homossexualismo em freud

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    ASSOCIAO INTERCONTINENTAL DE PSICANLISE CLNICA - AIPC

    FORMAO EM PSICANLISE CLNICA

    SEXOLOGIA

    A QUESTO DO HOMOSSEXUALISMO EM FREUD

    por

    JOELTON CLEISON ARRUDA DO NASCIMENTO

    Matrcula: PSI1674

    RESUMO

    Neste artigo tento elencar os principais argumentos de Freud em torno da questo do

    homossexualismo. A seguir fao algumas observaes sobre a atualidade das definiesfreudianas sobre o assunto.

    PALAVRAS-CHAVE: Homossexualismo, Psicanlise, Freud

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    INTRODUO

    A expresso homossexualismo, do grego homo = igual, foi cunhada em 1860 pelo

    mdico hngaro Karoly Maria Benkert, para designar as formas de amor carnal entre pessoas

    do mesmo sexo. A partir da dcada seguinte a palavra comea a substituir outras designaes

    (como inverso, uranismo, safismo, etc.) na terminologia psicolgica e mdica.

    A expresso se contrapunha, pois, a heterossexualismo (hetero = diferente) que

    designa os que praticam o amor carnal com pessoas de sexo biologicamente diferente sendo

    que esta ltima designao popularizou-se a partir de 1860.

    A Psicanlise, tanto na pessoa de seu pai, Freud, quanto na de seus discpulos, no fez

    do homossexualismo um conceito prprio, e portanto, no apresentou uma teoria completa da

    homossexualidade (ROUDINESCO & PLON, 1998, p. 350). Entretanto, em Freud

    encontramos um discurso que rompe com os principais paradigmas da psiquiatria, da

    medicina e do senso comum acerca do estatuto da homossexualidade nas sociedades

    ocidentais.

    Em primeiro lugar, Freud rompe diretamente com o discurso que v a

    homossexualidade como tara ou anomalia aberrante de uma sexualidade normal e

    natural. Em segundo lugar, e ligado a isso, Freud rompe com a viso segundo a qual a

    homossexualidade uma degenerescncia, uma patologia orgnica ou psquica. Para se teruma ideia da importncia da abertura ocasionada por esta ruptura freudiana podemos lembrar

    que apenas em 1974, aps uma luta encarniada de libertao a homossexualidade deixou de

    ser considerada uma doena pela Associao Psiquitrica Americana (APA) (ROUDINESCO

    & PLON, 1998, p. 352).

    Por outro lado, vemos tambm em Freud uma crtica das vises da homossexualidade

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    que eram sustentadas pelos defensores dos homossexuais, em especial aquelas que afirmavam

    a existncia de um terceiro sexo.

    Quando se trata de homossexualidade, alguns textos de Freud se destacam por conter

    suas principais ideias e construes tericas e clnicas sobre o tema1. So eles, Trs Ensaios

    sobre a Teoria da Sexualidade (1905),Leonardo Da Vinci e uma Lembrana de sua Infncia

    (1910), A Psicognese de um Caso de Homossexualismo numa Mulher (1920) e Alguns

    Mecanismos Neurticos no Cime, na Parania e no Homossexualismo (1922)2.

    OBJETIVOS

    Pretendemos fazer um estudo cronolgico dos textos de Freud que tratam do assunto da

    homossexualidade, tanto masculina quanto feminina, apontando os principais elementos

    contidos nestes escritos.

    1 A INVERSO DO OBJETO SEXUAL

    Nos seus Trs Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade (1905) Freud trata do

    homossexualismo ainda sob o signo da expresso de inverso. Das condutas consideradas

    como desvios com respeito ao objeto sexual, ele trabalha a inverso estabelecendoinicialmente trs comportamentos sexuais distintos que podem igualmente ser considerados

    invertidos. O primeiro o invertido absoluto, quando o objeto sexual s pode ser do

    1 Remetemos ao Apndice que consta na edio Standarddas obras de Freud que contm um ndice dos escritosde Freud que versam predominantemente ou em grande parte sobre a sexualidade Cf. (FREUD, 2006a, pp. 230-231)2 H, sem dvida, inmeras menes aqui e ali nos textos de Freud sobre o assunto, alm de outras menes na

    sua vasta correspondncia. Mas nenhuma destas menes altera substancialmente o que se encontra teorizadonestes textos mencionados.

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    mesmo sexo, enquanto o sexo oposto nunca para eles objeto de anseio sexual. Em seguida

    apresenta o invertido anfgeno, para quem o objeto sexual pode ser tanto do mesmo sexo

    quanto do sexo oposto e o invertido ocasional, que se comporta desse modo somente quando

    o objeto sexual do sexo oposto est inacessvel por alguma razo (FREUD, 2006a, p. 129).

    Freud reconhece nestes mesmos ensaios que a concepo mais corrente naquele

    momento era a que considerava a inverso como um sinal inato de degenerao nervosa.

    Com argumentos to simples quanto fortes, Freud defendia por sua vez que vrios fatores

    permitem ver que os invertidos no so degenerados nesse sentido legtimo da palavra

    (FREUD, 2006a, p. 131)3.

    Em uma nota a este ensaio acrescentada em 1915 Freud escrever que a investigao

    psicanaltica ope-se com toda firmeza tentativa de separar homossexuais dos outros seres

    humanos como um grupo de ndole singular (FREUD, 2006a, p. 136). Para alm das

    consideraes demasiado amplas e imprecisas de Freud que assumia neste texto que as

    principais questes do homossexualismo permaneciam abertas para a teoria psicanalticaa

    concluso provisria a que chega Freud neste texto que a Psicanlise ensina que no h

    vnculo necessrio e imediato entre a pulso (homo) sexual e o objeto desta. Isto significa que

    no a escolha do objeto sexual (uma pessoa do mesmo sexo amada carnalmente) que

    determina a pulso4. Por conseguinte, existem diversas modalidades de configuraes

    subjetivas homossexuais e cada uma delas pode ser analisada como tal.

    3 Qual a evidncia desta afirmao? Freud alinhava trs, que por conta de sua simplicidade s se pode oporresistncia por intermdio de enormes preconceitos sexuais: 1) encontra-se a inverso em pessoas que noexibem nenhum outro desvio grave da norma; 2) Do mesmo modo, encontramo-la em pessoas cuja eficinciano est prejudicada e que inclusive se destacam por um desenvolvimento intelectual e uma cultura tica

    particularmente elevados; 3) em povos antigos de estimada cultura se encontram sinais evidentes dehomossexualismo bem como em sociedades primitivas e selvagens (FREUD, 2006a, pp. 131-132).4Nas palavras de Freud: A experincia obtida nos casos considerados anormais nos ensina que, neles, h entre a

    pulso sexual e o objeto sexual apenas uma solda, que corramos o risco de no ver em consequncia dauniformidade normal, em que a pulso parece trazer consigo o objeto. Assim somos instrudos a afrouxar o

    vnculo que existe em nossos pensamentos entre a pulso e o objeto. provvel que, de incio, a pulso sexualseja independente de seu objeto, e tampouco deve ela sua origem aos encantos deste (FREUD, 2006a, p. 140).

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    Para Freud, enfim, o homossexualismoou a inverso tal como este aparece no texto

    de 1905 to complexa para a Psicanlise quanto o heterossexualismo, uma vez que para a

    Psicanlise aquele no se coloca margem deste, antes, ambos so duas resultantes distintas

    da bissexualidade fundamental dos sujeitos que constitui a sexualidade humana. Em uma nota

    acrescentada em 1915 a este texto diz-nos Freud:

    Ao estudar outras excitaes sexuais alm das que se exprimemde maneira manifesta, ela [a investigao psicanaltica, JN]constata que todos os seres humanos so capazes de fazer umaescolha de objeto homossexual e que de fato a consumaram noinconsciente. As vinculaes por sentimentos libidinosos com

    pessoas do mesmo sexo desempenham, inclusive, um papel nadainsignificante como fatores da vida anmica normal, e um papelainda maior do que as vinculaes semelhantes com o sexooposto como motor do adoecimento. A psicanlise considera,antes, que a independncia da escolha objetal em relao ao

    sexo do objeto, a liberdade de dispor igualmente de objetosmasculinos e femininos, tal como observada na infncia, nas

    condies primitivas e nas pocas pr-histricas, a baseoriginal da qual, mediante a restrio num sentido ou no outro,

    desenvolvem-se tanto o tipo normal como o invertido. Nosentido psicanaltico, portanto, o interesse sexual exclusivo dohomem pela mulher tambm um problema que exige

    esclarecimento, e no uma evidncia indiscutvel que se possa

    atribuir a uma atrao de base qumica (FREUD, 2006a, pp.137-138) (grifos nossos).

    Da pode vir, talvez, a explicao de por que Freud no se ocupa to demasiada e

    diretamente do homossexualismo. Suas consideraes sobre este se baseiam irrecorrivelmente

    em sua teoria ampla da sexualidade tendo em vista que para ele o homossexualismo no

    uma perverso como tal, mas um direcionamento, uma configurao, diramos nos

    termos de hoje, do aparelho psquico-libidinal humano.

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    2 A HOMOSSEXUALIDADE MASCULINA

    No textoLeonardo Da Vinci e uma lembrana de sua infncia (1910) Freud realiza uma

    de suas poucas anlises de celebridades do passado, partindo de uma fantasia de Da Vinci,

    em seguida fazendo alguns apontamentos sobre sua possvel disposio homossexual. Neste

    ensejo faz contundentes consideraes sobre a homossexualidade j no a chama mais de

    inverso masculina que convm retomar aqui muito brevemente.

    Interessa-nos mais de perto o capitulo III, onde o pai da psicanlise, aps apresentar

    alguns argumentos sobre o fato que atribui carter fantasiosonarrado por Leonardo como

    lembrana. Estaria ele em seu bero quando se deparou com um abutre que fustigara sua

    cauda vrias vezes em seus lbios (FREUD, 2006b, p. 90).

    Neste captulo Freud critica a teoria do terceiro sexo. Muito comum entre defensores

    de direitos dos homossexuais, esta teoria afirma que os homens homossexuais so

    inatamente compelidos, por disposies orgnicas, a achar prazer com outros homens, o que

    no conseguem com as mulheres. Embora Freud faa as devidas ressalvas humanitrias, trata

    de criticar tal viso do fenmeno, pois para ele preciso buscar a gnese psquica da

    homossexualidade. A psicanlise havia chegado at ento nas seguintes concluses:

    Em todos os nossos casos de homossexuais masculinos, osindivduos haviam tido uma ligao ertica muito intensa comuma mulher, geralmente sua me, durante o primeiro perodo desua infncia, esquecendo depois esse fato; essa ligao haviasido despertada ou encorajada por demasiada ternura por parteda prpria me, e reforada posteriormente pelo papelsecundrio desempenhado pelo pai durante sua infncia. (...)Depois desse estgio preliminar, estabelece-se umatransformao cujo mecanismo conhecemos mas cujas forasdeterminantes ainda no compreendemos. O amor da criana por

    sua me no pode mais continuar a se desenvolver

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    conscientementeele sucumbe represso. O menino reprimeseu amor pela me; coloca-se em seu lugar, identifica-se comela, e toma a si prprio como um a que devem assemelhar-se osnovos objetos de seu amor. (...) Consideraes psicolgicas mais

    profundas justificam a afirmativa de que um homem que assimse torna homossexual, permanece inconscientemente fixado imagem mnmica de sua me (FREUD, 2006b, pp. 105-106).

    Entretanto, o prprio Freud o reconhece, trata-se aqui da descrio somente de um tipo

    de homossexualidade (FREUD, 2006b, p. 107)5. No resto do captulo, Freud aplica seu

    esquema fantasia de Leonardo mostrando de que modo ela expunha a relao deste com a

    imagem mnmica de sua me, relao esta que, segundo ele, seria a responsvel pela

    disposio libidinal homossexual de Leonardo Da Vinci.

    3 A HOMOSSEXUALIDADE FEMININA

    Talvez o mais significativo trabalho de Freud sobre o assunto em questo A

    Psicognese de um Caso de Homossexualismo numa Mulher(1920). Trata-se do caso clnico

    de uma moa de 18 anos, vinda de uma em estabelecida famlia vienense e que se enamora de

    uma mulher mais velha, ainda que sua relao com esta se baseie em castos passeios e de

    singelos beijos nas mos. Seus pais, contudo, receosos dos eventuais ulteriores

    desenvolvimentos da paixo de sua filha procuram o auxilia da psicanlise freudiana. A moa,acatando seus pais, tambm aceita o tratamento que estes lhe impem. Aps vrias sesses,

    Freud conclui pela interrupo do tratamento e recomenda que este continue sendo feito por

    uma analista do sexo feminino, em face dos problemas transferenciais que o caso apresentara.

    5 Poder-se-ia definir o homossexualismo em geral do seguinte modo (ROUDINESCO & PLON, 1998, p. 353)ela [a homossexualidade masculina, JN] sobrevm depois da puberdade, nos casos em que se instaurou nainfncia um vnculo intenso entre o filho e a me. Em vez de renunciar a esta, o filho se identifica com ela,

    transforma-se nela e procura objetos capazes de substituir seu eu, aos quais ele possa amar como foi amado pelame.

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    Antes, porm, faz interessantes observaes sobre a homossexualidade feminina.

    Freud conclui que o nascimento do irmo mais novo da moa, um filho temporo da

    me, terminou por ser um evento que abalou a vivncia do complexo de dipo da moa6

    .

    ...no exato perodo em que a jovem experimentava arevivescncia de seu complexo de dipo infantil, na puberdade,sofreu seu grande desapontamento. Tornou-se profunda cnsciado desejo de possuir um filho. (...) Que sucedeu depois? No foiela quem teve o filho, mas sua rival inconscientemente odiada, ame. Furiosamente ressentida e amargurada, afastou-se

    completamente do pai e dos homens. Passado este primeirogrande revs, abjurou sua feminilidade e procurou outro objetivo

    para sua libido (FREUD, 2006c, p. 169).

    Este estudo clnico de Freud permite ver em movimento sua teoria da sexualidade em

    sua apreenso do fenmeno comportamental do homossexualismo. O homossexualismo

    aparece como escolha inconsciente, tal como o heterossexualismo, por suposto, tambm

    uma escolha em grande medida inconsciente, na qual se percorre um caminho que igualmente

    atravessa o Complexo de dipo.

    Comentando este texto, Elisabeth Roudinesco faz a interessante observao de que nele

    Freud joga uma luz clnica sobre essa questo ao mostrar que intil procurar curar um

    sujeito de sua homossexualidade quando esta se acha instalada e que adverte ela, o

    tratamento psicanaltico no deve, em hiptese alguma, ser empreendido com essa finalidade

    (ROUDINESCO, 2009, p. 49).

    CONSIDERAES FINAIS

    6

    Freud usa a expresso dipo feminino e afirma que no h vantagem alguma na utilizao da expressoComplexo de Electra para defini-lo, Cf. Freud (2006c, pp. 167, nota 1)

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    Vimos ao longo do presente artigo algumas das principais definies de Freud acerca da

    homossexualidade. Poder-se-ia dizer que, se no era de modo algum um ativista pela

    liberdade e pelos direitos dos homossexuais, o pai da Psicanlise tinha uma viso bastante

    progressista sobre o tema. Retirava-o da esfera da anormalidade, do aberrante e do patolgico.

    Era crtico tambm dos tericos defensores dos homossexuais que defendiam estes

    como sendo portadores de um terceiro sexo, de uma alma feminina num corpo masculino e

    vice-versa. Como escolha inconsciente, a escolha de objeto sexual se realiza no espao

    estrutural simblico e, portanto, no se explica (inteiramente) de modo biolgico.

    A viso de Freud do homossexualismo era de tal modo progressista que, conforme nos

    mostra Elisabeth Roudinesco em notvel trabalho, seus seguidores representaram uma enorme

    regresso neste campo. Psicanalistas como Anna Freud, Ernest Jones, mas tambm Melanie

    Klein apresentaram em suas teorias psicanalticas o homossexualismo como desvio patolgico

    de uma sexualidade normal, patrocinando, inclusive, alguns interditos no prprio campo

    psicanaltico, objetando a entrada neste de analistas homossexuais. A sorte da questo da

    homossexualidade ps-Freud, contudo, no compete ao espao deste artigo.

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    Obras Citadas

    FREUD, S. (2006c). A Psicognese de um Caso de Homossexualismo numa Mulher. In: S.

    FREUD, Edio Standard das Obras Psicolgicas de Sigmund Freud - Volume XVIII

    (pp. 155-183). Rio de Janeiro: Imago.

    FREUD, S. (2006b). Leonardo Da Vinci e uma lembrana de sua infncia. In: S. FREUD,

    Edio Standard Brasileira das Obras Psicolgicas Completas de Sigmund Freud -

    Volume XI(pp. 67-141). Rio de Janeiro: Imago.

    FREUD, S. (2006a). Trs Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. In: S. FREUD, Edio

    Standard Brasileira das Obras Psicolgicas Completas de Sigmund Freud - Vol. VII

    (pp. 119-231). Rio de Janeiro: Imago.

    ROUDINESCO, E. (2009). Psicanlise e homossexualidade - Entrevista a Franois Pommier.

    In: E. ROUDINESCO, & M. A. Coutinho Jorge (Ed.), Em defesa da Psicanlise (A.

    Telles, Trad., pp. 46-72). Rio de Janeiro: Zahar.

    ROUDINESCO, E., & PLON, M. (1998). Dicionrio de Psicanlise. (V. Ribeiro, & L.

    Magalhes, Trads.) Rio de Janeiro: Jorge Zahar.