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Revista de Administração FACES Journal ISSN: 1517-8900 [email protected] Universidade FUMEC Brasil Duarte Pimentel, Thiago; Pádua Carrieri, Alexandre de; Lima, Marcelo Simão OS IMPACTOS DA IMPLEMENTAÇÃO DE SISTEMAS DE GESTÃO INTEGRADA NAS RELAÇÕES DE PODER - ESTUDO DE CASO NO SETOR ALIMENTÍCIO Revista de Administração FACES Journal, vol. 7, núm. 4, octubre-diciembre, 2008, pp. 64-86 Universidade FUMEC Minas Gerais, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=194016900005 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Revista de Administração FACES Journal

ISSN: 1517-8900

[email protected]

Universidade FUMEC

Brasil

Duarte Pimentel, Thiago; Pádua Carrieri, Alexandre de; Lima, Marcelo Simão

OS IMPACTOS DA IMPLEMENTAÇÃO DE SISTEMAS DE GESTÃO INTEGRADA NAS RELAÇÕES

DE PODER - ESTUDO DE CASO NO SETOR ALIMENTÍCIO

Revista de Administração FACES Journal, vol. 7, núm. 4, octubre-diciembre, 2008, pp. 64-86

Universidade FUMEC

Minas Gerais, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=194016900005

Como citar este artigo

Número completo

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Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal

Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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FLÁVIA LUCIANE SCHERER . CLANDIA MAFFINI GOMES

ADMINISTRAÇÃODA PRODUÇÃO

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OS IMPACTOS DA IMPLEMENTAÇÃO DE SISTEMAS DE GESTÃO INTEGRADA NAS RELAÇÕES DE PODER – ESTUDO DE CASO NO SETOR ALIMENTÍCIO

ESTRATÉGIA

OS IMPACTOS DA IMPLEMENTAÇÃO DE SISTEMAS DEGESTÃO INTEGRADA NAS RELAÇÕES DE PODER –

ESTUDO DE CASO NO SETOR ALIMENTÍCIO

THE IMPACT OF THE IMPLEMENTATION OF MANAGEMENT SYSTEMS INTEGRATEDWITH POWER RELATIONSHIPS - STUDY OF CASE IN THE FOOD SECTOR

Thiago Duarte PimentelUFMG

Alexandre de Pádua CarrieriUFMG

Marcelo Simão LimaUFMG

RESUMO

Este trabalho visa identificar e analisar as mudanças nas relações de poder, em uma empre-sa do setor de alimentos, decorrentes da implementação de um sistema Enterprise Resour-ces Planning (ERP). Os sistemas ERP têm-se destacado dentre as soluções disponibilizadaspela Tecnologia da Informação (TI) como um meio eficaz de integrar os processos dasempresas e de fornecer informações gerenciais confiáveis e em tempo real. Porém, a im-plantação de um sistema ERP gera profundas mudanças sócioculturais na organização,sendo uma das mais relevantes o impacto nas relações de poder. Assim, a sustentaçãoteórica apóia-se no arcabouço de estudos sobre poder e suas relações, assim como nossistemas ERP, considerando aspectos como definição, origem, evolução, vantagens e des-vantagens, implementação e mudanças organizacionais decorrentes desse processo. Napesquisa, classificada como qualitativa, utilizou-se o método do estudo de caso em umagrande empresa manufatureira do setor alimentício. Os resultados permitiram identificar eavaliar os impactos nas relações de poder na empresa, decorrentes da implementação dosistema ERP, onde se observou uma redistribuição do poder na organização, afetando oequilíbrio das relações de poder, identificado anteriormente à implementação do novosistema.

PALAVRAS-CHAVE

Mudanças. ERP. Setor Alimentício.

ABSTRACT

This paper intents to identify and analyse changes on power relations at a food enterpriseafter an ERP’s (Enterprise Resource Planning) software. ERP’s softwares are lidership between

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solutions in Information Technology as a eficient way to integrate enterprise process and toprovide confiable manage informations in real time. However, an ERP software implementationgenerate deep social and cultural changes in organization, and like the main is the powerrelations impact. In this manner, theoric sustentation cames from studies of power and itsrelations, like ERP softwares, considering definition, origin, evolution, advantage and disvantage,implementation and organizational changes in the process. On research, thought as qualitative,we use case study in a huge enterprise from food sector. Results prmit to identify andavaliate impacts in power relations on enterprise came from ERP software implementation,about observate a power distribution on organization, affecting the power relation beforethe implementation of the new software.

KEYWORDS

Changes. ERP. Food Sector.

INTRODUÇÃO

O presente estudo pretende contribuir, pormeio de uma discussão empírica, com a área te-mática dos impactos socioculturais dos sistemasde informação. Evidencia como se dá o impactoda implantação de sistemas integrados de infor-mação nas percepção dos funcionários e em suasrelações socioculturais como, por exemplo, a di-nâmica das relações de poder dos grupos intraor-ganizacionais no contexto de transformação natecnologia da informação. Especificamente, bus-cou-se analisar as mudanças ocorridas nas rela-ções de poder decorrentes da implementação deum sistema de gestão integrada, denominadoEnterprise Resources Planning (ERP), a partir deum estudo empírico numa organização do setorde alimentos. De forma complementar, o presen-te artigo torna-se potencialmente útil na medidaem que contribui, de forma aprofundada, tantoteórica quanto empiricamente, para o entendimen-to dessas relações de poder, e acena para umapossível minimização dos conflitos.

Segundo Alves e Silva (2000), os sistemas ERPse referem a um pacote de software modular que

tem como objetivo primário auxiliar os processosde gestão de uma empresa nas mais importantesfases de seu negócio. Essas fases incluem, porexemplo: compra de matéria-prima, interação comfornecedores e clientes, acompanhamento dasordens de produção, gestão de estoques, gestãode contabilidade e financeira, gestão de recursoshumanos e gestão da qualidade e de projetos,por meio da automatização de processos. Ha-berkorn (1999), Keller e Teufel (1998) destacamque, para a organização usufruir os benefícios re-lacionados à aquisição dessas novas tecnologias,alguns desafios precisariam ser superados, princi-palmente aqueles relacionados ao processo deimplantação do ERP, que envolve estudos minu-ciosos e custos elevados, além de costumar sertraumático, por representar mudanças significati-vas nas organizações.

Dentre essas mudanças organizacionais, umadas mais relevantes e, paradoxalomente, menosestudadas, é o impacto nas relações de poder pro-porcionado pela implementação de sistemas ERP(DAMASCENO, 2001). Tanto a teoria organizacio-nal quanto a tecnologia da informação abordam

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OS IMPACTOS DA IMPLEMENTAÇÃO DE SISTEMAS DE GESTÃO INTEGRADA NAS RELAÇÕES DE PODER – ESTUDO DE CASO NO SETOR ALIMENTÍCIO

de forma superficial (quando o fazem) os impac-tos da implementação de novas tecnologias (den-tre elas os ERPs) nas relações de poder nas orga-nizações (ELMES; STRONG; VOLKOFF, 2005).Recentemente o impacto desses sistemas passaa ser observado de forma mais profunda nas rela-ções sociais (WOLFE; MCGINN, 2005; CHAN; MI-LLS; WALKER, 2008).

As relações de poder nas organizações sãoobjeto de estudo da administração desde seusprimórdios. Segundo Clegg (1996), a noção depoder nas organizações fundamenta-se na tradi-ção weberiana, na estrutura hierárquica e nas re-lações entre níveis organizacionais. Para Faria(2003), o poder representa a capacidade de umaentidade (indivíduo, grupo ou classe) de definir eexercer seus interesses, apesar das resistências aoexercício desta ação, independente do nível estru-tural em que tal relação esteja fundamentada. Jásegundo Pagés et al. (1987), as relações de po-der devem ser estudadas no contexto da estrutu-ra de controle imposto pelas empresas.

Para a concretização empírica da pesquisa pro-posta, foi utilizado o método do estudo de caso(YIN, 1984; VERGARA, 2005), enfocando o casoda empresa “BETH”,1 que implementou o siste-ma informatizado de gestão integrada (ERP) R/3da SAP, no ano de 2002. A empresa estudadapossui sede e unidades fabris localizadas no esta-do de Minas Gerais. Trata-se de uma empresa tra-dicional em seu ramo de atividade, existente hámais de 70 anos, e constituída sob a forma desociedade anônima de capital fechado, mantidasob controle familiar.

Esta pesquisa divide-se em cinco partes: a pri-meira parte trata da revisão do arcabouço teóricosobre os temas de relações de poder, definidasno universo dos paradigmas das ciências sociaisque fundamentam as formulações teóricas da te-oria organizacional. A segunda parte refere-se à

caracterização dos sistemas integrados de gestão(ERP). Em seguida, na terceira parte, apresenta-sea metodologia de pesquisa utilizada para o de-senvolvimento e análise do estudo em questão.Já na quarta parte discutem-se os dados e resulta-dos obtidos com as entrevistas aplicadas aos em-pregados da organização estudada. E por fim, naquinta parte, tecem-se algumas considerações aque este estudo permitiu chegar.

RELAÇÕES DE PODER NAS ORGANIZAÇÕES

No campo da teoria organizacional, os princi-pais estudos acerca do poder e suas relações po-dem ser agrupados em enfoques, baseados nassemelhanças entre as idéias dos principais auto-res que tratam desse tema. Porém, segundo Faria(2004, p. 25), “esta classificação [por enfoques]sempre corre o risco de ser arbitrária ou poucoprecisa”, mas se trata de um enquadramento ne-cessário a um melhor entendimento e compreen-são do construto teórico que serviu de base con-ceitual para a pesquisa que ora se apresenta. Alémdisso, representa uma classificação convencional-mente utilizada nos estudos organizacionais.

O entendimento do poder e das relações depoder nas organizações, segundo o enfoque clás-sico, também conhecido como da “organizaçãocientífica do trabalho”, baseia-se nos estudos deTaylor (1970), Ford (1954) e Fayol (1978). Ofoco principal dessa abordagem é a busca inces-sante por aumento da eficiência do trabalho, me-diante a racionalização dos processos, principal-mente na produção, controle excessivo do traba-lho e do trabalhador, e divisão do trabalho, exem-plificada principalmente pela linha de montagemde Ford (1954). Segundo Faria (2004), esses fa-tores modelam a concepção das relações de po-der nessa abordagem, na medida em que institu-cionalizam relações de submissão.

1 O nome da empresa estudada foi preservado, visando proteger a identidade dos entrevistados.

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No enfoque das relações humanas, é introdu-zido o elemento humano nos estudos relativos àprodução e seus mecanismos. Para Faria (2004),a descoberta da hierarquia das necessidades hu-manas, realizada por Maslow (1970), possibilitouà gerência controlar essas necessidades, visandoconstruir comportamentos adequados à melhoriada produtividade. Outro enfoque bastante usadoé o comportamentalista, que se originou essenci-almente dos estudos comportamentais da psico-logia, cuja idéia principal é a de que determinadossímbolos de poder causam comportamentos cor-respondentes à relação de causa e efeito. Faria(2003) afirma que, nesse enfoque, as relaçõessociais são entendidas como um jogo de podercujo objetivo principal é descobrir o que se quer econsegui-lo. Assim, o poder torna-se um conceitoparticular para cada indivíduo, fruto de sua própriadescoberta, cuja essência é a capacidade de su-portar as exigências alheias, de preservar a liber-dade de ação e de efetuar mudanças.

No enfoque interpretacionista, Weber (1944)afirma que o poder é entendido como a probabi-lidade de impor a própria vontade no contexto dasrelações sociais. Seu entendimento do poder ede suas relações está relacionado ao conceito dedominação, definida como a manutenção da obe-diência em determinado grupo social. Por sua vez,a dominação estaria fundamentada na existênciade sua legitimidade, que pode ser: a) burocrática,ou racional, com base no pressuposto de legali-dade dos ordenamentos instituídos; b) tradicio-nal, baseada nas crenças e nos valores da tradi-ção; e c) carismática, fundamentada em caracte-rísticas pessoais de um determinado indivíduo.Nesse sentido, o entendimento do poder e de suasrelações, está relacionado ao estudo de conceitoscomo dominação, obediência, disciplina, autorida-de, coerção e legitimidade (WEBER, 1997). Umaspecto relevante no estudo das relações de po-der sob a perspectiva weberiana é a relação entrepoder e autoridade, na qual a burocracia é enten-

dida como um instrumento de exercício de poder,baseado na autoridade conferida pela estruturahierárquica impessoal (MOTTA, 1997). Esta con-cepção deve ser vista com restrições, pois nãoexplica as formas de poder advindas de outrasfontes além da estrutura hierárquica. Por exem-plo, o poder informal ou de resistência de um in-divíduo ou grupo da organização.

A forte influência weberiana no enfoque es-truturalista é destacada por Clegg (1979, 1996),ao mencionar que a noção de poder organizacio-nal se fundamenta na estrutura hierárquica e nasrelações entre os diferentes níveis organizacionais.Em seus estudos sobre poder, Hardy e Clegg(2001, p. 303) ampliam o entendimento, ao afir-marem que

[...] o poder não é mais considerado como um

recurso determinístico e manipulável, mas precisa

ser visto como uma teia de relações em que todos

os atores operam [interagem], e da qual as pers-

pectivas de escapar são limitadas tanto para os

grupos dominantes quanto para os subordinados

(HARDY; CLEGG, 2001, p. 303).

Os autores destacam ainda que as atividadesde supervisão, desempenhadas pelos níveis hie-rárquicos superiores das organizações, são umaforma comum de exercício das relações de podere que a melhor supervisão não se limita exclusiva-mente a controles internos, mas “se estende tam-bém a práticas culturais de adesão, de permissãoe de persuasão morais [...] que, em um nível par-ticular de aplicação, pode incluir a utilização denovas técnicas como o controle informatizado dosníveis de produção” (CLEGG, 1996, p. 52), taiscomo os praticados pelos sistemas ERP, por exem-plo. Ainda considerando o aspecto externo, Thomp-son (1976) afirma que uma empresa tem poderem relação a um elemento de seu ambiente ope-racional na medida em que tem a capacidade desatisfazer necessidades desse elemento e mono-poliza tal capacidade.

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Para Faria (2003, 2004), a teoria dos siste-mas, ou o enfoque sistêmico/contingencial, temorigem na corrente funcionalista ,,,,, proposta porRadcliff-Brown e Mauss. Esses autores procuramintroduzir, na área das ciências humanas, concei-tos e terminologias originadas nas ciências natu-rais, propondo uma interação com as ciênciashumanas.

O cerne do enfoque sistêmico, a exemplo do que

se encontra na abordagem funcionalista […] está

em que a sociedade comporta relações de equilí-

brio de interação, de forma que seus elementos

constitutivos (subsistemas) operam segundo uma

lógica natural, em que seus componentes inter-

nos estabelecem arranjos (funções) que promo-

vem sua ação interativa com os demais compo-

nentes do sistema (FARIA, 2003, p. 71-72).

Nessa abordagem, o poder é definido como acapacidade de um indivíduo ou uma organizaçãode impor extrapolações ou projeções de sua es-trutura interna em seu meio ambiente. Assim, opoder é entendido não como a “essência” da po-lítica, mas como um dos seus instrumentos utili-zados, principalmente quando a influência, o há-bito ou a coordenação voluntária tenham falhadoou não tenham logrado servir adequadamente àfunção de alcançar os fins propostos.

É nesse sentido que Mintzberg (1983) incor-pora, em sua análise do poder e de suas relações,a formação de coalizões internas e externas àsorganizações que, mediante o exercício da influ-ência (fonte de poder), resultam em configura-ções de poder que afetam diretamente a opera-ção e produção de resultados das organizações.

Dessa forma, segundo Mintzberg (1983), po-der é a capacidade de influenciar os resultadosorganizacionais, considerando que o comporta-mento das organizações é produto de um jogo(relações) de poder em que vários jogadores (ato-res) buscam controlar as decisões e ações organi-zacionais. Estes atores (empregados, chefias, ge-

rentes, diretores, etc.), ou influenciadores, utilizammeios ou sistemas de influência para controlardecisões e ações, sendo necessária, para esse fim,a existência de bases de poder e qualificação po-lítica para a utilização dessas bases. Assim, ficaclara a idéia de que, para o autor, investigar rela-ções de poder nas organizações significa identifi-car os diversos sistemas de influência e o modocomo eles interagem. A partir dessa identificaçãoda interação dos sistemas de influência, de autori-dade, de experiência e o político, seria possíveldiagnosticar as configurações de poder que en-volvem as coalizões externa e interna nas organi-zações.

Vários outros estudos ainda contribuíram sig-nificativamente para o entendimento das relaçõesde poder nas organizações. Em uma abordagemcrítica, os estudos de Foucault (1996) não consi-deram o poder e suas relações como algo defini-do ou delineado, mas como uma prática socialem constante transformação. Isso é percebido prin-cipalmente na correlação elaborada pelo autorentre verdade e poder. Ele considera a verdaderelacionada a sistemas de poder que a produzeme apóiam, reproduzindo e induzindo a verdadeem cada grupo social. Como um dos principaisautores da chamada “abordagem crítica”, Foucault(1996, 2003) não trata o poder propriamente dito,mas a dinâmica inerente às relações de poder.

O poder é algo que se exerce, que se efetua, que

funciona. E que funciona como [...] uma máquina

social que não está situada em um lugar privilegia-

do ou exclusivo, mas se dissemina por toda a es-

trutura social. Não é um objeto, uma coisa, mas

uma relação. E esse caráter relacional de poder

implica que as próprias lutas contra seu exercício

não possam ser feitas de fora, de outro lugar, do

exterior, pois nada está isento de poder (FOU-

CAULT, 2003, p. XIV).

Para Foucault (1996), não há uma teoria ge-ral do poder, pois ele é amorfo: apresenta-se de

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diferentes formas, e existe enquanto prática, rela-ção ou exercício. Nesse sentido, o poder não per-tence a um indivíduo ou grupo e não está associ-ado a uma posição específica, mas é encontradoem toda a estrutura social. Segundo Faria (2003),esse autor vê, na “ontologia do presente”, a formacomo os fenômenos de relações de poder ocor-rem. Contrariamente à analítica da verdade, a on-tologia do presente não enxerga a vida como algolinear, previsível, que pode ser medido por meiodas diversas técnicas desenvolvidas pelas ciênciasnaturais. A ontologia do presente não é algo me-cânico, mas da ordem do imprevisível, sempre seatualizando por meio de rupturas em algo quenão pode ser previsto. Assim, não existe na onto-logia do presente qualquer linearidade entre osfatos, tampouco uma relação de causa e conse-qüência. Ao contrário da abordagem sistêmico/funcionalista, Foucault (1996) não reconhece fon-tes de poder. Para ele, o poder é algo que não sedetém e não pode ser possuído, não existindo opoder em si, mas práticas sociais ou relações depoder, remetendo ao entendimento de que elenão se encontra localizado em nenhuma posiçãoda estrutura social.

Ainda sob um enfoque crítico, na perspectivado pensamento marxista, o poder é entendido nocontexto da luta de classes, em que a proprieda-de dos meios de produção constitui o elementodefinidor das classes sociais. Segundo Marx (1977,1985), a sociedade é dividida em duas classessociais distintas e antagônicas: a classe burguesa,formada pela minoria de indivíduos detentores dapropriedade dos meios de produção; e o proleta-riado, massa de indivíduos desprovidos dos mei-os de produção e que possuem o seu próprio tra-balho como única mercadoria de troca. Ao consi-derar as relações de produção como a base dasrelações sociais, destaca-se a luta de classes comofator determinante da ocorrência de conflitos so-

ciais, que seriam os agentes que impulsionam ascontínuas mudanças das estruturas sociais.

Também Bourdieu (1989) estuda o poder esuas relações a partir de um enfoque mais “subje-tivo” ou menos explícito, relacionado ao simbolis-mo e às formas criadas pelos diversos universossimbólicos: língua, arte, ciência, etc. Para esse au-tor, o poder simbólico é entendido como “umpoder de construção da realidade que tende aestabelecer uma ordem gnoseológica2”, ou seja,definindo “o sentido imediato do mundo e, emparticular, do mundo social” (BOURDIEU, 1989,p. 9). A respeito de Bourdieu, Misoczky afirma que“[...] as lutas inerentes aos campos sociais, e aconseqüente mobilização dos tipos de capital (po-der), ocorrem pela existência de interesses emjogo. Ter interesse é ‘estar em’, é participar, é ad-mitir que o jogo merece ser jogado e que os alvosenvolvidos merecem ser perseguidos” (MISOCZKY,2003, p.155).

Por fim, segundo Pagés et al. (1987), as rela-ções de poder devem ser estudadas no contextoda estrutura de controle imposta pelas empresas.Ao se referir à intervenção ideológica das organi-zações e à construção da ideologia organizacio-nal, o autor defende que toda ordem de domina-ção eficaz necessita de um sistema de mediação,que define como sendo a aliança entre as restri-ções das organizações e os privilégios oferecidosaos indivíduos que a integram.

Outrossim, é perceptível que o poder organi-zacional não se limita apenas ao poder determi-nado pela estrutura hierárquica das organizações.Com o passar do tempo, as organizações buscamcriar valores e crenças, variáveis que influenciamdiretamente as relações de poder, tornando-as umconceito ambíguo e sujeito a várias controvérsiase debates. A maior dificuldade em descrever eanalisar as relações de poder deve-se ao fato de

2 Estudo sobre o conhecimento, especialmente o estudo do valor objetivo, dos limites e das condições da existência doconhecimento, enquanto relação entre um sujeito e um objeto.

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OS IMPACTOS DA IMPLEMENTAÇÃO DE SISTEMAS DE GESTÃO INTEGRADA NAS RELAÇÕES DE PODER – ESTUDO DE CASO NO SETOR ALIMENTÍCIO

tratar-se de um fenômeno multifacetado, que pos-sui algumas características visíveis e outras ocul-tas (FROST, 1987).

Atualmente, no contexto brasileiro, vários têmsido os estudos sobre relações de poder, sob di-ferentes perspectivas, mas, de um modo geral, elasenfocam o processo de articulação entre os gru-pos de interesse dentro de uma organização, sejapor meio de negociação ou imposição (BRITO etal. 2008); ou identificam, de modo específico, osimpactos dessas relações de poder e como elassão percebidas (NEIVA; TORRES da PAZ, 2007),quase sempre relacionada à mudança organizaci-onal, onde a implementação de sistemas de ges-tão é vista como um exemplo emblemático.

SISTEMAS DE GESTÃO INTEGRADA

A partir da segunda metade da década de1990, os sistemas de gestão integrada, denomi-nados Enterprise Resources Planning (ERP), ouplanejamento dos recursos da empresa, prolifera-ram em ritmo acelerado, não apenas em empre-sas brasileiras, mas em todo o mundo. Segundo aInternational Data Corporation (IDC), empresa depesquisa de renome mundial na área de tecnolo-gia da informação, esses sistemas estão se disse-minado no Brasil até os dias atuais, onde pesqui-sas dessa instituição afirmam que o mercado desoluções ERP e extensões movimentou, em 2003,R$ 5,4 bilhões, com previsão de crescimento, atéo ano de 2008, da ordem de 9,27% (IDC, 2004).

Para Alves e Silva (2000), o ERP é um pacotede software modular, cujo objetivo primário é au-xiliar os processos de gestão de uma empresa nasmais importantes fases de seu negócio, que inclu-em, por exemplo, a compra de matéria-prima, ainteração com fornecedores e clientes, o acompa-nhamento das ordens de produção, a gestão deestoques, a gestão de contabilidade e financeira,a gestão de recursos humanos e a gestão da qua-lidade e de projetos, por meio da automatizaçãode processos. Segundo Colangelo Filho (2001, p.17), o ERP corresponde a

[...] um software (sic) aplicativo que permite às

empresas automatizar e integrar parcela substan-

cial de seus processos de negócios, abrangendo

finanças, controles, logística (suprimentos, fabrica-

ção e vendas) e recursos humanos; compartilhar

dados e uniformizar processos de negócios; pro-

duzir e utilizar informações em tempo real.

Nesta pesquisa, utiliza-se a seguinte definiçãode ERP, baseada nos estudos dos autores citados:ERP é um sistema informatizado composto pordiversos módulos que compartilham um bancode dados único, integrando os processos, proce-dimentos de controle e informações da empresa.Tais sistemas visam assegurar a integridade, con-fiabilidade e acessibilidade em tempo real dosdados e informações relevantes para a empresa;evitar retrabalhos, redundâncias e inconsistênciasde dados e processos; reduzir custos e melhorar aeficiência, produtividade e lucratividade; aprimo-rar a qualidade das informações gerenciais e re-duzir o tempo de resposta no processo de toma-da de decisão; e racionalizar as operações daempresa em suas funções mais relevantes, ou seja,produção, vendas, distribuição, compras, contabi-lização, finanças, estoques, gerenciamento de cus-tos e ativos, qualidade, manutenção, recursos hu-manos, etc..

Haberkorn (1999) destaca algumas motiva-ções para a aquisição e implementação de umsistema ERP: busca por maior competitividade noplano global; necessidade por flexibilidade; inter-nacionalização das organizações; e, principalmen-te, o interesse em se diferenciar da concorrênciamediante a adoção das melhores práticas de ne-gócios disponibilizadas pelos sistemas. Obviamen-te, esta diferenciação pode ser anulada se os con-correntes também adotarem sistemas semelhan-tes, mas, nesta circunstância, não adotá-lo poderepresentar uma situação de defasagem tecnoló-gica e competitiva perante a concorrência.

Como principais pontos negativos ou desmo-tivadores, que ocorrem na implantação de um

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sistema ERP, Corrêa (1998) e Cassarro (2001)destacam: elevado preço de aquisição e implan-tação; não alinhamento entre a estratégia adota-da pela empresa e a lógica imposta pelo sistemaERP em implantação; funções e processos de ne-gócios específicos de determinada empresa nãocontempladas pelo ERP adquirido; complexidadedos sistemas ERP, que impõem desafios associa-dos à sua implementação, que pode se prolongarmais do que o previsto (há registro de projetosque ultrapassaram três anos de duração) e envol-ver custos superiores aos inicialmente orçados.

Segundo Paula, Wood Jr. e Caldas (2003, p.309), a implantação de um sistema ERP gerariamudanças profundas “na organização do trabalho,no modelo de gestão, no estilo gerencial, nas com-petências exigidas e nas pessoas”. Os efeitos des-sas mudanças são percebidos pela organizaçãoantes mesmo da operacionalização do novo siste-ma, já no decorrer do projeto de implementação,sendo um dos aspectos mais críticos para o su-cesso do mesmo. Appleton (1997) destaca a ne-cessidade de mudança de comportamento na or-ganização, necessária em decorrência dos proces-sos impostos pelo ERP, afirmando que, se umdepartamento operar por suas próprias regras, osistema não funcionaria adequadamente.

Recetentemente, o impacto desses sistemaspassa a ser observado de forma mais profundanas relações sociais. Wolfe; Mcginn (2005), a par-tir de um estudo experimental (diferentemente dasabordagens tradicionais que estudam o poder combase em fatos passados), estudam como as ne-gociações afetam os processos de integração eresultados da organização. Chan; Mills e Walker(2008) abordam de maneira significativa como amudança organizacional, induzida pela implemen-tação de sistemas integrados de gestão (ERP), afetaas relações de poder, e como, nesse contexto demudança, se reconfiguram as relações de poder ede liderança. Já Elmes, Strong e Volkoff (2005)enfocam a potencialização dos mecanismos de

controle e a criação de um virtual panóptico – re-sultados da implementação de um sistema ERP.

É importante ressaltar que esses estudos ain-da são minoritários e marginais, sendo os poucosautores que mencionam as relações de poder,bem como as negociações internas efetivamenterealizadas para a implementação do ERP nas or-ganizações. Damasceno (2001) afirma que a te-oria organizacional pouco tem questionado sobreo papel de tecnologias semelhantes aos ERPs,como instrumento de poder, devido ao fato detecnologias dessa natureza serem estudadas pre-dominantemente a partir de uma visão funciona-lista. Para a autora, de acordo com essa visão, tec-nologias como os sistemas ERPs seriam entendi-das como um elemento positivo, quanto aos re-sultados prometidos, e neutro, quanto à estruturade poder. A implementação desses sistemas é,geralmente, “patrocinada” (leia-se imposta) pelaalta administração, não mencionando as mudan-ças na estrutura de poder, conflitos ou resistênci-as decorrentes de seu processo (DAMASCENO,2001). É justamente nesse sentido de analisar aimplementação dos sistemas integrados de ges-tão, como o ERP, numa perspectiva complemen-tar e crítica, que se insere este trabalho. A contri-buição deste estudo, portanto, pretende ser a deproporcionar uma visão de como tais sistemas sãopercebidos pelos seus diferentes usuários dentroda organização.

METODOLOGIA

Este trabalho se desenvolveu sob a forma deuma pesquisa qualitativa. Para Luz (2001, p. 95),esse tipo de pesquisa “compreende um conjuntode práticas interpretativas, mas não privilegia qual-quer tipo de metodologia, inexistindo teoria ouparadigma que lhe seja próprio”, e caracteriza-sepela utilização de vários tipos de métodos empíri-cos, como: o estudo de caso, entrevistas, observa-ção participante, etc.; e analíticos, como a análisede conteúdo e de documentos históricos. Assim,

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OS IMPACTOS DA IMPLEMENTAÇÃO DE SISTEMAS DE GESTÃO INTEGRADA NAS RELAÇÕES DE PODER – ESTUDO DE CASO NO SETOR ALIMENTÍCIO

visto que essa estratégia contribui para a compre-ensão em profundidade da realidade dos proces-sos construídos nas organizações como, por exem-plo, a implementação de sistemas ERP e mudan-ças nas relações de poder, ela foi consideradacomo extremamente pertinente a este estudo.

O método utilizado foi um estudo de caso naempresa “BETH”, em que foi implementado umsistema informatizado de gestão integrada (ERP)R/3 da SAP. Segundo Goldenberg (2002), o es-tudo de caso não é uma técnica, mas uma análisedetalhada e em profundidade de um objeto emparticular, a partir do qual se supõe a possibilida-de de generalização do conhecimento.

Os dados originaram-se de fontes primárias esecundárias (TRIVIÑOS, 1987). Os dados primári-os foram obtidos através de entrevistas semi-es-truturadas, realizadas com funcionários da empre-sa que participaram do projeto de implementa-ção do sistema ERP SAP R/3, no ano de 2000,mais especificamente o Gerente do Projeto deimplementação do sistema ERP, denominado R/3 na empresa estudada, e com o Comitê Diretivodo projeto, composto por um Diretor e 2 Geren-tes. Foram entrevistados, portanto, uma amostraintencional e não-probabilística de 10 funcionári-os da alta administração e 15 usuários-chave, queparticiparam do projeto.

As entrevistas foram gravadas e transcritas, eos dados coletados foram tratados, sendo codifi-cados, tabulados, apresentados de forma estrutu-rada e analisados. Como instrumento básico detratamento dos dados, adotou-se a análise de con-teúdo, técnica adequada para o trabalho de inves-tigação de desconstrução e reconstrução dos dis-cursos, tanto na esfera lingüística quanto na políti-co-ideológica. Essa técnica analisa o discurso con-siderando sua possível utilização como forma dedefesa e ataque, conforme as exigências e inte-

resses dos atores em determinado momento (AN-GELONI, 2000; VERGARA, 2005).

Para uma melhor compreensão, os resultadosforam divididos em categorias de análise, segun-do os impactos gerados pelo sistema ERP nos (eentre os) seguintes grupos que passaram a com-por a empresa após a implementação do sistemaERP: a) alta administração, composto pelo corpodiretor e gerencial; b) usuários-chave, compostopelos empregados que utilizam o sistema e parti-ciparam do processo de implementação do siste-ma ERP; c) usuários finais, composto pelos em-pregados que utilizam o sistema, mas não partici-param do projeto de implementação; e d) demaisempregados da empresa estudada, que não par-ticiparam do processo de implementação do sis-tema ERP e não possuem acesso ao sistema.

RELAÇÕES DE PODER NA EMPRESA ESTUDA-DA ANTES E APÓS A IMPLEMENTAÇÃO DOERP

Impactos do sistema ERP nas relações de poderno grupo dos usuários finais: ou a necessidadede adequação

O grupo dos usuários finais é formado pelosempregados que utilizam o sistema, mas não par-ticiparam do projeto de implementação. Estes em-pregados correspondem ao maior contingente deusuários do sistema ERP, além de comporem, jun-tamente com o grupo dos demais empregadosque não operam o sistema, a base da estruturahierárquica da empresa. Segundo os dados cole-tados, esse também é o grupo com o maior nú-mero de empregados afetados pela implementa-ção do ERP33333 comparativamente aos demais gru-pos, sendo responsável pelo maior foco de resis-tência à implementação do novo sistema. Essaresistência à implementação do ERP não foi con-

3 Os entrevistados, em sua maioria, referem-se ao sistema ERP implementado na empresa estudada pelo nome da fornecedo-ra do sistema: SAP.

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centrada no grupo dos usuários finais, mas estevepresente, em certa medida, em todos os demaisgrupos, pois, “pode-se falar que [a resistência] foium pouco de cada um. Foi um pouco de superio-res, um pouco de subordinados e um pouco depessoas que estão na mesma linha hierárquica[...] principalmente daqueles que não conheceminformática” (Entrevistado 11).

Outros empregados, de diversas áreas, tam-bém perceberam a perda do domínio sobre osprocessos de negócio e, ou, das informações sobsua responsabilidade, durante e após a implemen-tação do ERP, principalmente os chamados “práti-cos”, cuja maioria desconhecia até mesmo comoutilizar um microcomputador. Desses empregados,muitos optaram por uma postura de resistência(como a assumida por alguns empregados da áreade informática) ou de conflito, conforme o trechodestacado: “O SAP, eu posso dizer que ele trouxeconflitos sim” (Entrevistado 4). Esse conflito seestabeleceu principalmente durante a implemen-tação do sistema ERP, quando os interesses indi-viduais ou de grupos da organização começarama ser contrariados pela integração de processosimposta pelo ERP. Segundo os entrevistados, osconflitos eram solucionados por aqueles que deti-nham posição superior na estrutura hierárquica daempresa estudada. Em alguns casos mais com-plexos, os conflitos eram solucionados pela pró-pria Diretoria da empresa, através do exercício dopoder assegurado pela estrutura hierárquica, arti-fício utilizado com freqüência durante o projetode implementação do ERP. Já que a diretriz daDiretoria na solução de conflitos não privilegiava anegociação, mas o uso da autoridade conferidapela estrutura hierárquica, muitos conflitos, queeram aparentemente solucionados, transforma-vam-se em resistências veladas, muitas vezes dis-simuladas no cotidiano da empresa.

Alertada pelos usuários-chave e consultoresexternos sobre esse movimento de resistência àimplementação do sistema ERP por parte dos usu-ários finais, a alta administração promove algumas

ações para tentar minimizar os efeitos dessa resis-tência. Essas ações podem ser traduzidas no se-guinte: coerção, treinamento, imposição e conven-cimento. Dentre as práticas de coerção impostasaos usuários finais, a mais extrema e mais freqüen-temente utilizada foi a demissão. Isso fica eviden-te nas falas abaixo.

quem não estava disposto a melhorar saiu da

empresa (Entrevistado 2).

[...] pessoas resistentes […] que estavam acostu-

madas a trabalhar de uma determinada forma ti-

veram que aprender um outro processo de se tra-

balhar. […] no final, aquelas pessoas que realmente

não conseguiram se adaptar, que não se encaixa-

ram na nova forma de gestão da empresa, a gente

teve que estar substituindo (Entrevistado 1).

Analisando os trechos destacados, é nítido quea alta administração utilizou o poder asseguradopela estrutura hierárquica, na forma de demissões,como meio de impor a aceitação do novo siste-ma aos empregados que fazem parte do grupodos usuários finais. Por outro lado, foram realiza-das contratações, visando à substituição dos em-pregados resistentes demitidos. O fato de privile-giarem profissionais “mais especializados” não sig-nifica, necessariamente, que a causa principal dasdemissões ocorridas refira-se à necessidade decontratação de mão-de-obra mais qualificada, poisaqueles empregados que não demonstraram re-sistências ao novo sistema permaneceram naempresa, receberam treinamento e passaram atrabalhar no sistema ERP (inclusive os chamados“práticos”), permanecendo em seus empregos:

Com o SAP, realmente, a exigência é outra. […] Os

funcionários que demonstraram interesse apren-

deram sobre o SAP e continuam na empresa até

hoje (Entrevistado 11).

Pode-se perceber que a ação de maioreficácia,promovida pela alta administração no sen-

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tido de incentivar a aceitação do sistema ERP e desua cultura, foi o treinamento dos usuários finais.Além de capacitar esses empregados a operaremo novo sistema, o treinamento permitiu que elesconhecessem e incorporassem a filosofia de tra-balho imposta pela alta administração, por meiodo sistema ERP, reduzindo resistências e permi-tindo a inclusão “tecnológica” desses empregados.

Também é possível observar um caráter deimposição da alta administração sobre os usuári-os finais, visando à aceitação do sistema ERP, porparte destes, fato corroborado por trechos desta-cados das entrevistas de diversos empregados,gerentes e diretores da empresa estudada, taiscomo: “O processo [de implantação] era irreversí-vel” (Entrevistado 3); “Você vai ter que aprender,ver e gostar do sistema” (Entrevistado 4). Pelostrechos destacados, torna-se evidente a imposi-ção do sistema promovida pela alta administra-ção sobre os usuários finais, numa direção “top-down”. Assim, a alta administração impunha ocomprometimento com a implantação e opera-ção do sistema ERP às bases da organização, alémde se tornar um mecanismo, destacado por umdos diretores entrevistados, como essencial paragerenciar conflitos e disputas de poder durante aimplementação.

Ações de “convencimento” também foram ar-ticuladas pela alta administração visando a mini-mizar as resistências por parte dos usuários finaisà implementação do sistema ERP. Nesse caso,observa-se o uso do discurso de valorização doERP e dos benefícios propostos por esse novo sis-tema, com que a alta administração buscava justi-ficar eventuais perdas de poder de determinadasáreas, grupos e/ou indivíduos em prol do “bemmaior”, ou seja, em “benefício da empresa” comoum todo. Também foi destacado, pelo discurso,que o sistema ERP beneficiava não apenas a em-presa, “mas todos os empregados”, na medida emque estes aprenderiam mais sobre os processosde negócio da empresa e sobre uma ferramentatecnológica moderna, elevando seu conhecimen-

to, produtividade e empregabilidade. Assim, pelasentrevistas analisadas, percebe-se uma preocupa-ção da alta administração em promover, pelo con-vencimento, o envolvimento e motivação dosempregados na implementação do sistema ERP,visando reduzir os movimentos de resistência.

Os principais instrumentos utilizados na disse-minação desse discurso foram os boletins infor-mativos sobre o andamento do projeto de imple-mentação e as reuniões com gerentes e usuáriosdas áreas envolvidas. Contudo, apesar de essapolítica de convencimento do novo sistema advirda alta administração, os maiores divulgadores epatrocinadores eram os usuários-chave, grupo quemais obteve vantagens durante e após a imple-mentação do sistema ERP na empresa estudada.

[...] o que a gente começou a fazer, principalmen-

te o usuário-chave, foi trazer estas pessoas [resis-

tentes] para perto da gente e começar a mostrar

que a empresa estava mudando, que era bom,

tanto para a empresa quanto para quem estava

ficando também, tanto em termos de conhecimen-

to, de crescimento (Entrevistado 9).

É importante destacar que, para a função deusuários-chave do projeto de implementação, fo-ram selecionados pela alta administração empre-gados com reconhecida competência e profundoconhecimento de processos de negócios e daempresa, pois a eles foi dada autonomia para pa-rametrizarem os processos de negócios no novosistema ERP. Por esta razão e pelo fato de seremusuários-chave, eram formadores de opinião emsuas respectivas áreas de atuação, sendo, destaforma, os atores organizacionais ideais para pro-mover os discursos de convencimento patrocina-dos pela alta administração.

Esse discurso de “convencimento”, aliado aostreinamentos dispensados a todos os usuários deinformática da empresa (usuários-chave e usuári-os finais), influenciou significativamente a relaçãodesses empregados com a realidade do sistema

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ERP em implementação, criando imagens, cren-ças e valores até mesmo deturpados, em que osistema R/3 SAP aparece como uma solução in-dispensável, sob um aspecto simbólico das rela-ções de poder. Esse fato é exemplificado pelo se-guinte trecho: “[o sistema ERP] é útil e necessáriocom toda a certeza. Eu diria indispensável” (entre-vistado n° 8). Os sistemas simbólicos, construídosa partir do exercício desse poder, são “instrumen-tos estruturados e estruturantes de comunicaçãoe de conhecimento [...] que cumprem a funçãopolítica de instrumentos de imposição ou de legi-timação da dominação” (BOURDIEU, 1989, p. 11).

Uma conscientização acerca da importância da

implementação e até mesmo para poder estar

mudando cultura, porque [...] pelo convencimen-

to, até pelo treinamento da pessoa, porque, mui-

tas vezes, até tinha esta resistência, até por não

conhecer como é que funcionava o sistema. Mas,

a partir do momento em que ele passou a conhe-

cer, viu como funcionava [...] e então a pessoa

conseguiu visualizar a importância dela dentro do

sistema integrado (Entrevistado 6).

Tais afirmações dos entrevistados enaltecen-do a racionalização e integração dos processos denegócio, o compartilhamento de informações e avisão integrada da empresa são citadas como umasdas principais vantagens dos sistemas ERP porColangelo Filho (2001) e Haberkorn (1999). Po-rém, é fundamental destacar que, além das açõesimpostas pela alta administração no sentido deminar as resistências à implementação do ERP, onovo sistema também concede aos gerentes ediretores um maior controle sobre o trabalho dosempregados, principalmente dos usuários finais.Isto porque todos os logins, transações acessadase operações executadas no ERP são registrados evinculados ao usuário responsável, computadorutilizado e data, hora e duração de cada acesso.Esse fato corresponde a uma mudança importan-te nas relações de poder, na medida em que au-menta o controle sobre o trabalho, principalmen-

te em termos de produtividade e exatidão, nosmoldes da teoria fordista, como também destaca-do por Pagés et al. (1987, p. 27). Os autores afir-mam que cabe à empresa “[...] garantir o controlee subordinar as forças produtivas dos trabalhado-res aos objetivos da empresa”. Esse controle ficaexplícito no fragmento abaixo:

Agora a Diretoria cobra mais. E, então, você tem

que errar menos […] esta é a mudança: há uma

cobrança maior. Ela consegue identificar mais as

funções de cada um, mesmo porque agora, com

o SAP, a idéia de racionalidade funciona muito mais,

principalmente para a alta direção, porque ela con-

segue perceber quem fez, porque fez [...] Há um

controle maior (Entrevistado 6).

É visível que esse aumento do controle sobreo trabalho e, em conseqüência, sobre o emprega-do aparece mascarado sob o argumento da “raci-onalidade” do sistema ERP, promovido pela altaadministração, o que é percebido pelo Entrevista-do 6.

Impactos no grupo dos usuários-chave: a ascen-são ao poder

O chamado grupo dos usuários-chave é for-mado pelos empregados que utilizam o ERP eparticiparam do processo de implementação, ten-do sido os que mais adquiriram poder com a im-plementação do novo sistema. Nos sistemas degestão antigos, estes empregados possuíam osmesmos recursos (e poder) dos usuários finais,mas, durante a implementação do ERP, adquiri-ram profundos conhecimentos de processos e dosistema, participando até mesmo da definição econstrução dos processos de negócio no novoambiente informatizado, oportunidade que não foifacultada aos usuários finais. Conseqüentemente,os usuários-chave passaram a dominar um novosaber, relacionado, principalmente, ao conheci-mento desses processos de negócios e do desen-volvimento de novas funcionalidades no sistema

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ERP, obtendo assim maior poder em relação aogrupo de usuários finais e, em certa medida, aoda alta administração. Os usuários-chave corrobo-ram estas afirmações:

Os usuários-chave, e eu fui um dos usuários-cha-

ve durante o processo da implementação, geral-

mente a gente tem um conhecimento maior. […]

E o processo de conhecimento é maior para o

usuário-chave, tanto que a gente tem aí que trei-

nar as pessoas [usuários finais] depois. A gente

tem que fazer manual de procedimentos do SAP,

realizar treinamentos (Entrevistado 9).

Conforme exposto, os usuários-chave passa-ram a dominar novos saberes, relacionados, prin-cipalmente, ao conhecimento dos processos denegócios e do desenvolvimento de novas funcio-nalidades no sistema ERP. Nesse sentido, Foucault(1996; 2003) afirma que não existe saber quenão pressuponha e constitua relações de poder.Na empresa estudada, a aquisição de novos sa-beres conferiu aos usuários-chave novas forças,novos atributos de poder, na perspectiva desseautor.

O depoimento de outro usuário-chave confir-ma com clareza o “ganho” de poder obtido com odomínio desse novo saber relacionado ao siste-ma. Questionado sobre como ele descreveria seurelacionamento com seus superiores antes e apósa implementação do ERP, o Entrevistado 6 res-pondeu:

Com o SAP, melhorou um pouco. Porque acaba

que ele [o superior hierárquico] fica escravo da

tecnologia. Porque se você tem um processo novo

que você pode desenhar no SAP e então você,

usando esta arma sua de mais tecnologia, você

consegue impor algumas situações. Enquanto você

não tinha esta tecnologia, ele não quer mexer em

nada. [...] e agora como ele não tem o conheci-

mento do SAP, e, então, algum projeto que eu

estou querendo desenvolver, ele não tem muito

argumento contra. Eu chego e coloco os benefíci-

os. E ele não tem como chegar e falar: “Por que é

que você não faz assado?” Ele não entende (En-

trevistado 6).

Outra vantagem obtida pelo usuário-chave re-lacionada ao elevado conhecimento do novo sis-tema é o domínio das fontes de informações ge-radas pelo ERP. Além do domínio dos processosde negócios, já citado, os usuários-chave tambémpassaram a deter um conhecimento maior dasfontes de dados e informações geradas pelo novosistema. Em seus estudos acerca das relações depoder nas organizações, Foucault (1996, 2003)defende que o indivíduo, ao adquirir aptidões pormeio de determinadas técnicas, acaba tendo seucomportamento modelado, relacionando aptidõescom relações de poder. Dessa forma, “[...] fabri-cam-se indivíduos submissos, e constitui-se sobreeles um saber em que se pode confiar. Duplo efei-to dessa técnica disciplinar [...]: uma ‘alma’ a co-nhecer e uma sujeição a manter”. Essas fontes deinformação foram uma das principais mudançasderivadas da implementação do sistema, pois,

A pessoa, tendo a informação, fala com conheci-

mento de causa. E fica difícil para você discutir com

os números lá, com a realidade dos fatos. E então

a autoridade, eu não diria [que muda], mas o posi-

cionamento muda sim. [...] Eu diria [como mudan-

ças mais importantes] a informação, a forma como

a informação chega muito mais facilmente, você

consegue dar a informação e cruzar com o maior

número de informações diferentes (Entrevistado 4).

Nas palavras de um dos usuários-chave entre-vistados, antes do projeto de implementação doERP “[...] existia muito pouco comando com sen-so crítico para tentar rever processos, questionar aprópria direção” (Entrevistado 8). Com o acesso àinformação e ao conhecimento dos processos denegócios configurados no ERP, os usuários-chavepassam a exercer o papel de questionar os pro-

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cessos e o modo de gestão da empresa. Dessaforma, os usuários-chave passam a ter maior des-taque e poder na organização.

O “ganho” de poder dos usuários-chave emfunção do domínio de novos saberes, obtido prin-cipalmente mediante o conhecimento do sistemaERP, refletiu também na estrutura hierárquica daempresa estudada. A rígida estrutura hierárquica,caracterizada pela baixa mobilidade dos empre-gados, identificada antes da implementação doERP, sofreu significativas mudanças. Segundo osdados obtidos, dos oito usuários-chave que parti-ciparam do projeto de implementação, quatro sa-íram da empresa logo após o início das opera-ções do novo sistema, em busca de novas opor-tunidades profissionais. Dos quatro usuários-cha-ve que permaneceram na empresa estudada apóso início das operações do novo sistema, todosforam contemplados com sucessivas promoçõese, em período inferior a um ano, três deles torna-ram-se gerentes em suas respectivas áreas de atu-ação.

No meu caso, que participou de todas as defini-

ções da implementação, o conhecimento é uma

coisa quase que natural. Foi até de uma outra

empresa que me falou que quando o cara conhe-

ce o SAP a fundo e tal ele acaba até indo para o

cargo de gerência. Foi o meu caso aqui (Entrevis-

tado 4).

Torna-se evidente que o “ganho” de poder dosusuários-chave permitiu que todos os emprega-dos desse grupo, que permaneceram na empre-sa após o término da implementação do sistemaERP, alcançassem posições cada vez mais eleva-das na estrutura hierárquica, o que se traduziu emmais ganhos de poder. Porém, os “ganhos” depoder desse grupo de empregados não se restrin-gem apenas à dimensão explícita, em que preva-lecem os aspectos materiais e explícitos das rela-ções de poder, tais como os advindos da estrutu-ra hierárquica da empresa ou do domínio de co-

nhecimentos específicos. É possível observar rela-ções de poder favoráveis ao grupo dos usuários-chave também na dimensão implícita,,,,, que é, se-gundo Damasceno (2001), o ambiente em queas relações de poder ocorrem de forma mais sutil,por meio da percepção da realidade e interpreta-ção dos fatos organizacionais pelos membros daorganização, envolvendo aspectos como a criaçãode símbolos e significados, crenças e valores culti-vados na organização, o que revela uma perspec-tiva mais simbólica, menos explícita:

Porque ele [usuário-chave] vai ser aquele cara que

todo mundo vai perguntar para ele: “Eu posso fa-

zer assim?” “Posso fazer assado?” E isto é para sem-

pre. Eu não digo se isto se reflete ou não no orga-

nograma da empresa, mas ele ganha poder. Ele

tem o poder informal, ele tem. O formal eu não

sei. Eu poderia ver depois se aquele status que ele

recebeu durante a implantação se refletiu no orga-

nograma. Mas você vê no dia-a-dia que está refle-

tindo nestas perguntas (Entrevistado 5).

O entrevistado cita três atributos de poder ad-quiridos pelos usuários-chave, em uma perspecti-va mais simbólica das relações de poder: “poderinformal”, “status” e “comando em relação às pes-soas que possuem pouca habilidade no sistema”.Segundo os dados coletados, os demais usuáriose empregados da empresa criaram uma “imagemsimbólica” dos usuários-chave de competência ede profundos conhecedores da empresa e de seusprocessos, passando a ter uma relação de confi-ança e obediência com eles, mesmo não haven-do relações de subordinação direta em função daestrutura hierárquica. Por esta razão, esses usuári-os-chave passam a deter um status de “autorida-de” do sistema, numa perspectiva simbólica, con-ferindo a eles um poder simbólico além da estru-tura hierárquica.

Pela fala do entrevistado, é possível observarque o aumento de poder dos usuários-chave tam-bém pode ser percebido na abrangência de sua

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influência, que não fica restrita a sua área de atua-ção na empresa, mas atinge a organização comoum todo. O Entrevistado 3 corrobora esta afirma-ção ao relatar que, com a implementação do sis-tema ERP, o usuário-chave “[...] passa a ter quedar opinião sobre o fluxo todo”. Neste ponto, énecessário destacar que os usuários-chave ganha-ram poder não apenas individualmente, mas tam-bém enquanto grupo formalmente constituído pelaalta administração. Um dos principais fatores quepermitiram o fortalecimento do grupo dos usuári-os-chave perante outros grupos da organizaçãoestudada foram as coalizões internas construídaspelos empregados desse grupo, a partir do proje-to de implementação do sistema ERP, as quaisse perpetuaram após o término do projeto.

Impactos no grupo da alta administração

O grupo da alta administração é formado pe-los gerentes e diretores da empresa, independen-temente do nível de interação com o sistema. Noinício da avaliação a respeito da aquisição de umsistema informatizado, foram observadas opiniõesdivergentes na diretoria executiva envolvendo acompra de um sistema ERP e a escolha do forne-cedor, mas o sistema escolhido (ERP R/3 da SAP)foi fruto das negociações entre os membros dadiretoria executiva, principalmente entre as direto-rias das áreas administrativas, e a Diretoria. Se-gundo os diretores entrevistados, trabalhou-se emconjunto para viabilizar o processo de implemen-tação, conforme destacado em: “A Diretoria traba-lhou de forma alinhada. No início, alguns não con-cordavam, mas quando a diretoria optou pelo SAP,todos trabalharam junto para que ele funcionassebem” (Entrevistado 12).

As negociações entre esses atores parecemter canalizado os esforços do corpo diretivo nosentido de patrocinar, por intermédio da autorida-de de que estão investidos, a implementação dosistema ERP aos demais empregados da empre-sa. Esse patrocínio foi posto em prática por meiodas ações já discutidas anteriormente: coerção,

treinamento, imposição e convencimento. As fa-las dos usuários-chave entrevistados também des-tacam o esforço da Diretoria no sentido de apoiare, até, de impor a implementação do sistema ERP.

O grupo da alta administração também ganhoumais poder com a implementação do novo siste-ma, principalmente em relação aos usuários finais,pois o ERP permite aos gerentes e diretores maiorcontrole sobre o trabalho dos empregados. O con-trole é exercido por meio de uma funcionalidadedo ERP, que permite registrar os logins (acessos)de cada empregado no sistema, transações aces-sadas e operações que cada usuário executa, bemcomo o computador utilizado, a data, hora e dura-ção de cada acesso. Estes registros podem serconsultados por gerentes e diretores a qualquermomento, permitindo avaliar o volume de traba-lho executado e o nível de incorreções cometidasindividualmente por cada empregado. Um diretorentrevistado destaca esta questão nos seguintestermos: “Hoje, é possível saber quem cometeuum erro [...] praticamente na hora” (Entrevistado12).

O relacionamento entre a alta administração eos empregados sofreu mudanças, antes e após oERP. Um gerente e um empregado entrevistadocorroboram tais mudanças nas relações de poderda empresa estudada, após a implementação doERP, nos seguintes termos:

Em relação aos meus subordinados eu me tornei

mais chefe. [...] a divisão de trabalho ela fica mais

notada de novo. [...] E então com isto a gente pre-

cisa ter mais uma tarefa de coordenação, de, real-

mente, ser chefe e ficar distribuindo tarefas. (En-

trevistado 15).

É quase que uma linha de montagem. Querdizer, você não detém toda a informação, ele tra-balha por partes. E você depende do todo nesteprocesso como um todo [...] O SAP é um sistemaque trabalha integrado, e por ele ser integrado você

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tem que saber um pouquinho de cada área. Nãoa série toda (Entrevistado 7).

Mesmo com o controle sobre o trabalho dosempregados e sobre o acesso a processos e infor-mações geradas pelo sistema ERP, os membrosdo grupo da alta administração perderam poder,em certa medida, para os usuários-chave. Confor-me destacado no tópico referente aos usuários-chave, devido ao conhecimento adquirido sobreo sistema ERP na fase de implementação, os usu-ários-chave passaram a participar de forma maisefetiva na tomada de decisões que afetam os pro-cessos de negócio configurados no sistema ERP,a manutenção do sistema e o desenvolvimentode novas funcionalidades e/ou novas demandaspor parte da alta administração. Esse fato podeser confirmado pelo trecho

Porque eu acho que tem o problema do poder.

Porque, para você construir o projeto [de imple-

mentação do ERP], tem que construir uma equi-

pe. Porque aquele projeto, na verdade, é o cora-

ção das informações da empresa, e as pessoas

querem participar do processo. E, então, você tem

que escolher o usuário-chave, e este usuário-cha-

ve ele vai ter mais poder dentro da empresa (En-

trevistado 1).

Assim como ocorreu com o grupo dos usuári-os-chave, também o grupo da alta administraçãoobteve relativo ganho de poder em uma perspec-tiva mais simbólica, mais subjetiva, com a imple-mentação do sistema ERP. Um dos empregadosentrevistados afirma que o sistema ERP afetou acultura de gestão dos gerentes e diretores daempresa. Segundo os dados analisados, antes daimplementação do ERP, as gerências trabalhavamde forma isolada e o contato entre as áreas eraprecário, limitando-se ao essencial. Até mesmo ossistemas informatizados eram independentes enão interagiam entre si. Porém, com a implemen-tação do novo sistema ERP, houve uma aproxi-mação entre as áreas, o que é explicado, segundo

os entrevistados, pela introdução da cultura deintegração de processos trazida pelo ERP. O tre-cho de uma entrevista destacado a seguir exem-plifica essa questão:

O ERP ele necessita de implantação e ele faz com

que realmente mude muito a cultura. [...] ele traz a

cultura de integração, porque, a partir do momen-

to em que você começa a ver tudo integrado, o

seu trabalho é importante para o trabalho de quem

está lá na frente. E tem alguém fazendo o trabalho

antes de você que é importante para o seu traba-

lho. E, então, se realmente não houver uma inte-

gração muito grande, um conhecimento muito

grande do que está se fazendo, você se perde

(Entrevistado 7).

Esta cultura de integração, destacada pelo En-trevistado 7, promovida pela alta administraçãocom a implementação do ERP, parece ter geradouma mudança na cultura organizacional, percebi-da por uma aproximação maior entre as áreas eos grupos destacados. A aproximação entre ge-rentes e diretores de diversas áreas parece tercontribuído para o fortalecimento do grupo da altaadministração, em uma perspectiva mais simbóli-ca, que parece se refletir nos demais níveis hierár-quicos da organização, criando um processo cícli-co virtuoso. Assim, a atividade de supervisão, de-sempenhada pelos níveis hierárquicos superioresdas organizações, é uma forma comum de exercí-cio das relações de poder e a melhor supervisãonão se limita exclusivamente a controles internos,mas “se estende também a práticas culturais deadesão” (CLEGG, 1996, p. 52).

A análise dos dados coletados permite con-cluir que o maior ganho de poder do grupo daalta administração, destacado pelos entrevistados,foi percebido não sobre os grupos da organizaçãoem estudo, mas em um nível externo à organiza-ção. Para os entrevistados, a alta administraçãoganhou mais poder em relação a gestores de ou-tras empresas que compõem a cadeia produtiva,

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na qual a empresa estudada encontra-se inserida,e de empresas concorrentes que atuam no mes-mo mercado. Esse possível ganho de poder emrelação a gestores de empresas concorrentes eparceiras comerciais (fornecedores e clientes) estárelacionado à rapidez, qualidade e exatidão da in-formação oferecida pelo sistema ERP, que asse-gura maior competitividade à empresa estudada,segundo os diretores entrevistados: pelo fato deesses sistemas funcionarem em tempo real; e pelobanco de dados e inputs de dados unificados,evitando inconsistências e promovendo maior in-tegridade e confiabilidade dos dados e informa-ções geradas pelo sistema. O “ganho” de poderdos diretores e gerentes da empresa estudada emrelação a diretores de outras empresas que com-põem a cadeia produtiva pode ser explicado pelomaior poder de resposta e negociação com clien-tes e fornecedores, o que é corroborado por Frie-dberg (1990), que aponta as relações de umaorganização com seu exterior como um dos pos-síveis atributos de poder.

Impactos nos demais empregados da empresaestudada

O grupo dos demais empregados da empresaestudada é formado pelos empregados que nãoutilizam o ERP e não participaram do processo deimplementação. As principais características des-se grupo correspondem ao fato de não possuí-rem nenhum tipo de contato com o sistema ERPe de constituírem, juntamente com os usuáriosfinais, a base da estrutura hierárquica da empresaestudada.

As percepções captadas com as entrevistasaplicadas a esse grupo de empregados levaram acrer que a quase totalidade desconhecia a exis-tência do sistema ERP implementado na empresaestudada. Questionados se houve alguma mudan-ça na empresa a partir da implementação do sis-tema ERP, os empregados entrevistados respon-deram nos seguintes termos: “Não. É a mesmacoisa. O SJP [o entrevistado confundiu o nome do

sistema SAP] melhorou um pouco” (Entrevistado20). “Ficou a mesma coisa” (Entrevistado 18).“Não. Não estou sabendo, não” (Entrevistado 17).Diversas questões formuladas a estes emprega-dos também foram respondidas com expressõesdessa natureza ou afirmações do tipo “melhorou”,“não sei dizer porque, mas melhorou”, “nadamudou”, etc.. Tais expressões foram identificadascomo as de maior freqüência na fala dos entrevis-tados desse grupo. Ressalte-se que o fato de umdos entrevistados desconhecer o nome do siste-ma, chamando-o de “SJP”, demonstra a poucainformação desse grupo.

Os empregados entrevistados também nãorelacionaram o conhecimento do sistema ERP coma posição ocupada na estrutura hierárquica daempresa estudada. Segundo esses entrevistados,aqueles empregados que possuem maiores co-nhecimentos do ERP não necessariamente sãosuperiores aos membros do grupo em análise, pois,“não houve mudança na autoridade” (Entrevista-do 20); “eles são até abaixo de mim” (Entrevista-do 19).

Contudo, alguns entrevistados demonstraraminteresse em trabalhar com o sistema ERP, o quepode ser explicado pela percepção do crescimen-to profissional associado à utilização do sistema.Para alguns desses empregados, o conhecimentodo sistema pode levá-los a alcançar cargos maiselevados na estrutura hierárquica da empresa es-tudada. Dois entrevistados demonstram interesseem trabalhar com o sistema ERP nos seguintestermos: “Eu tenho vontade [de trabalhar com oSAP]. Eu acho que a empresa deveria ajudar eincentivar o funcionário a mexer com computadorpara ficar mais fácil” (Entrevistado 17). “Todomundo quer ter acesso. Quer aprender a entrarno sistema” (Entrevistado 19).

Este grupo de empregados percebeu que onovo sistema ERP permite aos gerentes e direto-res um maior controle sobre o trabalho dos em-pregados, principalmente em termos de cobrança

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por produtividade e detecção de erros e falhascometidas, o que reflete diretamente a perda depoder para o grupo dos usuários-chave e da altaadministração, em função dos mecanismos decontrole sobre o trabalho impostos pelo sistemaERP. Um exemplo disso é a percepção a respeitodo relacionamento entre a Diretoria e os empre-gados antes e após do ERP, manifestada pela faladaqueles que não possuem acesso ao sistema:“[A Diretoria] cobra mais porque o sistema é maisperfeito. A cobrança é maior pelo sistema. E o erroé descoberto. E então se você errou, você temque falar: Errei e tal e vou tentar consertar” (Entre-vistado 20). “Os problemas ficaram mais visíveis”(Entrevistado 16).

Entretanto, esse aumento do controle sobre otrabalho dos empregados que não interagem como sistema ERP foi interpretado, por um dos entre-vistados desse grupo, como uma vantagem paraesses empregados. Segundo ele, o sistema lhespermite ter uma visão do planejamento diário daprodução, ainda que restrita apenas ao seu setorde atuação, o que gera maior eficiência, seguran-ça e conforto na execução de suas tarefas. Essa

questão também está relacionada à qualidade eamplitude das informações geradas pelo sistemaERP, as quais são repassadas a esses emprega-dos pelo usuário final. Um dos empregados en-trevistados descreve essa situação nos seguintestermos:

[Com o sistema ERP] De alguma [...] você tem mais

segurança em trabalhar e chegar perto da pessoa

[que opera o ERP] e saber o que é que você vai

trabalhar e a quantidade que você vai trabalhar,

por causa do sistema. E antes, [do ERP] não, você

não tinha esta segurança. Você começava a rodar

um produto e você não sabia até que horas você

ia trabalhar com aquele produto. E agora, não. [...]

Se alguém chegar para você e perguntar: “Quan-

tas horas você vai trabalhar para terminar a produ-

ção?”, pelo tanto de caixas você sabe (Entrevista-

do 18).

Concluíndo a análise dos dados obtidos, oQuadro 1, a seguir, apresenta os principais impac-tos da implementação do sistema ERP nas rela-ções de poder na empresa estudada, consideran-do as categorias de análise utilizadas:

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QUADRO 1

Impactos da implementação do sistema ERP nas relações de poder

Fonte: Dados da pesquisa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados alcançados por este estudo, apartir da análise dos dados obtidos, tiveram comoobjetivo compreender as mudanças que ocorre-ram nas relações de poder decorrentes da imple-mentação de sistemas de gestão integrada do tipoEnterprise Resources Planning (ERP), oportuniza-da pelo estudo de caso em uma organização dosetor de alimentos. De um modo geral, pode-sedizer que a implementação do sistema de gestãointegrada, denominado ERP, afetou significativa-mente as relações de poder na empresa estuda-

da, pois a análise dos dados revelou que o siste-ma ERP promoveu uma redistribuição das rela-ções de poder na organização, por meio do “gan-ho” de poder por parte de alguns grupos, em con-traposição à “perda” enfrentada por outros. Issodemonstra uma pseudoneutralidade no caráterconferido às tecnologias da informação em rela-ção à estrutura de poder.

O estudo realizado permitiu identificar váriosimpactos do ERP nas relações de poder em (eentre) diversas áreas, grupos e níveis hierárquicosda organização estudada, dentre eles a criação de

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um novo grupo, formalmente constituído pela altaadministração: os usuários-chave. A alta adminis-tração e os usuários-chave correspondem aos gru-pos mais favorecidos com a implementação doERP. A alta administração “ganhou” poder, princi-palmente, com os novos mecanismos de contro-le (sobre o trabalho e o acesso dos empregadosao sistema) e, em um nível externo à organiza-ção, em relação a gestores de outras organizações.Contudo, perdeu poder simbólico para os usuári-os-chave, na medida em que passou a recorrer aocolegiado técnico formado por esses empregadospara a tomada de decisões estratégicas.

Embora a estrutura hierárquica continue asse-gurando aos diretores um poder superior aos usu-ários-chave, houve, do ponto de vista simbólico,uma relativa “perda” de poder do primeiro para osegundo grupo. Esta é uma das mudanças maissignificativas observadas nas relações de poder daempresa. Se antes da implementação do sistemaERP predominava uma forte concentração do po-der na estrutura hierárquica, com a implementa-ção do novo sistema outras formas de poder ga-nharam relevância e projeção na empresa estu-dada, tais como o poder simbólico e o poder dodomínio de conhecimentos (saberes) técnicos dosistema ERP. Para um dos diretores, antes de de-mitir um usuário-chave “é preciso pensar duasvezes, pois a empresa perde conhecimento napessoa de um usuário-chave que sai da empre-sa”, ratificando a proposição de Foucault (1996;2003), de que conhecimento é saber e saber époder.

Além disso, os usuários-chave, grupo criadodurante a implementação do ERP, também ad-quiriram poder advindo da própria estrutura hie-rárquica da empresa estudada, já que todos osempregados deste grupo, que permaneceram naempresa, alcançaram postos mais elevados nahierarquia da organização. Alguns destes usuári-os, que antes do projeto de implementação doERP eram apenas empregados e até estagiários,foram promovidos à gerência de suas respectivas

áreas em períodos inferiores a um ano após aimplantação do ERP.

Outros impactos significativos nas relações depoder da empresa estudada, decorrentes da im-plementação do sistema ERP, estão relacionadosàs mudanças tecnológicas impostas por esse sis-tema. Com o ERP, os processos de negócio foramaprimorados, permitindo amplo acesso aos dadose informações da empresa, o que resultou, emcerta medida, em uma estrutura hierárquica maishorizontal e flexível na empresa estudada, e commaior mobilidade dos empregados, comparativa-mente à situação anterior à implementação dosistema ERP. Com isso, muitas pessoas e áreasque detinham o monopólio sobre determinadasinformações agora as compartilham com o res-tante da empresa, sob a tutela da alta administra-ção, que define a política de acesso ao sistemaERP. Assim, o poder dos antigos “donos” da infor-mação foi reduzido, e os empregados adquirirammaior acesso a informações e responsabilidades.Por outro lado, o sistema também subsidiou, emmenor intensidade, um aumento do controle so-bre a informação e o trabalho, e a padronizaçãodos processos de negócios, questões relaciona-das a uma estrutura hierárquica de comando econtrole.

Aos usuários finais, grupo que mais “perdeu”poder – para os usuários-chave e para a alta ad-ministração – restou apenas o poder de resistên-cia ao sistema ERP, cujos efeitos foram, se nãoeliminados, pelo menos minimizados a partir dasações impostas pela alta administração por meiode diversas estratégias (coerção, treinamento, im-posição e convencimento), que cooptaram essesempregados. Os usuários finais também represen-tam o grupo mais afetado pela racionalização dosprocessos imposta pelo sistema ERP e pelo eleva-do número de demissões geradas por esse pro-cesso. A área de Contabilidade e Finanças, porexemplo, que contava com vinte e cinco empre-gados antes da implementação do ERP, passou acontar com uma equipe de apenas quinze em-

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pregados (usuários-chave e finais), todos comacesso ao sistema ERP. Infelizmente, este foi oúnico dado “quantitativo” obtido, mesmo assimpor meio das entrevistas aplicadas, pois a empre-sa estudada não permitiu que dados a respeitodo número de empregados por setor, pessoasdemitidas, contratadas, realocadas, dentre outros,fossem fornecidos.

Mesmo com as significativas mudanças obser-vadas nas relações de poder após a implementa-ção do sistema ERP, a totalidade dos entrevista-dos, sem exceção, afirmou que considera o ERPuma ferramenta necessária à empresa, destacan-do que, atualmente, não existem mais resistênci-as ao sistema. Isso leva a crer que o discurso daalta administração (nas ações tanto de convenci-mento quanto de treinamento), em conjunto comas demais ações de coerção e imposição imple-mentadas, foi bem sucedido no sentido de mini-mizar as resistências à implementação do sistemaERP. Neste sentido, a análise das relações de po-der sob uma perspectiva (dimensão) mais pro-funda, menos explícita, revela uma crença dosempregados no sistema ERP, considerando-o in-dispensável para a empresa, o que demonstra umacoesão em torno dos símbolos e significados cria-dos pela alta administração em torno do sistemaERP.

Adicionalmente, é importante destacar que, portrás do argumento (discurso) da racionalização deprocessos, promovido pela implementação do ERP,encontra-se a imposição de rígidos controles so-bre o trabalho e os processos de negócio, basea-dos em regras e normas definidas pelo sistema,que influenciaram significativamente as relaçõesde poder da empresa estudada. O rigor nas roti-nas e procedimentos de controle imposto aosempregados representa pouca ou nenhuma mar-gem de negociação entre os atores organizacio-nais, fato que parece não ter sido percebido, emtoda sua amplitude, pelos entrevistados.

Assim, esta pesquisa possibilitou identificaruma outra faceta das relações de poder nas orga-nizações, principalmente naquelas que vivencia-

ram a implementação de sistemas de gestão inte-grada do tipo ERP. Além disso, pode-se concluirque a implementação do sistema ERP afetou sig-nificativamente as relações de poder entre mem-bros da organização, especialmente por meio do“conhecimento” trazido e necessariamente adqui-rido por alguns membros dessa organização. Esseconhecimento significa status, possibilidade decontestação, de influenciar os outros, enfim, sig-nifica uma capacidade de dominação camufladapor uma autoridade estrutural e hierárquica legiti-mada por valores como a “racionalidade” e a efici-ência organizacional. Contudo, na medida em quetais relações de poder se configuram a partir deposicionamentos de dominação/submissão, oramais ou menos acentuada, por parte de determi-nados grupos, cabe aqui questionar se a “raciona-lidade” é a mesma para todos os grupos. Se nãoo for, será que ela não seria uma “ideologia” quese pretende passar por “não ideologia” através deuma pseudo-imparcialidade? >

Recebido em: jun. 2007 · Aprovado em: dez. 2007

Marcelo Simão LimaUFMG

[email protected] Faculdade de Ciências EconômicasAv. Antônio Carlos, 6627 /sala 4005 - Pampulha - 31270-901 - Belo Horizonte - MG -

Fone: +55 31 3409.7050/7129

Alexandre de Pádua CarrieriCEPEAD/UFMG

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Thiago Duarte PimentelUniversidade Fedral de Minas Gerais

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rua Pedra Bonita n 279 ap 301 Prado Belo Horizonte/MG

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