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Revista Portuguesa de Pneumología ISSN: 0873-2159 [email protected] Sociedade Portuguesa de Pneumologia Portugal Guerra, Miguel S.; Miranda, José António; Caiado, António; Almeida, José; Moura e Sá, João; Leal, Francisco; Vouga, Luís Ruptura iatrogénica da traqueia: Caso clínico e indicações para tratamento conservador Revista Portuguesa de Pneumología, vol. XII, núm. 1, enero-febrero, 2006, pp. 71-78 Sociedade Portuguesa de Pneumologia Lisboa, Portugal Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=169718461004 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Revista Portuguesa de Pneumología

ISSN: 0873-2159

[email protected]

Sociedade Portuguesa de Pneumologia

Portugal

Guerra, Miguel S.; Miranda, José António; Caiado, António; Almeida, José; Moura e Sá, João; Leal,

Francisco; Vouga, Luís

Ruptura iatrogénica da traqueia: Caso clínico e indicações para tratamento conservador

Revista Portuguesa de Pneumología, vol. XII, núm. 1, enero-febrero, 2006, pp. 71-78

Sociedade Portuguesa de Pneumologia

Lisboa, Portugal

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=169718461004

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Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Ruptura iatrogénica da traqueia: caso clínico e Indicaçõespara tratamento conservadorMiguel S. Guerra, José António Miranda, António Caiado, José Almeida, João Moura e Sá, Francisco Leal, Luís Vouga

Ruptura iatrogénica da traqueia: Caso clínico eindicações para tratamento conservador

Iatrogenic tracheal rupture: A case report andindications for conservative management

Miguel S. Guerra1

José António Miranda1

António Caiado2

José Almeida2

João Moura e Sá2

Francisco Leal1

Luís Vouga1

ResumoResumoResumoResumoResumoAs rupturas iatrogénicas traqueobrônquicas apósentubação orotraqueal obrigam, habtualmente, auma intervenção imediata. Tem sido descrito umcrescente número de casos em que se optou, comsucesso, pelo tratamento não cirúrgico. Os autoresdescrevem um caso de uma mulher de 47 anos quesofreu uma ruptura traqueal iatrogénica, durantea entubação orotraqueal para uma cirurgiaortopédica com anestesia geral. Optou-se por umtratamento conservador com antibiótico de largo

Caso ClínicoClinical Case

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstractTracheal rupture after endotracheal intubation re-quires inmediate intervention. There have been anincreasing number of reports that describe non-surgical manangement of this issue. We report thecase of a 47-year-old woman who experienced aniatrogenic tracheal rupture during endotracheal in-tubation for a surgical procedure with general an-aesthesia. She was successfully managed conserva-tively with a broad-spectrum antibiotic. Wemanaged it non-operatively, because the patient

1 Serviço de Cirurgia Cardiotorácica2 Sector de Broncologia do Serviço de PneumologiaCentro Hospitalar de Vila Nova de Gaia, Portugal

Correspondência: Miguel S. Guerra. Serviço de Cirurgia Cardiotorácica. Centro Hospitalar de Vila Nova de GaiaRua Conceição Fernandes4434-502 Vila Nova de Gaia, PortugalTel: (+351) 227865100Tlm: (+351) 933734217Fax: (+351) 227865170Email: [email protected]

Recebido para publicação/received for publication: 05.10.06Aceite para publicação/accepted for publication: 05.11.25

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had a small tear, was hemodynamically stable,show no evidence of infection or respiratory fai-lure, and the diagnosis was not immediate.Broncoscopy was a good diagnostic tool and it wasused to make decisions regarding conservativemanagement, and to detect granulation tissue andrule out any tracheal stenosis after treatment. Wereview available literature on conservative ma-nagement of tracheal rupture. Immediate recogni-tion and adequate treatment are very importantin managing this potentially fatal situation. Thefinal decision should be based on clinical, radio-logic and broncoscopic findings.

Rev Port Pneumol 2006; XII (1): 71-78

Key-words: Tracheal rupture, conservativemanangement, endotraqueal intubation.

espectro, dada a estabilidade clínica da doente e odiagnóstico tardio com mais de 72 horas deevolução. A broncofibroscopia foi o exame dediagnóstico de selecção do tipo de tratamento e deconfirmação da cicatrização da ruptura. Os autoresfazem ainda uma revisão da literatura disponívelsobre as indicações para tratamento conservadordas rupturas traqueobrônquicas. O tratamentoadequado baseia-se nos achados clínicos, radio-lógicos e broncoscópicos. A morbi-mortalidadeaumenta quando o diagnóstico e o tratamento nãosão imediatos.

Rev Port Pneumol 2006; XII (1): 71-78

Palavras-chave: Ruptura traqueia, tratamentoconservador, entubação orotraqueal.

IntrIntrIntrIntrIntroduçãooduçãooduçãooduçãooduçãoA maioria das rupturas traqueobrônquicas(RTB) está relacionada com traumatismosfechados ou perfurantes do pescoço e dotórax. O aparecimento súbito de enfisemasubcutâneo, com ou sem pneumome-diastino e pneumotórax, e a ocorrência demediastinite numa fase posterior estãoassociados a taxas de morbilidade emortalidade muito elevadas1. As RTBtambém podem ocorrer após entubaçãoorotraqueal durante a anestesia geral2-4. Éuma complicação muito rara, tendo emconta o número de intervenções cirúr-

gicas, ainda que extremamente grave. Aprecocidade do diagnóstico e o tratamentoadequado são essenciais na abordagemdestas lesões, potencialmente fatais5. Aescolha entre um tratamento conservadore um tratamento cirúrgico permanece umtema de aceso debate6-8. Os autoresapresentam um caso de ruptura iatro-génica da traqueia após entubaçãoorotraqueal, o seu diagnóstico e trata-mento, e uma revisão bibliográfica dasindicações para tratamento conservadordas RTB após entubação orotraqueal.

A precocidade dodiagnóstico e otratamento adequadosão essenciais naabordagem destaslesões,potencialmente fatais

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Ruptura iatrogénica da traqueia: caso clínico e Indicaçõespara tratamento conservadorMiguel S. Guerra, José António Miranda, António Caiado, José Almeida, João Moura e Sá, Francisco Leal, Luís Vouga

Caso clínicoCaso clínicoCaso clínicoCaso clínicoCaso clínicoMulher de 47 anos, 157 cm de altura,obesa, não fumadora, sem antecedentespatológicos relevantes e sem antecedentescirúrgicos. É submetida a uma cirurgiaprogramada para correcção de túnelcárpico e de hálux valgo-bilaterais numaclínica privada. A cirurgia decorreu sobanestesia geral após entubação orotraquealcom tubo n.º 7,5. Teve alta ao fim de 48horas, sem registo de complicações no pós--operatório imediato. No dia seguinte,recorreu ao serviço de urgência com dorretrosternal, dispneia, estridor e sensaçãode aumento do volume do pescoço. Naadmissão apresentava-se consciente, api-rética, sem sinais de dificuldade respira-tória, hemodinamicamente estável e comboa saturação periférica, mas com um ex-tenso enfisema subcutâneo cervical e su-praclavicular. Realizou uma radiografia(RX) torácica que confirmou a presençado enfisema subcutâneo e foi submetida abroncofibroscopia (BFC) que mostrouuma extensa laceração da parede posteriorda traqueia, desde a região subglótica atéaos últimos anéis da traqueia, com meca-nismo valvulado. A doente foi transferidapara o nosso centro de cirurgia torácicacom o diagnóstico de ruptura iatrogénicada traqueia, com 72 horas de evolução.Repetiu a BFC que mostrou “laceração damucosa e submucosa da porção membra-nosa da traqueia, 1 cm abaixo das cordasvocais, até ao início da parede posteriordo brônquio principal direito, com zonade ruptura completa com cerca de 1,5 cmde extensão, localizada no terço médio dalaceração” (Fig. 1-A). Realizou umatomografia axial (TAC) cérvico-torácicaque revelou a existência de extenso

enfisema subcutâneo cervical e torácico,bem como a presença de pneumome-diastino, sem pneumotórax e sem colec-ções líquidas (Fig. 1-B).Considerando que a doente estavaapirética e estável do ponto de vista cárdio--respiratório e face à evolução prolongadada situação clínica (>72h), optou-se porum tratamento conservador com repousono leito, dieta zero, fluidoterapia, analge-

A

B

Fig. 1 – A. Broncofibroscopia de diagnóstico. Cerca de 1cm abaixo das cordas vocais, observa-se laceração extensada porção membranosa da traqueia até ao início da paredeposterior do brônquio principal direito. No 1/3 médio datraqueia observa-se ruptura completa com cerca de 1,5cm que se abre durante a inspiração. B. Tomografia axialtorácica inicial. Destaca-se a presença de importanteenfisema dos tecidos moles e pneumomediastino. Ausênciade opacidades sugestivas de eventuais colecções líquidascervicais e/ou mediastínicas.

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sia, anti-tússico, ranitidina para prevenirrefluxo de conteúdo ácido e profilaxia comantibiótico de largo espectro (merope-nem). Durante o internamento a doentemanteve-se sempre apirética e sem sinaisde dificuldade respiratória. O exameclínico e radiológico (Fig. 2-B) mostrouresolução completa do enfisema subcu-tâneo e do pneumomediastino ao fim de7 dias. Teve alta ao 15.º dia de antibiote-

rapia, assintomática. Foi observada 1 mêsapós a alta, sem queixas. Foi submetida anova BFC que mostrou cicatrizaçãocompleta da ruptura e epitelização damucosa sem sinais de estenose traqueal(Fig. 2-A).

DiscussãoDiscussãoDiscussãoDiscussãoDiscussãoO traumatismo traqueobrônquicoiatrogénico é uma complicação séria, aindaque muito rara, da entubação orotraqueal.O espectro das potenciais lesões inclui alaceração da mucosa, fractura cartilagíneae ruptura completa da traqueia9. A inci-dência das rupturas traqueobrônquicas(RTB) após entubação orotraqueal édesconhecida, sendo a maioria das publi-cações anteriores referente a casos clíni-cos2-4. Pode resultar do traumatismo mecâ-nico directo ou da necrose isquémica porpressão, directamente proporcional aotempo de entubação2. O traumatismodirecto pode ser causado pelo tubo oro-traqueal, pelo estilete ou pelo laringos-cópio. Apesar da lesão poder ocorrer emqualquer ponto da laringe, subglote outraqueia, o local mais frequentementedescrito é a porção posterior membranosada traqueia3,4. Múltiplos factores mecâ-nicos e anatómicos10 têm sido responsabi-lizados por aumentarem o risco de RTB(Quadro I). O uso inapropriado e des-cuidado do estilete é uma das principaiscausas descritas de laceração traquealiatrogénca11.As RTB iatrogénicas ocorrem maisfrequentemente nas mulheres do que noshomens12. A baixa estatura associada a umatraqueia mais curta e menos resistenteaumentam a vulnerabilidade no sexofeminino8,13. A escolha adequada do tubo

A

B

Fig. 2 – A. Broncofibroscopia de controlo (1 mês). Emrelação ao exame anterior, observa-se ao nível da traqueiamarcada melhoria das lesões, com cicatrização destas eausência de solução de continuidade na parede traqueal.Mucosa ainda congestiva. B. Tomografia axial torácica decontrolo. Franca redução do enfisema subcutâneo e dopneumomediastino. Ausência de sinais de mediastinite ouabcessos paratraqueais.

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Factores relacionados com o procedimentoEntubação com fraca exposição da gloteEntubação urgente / emergenteMúltiplas tentativasMau posicionamento / Hiperextensão excessivaRelaxamento muscular inadequadoInexperiência clínicaPressão laríngea externa excessivaUso descuidado do estilete

Factores mecânicosReposição do tubo sem desinsuflar o cuffMovimentação excessiva do doente / tosse vigorosaInsuflação excessiva / excêntrica do cuff endotraquealTamanho do tubo desadequado

Factores relacionados com o doenteSexo feminino, idosos, criançasHipotensão sistémicaAnatomia (obesidade, micro/retrognacia, pescoço curto)Mobilidade cervical diminuídaLesões laringo-traqueais adquiridas/congénitas (ex.laringocelo)Post-cirúrgico (reconstrução laringo-traqueal, ressecção traqueal)Traumatismo cervical / traqueotomia préviasVasculite, DiabetesUso de corticóidesDoença pulmonar obstrutiva crónica

Vasculite, diabetes

orotraqueal é essencial na prevenção dasRTB, assim como as circunstâncias em quedecorre a entubação, aumentando muitoo risco durante entubações emergentes12.Outros factores que contribuem paraaumentar o risco são: doentes críticos,idosos, crianças, diabéticos, uso de corti-cóides, doença pulmonar obstrutivacrónica e traqueomalacia5,10 (Quadro I).O diagnóstico precoce é essencial, porqueuma RTB não tratada pode ser uma com-plicação fatal. Muitos casos são diagnos-ticados várias horas após a lesão, agravandoo prognóstico8. Sendo assim, deve sus-peitar-se de RTB após entubação orotra-queal na presença de: enfisema subcu-tâneo, pneumotoráx, pneumomediastino,distress respiratório, hemoptises, dispneiaou dificuldade em ventilar mecanica-mente14. Naqueles casos diagnosticadostardiamente tornam-se mais evidentes ador retrosternal e a leucocitose15. Podemocorrer compicações agudas, comopneumotórax de tensão e hipoxemia, oucomplicações subagudas, como medias-tinite e estenose traqueal16.A BFC e a RX torácica são os meios dediagnóstico de eleição. A BFC, sob anes-tesia local suficiente e ligeira sedação paraprevenir o alargamento do enfisema, podedeterminar a extensão e profundidade dalesão, permitindo planear o tratamentomais adequado. A TAC cérvico-torácicaé útil para complementar o estudo, no-meadamente determinar a extensão dopneumomediastino e excluir complicações,como hemorragia mediastínica e abcessoparatraqueal12,16.O tratamento é controverso. A cirurgiaera o único tratamento no passado, comuma mortalidade pós-operatória de 14 a

42%12. O prognóstico dependia essencial-mente da doença de base e do estado geraldo doente e não directamente da lesão,como seria de esperar17. Recentemente,têm sido descritos resultados excelentescom tratamento conservador e as suasindicações4,17,18 (Quadro II). Evagelo-poulos e col.19 sugeriram alguns achadosbroncoscópicos que favorecem a indicaçãopara tratamento médico: laceraçõesinferiores a 5 cm, ausência de aberturacompleta da laceração durante a ventilaçãoespontânea e inacessibilidade do broncos-cópio ao espaço mediastínico retrotra-queal17.As indicações para a reparação cirúrgicabaseiam-se na gravidade do quadro clínico,

Quadro I – Factores associados a lesões traqueobrônquicas

Adaptado de Dohhertya KM e col.

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com base nos sintomas e nos achadosradiológicos e broncoscópicos. Doentesque se apresentam com distress respiratórioagudo devem ser submetidos a tratamentocirúrgico, de preferência no mesmo tempooperatório. Outras indicações formaispara cirurgia são o aumento rápido doenfisema subcutâneo e do pneumome-diatino, presença de pneumotórax comfístula broncopleural, instabilidade clínicae sépsis5. Carbognani e col.20 reservam otratamento cirúrgico para RTB maioresdo que 2 cm e de preferência diagnosti-cadas há menos de 48 horas, para garantiro sucesso da cirurgia e evitar uma com-plicação desastrosa, como a mediastinitedescendente.As RTB que ocorrem após cirurgiaspulmonares ou do mediastino (fístulasbroncopleurais), nas quais geralmente seutilizam tubos endotraqueais de duplolúmen, implicam sempre um tratamentocirúrgico, mesmo quando os sintomas sãotardios6. Se a RTB não estiver associada auma cirurgia pulmonar nem mediastínica,o tratamento conservador sob vigilânciacontínua num departamento de cirurgia

torácica pode ser considerado4,21. Estaslesões geralmente estão associadas a sin-tomas tardios e são diagnosticadas 48 horasou mais após o traumatismo. Jougon ecol.17, com base no tipo de cirurgia (torá-cica ou extra-torácica), na apresentação eestabilidade clínicas e no tamanho da lace-ração, propuseram um algoritmo para tra-tamento das RTB após entubação orotra-queal (Fig. 3).O tratamento conservador consiste naprofilaxia de infecção e abcesso, comantibiótico de largo espectro associado aanti-inflamatório em aerossol, anti-ácidopara prevenir o refluxo de conteúdogástrico ácido e anti-tússico, para evitar oaumento súbito da pressão intra-brôn-quica, o que poderia aumentar a laceraçãoe agravar o enfisema subcutâneo. A mo-nitorização clínica, radiológica e broncos-cópica é importante para documentar aregressão do enfisema e a cicatrização damucosa traqueobrônquica. A maioria dosautores recomenda repetir a BFC ao fimde 15 dias e um mês após a alta hospitalar.Curiosamente, não estão descritas este-noses traqueais após tratamento conser-vador de RTB iatrogénicas17.No caso clínico descrito, e perante umamulher de baixa estatura e pescoço curto,a escolha prudente do tamanho adequadodo tubo orotraqueal é essencial parareduzir o risco de RTB. Deve evitar-se ouso de estilete e insuflar o cuff cuidadosa-mente para se conseguir uma entubaçãoatraumática. Perante o aparecimento deenfisema subcutâneo, o diagnóstico foifeito correctamente por BFC e a TACtorácica excluiu outras complicações.Optou-se pelo tratamento conservadordada a apresentação clínica tardia, a au-

Quadro II – Critérios para tratamento conservador daruptura traqueal 3,4,16

1. Sinais vitais estáveis2. Ventilação fácil3. Ausência de distress respiratório4. Pneumomediastino ou enfisema subcutâneo estáveis5. Colecção líquida mediastínica mínima6. Ausência de sépsis7. Ausência de lesão esofágica8. Laceração traqueal < 5 cm9. Rutura traqueal < 2 cm10. Ruptura traqueal > 48 h

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sência de distress respiratório e a presençade uma RTB inferior a 2 cm. Monitorizou--se a resolução do enfisema subcutâneo edo pneumomediastino pela clínica e pelarepetição da TAC torácica. Ao fim de 1mês documentou-se por BFC a cica-trização completa da mucosa traqueal e aausência de estenose.Em conclusão, o diagnóstico precoce e otratamento adequado são vitais na abor-dagem das RTB iatrogénicas que, apesar

de extremamente raras, são potencial-mente fatais. Na presença de sintomassuspeitos (enfisema subcutâneo, distressrespiratório). a BFC é obrigatória. Adecisão terapêutica baseia-se nos achadosclínicos, radiológicos e broncoscópicos. Otratamento conservador é indicadoquando a laceração é pequena e mani-festada por sintomas tardios, na ausênciade instabilidade hemodinâmica, infecçãoe insuficiência respiratória e quando

Cirurgia extra-torácica

Sintomas imediatos

Cirurgia torácica

Sintomas tardios

Tratamento conservador

Estabilização rápidaInstávelTratamento cirúrgico

Tratamento cirúrgico

Ruptura ≥ 2cm Ruptura < 2cm

Fig. 3 – Algorítmo para abordagem terapêutica de rupturas tráqueo-brônquicasiatrogénicas após entubação orotraqueal. Adaptado de Joujon e col.17

O diagnósticoprecoce e otratamento adequadosão vitais naabordagem das RTBiatrogénicas

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ocorre após procedimentos cirúrgicos ex-tra-torácicos. O tratamento médico obrigaa antibioterapia de largo espectro, moni-torização clínica apertada e repetição daBFC para documentar a cicatrização damucosa e excluir estenoses traqueais. Osresultados são promissores.

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