iese des2010 7.desrural
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desenvolvimento rural moçambiqueTRANSCRIPT
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INTRODUO
O captulo anterior2 lana o desafio da diversificao e da articulao da base econmica, pro-
dutiva e comercial de Moambique com os objectivos de aumentar as opes e oportunidades,
reduzir as vulnerabilidades, desenvolver os mercados domsticos, tornar as dinmicas de acu-
mulao mais eficazes e justas do ponto de vista de distribuio e alargar a base social e regio-
nal de acumulao. Desenvolvimento rural uma das opes bsicas para enfrentar aqueles
desafios e atingir tais objectivos.
O que se segue um conjunto de postulados, isto , axiomas ou hipteses, sobre como pensar
nos desafios do desenvolvimento rural em Moambique. A apresentao inclui tanto os pos-
tulados, como a sua derivao lgica e as implicaes de poltica. Portanto, h trs elementos
crticos em cada etapa: o postulado, a sua lgica e as suas implicaes. Postulados (axiomas ou
hipteses) so ideias em investigao. Como tal, nem so verdades estabelecidas, nem ideias
acabadas. A experincia mostra que as dinmicas de inovao e criatividade esto precisamente
centradas volta da discusso de hipteses.
Em torno de sete postulados, este artigo desenvolve trs argumentos fundamentais. Primeiro,
desenvolvimento rural deve ser o foco central da estratgia nacional de desenvolvimento.
Segundo, desenvolvimento rural entendido, neste artigo, como industrializao rural, e esta
como um processo de transformao e articulao da base e da organizao social, econmica,
logstica e tecnolgica da produo e do comrcio. Terceiro, um processo diversificado e alar-
gado de industrializao rural requer a confrontao com a realidade das dinmicas actuais de
desenvolvimento nacional e rural: as infra-estruturas e servios so concentrados nas zonas
urbanas e no Sul do Pas; os principais focos do investimento e determinantes do crescimento
so projectos minerais, energticos e tursticos; as actividades agrrias e agroindustriais so cada vez
mais concentradas (com o tabaco, acar, madeiras e algodo a dominarem a produo, o comr -
cio e as exportaes); a introduo do fundo de iniciativa local para os distritos (popularmente
conhecido como os 7 milhes [de meticais]) tem efeitos tanto na produo e comrcio, como
Desafios do Desenvolvimento Rural Desafios para Moambique 2010 183
DESAFIOS DO DESENVOLVIMENTORURAL EM MOAMBIQUE1
Carlos Nuno Castel-Branco | Nelsa Massingue | Rosimina Ali
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Desafios para Moambique 2010 Desafios do Desenvolvimento Rural 184
no emprego e distribuio de rendimento, mas estes efeitos esto ainda pouco sistematizados;
a agricultura familiar profundamente afectada e reestruturada por estas dinmicas que in-
fluenciam os mercados de bens e servios e de trabalho com os quais a produo familiar or-
ganicamente relacionada; impactos deste conjunto de dinmicas nas oportunidades de emprego,
na qualificao da fora de trabalho, na transformao das relaes de produo, das foras
produtivas e da sua organizao social, e na distribuio do rendimento so muito diferencia-
dos e desiguais entre regies e grupos sociais.
DESENVOLVIMENTO RURAL COMO FOCO DE ARTICULAO DA ESTRATGIA DE DESENVOLVIMENTO NACIONAL
Nas condies socioeconmicas e demogrficas de Moambique, desenvolvimento rural deve ser
o foco de articulao e o centro de gravidade da estratgia nacional de desenvolvimento. Note-se que no
est a ser dito que desenvolvimento rural deve ser parte, ou parte fundamental da estratgia de desen-
volvimento nacional. Explicitamente, est a ser dito que a estratgia de desenvolvimento nacional
deve ser uma estratgia de desenvolvimento rural. Por outras palavras, desenvolvimento rural no
um assunto sectorial ou transversal, o assunto central do desenvolvimento de Moambique.
Por isso, uma estratgia de desenvolvimento rural, paralela ou parte integrante de uma estrat-
gia nacional de desenvolvimento, no tem sentido. Do mesmo modo, uma organizao gover-
nativa focada em desenvolvimento rural faz pouco sentido, tal como o faria se o Governo tivesse
um ministrio ou uma direco de combate pobreza absoluta, dado que este combate no
uma actividade sectorial mas o foco (hipoteticamente) da estratgia de desenvolvimento.
Vrias so as razes lgicas para afirmar este primeiro postulado. Primeira, a maioria da popu-
lao de Moambique ainda vive nas zonas rurais, apesar da velocidade a que a urbanizao est
a acontecer. Por outro lado, a velocidade da migrao do campo para as cidades (cerca de trs
vezes superior da taxa de crescimento da populao)3 reflecte e cria presses econmicas e
sociais enormes, assim como resulta das aspiraes de urbanizao e de acesso a novas opor-
tunidades e servios por parte dos habitantes das zonas rurais.
Logo, as dinmicas de desenvolvimento rural afectam: (i) as dinmicas demogrficas rurais e
urbanas; (ii) as dinmicas de urbanizao (escangalhamento das cidades existentes ou urbani-
zao alargada do Pas); (iii) a natureza do emprego e dos padres de acumulao econmica
(incluindo a sua relativa formalidade ou informalidade); (iv) as oportunidades de aplicao pro-
dutiva dos fluxos financeiros resultantes do trabalho migratrio ou sazonal e da participao dos
camponeses em mercados de bens agrcolas (por exemplo, devem estes fluxos ser investidos
apenas na reproduo das actividades agrcolas comuns e tradicionais em cada regio ou exis-
tem oportunidades, capacidades e facilidades para diversificar a aplicao destes fluxos em
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185Desafios do Desenvolvimento Rural Desafios para Moambique 2010
investimento industrial (das carpintarias s serralharias, dos materiais de construo s mob-
lias, das agroindstrias s indstrias pesqueiras, da produo manuteno de equipamentos),
no turismo, estruturas comerciais, formao profissional e outros servios?.4
Urbanizar o campo ou continuar a ruralizar as cidades; continuar a esgotar as cidades j exis-
tentes ou criar novas no campo; aumentar o exrcito de empresrios e empregados retalhistas
informais que pululam pelas cidades na margem da sobrevivncia ou criar novas oportunida-
des dinmicas e inovadoras de trabalho decente; estas so opes que se abrem ou se fecham
em grande medida como funo do que acontece com o desenvolvimento rural.
Segunda, histrica e estruturalmente, a base de sustentao e de acumulao de capital de toda a
economia de Moambique tem residido nas zonas rurais: da economia das plantaes do tra-
balho migratrio e das culturas obrigatrias; da economia mineira e energtica ao turismo e pes-
cas; da produo de alimentos baratos para os trabalhadores assalariados produo das principais
exportaes; da reproduo social de fora de trabalho barata reduo dos custos, para o capi-
tal, desse processo de reproduo. Cada um destes casos demonstra que nas zonas rurais onde
se localizam os engenhos fundamentais da acumulao e reproduo econmica e social de Mo-
ambique, embora tais engenhos no sejam necessariamente nem fundamentalmente agrrios.
Estas dinmicas de acumulao estruturaram a agricultura familiar e o campesinato como produ-
tor para os mercados agrcolas e gerador de fora de trabalho assalariada (nos perodos de acumu-
lao acelerada de capital), e como amortecedor do impacto das crises de acumulao ao fornecer
um seguro temporrio contra o risco de desemprego ou de recesso no mercado de excedentes
agrcolas e de trabalho, reduzindo os custos do capital com a reproduo social da fora de traba-
lho. Ao invs de reflectirem uma dinmica de reproduo simples desligada da economia capitalista,
a agricultura familiar e o campesinato so parte central do processo, das estruturas, das tenses e dos
conflitos relacionados com as principais dinmicas de acumulao de capital em Moambique.5
As dinmicas de desenvolvimento rural afectam a capacidade de mobilizar vastas foras pro-
dutivas nacionais cuja organizao social e econmica continuam a ser altamente ineficazes do
ponto de vista da acumulao econmica nacional. Com raras excepes, os nveis de produ-
tividade no campo, independentemente dos sectores de actividade, so baixos, tal como o so
os nveis de educao, a qualidade e cobertura das infra-estruturas de construo, energia, gua,
transportes, comunicaes e assistncia tcnica, a presena de instituies de cincia e tecno-
logia, padronizao e controlo de qualidade e certificao com algum significado produtivo
concreto, a capacidade de financiamento e os nveis de especializao da produo.6
Terceira, uma das frases mais ouvidas em Moambique a que diz que a maioria da populao
vive da agricultura. Empiricamente, esta frase nem descreve nem analisa a complexa realidade so-
cial no campo. Se verdade que quase toda a populao rural tem acesso a terra e uma ligao
com a agricultura, tambm verdade que a maioria desta populao tem padres muito diversi-
ficados de sobrevivncia, que incluem trabalho assalariado (permanente, sazonal e migratrio),
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Desafios para Moambique 2010 Desafios do Desenvolvimento Rural 186
uma diversidade de actividades agropecurias, pesca, algum tipo de actividade comercial, alguma
indstria artesanal. Os habitantes das zonas rurais so, geralmente, e em simultneo, pescadores,
agricultores, artesos, comerciantes, transportadores, trabalhadores assalariados nas fbricas, nas
minas e nas plantaes, trabalhadores da funo pblica, construtores de infra-estruturas (estra-
das, sistemas de gua e saneamento, escolas, centros de sade), madeireiros e gestores de pro-
gramas comunitrios de proteco ambiental.7 Cada uma destas ocupaes um de muitos lados
das estratgias de sobrevivncia de cada famlia de camponeses diferenciados.
A evidncia mostra que, regra geral, h dois tipos de agregados familiares que vivem de facto da
agricultura: (i) os muito pobres, que no conseguem diversificar o seu leque de actividades, fre-
quentemente por causa da limitao de oportunidades de emprego decente; e (ii) os mais abasta-
dos (camponeses mdios e ricos ou mesmo empresrios agrcolas), que em algum momento da sua
vida economicamente activa passaram com sucesso por anos de trabalho assalariado e outras for-
mas de sobrevivncia e acumulao, o que lhes permitiu investir na agricultura (expanso das reas
de cultivo, aquisio de melhores meios de produo incluindo traco animal ou mecnica e sis-
temas de irrigao recrutamento de fora de trabalho) e construir uma base como produtores co-
merciais ou semicomerciais independentes. O primeiro grupo mais numeroso que o segundo, e
os dois grupos juntos formam uma fraco minoritria das populaes rurais. O primeiro grupo
instvel (em perodos de intensa procura de fora trabalho ou de choques prolongados como
no caso de secas e cheias tende a desaparecer como produtor agrcola familiar); enquanto o se-
gundo grupo vulnervel, mas tende a consolidar-se e a destacar-se dos outros. Com excepo dos
produtores comerciais mais avanados, que tendem a especializar-se mais, a estrutura produtiva
destas famlias camponesas e produtores comerciais semelhante no que diz respeito grande
variedade de produtos que cada um produz, mas difere fundamentalmente no que diz respeito
escala, meios de produo e capacidade de recrutamento de trabalhadores assalariados.8
Estes padres de diversificao generalizada das actividades em que cada famlia e produtor se
engajam reflectem a condio inicial de acumulao em que a maioria dos produtores rurais se
encontra, bem como a sua resposta a dinmicas e estruturas de produo, comrcio, emprego e
acumulao sobre as quais tm pouco ou nenhum controlo. Por exemplo, dada a incapacidade
de prever e/ou influenciar as tendncias dos mercados e preos de produtos agrcolas e de tra-
balho, mais seguro (ainda que seja de menor produtividade) diversificar do que especializar.9
Quarta, as dinmicas urbanas e rurais, industriais e agrrias esto profundamente interligadas,
e esta interligao tem contornos polticos fundamentais. Das zonas rurais, bens alimentares,
matrias-primas, combustveis (como lenha e carvo) e fora de trabalho fluem para as zonas
urbanas. Destas zonas urbanas, recursos financeiros e, ocasionalmente, alguns bens e servios
industriais fluem para as zonas rurais. Estes fluxos e o seu aproveitamento so ditados pelas di-
nmicas de acumulao (como que as pessoas produzem, apropriam e utilizam a riqueza pro-
duzida) na economia rural e pela natureza da relao entre o desenvolvimento urbano e rural,
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187Desafios do Desenvolvimento Rural Desafios para Moambique 2010
entre a indstria e a agricultura. Estas relaes tendem a ser desiguais e a favorecer padres de
acumulao de capital que se estabelecem em torno de sectores intermedirios, proprietrios
distantes, especuladores e s ocasionalmente produtivos.
Muitos pases, ao longo dos mais de trs sculos de histria do capitalismo, seguiram estra-
tgias de expropriao do excedente do campo nas fases iniciais de acumulao de capital.
Alguns tiveram sucesso na transformao desse excedente expropriado do campo em capital
industrial slido e dinmico. Para faz-lo, eliminaram as classes improdutivas (proprietrios dis-
tantes, intermedirios, especuladores, burguesia consumista), fizeram profundas reformas na
redistribuio da terra por quem a trabalha, ajudaram a organizar os produtores em empresas
associativas e cooperativas, montaram servios pblicos de extenso, assistncia, financiamento,
comercializao, formao, estandardizao e controlo de qualidade, informao sobre mer-
cados, preos e tecnologia. Portanto, a revoluo rural potenciou poltica, social e economica-
mente a emergncia da revoluo industrial; enquanto o surgimento desta ltima urbanizou o
campo, acabou com as diferenas entre agricultura e indstria, e eliminou (ou reduziu drstica
e rapidamente) os nveis de pobreza tal como ns os conhecemos. Ao fazerem isto, estas eco-
nomias criaram novos engenhos de acumulao imensamente mais produtivos e transforma-
ram as suas estruturas e dinmicas sociais e econmicas.10
Outros pases utilizaram o excedente expropriado do campo de forma improdutiva no mero enri-
quecimento pessoal, consumo de luxo, obras de estatuto social ou opes de industrializao pouco
adequadas e viveis que nem sequer beneficiavam o campo de onde o excedente era extrado. Ao
fazerem isto, foram matando a sua base de acumulao, tornando-a mais pequena, utilizando-a de
forma cada vez mais concentrada em elites improdutivas. Para manter uma burguesia improdutiva,
estas economias mataram a galinha dos ovos de ouro. Nem conseguiram criar indstria e dinmi-
cas slidas de industrializao, nem conseguiram manter a base atrasada, mas rentvel, de produ-
o e reproduo de excedente rural. Tornaram-se, estas economias, profundamente dependentes
de fluxos externos de capitais (pblicos ou privados), vulnerveis aos caprichos dos financiadores
externos e, frequentemente, politicamente instveis por causa da crescente contestao em torno
da apropriao, redistribuio e utilizao de excedentes em contraco.11
Portanto, as dinmicas de desenvolvimento rural so centrais na transformao das relaes de
fora e balanos polticos na sociedade como um todo a favor de dinmicas produtivas de acu-
mulao e desenvolvimento. Logo, so opes essencialmente polticas que reflectem as dinmi-
cas de luta, tenso e unidade entre vrios interesses econmicos e sociais e suas expresses polticas.
Quinta, no campo reside uma parte fundamental das foras polticas e do conflito poltico em
Moambique. preciso reconhecer que estas foras, embora maioritrias, esto muito desor-
ganizadas, dispersas e segmentadas, apesar de terem a capacidade de influenciar importantes
decises polticas (como demonstrado, por exemplo, pelos resultados eleitorais). Por outro
lado, o poder negocial do capital internacional (doadores, organizaes financeiras, investido-
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Desafios para Moambique 2010 Desafios do Desenvolvimento Rural 188
res e, mesmo, lavadores de dinheiro) e domstico (comerciantes, industriais, especuladores)
muito maior e mais organizado e, por isso, muito mais influentes que o dos camponeses. Os tra-
balhadores industriais e sindicatos so, do ponto de vista de organizao de classe, bastante
fracos e, na maioria dos casos, o seu poder negocial depende da relao estratgica com os as-
salariados rurais e pequenos camponeses. A incapacidade de pensar estrategicamente para alm
dos interesses limitados de grupo, quer por parte dos camponeses, quer por parte dos assala-
riados agrcolas e industriais, fortalece o poder das faces dominantes do capital.
Por exemplo, aquando da batalha sobre a liberalizao da exportao da castanha de caju no
processada, o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Indstria do Caju aliou-se aos pro-
prietrios das fbricas de processamento para lutar pela manuteno da proteco do acesso pri-
vilegiado das fbricas12 castanha no-processada a baixo preo.13 Esta posio do sindicato
estava associada sua preocupao pela manuteno dos postos de trabalho e salrios dos ope-
rrios das fbricas de processamento. No entanto, o sindicato no entendeu quatro pontos fun-
damentais. Primeiro, o stautus quo de uma indstria altamente protegida e em crise financeira e
tecnolgica seria impossvel de manter. Segundo, tanto os camponeses como os comerciantes
e industriais tinham estratgias diferenciadas de negcio e sobrevivncia, e somente os oper-
rios das fbricas de processamento eram inteiramente dependentes do processamento de caju;
logo, eram os operrios, e no os camponeses, comerciantes e industrias, quem constitua o
grupo mais vulnervel. Terceiro, os industriais estavam a preparar-se para se associarem aos
comerciantes (muitos venderam as suas fbricas a comerciantes) e fazer comrcio de castanha
em bruto em vez de lutar por manter a indstria de processamento. Quarto, sem uma estrat-
gia para a transformao da indstria do caju na sua totalidade, ao longo da cadeia econmica
e social de produto e valor, a situao dos operrios seria insustentvel. Assim, em vez de se as-
sociarem aos camponeses para construrem uma alternativa estratgica para a indstria do caju
ao longo da cadeia econmica e social de produto e valor, o sindicato optou pela viso limi-
tada dos interesses imediatistas de grupo acabando por sofrer um grande revs: as fbricas
foram todas encerradas e cerca de 15 mil postos de trabalho foram perdidos.14
O fortalecimento do poder de negociao dos camponeses e outros trabalhadores nacionais face
ao capital (nacional e internacional) e a consolidao e desenvolvimento das bases democrticas
econmicas, sociais e polticas requerem uma crescente aliana estratgica das foras progressis-
tas nacionais com o campesinato, bem como o desenvolvimento da organizao social e poltica
no campo. Uma estratgia nacional de desenvolvimento que gravite em torno do desenvolvimento
rural pode tambm transformar-se numa estratgia de fortalecimento de alianas polticas, sociais
e econmicas entre o campesinato e outras camadas trabalhadoras nacionais, e de fortalecimento
da soberania nacional na determinao dos cursos e direces do nosso prprio desenvolvimento.
Estes argumentos conduzem a cinco implicaes fundamentais. Primeiro, desenvolvimento rural
deve ser o centro de gravidade da estratgia nacional de desenvolvimento. Segundo, todas as
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189Desafios do Desenvolvimento Rural Desafios para Moambique 2010
estratgias sectoriais devem ser subordinadas e articuladas com o objectivo central da estratgia
nacional de desenvolvimento, que gravite em torno do desenvolvimento rural. Terceiro, logo, no
faz sentido ter uma estratgia de desenvolvimento rural (uma vez que este objectivo j presida
estratgia nacional de desenvolvimento). Quarto, tambm no faz sentido construir organiza-
es governamentais especficas para o desenvolvimento rural, uma vez que este se transforme
na abordagem nacional de desenvolvimento em vez de numa actividade sectorial (transversal ou
no), do mesmo modo que o Governo no tem, hoje, um ministrio ou uma direco de com-
bate pobreza absoluta (dado ser esta, hipoteticamente, a direco central da estratgia nacio-
nal). Quinto, muito questionvel se outras estratgias sectoriais (por exemplo, de indstria, de
cincia e tecnologia, de desenvolvimento agrrio, etc.) fazem sentido por si, pois os seus objec-
tivos tm que estar subordinados e articulados com a estratgia nacional, cujo centro de gravi-
dade seria, neste caso, o desenvolvimento rural. Isto no quer dizer que indstria, cincia e
tecnologia, agricultura, transportes, etc., no so vitais. Pelo contrrio, desenvolvimento rural
ser o produto da conjugao e articulao de todos os sectores. No entanto, a relevncia de cada
um ser tanto maior quanto mais os seus objectivos forem focados e articulados pela estratgia
nacional, cujo centro de gravidade seria, neste caso, o desenvolvimento rural. Portanto, desen-
volvimento rural oferece um excelente foco em torno do qual se podem coordenar e dirigir o
desenvolvimento de polticas e outras intervenes pblicas, o planeamento estratgico de mdio
e longo prazos, e a estruturao estratgica da despesa pblica.
Neste ponto, vale a pena fazer uma reflexo paralela sobre dois pontos cruciais. Primeiro, o que
desenvolvimento rural? Ser uma actividade localizada geograficamente (nas zonas rurais)?
Ser uma actividade limitada a desenvolver alguns elementos, ainda que importantes, da vida
rural, como melhoria da habitao, estradas e facilidades sanitrias? A abordagem desta apre-
sentao a seguinte: desenvolvimento rural definido pela associao do foco e centro de acu-
mulao da economia com a transformao das relaes de produo e das foras produtivas
da grande massa de produtores nacionais, em benefcio da acumulao econmica e do seu
prprio desenvolvimento como produtores. Portanto, a questo no geograficamente definida,
mas definida com uma base social. Igualmente, nesta abordagem, desenvolvimento rural no
uma actividade sectorial (realizada por uma direco) complementar a outras e, por isso, fo-
cada naquilo que as outras no fazem (casas melhoradas, sistemas de sanidade, etc.), mas uma
dinmica econmica e social com base na organizao e desenvolvimento da produo e das
relaes sociais de produo e foras produtivas que lhe so inerentes.
Segundo, ser que colocar desenvolvimento rural como centro de gravidade da estratgia
nacional implica que as restantes questes (pobreza urbana, industrializao, megaprojectos de
minerais, energia, e turismo, etc.) sero abandonados? De modo algum. Por exemplo, como j
foi mencionado, a pobreza urbana est associada s dinmicas de desenvolvimento rural e re-
lao entre o desenvolvimento rural e urbano. Como se ver mais adiante, desenvolvimento
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Desafios para Moambique 2010 Desafios do Desenvolvimento Rural 190
rural deve ter um foco (nesta comunicao, sugerido, mais adiante, que esse foco seja a in-
dustrializao rural). Megaprojectos de minerais, energia e turismo situam-se nas zonas rurais
e fazem parte das dinmicas de desenvolvimento rural, quer pelo seu papel no desenvolvimento
das foras produtivas, quer pelo seu contributo atravs de ligaes fiscais, produtivas e de em-
prego. Portanto, a questo central como que o conjunto da economia faz funcionar e be-
neficia das dinmicas novas de industrializao rural.
Por exemplo, se o desenvolvimento (industrializao) rural for definido como centro de gravi-
dade do desenvolvimento nacional, em todos os sectores ser este o foco: nas obras pblicas
(que trataro dos sistemas de sanidade e melhoramento das casas e materiais de construo),
na indstria (cujo foco ser a industrializao rural agroindstria, indstria pesqueira, inds-
trias complementares de engenharia, etc.) e em todas as outras actividades.
DESENVOLVIMENTO RURAL E INDUSTRIALIZAO RURAL
Desenvolvimento rural deve ser concebido no quadro da industrializao rural, com base produ-
tiva, comercial, social e regional alargada e diversificada, vivel e competitiva, para eliminar a depen-
dncia externa e desenvolver o Pas.
Porqu? H vrias razes para isto. Primeira, a industrializao rural pode aumentar os rendi-
mentos e expandir os mercados rurais, o que a ausncia de industrializao no permite fazer.
Segunda, a industrializao permite penetrar em mercados mais dinmicos e inovadores e con-
ferir maior solidez e energia ao processo de desenvolvimento rural. Terceira, a industrializao
rural a oportunidade para transformar radicalmente a qualidade e a articulao de todos os
servios, infra-estruturas e unidades produtivas rurais. Quarta, a industrializao rural a opor-
tunidade de alargamento e diversificao regional e social da base produtiva e comercial, das
oportunidades futuras de desenvolvimento e dos padres de distribuio do rendimento. Quinta,
a industrializao rural o vector da urbanizao rural. Sexta, industrializao rural pode ser um
vector de unidade da economia nacional fortalecendo as suas ligaes internas.15
H, no entanto, muitos conceitos diferentes de industrializao rural: uns pensam em milhares,
seno milhes, de microprojectos espalhados pelo Pas, outros pensam num grupo pequeno
de projectos de grande dimenso e grande impacto, concentrados em alguns produtos (acar,
biocombustveis, etc.) a gerarem ligaes a montante e a jusante.16 importante ter uma viso
nacional de industrializao rural, mas como que ela pode ser construda?
A primeira questo de fundo : qual o contexto produtivo e qual o objectivo social do desen-
volvimento rural? Respostas clssicas e simplistas seriam: aumentar a produtividade do traba-
lho, aumentar o rendimento agrcola, melhorar a vida das populaes rurais, eliminar a
pobreza absoluta, etc. Mas a questo de fundo permanece: para fazer, ou atingir, o qu?
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191Desafios do Desenvolvimento Rural Desafios para Moambique 2010
Para construir uma agroindstria comercial de base ampla, alargada e diversificada? Construir
ilhas de alta produtividade em torno de algumas culturas de alto valor comercial tradicionais ou
que estejam na moda no momento (acar, algodo, tabaco, biocombustveis, etc.)? Melhorar
os rendimentos de uma produo essencialmente orientada para a auto-suficincia alimentar
local? Uma combinao destas (e outras) opes, de acordo com as especificidades sociais, econ -
micas e ecolgicas de cada regio e de cada momento?
Dever a agroindstria estar orientada para o desenvolvimento de uma burguesia nacional
aliada s grandes cadeias de produto e valor internacionais, ou para a gerao de profundas
ligaes econmicas nacionais e para o desenvolvimento amplo das foras produtivas rurais no
quadro de uma crescente socializao de processos de produo e circulao de mercadorias?
Qualquer uma destas opes possvel. Mas os problemas (logsticos, de organizao produtiva, de
organizao social, etc.) levantados por cada uma delas so substancialmente diferentes. Por isso, a
pergunta para atingir o qu no nem retrica nem semntica. Tem implicaes muito grandes.
Uma estratgia que seja consistente simultaneamente com a reduo da pobreza e alargamento
das opes e oportunidades de desenvolvimento para Moambique requerer um processo de
industrializao de base ampla, diversificada e articulada, que combine a agroindstria comer-
cial, as indstrias mineiras e energticas, pesqueiras, florestais e o turismo. A estas indstrias jun-
tam-se as que lhes prestam servios, desenvolvem tecnologia e fornecem insumos e capacidades
de processamento e conservao: a metalomecnica, a qumica, a de construo e de materiais
de construo, os servios comerciais, tecnolgicos, de assistncia tcnica, transportes e finan-
ceiros. As grandes questes relacionam-se com a diversificao das opes e oportunidades; a
sustentabilidade ambiental e intergeracional; a articulao dos mercados, das actividades e das
capacidades ao longo de cadeias de produo e valor e no contexto da formao de clusters (ou
concentraes) produtivas; o reconhecimento e a resoluo dos conflitos e tenses em torno do
acesso aos recursos e das opes alternativas (por vezes mutuamente exclusivas) de desenvolvi-
mento em cada local; a articulao e tenso entre a grande e a pequena e mdia empresa; a for-
mao e desenvolvimento do proletariado rural; e o papel do Estado na definio e articulao
de estratgias, e na mobilizao e afectao de recursos e capacidades.
A uma tal base podem juntar-se elementos de oportunidade (qui algumas ilhas de alta produti-
vidade e procura no mercado externo como biocombustveis e minerais, que possam oferecer expe-
rincia, reputao e um balano entre procura e oferta de moeda externa e de receita fiscal) e
elementos de necessidade imediata, pelo menos na fase de transio (auto-suficincia alimentar local).
Portanto, a estratgia pode conter trs (ou mais) elementos interligados (nota: interligados a pa-
lavra-chave): (i) uma espinha dorsal focada na construo de uma base de industrializao diver-
sificada, interligada e competitiva, (ii) aces especficas focadas na melhoria da economia familiar
e (iii) projectos de grande dimenso orientados para produzir receita fiscal, moeda externa e liga-
es produtivas que permitam ajudar a sustentar outros componentes da estratgia e a gerar opor-
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Desafios para Moambique 2010 Desafios do Desenvolvimento Rural 192
tunidades de diversificao da base produtiva e do emprego. Mas o foco, base, fundamento e prio-
ridade, tm que estar bem claros, tanto no papel, como na prtica, atitude e metodologia analtica.
A possibilidade de interligar diferentes elementos dentro de uma estratgia no implica que estes
elementos sejam facilmente interligveis ou naturalmente complementares. Podem estar em con-
flito, pelo menos at um certo ponto. Por exemplo, a multiplicao de microindstrias familia-
res pode impedir o desenvolvimento da diviso de trabalho, a especializao produtiva, o acesso
a fora de trabalho e a gerao e libertao de excedente necessrio para a construo de uma
agroindstria mdia e competitiva virada para mercados dinmicos. Do mesmo modo, a cons-
truo de uma tal agroindstria pode arruinar microindstrias familiares. As ilhas de produti-
vidade podem competir por fora de trabalho e outros recursos (terra, gua, etc.) com a espinha
dorsal da estratgia, dificultando o seu desenvolvimento. Estas hipteses de conflito no so
construes tericas. O conflito no acesso a fora de trabalho, terra, gua e outros recursos entre
as diferentes formas de organizao social de produo no tempo colonial (plantaes, ma-
chambas dos colonos e machambas dos camponeses moambicanos) e no perodo ps-inde-
pendncia (entre machambas estatais, cooperativas, machambas familiares e outras formas de
emprego da fora de trabalho, entre agricultura e indstria mineira, etc.) esto bem documen-
tados em muitos estudos. Portanto, as interligaes tm de ser construdas. Nem podem ser as-
sumidas, nem os problemas podem ser subestimados ou esquecidos como se no existissem.
DILEMAS DA INDUSTRIALIZAO RURAL
Embora a ideia de industrializao rural no contexto de Moambique possa ser atraente e ins-
pirar romantismo econmico, preciso no esquecer quo dura a realidade . Por um lado, as
infra-estruturas e servios esto concentrados nas zonas urbanas e no Sul de Moambique.
A cidade de Maputo ainda concentra cerca de metade da rede comercial retalhista e dois ter-
os da rede grossista, 40% da rede de distribuio de combustveis e assistncia tcnica auto,
80% das empresas de servios de transporte, comunicaes, construo, consultoria e infor-
mao. Comparativamente, nas provncias de Nampula e Zambzia, que abrangem 22% do ter-
ritrio nacional e 41% da populao do Pas, e que so consideradas as de maior potencial de
desenvolvimento econmico, localizam-se apenas 21% da rede comercial retalhista e 10% da
grossista, 5% das empresas de servios, 16% da rede de distribuio de combustveis e assistncia
tcnica auto, 21% das estradas nacionais revestidas e 33% das estradas nacionais no revestidas.
Somente metade dos distritos rurais tem redes de extenso rural.18
Instituies financeiras formais operam em apenas 40% dos distritos rurais e urbanos do Pas.
A cidade e provncia de Maputo concentram 52% dos balces de bancos, 55% das ATM, 72%
dos POS, 55% dos microbancos, 64% das instituies de microcrdito e 84% das cooperativas
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35
30
25
20
15
10
5
01990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
GRFICO 1 PESO DAS EXPORTAES AGROINDUSTRIAIS E AGRCOLAS NAS EXPORTAES TOTAIS DE BENS (EM %)
FONTE INE (vrios anurios estatsticos) e Banco de Moambique (balana de pagamentos)
193Desafios do Desenvolvimento Rural Desafios para Moambique 2010
de crdito. Maputo (cidade e provncia), Gaza e Inhambane concentram 64% dos balces de
bancos e 74% das instituies de microcrdito. Metade do total de distritos com instituies
bancrias situa-se nestas trs provncias. Em contrapartida, na Zambzia e em Nampula ape-
nas um tero dos distritos tem instituies bancrias.19
Embora as instituies de ensino superior se estejam a multiplicar por todo o Pas, com question-
vel qualidade20, o acesso a formao tcnico-profissional de qualidade a todos os nveis continua
muito limitada21 e a qualidade geral da educao nas zonas rurais tende a ser pior que nas urbanas.22
Por outro lado, como foi mencionado no captulo anterior23, o carcter extractivo das dinmi-
cas e estruturas de produo, investimento privado e acumulao tem vindo a consolidar-se ao
mesmo tempo que a base produtiva e comercial se tem tornado mais limitada e focada em
actividades primrias e sem ou com pouco processamento.
Maputo recebeu o grosso do investimento privado aprovado total em cada um dos ltimos
19 anos, com excepo de 2002 e 2007, em que Nampula dominou por causa das areias pesa-
das e outros projectos minerais ou associados. As agroindstrias e outras actividades agrrias
receberam apenas 13% do investimento privado total aprovado entre 1990 e 2008, e cerca de
80% deste investimento foi concentrado no acar, tabaco, algodo e explorao madeireira.24
Os grficos que se seguem mostram que as exportaes agroindustriais e agrcolas diminuram
substancialmente como percentagem das exportaes totais nacionais (grfico 1), embora ten-
dam a recuperar nos ltimos anos; que as exportaes no processadas de madeiras, tabaco, caju
e algodo fibra totalizam dois teros das exportaes agroindustriais e agrcolas; que as expor-
taes de caju em bruto tendem a substituir as de caju processado; e que somente as exporta-
es de acar, algodo fibra e tabaco tendem a crescer (grficos 2 e 3).
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1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
140.000
130.000
120.000
110.000
100.000
90.000
80.000
70.000
60.000
50.000
40.000
30.000
20.000
10.000
0
GRFICO 2 PRINCIPAIS EXPORTAES AGROINDUSTRIAIS E AGRCOLAS (US$ Milhares)
tabacomadeiras
acarcastanha de caju
algodo fibraamndoa de caju
FONTES INE (vrios anurios estatsticos) e Banco de Moambique (balana de pagamentos)
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
GRFICO 3 ESTRUTURA PERCENTUAL DAS EXPORTAES DE PRODUTOS AGROINDUSTRIAIS E AGRCOLAS
FONTE INE (vrios anurios estatsticos) e Banco de Moambique (dados da balana de pagamentos)
Algodo Fibra
Amndoa de Caju(processada)
AcarCopraCitrinosCh
Madeiras
Tabaco
Amndoa de Caju(no processada)
Desafios para Moambique 2010 Desafios do Desenvolvimento Rural 194
Portanto, se a industrializao rural parece ser uma resposta para o desafio de diversificao e
articulao do desenvolvimento nacional, esta opo nem fcil nem rpida. Mas claro que
requer e poder proporcionar profundas mudanas polticas, sociais e de tendncia econmica.
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195Desafios do Desenvolvimento Rural Desafios para Moambique 2010
INDUSTRIALIZAO RURAL E CRITRIOS SOCIOECONMICOS DE ANLISE
Uma estratgia desta natureza requer, entre outros aspectos, critrios socioeconmicos rigo-
rosos para fazer escolhas de prioridades, anlise de decises, monitoria e avaliao de impacto
e contnuo desenvolvimento das abordagens, estratgias e polticas.
Por que necessrio escolher prioridades? Primeiro, para articular as aces do Estado a todos
os nveis. Segundo, para estabelecer os sistemas pblicos de apoio e incentivo ao desenvolvi-
mento da produo e circulao de mercadorias. Terceiro, para desenvolver a infra-estrutura,
as capacidades institucionais e humanas necessrias e outro investimento complementar.
Quarto, para dar sinais claros aos outros agentes econmicos sobre o que mais importante e
para onde iro os recursos pblicos. Quinto, para coordenar investimento competitivo em fun-
o de prioridades e objectivos socioeconmicos concretos. Sexto, para avaliar os resultados das
polticas pblicas, a sua adequao aos objectivos, e a adequao dos objectivos das polticas
pblicas aos problemas do desenvolvimento.
O que deve conter uma matriz analtica para fazer tais escolhas de prioridades? H uma srie
de questes inter-relacionadas que devem ser analisadas (nenhuma delas, per se, e isoladamente
das outras, suficiente como factor de deciso, mas todas so necessrias).25
Mercado: h ou no? A que preo? um mercado dinmico e em expanso e com potencial
de inovao? Ou um mercado em crise, ou de curto prazo, ou com excessiva competio, ou
excessivamente protegido, cujas elasticidades preo e rendimento da procura so to baixas
que a economia perde produzindo esses produtos para esses mercados? um mercado muito
varivel e voltil, ou um em que possvel estabelecer e estabilizar preos e quantidades com
mercados futuros, acordos de longo prazo, etc.?
um mercado muito exigente em qualidade e condies de certificao que esto muito alm
das capacidades nacionais (em custos e em capacidades tecnolgicas e institucionais) ou um
mercado acessvel? Qual a logstica requerida para esse mercado (do armazenamento ao trans-
porte, do controlo da qualidade e fitossanitrio certificao, do acesso a factores de produo
assistncia produtiva, da informao formao, etc.) e podemos ou no ter acesso a tais
condies? H produtos substitutos em desenvolvimento e expanso que podem reduzir as
oportunidades de mercado e o ciclo de vida do produto que queremos produzir, ou o nosso pro-
duto seguro e o seu mercado oferece amplo escopo para inovao e expanso?
A questo de fundo que sem pensar no mercado e nas suas condies impossvel pensar na
tecnologia, na organizao produtiva, nos custos, na viabilidade, na competitividade e nas possi-
bilidades de sobrevivncia e sustentabilidade da actividade a promover. Se produzir pouco pode
ser mau, produzir muito mas sem mercados e sem orientao para mercados concretos com
exigncias especficas uma catstrofe. Os mercados consumidores no so automaticamente
-
Desafios para Moambique 2010 Desafios do Desenvolvimento Rural 196
criados pela existncia de produo, nem a existncia de carncias sistemtica significa que exis-
tem mercados efectivos. Empresas com sucesso econmico so as que comeam por definir o ob-
jectivo comercial da sua produo e, a partir da, reconstroem a cadeia de produo at origem
(o capital inicial e seu custo, a tecnologia, o tipo de organizao produtiva e as matrias-primas).
Viabilidade, sustentabilidade e competitividade: o que necessrio fazer para satisfazer as
condies mnimas necessrias para aproveitar (e at criar) oportunidades de mercado, de forma
vivel, sustentvel e competitiva? Qual a escala mnima de produo? Ser o custo mximo
de produo consistente com as condies competitivas? A produtividade e rendimentos m-
nimos so consistentes com os nveis de competitividade requeridos? Quais so os nveis de qua-
lidade requeridos e a capacidade de a certificar e de a melhorar e manter?
Quais so as exigncias de sustentabilidade ambiental (igualmente relacionada com o mercado,
dado que, por exemplo, os produtos orgnicos e a produo verde do ponto de vista ambien-
tal tm prmios de mercado nos preos)? Que tipo de tecnologia consistente com a escala, a pro-
dutividade, a rentabilidade, a qualidade, as condies ambientais e as capacidades financeiras,
tecnolgicas, institucionais e socioculturais? A capacidade institucional (por exemplo, de certifi-
cao, de formao profissional, de informao, de investigao e inovao, de financiamento, de
negociao sobre mercados/preos de longo prazo, etc.) adequada? A logstica mnima (por
exemplo, de transporte e armazenamento com qualidade, segurana e rapidez e a baixo custo; de
comunicaes; de aprovisionamento de matrias-primas, materiais auxiliares, combustveis e ener-
gia, gua, equipamentos e peas sobressalentes, de manuteno, etc.) existe e competitiva?
Poucas, ou nenhumas, economias renem, partida, todas as condies de viabilidade, sustenta-
bilidade e competitividade. Estas condies tm de ser criadas. A questo por onde comear e
como justificar o custo social de fazer investimento e, at, de aceitar perdas de curto e mdio
prazo para gerar capacidade produtiva e poder competitivo e de mercado de mdio e longo prazo.
partida, parece bvio que o melhor comear pelo mais simples e mais acessvel. De facto,
esse deve ser o ponto de partida da investigao. Mas quais so as condies de mercado do
mais simples e mais acessvel? No ser que esse mais simples e acessvel apenas a repro-
duo do que j existe? E onde que leva o percurso de apenas fazer o mais simples e acess-
vel que j existe? O mais simples e acessvel tem a grande vantagem de consistir geralmente
em actividades e produtos conhecidos, para os quais j h capacidades, infra-estruturas, logs-
tica e alguma experincia. Mas tem a grande desvantagem de no permitir fazer os saltos ne-
cessrios para restruturar a economia. A necessidade de restruturar a economia uma exigncia
do desenvolvimento de economias como a de Moambique. Por isso, esta economia no se
pode limitar ao mais simples e acessvel.
Portanto, preciso tambm investigar outras hipteses, tanto ligadas inovao no quadro do que
mais fcil e acessvel (por exemplo, novos produtos alimentares derivados daqueles que j so
produzidos) como, tambm, at completamente diferentes daquilo que se tem feito. Isto requer
-
197Desafios do Desenvolvimento Rural Desafios para Moambique 2010
um certo rigor na anlise de custos e benefcios sociais de investir recursos e capacidades sociais
em tais actividades inovadoras ou totalmente novas. Para desenvolver as capacidades requeridas
para a inovao necessrio combinar a coordenao do investimento complementar (por exem-
plo, entre estradas, transportes, capacidade de armazenagem e investimento produtivo directo na
agricultura e indstrias relacionadas) e do investimento competitivo (por exemplo, para evitar
excesso de concentrao e de competio, de modo a garantir que as economias de escala sejam
alcanadas e as capacidades das empresas sejam usadas para desenvolvimento produtivo em vez
de para capturar rendas e financiar guerras de preos) com o desenvolvimento das capacidades
cientficas, tecnolgicas, logsticas, institucionais e de informao, formao e estmulo ao traba-
lho criativo. Isto s pode ser feito se houver uma viso e uma anlise econmica de longo prazo
(por exemplo, mercados e preos de longo prazo, conhecimento sobre a evoluo da tecnologia
e estratgias de potenciais concorrentes, produtos substitutos e potenciais ciclos de vida dos pro-
dutos, ligaes potenciais e novas actividades e capacidades que podem ser criadas, etc.).
Uma forma de iniciar a explorao, aprendizagem e penetrao em novas reas integrar
cadeias de produto e valor internacionais (regionais, continentais ou mais globais). Mas isto s
traz vantagens se antes de integrar tais cadeias se definir onde se quer chegar, o que se tem de
aprender e como que a cadeia de produto e valor pode ajudar no processo de aprendizagem,
construo de reputao e transio para nveis mais avanados de produo e processamento.
Outra forma de explorar novas reas investigar o que est sendo feito em economias vizinhas
(ou mais distantes) mais avanadas (tipo e reas de investimento, evoluo da tecnologia, mer-
cados potenciais, padres de competitividade, quem faz investimento, onde e porqu, etc.),
identificar claramente o que se quer fazer e ir procura dos investidores (nacionais e externos,
pblicos e privados) que renam as condies e tenham interesse para desenvolver essas reas.
A explorao de novas reas de actividade levanta quatro grandes desafios: alto risco de insu-
cesso; dificuldade de acesso a mercados; imperativo de rpida aprendizagem; e, em relao
com os pontos anteriores, dificuldade de acesso a finanas num sistema comercial.
Como agir para encorajar a penetrao em novas reas? Incentivos fiscais de pouco valem e no
podem ser a base do sistema no respondem aos desafios industriais mencionados acima, s
comeam a fazer sentir os seus efeitos quando as empresas produzem matria colectvel (o
grande problema chegar a esse ponto), enfraquecem a capacidade financeira e institucional
do Estado e reduzem o impacto social positivo desses projectos. A melhor opo atacar os
problemas directamente. Algumas das opes fundamentais so, por exemplo: (i) o estabele-
cimento de seguros de produo e comrcio; (ii) o desenvolvimento da capacidade institucio-
nal para promover rpida aprendizagem e garantir inovao tecnolgica (de produtos e
processos), qualidade e certificao da produo a custo competitivo; (iii) a introduo de sub-
sdios (ou mesmo incentivos fiscais) relacionados com a adopo de nova tecnologia adequada
para o problema em causa, com a formao profissional da fora de trabalho e com o sucesso
-
Desafios para Moambique 2010 Desafios do Desenvolvimento Rural 198
na penetrao de novos mercados; (iv) a negociao de contratos comerciais de longo prazo;
(v) a ajuda ao desenvolvimento da cooperao entre empresas (que acelera aprendizagem e
construo de novas capacidades e capacidades complementares e reduz os seus custos), forma-
o de clusters e cadeias de produto e valor; (vi) a facilitao do acesso e utilizao de informao
(sobre mercados, tecnologias, fontes de financiamento, potenciais parcerias, etc.); (vii) a articu-
lao de programas de investimento pblico com os imperativos de desenvolvimento da base
produtiva privada (por exemplo, ligar a estrada, a energia, a gua, a educao e formao pro-
fissional, a sade e o sistema de armazenamento e transportes com um cluster agroindustrial);
(viii) a ajuda para encontrar investidores com capacidade e excelente reputao na rea e
envolv-los (quer como investidores, quer como fonte de conhecimentos e experincia).
Impacto socioeconmico na economia como um todo, que deve ser ligado com cinco indicado-
res fundamentais: (i) impacto na balana de pagamentos (exportao, substituio de importa-
es, balano lquido de fluxos de servios e de capitais); (ii) impacto nas finanas pblicas e, por
essa via, no balano oramental e nas capacidades financeiras, institucionais e humanas do Estado;
(iii) impacto nos nveis de poupana e investimento nacional; (iv) impacto tecnolgico e sinergias
tecnolgicas e produtivas; e (v) impacto no emprego, condies de trabalho e nvel de vida.
Estes impactos podem no ocorrer todos ao mesmo tempo. Por vezes necessrio sacrificar
um deles a curto e mdio prazo para gerar os outros a mdio e longo prazo. Por exemplo, sub-
sdios ou investimentos pblicos podem ser requeridos para promover novas tecnologias e
sinergias tecnolgicas. Isto significa que a curto e mdio prazo poder haver um impacto nega-
tivo no balano oramental, o qual no ser um problema se for controlado e se gerar novas
capacidades produtivas competitivas que gerem novas dinmicas fiscais a mdio e longo prazo.
A questo central , em cada caso, identificar a melhor e mais realista combinao de factores
para a economia, no subestimando, no entanto, a sustentabilidade macroeconmica (sobretudo
em termos da balana de pagamentos e fiscal) das opes de desenvolvimento.26
necessrio tomar em conta que estes impactos esto interligados. Por exemplo, se o impacto
do projecto for negativo no que diz respeito a receitas fiscais e mais ou menos neutro no que
diz respeito a sinergias produtivas, tambm no ser positivo no que diz respeito balana de
pagamentos. O impacto na balana comercial pode parecer bom, mas s o ser efectivamente
se a economia de facto retiver os ganhos relacionados com esse aparentemente bom impacto
na balana comercial. Para que a economia de facto e efectivamente retenha uma parte sufi-
cientemente grande dos ganhos que so reflectidos contabilisticamente na balana comercial,
preciso que o projecto desenvolva ligaes profundas com a economia por exemplo, liga-
es fiscais e sinergias produtivas e tecnolgicas.27
No basta que um impacto positivo seja aparente para justificar investimento social. Por exem-
plo, no basta pensar que como os biocombustveis ou tabaco contribuem para a balana co-
mercial logo merecem acesso a incentivos fiscais. Estes incentivos, cujo impacto nos projectos
-
199Desafios do Desenvolvimento Rural Desafios para Moambique 2010
tende a ser muito pequeno (e mais pequeno quanto maior for o projecto), reduzem de facto o
contributo do projecto para a economia pois reduzem a reteno efectiva dos ganhos do pro-
jecto pela economia nacional.
Portanto, preciso balancear o custo dos incentivos e os ganhos efectivos para a economia,
de modo a gerar uma anlise de custo/benefcio social que justifique o investimento pblico
(incluindo incentivos, que so formas de investimento pblico) a curto, mdio e longo prazo.
Uma tal matriz permite avaliar as diferentes opes concorrentes e ajuda a tomar decises de
poltica, estratgia e investimento pblico com mais rigor e soberania. Mas esta no uma
matriz defensiva, que sirva apenas para o Governo responder defensivamente a propostas de
investimento. uma matriz ofensiva que ajuda o Governo a fazer escolhas de estratgia e a
construir opes, oportunidades e capacidades, e a ir busca das capacidades necessrias para
as materializar.
LIGAES INTERSECTORIAIS E INDUSTRIALIZAO RURAL
Industrializao rural a construo de ligaes intersectoriais e de capacidades produtivas
complexas e multifacetadas, o que tem implicaes tecnolgicas, institucionais e socioecon-
micas e afecta as relaes entre grupos e agentes econmicos e sociais.
Por exemplo, o aumento da produtividade e dos rendimentos agrcolas requer capacidades
produtivas novas. Estas capacidades no so apenas relacionadas com sementes, adubos e equi-
pamentos. So capacidades muito mais complexas:
Organizao social e tcnica da produo que permita a absoro da tecnologia, adaptao e
inovao, acesso a finanas, a escala mnima de produo que justifique os custos tecnolgicos,
que minimize custos de transaco e de aprendizagem. Como construir a organizao de es-
cala que seja consistente com a eficcia produtiva e com a melhoria das condies de trabalho
e de vida do povo? Que tipos de empresas so viveis e se aplicam a diferentes condies so-
ciais, culturais, tecnolgicas e econmicas, e so consistentes com a eficcia econmica e so-
cial? (Cooperativas ou associativas? Empresas capitalistas? Empresas com alto nvel de
integrao vertical e controlo de recursos, como as concesses e as aucareiras? Pequenas e
mdias empresas especializadas em partes especficas da cadeia de produo, isto , sem in-
tegrao vertical mas unificadas por via de associaes industriais?)
Quais so as condies de trabalho e de organizao e gesto consistentes com os objectivos
sociais e econmicos da produo? Como lidar com as concesses e com as empresas que fun-
cionam em modelos oligopolistas (alto nvel de integrao vertical, mercados coordenados,
etc.)? Como lidar com a articulao das cadeias de produo e valor quando no existe inte-
-
Desafios para Moambique 2010 Desafios do Desenvolvimento Rural 200
grao vertical (isto , como articular as cadeias por outras vias externas s empresas, como, por
exemplo, clusters, associaes industriais, etc.)? Quais so as possibilidades e desafios polticos,
econmicos e sociais para a transformao da base produtiva existente, para o enquadramento
das foras produtivas em novos contextos de produo e comrcio e para a transferncia de for-
as produtivas da agricultura para a indstria e servios?
Logstica: todos os processos comerciais de produo requerem uma eficaz organizao da lo-
gstica, nomeadamente: aprovisionamento, transporte, armazenagem, comercializao, manuten-
o, etc. Mquinas requerem operadores, peas e sobressalentes, combustveis, assistncia tcnica,
regras de utilizao e manuteno. Insumos requerem sistemas de produo, aprovisionamento, dis-
tribuio, assistncia utilizao, regras de utilizao, controlo. A produo tem de ser escoada, ven-
dida, armazenada, transportada, baldeada, at ao consumidor final, com segurana, qualidade e
rapidez. Produtores e consumidores necessitam de logstica financeira. A informao sobre o mer-
cado e a logstica dos insumos, finanas e dos produtos finais tem de estar sistematicamente aces-
svel a baixo custo. A eficcia produtiva de uma empresa depende no s da sua eficcia interna
(como que ela transforma os meios de produo em produtos), mas da eficcia da logstica (como
que tem acesso aos meios de produo, como que mantm a sua capacidade produtiva, e como
que tem acesso aos mercados). Grandes avanos na produo no fazem sentido nem so al-
canveis sem grandes avanos na logstica.
Cincia e tecnologia: nomeadamente no que diz respeita investigao de processos produti-
vos, de novos produtos e novos mtodos; desenvolvimento de capacidade e sistemas de infor-
mao para escolher, adoptar, dominar, adaptar e inovar produtos, sistemas e mtodos de
produo; divulgao sistemtica e ampla das melhores prticas e experincias; generaliza-
o de sistemas de extenso, investigao e consultoria locais, acessveis aos produtores, de alta
qualidade, adaptabilidade e adequados para os contextos sociais, culturais, ecolgicos e econ-
micos concretos, e a baixo custo; formao profissional ampla (no s sobre tecnologias de pro-
duo, mas tambm sobre mercados, preos, decises de investimento, decises de produo,
gesto, organizao da produo, organizao e motivao dos trabalhadores, meio ambiente,
investigao, etc.); certificao e licenciamento; celeridade na introduo de novas variedades
genticas quando tal seja benfico, etc. A cincia e tecnologia tm de ligar os laboratrios
com as empresas, mercados e as condies produtivas concretas. Do ponto de vista do desen-
volvimento agrrio, no basta ter boas sementes ou saber muito sobre a gnese de uma determi-
nada planta, se isto no tiver enquadramento comercial e empresarial concreto.
Finanas: Todos os produtores se queixam do sistema bancrio e de o acesso e o custo do cr-
dito serem fortes impedimentos ao desenvolvimento, mas o problema permanece sem ser se-
-
201Desafios do Desenvolvimento Rural Desafios para Moambique 2010
riamente tocado. A questo que se coloca simples: se o objectivo produzir em bases co-
merciais competitivas e viveis, necessrio resolver o problema das finanas.
As finanas so geralmente vistas apenas por um nico lado, nomeadamente o do acesso a crdito
da banca privada. Vale a pena olhar para a complexidade das finanas para o desenvolvimento.
Primeiro, quase to importante como o crdito o acesso a seguros. Se os seguros reduzem o
risco, ento podem aumentar a disponibilidade do crdito a mais baixo custo e a motivao dos
produtores para investirem e inovarem.
Segundo, as finanas podem ser pblicas e privadas, resultante de emprstimos ou de poupana
prpria. Investimento pblico na infra-estrutura, na logstica, em sistemas de informao e na
base de cincia e tecnologia, articulado em torno de objectivos produtivos concretos e locali-
zados territorialmente, uma forma privilegiada do apoio reduo do risco e da incerteza, do
aumento da eficcia produtiva, da reduo dos custos do investimento privado. Isto , o inves-
timento do Estado em actividades complementares e bsicas pode ser to crucial como o acesso
a crdito directo barato.
Alm disto, o Estado pode ainda coordenar investimento competitivo para evitar excesso de
competio, subutilizao de capacidade produtiva e desperdcio de recursos e para promover
economias de escala e reduzir custos de transaco e de aprendizagem. Alm de promover eficcia
produtiva, este tipo de actividade reduz custos e perdas para investidores privados. O Estado
pode desenvolver sistemas de subsdios e outros de apoio financeiro directo aos produtores,
mas inteiramente relacionado com objectivos econmicos claramente identificados e
mensurveis, tais como subsdios para adopo de novas tecnologias, introduo de novas
variedades, formao, penetrao em novos mercados, etc. Este sistema funciona melhor
quando: (i) parte de uma estratgia clara com objectivos concretos (por exemplo, produzir
o produto X, nas condies requeridas para o mercado Z, em quantidades mnimas N, ao
preo P, para gerar rendimento Y para a economia nacional); e (ii) ligado com o desempenho
do beneficirio (se o beneficirio do sistema no atinge os nveis de performance (desempenho)
definidos, o apoio deve ser-lhe retirado e o tal agente deve recompensar o Estado numa
medida razovel). Isto , o Estado pode apoiar mas introduzindo um sistema de disciplina
econmica.
O Estado pode tornar-se parceiro financeiro importante de agncias de financiamento de inves-
timento e de operaes comerciais, ajudando assim a que a actividade bancria privada se
oriente para a esfera produtiva agroindustrial.
A interveno do Estado por via de sistemas de seguros, coordenao e realizao de investi-
mento complementar, coordenao de investimento competitivo, etc., reduz riscos e incerteza
e aumenta as probabilidades de sucesso, o que torna a actividade agroindustrial atractiva para
o financiamento da banca privada a mais baixo custo.
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Desafios para Moambique 2010 Desafios do Desenvolvimento Rural 202
Para que o Estado possa empenhar-se nestas actividades necessita de ter fundos. Estes podem
provir de vrias fontes: receitas fiscais e no-fiscais e assistncia externa.
Para aumentar muito significativamente as receitas fiscais a curto e mdio prazo no basta me-
lhorar a administrao fiscal. necessrio expandir a base produtiva e cobrar as receitas nos
grandes geradores potenciais de receita, os grandes projectos de investimento que beneficiam
de colossais facilidades fiscais. As receitas potenciais dos mega e outros grandes projectos
podem no s aumentar a capacidade financeira do Estado, mas tambm ajudar a reduzir a
carga fiscal sobre as outras empresas. Portanto, necessrio renegociar os acordos com os mega
e outros grandes projectos no que respeita aos incentivos fiscais, e ser-se muito cauteloso na atri-
buio de novos incentivos.
Por outro lado, uma despesa pblica focada na ajuda organizao, desenvolvimento e expan-
so de uma base produtiva alargada e diversificada contribui para aumentar a matria fiscal
colectvel. Portanto, a dinmica e a estrutura da despesa pblica pode ajudar a desenvolver as
capacidades de financiamento dessa mesma despesa, endogeneizando a mobilizao de recursos
para o financiamento do desenvolvimento.28
O Estado recebe cerca de 1,5 bilies de USD por ano em assistncia externa. Se uma parte
substancial desta assistncia for canalizada para apoio directo ao desenvolvimento da capaci-
dade produtiva no quadro de uma estratgia de agroindustrializao (em reas como inves-
timento complementar, logstica, criao de sistemas de formao e de informao,
desenvolvimento da base cientfica e tecnolgica, parcerias financeiras com a banca comercial,
etc.), em alguns anos Moambique poder construir competncias produtivas concretas e redu-
zir a sua dependncia estrutural em relao ajuda externa.
Na frica Austral existem instituies de financiamento agroindustrial, as quais podem ser melhor
exploradas. A Unio Europeia, o Brasil, a ndia e a China tambm dispem de instituies deste
tipo que podem ser exploradas no mbito de negociaes comerciais e de investimento es-
trangeiro. No so caminhos fceis, mas so caminhos possveis. Mas antes preciso ter infor-
mao sobre estes mecanismos e definir as melhores vias para os utilizar. Pode o Banco de
Moambique fazer uma investigao aturada destas possibilidades?
Portanto, a interveno do Estado pode, de facto, e efectivamente, provocar o crowding in do
investimento privado (isto , aumentar as oportunidades, as disponibilidades e a motivao
para investimento privado a custo mais baixo e com uma viso mais estrutural e de mais longo
prazo).
Tambm preciso fazer alguma coisa com a actividade bancria privada e comercial. Por um
lado, preciso ter uma viso estratgica sobre o desenvolvimento do sistema financeiro privado
em Moambique. Continuam a surgir novos bancos, mas a que custo, com que escala, para que
mercados e onde so localizados? Quando os bancos so autorizados, que contrapartidas socio -
econmicas para benefcio social so estabelecidas?
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203Desafios do Desenvolvimento Rural Desafios para Moambique 2010
Por outro lado, multiplicam-se iniciativas de microfinanas, mas a que custo, para quem e
que problemas permitem resolver? Com raras excepes, microfinanas funcionam melhor
para comrcio retalhista e/ou no quadro de projectos grandes, com altos nveis de inte-
grao vertical ou horizontal ou com elevada coordenao do investimento. At que ponto
que este sistema pode servir o desenvolvimento da base produtiva e desenvolvimento
rural?29
Como tornar os bancos comerciais parceiros efectivos tanto do Estado como dos investidores
produtivos privados na implementao de estratgias mais estruturais e de longo prazo para
o desenvolvimento produtivo? O enquadramento estratgico das direces e prioridades de
desenvolvimento e a articulao das vrias intervenes pblicas e privadas, dos recursos e das
infra-estruturas e outras capacidades, so vitais para que a banca comercial privada se torne em
banca de desenvolvimento.
Finalmente, o financiamento no provm apenas de terceiros Estado, doadores e banca comer-
cial privada. Como atrair o investimento privado directo (estrangeiro e nacional) para as esferas pro-
dutivas prioritrias e de modo a atingir objectivos socioeconmicos fundamentais e inalienveis?
O problema do financiamento complexo, mas essa complexidade tambm uma oportuni-
dade de trabalho para desbloquear solues.
Ligaes intersectoriais: o desenvolvimento rpido da base produtiva agroindustrial requer e
tambm potencia o desenvolvimento de ligaes intersectoriais por vrios motivos.
Primeiro, a produo agroindustrial tem de ter mercados em expanso, dinmicos e inovado-
res. A indstria, o turismo, os supermercados, as vilas e cidades, os mercados de exportao for-
necem essa base comercial. Alm disso, a superior produtividade e rendimento industrial e as
sinergias de produtividade geradas na indstria contribuem para expandir os mercados e torn-
los mais exigentes e dinmicos.
Segundo, a construo das bases produtivas para o rpido desenvolvimento da produo agr-
cola (as empresas, a organizao e rede logstica, a base de cincia e tecnologia, etc.) requer ca-
pacidades industriais, comerciais, de transporte, de armazenamento, etc., sem as quais a
produo agrcola no pode expandir de forma sustentvel e significativa.
Terceiro, o aumento da produtividade e rendimentos agrcolas criar a oportunidade histrica
de transferir recursos para fora da agricultura (fora de trabalho, excedente produtivo, recur-
sos financeiros). Se a agricultura no se desenvolver em conexo com os restantes sectores,
estes recursos ficaro improdutivos e o desemprego aumentar.
Quarto, a gradual modernizao da agricultura eliminar as diferenas entre sectores: servios,
indstria, cincia e tecnologia tero de estar combinados na mesma empresa ou organizao
produtiva.
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Desafios para Moambique 2010 Desafios do Desenvolvimento Rural 204
MUDANAS INSTITUCIONAIS E INDUSTRIALIZAO RURAL
Cada abordagem e cada aco tem o seu enquadramento institucional mais apropriado. Neste
debate, seria importante equacionar dois pontos: a construo de uma estratgia nica e a
racionalizao institucional em torno dessa estratgica nica.
Quantas estratgias deve o Governo ter? O senso comum diz uma nica. O resto so formas
de articulao intersectorial e inter e intra-regional para alcanar os objectivos dessa estratgia.
Hoje, h ministrios que tm 4-5 estratgias ou mais. Ao todo, o Governo deve ter por volta
de 4 ou 5 dezenas de estratgias de dimenso nacional, para no falar nas dezenas de estrat-
gias provinciais e distritais, e nas muitas estratgias sectoriais, subsectoriais e subnacionais dos
doadores. O Pas deve estar a funcionar com cerca de duas centenas e meia de estratgias. Ser
isto necessrio? Ser isto vivel? Quanto custa, em tempo e capacidades humanas, financeiras,
institucionais e informacionais, a gesto de todas estas estratgias? No estar esta proliferao
de estratgias a fragmentar e a debilitar o Estado e a governao?
Em parte, a proliferao de estratgias foi criada pela crise de identidade do Estado, desenvol-
vida ao longo de duas dcadas e meia de liberalizao. Em Moambique, o Estado deu quatro
saltos enormes nas ltimas trs dcadas e meia: do Estado corporativo colonial (organizador e
recrutador de mo-de-obra barata, colector de impostos e promotor e protector da organiza-
o produtiva da economia colonial) para o Estado empreeendedor, planificador e alocador de
recursos no perodo de construo da economia socialista de Estado. Deste Estado centralizado
para um liberal, com a misso de facilitar a vida ao capital mas sem saber muito bem como,
especialmente quando o capital privado nacional to fraco, seno apenas emergente. Deste
Estado liberal, mas ainda centralizado, para um descentralizado mas sem uma clara lgica econ-
mica e social. A crise de identidade surge naturalmente neste processo to brusco de mudan-
as to radicais e exacerbada pela afluncia de inmeras ideologias de construo do Estado
(o Estado do contrato-social, o Estado-Nao, o Partido-Estado, etc.) e pela dependncia do
Estado em relao ao financiamento externo da sua actividade.30
A questo prtica que se levanta : qual o papel dos departamentos do Governo neste Estado?
O conceito no qualificado de Estado-facilitador deu lugar inrcia e estrategite. O acesso
a fundos da ajuda externa tambm requer estratgias. Logo, todos os departamentos de cada mi-
nistrio, governo provincial e administrao distrital produzem estratgias, frequentemente com
o objectivo nico de mobilizao de ajuda externa. Para cada problema surgiu uma soluo uni-
versal: uma nova estratgia. Cada vez que um problema novo (ou velho) identificado, o diag-
nstico da causa da sua existncia (ou permanncia) imediato: falta de estratgia clara.31
Outra parte deste problema criado pelos doadores, cada um dos quais quer ter as suas reas
de influncia e usa estratgias como forma de articular os seus interesses e de os fazer sentir
claramente na administrao pblica e na alocao de recursos. Ironicamente, a falta de
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205Desafios do Desenvolvimento Rural Desafios para Moambique 2010
estratgias claras por parte do Governo um argumento frequentemente usado para justificar
a necessidade de o doador ter, tambm, as suas estratgias.
Como bvio, esta estrategite enfraquece e fragmenta o Estado e a Governao, dispersa
recursos e capacidades, concorre para impedir a implementao de qualquer aco vivel. Por
isso, tem de ser criado um quadro estratgico nico e de mdio e longo prazo (poltica econ-
mica, planeamento e quadro fiscal e de despesa pblica) virado para o desenvolvimento da
capacidade produtiva do Pas, e claramente articular o resto como afluentes e contributos para
esse quadro nico. Uma estratgia nacional cujo centro gravite em torno da industrializao
rural pode fornecer o foco para a articulao e desenvolvimento de uma estratgia nica.
Moambique j teve tais focos. O plano de reestruturao da economia, entre 1977 e 1980, foi
focado na reorganizao das cadeias de produo, dos circuitos de aprovisionamento e na racio-
nalizao e reorganizao social das capacidades e das foras produtivas. O Plano Prospectivo
Indicativo (PPI) foi focado no objectivo da socializao do campo, a ele subordinando a inds-
tria, a educao, a expanso da rede social, o investimento, a organizao da logstica produ-
tiva, etc. O Programa de Reabilitao Econmica (PRE) tinha como foco operacional, para
travar a contnua degradao da economia, a reabilitao da produo e circulao de merca-
dorias nas zonas rurais; a este objectivo operacional subordinavam-se todos os sectores as
indstrias ligeiras e de bens de consumo, as indstrias pesadas e bens de investimento, as in-
dstrias geradoras de moeda externa e de receitas fiscais e as estabilizadoras dos nveis de em-
prego, as obras pblicas e os transportes, a energia e a gua, etc32
Portanto, possvel organizar um plano, programa ou estratgia nica que constitua o centro
de gravidade e articule a aco de todos em torno desse centro. Mas o centro de gravidade
tem que ter significado concreto racionalizao da base produtiva, socializao do campo,
recuperao da produo e circulao de mercadorias no campo, industrializao rural. Se o
centro de gravidade for demasiado vago (por exemplo, combate pobreza absoluta), dificil-
mente fornecer uma base de articulao, seleco e direco porque praticamente qualquer
opo ou aco possvel. Se o centro for demasiado limitado (por exemplo, desenvolvimento
de biocombustveis) excluir a maior parte das foras produtivas e iniciativas potenciais.
Neste contexto, todas as polticas nacionais (monetria, fiscal, de educao, de sade, de estra-
das, caminhos-de-ferro e transportes, de comunicaes, de energia, de gua, etc.) tm de res-
ponder s necessidades e exigncias desta estratgia. No tem nenhum sentido dizer que o
desenvolvimento rural prioridade nacional quando depois no h empresas, nem organiza-
o e rede logstica, nem base cientfica e tecnolgica, nem finanas, nem ligaes intersecto-
riais, nem uma clara identificao dos mercados e das tecnologias, nem critrios para tomar
decises, nem uma poltica monetria conducente ao investimento produtivo, nem uma base
cientfico-tecnolgica directamente ligada produo, nem sistemas de formao e de infor-
mao, etc
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Desafios para Moambique 2010 Desafios do Desenvolvimento Rural 206
Ser vivel ter uma estratgia nacional nica do tipo industrializao rural ou desenvolvi-
mento da capacidade produtiva, ou qualquer outra coisa semelhante mas que seja orientada
precisamente para este desenvolvimento de capacidade e competncias produtivas nacionais de
forma articulada?33 A resposta a esta pergunta fundamentalmente poltica: em torno de que
interesses e dinmicas econmicas e sociais se estruturar uma tal estratgia? Se as dinmicas
dominantes de acumulao forem excessivamente concentradas, as oligarquias da resultantes
estaro em permanente presso e conflito entre desenvolver estratgias subsidirias e paralelas
de partilha da riqueza e impor os seus interesses Nao. Quanto maior for a concentrao
e a capacidade administrativa do poder poltico e econmico, mais fcil desenvolver e impor
uma estratgia nica e mais difcil sustentar essa estratgia a mdio e longo prazo por causa
da oposio dos excludos.
Em relao ao desenvolvimento de uma estratgia nica, importante racionalizar a estrutura
governativa. Por um lado, se desenvolvimento rural se constitui no centro de gravidade da
estratgia de desenvolvimento nacional, no faz sentido que existam organizaes governa-
tivas para o desenvolvimento rural. O motivo bsico para isso que todas as organizaes
governativas sero focadas e capacitadas para a promoo do desenvolvimento rural se for esse
o centro de gravidade da governao.
Por um lado, a subordinao das vrias organizaes sectoriais e nveis de governao para o
desenvolvimento rural levanta desafios interessantes. preciso compreender o que significa
focar no desenvolvimento rural: como j foi mencionado anteriormente, isto no quer dizer
apenas prestar ateno s zonas rurais e aos problemas que a surgem. A questo central focar
a ateno nas dinmicas sociais e econmicas que potenciam o desenvolvimento nacional com
centro de gravidade no desenvolvimento rural. Em palavras simples, trata-se de trazer as din-
micas e problemas da industrializao e da urbanizao (e dos mltiplos servios e ligaes
associados) para a agenda da grande massa das foras produtivas do Pas; de envolver esta
massa de foras produtivas no desenvolvimento das dinmicas e na soluo dos problemas da
industrializao e urbanizao em seu prprio benefcio; de avaliar os resultados da imple-
mentao das intervenes pblicas e as tendncias de desenvolvimento em funo de como
que estes se enquadram nos objectivos de ampla industrializao e ampla urbanizao do Pas.
Por outro lado, a coordenao intersectorial e inter-regional tem de ser aperfeioada substan-
cialmente. No sector pblico, isto requer o fortalecimento das capacidades e mecanismos de
anlise e desenvolvimento de poltica, de produo e anlise estatstica, de planeamento e ora-
mentao estratgica na ptica da poltica de desenvolvimento, quer a nvel central, quer a nvel
sectorial e local. Obviamente, esta tarefa seria simplificada se o tamanho do Governo (nmero
de ministrios e de direces provinciais) fosse dramaticamente reduzido. No mesmo contexto,
o sistema de avaliao e prestao de contas deve ter um carcter intersectorial e inter-regio-
nal. pouco til conhecer a lista de realizaes de um ministrio, direco nacional ou direc-
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207Desafios do Desenvolvimento Rural Desafios para Moambique 2010
o provincial se estas realizaes no esto avaliadas no s em relao ao plano original mas,
sobretudo, em relao ao objectivo de industrializao rural com base nos critrios anterior-
mente mencionados. Muito mais importante do que a lista das realizaes so as dinmicas de
industrializao e urbanizao rural reais que vo sendo criadas, as dificuldades que vo sur-
gindo e os desafios que esto pela frente.
No que diz respeito sua relao com os agentes econmicos privados (cooperativos, associa-
tivos, individuais, empresas capitalistas ou quaisquer outros), o sector pblico tem que apren-
der cinco regras bsicas. Este sector muito heterogneo e diferenciado e, por consequncia,
no pode falar com uma s voz. Uns vo discutir impostos e taxas aduaneiras, outros vo pedir
subsdios para crdito, outros, ainda, vo exigir incentivos fiscais ou subsdios ligados com ac-
tividades produtivas concretas adopo de novas tecnologias, formao da fora de trabalho,
penetrao em novos mercados, etc. Uns vo ter o seu foco nos sistemas de formao, infor-
mao, controlo de qualidade, certificao, incentivos para a produtividade, reduo de aci-
dentes de produo, sistemas logsticos, sistemas de inovao e informao tecnolgica e outras
questes directamente ligadas com a produo e circulao; enquanto outros vo estar focados
na captura de rendas improdutivas. Uns vo querer legislao laboral cada vez mais flexvel e
liberal, enquanto outros vo estar mais interessados em desenvolver a qualidade e organizao
da fora de trabalho e a sua motivao produtiva. Uns vo ser pequenos, outros grandes.
O sector pblico tem, por conseguinte, de identificar dentro desta heterogeneidade as dinmi-
cas, tendncias e alianas mais interessantes para o prosseguimento da estratgia de industria-
lizao rural e apostar no seu desenvolvimento. Para alm de reforar os interesses sociais em
torno das suas prioridades de poltica, este tipo de aco tambm permite sinalizar, para todos
os agentes econmicos, a direco dos incentivos e intervenes pblicas com muita clareza.
Uma parte central da diferenciao do sector privado a sua estrutura corporativa, a qual se
reflecte na estrutura e dinmica industrial. Todas as actividades produtivas funcionam com uma
cadeia de fornecedores e consumidores, que a base mais simples da cadeia de produto e valor.
Esta cadeia pode ser organizada de vrias formas: (i) por via de integrao vertical e homoge-
neizao dos processos produtivos e de circulao (como o caso da indstria aucareira em
Moambique); (ii) por via da subcontratao sem poder concessionrio (como o caso da
Mozal); (iii) por via da subcontratao com poder concessionrio (como so os exemplos do
algodo ou do tabaco, em que a empresa oligopsonista controla uma concesso que inclui ter-
ras e camponeses que para ela tm que produzir); (iv) por via da formao de oligoplios,
como as associaes industriais; (v) por via de contratos de longo prazo; ou (vi) por via do mer-
cado. Esta ltima via, o mercado, , regra geral, a menos eficaz e mais incerta, pelo que as em-
presas preferem desenvolver muitas das suas ligaes a montante e a jusante fora do mercado
(por via das outras cinco alternativas). Cada uma destas formas de organizao industrial tem
impacto no poder que as empresas tm, na relao entre capital e trabalho, na relao entre as
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Desafios para Moambique 2010 Desafios do Desenvolvimento Rural 208
empresas e o Estado, na natureza do conflito, desafios e oportunidades de poltica.34 Nenhum
destes sistemas aplicvel, como soluo, a todos os problemas, em quaisquer circunstncias.
Uns funcionam melhor em algumas circunstncias, outros, noutras. O fundamental que os ser-
vios pblicos aprendam a lidar, de forma diferenciada, com estes sistemas industriais, e a
regular o seu funcionamento (incluindo, se necessrio, a escolher os mais adequados para um
processo de industrializao rural com ampla base social e regional e com base produtiva e
comercial diversificada).
A relao entre o sector pblico e o privado mais intensa e positiva quando se desenvolve uma
relao de troca entre os dois. Nesta relao, o sector pblico presta servios de apoio pro-
duo no quadro da sua estratgia de industrializao rural e, em resposta, o sector privado
atinge os nveis sociais e econmicos de desempenho produtivo requerido para a continuao
da relao positiva e intensa com o sector pblico. O sector pblico no comanda o sector pri-
vado, nem este deve manipular aquele.
O sector privado no est particularmente focado em estratgia nacional, industrializao
rural, reduo da pobreza e outros assuntos desta natureza. A sua preocupao o seu ne-
gcio e como que esse negcio afectado pelas cadeias de fornecedores e consumidores, e
pelas intervenes, polticas e legislao pblica. o Estado que pode (ou no) garantir que a
direco e as tendncias de desenvolvimento sejam orientadas por objectivos sociais e econ-
micos. Portanto, na sua relao com o sector privado, o Estado tem que promover oportuni-
dades e facilidades de negcio, mas garantir, atravs da legislao, sistemas de incentivo,
coordenao de investimento complementar e competitivo e despesa de investimento pblico,
que os negcios evoluam na direco da industrializao rural com base social e regional ampla
e base produtiva e comercial diversificada.
Finalmente, as estratgias pblicas so, primariamente, para definir as prioridades, coordenar
as intervenes e estabelecer os sistemas de incentivo do sector pblico. Isto , devem culmi-
nar na definio do que que o sector pblico vai fazer para que industrializao rural, com cer-
tas caractersticas sociais, regionais e econmicas, acontea. As estratgias pblicas no so,
nem podem ser, primariamente, para mobilizar por palavras os agentes econmicos privados.
A sinalizao das prioridades e mobilizao dos agentes econmicos privados faz-se por meio
das intervenes pblicas concretas: coordenao do investimento competitivo e complemen-
tar, despesa pblica que provoque crowding in do investimento privado, sistemas de incentivo
que dem direco social ao investimento privado, organizao da logstica, etc. O Estado tem
de pr em aco uma estratgia, cuja implementao requer um Estado coordenado, unitrio
e empreendedor capaz de estimular a maioria das foras produtivas do Pas a optarem pela
estratgia de industrializao rural em seu benefcio prprio.
O desenvolvimento rural exige um Estado de desenvolvimento competente, dedicado e arti-
culado, capaz de promover e ajudar o desenvolvimento das capacidades produtivas comerciais
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209Desafios do Desenvolvimento Rural Desafios para Moambique 2010
e da economia como um todo. Mas de onde vir este Estado e os seus objectivos de poltica?
Como que as foras sociais e polticas nacionais progressistas e interessadas no desenvolvi-
mento de uma base produtiva alargada, diversificada e competitiva podem articular-se de modo
a gerarem um tal Estado?
INDUSTRIALIZAO RURAL E REESTRUTURAO DAS RELAES ECONMICAS EXTERNAS
O desenvolvimento rural, tal como qualquer estratgia relevante para o desenvolvimento, tem
grandes implicaes para a estruturao da cooperao internacional. No caso de Moambique,
h pelo menos cinco reas importantes a explorar.
Primeira, a orientao da assistncia externa para o desenvolvimento de capacidades produti-
vas articuladas (infra-estrutura, logstica, sistemas cientficos, tecnolgicos, de informao e de
formao, seguros, subsdios e parcerias financeiras);
Segunda, a identificao de polticas e estratgias de Estados e potenciais concorrentes co-
merciais que possam ter impacto nas oportunidades, opes e desafios a enfrentar por Mo-
ambique e suas empresas, para que possam ser tomadas em conta na construo e
desenvolvimento da estratgia nacional de desenvolvimento e das estratgias de negociao e
cooperao;
Terceira, a identificao, negociao e explorao de facilidades de desenvolvimento: sistemas
de financiamento e cientfico-tecnolgicos (investigao, formao, informao, etc.), cadeias
de produto e valor, parcerias e parceiros de investimento, legislao e regulao, etc.;
Quarta, a identificao, negociao e promoo do acesso a mercados dinmicos e com po-
tencial inovador, assim como das suas exigncias de qualidade e certificao e facilidades exis-
tentes para subsidiar a construo de capacidades para atingir essas exigncias;
Quinta, a identificao das dinmicas e tendncias do investimento estrangeiro e de oportuni-
dades a explorar para objectivos especficos da estratgia produtiva concreta, e a implementa-
o de estratgias e incentivos diferenciados para os diferentes tipos de investimento
(megainvestimento em ilhas de produtividade ou pequeno e mdio investimento na espinha
dorsal da estratgia) e diferentes tipos de objectivos (sinergias tecnolgicas, parcerias co-
merciais, financiamento, etc.).
Portanto, a abordagem internacional tem de ser ofensiva e estrategicamente definida. No se
pode limitar a assinar acordos de liberalizao comercial como se estes fossem dados adquiri-
dos inevitveis (que no so) nem a mobilizar assistncia externa no quadro de objectivos
sociais sem base econmica definidos pelas organizaes internacionais.
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Desafios para Moambique 2010 Desafios do Desenvolvimento Rural 210
Neste contexto, a estratgia internacional deve ser influenciada pela estratgia de desenvol-
vimento rural por quatro vias: (i) tem de se sofisticar e fornecer a informao detalhada (sobre
mercados, investidores, tecnologias, facilidades de financiamento, facilidades cientficas e tecno-
lgicas, produtos substitutos, estratgias de concorrentes, etc.); (ii) tem de operar no quadro das
prioridades produtivas concretas e das necessidades para as concretizar; (iii) tem de ajudar a
mobilizar recursos e capacidades e a penetrar em mercados dinmicos e inovadores; (iv) tem de
garantir que os dois grandes fluxos de recursos externos para Moambique (ajuda externa e in-
vestimento directo estrangeiro) se articulem por via do efeito crowding in da despesa pblica no
desenvolvimento da capacidade produtiva ampla, diversificada e articulada no Pas.
CONCLUSES
Como foi argumentado, a viragem da estratgia de desenvolvimento nacional (do seu actual en-
foque na construo de uma forte burguesia nacional rendeira apoiada em parcerias com o
grande capital internacional do complexo mineral-energtico para uma abordagem focada na
diversificao e articulao da base produtiva e comercial e o alargamento dos centros de
acumulao) um desafio poltico fundamental e crtico. Esta viragem implica o conflito e a
ruptura com interesses e padres de acumulao, reproduo e apropriao da riqueza estabe-
lecidos, bem como a construo das condies polticas para que outros interesses se articulem
e predominem sobre o debate e a prtica de poltica econmica e social. A questo de fundo ,
portanto, por que processo poltico podero tais mudanas ocorrer?
Entre muitos outros, h trs aspectos que podem ser focados neste momento. Primeiro, os
Moambicanos tm de se pr de acordo sobre o que se pode e deve fazer agora e no futuro rea-
lizvel com a economia e com o Pas. Os problemas que ficam por resolver so: que Moambi-
canos e interesses domi