imagem e discurso em uma revista “cÉlebre”: a revista do ... · educadores do sul do brasil a...
TRANSCRIPT
IMAGEM E DISCURSO EM UMA REVISTA “CÉLEBRE”: A REVISTA DO
PROFESSOR, DE PORTO ALEGRE (1985-1987)
Maria Cristina Perigo do Nascimento
Universidade Federal do Paraná
RESUMO
O presente estudo faz parte de uma pesquisa de mestrado intitulada “Relíquias de uma revista ‘célebre’: a Revista do Professor, de Porto Alegre (1985-2011) – memória, iconografia e discurso”, que estuda as concepções ideológicas que permeiam educadores do sul do Brasil, por meio da análise dos discursos e imagens veiculados na Revista do Professor, de Porto Alegre, direcionada ao professor de 1º e 2º graus, criada em 1985, num momento de redemocratização política do país (pós-Ditadura civil-militar), ou seja, de bastante incerteza. Este artigo traz as primeiras descobertas realizadas a partir da análise das capas – das doze edições da Revista em questão, publicadas nos anos de 1985, 1986 e 1987 (momento de fundação e consolidação do periódico) –, isso em relação aos artigos que correspondem às manchetes das capas. Para isso, nos valemos do método indiciário e das contribuições de autores como Bakhtin e Voloshinov (1986), Bastos, Lemos e Busnello (2007), Baxandall (2006), Burke (2004), Goodwin (2011) e Kossoy (2001). Essas primeiras análises levam a acreditar que existe uma predominância de cenas estereotipadas e, muitas vezes, uma preocupação em validar posições com a presença de “autoridades” que legitimam o discurso veiculado.
Palavras-chave: educação; história; imprensa e imagem; Revista do Professor.
Este artigo faz parte da pesquisa de mestrado “Relíquias de uma revista
‘célebre’: a Revista do Professor, de Porto Alegre (1985-2011) – memória,
iconografia e discurso”, que estuda as concepções ideológicas que permeiam
educadores do sul do Brasil a partir do momento de redemocratização política do
país (pós-Ditadura civil-militar), por meio da análise dos discursos e imagens
veiculados na Revista do Professor, de Porto Alegre – consumida, em todo o país,
principalmente, pelos professores da Educação Básica –, bem como de entrevistas
com figuras vinculadas a ela na época. Para tanto, a pesquisa se divide em três
etapas: análise das imagens das capas das 104 edições da Revista do Professor,
2
que compreendem o período (1985-2011) em que ela foi editada ininterruptamente
pelo mesmo Editor, relacionando-as com os artigos que correspondem à manchete
da capa; a realização de entrevistas com indivíduos relacionados ao momento de
sua fundação, na busca de informações sobre o surgimento da Revista, seus
bastidores, sua relação com os leitores e os colaboradores, como ela se mantinha,
como os textos eram selecionados, etc.; por fim, o confronto entre a fonte
documental e a memória dos personagens entrevistados para verificar se há uma
coerência entre ambas. Posto isso, este artigo traz as primeiras descobertas
realizadas a partir da análise das capas – das doze primeiras edições da Revista em
questão, publicadas nos anos de 1985 a 1987 (momento de fundação e
consolidação do periódico) – em relação aos artigos que correspondem às suas
manchetes.
Uma Revista “célebre”
A Revista do Professor, publicada em Porto Alegre, foi fundada pelo
advogado e professor Paulo Cesar de Castro (1941-2011), em 1985, e pela Editora
CPOEC (Centro de Pesquisas e Orientações a Exames e Concursos), de Porto
Alegre. Em fevereiro de 2012 a Revista passou a ser editada pela Editora InPacto,
de Belo Horizonte, isso até março de 2013. A partir da edição de volume 28 e
número 114, de 2013, sua edição ficou a cargo da Editora do Professor, também de
Belo Horizonte, que a mantém até hoje.
Com pompa, a Revista do Professor foi lançada oficialmente no dia 17 de
outubro de 1984 com um coquetel para 150 diretores e representantes de escolas
de Porto Alegre, além de integrantes de entidades educacionais do Estado, no salão
nobre da Associação Rio-grandense de Imprensa (ARI), em Porto Alegre. Na
ocasião, o grupo que era responsável pela Revista destacou que ela viria para
preencher “[...] a lacuna deixada pela ‘Revista do Ensino’, que orientou, informou e
3
foi agente de intercâmbio para mais de uma geração de professores.”1 O Conselho
Editorial da Revista do Professor, na época, era composto, entre outras pessoas,
pela profª Flavia Maria de Magalhães Rosa, que era ex-redatora-chefe e assistente
de direção da Revista do Ensino, e Zilá Saldanha Lauenstein, redatora por vários
anos também da Revista do Ensino. (CPOEC – 15 anos de bons serviços, Revista
do Professor, 1985, n. 1, p. 10-11).
Partindo dos pressupostos de Tania Regina de Luca, em “Fontes Impressas:
História dos, nos e por meio dos periódicos”, sobre os aspectos metodológicos que
devem ser considerados quando da utilização do periódico como fonte de pesquisa,
fizemos um levantamento prévio da materialidade da Revista do Professor –
periodicidade, cor, formato, imagens, número de páginas, uso/ausência de
publicidade. Para a autora, também outras questões importantes definem a sua
função social: Qual o conteúdo que a Revista veiculava, as relações que o periódico
mantinha com o mercado, a publicidade, qual era o público a que se destinava,
quais eram seus objetivos? (LUCA, 2010).
Posto isso, a Revista do Professor tinha periodicidade trimestral. Seus
primeiros números foram impressos em preto e branco, com exceção da capa e
quarta capa, que sempre foram coloridas. Suas medidas são de 28 x 21 cm e o seu
número de páginas 50.
FIGURA 1 – PRIMEIRAS CAPAS DA REVISTA DO PROFESSOR
1 A Revista do Ensino/RS circulou, por todo o Brasil, de 1951 a 1978 e chegou a atingir 50 mil exemplares. Era uma publicação do Centro de Pesquisas e Orientações Educacionais (CPOE). Para maiores informações sobre a Revista do Ensino, consultar: BASTOS, M. H. C. As revistas pedagógicas e a atualização do professor: a Revista do Ensino do Rio Grande do Sul (1951-1992). In: CATANI, D.; BASTOS, M. H. C. Educação em Revista: a imprensa pedagógica e a história da educação. São Paulo: Escrituras, 1997.
4
Legenda: Capas da Revista, n. 1, 1985 e n. 7, 1986.
FONTE: Revista do Professor (1985-1986).
Infelizmente, nas primeiras edições, não há indicativo de tiragem. Contudo,
já a partir da Revista de número cinco, de 1986, é anunciada a reedição dos
números anteriores, sempre com a inclusão do último número. A Revista trabalhava
com o sistema de assinaturas anuais e semestrais. No Editorial da mesma edição
cinco, há uma menção ao número de assinantes, indicativa da repercussão e
popularidade da Revista no meio educacional: “Com este número, a Revista do
Professor está entrando em seu segundo ano de existência, cônscia de sua
responsabilidade junto aos assinantes – de 2.000, no início, para 20.000 hoje [...]”.
(Editorial, Revista do Professor, 1986, n. 5, p. 3, grifo meu).
Além de ser bastante ilustrada, tanto com desenhos do ilustrador, como com
fotos de personalidades, eventos, crianças e práticas escolares, a Revista do
Professor se preocupava em trazer farto material didático-pedagógico ilustrativo,
com modelos/sugestões de atividades para trabalhar em sala de aula.
Quanto à publicidade veiculada na Revista, no começo ela é bastante tímida,
ganhando corpo a partir do terceiro número. Já quanto ao conteúdo publicado, a
Revista, na época, se dividia em várias seções. A primeira delas é Palavra do leitor,
que traz trechos das cartas de leitores. A seção que mais toma as páginas da
Revista é Sala de aula, que apresenta práticas para se trabalhar com os alunos. Há
ainda a seção Comportamento, que discute como os alunos se comportam,
questões sobre drogas, sexo, agressividade, etc., mas que não aparece em todos os
números. A seção Ficção traz uma história ficcional de cunho moral e a de Humor
(que aparece como Charge e também como Recreio) traz uma charge. Algumas
5
seções são acrescentadas posteriormente, como a seção Em foco, que traz notícias
da Educação, a seção O professor pergunta, que responde dúvidas comuns dos
professores, e a seção Relato de experiências, que apresenta experiências
didáticas de professores. A Revista finaliza com a seção Conversa ao pé do
ouvido, momento de diálogo com o professor, de discutir preocupações que ele
deve ter em conta.
Já no seu primeiro número, a Revista do Professor assume, além do
compromisso de “prestar bons serviços ao magistério”, quatro objetivos, que são
listados no Editorial: informar com precisão e honestidade; interpretar fatos e ideias
de maneira adequada e inteligível; opinar e orientar construtivamente; divulgar novos
conhecimentos técnico-científicos de interesse para a categoria profissional a que se
destina. (Editorial, Revista do Professor, 1985, n. 1, p. 3). Isso, numa “[...] linguagem
simples e apropriada, fugindo do discurso solene e sofisticado, pois este [...] serve
para deliciar uns poucos iniciados”. O público-alvo da Revista também já é
anunciado no Editorial: “[...] dedica-se ao magistério do 1º e 2º grau sem esquecer
os docentes das instituições de ensino superior”.
O primeiro Editorial se preocupa em destacar, ainda, que a Revista “[...]
defende uma comunicação social democrática, não estando – portanto – vinculada a
qualquer ideologia, credo ou grupo econômico”. (Editorial, Revista do Professor,
1985, n. 1, p. 3). A preocupação com a questão democrática retorna ainda em outros
momentos do periódico, como no Editorial “É tempo de semear”, a seguir:
Mais do que nunca é preciso crer no homem e apostar no futuro de nosso País. Vivemos um momento em que a participação consciente na construção deste Brasil [...] é um imperativo e uma prioridade. [...]. Aqui e agora é tempo de semear novas idéias, e de plantar as raízes do amanhã. [...]. É preciso que nos tornemos efetivamente uma nação em que a igualdade de oportunidades passe de letra morta de texto constitucional para a ação consciente buscada e alcançada por todos [...]. (Editorial, Revista do Professor, 1986, n. 5, p. 3).
Lembramos que na época da criação da Revista o país vivia o começo da
redemocratização política, depois da Ditadura civil-militar no Brasil, que iniciou em
6
1964 e durou até 1985, quando José Sarney assumiu a presidência, dando início à
Nova República2.
Uma singular ocorrência?3
Seguindo a perspectiva de Peter Burke, em “Testemunha Ocular: História e
Imagem”, de que [...] o historiador necessita ler nas entrelinhas, observando os
detalhes pequenos mas significativos [...] como pistas para informações que os
produtores de imagens não sabiam que eles sabiam, ou para suposições que eles
não estavam conscientes de possuir.” (BURKE, 2004, p. 238), partimos para a
análise da imagem da primeira capa da Revista do Professor de 1985, que ilustra
uma situação interessante. O que faremos é tentar transpor para a linguagem textual
a linguagem visual, sem deixar de levar em consideração o que Baxandall (2006, p.
31) destaca sobre a análise de quadros: “[...] nós não explicamos um quadro,
explicamos observações sobre um quadro.”
FIGURA 2 – ILUSTRAÇÃO DA CAPA NÚMERO 1
2 O período da Ditadura civil-militar foi marcado por ações coercivas, pelos Atos Institucionais, pela censura e pela amputação de direitos, e, na Educação, principalmente pela promulgação da Lei nº 5.392/71, que fixava diretrizes para o ensino de 1º e 2º graus. Em 1984, ocorreu as “Diretas já”, um movimento nacional pelas eleições diretas para Presidente. Mesmo assim, em 1985, aconteceu a eleição indireta de Tancredo Neves para Presidente, marcando a saída dos militares do governo, contudo, Tancredo faleceu antes da posse, deixando o cargo para o seu vice, José Sarney. 3 Um empréstimo do conto “Singular ocorrência”, de Machado de Assis.
7
FONTE: Ilustração de Jaca4, Revista do Professor, n. 1 (1985).
Na ilustração em questão, um edifício ocupa a maior parte do espaço, ele
representa a escola. Em frente ao portão, há um indivíduo, que pela indicação no
texto da reportagem é um adolescente, e um sujeito que não sabemos identificar se
é homem ou mulher. Este oferece algo que pelo título indicado na própria capa seria
droga. O ponto de vista do observador é o de cima, nós adultos com um olhar
privilegiado, superior, surpreendemos a cena em que, fora da escola, em frente à
entrada, um adulto alicia a criança entregando-lhe droga. A droga não chega à mão
da criança dentro da escola, porque dentro dela há vigilância, segurança, controle. É
possível ver que se trata de uma escola cuja sala de aula é tradicional, pois pela
janela avistamos mesinhas e cadeiras, uma atrás da outra, enfileiradas. A escola é
identificada pela placa no canto direito que mostra uma pessoa atravessando a rua,
ela está de uniforme com uma mala pequena.
Não bastasse identificar o edifício pelo mobiliário e pela placa de trânsito, o
ilustrador escreveu a palavra escola na porta. Enquanto o adolescente olha para os
lados para ver se não está sendo observado ao pegar o pacote oferecido, o aliciador
apresenta uma expressão de malícia e astúcia. Ele veste calça boca de sino com
estampa festiva, é descolado.
4 Jaca, Paulo Carvalho Jr., nasceu em Porto Alegre em 1957, trabalha profissionalmente com desenho desde os 15 anos de idade, mora em São Paulo e é ilustrador freelance. Um dos mais importantes ilustradores brasileiros, Jaca contribuiu para publicações como: Dumdum, Animal, F., Big Bang Bang, Tarja Preta, Prego e muitas outras. Disponível em: <http://www.guiadosquadrinhos.com/artista/jaca/151>. Acesso em: 29 set. 2015.
8
É certo que o ilustrador criou uma cena estereotipada. Os estereótipos são
parâmetros simplificados que transformam detalhes (calcados na observação da
realidade ou tornados reais por insistências repetitivas) no todo. A abordagem,
assim, parece estereotipada e reducionista. Mínimos transformam-se em máximas.
Para se trabalhar com elementos múltiplos complexos como o texto e a imagem é
preciso filtrar e diluir a realidade nos reservatórios estanques dos estereótipos. A
imagem pode ser reacionária ou revolucionária. Em suas instâncias mais afiadas e
criativas a ilustração provoca a reflexão e, ao usar os estereótipos, desnuda o seu
uso. Contudo, certamente este não é o caso da imagem em questão. Claramente
não se objetiva ali questionar se é realmente só fora da escola que o adolescente
entra em contato com a droga, ao contrário, reforça-se a ideia de que é somente
fora, nos arredores. Entretanto, o texto enfoca que é papel da escola mais que dos
pais lidar com essa problemática. Interessante pensar o que a imagem em questão
aliada ao texto nos diz sobre as questões respectivas de escola, de ensino, de uma
visão que se tem da escola. (GOODWIN, 2011). Outra imagem ilustra bem o uso
recorrente da estereotipia na Revista. Veja abaixo:
FIGURA 3 – ILUSTRAÇÃO DA SEÇÃO SALA DE AULA, NÚMERO 12
FONTE: Ilustração de Cláudio Cardoso e Ricardo Rodrigues5, Revista do Professor, n. 12 (1987).
Em ambas as imagens as mulheres estão vendendo quitutes em
barraquinhas de feira, a informação é confirmada pelo texto como sugestão de
atividade a ser realizada na escola para incentivar as crianças a conhecerem o
“mundo exterior”: “Tipo ‘feira’, em uma sala grande da escola, ou melhor, no pátio,
em barraquinhas, haverá tipos de merenda lembrando as diferentes cozinhas do
5 Até o momento da realização deste artigo não foi possível confirmar com exatidão informações sobre as identidades desses ilustradores.
9
Brasil, como a da Bahia, a de Minas Gerais, a do Norte, a do Sul, a do Litoral, a da
Serra...”. (Levar o pré-escolar a integrar-se no mundo, Revista do Professor, 1987, n.
12, p. 9). A primeira imagem representa o estereótipo de uma prenda gaúcha –
moça jovem, magra, bonita, com vestido de prenda e flor no cabelo. A imagem é
reforçada pelo desenho da cuia de chimarrão na parte de cima da barraquinha, outro
símbolo da cultura gaúcha. Já na imagem ao lado não é necessário nenhum reforço.
Vemos a baiana típica vendedora de acarajé (iguaria da culinária baiana)
representada pela mulher negra, gorda, com turbante e vestido com babados na
manga. A escolha da primeira imagem a ser representada também reforça a questão
regionalista, que é recorrente na Revista, lembrando que se trata de um periódico
produzido na capital rio-grandense. Para Bastos, Lemos e Busnello (2007, p. 72),
em “Pedagogia da Ilustração: uma face do Impresso”, “A imagem não atua como
uma mera ilustração, mas exerce uma função formativa do imaginário social,
importante veículo de aculturação do sujeito, perpetua identidades, valores,
tradições, culturas.”
Retornando à primeira capa, o título de chamada é “Sexo e tóxico na
adolescência”. Quanto ao texto da manchete, vemos que apesar do assunto ser
drogas e sexo, é o sexo que tem mais espaço. Há oito colunas com reflexões a
respeito de sexo na adolescência e somente duas sobre a questão das drogas.
Contudo, a ilustração e duas fotografias (sem nenhuma identificação de créditos)
que compõem a reportagem estão relacionadas a drogas. Não há imagem alguma
referente à questão sexual. Supõe-se um puritanismo, um receio, um cuidado nessa
escolha. A primeira, como vimos, é a ilustração em que o indivíduo recebe a droga
na porta da escola. As outras duas fotos, por sua vez, tratam uma de um
adolescente injetando drogas em seu braço e a outra focaliza as mãos enrolando um
cigarro de maconha. Veja as imagens:
FIGURA 4 – FOTOS DA MANCHETE “SEXO E TÓXICO NA ADOLESCÊNCIA”
10
FONTE: Revista do Professor, n. 1 (1985).
Interessante é que se trata da primeira Revista, é o primeiro número, o
cartão de visitas. A ideia principal abordada na questão tóxico é o fato de que o
jovem confuso diante da angústia de perceber a passagem da vida infantil para
adulta busca uma satisfação, uma gratificação no uso da droga. Outra questão
apontada diz respeito ao fato de que a sociedade tem facilitado a expansão das
drogas: “Hoje, há redes completas agindo desde as escolas, na distribuição e
disseminação das drogas.” (Sexo e tóxico na adolescência, Revista do Professor,
1985, n. 1, p. 28). O interessante é que para a construção do artigo foi convidada a
falar a psicóloga da Secretaria de Estado da Educação e ela reforça tanto em
relação ao sexo quanto às drogas a importância do diálogo, o despreparo dos pais
em lidar com o acontecimento e o dever da escola em suprir a falta de tato dos pais
com a problemática. Ao dar a palavra a uma autoridade oficial para dar sua opinião
sobre determinado assunto, podemos ver que a fala também tem caráter de
recomendação, ou mesmo, por que não, de norma a ser seguida. A Revista pode
querer reforçar para os seus futuros consumidores, os professores, com quem
estabeleceu parcerias. Ela se reveste, assim, de autoridade. Claramente há uma
parceria entre Estado e iniciativa privada, mas em que medida isso se dá?
O uso do discurso citado6 é bastante recorrente em toda Revista, já que é
característica marcante dos textos que se apresentam como jornalísticos. Além
6 Discurso citado: “Esquemas lingüísticos (discurso direto, discurso indireto, discurso indireto livre), as modificações desses esquemas e as variantes dessas modificações que encontramos na língua, e que servem para a transmissão das enunciações de outrem e para a integração dessas enunciações,
11
disso, para Bakhtin (1988, p. 139-140, apud CASTRO, 2014, p. 34-35), “[...] no
discurso cotidiano de qualquer pessoa que vive em sociedade (em média), pelo
menos a metade de todas as palavras são de outrem reconhecidas como tais [...].”.
E é isso o que acontece quando a Revista dá voz às autoridades, numa tentativa de
legitimar seu discurso (ou seja, numa preocupação recorrente em validar suas
posições com a presença e falas de figuras importantes). Também podemos supor
as palavras de muitos professores ressoando no discurso veiculado pela Revista.
Para finalizar nossa discussão acerca das imagens que compõem este
artigo, selecionamos algumas fotografias que compõem uma das manchetes da
Revista do Professor, ressaltando que existe uma preferência pelas ilustrações em
detrimento das fotografias no periódico. Veja as imagens abaixo:
FIGURA 5 – FOTOS DA MANCHETE “DRAMATIZAÇÃO E APRENDIZAGEM”
FONTE: Revista do Professor, n. 7 (1986).
As fotografias que fazem parte da Revista, na maior parte das vezes, são
como as que estão acima, retratam experiências diferenciadas, para a época, que
vinham sendo realizadas em algumas escolas, ou seja, são representativas de uma
enquanto enunciações de outrem, num contexto monológico coerente.” (BAKHTIN; VOLOSHINOV, 1986, p. 143, apud CASTRO, 2014, p. 37).
12
cultura escolar7. Elas refletem o desenvolvimento da atividade que se quer
evidenciar na manchete, isso quer dizer que elas tinham uma finalidade: sugerir que
através das técnicas teatrais, da expressão corporal, o aluno poderia aprender de
forma divertida, “expressar e exercitar sua criatividade”. (Dramatização: forma
criativa de aprender, Revista do Professor, 1986, n. 7, p. 5). Vemos, assim, uma
preocupação, por parte da Revista, em dialogar diretamente com o professor,
oferecendo-lhe exemplos de como desenvolver na escola uma maneira diferente de
prática escolar da que vinha sendo tradicionalmente praticada na maior parte das
escolas. Boris Kossoy (2001), em “Fotografia & História”, destaca a questão da
finalidade:
Toda fotografia foi produzida com uma certa finalidade. Se um fotógrafo desejou ou foi incumbido de retratar determinado personagem, documentar o andamento das obras de implantação de uma estrada de ferro, ou os diferentes aspectos de uma cidade, ou qualquer um dos infinitos assuntos que por uma razão ou outra demandaram sua atuação, esses registros – que foram produzidos com uma finalidade documental – representarão sempre um meio de informação, um meio de conhecimento, e conterão sempre seu valor documental, iconográfico. (KOSSOY, 2001, p. 47-48, grifo no original).
Nas imagens acima, a criança é o objeto de preocupação da Revista e,
aliadas ao texto, elas evidenciam uma ideologia pedagógica que permeia as páginas
do periódico: que o educador deve estar preparado para desenvolver na escola
práticas que incentivem a criatividade e o desenvolvimento da criança. É importante
não perder de vista que o dia a dia da sala de aula não está representado nessas
fotografias, “[...] o tema é captado através de uma ‘atmosfera’ cuidadosamente
arquitetada”, como destaca Kossoy (2001, p. 48). As crianças são “flagradas” em
atividades de descontração, fora do ambiente da sala de aula. Na primeira foto elas
estão em contato com a terra, na segunda, estão em cima de uma árvore, imitando o
bicho-preguiça, na terceira, uma das crianças está deitada em uma folha de papel e
o professor está realizando o contorno do corpo dela, enquanto outras duas estão
observando a atividade. A ideia que perpassa é a de que o conhecimento do mundo
7 “A cultura escolar é descrita como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos.” (JULIA, 2001, p. 9).
13
é derivado dos sentidos e de que cabe ao professor colocar as crianças em contato
direto com eles. A perspectiva é validada pelo texto, a dramatização “[...] se torna
uma vivência, forma de aprendizado mais abrangente que a intelectualização”
(Dramatização: forma criativa de aprender, Revista do Professor, 1986, n. 7, p. 5),
por meio das palavras da psicóloga Martha Vecchio, diretora do Centro de Educação
Criativa “Vivendo e Aprendendo”8 – o que reforça nossa afirmação de que o registro
não faz parte do dia a dia da escola, já que duas das três fotos, conforme os
créditos, foram realizadas em um Centro de Educação Criativa e não na escola
normal.
“Cousas passadas e cousas futuras”9
Tania Regina de Luca, que discute os aspectos metodológicos que devem
ser considerados quando da utilização de periódicos como fonte de pesquisa,
orientou nosso primeiro contato com o objeto de estudo possibilitando sua
apresentação neste artigo. Já o método indiciário e as contribuições de diversos
outros autores (BAKHTIN; VOLOSHINOV, 1986; BASTOS; LEMOS; BUSNELLO,
2007; BAXANDALL, 2006; BURKE, 2004; GOODWIN, 2011; KOSSOY, 2001),
possibilitaram as primeiras descobertas realizadas a partir da análise das capas e
das manchetes das doze primeiras edições da Revista do Professor (1985-1987).
Quanto às ilustrações que fazem parte do recorte deste artigo, verificamos uma
predominância de cenas estereotipadas. Quanto ao texto, uma preocupação em
validar posições com a presença de “autoridades” que legitimam o discurso
veiculado no periódico. Por fim, quanto às fotografias, detectamos o uso recorrente
de cenas que tratam de práticas escolares “sugeridas” pela Revista e que são
representativas de uma cultura escolar que a Revista queria “recomendar”. O
8 “Em 1982, um pequeno grupo de pais e mães resolveu criar em Brasília uma associação diferente. Eram 19 pessoas, entre as quais pedagogas e acadêmicos, que estavam insatisfeitas com o modelo educacional do regime militar e queriam um espaço no qual a criança fosse reconhecida como sujeito capaz de pensar, criar e fazer escolhas.” Disponível em: <https://vivendoeaprendendo.org.br/historia/>. Acesso em: 20 jun. 2016. 9 Título de capítulo do livro Esaú e Jacó, de Machado de Assis.
14
exercício do olhar que procura compreender a cultura escolar por meio da imagem
fotográfica fica como compromisso a ser discutido em um próximo artigo.
REFERÊNCIAS
BASTOS, M. H. C.; LEMOS, E. A.; BUSNELLO, F. Pedagogia da Ilustração: uma
face do Impresso. In: BENCOSTTA, M. L. (Org.). Culturas escolares, saberes e
práticas educativas: itinerários históricos. São Paulo: Cortez, 2007. p. 41-78.
BAXANDALL, M. Padrões de intenção. A explicação histórica dos quadros. São
Paulo: Companhia das Letras, 2006.
BURKE, P. Testemunha Ocular: História e Imagem. Bauru: EDUSC, 2004.
CASTRO, G. de. Discurso citado e memória: ensaio bakhtiniano sobre Infância e
São Bernardo. Chapecó: Argos, 2014.
GOODWIN, R. A monovisão dos estereótipos no desenho de humor contemporâneo.
In: LUSTOSA, I. (Org.). Imprensa, humor e caricatura – a questão dos estereótipos
culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.
JULIA, D. A cultura escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da
Educação, n. 1, p. 9-43, jan./jun. 2001.
KOSSOY, B. Fotografia & História. 2. ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.
LUCA, T. R. de. Fontes Impressas. História dos, nos e por meio dos periódicos. In:
PINSKY, C. B. (Org.). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2010.
REVISTA DO PROFESSOR, Porto Alegre: Editora CPOEC. (1985-1987).