unidades da Santa Casa de Misericórdia em outros municípios no Estado, conforme
documentação integrante dos registros da Secretaria do Interior, que compõem o acervo do
Arquivo Público Mineiro.16
Mesmo ainda prescindindo de dados mais completos sobre doentes atendidos pela
Santa Casa – tais como nome, idade, sexo, cidade de origem, profissão, dentre outros que
constam possivelmente das listas de doentes ainda não acessadas, e que permitiriam distinguir
a população de negros, mestiços e brancos, residente em Belo Horizonte, daquela residente
em outros municípios17 –, por meio da comparação dos dados disponíveis, notamos, em
consonância com os estudos de Tarcísio Botelho, a tendência de crescimento da população de
pretos e mestiços, dentre os atendidos ao longo do período de 1908 a 1935.
A mesma classificação de cor entre “brancos”, “pretos” e “mestiços” é utilizada
pelos órgãos públicos de segurança, ao que indicam os dados fornecidos pela documentação
do Fundo da Chefia de Polícia. Aqui, a manutenção do registro da cor, quando a tendência é
omitir este tipo de informação, parece coerente com a prática de controle social que se busca
implementar na cidade (COSTA E SILVA, 2009). A própria documentação policial
consultada atesta a vigência de um exercício de controle da polícia sobre a população visando
16 O registro da cor também é observado nos recém-descobertos registros do Instituto Radium, instituição criada em 1921, na
cidade, para o tratamento de câncer. A diferença é que, no Instituto Radium, instituição que atendia prioritariamente à
população economicamente favorecida, a presença de pessoas negras é sensivelmente menor que na Santa Casa de
Misericórdia. Cf. (CUPERSCHMID; MARTINS, 2014). 17 De acordo com os dados disponíveis nos referidos Relatórios da Santa Casa, sabemos o total de atendidos residentes em
Belo Horizonte e oriundos de outros municípios, foi, respectivamente, para os períodos seguintes: 1910-1916 – 10.338 e
4.441; 1917 – 1456 e 771; 1918 – 1437 e 1495; 1921 – 1659 e 1232; 1928 – 3110 e 1922; 1929 – 3281 e 1966; 1934 – 3267 e
2298; 1935 – 3504 e 2553.
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a constituição de uma determinada ordem social; controle manifesto por meio da vigilância de
práticas associativas e da repressão sobre qualquer atividade que ferisse à moral e aos “bons
costumes”. A propósito, entre 1912 e 1913, dentre 371 detidos na Cadeia Pública de Belo
Horizonte, 55 respondiam pelo crime de “ofensas físicas” e 275 foram “detidos
correcionalmente”, conforme atestam os registros do movimento de prisões da Cadeia local, à
época (APM – Fundo Chefia de Polícia, Ocorrências Policiais-Belo Horizonte, 1913). A cor
enuncia-se ali como um elemento importante utilizado na identificação e classificação de
suspeitos ou criminosos. À época, já efetuadas a instalação de um Gabinete de Identificação e
a adoção do sistema de identificação pelo método dactiloscópico18, considerado infalível, em
comparação com o método até então empregado – o antropomórfico –, a cor continuava
compondo uma das informações relevantes para identificação de criminosos, conforme atesta
exemplar da ficha de identificação criminal constante de um relatório da Secretaria de Polícia,
publicado em 1909. (APM – Relatório da Secretaria de Polícia de Minas Gerais, 1909). Há
que se considerar, ainda, que o decreto n. 2.473, publicado em 20 de março do mesmo ano de
1909, pelo vice-Presidente Bueno Brandão e por meio do qual se criava o Gabinete de
Identificação, estabelecia-se dentre as pessoas passíveis de serem identificadas criminalmente,
os considerados vadios – muito embora, as próprias fontes policiais indiquem que a prisão,
neste caso, era irregular.19 Dentre os considerados “vadios”, provavelmente encontrava-se
grande parte do contingente de migrantes negros oriundos do interior do estado.
As informações contidas nos Registros de Réus recolhidos à Cadeia Pública de
Belo Horizonte, não obstante, nos permitem identificar alguns dados que não constam dos
Relatórios da Santa Casa de Belo Horizonte analisados – nos primeiros, para além do
histórico criminal, é possível estabelecer um breve perfil dos sujeitos de que trata a
documentação. Assim, temos, por exemplo: A. A. C., 22 anos, casada, meretriz, mestiça, 1,48
18 Esta mudança foi precedida de uma intensa discussão em voga no estado e no país, por ocasião da sistematização do
método de identificação dactiloscópica por Juan de Vucetich, então responsável pela Chefatura de Polícia da Província
Buenos Aires, sediada em La Plata. O novo método contrapunha-se ao concebido por Alphonso Bertillon, que empregava
medição antropomórfica, para identificação de indivíduos. (Cf. APM – Relatório da Secretaria de Polícia de Minas Gerais,
1909.) 19 Em ofício enviado ao Chefe de Polícia, em julho de 1916, por ocasião de uma contenda sobre a cobrança ilegal de
carceragem, o Delegado Orlando Pimenta, posicionando-se contrário à cobrança, argumenta: “Demais, as chamadas prisões
correccionaes, como as prisões para averiguações policiaes, que se impõem, muitas vezes, como medida de repressão ás
irregularidades de conducta de indivíduos de baixa estofa social, não têm assento ou fundamento em lei alguma. Ora, assim,
a taxa de sellos estipulada para os alvarás de soltura não póde referir-se a taes prisões, pois acto não previsto em lei, ou
melhor, não reconhecido pela lei não póde ser por ella tributado.” (Cf. APM-Fundo Chefia de Polícia. Ocorrências Policiais
– POL8-CX.24-Pc. 02).
11
de altura, alfabetizada (sabe ler e escrever); tendo sido pronunciada com base no artigo 303 do
Código Penal, referente à prática de ofensas físicas, foi condenada em Belo Horizonte e solta
por pagamento de fiança em 11 jan. 1913. Além dela, observamos, conforme dados da Tabela
5, a presença de outras 3 mulheres, sendo uma outra meretriz e as demais trabalhadoras
(servidoras) domésticas. Dentre os demais presos, portanto, destaca-se a forte presença de
homens não brancos, correspondendo a 49,55% dos 111 detidos e detidas; neste percentual da
população masculina de presos, 14,41% são classificados como “pretos” e 35,14%, como
“mestiços”. Os brancos somam 26,13%, e os sem informação para a cor, 24,32%. Dentre as
várias profissões declaradas, a grande maioria é de jornaleiros, militares e lavradores,
conforme dados da Tabela 3. Nota-se também a presença de estrangeiros e de brasileiros de
outros estados, sendo que alguns poucos, dentre estes presos estavam ali, provisoriamente,
enquanto aguardavam julgamento, tendo cometido os crimes respectivos, em outros
municípios do Estado.
12
Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte Tabela 1 – Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte-Doentes admitidos entre 1908* e 1935 (Cor/Raça)
Quadro comparativo - Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte Doentes admitidos, 1908-1935 (Cor/Raça)
1908 1910 1911 1912 1913 1914 1915 1916 1917 1918 1921 1923 1928 1929 1930 1931 1934 1935 Brancos 90 321 381 616 896 859 764 774 756 1016 1087 1089 1150 1444 2267 223 1450 1999 Pretos 39 230 376 538 636 556 615 640 848 621 771 687 1287 1222 1123 2530 1390 1383 Mestiços 79 708 861 1165 1282 1068 819 825 603 1295 1405 1557 2595 2781 2208 1140 2725 2675 Totais 208 1259 1618 2319 2814 2483 2198 2239 2207 2932 3263 3333 5032 5447 5598 3893 5565 6057
Fonte: APM – Relatórios da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte (1908-1935). (*)Foram analisados os Relatórios do período entre 1901 a 1935. Contudo, somente a partir de 1908, são registradas neles informações sobre cor.
Gráfico 1 – Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte-Doentes admitidos entre 1908 e 1935 (Cor/Raça)
Fonte: APM – Relatórios da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte (1908-1935).
13
Fundo Chefia de Polícia – Registro de réus recolhidos à cadeia de Belo Horizonte
Tabela 2
População Carcerária - Cadeia Pública de Belo Horizonte, 1913 (Cor/raça)
Branca 29 26,13%
Preta 16 14,41%
Mestiça 39 35,14%
Sem Informação 27 24,32%
Total 111 100,00% Fonte: Registro de réus recolhidos à cadeia de Belo
Horizonte, 1913 (ACPM – Fundo da Chefia de Polícia)
Tabela 3
População Carcerária - Cadeia Pública de Belo Horizonte, 1913
(Naturalidade/Nacionalidade) – A
Espanha 1 0,90%
EUA (Califórnia) 1 0,90%
Itália 5 4,51%
Minas 85 76,58%
Pernambuco 1 0,90%
Rio de Janeiro 1 0,90%
Sem iformação 15 13,51%
Síria 2 1,80%
Total 111 100,00% Fonte: Registro de réus recolhidos à cadeia de Belo Horizonte, 1913 (ACPM – Fundo da Chefia de Polícia)
Tabela 4
População Carcerária - Cadeia Pública de Belo Horizonte, 1913 (Naturalidade/Nacionalidade) –
B
Brasileiros 102 91,89%
Estrangeiros 9 8,11%
Mineiros 85 76,58%
Outros Estados 2 1,80%
Sem informação 15 13,51% Fonte: Registro de réus recolhidos à cadeia de Belo Horizonte, 1913 (ACPM – Fundo da Chefia de Polícia)
Tabela 5
População Carcerária - Cadeia Pública de Belo Horizonte,1913 (Profissões/Ocupações)
Agencia/Agenciador 2
Alfaiate 2
Cabouqueiro 4
Caixeiro 1
Carpinteiro 3
Carroceiro 1
Chapeleiro 2
Cocheiro 1
Colchoeiro 1
Comerciante 1
Copeiro 2
Engenheiro 1
Guarda Civil 1
Guarda-freio 1
Jornaleiro 17
Lavrador 16
Meretriz 2
Militar 17
Motorneiro 1
Negociante 5
Oleiro 1
Pedreiro 4
Pintor 1
Sapateiro 3
Servente de pedreiro 1
Servidora doméstica 4
Veterinário 1
Viajante 1
Sem informação 14
Total 111 Fonte: Registro de réus recolhidos à cadeia de Belo Horizonte, 1913 (ACPM – Fundo da Chefia de Polícia)
14
Trajetórias e experiências de migrantes negras/os em Belo Horizonte:
as histórias de vida de Dona Cotinha e Sr. Raimundo20
Buscando conhecer um pouco mais sobre a presença e atuação da população negra
na cidade, observaremos, a seguir, alguns aspectos de histórias familiares produzidas por
migrantes e/ou descendentes.21
Em 1938, quando tinha 11 anos de idade, Dona Cotinha [Maria Ramos Monteiro]
deixou a casa dos pais, em Volta Grande, próximo ao município de Ponte Nova (MG) e viajou
para Belo Horizonte. Um tanto arrependida por deixar a mãe, especialmente, ela tinha destino
certo na nova cidade – uma “casa de família” situada próximo ao “Colégio Arnaldo”, na
região do Bairro Funcionários. Ela passou a integrar o grupo de trabalhadoras e trabalhadores
domésticos empregados na casa de uma certa família Nahas, chefiada por um advogado – o
“Doutor Nahas”. Ali ela exerceu a função de arrumadeira, desde então, até o casamento, nos
anos 1950. Depois de um tempo, a mãe da entrevistada, Dona Rita Miranda também migrou
para Belo Horizonte, estabelecendo-se no Bairro Santa Efigênia, onde recebia a visita da filha,
quinzenalmente. Dona Rita, que também atuou como trabalhadora doméstica, chegou à
cidade, em princípio, para acompanhar os filhos Vicente e Zezé, que haviam se mudado para
Belo Horizonte, antes de Dona Cotinha, e trabalhavam como serventes de pedreiro. A família
reconfigurava-se, então, na capital, sem a presença do pai, Sr. Francisco Miranda. Este,
descrito pela entrevistada como boêmio, ficou na cidade de origem, num primeiro momento,
mas juntou-se à família tempos depois. “Chegou. É... Sem sanfona, nem nada.” Diz ela,
sorrindo. “Só com a roupa do corpo.” Ao lembrar-se dele, D. Cotinha remete imediatamente à
ideia que tinha, quando criança e jovem, sobre casamento:
...“Eu... casar, eu num vou casar. Porque eu casar pr’um homem querer [...]
me bater e deixar eu passar [necessidade], eu num vou casar, não.” Quando
os outros falava assim: “Eu vou casar com cê!” Eu até chorava de raiva.
(MONTEIRO; MONTEIRO, 2013)
Esta impressão se diluiu, contudo, a partir de quando ela conheceu Sr. Raimundo,
num passeio costumeiro na Avenida Amazonas, no Centro da cidade. Ali, nos anos 1940,
20 Os nomes firam mantidos, com anuência dos entrevistados, atestada no Termo de Cessão de Uso de Depoimento Oral
estabelecido de acordo entre os mesmos e a pesquisadora. 21 Os depoimentos foram registrados em entrevistas realizadas pela pesquisadora, no âmbito da pesquisa em curso, e estão
referenciados, ao final deste texto.
15
segundo os relatos de ambos, era um dos espaços de lazer e sociabilidade para as/os jovens
trabalhadores/as, que passeavam por lá, aos finais de semana à noite. Nas palavras dela, aliás,
percebemos que era um espaço segregado: “É... Naquele tempo, tinha o lado... o lado direito
era dos bacanas. O lado esquerdo era dos mais humildes.” Afirma, sorrindo. Durante o dia, o
lugar preferido para lazer era o Parque Municipal Américo René Giannetti, também na área
central. Foi, portanto, num dos passeios pela Avenida Amazonas que ela conheceu aquele que
se tornou seu companheiro e com quem construiu uma família de 5 filhos.
A família constitui um grande valor para os Monteiro, assim como para a maioria
dos grupos familiares integrados por outros de nossos entrevistados. Por meio dela,
engendraram, em Belo Horizonte, projetos de vida que representam o esforço de superação
das adversidades que tornavam cada vez mais inviável a vida nas cidades de origem.
Com efeito, como já mencionado, o aumento do fluxo migratório observado em
Minas Gerais, no período pós-Abolição, é decorrente do aumento constante da urbanização –
fenômeno comum a diversas regiões do país, ao mesmo tempo em que a constitui. As
narrativas das pessoas que entrevistamos, invariavelmente remetem, em algum momento, às
lembranças familiares sobre os tempos da vida “no interior”. Esses “tempos” correspondem
aos das gerações de avós e bisavós da maioria dos entrevistados, que viviam, em geral do
trabalho como pequenos agricultores. Trabalhavam para terceiros – como no caso dos
familiares de Dona Lia (OLIVEIRA, 2014), por exemplo –, mas em alguns relatos – como os
de Sr. Raimundo e Dona Cotinha (2013), Edna e Maria do Carmo Costa (2014) e da família
Santos (2014); e Levínia da Costa (2014) –, aparecem como proprietários de pequenas roças.
O estatuto da posse dessas terras, nestes casos, quase nunca é descrito com precisão pelos
depoentes. Mas é comum, nos relatos, a memória de que em função das dificuldades
enfrentadas pelos pequenos agricultores, as pessoas precisaram buscar alternativas de trabalho
em Belo Horizonte – em geral passando por municípios situados no entorno da capital, depois
de abandonar ou vender a preço muito baixo as referidas terras.
Sr. Raimundo, curiosamente, ao se lembrar da avó materna, que fora escrava “ou
filha de escravos” – não soube precisar – e que ele conhecera quando criança, remete à
precariedade da vida na roça, “naquela época”, no tempo da avó que, na narrativa dele, se
mistura ao próprio tempo da infância. Esta memória da precariedade da vida, para Sr.
Raimundo emerge de maneira forte, quando ele descreve as próprias experiências de trabalho
16
infantil, com a enxada nas mãos calejadas; bem como a dificuldade de estudar: “Eu estudava
numa lousazinha quebrada”, diz ele com um sorriso um tanto entristecido. “É. Ela caiu e
quebrou um pedaço, assim e eu... A pessoa que tava muito atrás, num dava muito pra copiar,
porque a lousa tava quebrada. (...) Comprava um caderno de duzentos réis... Era uma luta...
[Pausa longa] Duzentos réis, naquela época!...” (MONTEIRO; MONTEIRO, 2013).
Órfão de pai, aos 7 anos e filho de uma mãe que ele descreve como “guerreira”,
que trabalhou duramente “na roça” para sustentar os filhos, para ele, as oportunidades
educacionais só puderam ser acessadas de maneira mais contínua na vida adulta, em uma
escola pública em Belo Horizonte – o Grupo Escolar Olegário Maciel, à Rua Carijós, também
no Centro da cidade. Ele conciliou, durante alguns anos, o tempo de estudo com o de trabalho.
Oportunidade não possibilitada a Dona Cotinha, que abdicou da escola, em função da
necessidade de cuidar dos filhos. Em Belo Horizonte, ainda criança, Raimundo tornou-se
aprendiz e empregado em uma oficina de cromagem. Tornou-se sócio desta primeira oficina
em que trabalhou e manteve-se no ofício até se aposentar.
O projeto familiar de Sr. Raimundo e D. Cotinha foi construído, com dedicação,
em condições de enfretamento da precariedade da vida que tendia a se perpetuar mesmo na
cidade – ali, onde a crescente população negra ocupava os postos de trabalho menos
valorizados em termos de remuneração e status, onde as condições de habitação, educação e
saúde da população pobre eram ainda bastante precárias, embora em geral melhores que nas
áreas rurais. A maioria de seus filhos e netos ensaiam a continuidade deste projeto, por meio
de carreiras profissionais consolidadas – como policiais civis ou militares, professor de
Educação Física, administradores –, e da formação de novos núcleos familiares, referenciados
na história e na presença dos avós.
Considerações Finais
Como esperamos ter demonstrado, por meio da breve referência às experiências
da Família Monteiro, as fontes orais permitem acessar outras dimensões da experiência das
famílias negras na cidade. No conjunto das 15 entrevistas já realizadas, além dos temas
abordados por Dona Cotinha e pelo Sr. Raimundo outros se destacam. Dentre eles, a
reafirmação da experiência de migração para a capital, como marco das histórias das famílias
negras entrevistadas: das 15 entrevistas de que dispomos, oito entrevistados nasceram em
17
Belo Horizonte; contudo, as histórias de quase todas as famílias reportam à migração de
algum município de Minas Gerais para Belo Horizonte, na primeira metade do século XX. A
passagem por outros municípios que hoje integram a Região Metropolitana de Belo
Horizonte, antes do estabelecimento das famílias migrantes em Belo Horizonte, é coerente
com os apontamentos de Botelho acerca do aumento populacional na região central do estado
e para Belo Horizonte, no período em foco. Além disso, é recorrente referência à memória
(ainda que remota) de algum antepassado liberto ou livre filho de escravizado. Nas narrativas
sobre a migração, há ocorrência de memórias sobre alguns desses antepassados libertos ou
filhos de libertos que teriam sido proprietários de terra. Quanto às memórias da vida nas
cidades de origem, são referenciadas, em geral, no trabalho com a lavoura. Quanto às
atividades laborais exercidas pelos que migraram para Belo Horizonte, encontram se, para os
homens, as de policiais, operários de mineradora, agricultores (nas colônias agrícolas),
trabalhadores da construção civil, técnicos em oficina mecânica (automóveis e cromagem);
para as mulheres, as de trabalhadoras domésticas, funcionárias do serviço público de saúde,
artesãs – o que nos oferece um quadro mais amplo de ocupações, em comparação com os
dados das demais fontes anteriormente analisadas. Há uma constância, nas narrativas, quanto
à relevância da educação e a escassez de possibilidades de acesso a esse direito pelas gerações
mais antigas. Nota-se uma mudança explícita quanto a este aspecto, nos relatos de filhos e
netos dessas gerações acessando, inclusive o ensino superior. Para as gerações mais jovens,
evidencia-se a expressão de valores como o afeto, a honestidade e o apreço pela qualidade no
trabalho, como herança dos pais e como fator de manutenção da unidade familiar e de
resistência às dificuldades experienciadas socialmente, na condição de negros e negras.
Observa-se, ainda, a preponderância das narrativas femininas sobre tais histórias, o que nos
convida a tratar mais atentamente a condição das mulheres negras na cidade. Por fim, um dos
principais potenciais destas fontes, é a possibilidade de atentar para os olhares, as percepções
e leituras da cidade construídas a partir do exercício de memória das pessoas entrevistadas,
que constituem um aspecto importante de análise, a ser posto em diálogo com as perspectivas
vigentes sobre a história Belo Horizonte.
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Entrevistas
18
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