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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA COORDENAÇÃO DE PESQUISA Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) - CNPq/UFS Projeto de Pesquisa: Representações sociais dos índios em Sergipe: Infra- humanização, racismo, sentimentos de culpa e solidariedade. Relatório Final Imagens dos índios no Brasil: breve etnografia Área de Concentração: Ciências Humanas/Psicologia Social Código CNPq: Ciências Humanas 7.07.00.00-1 / Psicologia Social 7.07.05.00-3 Bolsista: Alan Magno Matos de Almeida Departamento de Psicologia Matrícula: 04140830 Orientador: Prof. Dr. Marcus Eugênio Oliveira Lima Departamento de Psicologia RELATÓRIO FINAL Agosto/2006 - Julho/2007

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPEPRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

COORDENAÇÃO DE PESQUISA

Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) - CNPq/UFS

Projeto de Pesquisa:

Representações sociais dos índios em Sergipe: Infra-humanização, racismo, sentimentos de culpa e solidariedade.

Relatório Final

Imagens dos índios no Brasil: breve etnografia

Área de Concentração: Ciências Humanas/Psicologia SocialCódigo CNPq: Ciências Humanas 7.07.00.00-1 / Psicologia Social 7.07.05.00-3

Bolsista: Alan Magno Matos de AlmeidaDepartamento de Psicologia

Matrícula: 04140830

Orientador: Prof. Dr. Marcus Eugênio Oliveira LimaDepartamento de Psicologia

RELATÓRIO FINALAgosto/2006 - Julho/2007

Este projeto foi desenvolvido com bolsa de iniciação científicaPIBIC/COPES

São Cristóvão - SE2007

SUMÁRIO

RESUMO............................................................................................................3INTRODUÇÃO..................................................................................................4 HISTORIA DOS INDIOS DO BRASIL..........................................................5Colonização.........................................................................................................5Mortandade Indígena..........................................................................................6Assimilação cultural...........................................................................................7LEGISLAÇÃO INDIGENA...........................................................................8Índios livres e escravos......................................................................................11 INDIOS EM SERGIPE..................................................................................12REPRESENTAÇÕES SOCIAIS....................................................................13 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS ÍNDIOS NA HISTÓRIA DO BRASIL.............................................................................................................15

MÉTODO..........................................................................................................15Sujeitos Participantes..........................................................................................15Procedimentos.....................................................................................................16Instrumento.........................................................................................................16RESULTADOS E DISCUSSÕES....................................................................16CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................22

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................23ANEXOS...........................................................................................................24Anexo 1: Termo de Consentimento Informado.................................................24Anexo 2: Roteiro de entrevista..........................................................................26

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Resumo

No presente relatório apresentamos um estudo feito pelo Grupo de Pesquisa Normas Sociais, Estereótipos, Preconceito e Racismo sobre as representações sociais em que pese as imagens dos índios em Sergipe. Utilizamos o conceito de representação social utilizados por Moscovici e Jodelet. Foi feito um estudo sobre a legislação indigenista desde a Descoberta do Brasil até dos dias atuais, além de apontar as conseqüências do contato dos índios e dos portugueses, diminuição da população indígena, a transformação identitária (modos de vestir, modos de vida, etc), novos elementos culturais aparecem, em decorrência deste contato. O objetivo deste trabalho pretende entender aspectos históricos da assimilação cultural e da transfiguração étnica e aspectos mais empíricos das representações sociais dos índios em Sergipe, em que analisamos dados coletados em 6 cidades Sergipanas.

Palavras-chave: Representações sociais dos índios, assimilação cultural, transfiguração étnica.

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IntroduçãoNenhum povo que passasse por isso como sua rotina de vida, através de séculos, sairia dela sem ficar marcado indelevelmente. Todos nós, brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e índios supliciados. Todos nós brasileiros somos, por igual a mão possessa que os supliciou. A doçura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se conjugaram para fazer de nós a gente sentida e sofrida que somos e a gente insensível e brutal, que também somos. Descendentes de escravos e de senhores de escravos seremos sempre servos da marginalidade destilada e instalada em nós, tanto pelo sentimento da dor intencionalmente produzida para doer mais, quanto pelo exercício da brutalidade sobre homens, sobre mulheres, sobre crianças convertidas em pasto de nossa fúria. (Darcy Ribeiro, 1996a, p. 120)

Os índios estão no Brasil antes do seu surgimento enquanto país, eles estão nos nossos livros de história, estão na história da nossa formação cultural, política e geográfica, na nossa língua, na nossa culinária, os índios estão em todas as regiões do país e mais que tudo isto eles estão na composição genética do nosso povo. Uma pesquisa feita pela UFMG em 1997 analisando o DNA dos brasileiros, demonstrou que 45 milhões de nós temos ascendência indígena. Por que então para a maioria dos brasileiros os índios são invisíveis? Por que raramente ou mesmo nunca nos sentimos “a mão possessa que os supliciou”? Por que tão perto biológica e geograficamente e tão longe em termos de identidade nacional?

O fotógrafo e antropólogo Siloé Soares de Amorim, estudioso dos índios do Brasil, apresenta um quadro compreensivo das ambivalências nacionais em relação ao índio. Parece que amamos ou aprendemos a cultuar um índio genérico, estereotipado, que anda nu e vive nas matas da Amazônia, ou seja, amamos o índio distante e improvável, o “índio total”. Os índios particulares e reais, ainda segundo Amorim (s/d), que transitam nas periferias urbanas, semi-urbanas, rurais; entre suas aldeias, a selva e as bancadas parlamentares, estes têm a difícil missão de criar paralelos entre seus espaços étnicos e o mundo que os rodeia, entre a imagem demandada por esses espaços sócio-políticos e a imagem visual que tentam construir com a finalidade de se auto-identificar e serem identificados. Nesse embate de “ressurgência”, “transfiguração” e “aculturação” os povos autóctones têm duas alternativas impostas pelos dominantes: mantêm-se “índios” nas matas para desocuparem os espaços sociais nacionais ou ocupam os espaços sociais, mas deixam de ser “índios”.

É nesse cenário complexo que habitam e são construídas as representações sociais dos índios no Brasil. É sobre esta temática que nos interessa compreender como são percebidos os índios por pessoas que vivem próximas e por outras que vivem distante deles e o que é um “índio” no imaginário social nacional?

Este projeto de pesquisa procura investigar as representações sociais dos Índios em Sergipe e os sentimentos que ancoram essas representações. Interessa ainda analisar se essas representações são influenciadas pela presença próxima da única tribo do estado: os Xokós. Para tanto, coletamos dados nas cidades de Aracaju, Porto da Folha, Pão de Açúcar (AL)1, Estância, Itabaiana e Lagarto. Embora todos os bolsistas tenham participado de todas as fases da pesquisa, cada um deles ficou nas suas análises um elemento específico do objetivo geral. Neste relatório apresentamos uma análise das representações dos índios na história do Brasil.

1 Pão de Açúcar compôs a amostra por ser a cidade mais freqüentada pelos Xokós nas suas relações com os não índios.

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Historia dos índios do Brasil

Na realidade a história dos índios que delinearemos é uma história que se inicia da chegada aos portugueses nas costas brasileiras. Mas todos sabem que os índios já estavam aqui há muito mais tempo, sendo os primeiros habitantes do Brasil.

Quando se refere à história pré-colombiana dos índios, são suposições, desde as referências ao povoamento da América pelo estreito de Bering, que não são conclusivas, e contestada por autores tais como Meltzer (1989) e Cunha (1992). Há várias hipóteses para a chegada dos índios a América, a principal delas afirma que entre uns 35 mil anos atrás e 12 mil anos, uma glaciação teria permitido que o mar tivesse uns 50 metros reduzidos em sua profundidade, o que teria permitido a passagem a pé deste espaço entre os continentes Ásia e América. Mas não se sabe ao certo, pois a Austrália teria sido descoberta a 50 mil anos atrás pelos asiáticos, o que permitiria a ida a América pela via marítima, pelo estreito de bering muito antes. Mas Greenberg, fez um estudo em que afirma que o povoamento da América poderia ter sido feito pelo Sul, por que teria na América três grupos lingüísticos diferentes, e não apenas um do grupo lingüístico dos asiáticos da beríngia. (Cunha,1992).

È de se atentar que a catalogação desta história propriamente indígena até hoje está em aberto. Os nossos relatos de história se iniciam em 1500, com a colonização, seja por uma ausência escrita de documentação da história dos índios antes da colonização, ou porque os índios não possuíam escrita, ou porque a reconstrução da historia pré-colombiana é de difícil realização.

Colonização

Os portugueses ao chegarem à costa brasileira, tomam posse da nova terra descoberta, conferindo novos nomes a cada lugar, o nome do santo do dia, Bahia de Todos os Santos, Monte Pascoal entre outros. De certa forma esta foi uma maneira de conferir uma posse dos portugueses a terra recém descoberta. È neste contexto que há a inserção dos povos indígenas das costas brasileiras na história eurocêntrica. Ela se inicia com a descoberta pelos portugueses do que chamamos hoje de Brasil, que até então não “existia”, para Portugal, bem como por toda a comunidade Européia. Este encontro de civilizações acarreta graves conseqüências aos povos indígenas, os quais são submetidos a uma nova ordem, econômica, cultural, e religiosa. É assim que, o encontro das sociedades do antigo e novo mundo, traz consigo uma série de situações de conflito, exploração, submissão cultural e religiosa.

Todos estes aspectos da história precisam ser delineados detalhadamente, para que possamos entender as representações sociais que foram encontradas na atual pesquisa sobre os índios em Sergipe.

A história da colonização do Brasil pelos portugueses é marcada por conflituosas relações entre o estrangeiro e o nativo. O europeu inicia uma colonização que tem por marca a ocupação das terras, através da violência e expulsão dos índios de seus territórios, e o anseio de utilizar a mão-de-obra indígena para suprir seus interesses econômicos. Nesse processo, muitos índios são escravizados, tendo suas terras invadidas e tomadas e milhares deles dizimados através de guerras.

As estimativas sobre a população indígena na época do descobrimento são muito controvertidas, alguns autores como Rosenblat dá um milhão ao Brasil, enquanto outros como Denevan estimam em 6,8 milhões. (Cunha, 1992). Dados atuais da Funai afirmam

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que atualmente vivem no Brasil 460 mil índios, o que equivale a 0,25% da população nacional, o que já se mostra notória a mudança em relação ao ano de 1500, onde esta cifra irrisória de 0,25% era de 100%.

Em função das diferenças nos domínios da tecnologia bélica por parte de portugueses e índios, estes não puderam defender suas terras e sua cultura no choque com os brancos. Como coloca Darcy Ribeiro (2005, p. 250): “É evidente a importância explicativa da defasagem evolutiva entre a sociedade nacional e as etnias tribais. Ela é que impossibilitou até mesmo os grupos indígenas do mesmo complexo étnico se unificarem em organizações operativas capazes de enfrentar o invasor europeu”.

Segundo Manuela Carneiro da Cunha (1992) sem possibilidades de proteger-se da nova etnia nacional em expansão, os nativos perdem toda a área litorânea do Brasil. No período colonial, essa luta foi incentivada e mesmo financiada pelo governo metropolitano. Depois da independência, o governo não mais permitiu publicamente a invasão, porém a iniciativa privada dá seguimento à desapropriação das terras indígenas.

Com a investida de séculos de colonização, a maior parte das tribos indígenas, de fato, desapareceu. No primeiro século de colonização - século XVI - os índios do litoral do Brasil foram sendo desapropriados de suas terras para dá lugar à colonização e cultivo da cana-de-açúcar, sendo muitos deles escravizados para trabalhar na agricultura. É nesta época que os índios do tronco Tupi, vão sendo exterminados, escravizados e expulsos, restando hoje apenas os Potiguára, no litoral da Paraíba, como seus últimos representantes (MELATTI, 1980).

Logo após o século XVI, a economia brasileira já dominada pela cana de açúcar, vive a expansão para o interior do Nordeste e pelo Rio São Francisco com a criação de gado. Neste movimento de expansão, muitas tribos foram dizimadas em combates sangrentos. Na mesma época, o governo português promovia a ocupação do Maranhão e do Pará. No sul, os paulistas começavam a realizar expedições contra os índios no interior, com o objetivo de obter escravos (MELATTI, 1980).

Ainda segundo Melatti, no século XVIII, com o apogeu de exploração do ouro, a luta se dá entre os “civilizados” e os índios que habitavam as regiões auríferas - índios de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso. Em Goiás, começam a desaparecer os Kayapó do sul.

Como se não bastasse, no século XIX, os fazendeiros avançam pelo centro do Brasil e lutam com os Xavante e os Kayapó. Mesmo no século XX os conflitos continuam: em São Paulo, na construção da estrada de Ferro Noroeste, os Kaingáng são os novos “alvos”; na Amazônia, os seringueiros e coletores de Castanha-do-Pará, continuaram o processo de luta armada e milhares de índios são dizimados. Trata-se de um triste capítulo da história do Brasil sobre a mortandade indígena.

Mortandade indígena

As epidemias formam um dos principais agentes de extermínio dos povos indígenas no contato com os europeus. Os índios morriam por doenças desconhecidas, os agentes patogênicos da varíola, do sarampo, da coqueluche, da catapora, do tifo, da difteria, da peste bubônica, e até mesmo da gripe, exterminavam grupos inteiros de índios.

Grandes aldeamentos foram formados pelos portugueses, obedecendo à política de assimilação cultural empreendida pelos portugueses. A concentração da população

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nos aldeamentos, praticada pelos missionários e pelos órgãos oficiais, favorecia as epidemias.

O Sarampo e a varíola que, entre 1562 e 1564, assolaram as aldeias da Bahia fizeram os índios morrerem tanto das doenças quanto de fome, a tal ponto que os sobreviventes preferiam vender-se como escravos do que morrer a míngua (CUNHA, 1992).

Mas não foram só os agentes biológicos os responsáveis pela catástrofe do contato do índio com os europeus. Os aldeamentos religiosos favoreciam o extermínio das populações indígenas e a cristianização destes povos. Na verdade os responsáveis portugueses criaram uma série de condições desfavoráveis a sobrevivência dos índios, a guerra entre diferentes povos indígenas era apoiada pelos portugueses que procuravam meios de conseguir escravos, a guerra de conquista e apresamento forma muito comuns, todas motivadas por ganância e ambição, e formas culturais de expansão as terras que originariamente já tinham os índios como donos.

As guerras entre “índios aliados” e “índios hostis” eram consideradas “guerras justas”, e o apoio à formação de exércitos aliados entre índios e brancos contra tribos “hostis” era bastante regular. Após a guerra os índios ditos hostis serviam como escravos dos portugueses, sequiosos de mão de obra, as conseqüências a estas guerras sempre eram as mesmas, morte, fome, desestruturação social e cultural.

Isto tudo pesou na dizimação dos índios. As estimativas, que na época do descobrimento existiam no Brasil entre 1 e 10 milhões de índios (VILLALTA, 1997). Na atualidade, segundo dados da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), vivem no Brasil cerca de 460 mil índios.

Essas são apenas ilustrações de alguns fatos que marcaram e marcam a história da expansão dos brancos no Brasil. Diversos outros fatos semelhantes ocorreram ao longo da história da colonização e nem sequer foram registrados na história do Brasil.

Diante de toda essa situação, indagamos então: O que foi feito, em termos institucionais, para impedir este processo, quais as políticas implementadas, ao longo da história?

Assimilação cultural

Elementos novos também aparecem nas representações sociais que os brasileiros fazem dos índios, estes começam a serem vistos como mais “civilizados”. Em contato com o branco, muitos dos índios atuais miscigenaram e adquiriram fenótipo diverso, mudaram seus modos de vida e muitos costumes, passaram a morar em casas de alvenaria, possuindo às vezes geladeiras, eletricidade, etc.

Conhecemos esse processo pela denominação de assimilação cultural. Este termo foi primeiramente empregado pelos portugueses e franceses para designar o processo no quais os colonizados adquiriam um status de cidadão, uma vez alcançando um bom conhecimento da linguagem e um apropriado modo de se comportar (Bolaffi. G, Bracalenti.R, Braham. P and Gindro. S, p 19, 2003).

Na situação que estamos discutindo, a assimilação é parcial, porque os direitos diferiam entre os colonizadores e colonizados.

É neste contexto que Darcy Ribeiro cria o termo “transfiguração étnica” para explicar o processo de formação de uma nova identidade indígena, um novo modo de ser e viver que os índios adquirem com o contato com os brancos, pois adquiriram novos valores, normas e costumes, e, no entanto permanecem com um sistema de valores, mitos, rituais que ainda os mantém numa identidade a parte da nacional. Este

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conceito nos é útil, pois após 5 séculos de contato, os índios adquiriram uma nova configuração cultural, política, e geográfica.

O índio, ao longo da história, manteve-se em contato com o branco. Junto às novas relações (predominantemente hierárquicas e de poder) que, inevitavelmente se estabelecem, ocorre uma nova ordem e configuração das tribos indígenas e consequentemente uma nova configuração no modelo econômico, cultural e ecológico.

Os portugueses encontravam-se num movimento de expansão, colonização e ocupação. Os índios são colocados frente a essa expansão colonizadora e reagem a ela, de maneira geral, por três maneiras:

o Fuga para outros territórios e adiamento do conflito;o Enfrentamento direto, em um estado permanente de guerra;o Aceitação do convívio entre os portugueses.

As relações entre os colonizadores brancos e os indígenas estreitam-se e há então uma série de mudanças no modo de viver e ser dos índios, devido a uma configuração totalmente nova a que são submetidos. A expansão colonizadora exigia que eles ou fugissem ou reagissem pelo enfrentamento direto e guerras de defesa territorial, cultural e política, não vantajoso pela defasagem tecnológica e por não haver organização política centralizada que pudesse reunir as diversas tribos com um só objetivo. Desta forma, poucas foram as opções dos índios, ou a fuga para um posterior enfrentamento ou o enfrentamento direto que acarretou o extermínio e subjugação da maioria dos grupos tribais. O que restou então aos índios?

Neste processo, o convívio e adaptação a uma nova configuração econômica cultural e social foram inevitáveis, entretanto as novas configurações estiveram acompanhadas com a preservação de elementos culturais antigos, restauração de velhos mitos e rituais que os diferenciavam dos seus colonizadores, sustentando, desse modo, a identidade tribal e singularidade de cada etnia.

“Muitos índios se convertem em trabalhadores assalariados ou em produtores de alguma mercadoria, porque precisam de recursos para comprar ferramentas, remédios, panos e outros artigos de que necessitam. Mas, ainda assim, permanecem índios, porque se identificam e são aceitos como membros de sua comunidade indígena de origem antiqüíssima”. (RIBEIRO, 2005, p 13)

É nesse sentido que podemos nos referir aos índios Xocós e os Xukuru e a cidade de Cimbres, em Pernambuco; dos xocó, em frente da cidade de Porto real do Colégio; dos Wakoná e a cidade de Palmeira dos índios, ambas em Alagoas; dos Tuxá e a cidade de Rodelas, da Bahia. Esses grupos vivem em constante contato com outros grupos sociais, o que promove interações e mudanças de âmbito cultural, econômico, social etc. A respeito deles, não podemos tirar conclusões valorativas de que efeitos terão esse contato para a continuidade e permanência dos índios como índios. Devemos dizer, entretanto, que nosso posicionamento é de que os índios continuam sendo índios, à medida que, persiste partilhando uma mesma identificação, como grupo a parte dos brasileiros, consideram-se pertencentes ao grupo e continuam sendo aceitos como membros de sua comunidade indígena.

Legislação indígena

No período colonial, a legislação oscilou entre os interesses dos colonos, que desejavam escravizar os índios, e os esforços dos missionários, que tinham como objetivo transformar os índios em cristãos civilizados. No primeiro governo-geral, o

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regimento de Portugal recomendava um bom tratamento aos índios, desde que os mesmos não fossem hostis, sob a pena de serem mortos ou feitos prisioneiros. Já no período imperial continuava a vigorar a mesma disposição do regimento da colônia. A promulgação da lei de 1/4/1680 foi um dos momentos de declaração de liberdade de todos os indígenas do Brasil. As leis referentes à liberdade e escravização dos indígenas variaram, em vários momentos históricos, mostrando a ambivalência quanto à questão legal dos índios. Em 30/6/1609, o Rei de Portugal declara livre todos os índios do Brasil, para tentar coibir as escravizações ilícitas, mas 2 anos depois na lei de 10/9/1611 restaura a guerra justa e a escravidão dos índios ditos hostis. Essa ambivalência permanece. Uma carta régia do vice-rei do Brasil de 30/06/1721, declara que é preciso procurar extinguí-los, fazendo veemente guerra aos bárbaros (CUNHA, 1992).

A lei de 1680 tenta coibir as guerras justas desnecessárias que são geralmente criadas para a obtenção de escravos índios. A coroa já estava suspeitando, que muitos dos inimigos foram sendo criados, como um meio legal de escravidão indígena. E a maneira era sempre a mesma, uma descrição detalhada da “fereza”, “desumanidade” e “barbaridade” destes povos. Por conta disso a Coroa declara livres todos os indígenas do Brasil em 1680. A inimizade com os grupos indígenas não interessava aos Portugueses, que tinham os índios como aliados de colonização e defesa territorial contras os europeus e índios que realmente apresentassem ameaça. Muitas cartas de governadores gerais foram enviadas a coroa solicitando guerra justa contra povos indígenas (Cunha, 1992).

Há na política indigenista uma tentativa ideológica de “defesa dos índios”, para que os tenham como aliados na ocupação do território nacional, mas ao mesmo tempo permanecem interesses particulares de invasão e aprisionamento indígena, através da “guerra justa”. Esta ambivalência é fácil de observar quando acessamos aos regimentos de 24/12/1654, de uma entrada a ser conduzida pelos portugueses para queimar e destruir as aldeias inimigas, escravizando a todos e matando a todos os que de um certo modo resistirem (Cunha, 1992).

Muitas das guerras, forjadas contra os índios, foram reconhecidas na época como sendo “guerra justa”, mas sendo apenas um meio de angariar escravos. Várias foram as guerras realizadas com este intuito, mesmo que no discurso oficial, os índios devessem ser tratados com brandura. Esta ambivalência aparece a todo o momento em diversas cartas régias que constroem uma imagem dos índios como sendo selvagens e ferozes, devendo pois ser exterminados e escravizados. É de se notar como se realiza esta construção desta representação social indígena na época, de um índio que se torna um bárbaro, não porque o sejam, mas porque os portugueses, colocam desta forma, sendo uma maneira de fazer guerras justas para angariar escravos. Abaixo algumas cartas régias do período colonial.

“A carta Régia de 11/10/1707 para o Maranhão considera “considera “muito conveniente que se faça guerra ao Gentio do Corço que tem feito tantas mortes e extorções” (Cunha, p. 125, 1992)

“A carta Régia de 25/10/1707 menciona documentos recebidos da colônia que comprovam “os grandes e atrozes delitos e horríveis extorções” dos gentios, declarando-lhes guerra (Cunha, p. 126, 1992).

É assim que os índios são exterminados e escravizados, com a descrição de “suas” atrocidades, sua animalidade. A criação de guerra justa, sempre obedece a uma “construção” desfavorável e negativa sobre o índio no intuito de escravizá-los. Assim, no Brasil a condução da política indigenista se mostra como extremamente ambígua.

A coroa portuguesa desde 1500 até 1750 exercia a política de formação de aldeamentos para a catequese dos índios do Brasil, a partir de 1750, a coroa muda a

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política de aldeamentos e estabelece povoamentos portugueses próximos aos índios, para que no contato com os índios, a cultura portuguesa seja aos poucos integrada ao modo de vida dos índios. Esta é uma política oficial de 1750 a 1798, instituída a partir de Marquês de Pombal. Estabelecem-se estranhos juntos aos índios numa tentativa de assimilação cultural.

Há a partir de 1798, com a revogação do diretório Pombalino há um vazio legislativo de uma política indígena, bastante flutuante. O regulamento das missões, promulgado em 1845, retoma as diretrizes de catequese e civilização indígena.

A política indigenista no século XIX, deixa de ser essencialmente uma questão de mão de obra, para então se tornar uma questão pela posse de terras.

Nos aldeamentos antigos, as terras são ocupadas pelos colonos, o trabalho indígena só se torna fundamental em regiões de escassez de mão de obra. È o caso da extração do látex na Amazônia.

No século XIX, a política indigenista se centraliza nas mãos do imperador. Os grupos indígenas não possuem representação, ou porque os índios são cada vez menos essenciais como mão de obra ou porque a questão indígena passa a ser um problema de terras. As questões referentes, a povoamento, defesa territorial e mão de obra fazem pouco sentido nessa época. Muito é discutido a partir do fim do século XVIII e até meado do século XIX, sem devem exterminar ou incluir os índios “bravos” na sociedade. Esta questão insere o tema de discussão da época quanto à animalidade ou humanidade indígena.

Ao longo do século XIX, houve adeptos da violência como D João VI, que preconizava o extermínio de alguns grupos indígenas, como os Botocudos, para liberar para a colonização o Vale do Rio Doce no Espírito Santo e os campos de Garapuava, no Paraná (CUNHA, 1992).

Outros como José Bonifácio, eram mais brandos, propunha ele na constituição de 1823, a compra de terras dos índios em vez da usurpação delas (CUNHA, 1992).

A partir de José Bonifácio na política discursiva, os meios brandos deveriam ser adotados. Mas como D Pedro anulou a constituinte, se tornou apenas mais um discurso sem impacto real.

D Pedro, abdica do trono, há a descentralização do poder, as províncias conseguem maior autonomia, iniciando projetos mais agressivos.

“No Ceará, a assembléia provincial apressa-se em extinguir, em 1835, duas vilas de índios, seguidas de mais algumas em 1839. Em Goiás, o presidente da província organiza em 1835 e 1836 expedições ofensivas contra os índios canoeiros e Xerente e os quilombos, oferecendo-lhes as alternativas seguintes: se aceitassem a paz, seriam expulsos de seus territórios e suas lavouras queimadas, para que não retornassem; seriam mortos e os prisioneiros escravizados, caso não aceitassem.” (CUNHA, P138, 1992).

O regulamento das missões, promulgado em 1845, é o único documento indigenista geral do império. Retoma as diretrizes de catequese e civilização indígena (decreto 426 de 24/7/1845). (CUNHA, P138, 1992). É mais uma política assimilacionista na política indigenista. No Amazonas, por exemplo, a lei 239 de 25/5/1871 permite a contratação de 15 religiosos por conta da província para estabelecer missões em pontos escolhidos pela administração provincial.

Pouco mudou a política indigenista nos 4 primeiros séculos do Brasil, entre catequese e assimilação a cultura nacional. Há um vácuo de legislação, ou mesmo ineficácia de muitas das leis.

Um fato importante é a criação na República em 1910 do Serviço de Proteção ao Índio. Apesar de sua ineficiência, devido à falta de recursos financeiros, pessoal

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capacitado e apoio policial e judicial para deter as invasões, representa um marco por ser uma medida de proteção aos índios do Brasil.

Segundo Denise de Souza (2006, p 9-10), atualmente a política é de integração, de catalogar e demarcar as terras, como abaixo referido:

“A primeira vez que foi feita legalmente alusão aos direitos dos índios à posse da terra e ao respeito a seus costumes foi em 1910 com a criação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) pelo Marechal Rondon. Em 1967 o SPI foi substituído pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Na década de 70 surgem as organizações não-governamentais (ONGS), que defendem os direitos os indígenas. As legislações nacionais que se destinavam à proteção das populações indígenas até a afirmação do direito a diversidade cultural estabelecido na convenção nº 169 da Organização Mundial do Trabalho em 1989 eram de cunho integracionista. Isto constantemente implicava em considerar a condição de índio como um estado transitório da evolução humana que desapareceria gradualmente com a incorporação desses grupos a sociedade ocidental. A partir de então se abre espaço para o reconhecimento da realidade pluriétnica dos estados nacionais e do direito às populações indígenas de verem realizadas suas aspirações culturais de desenvolvimento diferenciado, de reivindicar espaço político próprio no seio do Estado e da nacionalidade”.

Uma dificuldade marcante na elaboração deste artigo foi a escassez de fontes literárias a respeito dos índios, além de uma dificuldade no acesso as leis e cartas régias. No entanto, como se trata de uma breve etnografia dos índios, serve como referência no conhecimento da política indígena, em que mais de 4 séculos o índio não teve muita relevância na discussão nacional. Também aponto a necessidade de estudos posteriores de fatos documentais de uma história que é muito pouco conhecida pelos brasileiros, apesar de ser muito relevante, já que os índios fazem parte da nossa história.

Índios livres e índios escravos

Os missionários jesuítas defendiam a liberdade dos índios, enquanto que os colonos desejavam a posse da mão de obra indígena, esse conflito de interesses teve repercussão na legislação indigenista da época. A coroa portuguesa pressionada de ambos os lados teria produzido uma política contraditória, oscilante e mesmo hipócrita em relação à liberdade indígena. Tomada em conjunto a legislação indigenista, declarava a liberdade dos índios, mas permitia o cativeiro em casos determinados. Havia no Brasil uma divisão entre índios aldeados e aliados dos portugueses, e índios inimigos situados nos “sertões” brasileiros. Para os índios aliados existia uma política de proteção; para os “índios inimigos” uma intenção de extermínio e escravização. Mas essa dualidade parece se modificar segundo as leis de 1609,1680 e 1755. (Cunha, 1992).

Aos índios aldeados era garantida a liberdade, porém deveriam ser passivos na sua utilização como mão de obra assalariada. Assim aos índios amigos era dada a possibilidade de servirem como colonizadores estratégicos, sendo catequizados, e ao mesmo tempo servirem como mão de obra livre.

Os aldeamentos eram localizados em locais estratégicos distantes das povoações coloniais, com vistas à defesa e ocupação de índios aliados do território de posse Portuguesa, contra os índios hostis e contra os europeus invasores, além de constituir uma forma de catequese e utilização de mão de obra.

A administração das aldeias inicialmente estava a cargo dos jesuítas, até a Lei de 1611, que estabelece a criação de um capitão de aldeia, encarregado do poder temporal. Ficando os jesuítas apenas com a administração espiritual. Os índios eram considerados incapazes de se auto-governarem, ou eram governados pelos missionários ou pelos administradores coloniais (Cunha, 1992). Em alguns momentos as administrações eram

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feitas por particulares, por câmaras, por missionários, mas no geral apesar da oscilação em relação à administração, os índios eram colocados a parte deste processo.

Se a liberdade era garantida aos aliados, a escravidão era o destino das tribos hostis. A Lei de 1680, declara as condições da “guerra justa”, a recusa à conversão ou o impedimento da propagação da fé, a quebra de pactos celebrados, ou a hostilidade contra colonos e aliados dos portugueses. Sendo a guerra justa uma possibilidade pelos colonos de conseguir escravos, muitos colonos tentavam provar a inimizade dos povos que queriam escravizar. Para tanto, criam imagens negativas a respeito dos índios, descrevendo a “fereza”, “barbaridade”, e “crueldade”, e os colocando como primitivos, impossibilitados de serem trazidos à civilização. Muitas guerras contra índios foram feitas, com o intuito de conseguir mão de obra escrava, e a maneira encontrada pelos colonizadores foi a demonização de alguns destes grupos indígenas. A coroa portuguesa na tentativa de evitar essas guerras desnecessárias, através das leis de 11/11/1597 e 9/5/1655, declara que as guerras justas só poderiam ser as que a coroa aprovasse como tais.

Com a suspeita de formação de guerras como pretexto para escravização indígena, a coroa chegou a proibir totalmente as guerras e escravizações de indígena. (CUNHA, 1992). Como refere Manuela Carneiro: “Cerrando a porta para pretextos , simulações e dolo com que a malícia, abusando dos casos em que os cativeiros são justos, introduz os injustos”(Cunha, 1992, p.126)

Os índios em Sergipe

A conquista de Sergipe não foi diferente do resto do Brasil, suas terras também foram ocupadas pelos colonos e os índios enfrentaram vários e graves problemas. Diniz (1991) faz um panorama da situação do índio em Sergipe na época colonial e discute uma questão pontual nessa história, que se refere ao reconhecimento do índio como tal (status de grupo) depois que esse grupo foi disperso pela violência dos colonizadores. Conforme a autora, grande parte dos índios foram expulsos de suas terras e outra parte, embora permanecesse, era tida como o “intruso”, uma vez que os colonizadores se intitulavam donos das terras. Desprovidos de terras sob seu controle, os índios viviam numa situação em que até a sobrevivência se tornara difícil. Ainda segundo Diniz (1991), por esse motivo, reis portugueses, em diferentes momentos, reconheceram aos índios o direito de posse a terra.

Em meados do século XIX acontece no Brasil um movimento de regulamentação da propriedade das terras e, ao mesmo tempo, um movimento de negação da existência de índios em Sergipe, sob a asserção de que não existia uma população indígena e sim, um grupo de habitantes que eram misturados e mestiços. Índios misturados deixam de ser índios, não sendo índios perdem o direito à terra. Apesar da pressão dos proprietários rurais, segundo Diniz, até a década de 40, as autoridades provinciais reconheciam o índio como tal. Como coloca a mesma autora:

“Tentando educá-los, removê-los ou dispersá-los, reconhecia-se contudo a existência de índios e reconhecendo-a, por coerência, deviam as autoridades garantir-lhes os direitos assegurados por lei, inclusive o direito à propriedade coletiva das terras das aldeias.” pág. 49

Entretanto, a partir da década de 50, as autoridades passam a compartilhar das idéias dos fazendeiros e insistem que as aldeias devam ser extintas e, portanto, suas terras anexadas aos bens da nação. Esse processo torna-se interessante ser referenciado porque retrata uma situação de contradição típica da sociedade brasileira, na qual nos

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parece claro que o não reconhecimento do índio como tal parece estar muito mais ligado a interesses econômicos, do que à existência ou não de uma identificação grupal.

A história nos conta que os índios em Sergipe não foram passivos e utilizaram-se de diversos meios para resistir à exploração e opressão dos colonizadores.

Em Sergipe, temos os índios xocós que habitam o município de Porto da Folha na aldeia de São Pedro e representam um grupo que conseguiu recuperar suas terras. Os xocós guardam uma história ativa, de luta e reivindicação pelas terras que lhes pertenciam e foram tomadas por fazendeiros. A história narra episódios em que representantes desse grupo foram diretamente às autoridades maiores fazer suas queixas.

Chamam-nos atenção o fato de um povo que sofreu constantemente em sua história perseguição, violência, expulsão de suas terras e consequente dispersão de seu povo, conseguir recuperar a coesão de seu grupo, organizar-se em diferentes momentos e ter representatividade para reivindicar seus direitos.

Pesquisa realizada com os índios xocós em Porto da Folha mostra uma identidade fortalecida e estável. De fato, os xocós demonstram um sentimento de pertença ao grupo indígena, grupo este que não é definido em termos biológicos ( traços fenotípicos) mas que é visto e entendido como grupo social que se constitui pela sua história, tradição, laços e cultura. De forma semelhante, posiciona-se Cunha,1986 (apud. Diniz, 1991, p.56):

“Os Xocó como muitos grupos indígenas do Brasil e particularmente do Nordeste, apesar do alto nível de mistura racial com a população envolvente e modificação de sua cultura original, identificam-se como índios e têm o sentimento de pertencerem a um grupo de referência muito definido: a comunidade indígena.”

As imagens sociais que construímos sobre as pessoas ou grupos são longamente estudadas por Moscovici e Jodelet, abaixo apresentamos teorias que nos ajudarão a entender a construção das imagens que foram sendo feitas pelos portugueses sobre os índios.

Representações Sociais

No nosso presente trabalho sobre as representações sociais dos índios em Sergipe, utilizamos este conceito de representações sociais para analisar as imagens que os sergipanos possuem dos índios, e através dela, tentamos entender a sua origem, sua formação, e sua atualidade. Nos dados apresentados alcançamos uma série destas representações.

O conceito de representações sociais se insere na psicologia social como uma manifestação do pensamento, em que formamos idéias, conceitos e imagens do mundo que nos rodeia. É através da ordem cognitiva das representações, que nos orientamos no mundo em relação a valores, preconceitos, e percepções de realidades fragmentadas, ou seja, o que percebemos dela. Jodelet (1989 apud. Strey, 1998, p 36) refere-se às representações sociais como “uma forma de conhecimento socialmente elaborada e partilhada, tendo uma visão prática e concorrendo para a construção de uma realidade comum a um conjunto social”.

Em nosso estudo coletamos muitas das representações que os sergipanos possuem dos índios. Mas antes adentraremos numa explanação sobre as funções das representações sociais, e sua importância na maneira como percebemos o mundo.

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Como afirma Moscovici (2003), as representações sociais possuem a função de convencionalizar objetos, pessoas ou acontecimentos.

Elas dão uma forma definida ao ambiente social e cultural, os inserindo em categorias. Um sinal de trânsito, a categoria vermelha, o verde e o amarelo, são convenções que foram estabelecidas e são partilhadas por um grupo de pessoas. Fazemos a todo o momento representações da realidade, forçamos também acontecimentos e objetos a entrar em determinadas categorias, fragmentamos o mundo em representações que foram socialmente formuladas. Quando perguntamos como você descreveria um índio, encontramos uma série de entendimentos sobre o que seria um índio na visão da comunidade sergipana. Assim a convencionalização dos objetos, pessoas e acontecimentos nos permitem entender, a realidade que nos cerca. Assim, como afirma Moscovici, ordenamos o mundo segundo tais representações, tal como os sinais de trânsito, orienta nossa maneira de nos comportarmos, a parar no sinal vermelho, a ter atenção no amarelo ou seguir adiante no verde, estas categorias de pensamento do que seja um índio são convenções socialmente partilhadas, culturalmente construídas, da mesma maneira a visão que temos dos negros, são representações que em geral obedecem a convenções historicamente construídas.

A comunidade social constrói e partilha de um conjunto de percepções, opiniões e noções de mundo. Um dos objetivos do nosso trabalho é tentar alcançar esta série de representações da comunidade sergipana sobre os índios.

Também pensamos que nenhuma mente está livre dos efeitos de condicionamento anteriores que lhe são impostos por representações, linguagem ou cultura. Nós pensamos através da linguagem e cultura, que inscrevem convenções a respeito do mundo e experiências nele contidas. Assim, como veremos, quando perguntamos, “Quando você pensa nos acontecimentos do Brasil, o que lembra em relação aos índios”, as respostas estão relacionadas a acontecimentos culturais da história dos índios.

Não podemos nos libertar de todas as convenções, nem podemos eliminar todos os preceitos, mas através da análise da maneira como foram sendo construídas as representações sociais que construímos dos índios, almejamos, escapar de muitas de nossas percepções preconceituosas, que muitas das vezes não estão de acordo com o índio hoje, ou mesmo no passado. Pois, muitas das representações que formam nossas concepções do que sejam índios, podem ter sido "importadas" de um passado remoto e mesmo, com preceitos inverídicos sobre os indígenas brasileiros, tal qual a percepção dos índios como preguiçosos, selvagens, inocentes etc.

Uma outra característica das representações é que elas são prescritivas, ou seja, elas se impõem sobre nós como uma força irresistível. Assim, encontramos uma resposta já pronta, uma representação que é partilhada por tantos, nos penetra e influencia, e é a partir destas representações que construímos nossa visão de mundo.

Muitas da representações que possuímos hoje sobre os índios, são representações de um passado remoto de nossa história. As representações que temos refletem um conhecimento anterior e quebra as amarras de informação presente.

Pensamos muitas vezes com ajuda de representações coletivas, sentido durkheimiano do termo. Após 500 anos, muitas das representações sociais sobre os índios continuam as mesmas, mesmo após tantas mudanças das comunidades indígenas atuais, que possuem geladeira, cama, eletricidade, e comercializam, ou mesmo trabalham na cidade. As representações permanecem quase como entidades autônomas.

O peso da história está na construção destas representações e muitas vezes sua permanência, elas são social e historicamente construídas. A tarefa que propomos é repensar e compreender as representações atuais dos índios e sua relação com a história.

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Representações sociais dos índios na história do Brasil

As representações sociais surgem a partir da interação entre grupos ou do grupo com as normas sociais. Todas as interações humanas, sejam elas entre duas pessoas ou entre dois grupos, pressupõem representações. Segundo Asch, é isso que caracteriza todas as relações, é que elas são acontecimentos que estão psicologicamente representados em cada um dos participantes (MOSCOVICI, 2000). Na realidade, interagimos mais com as imagens que temos do outro do que com o outro em si.

Tendo em vista esses conceitos, pressupomos que as representações sociais sobre os índios têm início com a chegada ao Brasil dos portugueses. Através da interação entre índios e Brancos surge grande parte das representações que até hoje muitos de nós conservamos sobre os índios.

Essas imagens foram sendo construídas ao longo da história de contato que se inicia com o descobrimento do Brasil e se estende com a colonização a que eles foram submetidos. Um processo marcado por relações de poder, assimilação cultural forçada (catequese), por violência, desapropriação das terras indígenas, expulsão dos índios e genocídios.

Podemos recorrer à Carta de Pero Vaz de Caminha - primeiro relato do contato entre os índios e brancos no Brasil, documento em que Vaz de Caminha dá notícia a el-rei D. Manuel do achamento da terra do Brasil - para observar algumas e primeiras imagens que o estrangeiro constrói a respeito dos índios.

“A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura. Nem estimam nenhuma coisa cobrir ou mostrar suas vergonhas. E estão a cerca disso com tanta inocência como têm em mostrar o rosto. Traziam ambos os beiços de baixo furados e, metidos por eles cada um seus ossos de osso, brancos(...)” (p. 357).

Muitas das representações que foram surgindo dos índios nascem neste contexto de estranhamento e desconhecimento dos portugueses sobre os índios e tornam-se tão fortes que se mantêm até a atualidade. Assim, foram sendo descobertos pelos portugueses esses novos “gentios”, pardos, cabelos corridos, inocentes por não cobrirem suas vergonhas, e tantas outras características que foram sendo incluídas na percepção dos portugueses, tanto físicas, como de vestuário, e costumes.

Conforme colocamos, essas imagens dos índios, junto com outras que remetem ao período colonial tornaram-se representação social desse grupo. É o que poderemos verificar nos dados que serão apresentados mais à frente.

MÉTODO

Sujeitos Participantes

Nosso estudo foi constituído a partir de um roteiro de entrevista estruturado aplicado com 378 moradores de 6 cidades (Aracaju 129 entrevistados; Estância 58; Itabaiana 34; Lagarto 53; Pão de Açúcar 54 e Porto da Folha 50 entrevistados), destas 6 cidades uma é a capital de Sergipe, quatro são do interior sergipano e uma fica no estado de Alagoas, porém na divisa com uma comunidade indígena do sertão sergipano, a saber, a tribo Xokó da Ilha de São Pedro em Porto da Folha/SE. Os entrevistados são

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em sua maioria mulheres (52,3%) e têm idades variando de 16 a 83 anos (Média = 34,6 anos, Desvio Padrão = 15), com renda familiar mensal que variou de menos de 1 salário mínimo (9,8%) até mais de 9 salários (12%), sendo a faixa de renda mais freqüente a compreendida entre 1 e 2 salários com 42,3% das respostas. A escolaridade dos entrevistados variou de analfabeto (3,2%) até nível superior completo (16,6%); sendo que a maioria dos entrevistados (31,9%) possui ensino médio completo. Dos 378 entrevistados 85 disseram ter parentes indígenas e 281 disseram não ter ou não saberem se tinham, sendo que 12 pessoas não responderam a esse questionamento.

Procedimentos e InstrumentosAs entrevistas foram individuais e na casa das pessoas. Participaram os

pesquisadores do NSEPR. Depois de ler Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para os entrevistados (ver termo de consentimento no Anexo A), apresentávamos nosso roteiro de entrevista (ver anexo B) e explicávamos os objetivos da pesquisa e as instruções de resposta. Basicamente as instruções diziam respeito ao caráter da entrevista e que eles deviam responder as perguntas com as suas opiniões sobre os questionamentos.

O roteiro de entrevista era composto de perguntas abertas e fechadas, onde pedimos para que os entrevistados tentassem dizer quais as opiniões sobre acontecimentos históricos. Pedíamos ainda, que dessem suas opiniões acerca da existência de violência no Brasil, sobre o que lembravam a este respeito, e o porque desta violência. Por fim analisamos as representações que os Sergipanos possuem dos índios, através da amostra de 378 moradores de Sergipe.

Para análise das respostas às perguntas fizemos análise de conteúdo seguindo Bardin (1977) e Bauer (2004). Em seguida os s dados foram tabulados e analisados no SPSS.

7. Resultados e Discussão

Para investigarmos o que as pessoas lembram ou o que está no imaginário das pessoas em relação aos índios e acontecimentos do Brasil, perguntamos aos participantes da pesquisa “Quando você pensa nos acontecimentos do Brasil, o que lembra em relação aos índios?” (ver tabela 1).

Alguns dos entrevistados não respondem à pergunta acima citada, 46 delas em relação a um primeiro acontecimento na historia do Brasil e 308 em relação a um segundo. Seja porque não sabe ou não lembra a respeito.

Aparece como dado relevante nesta discussão a visão que os índios possuem uma história de sofrimento e exclusão – totalizando 27,9% das respostas; a lembrança do índio relacionado a acontecimentos históricos antigos é de 15,9 %, sendo maior que a acontecimentos recentes 11,1%, e a acontecimentos recentes regionais ainda menor com 0,3%. Indicando a lembrança sobre os índios a um passado remoto. Para confirmar este dado somadas as categorias [acontecimentos antigos (15,9%) + origem (12,9%) + conflito/invasão(5,4%)] encontramos 34,2%, percentual de respostas muito maior em comparação a acontecimentos recentes [acontecimentos recentes(11,1%) + acontecimentos recentes regionais(0,3%)= 11,4%].

Logo, Sofrimento dos índios e exclusão, com 27,9% das respostas mais conflito/invasão com 5,4% que totalizam 33,3 por cento do total, já se percebe que os índios são vistos como um povo vitimizado na história do Brasil. Outro dado relevante é que 11,4 por cento das respostas foram acontecimentos recentes relacionados aos índios, o que demonstra que os índios não estão totalmente esquecidos no imaginário popular. Isso marca que até hoje os índios são lembrados no seu presente, seja relacionado as

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suas comunidades, ou aos acontecimentos de luta e posse de terra em que estão os fazendeiros pleiteando a terra.

Tabela 1

“Quando você pensa nos acontecimentos do Brasil, o que lembra em relação aos índios?” (primeira resposta)

Categoria de respostas Freqüência Percentagemsofrimento dos índios 54 16,2acontecimentos históricos antigos 53 15,9origem 43 12,9Exclusão 39 11,7acontecimentos históricos recentes 37 11,1não responde/não categorizável 32 9,6aculturação 25 7,5respostas evasivas 23 6,9conflito/ invasão 18 5,4tradições culturais 7 2,1acontecimentos históricos recentes regionais 1 0,3Total 332 100

Outro dado interessante é que apenas 70 dos 378 entrevistados (tabela 2) que responderam a pergunta “quando você pensa nos acontecimentos do Brasil, o que você lembra em relação aos índios?” lembraram mais de 1 aspecto histórico referente aos índios, isso indica uma certa invisibilidade do índio na história. Já que quando perguntados sobre como descreveriam os índios, 203 dos 378 entrevistados responderam mais de um aspecto da descrição indígena.

Tabela 2

“Quando você pensa nos acontecimentos do Brasil, o que lembra em relação aos índios?” (Segunda resposta)

Categoria Freqüência Percentagemsofrimento dos índios 12 17,1acontecimentos históricos antigos 9 12,8Origem 1 1,4Exclusão 3 4,2acontecimentos históricos recentes 1 1,4não responde/não categorizável 1 1,4Aculturação 20 28,5respostas evasivas 10 14,2conflito/ invasão 2 2,8tradições culturais 4 5,7acontecimentos históricos recentes regionais 7 10,0

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Total 70 100

Tabela 3

Tabela 3: Respostas à pergunta: “Vou então ler algumas frases e preciso que indique se concorda ou discorda. Na sua opinião, na história do Brasil houve violência contra os índios?”

Escolhas Freqüência PercentagemSim 352 93,1Não 19 5

Não sei 7 1,9Total 378 100

Novamente é de se notar que os índios são vistos como um grupo bastante vitimizado na sua história, de 378 respostas, apenas 19 acharam que não houve violência contra os índios no Brasil, enquanto que 352 dos entrevistados, ou seja, 93 por cento afirmam que os índios sofreram violência.

Essas questões nos levam a pensar sobre a história de descobrimento, colonização, exploração e extermínio a que os índios foram submetidos. De acordo com a FUNAI (Fundação Nacional do Índio), hoje, no Brasil, vivem cerca de 460 mil índios, distribuídos entre 225 sociedades indígenas, que perfazem cerca de 0,25% da população brasileira. Cabe esclarecer que este dado populacional considera tão-somente aqueles indígenas que vivem em aldeias, havendo estimativas de que, além destes, há entre 100 e 190 mil vivendo fora das terras indígenas, inclusive em áreas urbanas. Há também 63 referências de índios ainda não-contatados, além de existirem grupos que estão requerendo o reconhecimento de sua condição indígena junto ao órgão federal indigenista.

Em termos de porcentual da população total, as sociedades indígenas são uma pequena parte da população brasileira, hoje estimada em 188 milhões de habitantes, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Desde o descobrimento do Brasil, grande parte da população indígena foi exterminada. As tabelas 3 e 4 que refletem a opinião de que os índios foram vítimas de maus-tratos, exploração e exclusão parecem refletir que as pessoas têm consciência da condição do índio no processo histórico brasileiro.

Em respostas afirmativas à indagação. “Houve violência contra os índios no Brasil”, foi perguntado também o que o entrevistado lembrava a respeito desses acontecimentos de violência.

Tabela 4: Respostas á pergunta: “O que se lembra a esse respeito da violência contra os índios?”

Categoria Freqüência Percentagemmaus tratos/exploração/escravidão 133 37,5conflitos de terra 65 18,3questões atuais que aparecem na mídia 56 15,8não responde/não lembra/não categorizável 54 15,2colonização/descobrimento/não faz referencia 17 4,8

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direta a violênciaforam enganados/perseguidos 7 1,9acontecimentos particulares

6 1,6desmatamento 4 1,1imposição cultural/agressão a cultura 4 1,1domínio religioso/catequese 3 0,8discriminação 2 0,5desigualdade social 1 0,2não se dão bem com os brancos 1 0,2os índios não queriam sair de onde estavam 1 0,2total 354 100

Alguns entrevistados não respondem a pergunta 24 deles no total.As respostas que mais figuraram entre os entrevistados foram maus tratos,

exploração e escravidão 37,5%, conflitos de terra com 18,3. Todas essas respostas que totalizam 55,8 por cento da análise indicam a percepção de que quando lembra-se dos índios, o que mais aparece como representação social é que os índios são vistos como um povo sacrificado e sofredor, o que se confirma na história.

Questões atuais também aparecem quando se lembra a respeito da violência contra os índios com 15,8%, indicando que até hoje, os índios sofrem casos de violência.

Quando perguntamos as causas dessa violência, Tabela 4, as respostas foram: luta pela terra 22 por cento, ambição\ganância com 12 %. Essas respostas, totalizadas em 34 por cento, referem-se a acontecimentos relacionados aos Brancos, e somados com “o branco se acha superior” 6,%, Escravidão/exploração/mão de obra 3,%, os brancos são mais espertos/evoluídos 3,%, . As respostas relacionadas ao abuso do grupo dos brancos somam mais de 43% das respostas, considerando apenas estas respostas mencionadas acima. Isto indica que o desfavorecimento dos índios se dá em relação a representações do branco – mencionados nas entrevistas, a “ambição\ ganância”, “o branco se acha superior”, “escravidão\exploração\mão de obra” – e seus efeitos: preconceito, conflitos pela posse da terra. Assim, grande parte das representações dos “culpados” da violência em relação aos índios são os brancos e os motivos são esses que podemos observar na tabela abaixo:

Tabela 5: Respostas á pergunta:“Porque acha que aconteceu?”

Categoria Freqüência Percentagemluta pela terra 81 22,8ambição/ganância 44 12,3não responde/não categorizável 44 12,3preconceito e discriminação 28 7,8o branco se acha superior 24 6,7o índio é frágil/pobre/minoria 20 5,6escravidão/exploração/mão de obra 13 3,6os brancos são mais espertos/evoluídos 13 3,6

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maldade/inveja do branco 10 2,8os "outros" (pessoas,portugueses) vêem o índio como maus 10 2,8Diferenças 10 2,8irresponsabilidades/desrespeito 8 2,2os índios não querem acordo, não eram civilizados 8 2,2estupidez/falta de conhecimento 8 2,2os índios não são valorizados 6 1,6falta de governo/justiça 6 1,6Desumanidade 5 1,4os índios procuram o direito deles 4 1,1Desigualdades 3 0,8falta de amor próprio 2 0,5teve muito apoio em vários setores/privilégio 2 0,5falta de comunicação/não se relacionavam 2 0,5natural da historia 1 0,2porque são filhinhos de papai 1 0,2Drogas 1 0,2muitos não aceitam que existem índios 1 0,2Total 355 100

Alguns entrevistados não respondem a pergunta 24 deles no total.Os entrevistados, quando perguntados sobre, os motivos da violência contra os

índios em sua maioria apontam, para questões associadas aos portugueses como luta pela terra com 22,8%, ambição/ganância 12,3%. A partir destes dados já podemos perceber a situação que motivou as várias guerras ao longo dos séculos contra os índios, a luta pela terra, a principal delas e a ambição de posse dos portugueses do novo território encontrado.

Apresentou-se pelos entrevistados sergipanos a percepção do branco como causador de uma violência menos direta preconceito e discriminação 7,8%, o branco se acha superior com 6,7%. Outras respostas responsabilizando os portugueses como causadores de violência aparecem em menor percentual, mas que somados dão um grande número, tais como escravidão/exploração/mão de obra 3,6%, maldade/inveja do branco 2,8%, os "outros" (pessoas, portugueses) vêem o índio como maus 2,8%, irresponsabilidades/desrespeito 2,2%, estupidez/falta de conhecimento 2,2%, os índios não são valorizados 1,6%, que somados equivalem a 16,8%, um número significativo de respostas se comparado as respostas que colocam a culpa nos índios da violência ocorrida na história do Brasil o índio é frágil/pobre/minoria 5,6%, os índios não querem acordo, não eram civilizados 2,2%, somados 7,8% das respostas apenas. É de se notar a relevância do papel dos brancos na história do Brasil, para o extermínio dos índios e as guerras realizadas entres esses povos.

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Tabela 6: Respostas à pergunta: “Como você descreveria um índio”?

Categoria Freqüência Percentagemtraços físicos 160 43,1modo de vestir 42 11,3pessoas comuns 31 8,3pessoas diferentes 18 4,8características positivas

16 4,3não responde, não sabe, não categorizável 16 4,3Inofensivos 14 3,7Características negativas 11 2,9lutam por seus direitos(terra), batalhadores 10 2,6modos de vida (liberdade, simplicidade, 10 2,6Modernos 6 1,6relação com a terra e a natureza (vivem na mata) 6 1,6necessitados, sofridos 5 1,3elementos culturais 4 1,0Cismados 4 1,0Primitivo 4 1,0isolados/separados 4 1,0ignorantes (rude, sem cultura), despreparados, sem instrução 3 0,8ignoram a gente, não aceitam civilização como agente

3 0,8diferentes entre si 2 0,5primeiros habitantes 1 0,2pessoas com muitos filhos 1 0,2Total 371 100

Apenas 7 não respondem a pergunta da tabela acima.Aspectos referentes as características dos índios são em sua maioria com

referencia a traços físicos 43,3%, e modos de se vestir esteriotípicos 11,3%. O que parece indicar pouco conhecimento dos índios atuais, que mudaram com a miscigenação, e com a assimilação cultural, não possuindo em sua maioria os traços característicos e nem as vestes da época do descobrimento. Apesar de permanecerem índios, pois persistem partilhando uma mesma identificação, como grupo a parte dos brasileiros, consideram-se pertencentes ao grupo e ainda continuam sendo aceitos como membros de sua comunidade indígena.

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8. Considerações Finais

Depois que os portugueses chegaram ao Brasil, os índios nunca mais foram os mesmos - milhões de nativos foram explorados e exterminados, os demais tiveram seus modos de vida, costumes e tradição alterados. Consideramos importante referir a imposição da cultura estrangeira e pensar sobre as implicações dessa imposição, a partir de reflexão sobre o processo de assimilação e transfiguração étnica, baseado em estudos recentes de Darcy Ribeiro, processos estes que segundo nossa análise não parece indicar que os índios tenham perdido sua identidade.

Realizamos um aprofundamento das questões concernentes à questão legislativa indígena. Apresentamos os resultados da pesquisa no congresso científico no ano de 2007, Congresso norte-nordeste de Psicologia (CONPSI).

Os dados também indicam que no imaginário social dos sergipanos, o índio é aquele que vive afastado, que tem sua cultura preservada, não perdeu sua língua, seus costumes, crenças e que, sobretudo, não sofreu miscigenação e portanto não perdeu os traços fenotípicos que os definem como índios. É aquele índio que não entrou em contato com o branco e que, portanto, não sofreu influência de uma outra cultura.

Nos resultados observamos, os motivos que levaram a ocorrência da violência contra os índios na história do Brasil, a luta pela posse da terra, como principal motivo apresentado pelos entrevistados e também confirmado pela história do Brasil. Verificamos que as lembranças a respeito da violência contra os índios, foram de maus tratos, exploração, escravidão em quase 25% das respostas, indicando mais uma vez a visão do índio como um povo vitimizado na história.

Nas experiências de entrevista, houve uma certa dificuldade ou demora em respoder questões relacionadas aos índios, o que nos faz pensar sobre a questão indígena um pouco afastada do discurso nacional. No contato que tivemos com os Xocós percebemos muitas mudanças culturais, a utilização de energia, geladeiras, fogão etc, se modernizaram com o passar dos séculos, mas mesmo assim encontramos elementos culturais característicos relacionados ao modo de vida deles como o a dança do Toré, e o respeito aos mais velhos, na referência tida aos pais. Contudo nas entrevistas em Pão de Açúcar, percebemos que os vizinhos aos Xocós em sua maioria não consideravam-os como índios, pela mudança fenotípica e cultural inevitável do contato entre índios, brancos e negros. Muitos chegavam a afirmar, que “estes índios daí, dizem que são índios, mas para mim não são não, não tem cabelo liso, usam roupas comuns etc”. Isto foi relatado por todos os entrevistadores de Pão de Açúcar.

O conceito empregado por Darcy Ribeiro parece ser muito útil nesta questão, por abarcar a modernidade dos índios do nordeste que permanecem como índios, por se reconhecerem como tais e possuírem uma identidade diversa da nacional, o que consideramos legítimo, após tantos séculos de lutas e exploração, e inevitável assimilação de elementos culturais do brancos.

Por fim, esperamos que esta pesquisa permita de alguma maneira contribuir ainda que minimamente para ampliar o entendimento da história dos índios e das representações atuais sobre os mesmos. Talvez possibilitando a desmistificação dessas imagens e alterando algo da sua invisibilização social. Muitas das vezes, os legítimos donos da terra, não são sequer reconhecidos nas cidades vizinhas às tribos.

Questões para discussões futuras, podem ser as questões referentes a como os índios vêem esta situação de invisibilidade, e de pouco reconhecimento social.

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BOLAFFI. G, BRACALENTI. R, BRAHAM. P and GINDRO. S. Dictionary of Race, Ethnicity and Culture. SAGE Publications London, Thousand oaks, New Delhi.

FERREIRA, M. E. T. Literatura dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa. Editora Ulisseia de Autores Portugueses, 1960.

RIBEIRO, Darcy, 1922. Os Índios e a Civilização: a integração das populações indígenas no Brasil moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

BAUER, M.W., & Gaskell, G. (2004). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: Um manual prático. Petrópolis: Vozes.BARDIN, l. (1977). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70. MOSCOVICI, S. (2000) Representações Sociais. Petrópolis:VozesMALINOWSKI, Bronislaw. Uma teoria científica da cultura. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar, 1975.SILVA. D. Racismo, preconceito e imagens sociais dos índios. São Cristóvão.

Sergipe, 2006.MELATTI, J. Índios do Brasil. Ed. HUCITEC. São Paulo, SP, 1980.CUNHA. M.C (1992). Historia dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das

Letras, 2 edição.http://pt.wikipedia.org/wiki/Etnografiahttp://www.funai.gov.br/indios/fr_conteudo.htmhttp://www.ibge.gov.br/home/

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Anexo1UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIAPROJETO DE PESQUISA: Representações sociais dos índios em Sergipe: Infra-

humanização, racismo, sentimentos de culpa e solidariedadeOBJETIVO DA PESQUISA

Analisar as representações sociais que os sergipanos constroem sobre os índios, tentando entender se elementos de racismo e de infra-humanização estão presentes nessas representações e que papel os sentimentos de solidariedade e de culpa coletiva podem ter na construção dessas imagens.

PROCEDIMENTOS ADOTADOS NA PESQUISA

Serão realizadas entrevistas individuais com duração média de 20 minutos, nas quais as pessoas responderão a perguntas sobre identidade social e auto-categorização étnica.

COORDENADORES DA PESQUISA: Dr. Marcus Eugênio Lima (UFS-SE) assinatura _______________

Dra. Ana Raquel Rosas Torres (UCG-GO) assinatura _______________Dr. Rupert J. Brown (University of Sussex – UK) assinatura _______________

TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO Pelo presente documento, declaro ter conhecimento dos objetivos da pesquisa,

que me foram apresentados pelo responsável pela aplicação do questionário, e conduzida pelo Mestrado e o Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Sergipe.

Estou informado(a) de que, se houver qualquer dúvida a respeito dos procedimentos adotados durante a condução da pesquisa, terei total liberdade para questionar ou mesmo me recusar a continuar participando da investigação.

Meu consentimento, fundamentado na garantia de que as informações apresentadas serão respeitadas, assenta-se nas seguintes restrições:

a) Não serei obrigada a realizar nenhuma atividade para a qual não me sinta disposto e capaz;

b) Não participarei de qualquer atividade que possa vir a trazer qualquer prejuízo;

c) O meu nome e dos demais participantes da pesquisa não serão divulgados;d) Todas as informações individuais terão o caráter estritamente confidencial;e) Os pesquisadores estão obrigados a me fornecer, quando solicitados, as

informações coletadas;f) Posso, a qualquer momento, solicitar aos pesquisadores que os meus dados

sejam excluídos da pesquisa. g) A pesquisa será suspensa imediatamente caso venha a gerar conflitos ou qualquer mal-estar dentro do local onde ocorre.Ao assinar este termo, passo a concordar com a utilização das informações para

os fins a que se destina, salvaguardando as diretrizes das Resoluções 196/96 e 304/2000 do Conselho Nacional de Saúde, desde que sejam respeitadas as restrições acima enumeradas.

O pesquisador responsável por este projeto de pesquisa é o Professor Marcus Eugênio Lima, que poderá ser contatado pelo e-mail [email protected], telefone: 3243 1063. Endereço: Rau A, casa 10, Cond. San Diego, Aruana, Aracaju -Se. Nome: ______________________________________________________Assinatura:_______________________________________________________

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Assinatura do responsável pela pesquisa:_______________________________Aracaju................ de .............................. de 2006................

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Anexo 2

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPEDEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA – NSEPR

Projeto Representações sociais dos índios em Sergipe Apresentação: Somos um grupo de pesquisa do DPS da UFS e estamos realizando uma pesquisa cujo objetivo é analisar as imagens que os sergipanos têm sobre os índios do Brasil. Para fazer este estudo pedimos a sua colaboração, respondendo a algumas perguntas. Não se preocupe que não existem respostas erradas ou certas. Nos importa apenas a sua opinião sobre o assunto. O(a) sr(a) não precisa se identificar. E pode ter acesso aos dados do estudo, basta nos contatar neste endereço. (entrega um papel com os dados do grupo e da pesquisa). Pode colaborar? Obrigado(a)!

1. Quando você ouve a palavra (dizer nome da cidade da pessoa), quais são as três primeiras coisas que você pensa? ________________, ______________, ______________1.1. E quando você ouve a palavra “Índios”, quais são as três primeiras coisas que você pensa?______________________________________________________________________________________________________

2. Quando você pensa nos acontecimentos do Brasil, o que lembra em relação aos índios?________________________________________________________________________________________________________________________________________________

3. Para você, existem índios no Brasil? sim ( ) não ( ) não sei ( )4. E em Sergipe, existem índios? sim ( ) não ( ) não sei ( )5. Você já viu um índio, pessoalmente? sim ( ) não ( )- Em caso afirmativo, foi aqui na sua cidade? sim ( ) não ( )- Viu muitas vezes ( ) Viu Poucas vezes ( ) 6. E pela TV já viu índios? sim ( ) não ( ). Se sim: ( ) poucas ou muitas vezes ( )7. Já manteve algum contato com índios (conversas, amizade, negócios, etc.)? sim ( ) não ( )8. Como você descreveria um índio? ____________________________________________________________________________________________________________________9. Onde os índios, de uma maneira geral, vivem? _________________________________

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_________________________________________________________________________10. O que, na sua opinião, os índios, de uma maneira geral, fazem no seu dia-a-dia? __________________________________________________________________________________________________________________________________________________11. Na sua opinião, qual a coisa mais típica ou mais característica em um índio (o que mais chama a atenção)?__________________________________________________________

12. Agora eu vou ler algumas frases incompletas, gostaria que você tentasse completar as frases do jeito que achar apropriado. Vamos lá?a) Os índios são........................................................................................................................b) Se eu fosse um índio eu ......................................................................................................c) Se um filho ou uma filha meu(minha) se cassasse com um índio eu...................................

13. Na sua opinião, que características ou traços de personalidade os brasileiros, de uma maneira geral, acreditam que os índios têm? Diga o máximo que conseguir....

14. E na sua opinião pessoal, que características ou traços de personalidade os índios têm? Diga o máximo que conseguir....

Depois de finalizar as duas listas, releia cada uma das características e pergunte: “........é, na sua opinião, uma coisa positiva, negativa ou neutra. Sinalize as características com um “+”, “-“ ou “+ -“.

15. Vou então ler algumas frases e preciso que indique se concorda ou discorda e que sentimentos ou emoções essas frases lhe despertam. a) Na sua opinião, houve, na história do Brasil, violência contra os índios? (não) (sim) (não sei)Em caso afirmativo, perguntar:- O que se lembra a este respeito?______________________________________________- Por que acha que aconteceu? _________________________________________________________________________________________________________________________- O quê sente em relação a isto?_______________________________________________

b) Na sua opinião, as terras dos índios foram tomadas pelos não-indígenas?

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(não) (sim) (não sei)Em caso afirmativo, perguntar:- Por que acha que aconteceu? _________________________________________________________________________________________________________________________- O quê sente em relação a isto?________________________________________________

c) Na sua opinião, a cultura dos índios é respeitada no Brasil? (não) (sim) (não sei)Em caso negativo, perguntar:- Por que acha que acontece? __________________________________________________________________________________________________________________________- O quê sente em relação a isto?________________________________________________

d) Na sua opinião, existe discriminação ou racismo contra os índios no Brasil?(não) (sim) (não sei)Em caso afirmativo, perguntar:- Por que acha que acontece? __________________________________________________________________________________________________________________________- O quê sente em relação a isto?________________________________________________

e) Em várias regiões do Brasil os índios vivem em pé de guerra com os fazendeiros pela posse da terra. Nesta lutas, às vezes morrem índios, às vezes morrem fazendeiros. - Por que acha que acontece? __________________________________________________________________________________________________________________________- O quê sente em relação a isto?________________________________________________

f) Em 20 de abril de 97, cinco jovens de classe média queimaram o índio Galdino Jesus dos Santos, que dormia em um ponto de ônibus em Brasília. O índio morreu. Os jovens foram libertados e estão soltos.- Por que acha que acontece? __________________________________________________________________________________________________________________________- O quê sente em relação a isto?________________________________________________

h) Qual, na sua opinião a maior semelhança entre um índio e um negro no Brasil?

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________________________________________________________________________

i) E qual a maior semelhança entre um índio e um branco? ________________________________________________________________________

16. Vou ler uma lista de sentimentos. Dê para cada um deles uma nota de 0 (zero) a 5, em função do quanto eles expressam o que você sente em relação aos índios do Brasil. Quanto maior a nota mais forte o sentimento. Admiração ( )Culpa ( )Simpatia ( )Desprezo ( )

Orgulho ( )Pena ( )Respeito ( ) Outra __________________

Raiva ( ) Indiferença ( )Solidariedade ( )

17. Qual a sua opinião sobre reserva de vagas ou cotas de acesso para os índios a empregos e as universidades públicas?Discordo ( ) Concordo ( ) Não sei responder ( ) Por que? (Justifique)_________________________________________________________________________________________________________________________________

Qual a sua idade____________Nível de escolaridade (estudou até que série/ano)?_____________Sexo: fem. ( ) masc. ( )Renda familiar aproximada: ( ) Menos de 1salário ( ) 1-2 ( ) 3-4 ( ) 5-6 ( ) 7-8 ( ) 8-9 ( ) mais de 9 salários.Que saiba, tem algum parente indígena? ( ) sim ( ) não

Obrigado pela colaboração!

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