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HORA DA CIÊNCIA: UM ESTUDO SOBRE ATIVIDADES EXPERIMENTAIS NO ENSINO DO SABER CIENTÍFICO
Maria Eliza Brefere ARNONI1 Luiz Tomaz KOIKE2
Mirlene Amaral BORGES3
Resumo: O Projeto Hora da Ciência, desenvolvido na Escola de Ensino Fundamental Associação Lar de Menores (ALARME), de São José do Rio Preto, com os alunos das últimas séries do Ensino Fundamental, no período de 10 de março a 27 de novembro de 2003, utilizou experimentos no ensino de Ciências que promoveram o Resgate e a Problematização (“situação problema”), valorizaram o saber cotidiano dos alunos (imediato) e o saber científico ensinado (mediato). Priorizou-se o desenvolvimento da atividade experimental, entendendo que ela não deve visar à transmissão, pura e simples, da informação científica e, nem, ser usada como mera confirmação e/ou ilustração de conceitos científicos, e, sim, como “situações de ensino” que podem ser desenvolvidas em qualquer etapa da “Metodologia da Mediação dialética” (Arnoni, 2003), na dependência do objetivo traçado pelo professor. Nessa metodologia, a atividade de ciências, experimental ou não, propicia a compreensão do conteúdo de ensino.
Palavras-chave: atividade experimental; ensino de ciências; mediação dialética; metodologia.
INTRODUÇÃO
Considera-se, atualmente, que o ensino de Ciências no Brasil se encontra
distante da realidade dos alunos, por basear-se, demasiadamente, na transmissão do saber
científico. Esse modelo de ensino obriga o aluno a receber informações prontas que, nem
sempre, fazem parte do seu dia-a-dia, levando-o, assim, a desinteressar-se pelo conteúdo de
ensino. Essa situação constitui um entrave na aprendizagem do aluno, por impossibilitar sua
participação no processo ensino-aprendizagem. Para Melo (2000), uma proposta de ensino de
ciências puramente acadêmica, que não leve em conta, além das necessidades e da realidade
dos alunos, o seu interesse e curiosidade, não pode, sequer, ser considerada “ensino de
ciências”.
Nesse aspecto, Melo (2000) cita que, segundo Fracalanza (1994), a concepção
de que o ensino de ciências deve partir do conhecimento que a criança possui, transformando-o
em conhecimento científico, para que ela possa reconstruir sua realidade, dentro do contexto
dos novos conhecimentos. E, cita, ainda, o relato de Bizzo & Kawasaki (1999) sobre duas
situações condenáveis, relacionadas ao ensino de Ciências: a de desprezar o conhecimento
que o aluno traz ou a de supervalorizá-lo. Para esses autores, reconhecer as idéias dos alunos
1 Professora doutora em Educação, docente do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (IBILCE/UNESP/SJRP). 2 Aluno do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, bolsista do Projeto do Núcleo de Ensino. 3 Professora licenciada no Curso Ciências Biológicas, colaboradora do Projeto Hora da Ciência.
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previamente, antes de ensinar o conteúdo, pode ser tomado como um elemento desencadeador
da aprendizagem, pois, aflorar o conhecimento do aluno não seria apenas uma forma de
despertar seu interesse pelo assunto, mas de mobilizá-lo para a mudança.
Discute-se, também, o papel da atividade experimental no ensino de ciências,
afirmando sua relevância no desenvolvimento do cognitivo ou, ainda, alertando que as
atividades de laboratório visam desenvolver, no aluno, certas habilidades, tais como as de
observar, manipular materiais, levantar alguns problemas ou reconhecer as causa de alguns
fenômenos ou suas interações (Proposta Curricular para o Ensino de Ciências e Programa de
Saúde 1º Grau, 1991), e que o uso de técnicas experimentais de investigação em laboratórios
representam o caminho de aprofundamento de estudo de coisas e fenômenos que se esgotam
como fonte de estudo em sua manifestação natural no ambiente do aluno (Amaral,1990).
Ainda a esse respeito, Ramos (2000) cita o relato de Goldimsky (1969) sobre o
ensino de laboratório, afirmando que este aumentou a habilidade dos alunos na solução de
problemas de físico-química e, também, faz referência ao trabalho sobre o ensino de ciências
em 19 países diferentes, promovido por Comber e Keeves (1978), constatando que, em seis
deles, nos quais estudantes de 10 anos de idade faziam observações e experimentos em suas
escolas, o nível de desempenho em ciências era maior do que em escolas onde os alunos não
faziam tais atividades.
Outro aspecto que se destaca, na literatura consultada, refere-se à organização
das atividades experimentais. Segundo Fracalanza (1992), as atividades experimentais devem
ter, como ponto de partida, um problema prático bastante definido, cuja discussão leva os
alunos, até mesmo, a anteciparem possíveis soluções. Esse problema prático pode comportar
várias formas possíveis de solução e, portanto, os alunos devem ser estimulados a praticá-las.
E, ao final de cada uma das atividades, o aluno deve ser estimulado a representar ou descrever
o processo de solução que adotou e os resultados a que chegou, podendo, também, comunicar
a seus colegas os resultados e os processos de solução adotados.
No intuito de colaborar para a elaboração de um corpo teórico-metodológico
sobre o ensino de Ciências para a Educação Básica, pretende-se, a partir do percurso teórico
exposto, apontar as recomendações básicas para o ensino de Ciências e, destas, elencar
categorias de análise para estudá-las e, decorrente desse estudo, apresentar uma proposta
teórico-metodológica para o ensino de Ciências, na perspectiva da Mediação dialética. E, ainda,
discutir as atividades experimentais desenvolvidas no Projeto “Hora da Ciência”, segundo a
proposta metodológica selecionada para o referido projeto.
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1. INCURSÃO NO ENSINO DE CIÊNCIAS: UM ESTUDO INTRODUTÓRIO
As discussões presentes no apanhado teórico, acima apresentado, apontam para
a necessidade de se renovar o ensino de Ciências e, de uma forma geral, indicam
possibilidades de inovação metodológicas para o componente curricular de Ciências, a
possibilidade de ele : (a) relacionar o estudo de Ciências ao entendimento do dia-a-dia do
aluno; (b) incentivar as habilidades e qualidades dos alunos; (c) tornar os alunos participativos;
(d) valorizar os conhecimentos prévios dos alunos, (e) trabalhar com a realidade sociocultural e,
(f) utilizar a atividade experimental como uma possibilidade de tornar o ensino de Ciências mais
atrativo aos olhos do estudante.
Nessas discussões, delineiam-se, entre outras, duas recomendações básicas
para o ensino de Ciências: centrar-se no saber do aluno e desenvolver atividades experimentais
sobre o conteúdo científico, ambas as recomendações com o objetivo de que o educando
transforme seu saber inicial em científico e, desse modo, possa reconstruir sua realidade,
segundo esses novos conhecimentos. Sem desconsiderar a existência dos múltiplos fatores
que interferem no estudo desse tema, essas recomendações citadas compõe a totalidade
delimitada para esse artigo, da qual a questão basal se centra, em especial, no “como articular
o saber do aluno e o saber científico no processo de ensino–aprendizagem de Ciências”. Dessa
totalidade, depreendem-se duas categorias para sua análise, saber do aluno e saber científico.
Retoma-se, como esclarecimento inicial, o tratamento dado ao “saber do aluno”
pelas referidas informações teóricas. Nelas, o “saber do aluno”, geralmente denominado de
prévio, para ser “transformado em científico”, pede que a ação pedagógica do professor parta
de elementos que pertençam ao cotidiano do aluno. E, interpretando cotidiano como dia-a-dia, o
ensino de Ciências deve partir dos elementos palpáveis4 que compõem a realidade do aluno ou
fazem parte da sua vivência. Esse entendimento, particular, de cotidiano constitui um
complicador para o processo ensino-aprendizagem, pois nem sempre é possível selecionar um
elemento palpável e conhecido do “cotidiano do aluno” que se relacione com o conteúdo
científico que se pretende trabalhar. Essa situação pode ocasionar ações pedagógicas
divergentes, como, por exemplo, um ensino exclusivamente empírico, centrado nos objetos que
compõem o dia-a-dia do aluno, um ensino exclusivamente teórico, centrado nas definições
científicas; ou um ensino baseado em experimentos, os quais, por si só, garantem a
aprendizagem: são práticos (utilizam materiais palpáveis) e baseiam-se em conceitos
científicos.
4 Palpável, no sentido de empírico - evita-se o termo concreto que, na concepção dialética, indica a síntese de múltiplas determinações.
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Nessa discussão sobre saber do aluno e saber científico, a asserção de Melo
(2000) traz um alerta. Segundo a autora, trabalhar o saber prévio do aluno não significa
abandonar o estudo “científico” das Ciências por uma ciência empírica, muito pelo contrário,
significa levar o estudo científico às condições e realidades dos nossos alunos, utilizando-se de
novos métodos e novas concepções de Ciências. E, com essa pretensão, este trabalho propõe
um caminho teórico-metodológico para o ensino de Ciências, baseado na conversão do saber
científico em conteúdo de ensino, na perspectiva da “Mediação dialética” (Arnoni,2003).
1.1. SABER E COTIDIANO NO ENSINO DE CIÊNCIAS5
No intuito de enriquecer essa discussão, torna-se necessário tecer alguns
comentários sobre o significado de cotidiano e de saber para esse texto. Entende-se o saber
como a representação ou a idéia do real, elaborada pelo sujeito, e cotidiano como aquilo que se
faz ou sucede todos os dias, ou seja, a realidade conhecida pelo sujeito. Segundo Arnoni
(2003a), o saber, independentemente de sua procedência, aluno ou científico, é produção do
homem na sua relação com o meio natural e social, portanto, em sua gênese o saber é uno,
histórico e social. Ele se diferencia pelo locus de sua produção e pela forma de sua expressão
e, em vista disso, na dependência das condições histórico-sociais, o saber ganha status
diferenciado e adjetivos que indicam esses status, como no caso em questão, “do aluno” e “do
pesquisador científico”.
Em relação ao saber científico, são notórias as suas características básicas:
objetivo, sistematizado e registrado formalmente, segundo rigor acadêmico/científico. A
discussão sobre saber do aluno é mais polêmica, diferenciando-se segundo as concepções
teóricas que as sustentam. Nesse trabalho, o saber do aluno, como saber particular de todo
sujeito social, caracteriza-se por ser, ao mesmo tempo, do sujeito e condicionado pelo
contexto histórico-social em que se insere. Por esse motivo, o saber do sujeito sofre
influências das diversificadas relações informais e formais (incluindo a escolar) que ele
estabelece com o meio social e natural circundante. Esse saber particular do sujeito social é
denominado de saber cotidiano e, na dependência das relações que o engendra, apresenta
diferentes graus de complexidade. Assim, o saber cotidiano é uma das expressões do saber
que o sujeito social disponibiliza para resolver as questões do dia-a-dia,
No processo de ensino-aprendizagem, na perspectiva da mediação dialética, a
expressão “partir do cotidiano” não significa, simplesmente, trazer para a sala de aula o
elemento palpável e conhecido da realidade do aluno, e, sim, iniciar o processo de ensino-
5 Informações contidas nos apontamentos das aulas de Didática do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Profª Drª Maria Eliza Brefere Arnoni, UNESP/IBILCE de São José do Rio Preto, 2002.
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aprendizagem trabalhando as idéias ou as representações que a realidade (ou objeto palpável
da realidade) gerou no aluno, em relação ao conceito científico que se pretende ensinar.
Portanto, trabalha-se com as representações que o cotidiano gera no aluno, e o palpável
constitui um facilitador para que o aluno manifeste seu saber cotidiano.
É interessante ressaltar que, no processo ensino-aprendizagem, essas duas
expressões do saber – cotidiano e científico – não são hierarquizadas, ao contrário, elas são
igualmente importantes, pois representam, simultaneamente, os termos ou pólos da relação de
mediação dialética que gera o processo de ensino-aprendizagem: o saber científico indica o
saber mediato, e o saber cotidiano indica o saber imediato. Esses termos, por serem
divergentes, provocam a contradição entre ambos; esta, responsável pelo movimento do
processo de ensino-aprendizagem e pela superação do imediato no mediato, gera as sínteses.
Por outro lado, para tornar interessante o ensino de Ciências, é necessária a
presença de atividades que incentivem o aluno a “pensar”, estimulando-o a participar
ativamente do processo ensino-aprendizagem na busca das respostas aos porquês suscitados
pelas atividades experimentais ou não. Nesse aspecto, a colaboração de Arnoni (2003), para o
Projeto “Hora da Ciência”, ao apresentar o “como fazer”, para que as atividades de ciências
promovam a aprendizagem, foi fundamental.
2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS PARA O TRABALHO EDUCATIVO
Para Arnoni (2003), as atividades do conteúdo de ensino devem suscitar
questionamento capaz de provocar “rupturas” no saber cotidiano que o aluno traz (saber
imediato) pela contradição que se estabelece entre este saber cotidiano e o saber científico
trabalhado; promover a superação do saber imediato, na direção do saber científico pretendido
(saber mediato) e possibilitar a elaboração de sínteses (o saber aprendido). Sendo assim, o uso
de atividades deve possibilitar a compreensão do conteúdo de ciências que se pretende
trabalhar. Para a autora, no trabalho educativo, o ato de ensinar implica selecionar o saber
científico e convertê-lo em conteúdo de ensino, de modo que seu desenvolvimento, ao longo de
um tempo determinado, possibilite ao aluno passar, gradativamente, do seu não-domínio ao
seu domínio. Assim, converter o saber científico em conteúdo de ensino, ensinar esse saber,
avaliar a aprendizagem do aluno e a forma de trabalhar o conteúdo de ensino – planejar,
desenvolver, acompanhar e replanejar o processo de ensino-aprendizagem – são ações
pedagógicas que se desenvolvem pela relação da mediação, que tem como elementos
constitutivos o movimento, a contradição e a superação (lógica dialética).
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Em Arnoni (2003), o “como fazer” para ensinar ciências - organização do processo
ensino-aprendizagem – é apresentado na “Metodologia da Mediação dialética”, composta de
quatro etapas ou momentos pedagógicos. As etapas representam o esforço teórico de
compreensão das partes que se articulam no ato de ensinar, com o propósito de gerar
aprendizagem. As etapas da referida metodologia são descritas, resumidamente, a seguir:
1. Resgatando – fazer aflorar as representações do sujeito, em relação ao conteúdo
em estudo. Neste contexto, o sujeito entra em contato com o objeto de estudo,
registra suas interpretações e explicita o campo de significação em relação ao
assunto trabalhado. As elaborações geradas nessa etapa caracterizam aspectos do
saber imediato, considerado como ponto de partida do processo de ensino;
2. Problematizando – questionar o saber imediato (resgatando), na perspectiva do
saber mediato pretendido (saber científico), explicitando-se a contradição entre
ambos visando: “provocar a superação do imediato no mediato e possibilitar a
elaboração de sínteses pelo aluno (problematizando)”;
3. Sistematizando – trabalhar aspectos do saber científico provocando a superação do
imediato no mediato, propiciando ao aluno a elaboração de novas sínteses;
4. Produzindo – expressar a síntese do trabalho educativo, o saber aprendido. Essa
síntese representa o ponto de chegada do trabalho educativo, possivelmente, com
maior grau de complexidade que as representações, inicialmente apresentadas
(resgatando). É o ponto de chegada provisório que se torna, imediatamente, em um
novo ponto de partida e, o ciclo não se fecha, pois, o ponto de chegada (produzindo)
tem propriedades diferentes do ponto de partida (resgatando) e, por permanecer
aberto, cria possibilidade para que novos ciclos se iniciem, na perspectiva da
mediação dialética. (Arnoni, 2003).
Esses pressupostos teóricos-metodológicos fundamentaram a organização da atividade
experimental de Ciências, parte integrante do Resgate e da Problematização (“situação
problema”) como forma de valorizar o saber cotidiano dos alunos (imediato) e o saber científico
(mediato). Esse Projeto priorizou o desenvolvimento da atividade experimental, entendendo que
ela não deve visar à transmissão, pura e simplesmente, de uma determinada informação
científica, e nem ser usada como mera confirmação e/ou ilustração de conceitos científicos, e,
sim, como “situações de ensino” que podem ser desenvolvidas em qualquer etapa da
“Metodologia da Mediação dialética” (Arnoni, 2003), na dependência do objetivo traçado pelo
professor.
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3. AS ATIVIDADES EXPERIMENTAIS DO PROJETO HORA DA CIÊNCIA
A Escola de Ensino Fundamental Associação Lar de Menores (ALARME), de São
José do Rio Preto, parceira desse projeto, é uma instituição filantrópica, voltada ao
atendimento de crianças oriundas de famílias de baixa renda. Trabalha em período integral: em
um dos períodos, o aluno freqüenta o ensino regular e, no outro, opta pelas atividades
complementares oferecidas pelo ALARME, como oficina de reciclagem, dança, música,
atividades esportivas etc. O Projeto “Hora da Ciência” desenvolveu-se no período vespertino, e
seus participantes freqüentavam o ensino regular no período matutino. O projeto foi
desenvolvido com os alunos das últimas séries do Ensino Fundamental, no período de 10 de
março a 27 de novembro de 2003.
Inicialmente, realizou-se um concurso para a escolha do logotipo do Projeto e,
em seguida, uma votação discente escolheu um dos trabalhos apresentados (Anexo 01) para
representar a “Hora da Ciência” e ser estampado em camisetas.
As atividades experimentais desenvolvidas6 no decorrer do projeto versavam
sobre Física, Química e Biologia, conteúdos presentes na disciplina Ciências das últimas séries
do Ensino Fundamental, com o objetivo de colaborar na compreensão dos assuntos abordados
no ensino regular. As análises das observações e dos registros realizados no decorrer da “Hora
da Ciência” geraram as seguintes considerações.
Ao desenvolver os experimentos selecionados para o projeto, observou-se que
os alunos se mostraram interessados, curiosos e dispostos a realizar a proposta de trabalho do
encontro. Isso decorre do fato de que o simples manuseio do experimento constitui uma forma
de interação do aluno com o objeto de conhecimento e, partindo dessa constatação, foi possível
transformar a atividade experimental em atividade de ensino, o que possibilitou ao aluno a
elaboração do seu próprio saber, em relação ao conteúdo científico trabalhado no experimento.
Constatou-se, também, que o manuseio e a montagem do experimento tornavam-se uma ação
prazerosa ao aluno e, assim, pode ser transformada em um desafio que superava o manejo dos
materiais e encaminhava o aluno para a investigação.
Nesse projeto, por opção teórico-metodológica, a atividade experimental
compreendeu as etapas Resgatando e Problematizando da “Metodologia da Mediação
Dialética” (Arnoni, 2003). Por esse motivo, iniciou-se o processo de ensino-aprendizagem com a
atividade experimental, uma alternativa metodológica que, por despertar a curiosidade do
6 1. O Ludião, 2. O sapo equilibrista, 3. Espiral girante, 4. Produzindo uma região de baixa pressão, 5. Queima de bombril, 6. Persistência visual, 7. A Força que um Líquido Exerce sobre um Corpo, 8. Colorindo a Chama, 9. Ácidos e Bases - uso de indicadores, Brincadeira com Amido, 10. Fotossíntese e 11. Pêndulo Elétrico.
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aluno, o desejo de manipular os materiais e o de montar o experimento, “prendia” a atenção
deles, e propiciava sua participação no processo.
Nesse aspecto, é interessante ressaltar que as atividades experimentais
despertam interesse no aluno, entretanto, se não forem trabalhadas segundo um pressuposto
teórico-metodológico, caem num “ativismo improdutivo”, ou seja, o experimento pelo
experimento, sem vinculação com o processo de ensino-aprendizagem. Assim, o desafio que se
colocava para o Projeto (coordenadora e estagiários) consistia em preparar o conteúdo de
ensino, utilizando o experimento.
Para transformar a atividade experimental em atividade de ensino, segundo a
“Metodologia da Mediação dialética” (Arnoni,2003), foi necessário o planejamento que
integrasse a atividade experimental na proposta metodológica. De uma maneira geral, todas as
aulas seguiram o seguinte percurso metodológico: “conversar7” com os alunos sobre o
experimento em questão, estimulando a elaboração mental de respostas e a verbalização das
mesmas, pois a verbalização expressa o saber do aluno sobre tema, um saber particular,
cotidiano e imediato: o Resgatando. Nessa etapa metodológica, a atividade experimental
propicia o resgate dos saberes dos alunos, em relação ao conteúdo que se pretende trabalhar,
constituindo-se no ponto de partida do processo ensino-aprendizagem. Esse saber imediato
expressa as representações que o aluno elaborou no seu dia-a-dia, incluindo sua vivência
escolar. Nesse ponto, a intervenção do professor ocorreu por intermédio de questões
“problematizadoras” capazes de provocar contradição entre o saber cotidiano, anteriormente
apresentado, e o saber científico que se pretendia trabalhar: o Problemantizando. Desta
forma, o experimento promoveu o resgate do saber imediato e, também, a problematização do
mesmo. A problematização direciona a discussão para o plano das idéias, dos conceitos
relacionados ao experimento, incluindo os científicos, e isso promove desdobramentos como:
discussão, pesquisas, realização de outros experimentos, entrevistas, excursões, observações,
consultas etc., encaminhando o processo para a etapa Sistematizando, Nela, discutem-se as
informações científicas pertinentes ao conteúdo de ensino (saber mediato), colaborando, assim,
para que o aluno retome as questões “problematizadoras” e articule-as às informações
científicas, elaborando novas sínteses. E, como “fechamento” do trabalho pedagógico, a
atividade experimental é retomada e solicita-se que o aluno explique o processo observado, o
porquê acontece o fenômeno observado: o Produzindo.
7 Conversar, no sentido de, informalmente, levantar questões sobre o tema que se pretende trabalhar com o experimento.
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4. O LUDIÃO8: EXEMPLIFICAÇÃO DO USO DE ATIVIDADE EXPERIMENTAL NA METODOLOGIA DA MEDIAÇÃO DIALÉTICA.
Ao entregar o Ludião (Anexo 02) pronto para exploração, observou-se que ele
despertou interesse nos alunos que, curiosos, olhavam, viravam e apertavam o aparelho. Em
seguida, passada a exploração, o aparelho foi manuseado de forma adequada, e eles foram
questionados quanto ao funcionamento do mesmo (porquê). Pelas explicações verbalizadas
(Resgatando), dentre elas, “a pressão na garrafa fez aumentar a água no interior do ludião”
(saber imediato), pode-se observar que os alunos descreviam o empírico - pressão na garrafa e
aumento de água no ludião – e não explicavam “o porquê” de o ludião subir e descer dentro da
garrafa (Problematizando). Como os alunos insistiam na descrição do objeto e mostravam-se
satisfeitos com suas explicações, tornou-se necessário intervir, direcionando-os para a análise
de cada parte do experimento, encaminhando os alunos para a investigação do todo, o
funcionamento do Ludião. Nesse ponto, questionou-se a relação entre o movimento da garrafa
(devido o aumento da pressão sobre a mesma) e a água no ludião. Discutiu-se, então, o
conceito de pressão, explicando a atuação desta no experimento (diminuir o espaço no interior
da garrafa) e, novamente, questionou-se as causas do movimento do ludião. Explicitou-se a
problematização e, mesmo de posse do conceito científico de pressão, os alunos não
conseguiram explicar o movimento do ludião. Por se tratar de alunos da última série do Ensino
Fundamental, logo verbalizaram densidade do ludião, e, assim, foi possível direcionar a atenção
deles para este outro fenômeno presente no experimento, a densidade. Observou-se que ao
declamarem o conceito de “densidade” davam a impressão que o problema estava resolvido,
porém, foram surpreendidos pela questão: se o ludião tem menos água que a garrafa, como
apresenta densidade maior que a água da garrafa, em maior quantidade? Eles, imediatamente,
retomaram o conceito correto de densidade e completaram a resposta dizendo: “quando o
ludião enche de água, fica pesado e desce, quando perde água, fica leve e sobe”. A
intervenção dos estagiários, insistindo na questão anterior, levou os alunos a questionarem
suas próprias respostas. Foi muito interessante a reação dos alunos; num primeiro momento,
recorreram aos conceitos científicos decorados e, aos poucos, foram dando conta de que as
definições não eram suficientes para explicar o movimento observado. Esse fato demonstra a
ineficiência do ensino pela memorização, os alunos haviam decorado a definição e/ou a fórmula
e não conseguiam usá-las para responderem questões de compreensão e, ainda, não
analisavam as partes e nem relacionavam as partes com o todo. Daí, direcionar a atenção dos
alunos, aproveitando o entusiasmo dos mesmos, para a análise do ludião no interior da garrafa
(parte) e para a relação deste como o aparelho (todo), insistindo na explicação e na relação das
8 Ludião (letra maiúscula) refere-se ao experimento e ludião (letra minúscula), à parte superior da ampola de injeção que se encontra no interior da garrafa.
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duas afirmações, anteriormente, apresentadas: a expressão “mais pesado e mais leve” e o
conceito de densidade.
O “porquê” de descer e subir da “água (ludião)”, na “água (garrafa)”, foi a tônica
da discussão, levando-os a perceberem que as presenças do vidro, do ar e da água na
composição do ludião eram as causas da diferença de sua densidade em relação à água do
interior da garrafa fechada, e que a entrada de água no ludião fazia com que sua massa (e,
também, seu peso9) aumentasse, aumentando, conseqüentemente, sua densidade, pois o
volume do ludião permanecia constante. O fato de a garrafa estar fechada possibilitava estudar
o sistema criado em seu interior, como também, as influências do meio externo.
Essa discussões geradas pelo experimento – Ludião –, demonstrou o relevante
papel da atividade experimental no desenvolvimento das etapas Registrando e
Problematizando da “Metodologia da Mediação dialética” (Arnoni, 2003). Constatou-se,
também, a superação do saber inicial (imediato) pelo saber científico (mediato)
(Sistematizando), quando os alunos perceberam a presença dos dois fenômenos (pressão e
densidade) e a relação entre ambos na explicação do experimento. Em seguida, foi possível
retomar e discutir o Ludião, pedindo aos alunos que explicassem seu funcionamento
(Produzindo), observando-se a familiaridade com que os educandos utilizavam os conceitos
científicos.
CONCLUSÃO
Este trabalho mostrou o desempenho estimulante, motivador e desafiador das
atividades experimentais, desde as mais simples, no ensino de Ciências, em especial, quando
são desenvolvidas segundo a “Metodologia da Mediação dialética”. Nesse projeto, elas foram
consideradas como atividades problematizadoras do conteúdo de ensino, que além de
resgatarem o saber cotidiano do aluno, geraram contradição, explicitando as divergências
existentes entre o saber imediato e o saber científico em estudo (saber mediato). A contradição
potencializou a superação do saber imediato no mediato e possibilitou que o aluno elaborasse
sínteses, o saber aprendido.
É inegável a importância da opção metodológica do professor no direcionamento
do seu trabalho educativo. Por este motivo, a escolha da “Metodologia da Mediação dialética”
(Arnoni, 2003), para o desenvolvimento desse Projeto, ganha relevância ao preconizar uma
organização do processo de ensino-aprendizagem que possibilita ao aluno compreender o
9 A questão do empuxo foi discutida, porém não está relatada neste artigo.
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conteúdo de ensino e elaborar sínteses (saber aprendido), ações necessárias para que possa
tomar decisões conscientes em sua vida cotidiana.
Nessa perspectiva, ensinar não pode ser entendido como mera transmissão
(declamação) do saber científico e nem como simplificação deste. Para Arnoni (2003), a
conversão do saber científico em conteúdo de ensino é necessária para que ele se torne
ensinável (para o professor), assimilável (para o aluno) e preservador do saber científico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Anexo 01
Trabalhos apresentados para o concurso do logotipo do Projeto “Hora da Ciência”
Desenho 01
Desenho 03 VENCEDOR
Desenho 02
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Anexo 02
O Ludião
Material necessário
Uma garrafa transparente.
A parte superior de uma ampola de injeção (ludião).
Instruções
Preencher a garrafa com água e colocar a parte superior de uma ampola em seu interior,
parcialmente cheia d’água (o suficiente para ela ficar na superfície do líquido, dentro da
garrafa). Aperte a tampa da garrafa e o aparelho está pronto para funcionar. Aperte o corpo da
garrafa e faça o ludião movimentar-se no interior da garrafa.
Ilustração
Observação: Quando se aperta a garrafa, a pressão no seu interior aumenta, fazendo com que
o volume de água no interior do ludião (ampola) aumente. Sua densidade cresce e ele desce.
Diminuindo a pressão no interior da garrafa, ou seja, deixando a garrafa voltar à sua forma
normal, o ludião sobe.
CENTRO INTERDISCIPLINAR DE CIÊNCIAS – CIC USP/IBECC. Explorando o Mundo das Ciências através de Experimentos Simples: catálogo de experimentos. Universidade de São Paulo. São Paulo. 1991. 60 p.
Fig. 1 – Esquema do aparelho Fig. 2 – Com aumento da pressão, o ludião desce.