huberto rohden - filosofia cósmica do evangelho

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  • HUBERTO ROHDEN

    FILOSOFIA CSMICA DO EVANGELHO

    UNIVERSALISMO

  • FILOSOFIA CSMICA DO EVANGELHO

    Este livro aprofunda e traduz, na mais lcida semntica, temas e reflexes

    apresentadas em outras obras do autor, sobre os ditos de Jesus. ROHDEN

    analisa e intui, luz de sua prpria experincia direta da realidade, a crescente

    necessidade da nossa poca de buscar a unidade com a realidade Csmica.

    ROHDEN aponta, com corajosa veemncia, o nico caminho para o homem

    libertar-se de sua maior priso o aspecto destrutivo que existe nele mesmo

    e passar para a sua nica fonte viva e libertadora: o Cristo interno, presente,

    atuante e eterno em cada um de ns.

    Nesta FILOSOFIA CSMICA DO EVANGELHO o primeiro de uma coleo

    de quatro obras sobre a Mensagem do Cristo ROHDEN quinta-essncia as

    palavras de Jesus, e as apresenta numa linguagem distante de qualquer

    teologia ritualista.

    Ningum deixar de empolgar-se com a gua viva que brota desta suprema

    Mensagem.

    A presente obra tem, alm de uma imensa promessa de felicidade, tambm

    uma funo catrtica para a inteligncia analtica e um convite-desafio para a

    intuio metafsica.

    Este livro indica o roteiro para a nica coisa necessria e convida o homem

    para dela servir-se como a suficiente soluo para sua desesperana e

    frustrao existencial.

    No se trata de obra linear, mecnica, dialtica com os ingredientes do mito

    mas empreende uma descida s dimenses mais profundas dos conflitos

    internos do homem e de l emerge com um diagnstico de esperana: o

    homem um ser a caminho da luz, feito pouco abaixo de Deus, coroado de

    honra e glria. um deus potencial. a suprema coroa da creao. Seu

    destino ele prprio, pelo poder do seu livre arbtrio.

    ROHDEN, atravs das palavras do Cristo, brada ao homem de todas as

    condies: d o passo de coragem de sua vida revolucione-se! Rompa a

    periferia do ego milenar! Atinja, pelo poder do prprio Cristo que vive dentro de

    cada um o glorioso renascimento pelo esprito.

  • ADVERTNCIA

    A substituio da tradicional palavra latina crear pelo neologismo moderno criar

    aceitvel em nvel de cultura primria, porque favorece a alfabetizao e

    dispensa esforo mental mas no aceitvel em nvel de cultura superior,

    porque deturpa o pensamento.

    Crear a manifestao da Essncia em forma de existncia criar a

    transio de uma existncia para outra existncia.

    O Poder Infinito o creador do Universo um fazendeiro criador de gado.

    H entre os homens gnios creadores, embora no sejam talvez criadores.

    A conhecida lei de Lavoisier diz que na natureza nada se crea e nada se

    aniquila, tudo se transforma, se grafarmos nada se crea, esta lei est certa

    mas se escrevermos nada se cria, ela resulta totalmente falsa.

    Por isto, preferimos a verdade e clareza do pensamento a quaisquer

    convenes acadmicas.

  • EXPLICAES PRVIAS

    O simples tentame de querer fazer filosofia sobre o Evangelho de Jesus Cristo

    parecer a muitos uma profanao, quase um sacrilgio.

    A razo disto obvia: o Evangelho o reflexo da maior experincia que um

    homem j teve de Deus ao passo que qualquer espcie de filosofia comum

    um processo intelectual, indireto e, como tal, infinitamente inferior quele

    contato intuitivo, direto com a suprema Realidade do Universo.

    A experincia do Evangelho vivida e saboreada a filosofia apenas

    inteligida, pensada.

    O Evangelho representa a mais estupenda verticalidade mstica, uma linha de

    luz e fora que vem de ignotas alturas e vai a incgnitas profundezas

    enquanto a filosofia, por mais vasta que seja, no deixa nunca de ser

    horizontal, e a soma total de todas as horizontalidades intelectualistas no

    chega sequer a roar de leve a verticalidade racional ou espiritual.

    , pois, matemtica e logicamente, absurdo querer compreender o Evangelho

    espiritual mediante um processo intelectual, porquanto, em hiptese alguma,

    pode o menor compreender (abranger, abraar) o maior: nunca pode uma

    causa pequena produzir um efeito grande; nunca pode um compreendedor

    inferior abarcar um compreendido superior.

    Por que, pois, escrever um livro e lecionar curso sobre a filosofia csmica

    do Evangelho, se este prprio ttulo flagrantemente paradoxal?

    A esta sensata objeo passaremos a dar duas respostas, no menos

    sensatas:

    1) No entendemos aqui, por filosofia, um processo meramente intelectual,

    analtico, horizontal; mas sim uma atitude essencialmente racional-espiritual;

    no uma inteligncia perifrica de aparncias, mas uma vivncia central da

    prpria essncia. A parte intelectiva que, inevitavelmente, acompanha essa

    atitude intuitiva no seno o corpo, o invlucro, um simples veculo da alma,

    medula e contedo da Filosofia do Evangelho; como a sombra que,

    fatalmente, acompanha a luz.

    2) No pretenso nossa vazar a alma do Evangelho em captulos e

    pargrafos filosficos; o que o leitor encontra nas pginas deste livro no o

    principal do assunto; no passa duma ligeira indigitao, como certas flechas

  • ou outros marcos beira da estrada e nas encruzilhadas dos caminhos. O

    viandante que estacionasse diante de uma dessas setas orientadoras e no

    prosseguisse na direo indicada no atingiria jamais o destino da sua jornada,

    nem faria jus ao sentido da seta.

    Ora, o que passaremos a dizer nestas pginas apenas indigitao do

    caminho certo a seguir, mas no apenas indigitao do caminho certo a seguir,

    mas no o prprio andar ou seguimento do caminho. Esse andar ou seguir

    tarefa eminentemente individual de cada leitor.

    A alma do Evangelho uma experincia individual com Deus (que costumamos

    chamar verticalidade), e que, se for genuna, ter necessariamente os seus

    reflexos sobre a vida tica e social do homem (apelidada frequentemente

    horizontalidade). Entretanto, convm no esquecer, nenhuma experincia

    individual do mundo divino transmissvel de pessoa a pessoa. O que o

    iniciado pode e deve fazer indicar ao profano e ao inicivel o caminho certo a

    seguir; mas no pense jamais que possa transferir a seus discpulos a sua

    prpria experincia por mais genuna, intensa e ntida que esta seja. O prprio

    Cristo, em trs longos anos de convivncia com seus discpulos, no conseguiu

    imbu-los da experincia que ele mesmo tinha do Pai celeste e do reino de

    Deus. Esta experincia s lhes veio verticalmente, pelo poder do Alto, na

    manh do Pentecostes.

    Para que algum tenha essa experincia de Deus, tem de crear em si mesmo

    um ambiente propcio, tem de realizar no seu interior uma espcie de

    atmosfera ou clima em que a delicada plantinha desse encontro com o Infinito

    possa brotar e medrar.

    Esse ambiente favorvel consiste essencialmente em dois fatores bsicos: f e

    vida.

    F Deve o homem, antes de tudo, sintonizar com a realidade de um mundo

    invisvel, embora ainda no tenha dele experincia direta. Essa f uma

    espcie de permanente atitude de humildade, sinceridade, receptividade, um

    senso de vacuidade ou nulidade do prprio ego fsico-mental, unido ansiosa

    expectativa e certeza de uma plenitude que lhe possa e deva advir de fora.

    Esse de fora uma locuo provisria, porque, de fato, a plenitude divina no

    vem de fora do homem: vem do mais profundo abismo dentro dele, vem do

    ntimo centro do prprio homem, no desse homem perifrico, fsico-mental,

    que ele conhece habitualmente, mas vem das incgnitas profundezas do seu

    Eu espiritual, divino, que lhe to desconhecido e to longnquo como a

    presena da energia nuclear dentro dum tomo no desintegrado. Para o

    principiante no h mal em que ele pense que a revelao de Deus e o reino

    de Deus lhe venham de fora, das alturas do cu, embora esse cu esteja

    dentro dele e essas alturas sejam as mais profundas profundezas do seu

    prprio ser. Mais dia menos dia, na sua jornada ascensional, esse homem

  • saber no j com surpresa, mas com espontnea naturalidade que esse

    fora o seu grande Alm-de-dentro, a quintessncia da sua prpria alma, o

    seu Cristo interno, o reino de Deus dentro dele, reino esse que ele tem de

    realizar conscientemente em sua vida, clamando sem cessar venha o teu

    reino. Como poderia vir o que no estivesse nele?...

    Vida F vivida! A f nunca passar a ser experincia direta de Deus se ficar

    no terreno meramente intelectual ou terico; indispensvel que ela se

    encarne na vida total do homem, ou, no dizer de Santo Agostinho, que se torne

    fides quae per charitatem operatur (f que atue pelo amor). Quando o homem

    sintoniza toda a sua vida individual e social pelo contedo da sua f, quando

    vive o que cr, como se j possusse experincia direta com Deus, ento essa

    f concretizada em amor universal desabrochar em experincia imediata do

    mundo divino, porque encontrou ambiente e clima propcio ao seu

    desenvolvimento.

    O crente torna-se, ento, um ciente, um sapiente, um vidente.

    J no cr simplesmente sabe!

    Enquanto o homem no tem essa experincia direta da Realidade divina, a

    sua moral difcil e sacrificial, um permanente carregar a cruz. Sintonizar a

    sua vida moral com uma norma apenas crida, mas no vivida como real isto

    imensamente difcil e doloroso, pelos menos em muitos casos, como no

    preceito de amar os inimigos e fazer bem aos que nos fazem mal.

    fora de dvida que essa moral pr-mstica, anterior experincia direta de

    Deus, um teste e uma prova de fogo por que o homem tem de passar, o

    vasto e doloroso deserto que medeia entre o Egito da velha escravido e o

    Cana da futura liberdade; esse Cana para o simples crente um pas

    longnquo, no tempo e no espao, ao passo que o horroroso deserto da sua

    renncia diria um fato cruciantemente propnquo.

    Entretanto, segundo as eternas leis csmicas do esprito, tempo vir em que

    essa moral pr-mstica, difcil, se converter numa tica ps-mstica, fcil.

    Chegar para o crente sincero o dia em que a amarga medicina do duro dever

    moral passar a ser um lauto festim de suave querer espiritual, dia em que ele

    saber por experincia que o jugo suave e seu peso leve, e em que

    poder dizer com o Mestre: O meu manjar cumprir a vontade de meu Pai.

    Quando o homem tiver atingido, atravs de sucessivos estgios evolutivos, as

    sublimes alturas dessa gloriosa liberdade dos filhos de Deus, em que o ser-

    bom o mesmo que ser-feliz, e o ser-feliz interior transborda irresistivelmente

    num ser-bom exterior ento saber ele o que quer dizer Filosofia Csmica

    do Evangelho.

    Mas, que que entendemos por csmico?

  • Csmico sinnimo de univrsico.

    Univrsico, em que sentido?

    Ningum cair na tentao de considerar o Evangelho como um documento

    pr-materialismo. , todavia, opinio assaz generalizada no mundo cristo que

    o Evangelho seja a Carta Magna do maior espiritualismo que j apareceu

    face do nosso planeta. Por espiritualismo entendem esses telogos uma

    doutrina essencialmente alm-nista e visceralmente anti-aqum-nista; o profeta

    de Nazar teria ensinado aos homens a desertarem do mundo a fim de

    possurem o reino dos cus, entendendo pela expresso reino dos cus

    alguma regio distante aps-morte. Houve na igreja crist um perodo clssico

    de ascetismo absoluto e radical, quando ser-cristo era idntico a ser desertor

    do mundo, habitante de cavernas desnudas e inimigo mortal de todas as

    grandezas da civilizao, cultura, cincia, arte e tcnica que a inteligncia

    humana havia engendrado. Alis, atravs de todos os sculos at ao presente

    dia, continua a persistir essa ideologia negativista, correndo paralela a uma

    outra concepo mais positiva do Cristianismo. Ainda nos ltimos tempos, uma

    das mentalidades crists mais sinceras, Leon Tolstoi, caiu vtima desse

    pessimismo.

    Os que advogam essa doutrina espiritualista-asctica-negativa so, em geral

    carteres puros e bem intencionados, cuidando manter o Cristianismo em toda

    a sua original genuinidade, livre de deturpaes e incrustaes mundanas. Na

    verdade, porm, prestam apenas meio servio ao Evangelho, tornando-o

    inaceitvel para a grande parte da humanidade e reduzindo o Cristianismo

    Csmico a uma seita de piedosos ascetas e msticos, ou a uma confraria de

    almas enamoradas do Deus do mundo e inimigas do mundo de Deus.

    O Cristianismo to pouco asctico-espiritualista como epicreo-materialista,

    O Cristianismo essencialmente csmico, isto , universalista, afirmando

    todas as obras de Deus, tanto invisveis e imateriais como visveis e materiais.

    Alis, a prpria vida do Cristo genuinamente csmica, o que lhe mereceu, da

    parte dos espiritualistas ascticos da poca, a alcunha de comilo e bebedor

    de vinho, amigo de publicanos e pecadores; o seu primeiro milagre foi

    realizado por ocasio de uma festa de casamento e consistiu na converso de

    gua em vinho timo. Esse aparente epicurismo do Nazareno, porm, era

    compatvel com a sua profunda espiritualidade mstica, ou melhor, esse

    aqum-nismo humano no era seno das manifestaes do seu alm-nismo

    divino.

    A magnfica frase de Albert Schweitzer O Cristianismo a uma afirmao do

    mundo que passou pela negao do mundo resume lapidarmente o que

    entendemos por Cristianismo csmico.

    Quem afirma o mundo sem o ter negado, materialista e idlatra.

  • Quem nega o mundo sem ter a coragem de o afirmar, asceta espiritualista.

    Quem afirma o mundo depois de o ter negado e continuando a neg-lo,

    internamente, pelo desapego, esse cristo genuno e integral, homem

    csmico.

    O Verbo se fez carne para que a carne se pudesse fazer Verbo...

    O esprito se materializou para que a matria se pudesse espiritualizar...

    O Cristianismo, e a vida de todo cristo, uma permanente encarnao do

    Verbo e uma constante verbificao da carne, uma contnua descenso do

    esprito de Deus ao mundo e uma incessante ascenso do mundo a Deus.

    O Cristianismo, e a vida crist, Natal e Pscoa, encarnao e ressurreio,

    descida do esprito divino para dentro do homem, e subida do homem para o

    esprito de Deus. A manjedoura de Belm e o tmulo vazio do Glgota, a noite

    do nascimento de Jesus e a noite do ressurgimento do Cristo eis a mais

    breve sntese do homem csmico!

    No meio entre esses dois extremos, porm, est a cruz, no apenas como

    smbolo de sofrimento, mas tambm, e sobretudo, como emblema da vida

    universal, abrangendo com suas quatro pontas o norte e o sul, o leste e o

    oeste, a totalidade das coisas que h em todas as alturas e profundezas, em

    todas as latitudes dos horizontes. A cruz o smbolo csmico por excelncia.

    Quem adora o mundo idlatra.

    Quem odeia o mundo desertor.

    Quem ama a Deus no mundo e o mundo em Deus homem csmico, crstico.

    ***

    Sendo, todavia, que o Cristo veio redimir uma humanidade profundamente

    materialista, era natural que ele insistisse muito mais na necessidade de

    recusar do que de usar as coisas do mundo material. Quem est habituado a

    abusar do mundo, como todo pecador, tem de recus-lo radicalmente antes de

    o poder usar corretamente; porquanto, o Cristianismo uma afirmao do

    mundo que passou pela negao do mundo.

    E at ao presente dia muito mais importante proclamar o Evangelho do

    recusar do que o Evangelho do usar, porque o abusar ainda o grande pecado

    original desta humanidade profana. at perigoso recomendar a um abusador

    do mundo que use esse mundo, porque ele confundir fatalmente o uso correto

    com o abuso incorreto a que est habituado; e o seu complacente egosmo

    facilmente lhe far crer que um homem csmico, quando no saiu ainda das

    baixadas do homem telrico.

  • Isto, todavia, no invalida a nossa tese de que o Cristianismo , em sua ntima

    essncia, a religio do uso, ou seja, da afirmao do mundo naturalmente

    para os que j se libertaram da velha escravido do abuso das coisas

    materiais.

    mais fcil recusar radicalmente o mundo do que us-lo corretamente. S

    quem perito no recusar que pode ser mestre no usar. O homem csmico

    tem de passar pela escola asctica da disciplina espiritual, a fim de atingir a

    gloriosa liberdade dos filhos de Deus.

    esta a Filosofia Csmica do Evangelho.

  • NO SABEIS QUE DEVO ESTAR NAS

    COISAS QUE SO DE MEU PAI?

    So estas as primeiras palavras que de Jesus sabemos. E so palavras de

    intensa conscincia csmica da parte de um menino de 12 anos!

    Ser eterno mistrio para ns, onde, quando e como Jesus alcanou esse

    estado de avanada conscincia espiritual; aos doze anos, possui ele uma

    noo do reino de Deus muito maior que o mais espiritual dos homens possui

    no fim da sua vida terrestre.

    Os venerandos mestres espirituais de Israel, encanecidos no estudo dos livros

    sacros, tornam-se subitamente discpulos de uma criana que nunca

    frequentou escola nem teve mestres humanos.

    O homem profano pensa que o iniciado, o homem crstico, tenha descoberto

    Deus em alguma parte do universo ou dentro de si mesmo; que Deus lhe tenha

    aparecido subitamente, por assim dizer, numa volta do caminho ou por detrs

    de algum rochedo do deserto. engano! O homem dotado de intuio

    espiritual no descobre Deus em parte alguma do universo nem dentro de si

    mesmo ele faz a grandiosa descoberta de que no h nada fora de Deus;

    que Deus a nica Realidade, o Um e o Todo do mundo; que Deus o oceano

    nico debaixo da pluralidade das ondas, a luz incolor dentro de todas as luzes

    coloridas do prisma csmico; que Deus a grande Causa nica em todos os

    pequenos efeitos, o eterno Nmero em todos os fenmenos transitrios;

    descobre que h um s Ser no meio dos muitos existires, que Deus a

    Essncia Universal e nica em todas as existncias individuais.

    Dizem os inexperientes que isto pantesmo, e que ningum deve ser

    pantesta.

    Coisa estranha! Os homens como inquilinos dum jardim de infncia

    inventam fantasmas e depois tm medo dos fantasmas por eles mesmos

    engendrados. Um desses temerosos fantasmas chama-se pantesmo.

    Se por pantesmo se entende que toda e qualquer coisa finita seja idntica a

    Deus, sem distino alguma, claro que essa espcie de pantesmo um

    atentado lgica e uma negao dos fatos objetivos. Mas se por pantesmo se

    entende que Deus est em tudo e tudo est em Deus (panentesmo ou

    monismo), que Deus a ntima essncia de todas as coisas e que estas no

  • so seno outras manifestaes da nica Realidade Deus neste caso,

    pantesmo expresso da verdade objetiva, por menos que os profanos

    compreendam esta verdade.

    Quando Jesus afirma que ele e o Pai so um; que as obras que ele faz no so

    dele, mas sim do Pai que nele est; e quando Paulo de Tarso diz que j no

    ele que vive, mas que o Cristo que nele vive no h dvida alguma de que

    h em tudo isto uma afirmao de pantesmo, no sentido razovel acima

    exposto.

    Logo depois de ter dito eu e o Pai somos um, acrescenta o Mestre; Mas o

    Pai maior do que eu; por onde se v que o pantesmo de Jesus idntico

    ao Cristianismo genuno e esclarecido, em que pese s teologias dualistas do

    ocidente.

    Desde a sua infncia sabia Jesus que a sua misso peculiar, aqui na terra, era

    estar nas coisas de seu Pai, e que s assim que ele podia realizar

    eficientemente as coisas que so dos homens.

    Ningum pode exercer efeito real e benfico sobre as coisas do plano

    horizontal se no se identificar primeiro com o esprito da linha vertical. S uma

    tica nascida da mstica que pode redimir o homem de todas as suas

    irredenes.

    S uma profunda solido com Deus produz e mantm verdadeira solidariedade

    com os homens. Ningum pode ser eticamente solidrio sem ser misticamente

    solitrio.

    O homem espiritual no atua tanto pelo que diz e faz como pelo que .

    Estar nas coisas do Pai celeste ser algum, ter realizado o seu verdadeiro e

    eterno Eu todo o resto deriva como simples e espontneo corolrio dessa

    verdade fundamental.

    Ser algum muito mais importante do que fazer algo.

    S quem, por dentro, s de Deus, pode ser, por fora, de todas as creaturas

    de Deus.

  • FOI CRESCENDO EM SABEDORIA E GRAA

    PERANTE DEUS E OS HOMENS

    Esta nica frase de Mestre Lucas resume dezoito anos da vida de Jesus, mais

    da metade da sua vivncia terrestre.

    Muito se tem fantasiado sobre esses dezoito anos de silncio dos Evangelhos.

    No provvel que Jesus tenha abandonado a Palestina e visitado outras

    terras Egito, ndia, Prsia, Tibete para aprender ou para ensinar. Os

    nazarenos nada sabem dessa suposta ausncia do jovem carpinteiro; viam-no

    todos os dias e estranham a sua sabedoria superior; pois, se nem frequentara

    escola...

    S aos 30 anos comea Jesus a revelar-se como um profeta e iniciado.

    Quem o iniciou nos mistrios do Reino dos Cus? Quem foi o seu guru?

    O Nazareno um verdadeiro auto-iniciado. Pelo menos, nada sabemos nada

    sabemos duma alo-iniciao, como de praxe no Oriente.

    Auto-iniciado cosmo-iniciado cosmo-iniciado, Cristo-iniciado, Teo-iniciado.

    provvel que, nesses 18 anos de silncio e solido nas montanhas da

    Galileia o jovem carpinteiro tenha realizado a sua auto-iniciao. A profisso do

    seu ego humano era a de carpinteiro, mas a vocao do seu Eu divino era

    outra. Certamente, o Verbo no se fizera carne para ser carpinteiro, mas para

    realizar alguma misso csmica aqui no planeta terra.

    Que tarefa era essa?

    Era a tarefa magna de cristificar plenamente uma creatura humana, de elevar

    mais alta perfeio um ser humano, Jesus de Nazar. Alis, ele mesmo que

    afirma aos discpulos de Emas que viera terra para entrar em sua glria. E a

    epstola aos hebreus descreve a evoluo ascensional do Jesus humano rumo

    ao Cristo divino.

    Muitos dos nossos telogos dogmticos no simpatizam com essa ideia da

    evoluo de Jesus, tanto mais que confundem a pessoa humana do Nazareno

    com a entidade divina do Cristo. E o Cristo, dizem eles, no podia evolver,

    porque era Deus, e Deus imutvel.

  • At neste ponto esto as nossas teologias em erro. Segundo os livros sacros,

    houve evoluo tanto na pessoa humana de Jesus, como tambm na entidade

    divina do Cristo.

    Mas, se o Cristo Deus?

    O Cristo Deus, mas no a Divindade. Ele mesmo insiste nesta diferena

    entre o Cristo-Deus e o Pai-Divindade: Eu e o Pai somos um, mas o Pai

    maior do que eu. A Divindade maior que Deus.

    Paulo de Tarso afirma que o Cristo o primognito de todas as creaturas;

    logo, creatura, e toda a creatura evolvvel.

    Tambm, ns os homens somos deuses.

    A encarnao do Cristo csmico na pessoa humana de Jesus de Nazar no

    visava apenas a sublimao mxima de uma creatura humana, mas tambm

    evoluo do prprio Cristo. Mais uma vez teve Paulo de Tarso um momento de

    suprema inspirao, quando escrevia aos cristos de Filipes: Ele (o Cristo),

    que estava na glria de Deus, no julgou dever agarrar-se a essa divina

    igualdade; mas esvaziou-se dos esplendores da Divindade e se revestiu de

    forma humana, aparecendo, por fora, como homem, servo, vtima, crucificado.

    E por isto, Deus o exaltou e lhe deu um nome que est acima de todos os

    nomes, de maneira que em nome de Jesus se dobram todos os joelhos dos

    celestes, dos terrestres e dos infra-terrestres, e todos confessam que o Cristo

    o senhor.

    Que isto seno Cristo-evoluo?

    A voluntria infra-cristificao aparente produziu uma super-cristificao

    verdadeira.

    Esta voluntria antidromia rumo s profundezas produziu uma subida s

    alturas, o Cristo pr-encarnado se tornou um super-Cristo ps-encarnado.

    Paulo, que escreveu as suas epstolas em grego, gosta de duas palavras

    sonoras: plroma e knoma, isto , plenitude e vacuidade. O Cristo desceu do

    plroma csmico para dentro do knoma telrico; e daqui regressou a uma

    plenitude maior do que antes, a uma super-plenitude.

    este o grandioso paradoxo do mundo superior; quando o homem sacrifica

    voluntariamente a sua liberdade e se escraviza por amor, ento eleva ele ao

    supremo znite a sua liberdade. O homem plenamente livre s depois de se

    tornar voluntariamente escravo por amor.

    Se o Cristo fosse a Divindade, no teria sido possvel essa evoluo. Mas,

    como o Cristo Deus, o primognito de todas as creaturas, nada h de

    paradoxal nesta evoluo.

  • Os nossos telogos tm de superar as suas velhas interpretaes analticas e

    abrir-se grande viso intuitiva do Evangelho e dos livros inspirados.

    E Jesus foi crescendo em sabedoria e graa perante Deus e os homens.

  • FOI JESUS LEVADO PELO ESPRITO AO

    DESERTO PARA SER TENTADO PELO DIABO

    O episdio da tentao de Jesus representa um znite e um nadir na histria

    da humanidade. Um znite, isto , um ponto culminante, quando compreendido

    segundo o seu simbolizado espiritual e csmico um nadir, uma cena ridcula,

    quando interpretada apenas segundo os seus smbolos materiais. Nunca foi to

    verdadeiro o conhecido dito do apstolo Paulo tangente interpretao dos

    livros inspirados: A letra mata mas o esprito d vida.

    Fui perguntado, um dia, se o diabo, quando tentava Jesus no deserto da

    Judia, estava fora do inferno, dessa imensa fogueira em que Deus o

    precipitara. Respondi ao ingnuo consulente que, nessa ocasio, estava o

    diabo com uns dias de frias e aproveitou o ensejo para se entrevistar com o

    misterioso eremita, do qual, poucas semanas antes, fora dito, s margens do

    Jordo, que ele era o filho de Deus. Mas o meu consulente percebeu a

    pilhria e insistiu em uma resposta real. Ao que lhe tornei que o diabo nunca

    estivera no inferno, mas que o inferno estava dentro dele, tambm durante

    essa histrica entrevista com Jesus no deserto.

    Provavelmente, a maior parte dos meus leitores de hoje compreender to

    pouco essa resposta como aquele meu ingnuo interlocutor. Segundo as

    nossas teologias correntes, o diabo um determinado indivduo que habita no

    fogo eterno; mas que, apesar disto ningum sabe segundo que espcie de

    lgica! excursiona constantemente pelo mundo da humanidade a fim de

    recrutar adeptos para o seu reino. Os mais ignorantes chegam ao ponto de

    identificar esse orgulhoso esprito com aquelas entidades primitivas e covardes

    que o Evangelho chama demnios ou espritos impuros.

    Entretanto, segundo o texto do Gnesis, espiritualmente compreendido, como

    tambm luz do Evangelho, o diabo tambm chamado Satan ou Belzebu

    no um determinado indivduo, mas sim uma mentalidade, um modo de

    pensar, sentir e agir. Simo Pedro, o pescador galileu, chamado Satan,

    palavra hebraica que significa adversrio, coincidindo com seu equivalente

    grego Diabolos, isto , opositor. Judas Iscariotes era diabo, embora esse

    discpulo de Jesus continuasse a ser o mesmo indivduo humano que dantes

    fora.

    Judas, era diabo porque no tinha f nas palavras de Jesus.

  • Por que so Pedro e Judas chamados Satan ou diabo? Porque o seu modo

    de pensar e agir era, na frase de Jesus relativamente a Pedro, segundo o

    homem, e no segundo Deus; uma vez que o pescador galileu se opunha

    ideia do sofrimento redentor do Cristo. Nenhum egosta simpatiza com o

    sofrimento; mas o altrusta, o homem penetrado de compreenso e amor

    universal, aceita espontaneamente qualquer sofrimento.

    Quer dizer que esses indivduos humanos no se deixaram guiar pelo elemento

    divino dentro deles, pelo esprito, pelo Cristo interno, pelo divino Lgos que

    ilumina a todo homem que vem a este mundo e d queles que o recebem o

    poder de se tornarem filhos de Deus. E por esta razo que esses homens

    so chamados diabo ou Satan, embora continuassem a ser esses mesmos

    indivduos humanos.

    A mentalidade egostica e anti-espiritual de Satan pode apoderar-se de todo e

    qualquer indivduo consciente e livre, humano ou anglico. Por isto, Satan

    pode aparecer tanto em forma de homem como de anjo. Todo homem e todo

    anjo pode satanizar-se, e pode tambm des-satanizar-se, conforme o uso

    ou abuso da sua liberdade.

    A parte fsico-mental do homem, o seu ego sensorial e intelectivo,

    essencialmente egosta, e, portanto, pecador. O que peca no a alma, esse

    sopro de Deus; o que peca a inteligncia associada aos sentidos. A

    inteligncia tambm chamada lcifer, isto , porta-luz, mas no a luz.

    Enquanto a inteligncia no se ope razo (esprito, alma), ela no Satan,

    diabo, mas to somente lcifer; s quando o intelecto se ope razo, ao

    divino Lgos, ao Cristo, que ele se torna Satan (adversrio) ou diabo

    (opositor).

    ***

    Acabava Jesus de jejuar e orar durante 40 dias e 40 noites, no deserto, e

    dispunha-se a iniciar publicamente a sua obra redentora.

    Redeno? que isto? Em que consiste? Como se realiza?

    Redimir quer dizer resgatar, libertar.

    De que modo ia Jesus redimir a humanidade? De que ia ele libertar o homem?

    Do Satan do egosmo fsico-mental, base e origem de todos os pecados.

    A fim de libertar o homem desse Satan do egosmo, era necessrio invocar um

    poder superior, ou melhor, evocar das profundezas do prprio homem uma

    fora maior que esse prprio egosmo, um poder que esmagasse a cabaa da

    serpente, segundo as palavras do Gnesis; era necessrio erguer s alturas, a

    serpente gnea que infligia mordeduras mortferas ao homem. Quando essa

  • mesma serpente rastejante e mortfera fosse sublimada s alturas do esprito

    crstico, nasceria vida e sade da prpria serpente, como insinua

    misteriosamente o prprio Cristo.

    Dispunha-se, pois, Jesus a mostrar humanidade o caminho da redeno, isto

    , a abolio do egosmo fsico-mental creado pelo Satan intelectual, e a

    proclamao do amor universal, baseado na razo espiritual do Cristo interno

    de cada homem. Em Jesus, esse Cristo estava plenamente acordado e cnscio

    da sua identidade com o Pai, ao passo que nos outros homens esse Cristo

    continuava a dormir o sono da ignorncia e do aparente dualismo separatista

    entre Deus e o homem.

    Neste momento surge nos caminhos do Nazareno o tentador. Estabelece-se

    a grande tentao, ou tenso, entre as duas maiores potncias sobre a face

    da terra: o intelecto e a razo, Lcifer versus Lgos, Satan, o anticristo em

    conflito com o Cristo. E at ao presente dia no foi solvida essa tenso; as

    relaes entre o Lcifer do intelecto e o Lgos da razo continuam tensas, e

    at hoje, Satan est levando vantagem sobre o Cristo: a humanidade continua

    a guiar-se antes pelo intelecto egosta do que pela razo altrusta. Nada de

    redeno!...

    O episdio da tentao no deserto o maior drama que j se desenrolou no

    cenrio csmico da humanidade, aps o primeiro ato desse mesmo drama

    descrito simbolicamente nas primeiras pginas do Gnesis.

    de per si indiferente decidirmos se esse drama teve uma projeo externa,

    no plano objetivo do mundo material ou se se realizou simplesmente no

    mundo interno do Cristo, uma vez que esse mundo interno infinitamente mais

    real do que todos os mundos externos. Em qualquer hiptese, a projeo

    desse drama interno entre Lcifer e Lgos no cenrio externo nada de real

    acrescentaria ao fato, assim como as sombras projetadas por um corpo no

    adicionam novo elemento realidade desse corpo. O real o simbolizado o

    pseudo-real o smbolo. O certo que entraram em conflito em Jesus como

    entram em conflito na alma de cada um de seus discpulos as duas maiores

    potncias sobre a face da terra: o intelecto e a razo, Satan e Cristo, o

    egosmo e o amor.

    Trata-se do problema central da humanidade, e de todos os outros seres

    conscientes e livres; trata-se do problema mximo de decidir em que consiste a

    redeno do homem: se o homem pode redimir-se a si mesmo pela luz da sua

    inteligncia humana ou se deve ser redimido pelo poder do esprito divino,

    pelo Cristo que nele habita.

    ***

  • Atravs de trs estgios, dramaticamente descritos pelo Evangelho, se

    desenrola esse duelo entre o Satan do Intelecto egosta e o Cristo da Razo

    espiritual.

    O Intelecto satanizado est convencido de que a redeno do homem consiste

    unicamente na potencializao mxima das luzes e foras intelectuais; que o

    homem pode redimir-se a si mesmo e por si mesmo pela cincia e tcnica

    elevadas ao mais alto grau, ao ponto de isentarem o homem de todos os males

    e cumularem-no de todos os prazeres da vida terrestre. Redeno , para o

    intelecto, essencial e unicamente, uma questo de bem-estar no aqum, sem

    nenhuma relao com um possvel mundo no alm.

    Se tu s filho de Deus, diz cautelosamente o Intelecto satanizado Razo

    crstica manda que estas pedras se convertam em po. Redeno, segundo

    a filosofia intelectualista consiste no conforto mximo da vida material; se o

    homem chegar a conquistar o maravilhoso poder de converter pedras em po,

    sem nenhum esforo fsico, mas to-somente pelo poder mgico das foras

    mentais, ele um redento e pode ser um redentor para seus semelhantes,

    irredentos, ensinando-lhes a magia de crear o conforto universal da vida

    terrestre; a plenitude do estmago, a plena satisfao dos sentidos eis o que

    para o Intelecto divorciado da Razo a redeno do homem!

    Nem s de po vive o homem replica o Lgos mas tambm de toda a

    palavra que sai da boca de Deus. Nem s de matria fsica, mas tambm de

    energias espirituais vive o homem, porquanto a essncia de todas as coisas

    esprito; a matria apenas um derivado do esprito. Este autnomo, aquela

    heternoma. O esprito causa, a matria causada. O homem, no seu

    estgio de filho prdigo e pastor de sunos, julgava poder fartar-se com as

    grosseiras vagens que os porcos comiam, mas verificou que era iluso, que

    nem s de alimento material podia ele viver e foi em busca da iguaria

    espiritual.

    O tentador, evidentemente, ainda no ultrapassou esse estgio primitivo do

    filho prdigo, e pretende convencer Jesus de que isto que ser filho de

    Deus; viver com fartura nesse horizontalismo material.

    Derrotado nesse terreno primitivo do materialismo crasso, o Intelecto satnico

    muda de ttica e passa a tentar a Razo crstica com a miragem da magia

    mental, sugerindo a Jesus a ideia de se jogar do alto pinculo do templo ao

    trio do santurio, vista de grande multido de devotos, a fim de ser por eles

    aplaudido como um heri descido do cu e miraculosamente preservado ileso.

    Essa acrobacia de magia mental, esse faquirismo exibicionista, a servio da

    vaidade pessoal, que o tentador considera como redeno e os seus

    discpulos so legio...

  • O Cristo, porm, no aceita esse conceito de redeno, que no passa de

    outra forma de egosmo engendrado pelo Satan do Intelecto.

    Derrotado em duas investidas, passa o Intelecto terceira e mais alta esfera

    dos seus domnios: tenta o Cristo com a suprema fascinao da ambio, do

    poder poltico, da inebriante nsia da autoridade sobre todos os reinos do

    mundo e sua glria. Afirma o tentador que tudo isto dele e que ele o d a

    quem entende afirmao essa perfeitamente exata quando se sabe que a

    Inteligncia que est falando, ela, que de fato creou todas as maravilhas da

    cincia e tcnica, e, no raro, as oferece como preo da apostasia do Cristo e

    da deificao de Lcifer.

    E, nestas alturas, o tentador pe uma condio precisa e definida, que revela a

    sua ntima natureza: Tudo isto te darei se, prostrando-te em terra, me

    adorares. O Intelecto satanizado vive eternamente obsessionado pela ideia de

    ele ser Deus, a suprema e ltima realidade do Universo; o seu credo Eu sou

    o senhor teu deus, e no ters deuses alheios ao lado de mim.

    este o pecado dos pecados, o pecado supremo e mximo: a autodeificao

    do Intelecto, a audcia satnica de querer usurpar o trono da Divindade e

    sentar-se no templo de Deus como sendo Deus.

    O Intelecto exige que a Razo o adore!

    Lcifer satanizado no reconhece o Cristo como seu senhor e soberano; exige

    dele que se prostre em terra, que se reduza a adorador da Inteligncia

    anticrstica e antidivina!

    Vai para trs, Satan! (em grego: hypage, submete-te, vai em segundo lugar)

    a resposta categrica de Jesus porque est escrito: S a Deus adorars, e

    s a ele servirs!

    A razo divina do Cristo d ordem ao Intelecto de Satan para se submeter,

    ocupar o lugar que lhe compete, no na vanguarda do esprito, mas na

    retaguarda do mesmo, no como mandante, mas como servente.

    Satan no atendeu ao convite do Cristo de se tornar discpulo dele. Outras

    Inteligncias, porm, apareceram no cenrio, os anjos, e executaram a

    ordem, servindo a Jesus, consoante a reta ordem das coisas.

    O tentador, ao que sabemos, continua na sua impenitncia anticrstica,

    procurando redeno pelo egosmo aureolado de todos os fulgores da

    inteligncia. E os seus sequazes so legio, aqui na terra e qui em outros

    mundos do universo.

    S quando a Inteligncia humana se associar s Inteligncias anglicas e,

    espontaneamente, servir ao divino Lgos s ento terminar a dolorosa

  • tenso e tentao e despontar sobre a face da terra o reino da Verdade, da

    paz e da Felicidade...

  • QUEM NO NASCER DE NOVO PELO

    ESPRITO NO PODE VER O REINO DE DEUS

    Altas horas da noite.

    Algum bate porta da casa onde Jesus est hospedado, em Jerusalm.

    Entra um venerando rabino da sinagoga de Israel, embuado no seu manto,

    com medo de ser reconhecido por seus colegas, que no simpatizavam com

    Jesus.

    E inicia-se, entre o profeta de Nazar e o rabi de Israel, aquele misterioso

    dilogo noturno sobre o renascimento espiritual.

    Nicodemos, o visitante, no viera propriamente para ouvir tal coisa. O seu

    objetivo era outro. Estava impressionado com os prodgios que Jesus realizava

    no meio do povo. Por isto, abre a sua consulta com as palavras:

    Mestre, ns sabemos que vieste da parte de Deus para ensinar, porque

    ningum pode fazer os prodgios que tu fazes a no ser que Deus esteja com

    ele.

    Ns sabemos ns, quem? Ele mesmo, mais outros rabinos?

    Mestre esta primeira palavra de Nicodemos revela que viera como

    discpulo, embora tambm ele fosse mestre em Israel, e Jesus, oficialmente,

    no era rabi, como consulente, que, humildemente se senta como discpulo aos

    ps de um verdadeiro mestre, que, talvez tivesse apenas metade da idade do

    encanecido discpulo.

    Mas, no obstante essa humildade, Nicodemos se move ainda no plano

    horizontal do fazer algo; parece nada saber ainda da ignota vertical do ser

    algum, essa nova dimenso em que se mover todo esse colquio noturno.

    Prodgios, milagres, fenmenos isto que impressiona Nicodemos, como

    impressiona sempre os homens-ego, mesmo os de boa vontade. Fazer algo,

    dizer algo, ter algo...

    Jesus, porm, no reage com uma s palavra a essa mania fenomenolgica do

    visitante. Silenciosamente, passa a conversa para outra dimenso. E inicia a

    sua resposta com um duplo amen, como todas as vezes que procura dar

    grande nfase a suas palavras:

  • Em verdade, em verdade (amen, amen) te digo: quem no nascer de novo

    pelo esprito no pode ver o reino de Deus.

    Nascer de novo? Nicodemos acha to impossvel esse processo de

    renascimento que reage com uma pergunta meio pilhrica:

    Como pode um homem nascer de novo, quando velho? Ser que pode outra

    vez entrar no ventre de sua me e tornar a nascer?

    Evidentemente, Nicodemos s pensa em renascimento material, numa

    reencarnao fsica. O Nazareno no nega a possibilidade desse fato, mas no

    est interessado em fatos, e sim em valores. Pensa como, sculos mais tarde,

    escreveu Einstein: Do mundo dos fatos no conduz nenhum caminho para o

    mundo dos valores; porque estes vm de outra regio. Que adiantaria se o

    homem reencarnasse fisicamente, 10, 20, 100 vezes? Seria apenas um

    acontecimento objetivo, produzido por outras pessoas, homem e mulher, mas

    no seria uma creao de valores subjetivos, nica condio vlida para ver o

    reino de Deus. Fatos fsicos no interessam a Jesus, somente valores

    metafsicos. O reino de Deus no algo que acontea ao homem, por obra e

    merc de terceiros algo que ele mesmo produz de dentro de si, pelo poder

    do livre-arbtrio, pela ntima substncia do seu ser, e no algo que lhe

    acontea pelas circunstncias da natureza ou dos outros homens. O reino de

    Deus uma autntica creao do Eu espiritual, e no uma fortuita produo de

    egos alheios.

    O rabino mergulha num longo silncio, afagando pensativamente a sua barba

    branca, por fim murmura: Como pode ser isto?...

    Responde-lhe o Nazareno:

    Como? Tu s mestre em Israel e ignoras isto?

    Que que um mestre espiritual deve ensinar seno o caminho para esse

    nascimento espiritual? E como pode ele mostrar o caminho aos outros, se ele

    mesmo o ignora? E Jesus repete, com grande nfase o que dissera,

    acrescentando mais uma palavrinha:

    Em verdade, em verdade te digo: Quem no renascer pela gua e pelo

    esprito, no pode entrar no reino de Deus.

    to misterioso esse binmio gua e esprito que desafiou a argcia de

    quase dois milnios. E os telogos de quase todas as igrejas crists

    concordaram na interpretao de que Jesus se referia ao batismo feito com

    gua e com uma frmula sacramental. O espiritismo entende pela palavra

    gua o lquido que envolve o corpo do nascituro, relacionando as palavras do

    mestre com um renascimento fsico.

  • Em tempos antigos, na Grcia, era a gua considerada como a matria-prima

    de todos os elementos fsicos, que constituem o mundo e o nosso corpo. E,

    como o homem integral bipolar, alma e corpo, o renascimento pela gua e

    pelo esprito significa o renascimento do homem total, a transformao do seu

    Eu espiritual e do seu ego material, transformao essa operada no por

    agentes alheios ao seu ser individual, mas por sua prpria individualidade, pela

    onipotncia do seu livre-arbtrio, pelo despertamento do seu Cristo interno.

    Esse despertamento no depende da matria, mas sim do esprito; quer o

    homem tenha corpo material quer no, o seu livre-arbtrio pode realizar esse

    renascimento pela gua e pelo esprito, aqui na terra ou em qualquer outra

    morada da casa do Pai celeste, em qualquer outra zona do Universo.

    Enquanto Jesus e Nicodemos estavam submersos num profundo silncio,

    sentados na varanda da casa, passou uma ligeira brisa pelos leques duma

    palmeira defronte varanda, e ouviu-se ligeiro sussurro. E o Nazareno,

    contemplando as flabelas da palmeira, disse, vagarosamente:

    O sopro sopra onde quer; bem lhe ouves a voz, mas no sabes donde vem

    nem para onde vai. Assim, tambm acontece com todo o homem que nasceu

    pelo esprito.

    Tanto no original grego como na traduo latina, h um jogo de palavras que

    poucas tradues reproduzem. Sopro e esprito so sinnimos, e tm o mesmo

    radical. Em grego pneuma pnei, em latim spiritus spirat. Procuramos imitar

    esse jogo em portugus, traduzindo sopro sopra. Na parte do smbolo Jesus se

    refere ao sopro ou vento material que agita as folhas da palmeira e produz

    ligeiro rudo; v-se o movimento, e ouve-se o rudo, mas no se percebe a

    causa invisvel desses efeitos visveis. Na segunda parte da alegoria, Jesus se

    refere ao simbolizado, fazendo ver que a causa do nascimento espiritual do

    homem to misteriosa como a do movimento e do rudo da palmeira;

    ningum sabe da origem desse renascimento, nem sabe o fim do mesmo;

    ningum sabe porque um homem renasce pelo esprito, e ningum sabe de

    que capaz esse homem; para ele so possveis as coisas mais impossveis

    ele capaz at de fazer bem aos que lhe fazem mal, e amar aqueles que o

    odeiam. Ningum sabe donde vem esse sopro espiritual e para onde vai esse

    sopro... Visvel a tica do homem que sentiu o sopro da mstica mas que

    esse sopro mstico? Donde vem? Para onde vai?...

    Quando Nicodemos se retirou era meia-noite passada.

    Mas nos horizontes da sua alma clareava um novo dia; ainda agora, tnue luz

    de alvorada; mais tarde, o znite do sol meridiano. Trs anos mais tarde

    reencontramos esse tmido rabino transformado em corajoso discpulo do

    Mestre divino. Esse mesmo Nicodemos que, nesta noite, tinha medo de ser

    discpulo do Nazareno, ainda alvo de admirao, mais tarde, no Calvrio, tem a

    coragem de se professar publicamente amigo do crucificado, de um homem

  • execrado como blasfemo pela autoridade religiosa de Israel, e sentenciado

    como um criminoso pela autoridade civil do Imprio Romano.

    Realmente, o sopro sopra onde quer... No se sabe donde vem nem para onde

    vai...

    Houve um renascimento espiritual, sem que interviesse nenhum renascimento

    material. Esse renascimento comeou nas trevas da noite, em Jerusalm, e

    culminou em plena luz meridiana, nas alturas do Glgota, onde reaparece

    Nicodemos e se oferece para sepultar condignamente o corpo do crucificado.

    O sopro sopra onde quer...

  • DESTRU ESTE TEMPLO E EM TRS

    DIAS O REEDIFICAREI

    H um teste infalvel para saber em que plano de evoluo se acha um

    homem: s verificar a atitude que ele toma em face de seu corpo, como o

    trata ou maltrata.

    O homem espiritualmente analfabeto adora o seu corpo como seu Deus.

    O homem semi-espiritualizado e asceta odeia e maltrata o seu corpo.

    O homem plenamente espiritual, o homem csmico, no adora nem odeia seu

    corpo, mas respeita-o, mantm-no em perfeita integridade e funcionamento,

    como veculo e maravilhoso instrumento para a sua evoluo superior.

    H trs classes de bens externos: os bens de fortuna, o corpo, e o intelecto. A

    inteligncia por demais desconhecida s massas para poderem dela fazer o

    seu Deus e Soberano; isto privilgio de alguns cientistas. Os bens de fortuna

    esto fora do homem, sem contato direto e sensvel com o seu ser vivo. Mas o

    corpo dos trs bens externos o mais conhecido e o que est em imediato

    contato com cada um de ns, ao ponto de muitos identificarem o seu Eu com o

    seu corpo e suas sensaes.

    Por isto, essa atitude em face do corpo o melhor teste para se saber da

    evoluo de um homem.

    Jesus nos deixou, no Evangelho, um episdio maravilhoso neste plano.

    ***

    Aps a purificao do templo de Jerusalm, Jesus interpelado pelos chefes

    espirituais, que querem saber em virtude de que autoridade tem ele o direito de

    fazer o que fizera. E Jesus lhes responde: Destru este templo, e em trs dias

    o reedificarei! Ao que os chefes espirituais replicam: Quarenta e seis anos

    levou a construo deste templo, e tu pretendes reconstru-lo em trs dias?

    Acrescenta o evangelista: Jesus, porm, falava do templo de seu corpo, e,

    depois da ressurreio, os seus discpulos se lembraram disto.

    Em todas as escrituras sacras o corpo humano chamado templo de Deus,

    templo do esprito santo (universal), habitculo da divindade.

  • Deus, certo, est em toda a parte; a sua onipresena absoluta, universal,

    ilimitada. Mas, h certos pontos onde essa onipresente imanncia de Deus se

    torna mais perceptvel a ns, s nossas faculdades sensitiva e intelectiva

    assim como a vida universal do cosmos se torna mais perceptvel em

    determinados focos vitais, como plantas, insetos, animais.

    possvel destruir um veculo de vida, algum organismo vegetal ou animal,

    mas no possvel destruir a Vida, que essencialmente imortal e universal.

    Matar no quer dizer destruir a vida; quer dizer desligar do oceano da vida

    universal este ou aquele pequeno veculo individual. A destruio do veculo

    torna esse veculo inapto de servir como veculo ou porta-vida, mas no

    aniquila a vida por ele manifestada. Morre o veculo, mas continua a viver o

    veiculado. Morre o contenedor, continua a viver o contido, ou contedo. Se a

    vida csmica fosse a soma total dos seus veculos individuais, a destruio

    deste equivaleria destruio daquela o que absurdo e ilgico. Ningum

    pode destruir a Vida, s pode destruir os veculos vitais.

    O homem comum pode desligar dos seus veculos a vida universal (matar),

    mas no pode religar esses veculos com a vida universal (ressuscitar). Essa

    impossibilidade de reatarmos com o imenso oceano da vida universal o seu

    pequeno veculo individual, o organismo, provm da nossa fraqueza e

    imperfeio. No estgio atual da nossa evoluo s podemos desatar, mas no

    reatar o vnculo entre o veculo vital e o Oceano da Vida. No temos poder

    sobre a Vida Universal, s temos poder sobre os pequenos veculos vitais. Se

    tivssemos o poder de religar, como temos poder de desligar, poderamos dizer

    com Jesus: Eu deponho a minha vida quando quero, e retomo a minha vida

    quando quero; ou ainda: Destru este templo (do meu corpo), e em trs dias o

    reedificarei.

    Destruir o templo de Deus, o corpo, no o mesmo que destruir o esprito

    universal, o arquiteto, que construiu esse templo, em que habita.

    A destruio um ato negativo, passivo a construo um ato positivo, ativo.

    A construo um sim, uma presena a destruio um no, uma ausncia.

    Construir acender uma luz destruir apagar essa luz e chamar as trevas.

    Para negar ou apagar serve qualquer agente negativo para afirmar, acender,

    requer-se um fator positivo.

    ***

    No parece estranho que Jesus apresente como argumento da sua autoridade

    divina de purificar o templo de Jerusalm o fato de ele ser senhor e soberano

    do templo de seu corpo?

  • evidente que ele estabelece um paralelo entre o templo material de

    Jerusalm e o templo orgnico do seu corpo. Para reunir e argamassar as

    pedras daquele santurio morto foram necessrios 46 anos para organizar as

    clulas deste santurio vivo foram necessrios poucos meses.

    O templo de Jerusalm foi construdo pelo Deus do Universo externo, atravs

    de mos humanas o templo do corpo humano construdo pelo Deus do

    Universo interno, mediante as foras biolgicas do prprio organismo. Mas as

    leis do macrocosmo de fora e as do microcosmo de dentro so as mesmas,

    porque so as leis de Deus, do arquiteto do cosmos e do arquiteto do corpo.

    A profanao do templo quer de pedras inertes, quer de clulas vivas um

    crime, em qualquer hiptese. Abusar do templo de Deus para fins alheios ou

    contrrios ao culto divino um sacrilgio.

    O templo de Jerusalm estava reduzido a uma praa de mercado, como diz

    um evangelista, ou, como diz outro, a um covil de ladres, quando a

    verdadeira finalidade dele era a de ser uma casa de orao.

    Praa de mercado e covil de ladres a mesma coisa, na linguagem de

    Jesus, porque tanto uma como outro um sacrilgio, uma profanao do

    santurio da divindade, que s deve ser uma casa de orao, um centro de

    culto divino. Servir-se do templo para adquirir e aumentar quantidades de

    matria morta ou de carne viva dinheiro ou animais desvirtuar a finalidade

    do templo de Deus.

    O templo de Jerusalm era casa de orao e tambm o templo do corpo

    humano casa de orao, lugar de culto divino. Conservando o corpo puro e

    sadio, como o de Jesus, devidamente disciplinado e harmonizado em todas as

    suas funes, uma sagrada liturgia, um ato de culto religioso. Todas as

    clulas do corpo, todas as gotas de sangue, todas as vibraes dos nervos,

    todos os sentimentos, pensamentos e desejos, devem formar uma grande

    orquestra, uma sinfonia csmica, para louvar e adorar a Deus, arquiteto e

    habitante desse santurio vivo.

    O templo do corpo profanado com toda e qualquer atividade que no lhe seja

    natural; por um modo de vida ou alimentao contrrios sua ntima natureza;

    por um modo de sentir, pensar ou desejar em desarmonia com a sua

    verdadeira natureza de veculo e instrumento da alma.

    Da completa fidelidade natureza do corpo, da perfeita harmonia de todas as

    suas partes e funes desse templo de Deus depende a sua imortalidade.

    Enquanto no for completa a harmonia de todas as suas partes e funes no

    pode haver imortalidade do corpo, porque desarmonia destruio. A

    imortalidade do corpo provm da completa harmonizao de todas as suas

    partes e funes; mas essa total harmonizao das partes entre si s

  • possvel no caso que entre o corpo e a alma haja a devida sub- e super-

    ordinao; isto , a disciplina e harmonia entre corpo e alma determina, a

    disciplina e harmonia entre as diversas partes e funes do corpo. Indisciplina

    espiritual provoca indisciplina corporal.

    Esta sub- e super-ordinao que a verdadeira pureza, ou seja, o elemento

    csmico do nosso organismo, a sua beleza, porque a sua ordem.

    Cosmos significa a beleza nascida da harmonia entre todas as partes

    componentes e o seu Todo composto. A beleza a harmonia das partes com o

    Todo, e, portanto, tambm das partes entre si. Ordem, pureza e beleza so a

    mesma coisa. De uma parte sacrificada em benefcio de outra no h

    harmonia, beleza, pureza, cosmos h desarmonia, fealdade, impureza,

    profanao do templo de Deus.

    A pureza constri a impureza destri.

    A harmonia vida a desarmonia morte.

    A beleza a vontade de Deus a fealdade vontade do homem sem Deus.

    A palavra latina mundus (mundo) tambm quer dizer puro, como o seu

    contrrio immundus quer dizer impuro, imundo. O mundo puro ou belo

    porque ordem e disciplina, sub- e super-ordinao de partes e funes.

    O mundo puro, csmico, porque harmonia o corpo puro, csmico,

    quando guarda a harmonia natural das suas partes e funes.

    Desarmonizar as funes do corpo torn-lo imundo, impuro, feio, e isto lhe

    acarreta destruio destruio parcial pelas doenas, destruio total pela

    morte prematura. Todas as doenas provm da desarmonia de funes. A

    morte em idade avanada no doena, o desenrolar duma lei natural; mas

    a morte prematura desnatural.

    Quem capaz de conservar o seu corpo puro, harmnico, belo, tem tambm o

    poder de reedificar esse templo de Deus, pelo esprito de Deus, isto , crear a

    sua imortalidade corporal. O mesmo esprito de Deus que edificou o nosso

    corpo desde o momento da sua concepo, pode tambm reedific-lo em caso

    de destruio, parcial ou total. flagrantemente absurdo e ilgico supor que

    esse Deus-em-ns, revelado pela alma, no possa reconstruir o que a nossa

    ignorncia destruiu. A sapincia do nosso Eu espiritual constri o corpo a

    insipincia do nosso pseudo-Eu fsico-mental destri, parcial ou totalmente, o

    nosso santurio orgnico.

    Mas, se a sapincia da alma for completa, como a do Cristo, pode ela

    reconstruir o santurio destrudo por outros, insipientes e pecadores.

  • Jesus no diz que ele mesmo v destruir o templo de seu corpo, mas que seus

    inimigos o destruiro, e ele reconstruir pelo poder do esprito o que outros

    destruram pela fora da matria. O homem espiritual no destri o seu corpo,

    mas reconstri o que os pecadores mesmo o pecador dentro dele

    destruram. Disciplina sensata e bem orientada no destruio, construo.

    Se o lcifer do meu ego fsico-mental destruir o meu santurio orgnico, pelas

    doenas ou morte prematura, invocarei o Lgos do meu Eu espiritual, o meu

    Cristo interno, para o reconstruir.

    O homem crstico, que o homem integral, o homem csmico, considera o seu

    corpo como um santurio, que no deve ser destrudo por mortificaes

    insipientes, nem profanado por abusos descontrolados mas deve ser mantido

    em toda a sua integridade, fora e beleza natural, que convm a um templo da

    divindade.

    E este templo, penetrado pelo esprito imortal, participar da imortalidade do

    esprito de Deus.

    este o homem csmico, o homem integral, o homem crstico.

  • UMA S COISA NECESSRIA...

    Marta, Marta, andas inquieta e perturbada com muitas coisas uma s coisa

    necessria: Maria escolheu a parte boa, que no lhe ser tirada.

    Vai nestas palavras brevssimas de Jesus toda a filosofia espiritual do

    Cristianismo. H quase dois mil anos que a humanidade ocidental tenta

    compreender o Cristo e seu Evangelho; mas essa tentativa sem esperana

    de resultado positivo enquanto no mudarmos radicalmente de perspectiva. E

    essa mudana no se refere a tais ou quais aspectos perifricos, mas requer

    uma nova atitude central em face da prpria realidade metafsica, eterna,

    absoluta. No adianta remendarmos um pouco a roupa velha da nossa

    teologia tradicional, cosendo-lhe algum remendo novo, no: necessrio e

    indispensvel jogarmos fora, corajosamente, essa roupa velha e revestirmo-

    nos de uma vestimenta inteiramente nova, que no necessite de remendos.

    No deitemos o vinho novo do verdadeiro esprito do Cristo nos odres

    velhos do nosso cristianismo tradicional, mas tenhamos a jubilosa audcia de

    crearmos recipientes novos e limpos para o vinho generoso e forte do

    Evangelho do Cristo.

    Enquanto no passarmos do nosso obsoleto e multissecular horizontalismo

    fsico-mental para o novo e indito verticalismo espiritual, no

    compreenderemos o Cristo e seu Evangelho.

    Segundo a nossa tradicional filosofia emprica ocidental, o que real,

    solidamente real, talvez unicamente real, este mundo material que os nossos

    sentidos percebem e cujas leis a nossa mente concebe e calcula. Se, alm

    disto, admitimos alguma outra realidade, no-material, essa outra realidade no

    passa de algo longnquo, vago, precariamente real, quase pseudo-real, algo

    em que cremos, em momentos de boa vontade e emoo espiritual, mas de

    que nada sabemos propriamente, por experincia imediata. Cremos nesse

    mundo espiritual, mais por conveno do que por convico; cremos, porque

    ouvimos dizer ou lemos a respeito desse tal mundo invisvel; cremos, quase

    por fraqueza ou para fazer um favor a Deus... Das realidades do mundo

    material e suas leis temos noo direta e concreta, diria ao passo que do

    mundo espiritual nos vm apenas uns como que ecos longnquos, uns reflexos

    indiretos e incertos, que no esto em condies de exercer impacto decisivo

    sobre a nossa vida humana, ou at suplantar a intensidade das nossas

    experincias fsico-mentais.

    A nossa f no representa 1% da fora brutal do nosso perceber, e por isto

    inevitvel que a concha da balana da nossa vida terrestre penda

  • invariavelmente para o lado dos sentidos e do intelecto, e no para o lado do

    esprito ou da razo. O mundo espiritual da nossa f , para ns, uma espcie

    de bela teoria que respeitamos, mas no uma realidade palpvel que

    possamos jubilosamente praticar e entusiasticamente amar. um esplndido

    fogo pintado, mas no uma chama real; entretanto, com o mais esplndido

    fogo pintado numa tela no posso atear fogo em coisa alguma, ao passo que

    com a menor das chamas reais posso atear incndios imensos.

    ***

    Ora, de que modo poderamos conseguir que o mundo espiritual, que a alma

    do Evangelho, se tornasse para ns pelo menos to real e eficiente como o

    mundo material? Que exercesse um impacto veemente e decisivo sobre a

    nossa vida humana? Que chegasse ao ponto de nos tornar suave e leve o que

    hoje nos amargo e pesado? Se tal coisa consegussemos, fora de dvida

    que a nossa vida se transformaria completamente; viveramos agora mesmo o

    reino de Deus no meio deste vale de lgrimas; poderamos exclamar com um

    que passou por essa gloriosa experincia: Eu transbordo de jbilo no meio de

    todas as minhas tribulaes...

    De que modo poderamos conseguir essa conquista mxima da nossa vida?

    Deixando de ser Martas e passando a ser Marias; deixando de andarmos

    solcitos e perturbados com as muitas coisas do plano horizontal e sentando-

    nos calmamente aos ps do Mestre, abismados na profunda verticalidade da

    nica coisa necessria, intensamente real, unicamente real, essa que no

    do tempo e do espao, ilusrios e transitrios, mas da eternidade, e que, por

    isto mesmo, no nos ser tirada...

    Cruzar essa fronteira invisvel, transpor esse abismo imenso, passar por essa

    crise redentora, saber por experincia pessoal e ntima o que essa parte

    escolhida por Maria e infinitamente mais real e grandiosa que todas as muitas

    coisas de Marta isto redeno crist, isto iniciao espiritual, isto

    entrada no reino dos cus, isto renascimento pelo esprito, isto procurar o

    reino de Deus e sua justia, isto , a vida eterna...

    No ter tempo ou interesse para esta nica coisa necessria, esbanjar todo o

    tempo e todo o interesse nas muitas coisas desnecessrias isto suprema

    insipincia, isto , horrorosa cegueira e obtusidade espiritual, isto ser filho

    das trevas e dormir o sono da morte...

    Tudo que temos ou julgamos ter nos ser tirado amanh s o que somos o

    que seremos para sempre, se que o somos de Verdade, hoje mesmo.

    Tudo que eu chamo meu est apenas ao redor de mim, fora de mim, longe de

    mim, alheio a meu verdadeiro ser; nada disto sou eu, tudo isto apenas meu,

  • so os pseudo-meus. Somente o meu Eu que realmente meu,

    inalienavelmente meu, eternamente meu, gloriosamente meu.

    As quantidades que Marta tem so fictcias, temporrias a qualidade que

    Maria , real, eterna.

    Marta tem muitas coisas e por isto anda inquieta e perturbada.

    Maria algum e por isto se queda aos ps do Mestre, calma, serena, feliz.

    Quando o homem deixa de ter muitas coisas e comea a ser algum, ento

    vem sobre ele a grande paz, que o mundo no pode dar nem tirar.

    No adianta ter necessrio ser...

    O ser inclui o ter mas o ter no inclui o ser.

    O ser qualidade, causa, verticalidade, fonte o ter apenas

    quantidade, efeito, horizontalidade, canal.

    Quem de fato algum por sua experincia com Deus pode serenamente

    perder tudo o que tem, porque sabe que no perde nada; descobriu a divina

    matemtica de que o mais, que ser, inclui o menos, que ter; e, como ele

    possui o mais, o grande MAIS, o TODO, a Deus, no precisa preocupar-se com

    os pequenos menos, contidos, todos eles, nesse grande MAIS. Pode

    espontaneamente abrir mo de tudo quanto tem, tornar-se indigente de todas

    as quantidades horizontais ao redor dele, porque sabe que milionrio daquilo

    que , da sublime e profunda verticalidade da qualidade dentro dele. Esse

    homem descobriu o reino de Deus dentro de si, e j no precisa de dar caa

    frentica aos pseudo-reinos do mundo fora dele, porque sabe que esses reinos

    esto todos radicados em Deus, no Deus dentro dele, e que, se os quisesse

    possuir, os teria todos em grande abundncia. Esse homem aprendeu a

    suprema sapincia de possuir todos os efeitos na causa, e deixou de querer

    possuir os efeitos sem a causa. Da excelsa atalaia central da sua viso

    csmica, esse homem abrange, calma e serenamente, todas as periferias dos

    mundos que gravitam em torna dele. Possuindo a nica coisa necessria,

    abrange todas as outras coisas, e possui-as sem inquietude nem perturbao,

    mas com a serenidade dinmica e a paz creadora com que o homem espiritual

    penetra todas as materialidades.

    Que aproveita ao homem ter algo, mesmo que seja o mundo inteiro, se no

    algum, se sofre prejuzo naquilo que ele , sua alma? Poder acaso o ter

    resgatar o ser? Poder o menos crear o mais? Podero as muitas quantidades

    produzir a nica qualidade?

    ***

  • Essa transformao da nossa falsa poltica do ter na verdadeira filosofia do ser

    que no Evangelho se chama metnoia, que quer dizer trans-mentalizao

    (met-trans; nous-mente), geralmente traduzido por converso. Quando o

    homem comea a compreender a suprema sabedoria de que as coisas do

    mundo material no so primariamente-reais, seno apenas derivadamente-

    reais, alo-reais, e no auto-reais, e que s o mundo espiritual que real em si

    mesmo ento passa ele pela grande metnoia, converte-se, transmentaliza-

    se, muda de mentalidade, realiza em si a misteriosa alquimia espiritual,

    transmudando elementos vis em elemento nobre, deixa de ser Marta e se torna

    Maria, para que depois possa ser Maria-Marta, um ser humano capaz de tratar

    das muitas coisas do mundo material sem inquietude nem perturbao e sem

    abandonar o seu lugar aos ps do Mestre.

  • PAI NOSSO, QUE ESTS NOS CUS

    As primeiras palavras que os Evangelhos nos referem como tendo brotado dos

    lbios de Jesus giram em torno desse conceito central da sua mensagem aos

    homens, Pai: No sabeis que eu devo ocupar-me das coisas que so de meu

    Pai? E o derradeiro suspiro que irrompeu dos lbios moribundos do crucificado

    tambm se refere a essa mesma ideia de Pai: Pai, em tuas mos entrego o

    meu esprito.

    Sobre esses dois plos extremos, o Pai do menino de 12 anos, e o Pai do

    homem de 33 anos, gira toda a filosofia do Nazareno, porque o seu mundo

    interior se desenrolava nessas regies invisveis, para ele infinitamente mais

    reais e mais belas que todas as realidades e belezas visveis da terra. Meu

    reino no deste mundo... Eu nasci para dar testemunho verdade.

    Aquilo que Jesus designa com a palavra Pai a verdade, a suprema e nica

    realidade o resto no passa de sombras e aparncias.

    O universo inteiro , para Jesus, a casa de meu Pai: H muitas moradas em

    casa de meu Pai. A humanidade, quando em harmonia com a vontade do Pai

    o reino de Deus, ou o reino dos cus, que ele vinha proclamar na terra e

    estabelecer nas almas dos homens. E esse reino de Deus, diz ele, no vem

    de fora, com observncias meramente externas, legais e rituais, mas est

    dentro do homem, porquanto, como diz o quarto Evangelho, a luz do divino

    Lgos ilumina a todo homem que vem a este mundo.

    ***

    primeira vista, no parece o Evangelho de Jesus ser uma filosofia, quando se

    toma este vocbulo em sentido meramente intelectualista; entretanto, a

    suprema filosofia no intelectualista, porm racional, espiritual, intuitiva, e,

    neste sentido, o Evangelho a mais alta filosofia. A filosofia espiritual no

    abstrata, como a outra, porque j ultrapassou a sagacidade da serpente e

    entrou na zona da simplicidade da pomba. A luta pela verdade obriga o

    homem a servir-se de termos abstratos a posse tranquila da verdade faz com

    que ele use de palavras concretas, singelas, quase ingnuas, como as

    crianas. a simplicidade da sapincia, e no j a simplicidade da ignorncia,

    nem a complexidade da inteligncia. O ignorante simples por vacuidade, o

    inteligente complexo por semi-cincia, e o sapiente simples por plenitude,

    pela posse serena e feliz da verdade definitiva.

  • Toda verdade espiritual expressa em termos simblicos, porque a

    humanidade, no seu presente estgio evolutivo, no possui seno termos para

    exprimir coisas concretas (objetos dos sentidos) ou leis concretas derivadas

    daquelas (objetos do intelecto). Para designar realidades espirituais, servimo-

    nos de termos da zona fsico-mental; quer dizer que usamos smbolos fsico-

    mentais para exprimir um simbolizado espiritual. Naturalmente, o homem que

    no tem experincia alguma do mundo espiritual nada percebe do simbolizado,

    limitando-se ao smbolo assim como um cego de nascena que ouvisse a

    palavra luz, vermelho, azul, verde, no teria a experincia

    correspondente a esses vocbulos meramente externos e arbitrrios. Para que

    algum possa saber do simbolizado ao ouvir ou ler o smbolo, requer-se certa

    experincia espiritual j pr-existente. Uma sementinha no fundo da terra no

    poderia reagir ao chamariz da luz solar, se ela mesma no tivesse dentro de si

    uma espcie de experincia solar, se o seu ntimo qu no fosse solar; mas,

    como todas as coisas so lucignitas (filhas da luz), podem elas reagir ao

    impacto da luz que lhes foi causa.

    A palavra pai material em seu smbolo, porm, no caso de Jesus espiritual

    em seu simbolizado; o contenedor fsico-mental objeto dos sentidos e do

    intelecto, mas o contedo espiritual objeto da alma ou do esprito.

    H quem, baseado nesse termo individual e concreto, forje argumento para

    provar que Jesus considerava Deus como um indivduo concreto, como um pai

    humano, ainda que em grau superior. Entretanto, esse pensamento no

    deduzvel da palavra pai, porque, para alm desse smbolo individual, est o

    simbolizado universal.

    O que a palavra pai significa invariavelmente nos lbios do Nazareno a

    eterna Realidade oni-consciente, oni-potente e oni-amante.

    No plano do mundo fenomnico, humano, o pai causador (parcial) do filho,

    embora tambm ele, por sua vez, tenha sido causado por outro causador

    paterno. Todo pai humano, antes de ser causador, causado, antes de causar

    ativamente, causado passivamente, antes de ser causa efeito. Neste

    sentido Deus no pai, porque ele a causa no-causada, o produtor no-

    produzido, o pai sem filiao; nele s existe causalidade ativa, e no passiva.

    Todo pai humano possui conscincia individual Deus, porm, a conscincia

    universal.

    Todo pai humano pessoa, um ser personal; persona, porm, quer dizer

    mscara (derivado de per e sonare soar ou falar atravs); a

    personalidade no o indivduo, seno apenas a sua mscara, aparncia,

    invlucro Deus, porm, a realidade em si mesma, e no apenas uma

    mscara ou aparncia de realidade.

  • Quando Jesus afirma Eu e o Pai somos um, o Pai est em mim, e eu estou

    no Pai; quando diz a seus discpulos o Pai est em vs, e vs estais no Pai;

    quando o apstolo Paulo afirma que o homem templo de Deus e que o

    esprito de Deus habita nele evidentemente no consideram a Deus como um

    determinado indivduo, nem mesmo um super-indivduo, que resida em outro

    indivduo; referem-se a uma Realidade universal, oni-presente, oni-consciente,

    que est em todos os seres e na qual todos os seres esto, uma realidade na

    qual vivemos, nos movemos e temos o nosso ser, segundo a expresso de

    Paulo de Tarso.

    ***

    Quando Jesus fala do Pai, acrescenta quase sempre que est nos cus. A

    mais bela das oraes que possumos, a nica cujo teor ele ensinou a seus

    discpulos, comea com estas palavras, to conhecidas e to desconhecidas:

    Pai nosso, que ests nos cus. A traduo usual no cu revela, desde o

    incio, a falsa concepo do tradutor, dotado apenas de conscincia telrica,

    mas alheio conscincia csmica. No cu sugere determinado lugar

    geogrfico ou astronmico; Deus habita com seus anjos e santos num certo

    lugar chamado cu o que as teologias correntes entendem e ensinam a

    respeito dessa passagem. Sendo Deus, segundo eles, um determinado

    indivduo, uma pessoa, claro est que o lugar onde habita esse Deus-indivduo,

    esse Deus-pessoa, esse Deus antropomorfo, feito imagem e semelhana do

    homem, esse lugar no pode deixar de estar circunscrito pelas categorias de

    tempo e espao. De maneira que a falsa concepo de Deus exige a

    concepo errnea do cu. Abyssus abyssum invocat, um abismo chama outro

    abismo.

    Entretanto, no texto grego do primeiro sculo, como tambm no texto latino dos

    tempos primitivos, e ainda da Vulgata de hoje, no lemos cu, mas cus (en

    ouranois, in caelis, ambos no plural).

    Que quer o autor inspirado dizer com esse substantivo no plural: nos cus?

    Ser que Deus est em muitos cus individuais? No, esse plural indica a

    universalidade, o ilimitado, o infinito, o absoluto. De modo anlogo, no princpio

    do Gnesis lemos que os Elohim crearam todas as coisas; literalmente, os

    deuses, porque Elohim o plural de El, termo usado para Deus. O Gnesis

    no professa politesmo com essa expresso os Elohim crearam, mas

    designa a universalidade de Deus, incompatvel com uma individualidade.

    Da mesma forma, Deus est nos cus quer dizer que ele est no infinito, no

    absoluto, no universo inteiro, graas sua imanncia que tudo permeia e

    vivifica. Nestas belas palavras Pai nosso que ests nos cus temos a

    afirmao de que Deus a ntima essncia do universo, a alma eterna de

    todos os seres, a luz, a vida, a conscincia de todas as creaturas. Deus a

    nica Realidade infinita e autnoma em todas as facticidades finitas e

  • heternomas. Ele a causa no-causada, o produtor no-produzido, o pai sem

    filiao, o alfa e o mega, o princpio e o fim de tudo, o Amen do Apocalipse e o

    Aum da filosofia vdica.

    ***

    Entretanto, apesar da sua absoluta e total imanncia em todas as coisas do

    universo, Deus no deixa de ser transcendente a cada indivduo como tambm

    soma total de todos os indivduos, uma vez que nenhum finito, singular ou

    coletivo, iguala ao Infinito. O Infinito no a soma total dos finitos, mas a

    radical negao de todos eles.

    ***

    Essa dupla experincia, da imanncia e da transcendncia de Deus,

    essencialmente necessria para que haja Cristianismo ou religiosidade perfeita.

    Perante a longnqua e terrfica transcendncia de Deus enche-se a alma de

    reverncia, de assombro, de sagrada estupefao; a transcendncia de Deus

    a sua majestade e sacralidade, o seu grande mistrio e a sua profunda

    escurido. O primeiro elemento de toda a grandeza e beleza o seu carter

    ignoto e enigmtico. No momento que uma coisa ou pessoa integralmente

    conhecida e devassada deixa ela de empolgar-nos com o seu fascnio e a sua

    sedutora reticncia, e torna-se profana, inspida, trivial. O Deus transcendente

    no , propriamente, objeto de amor, mas sim de admirao.

    A sua imanncia, porm, faz dele um objeto de amor. Essa experincia da

    imanncia de Deus enche a alma de suave afetividade e doce intimidade

    associada ao senso de transcendncia; o senso da imanncia aliado ao de

    transcendncia completa a experincia profunda e vasta do Pai que ests nos

    cus.

    O senso da distncia, divorciado do da proximidade, reduziria a religio a uma

    grandiosa regio polar, vastssimos e solitrios campos de neve e gelo

    fantasticamente iluminados pela luz fria do luar...

    Por outro lado, o senso da proximidade sem distncia reduziria a religio a uma

    espcie de amizade ou camaradagem trivial e inspida, incapaz de grandes

    lances de entusiasmo e arrojados planos de herosmo. Onde falta a escurido

    pressaga do mistrio, criado pela longinquidade, l falta o encanto, o fascnio

    do incgnito, a fora, a audcia necessria para a ltima e suprema beleza.

    A longnqua transcendncia faz o homem dizer: Eu te adoro!

    A propnqua imanncia faz o homem murmurar: Eu te amo!

    Ai do homem que tanto se aterra em face do Deus terrificamente transcendente

    que no o possa amar como suavemente imanente!

  • Ai do homem que tanto se familiariza com o Deus imanente que deixe de sentir

    o assombro em face do Deus transcendente!

    Bem-aventurado o homem que se delicia suavemente luz cariciosa do Deus

    propinquamente imanente a afagar-lhe a alma, como a claridade solar beija as

    ptalas duma flor e ao mesmo tempo se extasia ante a majestade do Deus

    longinquamente transcendente, que o enche de assombro qual globo solar a

    arrojar gigantescos sistemas planetrios pelas vias inexploradas do universo!

    Toda religiosidade sadia e bela feita de um misto de transcendente distncia

    e imanente proximidade; toda religiosidade um eterno Verbo que se faz carne

    e habita em ns...

    E esses dois elementos, de amor e de assombro, esto contidos nas palavras

    Pai nosso, que ests nos cus.

    O prprio Cristo Jesus a divina transcendncia feita humana imanncia, um

    misterioso consrcio da profunda vertical com a vasta horizontal ele

    essencialmente o homem csmico por excelncia...

  • OS INIMIGOS DO HOMEM SO SEUS

    COMPANHEIROS DE CASA

    O sentido imediato destas palavras do Mestre o seguinte: quando algum

    aceita o novo esprito da mensagem do Evangelho, norteando por ele a sua

    vida, facilmente entra em conflito com pessoas da sua famlia ou parentela que

    ainda no estejam dispostas a fazer o mesmo.

    Entretanto, no se limita a incompatibilidade a esse terreno familiar.

    Todo homem, depois de certa altura de experincia espiritual, entra fatalmente

    num ambiente de veemente polaridade ou anttese com a sociedade profana

    em que tem de viver. O grosso da humanidade vive num plano de evoluo

    apenas fsico-mental, guiando-se pelo testemunho dos sentidos e do intelecto,

    e ignorando os altos ditames da razo espiritual. Quem se eleva acima das

    vibraes primitivas dos sentidos e do intelecto, entrando na zona das intensas

    vibraes espirituais, est sempre em perigo de sofrer uma espcie de

    interferncia de ondas, interferncia que, em geral, se manifesta em forma de

    conflito de ideias e ideais, acabando por crear em torno desse bandeirante do

    Infinito uma atmosfera de frieza, hostilidade e incompreenso. Esse ambiente

    ingrato leva o homem espiritual instintivamente a um desejo de solido e

    isolamento, onde possa cultivar e cultuar desimpedidamente essas coisas

    belas e queridas que, em horas de profunda contemplao, descobriu e que

    ama com todas as veras de sua alma. Esse homem anda mal acompanhado na

    sociedade, e bem acompanhado na solido.

    Os profanos e inexperientes, por via de regra, interpretam esse isolacionismo

    como orgulho, convencimento, ou esquisitice. Para o homem espiritual,

    porm, esse retraimento uma vlvula de segurana, um instinto de auto-

    conservao espiritual, porque ele percebe ou adivinha o perigo que h para

    seus ideais superiores de se contaminarem ou dilurem no meio da sociedade

    profana. por esta razo, que, qual solcita Vestal do Fogo Sagrado, essa

    alma ampara carinhosamente a lmpada divina do seu querido idealismo,

    preferindo a desero e o banimento social extino do seu fogo sagrado.

    Sendo que essa alma creou em si, pelo diuturno contato com o mundo divino,

    uma antena de grande vibratilidade, natural que o contato com as rudezas e

    baixezas do mundo profano lhe causem grandes sofrimentos e lhe ponham em

    chaga viva o delicado Eu espiritual. O silncio benfico da natureza, a vastido

    dos desertos, os cumes dos montes, a pureza da mata virgem foram sempre

  • os companheiros prediletos do homem que entrou em contato direto com o

    mundo do esprito.

    A espiritualidade a nossa maior glria e tambm o nosso mais acerbo

    sofrimento. Enquanto no chegarmos ao supremo grau da nossa evoluo,

    veremos sempre enflorados de crepe morturia os alvos beros da nossa vida

    espiritual, seremos sempre mrtires da nossa prpria espiritualidade...

    ***

    Quando ento esse homem tenta reatar o contato com o mundo profano, sem

    renegar as suas experincias sagradas comea para ele a fase mais trgica

    da sua evoluo. Como pr o seu fogo divino em contato com as guas

    humanas sem que aquele se apague? Ser possvel semelhante consrcio?

    Por mais que ele conseguisse esquentar as guas profanas, nem por isto

    deixariam elas de ser um perigo permanente para o fogo, porquanto toda a

    gua anti-gnea, quer seja fria quer quente... S deixaria de ser um perigo se

    se convertesse em fogo...

    Para muitos relativamente fcil entrar no terceiro cu da espiritualidade o

    difcil est em como sair desse cu externamente sem dele sair internamente.

    Por mais estranho que parea aos inexperientes, bem mais difcil essa sada

    sem sair do que aquela entrada no terceiro cu.

    A sada sem sair requer tamanha fora espiritual, uma tenso tal, uma fora

    de coeso polarizada to grande que poucos conseguem estabelecer esse

    equilbrio dinmico entre duas foras opostas. Se algum pensa que o iniciado

    possa, sem mais nem menos, sair desse terceiro cu da sua experincia

    divina, prova que ele mesmo nunca entrou; porquanto o verdadeiro iniciado no

    pode sair, nem mesmo querer sair, uma vez que todo o seu ser se

    consubstanciou e identificou intimamente com Deus, ao ponto de poder dizer:

    Eu e o Pai somos um. Em caso algum poder sair internamente, embora deva

    sair externamente, por amor a seus irmos.

    Praticamente, est a humanidade de hoje dividida em dois campos: o dos

    materialistas, que ignoram o mundo espiritual e o dos espiritualistas, que

    fogem do mundo material. A sntese entre essas duas antteses

    extremamente difcil, e so bem poucos os que a consigam realizar. A sntese

    entre o extremo profano e o extremo espiritualista seria o centro crstico, a

    harmonia csmica do homem integral, equidistante da adorao servil e do

    desprezo hostil do mundo.

    O homem que consegue viver no mundo sem ser do mundo atingiu o auge da

    sua fora e da sua glria.

    Mas, muito antes de chegar a esse grande tratado de paz universal, o homem

    ter de verificar, por largo tempo, que seus piores inimigos so precisamente

  • seus companheiros de casa, os elementos da sua prpria natureza humana,

    e os outros componentes do gnero humano.

    A Bhagavad Gita descreve simbolicamente a luta de Arjuna (o homem

    irredento) contra seus parentes, que lhe haviam usurpado o trono. E, no

    momento em que o jovem prncipe quer deixar cair as armas e desistir da luta,

    aparece Krishna (o Cristo redentor) e obriga Arjuna a lutar e derrotar seus

    inimigos, seus parentes ou companheiros de casa.

    Quem so esses parentes?

    So todos os elementos humanos do corpo e do intelecto, que precederam e

    acompanham a evoluo da nossa alma e tentam impedi-la da conquista do

    trono. Todos os nossos ascendentes e colaterais, sensitivos e intelectivos,

    conluiados contra a alma, procuram usurpar o trono do nosso Eu espiritual, do

    nosso Cristo interno, como o Evangelho descreve to dramaticamente no

    episdio da tentao no deserto, conflito entre Lcifer e Lgos.

    Primeiro, temos de derrotar esses nossos domsticos hostis, para que, mais

    tarde, quando devidamente espiritualizados, os possamos integrar

    definitivamente em nosso Eu crstico, e assim terminar a construo do novo

    homem em Cristo.

  • O REINO DOS CUS SEMELHANTE

    A DEZ VIRGENS

    Dez virgens aguardam a chegada do Esposo, em plena noite a humanidade,

    virgem de fecundao espiritual, espera das npcias msticas com o divino

    Lgos.

    Todas elas munidas das suas lmpadas; cinco, porm, esto com as lmpadas

    vazias, e cinco com leo em suas lmpadas a humanidade, embora no

    apresente grandes diferenas externas, est internamente dividida em dois

    grupos, diametralmente opostos: uns, munidos do misterioso combustvel,

    dessa luz potencial que pode, a qualquer instante, ser transformada em luz

    atual; outros, sem esse combustvel, essa luz potencial, e por isto nada tm

    que atualizar no momento decisivo. Muitos homens possuem receptividade

    espiritual, antenas erguidas ao espao, espera duma onda divina, e, embora

    estejam ou paream estar dormindo fisicamente, esto espiritualmente

    acordados, sempre prontos a acender a sua luz potencial e sair ao encontro do

    Esposo. O sono dessas almas, com suas lmpadas cheias de leo, no , a

    bem dizer, um sono real, seno apenas aparente; uma viglia em potncia,

    assim como o leo luz e fogo potencial. Mas o sono da alma irreceptiva, sem

    leo, um sono real, pesado, profundo, funesto.

    E eis que, de improviso, meia-noite, vem o Esposo [1] meia-noite, quando

    o sono mais profundo e o despertar mais difcil. E s agora que as virgens

    tolas percebem que esto sem leo, quando at ento parecia no haver

    diferena real entre elas e suas companheiras sbias. As trevas do pecado so

    as trevas do inferno, apenas com a diferena de que o pecador, devido sua

    cegueira, no tem ainda a dolorosa conscincia do seu pecado; o pecado o

    inferno inconsciente, assim como o inferno o pecado consciente; no momento

    em que se rasgar o vu da inconscincia o pecador est no inferno, sem

    nenhum outro aditamento ao seu estado a no ser o despertar da sua

    conscincia para a terrvel realidade creada pelo pecado. A vinda do Esposo

    o momento crtico em que o pecado gostoso se converte num pecado doloroso;

    antes desse momento, pode o homem gozar o inferno do seu pecado, porque

    est cego; depois, s pode sofrer o inferno do seu pecado, porque se tornou

    vidente. Mas o estado real da alma continua o mesmo, depois como antes;

    acresce apenas a conscincia ntida desse estado. Pecado inferno potencial,

    inconsciente inferno pecado atual, consciente.

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  • [1] O tradutor da Vulgata latina acrescenta e a esposa revelando assim que no compreendeu a alma da

    parbola e destruiu o maravilhoso simbolismo, porquanto as esposas do divino Esposo so precisamente

    as cinco virgens que esto a espera dele com as lmpadas acesas. O texto grego s diz esposo.

    E as virgens tolas pedem s virgens sbias: Dai-nos do vosso leo, porque as

    nossas lmpadas se apagam. Respondem-lhes estas: No possvel; ide e

    adquiri para vs.

    Neste pedido das virgens tolas revela-se a sua extrema tolice e absoluta

    insensatez: pedem de emprstimo a experincia divina; querem que suas

    companheiras repartam com elas o tesouro indivisvel e intransfervel da

    conscincia csmica, do encontro pessoal com Deus! Como se houvesse

    contrabando e ilegalidade no reino de Deus! Como se algum pudesse possuir

    o que no conquist