hora h - diário de um fotógrafo (Érico hiller)

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32 | 29HORAS | de 29 de março a 29 de abril de 2011 33 POR éRICO HILLER DIáRIO DE UM FOTóGRAFO OS AMEAçADOS Outro dia me dei conta que o rinoceronte poderia acabar na minha geração. Depois de 50 milhões de anos vagando por esse mundo, o que diríamos para nossos filhos, se eles sumissem do mapa? E olha que foi o que quase aconteceu há uns anos atrás, não fossem os programas de reabilitação em países como Namíbia e África do Sul. Quando essa ficha caiu, isso me gerou uma depressão daquelas. Esse papo de que o gelo do Kilimanjaro vai sumir também me perturba um bocado. E imaginar que com o aumento do nível dos oceanos as Ilhas Maldivas um dia podem virar um lugar imaginário, apenas com fotos em livros de história, me angustia muito. Tudo isso por causa de alguma ação do homem ou devido as mudanças climáticas. Com esse punhado de inquietações martelando há uns dez anos, decidi sair pelo mundo indo atrás das vidas, lugares e culturas que estão em risco. Os ameaçados. Quando comentei com o pessoal da 29 HORAS que eu precisaria de umas “férias” pra me debruçar nessa minha paranóia fotográfica, eles me responderam com um convite: fazer esta coluna, um diário de bordo. Prometi que sim, a não ser que eu esteja enfiado em um lugar sem contato ou internet. ISTOCKPHOTO Mas o leitor me perdoaria. Então já que caí na estrada de vez, está aí a foto do primeiro lugar que estive agora em março, as tribos do sul da Etiópia. No vale do rio Omo a assombração das mudanças começam a pairar. Estas culturas seculares que se mantiveram longe do contato externo até meados dos anos 60 começam a sentir a chegada de novos tempos. A Etiópia é o único pais que nunca foi colonizado da África e como não bastasse é todo montanhoso. O sul FAZER OLHO ASLJVBNA SDFIJBVA LISFBVLSD IJFBNVA ;SIUFVA SOFNVA; SFNVA; OSIDFNVA; SOIFNVA; SOIFHVA ;OSIFHVA; SOIDHVA ;SODIVHA ;SODFIVA;S VNAS do país então, é mais isolado ainda. Mas um turismo completamente insustentável, baseado em esmolas e a construção de uma imensa usina hidrelétrica ameaçam mudar tudo por ali. Pra começar, o fluxo deste rio gigante será não mais controlado pela natureza mas pelas comportas desta usina, geridas pela mão do homem. O tênue regime de cheias e vazantes, que alimenta uma infinidade de afluentes e permite a agricultura de várzea das tribos, vai se alterar. E as culturas estão vivendo uma ansiedade nova, a da modernidade, nunca antes experimentada. Este meu projeto vai virar um exposição de fotos em São Paulo em 2012 e talvez até um livro seja publicado, mas até lá eu sempre vou atualizar meu web site, um road blog, www.ericohiller. com.br. Mês que vem, Kilimanjaro. Vejo vocês na próxima, se Deus quiser. Ou se o homem permitir, já não sei mais... Érico Hiller é fotógrafo, colaborador das antigas (e de várias capas) de 29 HORAS e vai passar este ano visitando lugares, vidas e culturas do planeta que estão em risco.

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Os Ameaçados

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Page 1: Hora H - Diário de um fotógrafo (Érico Hiller)

32 | 29HORAS | de 29 de março a 29 de abril de 2011 33

por érico hiller

diário de um fotógrafo

os ameaçadosOutro dia me dei conta que o rinoceronte poderia acabar na minha geração. Depois de 50 milhões de anos vagando por esse mundo, o que diríamos para nossos filhos, se eles sumissem do mapa? E olha que foi o que quase aconteceu há uns anos atrás, não fossem os programas de reabilitação em países como Namíbia e África do Sul. Quando essa ficha caiu, isso me gerou uma depressão daquelas. Esse papo de que o gelo do Kilimanjaro vai sumir também me perturba um bocado. E imaginar que com o aumento do nível dos oceanos as Ilhas Maldivas um dia podem virar um lugar imaginário,

apenas com fotos em livros de história, me angustia muito. Tudo isso por causa de alguma ação do homem ou devido as mudanças climáticas.

Com esse punhado de inquietações martelando há uns dez anos, decidi sair pelo mundo indo atrás das vidas, lugares e culturas que estão em risco. Os ameaçados. Quando comentei com o pessoal da 29 HORAS que eu precisaria de umas “férias” pra me debruçar nessa minha paranóia fotográfica, eles me responderam com um convite: fazer esta coluna, um diário de bordo. Prometi que sim, a não ser que eu esteja enfiado em um lugar sem contato ou internet. is

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Mas o leitor me perdoaria.Então já que caí na

estrada de vez, está aí a foto do primeiro lugar que estive agora em março, as tribos do sul da Etiópia. No vale do rio Omo a assombração das mudanças começam a pairar. Estas culturas

seculares que se mantiveram longe do contato externo até meados dos anos 60 começam a sentir a chegada de novos tempos. A Etiópia é o único pais que nunca foi colonizado da África e como não bastasse é todo montanhoso. O sul

fazer olho asljvbna sdfijbva lisfbvlsd ijfbnva ;siufva sofnva; sfnva; osidfnva; soifnva; soifhva ;osifhva; soidhva ;sodivha ;sodfiva;s vnas

do país então, é mais isolado ainda. Mas um turismo completamente insustentável, baseado em esmolas e a construção de uma imensa usina hidrelétrica ameaçam mudar tudo por ali. Pra começar, o fluxo deste rio gigante será não mais

controlado pela natureza mas pelas comportas desta usina, geridas pela mão do homem. O tênue regime de cheias e vazantes, que alimenta uma infinidade de afluentes e permite a agricultura de várzea das tribos, vai se alterar. E as culturas estão vivendo

uma ansiedade nova, a da modernidade, nunca antes experimentada.

Este meu projeto vai virar um exposição de fotos em São Paulo em 2012 e talvez até um livro seja publicado, mas até lá eu sempre vou atualizar meu web site, um road blog, www.ericohiller.

com.br. Mês que vem, Kilimanjaro. Vejo vocês na próxima, se Deus quiser. Ou se o homem permitir, já não sei mais...

Érico Hiller é fotógrafo, colaborador das antigas (e de várias capas) de 29 HORAS e vai passar este ano visitando lugares, vidas e culturas do planeta que estão em risco.