igepp certame: apo • as distintas concepções de justiça e ... · contextualização e...

IGEPPDisciplina: Sociologia

Certame: APO

• As distintas concepções de justiça e suas influências nas políticas sociais e na democratização das oportunidades.

• Sociologia da Dependência.

Prof. Dr. Stefan KleinDoutor em Sociologia (USP)

Contextualização e advertências

● O desafio de tratar desses dois temas: o primeiro, com interface mais próxima à ciência política, já o segundo, com maior diálogo face à economia.

● Conseguir manter o “enfoque sociológico”, sem que isso se torne uma fonte de engessamento.

IGEPP / Disciplina: Sociologia / Certame: APO / Stefan Klein / Stefan Klein


Definições e conceitos de justiça

● T. H. Marshall como referência: Cidadania, classe social e status.

● A contribuição de John Rawls (texto de 1971).● A noção de uma teoria da justiça como equidade

(justice as fairness), fundamentada num diálogo com a(s) teoria(s) do contrato social.

● Tentativa de reconceituar os princípios da justiça.


● Uma teoria da justiça (John Rawls).● “Sua teoria da justiça como eqüidade parte de um

pressuposto ético motivacional, com a pergunta pelas razões para o compromisso enquanto membro de uma comunidade moral, defendendo a tese da co-originalidade de liberdade (liberty) e igualdade (equality) em uma sociedademarcada pelo pluralismo razoável (reasonable pluralism) de doutrinas abrangentes (comprehensive doctrines), visando fornecer uma orientação filosófica e moral para as instituições democráticas” (Silveira, 2007, pp. 169-170).


● Fundamentos no texto de Rawls: Capítulo I (O papel da justiça), § 1-4; Capítulo 2, sobretudo § 11-18.

● “A justiça é a primeira virtude das instituições sociais […] leis e instituições, não importa o quão eficientes e bem-arranjadas, precisam ser reformadas ou abolidas caso sejam injustas. Cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça, que nem mesmo o bem-estar da sociedade como um todo pode ignorar” (Rawls, 2005, p. 3).

● Portanto o princípio de justiça estrá atrelado a essas garantias fundamentais individuais, subordinando-lhes o bem-estar geral, abstrato, da sociedade.

● “[…] ainda que a sociedade seja um empreendimento cooperativo com vantagens mútuas, está tipicamente marcado por um conflito bem como uma identidade de interesses. Há uma identidade de interesses visto que a cooperação social torna a vida melhor para todos do que ela seria se vivessemos apenas de acordo com nossos próprios esforços. Há um conflito de interesses visto que as pessoas não são indiferentes a como os benefícios produzidos pela sua colaboração são distribuídos” (Rawls, 2005, p. 4).



● Como realizar a distribuição desses benefícios?

● Princípio de justiça social: de acordo com ele decide-se como distribuir direitos e deveres numa sociedade.

● Concepção de justiça pública: “(1) todos aceitam e sabem que os outros aceitam os mesmos princípios de justiça e (2) as instituições sociais básicas geralmente satisfazem e são geralmente conhecidas por satisfazer esses princípios” (Rawls, 2005, p. 5).

● (Outras) Questões fundamentais para organizar uma comunidade humana viável:

● coordenação / eficiência / estabilidade.● “Logo, os planos dos indivíduos precisam completar-se, de

modo que suas atividades sejam compatíveis umas com as outras e possam ser levadas a cabo sem que as expectativas legítimas de qualquer um sejam severamente desapontadas. Além disso, a execução desses planos deve levar a que se atinja fins sociais de modo a serem eficientes e consistentes com a justiça. Finalmente, o esquema da cooperação social precisa ser estável, recebendo obediência mais ou menos regular e suas regras básicas sendo respeitadas […] e forças estabilizadoras refazendo o arranjo” (Rawls, 2005, p. 6).


● Há, portanto, necessidade de uma certa confiança para que a justiça funcione, e isso vale tanto para o conjunto de princípios quanto para a sua substância.

● “As instituições devem estabelecer políticas e ações com a exclusiva finalidade de atingir os princípios da justiça política liberal. Não existe, segundo Rawls, uma concepção de bem que dê sentido à justiça, mas princípios substantivos derivados de uma posição original nos quais a neutralidade liberal seja construída. Para ser justa, uma política necessita ser neutra do ponto de vista de sua justificação – e não de seus resultados –, porque uma vinculação a uma concepção de bem ou à comunidade significa a violação do princípio da diferença” (Filgueiras, 2012, p. 325).


● O modo como Rawls compreende a justiça é justiça social, e por isso olha para as grandes instituições e a maneira pela qual atuam na produção e manutenção dessa justiça.

● Distinção entre obediência estrita e obediência parcial.

● A distinção anterior engendra as formas de como tratar os momentos de desobediência.


O sujeito da justiça

● “Uma concepção completa definindo princípios para todas as virtudes da estrutura básica, juntamente com os seus respectivos pesos quando eles conflitam, é mais do que uma concepção de justiça: é um ideal social. Os princípios de justiça são uma parte, ainda que talvez a parte mais importante, dessa concepção” (Rawls, 2005, p. 9).

● Pergunta: sentido em refletir sobre a concepção de justiça e os ideais (princípios x conteúdos)?


● Rawls discute, portanto, princípios de distribuição.● “O sentido mais específico que Aristóteles dá à

justiça, e do qual as formulações mais comuns derivam, é o de evitar a pleonexia, isto é, obter alguma vantagem para si ao apropriar-se do que pertence a outrem, sua propriedade, sua recompensa, seu cargo ou algo semelhante, ou ao recusar a uma pessoa o que lhe é devido, a realização de uma promessa, o pagamento de uma dívida, mostrar o respeito adequado, e por daí em diante” (Rawls, 2005, p. 10).


A principal ideia da teoria da justiça

● Referência às teorias contratuais (Locke, Rousseau, Kant).● “Eles são os princípios que as pessoas livres e racionais,

interessadas em aprofundar os seus próprios interesses, aceitariam numa posição inicial de igualdade como definindo os termos fundamentais de sua associação. Esses princípios regulam todos os acordos posteriores; eles especificam os tipos de cooperação social que podem ser celebrados e as formas de governo que podem ser estabelecidas. Confiro a esse modo de observar os princípios de justiça o nome de justiça como equidade” (Rawls, 2005, p. 11)


A lógica de “aplicação” da justiça social

● A racionalidade como princípio da justiça.

● A formação dos ideias de justiça como uma disputa e uma barganha entre iguais, dada a racionalidade.

● Daí a referência ao “véu de ignorância”, como ele o denomina, pois ninguém saber de fato preferências e interesses dos outros.


● “Isso explica a propriedade do nome 'justiça como equidade': ele expressa a ideia de que o acordo acerca dos princípios de justiça ocorreu numa situação inicial que é igual” (Rawls, 2005, p. 12).

● Logo, há a expectativa de autonomia individual face à concepção de justiça e a sua instituição.

A “equidade” (fairness) da justiça (social)


● “Sobretudo, o conceito de racionalidade precisa ser interpretado ao máximo em um sentido estreito, padrão na teoria econômica, de escolher os meios mais efetivos considerados determinados fins” (Rawls, 2005, p. 14).

● Essa escolha cabe, portanto, a cada indivíduo, o que pressupõe essa capacidade inata de realizar a escolha, universalmente distribuída.

O conteúdo do conceito de racionalidade



● O contrato social e um certo nível de abstração.● “Em especial, o conteúdo do acordo relevante não

é o de tomar parte numa dada sociedade, ou de adotar uma forma dada de governo, mas de aceitar certos princípios morais. Além disso, os casos referidos são puramente hipotéticos: o ponto de vista do contrato considera que certos princípios seriam aceitos numa situação inicial bem-definida” (Rawls, 2005, p. 16).

● Se a situação inicial é distinta, o contrato é nulo.


Considerações finais (1)

● A posição original e a justificação.● “Afirmei que a posição original é o status quo inicial

apropriado que garante que os acordos fundamentais nele alcançados são equânimes/justos (fair)” (Rawls, 2005, p. 17).

● Logo, há um pressuposto inicial que é: o de aceitar a relevância da justiça.

● Assim, tem-se uma crítica às concepções utilitaristas, que colocam o bem (good) acima do justo (fair).



● O véu da ignorância. A possibilidade de fazermos a escolha acerca dos princípios de justiça sem sermos influenciados pelos nossos interesses ou ir contra os interesses de outrem.

● Temos, portanto, um ponto de partida de equidade, e é por isso que sua teoria da justiça observa a justiça como equidade.

Concepção comunitarista de justiça


● Três críticas dos comunitaristas à concepção de Rawls.

● “Em primeiro lugar, criticam a concepção abstrata de pessoa que seria conseqüência do modelo de representação da posição original sob o véu da ignorância, em que ter-se-ia a distinção entre a pessoa e suas concepções de bem. Para os comunitaristas a pessoa não pode possuir realidade de forma independente de sua concepção de bem, em função de ela ser constitutiva da identidade pessoal” (Silveira, 2007, pp. 171-172).

● “Uma segunda crítica se dirige à universalidade dos princípios da justiça na teoria da justiça como eqüidade de Rawls, na qual esses princípios deontológicos teriam a pretensão de aplicação em todas as sociedades e trariam, por conseqüência, a predominância dos direitos individuais em relação aos direitos sociais. Os comunitaristas criticam a pretensão de universalidade do liberalismo e apresentam como alternativa uma proposta multiculturalista que evidenciaria que diferentes culturas incluem uma diversidade de valores e diferentes formas sociais e institucionais” (Silveira, 2007, p. 172).


● “Em terceiro lugar, criticam a concepção individualista e atomizada de pessoa na teoria da justiça como eqüidade, o que impediria a existência de uma teoria da sociedade no esquema procedimental contratualista (posição original sob o véu da ignorância), o que traria, por conseguinte, uma atomização do social. Os comunitaristas identificam a matriz social a partir de um ponto de vista sócio-filosófico, como sendo a responsável pela formação de uma concepção de bem e, dessa maneira, criticam o ponto de vista liberal em que a sociedade seria vista como uma aventura cooperativa para o benefício individual, em que a sociedade é interpretada como uma associação privada formada por indivíduos que possuem interesses de maneira independente da comunidade” (Silveira, 2007, p. 172).


● No diálogo com a crítica de Jürgen Habermas:● “Para Rawls, a legitimidade é uma ideia mais fraca do

que a ideia de justiça, pois ao perguntar-se apenas pelo procedimento e não pelo resultado, é possível que a injustiça do resultado de um procedimento legítimo corrompa a legitimidade, efetivando a injustiça. Dessa maneira, não existe nenhum impedimento em admitir que a justiça como eqüidade é substantiva e não puramente procedimental, pois ressalta uma conexão intrínseca entre justiça procedimental e justiça substantiva, a fim de preservar a justiça eqüitativa” (Silveira, 2007, p. 184).


Contingências e condicionantes dos princípios de justiça

● “Os princípios de justiça são deontológicos (universais), porém, uma forte característica teleológica é identificada, em que o justo e o bem são interpretados como complementares, não estabelecendo uma sobreposição dos direitos individuais em relação aos direitos coletivos, mas, sim, operando com uma concepção de justiça política que reconcilia a liberdade dos modernos (autonomia privada) com a liberdade dos antigos (autonomia pública), levando em consideração as condições particulares (contingentes) de uma sociedade democrática” (Silveira, 2007, p. 187).


O debate John Rawls e Jürgen Habermas● “Segundo Rawls, são três os aspectos que

caracterizam o liberalismo político como uma concepção tão somente política de justiça: ele se aplica, em primeiro lugar, à estrutura básica da sociedade; pode ser formulado independentemente de qualquer doutrina abrangente específica; e suas idéias fundamentais são familiares a partir da cultura política de uma sociedade democrática e de suas tradições de interpretação da constituição e das leis básicas” (Kritsch e Silva, 2011, p. 68).


● Parte do debate entre Rawls e Habermas também se deve ao fato de que se opõem a predominância de uma concepção de justiça que se guie pela razão, e outra que tenha um caráter procedimental (como já vimos acima).

● Desse modo é que se pode compreender o papel central assumido pelo debate envolvendo, também, a concepção de pessoa.

● Pensando sobre o sujeito da justiça: ela se volta, nos casos em questão, à sociedade ou ao indivíduo?


● “Rawls, no entanto, nega que o construtivismo político envolva as questões filosóficas da racionalidade e da verdade, expressando uma concepção de razão a priori e metafísica. Segundo o autor, no liberalismo político, a concepção filosófica de pessoa é substituída pela concepção política dos cidadãos como livres e iguais – não seria necessário, em seu modelo, dizer como os homens são, e sim como estão. A tarefa do construtivismo político é, portanto, conectar os princípios de justiça com a concepção de cidadãos razoáveis e racionais” (Kritsch e Silva, 2011, p. 69).


O problema da sociedade civil e da esfera pública.● “A justiça como eqüidade, ao se dirigir a esta audiência de

cidadãos na sociedade civil, expõe várias concepções políticas fundamentais – sociedade como sistema de cooperação, cidadãos livres e iguais e sociedade bem-ordenada – e as combina em uma concepção política de justiça razoável para a estrutura básica de uma democracia constitucional. O objetivo primário é ser entendido pela audiência na sociedade civil; e o critério geral do razoável é o equilíbrio reflexivo geral e amplo. Já na teoria de Habermas o teste de verdade ou de validade moral é a aceitação inteiramente racional na situação de discurso ideal” (Kritsch e Silva, 2011, p. 70).


● Os autores distinguem suas concepções de justiça, portanto, a partir do papel exercido pelas pessoas, e pelo tipo de pessoa / individualidade em questão.

● Depreende-se daí a importância assumida pelo conceito de autonomia, de um lado, e a contraposição de razão, de um lado, e de procedimento, de outro.

● A sociedade / o regime como projeto, que se adequa às mudanças sociais que possam ocorrer.


● “A idéia que Rawls passa a defender agora, chegando mais perto de Habermas, é a de que uma sociedade democrática, marcada pelo fato do pluralismo, depende da deliberação dos cidadãos, que devem oferecer boas razões na defesa de seus pontos de vista sobre políticas fundamentais, fazendo que apareça aquilo que é comum nas doutrinas irreconciliáveis, isto é, uma idéia de razão pública” (Kritsch e Silva, 2011, p. 74).

● Nota-se a importância de se postular, além da concepção de justiça acordada, a participação dos cidadãos, o que significa a sociedade como projeto, sujeita a contínuas mudanças deliberadas.


O conceito de razão / a razão pública● “O termo “razoável” de Rawls, de acordo com

Habermas, refere-se então, em primeiro lugar, à atitude de pessoas que estão dispostas: I) a um entendimento acerca de condições eqüitativas de cooperação social entre cidadãos livres e iguais; II) a observar tais condições; III) que estão em situação de reconhecer os ônus da prova e as obrigações da argumentação assumindo suas conseqüências. Ser razoável é ser tolerante; a crença implica essa ação” (Kritsch e Silva, 2011, p. 83).


Origem, tipo e reconhecimento dos valores-chave

● “A dificuldade em relação à posição de Rawls repousa, para Habermas, no fato de que durante a formação do overlapping consensus não há nada que equivalha à autoridade neutra de um tribunal constitucional – que, além do mais, só entende a linguagem do direito. Não há, nesse estágio, a possibilidade de reclamar a prioridade do justo sobre o bem, já que esta primazia pressupõe a prioridade dos valores políticos frente aos não-políticos” (Kritsch e Silva, 2011, p. 85).


● Justiça: procedimental x substantiva.

● O problema da autonomia dos modernos vs. a autonomia dos antigos (sociedade civil).

● A teoria do discurso (teoria da ação comunicativa) em Habermas vs. a teoria da justiça em Rawls.



● Críticas comunitaristas à concepção de justiça de John Rawls.

(1) O conceito abstrato de pessoa, deixa em segundo plano o real.

(2) A oposição entre universalismo e multiculturalismo.

(3) Concepção individualista e atomizada de pessoa.



Refletindo acerca de programas de renda mínima● “Pelo princípio da igualdade todos os indivíduos

devem receber tratamento igual. Nele está implícita a noção de que todos são iguais e têm, portanto, direito de receberem os mesmos recursos.

Já o princípio da eqüidade assume que os indivíduos são diferentes entre si e, portanto, merecem um tratamento diferenciado, que elimine ou reduza a desigualdade” (Diniz, 2007, p. 107).

Expressões concretas do(s) conceito(s) de justiça


Políticas sociais de renda mínima

● A disputa entre uma política universal ou seletiva.● Distintas políticas sociais: educação; saúde;

assistência social; habitação.● “Há pelo menos dois problemas a serem enfrentados

no que diz respeito à adoção de uma renda básica universal em sociedades pobres: número excessivo de beneficiários e poucos recursos a serem distribuídos” (Diniz, 2007, p. 108).


Argumentos a favor dessa política no Brasil

(1) rompimento com o costume de intermediação de benefícios sociais estatais através de políticos profissionais, promovendo novas/outras práticas democráticas;

(2) garantia de benefício mínimo a pessoas excluídas do mercado de trabalho formal;

(3) instrumento de distribuição de renda.


● “Dois princípios, o da igualdade e o da eqüidade, podem ser vinculados aos dois modelos antes citados: o da universalização e o da focalização. Pelo princípio da igualdade adotaríamos políticas de perfil universalizante, atendendo ao preceito de que todos têm o direito a determinados serviços, pois todos os indivíduos são iguais. Não haveria, portanto, discriminações. Na focalização teríamos políticas direcionadas a uma população de beneficiários que se encontram impossibilitados de auferirem, por sua própria conta, determinados serviços que supram suas necessidades” (Diniz, 2007, p. 112).


Políticas públicas/sociais transversais● “Os programas de transferência condicionada de

renda – conditional cash transfers – têm alcançado, após a década de 1990, especial destaque no debate sobre as políticas públicas de proteção social e combate à pobreza. Frente às transformações nas condições de vida ligadas ao aumento do desemprego, precarização das relações de trabalho e crise de laços e vínculos sociais, tais programas emergem como alternativas às ações tradicionais no campo da assistência social” (Magalhães et al., 2007, p. 1418).


● Pode-se notar a expectativa com relação a programas transversais com contrapartida:

- de fato, há transferência direta de renda;

- ao mesmo tempo, porém, exigem contrapartida;

- com isso, cria-se a possibilidade de vincular e, assim, influenciar outras áreas, como, tal qual se observa no Brasil recente, a educação e a saúde.


● Ligação mais ampla com uma concepção política, que contemple justiça, cidadania e democracia.

● “As experiências também revelam que a transferência de recursos é, em geral, realizada diretamente aos pobres e a titularidade dos benefícios é preferencialmente concedida às mulheres, na perspectiva de reduzir custos administrativos e explorar o pressuposto de que as mulheres tendem a maximizar as estratégias familiares de sobrevivência e melhoria do bem-estar. Os programas de transferência de renda também tendem a fortalecer a economia local, além de favorecer a autonomia dos usuários em relação à utilização dos recursos” (Magalhães et al., 2007, p. 1418).


● A reflexão de Ione Valle sobre a ligação de Rawls e Michael Walzer com a educação.

● “ Entretanto, mesmo sem incluir diretamente a educação em seu esquema, pode-se entendê-la como um direito social fundamental ao desenvolvimento das pessoas livres e iguais. Notamos que Rawls, sobretudo na formulação do princípio da diferença, argumenta em favor da justa igualdade das oportunidades, evocando explicitamente, e com certa frequência, uma equitativa distribuição da educação, fato que nos leva a inferir que a escola figura como uma instituição social necessária à criação de condições para o progresso social” (Valle, 2013, p. 664).


● “Justiça e igualdade são, para Walzer, artefatos filosóficos, o que o leva a criticar a noção de igualdade, cuja raiz lhe parece negativa. O autor observa que, ao longo dos tempos, toda situação de igualdade tem gerado desigualdades e que a arte da diferenciação, característica da justiça distributiva, é geradora de conflitos sociais. Sua reflexão apoia-se na ideia de um pluralismo moral sem, contudo, renunciar à possibilidade de um consenso. Para conciliar universalidade e diversidade, Walzer distingue uma moral mínima (thin) de uma moral máxima (thick). Enquanto a última corresponde às morais concretas, aos sistemas complexos e desenvolvidos marcados pela diversidade e pelo conflito, a moral mínima pauta-se em um núcleo de princípios comuns a serem partilhados por todos os seres humanos” (Valle, 2013, p. 664).


“Assim, a questão que se coloca para os sociólogos é como definir uma sociedade justa: seria aquela que permite aos trabalhadores constituírem-se como sujeitos capazes de dizer onde está sua dignidade, como se forja uma vida boa e aceitável, como resistir ao encadeamento das injustiças?

Da mesma maneira, o desafio que se apresenta hoje para os sociólogos da educação é designar uma escola justa: seria aquela que articula igualdade meritocrática das oportunidades, igualdade distributiva das oportunidades, igualdade social das oportunidades e igualdade individual das oportunidades?” (Valle, 2013, p. 666).


● Ao destacar pluralismo e igualdade Walzer coloca no cerne de sua argumentação a categoria da meritocracia.

● Em termos de políticas sociais ligadas à educação, observa-se a base do problema mais recentemente debatido entre Nancy Fraser e Axel Honneth: redistribuição vs. reconhecimento.

● Deve-se, portanto, escolher o que é mais relevante.


● “No entanto, apesar da diversificação de ações de democratização e de inclusão, as desigualdades fracionam-se, multiplicam-se e diversificam-se no âmbito da escola, do mundo do trabalho, das hierarquias sociais, sem que se consiga desmontar o mecanismo e a lógica que elas ocultam. Assim, a contradição entre o princípio da igualdade de todos os alunos e a necessidade de torná-los desiguais passa despercebida, pois tudo o que coloca em xeque a compatibilidade entre esses dois fatores é enviado para fora do santuário escolar” (Valle, 2013, p. 667).

● Qual deve ser o objetivo das políticas sociais?


● Pode-se observar, com base na discussão anterior, que é insuficiente responder “justiça”, pois a questão reside em discutir no que consiste a tal da justiça.

● Enfim, essa contradição, que a configuração dos sistemas de ensino apresenta como antinomias intransponíveis (democratização/seleção, quantidade/qualidade, público/privado), persiste apesar do esforço para superar as tensões entre exigências sociais opostas ou entre os fins propostos e os meios indispensáveis para realizá-los” (Valle, 2013, p. 667)


● Debate “igualdade” e “justiça”: estabelecimento de critérios e princípios que nos digam de que tipo é cada um deles que buscamos.

● Importância do reconhecimento de que se trata, em todos os casos, de escolhas, pois as políticas sociais implicam direcionamento de algum tipo.



● Políticas de ação afirmativa racial no Brasil (Campos e Feres, 2014): reflexos dos argumentos contrapondo o multiculturalismo ao comunitarismo, com a ênfase recaindo sobre o papel da promoção da diversidade cultural.

● “Essa consideração de que 'políticas de admissão diferenciada' podem ser justificadas de um ponto de vista liberal parece apontar para a conclusão de que ações afirmativas raciais poderiam ser justificadas de acordo com o liberalismo, desde que fossem temporárias e pretendessem apenas remediar os efeitos socioeconômicos da discriminação” (Campos e Feres, 2014, p. 107).



● Importância do reconhecimento de que se trata, em todos os casos, de escolhas, pois as políticas sociais implicam direcionamento de algum tipo.

● Embate no caso das ações afirmativas: refletem a disputa entre políticas sociais que visem combater desigualdades de acesso oriundas da cor/raça, e as que se voltam ao fruto de diferenças de partida sócio-econômicas.



● Políticas de ação afirmativa veem-se, assim, sempre confrontadas com as escolhas sobre o que discriminar, pois a própria ação afirmativa é discriminatória (positiva).

● “Justificar a ação afirmativa com base unicamente na discriminação sofrida pelos negros, mulheres, deficientes etc. tende a produzir um dilema, pois contra uma discriminação a ação afirmativa produz outra. Este impasse só pode ser transcendido caso percebamos que a discriminação a ser combatida está relacionada com preconceitos e crenças inconscientes e perniciosas, enquanto a discriminação que a ação afirmativa promove se baseia em um favorecimento consciente e intencional dos membros de determinados grupos” (Campos e Feres, 2014, p. 110).




Retomando a ideia do sujeito da justiça (e/ou das políticas sociais)

● “Logo, a ação afirmativa para negros deve promover objetivos comunitários, tanto no sentido de metas tomadas como importantes para uma dada nação quanto no sentido de políticas que produzem um sentimento comunitário mais sólido” (Campos e Feres, 2014, p. 113).

● Aqui está em questão se o esforço pode ou deve estar voltado ao fortalecimento de certa comunidade ou de certo grupo em termos culturais, ou sócio-econômicos.



Entre objetivos e alvos (identitários e culturais) da política social● “Portanto, o fato de uma política ser focalizada, isto é,

diferenciar seu público-alvo com fronteiras nítidas, não é suficiente para denominá-la multiculturalista ou comunitarista. Pode-se argumentar que à diferença do Estado de Bem-Estar, políticas diferencialistas se caracterizam por propor redistribuições de recursos com base em fronteiras identitárias e não socioeconômicas. Novamente, porém, tal distinção não é suficiente, pois, como é notório, muitos países tradicionalmente social-democratas concedem benefícios específicos para idosos, crianças, mulheres ou imigrantes independentemente da condição financeira desses grupos” (Campos e Feres, 2014, p. 115).



● Expectativa do desenvolvimento (econômico) nos países em que ocorreu industrialização tardia.

● De acordo com Francisco de Oliveira (2003), um produto intelectual original da periferia.

● Teoria da dependência crítica a distinção entre “desenvolvimento” e “em desenvolvimento”, propondo a categoria “subdesenvolvimento” como um (sub)produto do desenvolvimento.

Sociologia da dependência

Raul Prebisch e a crítica à concepção de desenvolvimento econômico

● Prebisch inicia – em texto de 1950 – destacando o fato de que as duas grandes guerras mundiais questionam a divisão internacional do trabalho.

● O motivo foi a necessidade / possibilidade de os países “em desenvolvimento” se industrializarem.

● Limitações: processo de substituição de importações deveria produzir condições para a indústria nacional.


Raul Prebisch / desenvolvimento econômico

● Isso permite a Prebisch questionar os pressupostos da DIT, a saber, que as vantagens econômicas dessa especialização seriam distribuídas igualmente.

● Analogamente, a substituição de importações possui efeito limitado, pois uma mudança mais profunda está relacionada à produção de bens de capital (isto é, máquinas e máquinas que produzem máquinas), e não simplesmente a internalizar a produção dos bens de consumo anteriormente importados.



● Nota que um dos problemas em formular políticas econômicas adequadas consiste na falta/ausência de economistas capacitados.

● Isso apenas em parte pode ser resolvido através do estudo em universidades do centro, haja vista que ali se encontra uma veia universalizadora da economia, que frequentemente deixa de atentar aos caracteres específicos das diferentes formas sociais.



● “Pelo contrário, apenas poderá cumprir-se mediante um sólido conhecimento das teorias elaboradas nos grandes países, com seu grande cabedal de verdades gerais/ordinárias. Não se pode confundir o conhecimento reflexivo do extrínseco com uma sujeição mental às ideias fora de lugar, de que muito lentamente estamos aprendendo a nos livrar” (Prebisch, 1986 [1950], p. 482).



● “Temos insistido que, para conseguir o aumento de produtividade, é necessário aumentar sensivelmente o capital por pessoa e adquirir a técnica para o seu emprego eficaz. […] Com efeito, ao aumentar os salários em geral, através da maior produtividade da indústria, extende-se gradualmente o progresso a outras atividades, obrigando-as a empregar mais capital por pessoa, a fim de conseguir o incremento de produtividade, sem o qual não poderiam pagar salários mais altos” (Prebisch, 1986 [1950], p. 496).

●



● Papel distinto exercido pela relação entre as importações e as exportações no centro e na periferia – importante para conceber políticas anticíclicas.

● Fenômeno de efeitos inversos das mudanças de fluxos de moeda estrangeira provocam precisamente um efeito de dependência, explicando o motivo de ser inviável recorrer exatamente às mesmas políticas nesses contextos tão distintos.


A interpretação de FHC e Enzo Faletto● “As condições estruturais e de conjuntura deram

margem desde então à crença, comum entre os economistas, de que o desenvolvimento dependeria principalmente da capacidade de cada país para tomar as decisões de política econômica que a situação requeresse” (Cardoso e Faletto, 1975, p. 11).

● A teoria da dependência se coloca precisamente contra esse tipo de autonomização da formulação da política econômica.


Recusa a explicação/interpretação puramente econômica.● “[…] o desenvolvimento é em si mesmo um processo social

[…]. Com efeito, as análises baseadas nos esquemas econômicos de desenvolvimento (que pressupõem a viabilidade da passagem do subdesenvolvimento para o desenvolvimento, e reduzem este último, à criação de um setor dinâmico interno, capaz de determinar, po seu turno, tanto o crescimento auto-sustentado como a transferência dos 'centros de decisão') somaram-se esforços de interpretação sociológica visando explicar a transição das sociedades tradicionais para as sociedades modernas” (Cardoso e Faletto, 1975, p. 16 – aspas no original).


● Crítica à teoria da modernização, ou seja, que basta modernizar as 'sociedades tradicionais', e que é enfrentada através da análise sociológica: processos econômicos devem ser socialmente interpretados.

● A análise subordinada à modernização supõe que há um caminho linear ou etapista que leva do subdesenvolvimento ao desenvolvimento, tendo por exemplo notadamente a Europa e os EUA.

● Cria-se, assim, a concepção de países atrasados.


● Conceito unívoco e abrangente de modernização, que ignora as especificidades locais/sociais.

● “Por outro lado, também pode dar-se o caso de que a sociedade se modenize em suas pautas de consumo, educação etc., sem que correlativamente haja uma menor dependência e um deslocamento do sistema econômico da periferia em relação ao centro” (Cardoso e Faletto, 1975, p. 18).


● Questionamento a uma “naturalização” do processo de desenvolvimento.

● “Tal interpretação não significa aceitar o ponto de vista ingênuo que assinala a importância da sequência temporal para a explicação científica – origem e desenvolvimento de cada situação social – mas que o devir histórico só se explica por categorias que atribuam significação aos fatos e que, em consequência, sejam historicamente referidas. Dessa maneira, considera-se o desenvolvimento como resultado da interação de grupos e classes sociais que têm um modo de relação que lhes é próprio e, portanto, interesses materiais e valores distintos, cuja oposição, conciliação ou superação dá vida ao sistema sócio-econômico” (Cardoso e Faletto, 1975, p. 22).


● As relações coloniais e o seu papel para compreender o tipo de distinção dos países e as variadas formações sociais.

● O problema do tipo de integração dos estados-nação ao mercado mundial.

● Daí deriva a interpretação específica da relação que recebe o nome de dinâmica centro-periferia.


● “Para permitir a passagem da análise econômica ou da interpretação sociológica usuais para uma interpretação global do desenvolvimento é necessário estudar desde o início as conexões entre o sistema econômico e a organização social e política das sociedades subdesenvolvidas, não só nessas sociedades e entre elas, mas também com relação aos países desenvolvidos, pois a especificidade histórica da situação de subdesenvolvimento nasce precisamente da relação entre sociedades 'periféricas' e 'centrais'. […] Para os fins deste ensaio só é necessário indicar, no que se refere à distinção entre os conceitos de subdesenvolvimento e 'sem desenvolvimento', que este último alude historicamente à situação das economias e povos – cada vez mais escassos – que não mantêm relações de mercado com os países industrializados” (Cardoso e Faletto, 1975, p. 25 – aspas no original)


● Aproximação/definição: conceito de “dependência”.● “A dependência da situação de subdesenvolvimento

implica socialmente uma forma de dominação que se manifesta por uma série de características no modo de atuação e na orientação dos grupos que no sistema econômico aparecem como produtores ou como consumidores. Essa situação supõe nos casos extremos que as decisões que afetam a produção ou o consumo de uma economia são tomadas em função da dinâmica e dos interesses das economias desenvolvidas” (Cardoso e Faletto, 1975, p. 26).


● Distinção: desenvolvimento/subdesenvolvimento;dependência; centro/periferia.

● “A noção de dependência alude diretamente às condições de existência e funcionamento do sistema econômico e do sistema político, mostrando a vinculação entre ambos, tanto no que se refere ao plano interno dos países como ao externo. A noção de subdesenvolvimento caracteriza um estado ou grau de diferenciação do sistema produtivo – apesar de que, como vimos, isso implique algumas 'consequências' sociais […]. As noções de 'centro' e 'periferia', por seu lado, destacam as funções que cabem às economias subdesenvolvidas no mercado mundial sem levar em conta os fatores político-sociais implicados na situação de dependência” (Cardoso e Faletto, 1975, p. 27 – aspas no original).


● Trata-se, na sociologia da dependência, de uma formulação teórica original, oriunda de um contexto periférico, e que pensa a partir de e como se dão as relações centro-periferia.

● O olhar defende a importância de conjugar fatores econômicos e sociológicos. Assim precisamos, ao mesmo tempo, observar a industrialização e as formas de consumo, bem como e as relações sociais peculiares engendradas nesse contexto.



● O conceito de dependência é fruto de relações que decorrem de contexto de subordinação marcados, entre outros, pela dominação de tipo colonial.

● A sociologia da dependência questiona o viés dos processos de modernização; logo, opõe-se a uma concepção linear de história social e econômica.



● A sociologia da dependência formula conceitos de novo tipo e reinterpreta aqueles já utilizados, a fim de explicar reflexivamente as relações envolvendo o desenvolvimento / subdesenvolvimento.

● Sua reflexão crítica volta-se igualmente às relações estritamente econômicas bem como intelectuais, logo à divisão do conhecimento científico.



Referências bibliográficas

CAMPOS, Luiz Augusto e FERES JUNIOR, João. “Ação afirmativa, comunitarismo e multiculturalismo: relações necessárias ou contingentes?”. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, vol.29, n.84, fev. 2014, pp. 103-118.

CARDOSO, Fernando Henrique e FALETTO, Enzo. Dependência e desenvolvimento na América Latina. Ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro, Zahar, 1975 [1970].

DINIZ, Simone. “Critérios de justiça e programas de renda mínina”. Revista katálysis. Florianópolis, vol.10, n.1, 2007, pp. 105-114.

FILGUEIRAS, Fernando. “Justiça constitucional, legitimidade e interesse público”. Revista Brasileira de Ciência Política. Brasília, n.7, jan./abr. 2012, pp. 319-347.


KRITSCH, Raquel e SILVA, André Luiz da. “Considerações acerca da noção de razão pública no debate Rawls-Habermas”. Revista de Sociologia e Política. Curitiba, vol.19, n.39, jun. 2011, pp. 67-90.

MAGALHÃES, Rosana; BURLANDY, Luciene e SENNA, Mônica de Castro Maia. “Desigualdades sociais, saúde e bem-estar: oportunidades e problemas no horizonte de políticas públicas transversais”. Ciência & saúde coletiva. Rio de Janeiro, vol.12, n.6, nov./dez. 2007, pp. 1415-1421.

MARSHALL, T. H. “Cidadania e classe social”. In: _____. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro, Zahar, s.d., pp. 57-114.

PREBISCH, Raúl. “El desarrollo económico de la América Latina y algunos de sus principales problemas”. Desarrollo Económico. Vol. 26, n. 103, out./dez. 1986 [1950], pp. 479-502.

Referências bibliográficas (continuação)


Referências bibliográficas (fim)


RAWLS, John. A theory of justice. Cambridge, Belknap, 2005 [1971].

SILVEIRA, Denis Coitinho. “Teoria da justiça de John Rawls: entre o liberalismo e o comunitarismo”. Trans/Form/Ação. Marília, 2007, vol.30, n.1, pp. 169-190.

VALLE, Ione Ribeiro. “(In)Justiça escolar: estaria em xeque a concepção clássica de democratização da educação?”. Educação e Pesquia. São Paulo, vol.39, n.3, jul./set. 2013, pp. 659-672.

igepp certame: apo • as distintas concepções de justiça e ... · contextualização e...

Documents