impresso especial contrato leia e passe ect/dr/rj adiante … · leia e passe adiante cotas raciais...
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UMA PUBLICAÇÃO DO INSTITUTO BRASILEIRO DE ANÁLISES SOCIAIS E ECONÔMICAS
IMPRESSO ESPECIALCONTRATO
Nº 050200487-8/2001ECT/DR/RJ
IBASE(INSTITUTO BRASILEIRO DE ANÁLISES
SOCIAIS E ECONÔMICAS)
ENVELOPAMENTO AUTORIZADO – PODE SER ABERTO PELA ECT
CULTURAAtividades culturais também são educativas e elas podem acontecer na escolaPág. 4
PARTICIPAÇÃOSaiba como fundar um grêmio
Pág. 10
Nº 142 – AGOSTO de 2008 – ANO 14
LEIA E PASSE ADIANTE
COTAS RACIAISPor que sim? O Ibase lança a 3ª edição da cartilha!
Pág. 15
VENDA PROIBIDA
Segurança alimentar e nutricional
O jornal traz discussão sobre
a crise de alimentos (págs. 3 e
7) e mostra os dados da pesqui-
sa realizada pelo Ibase sobre o
Bolsa Família (pág. 12)
e l e i ç õ e S
O Rio de Janeiro sempr
e foi uma
cidade agitada quando
o assunto
é eleição. Conheça a t
rajetória
dessa cidade e o que
vem por
aí até as eleições em
outubro
(pág. 8)
02 JORNAL DA CIDADANIA | Nº 142 | AGOSTO ’08
O Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Eco-nômicas (Ibase), criado em 1981 pelo sociólogo Betinho, é uma organização não-governamental, sem fins lucrativos, sem vinculação religiosa e par-tidária. Sua missão é a construção da democracia, combatendo desigualdades e estimulando a partici-pação cidadã. Um de nossos objetivos é contribuir para uma cultura democrática de direitos. Defender, valorizar e fortalecer a participação social e política como direito e responsabilidade cidadã de todos e to-das, sem desigualdades ou discriminações, sem racis-mo ou machismo.Mais informações: www.ibase.br
CONSELhO EDITORIALAmérico Freire (CPDOC/FGV)André Guimarães (Educafro)Elaine Ramos (jornalista)Eliane Ribeiro (Uerj)Inalva Mendes (E. M. Finlândia)Marina Maria (jornalista)Mario Osava (IPS)Marly Motta (CPDOC/FGV) Mônica Francisco Santos (Agenda Social Rio) Paulo Carrano (Observatório Jovem/UFF)Sonia Américo de Mello (Coordenadoria Metropolitana/RJ)
Pelo Ibase: Marina Ribeiro (Pré-vestibular Popular CJ/Campo) e Luciano Cerqueira (cientista social)
Dê a sua opinião sobre o novo
Jornal da Cidadania.
Este ano, vamos eleger prefeitos(as)
e vereadores(as). É um momento im-
portante para o futuro de nossas ci-
dades. Com o objetivo de incentivar o
debate e a reflexão, esta edição con-
ta com o artigo da pesquisadora Mar-
ly Motta. Ela aborda a trajetória das
eleições na cidade do Rio de Janeiro.
A partir de sua análise, poderemos
aprender um pouco sobre o jogo po-
lítico, como se dão as alianças entre
partidos e candidatos(as) etc. Quem
sabe a leitura contribui para que você
tenha mais clareza sobre seu voto?
Mas como participação política não
é algo que se restringe ao voto, esta
edição traz o passo a passo sobre
como fundar um grêmio na escola. A
idéia de abordar este assunto surgiu
durante a visita do Ibase ao Ciep 128,
em Magé, no âmbito do projeto “Ibase
vai às Escolas”. O grêmio é importan-
te para que estudantes possam discu-
tir questões relacionadas à dinâmica
escolar, reivindicar, propor. Contribui
para que a escola seja mais do que sa-
las de aula com giz e cadeiras.
Por meio do grêmio, por exemplo,
é possível mobilizar a sua comunida-
de escolar para apoiar a introdução
da merenda no ensino médio. Uma for-
Diretora responsável: Dulce Pandolfi Edição: Jamile Chequer Subedição: Flávia Mattar Revisão: Ana BittencourtEstagiário: Carlos Daniel da CostaProdução: Geni MacedoDistribuição: Elaine
Uma publicação do Ibase – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e EconômicasAv. Rio Branco, 124 / 8º - Centro - 20040-916 Rio de Janeiro/RJ - Tel.: (21) 2178 9400Fax: (21) 2178 9401 [email protected] www.ibase.br
Os textos assinados não traduzem, necessariamente, a posição do Ibase.
Amaral de MelloAssessoria de imprensa: Rogério JordãoProjeto gráfico e diagramação: DotzdesignIlustrações: Guto Miranda
Tiragem: 58.000 exemplaresISSN 1679-1762
ma de participar é divulgando, deba-
tendo e incentivando a assinatura do
abaixo-assinado (www.planalto.gov.br/
Consea) promovido pelo Conselho Na-
cional de Segurança Alimentar e Nutri-
cional (Consea). A idéia é pressionar
deputados(as) pela aprovação do pro-
jeto de lei, em tramitação na Câmara
dos Deputados, que beneficiará 8 mi-
lhões de estudantes do ensino médio e
de escolas de alfabetização. Atualmen-
te, cerca de 37 milhões de estudantes
são atendidos(as)*.
A pesquisa do Ibase sobre o Bolsa
Família mostra que, entre as pessoas
entrevistadas, a merenda escolar apa-
rece como a segunda forma mais im-
portante de acesso à alimentação.
Também, pudera, ela contribui para a
segurança alimentar dos(as) estudan-
tes, facilitando o desenvolvimento de
habilidades e o aprendizado.
Esse é um tema importante, direta-
mente relacionado ao direito humano
à alimentação. O Consea nacional tem
reforçado a importância de estudantes
do ensino médio terem acesso à ali-
mentação na escola. E vai além, acre-
dita que a merenda escolar deve priori-
zar produtos da agricultura familiar e
sustentável. Assim, contribui também
para o dinamismo da economia local e
para que a cultura alimentar regional
e local seja valorizada.
Claro que nem todos os problemas
relacionados à insegurança alimentar
no país serão resolvidos com a meren-
da escolar. Mas é algo que deve ser um
direito e, para conquistá-lo, por que não
apoiar o projeto do Consea? Por que
não levar essa discussão para a escola
por meio do grêmio? Ou até mesmo co-
brar daquele(a) candidato(a) em quem
você vai votar umas palavrinhas sobre
o que ele pensa sobre isso?
* O Portal do Ibase tem mais informações sobre merenda escolar. Acesse www.ibase.br
03JORNAL DA CIDADANIA | Nº 142 | AGOSTO ‘08
Pi PLANETA IBASE
BIdU – RAÍZeSeMM
OVIMeNTO
04 JORNAL DA CIDADANIA | Nº 142 | AGOSTO ’08
CcCANAL CULTURAL
Com tela
Apesar do nome, eles contam não apenas com
uma tela, como com todo o equipamento neces-
sário para a atividade itinerante, tendo recebido
um kit de projeção de imagem e som do Ministé-
rio da Cultura (MinC). É um dos cem pontos de
difusão digital do país reconhecidos pelo MinC,
além de parceiro da Associação dos Cineclubes
do Rio de Janeiro (Ascine-RJ) e filiado ao Conse-
lho Nacional de Cineclubes (CNC).
O Sem Tela conta com a parceria de institui-
ções locais. As sessões na Maré, nos Cieps Elis
Regina e Hélio Smith são realizadas com a parce-
ria da ONG Vida Real; no Alemão, com as ONGs
Grupo Sócio Cultural Raízes em Movimento e
Movimento de Integração Social Efeta. Por volta
de cem pessoas freqüentam cada sessão. Se no
pré-vestibular no Alemão, o público é majorita-
riamente de jovens de 18 a 30 anos, nos Cieps,
a maior parte tem de 8 a 12 anos. O que não
significa que professores(as) e funcionários(as)
não assistam às sessões.
“A tela grande, assistir com os colegas, em
grupo, toda a sensação de estar em uma situa-
ção como a do cinema, tudo isso causa um gran-
de impacto. As crianças torcem, gritam, batem
palmas. Estarem tão próximos dos equipamen-
Como unir arte e escola sem reduzir a arte a mero instrumento da educação? Há pensadores(as) que defendem que a arte é peda-
gógica em si. e que há uma experiência insubstituível que se perde quando a encaramos como instrumento para esta ou aquela disciplina ou objetivo. Quando ofuscamos a força da arte, perdemos a oportunidade, por exemplo, de refletir sobre nossos valores. Como a escola deve se defrontar com os “valores” contidos na arte?
“arte é mais do que um objeto ou uma prática, é da ordem de um valor. Diante da experiência artística, as pessoas são confrontadas, são convidadas a pôr seus valores em questão. Instrumen-talizar a arte é esquecer tudo isso, é reduzi-la à ilustração apenas”, ressalta Roberto luís torres Conduru, diretor do Instituto de artes da Universidade do estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Há iniciativas pelo Brasil que aliam arte e educação com a preocupação de deixar luzir os valores contidos na arte. essas experiências apostam na força que a arte tem em si. Um exem-plo é o Cineclube Sem tela, do observatório de Favelas do Rio de Janeiro. a proposta é exibir filmes em sessões itinerantes (e gratuitas) em escolas, pré-vestibulares e locais públicos. atual-mente, o projeto está presente basicamente nos Complexos da maré e do alemão.
tos, como o projetor, também é algo fascinante
pra eles. É legal ver a reação deles a tudo isso”,
revela Talitha Ferraz, coordenadora do Sem Tela,
referindo-se também à atenção que muitas das
crianças demonstram, inclusive, com a monta-
gem/desmontagem dos aparelhos.
“É importante que a experiência artística in-
clua não apenas os alunos, mas toda a comu-
nidade da escola, professores e funcionários, se
possível até trazendo os que estão além dos mu-
ros da escola. Do contrário, é cair novamente na
instrumentalização. É preciso que a arte se con-
fronte com o ambiente onde esteja sendo apre-
sentada”, afirma o professor Roberto Conduru.
O Sem Tela nasceu da iniciativa de estudan-
tes de audiovisual da Escola Popular de Comuni-
cação Crítica (Espocc), projeto do Observatório
de Favelas em parceria com diversas institui-
ções. Para suas exibições, conta com o acervo
de filmes da Riofilme. O projeto, que nasceu em
2006, ganhou novo impulso em março deste
ano. Na reformulação, foram estabelecidas três
sessões por mês e começaram os contatos com
produtoras e diretores(as). Da iniciativa resultou,
por exemplo, a pré-estréia de Maré: nossa história
de amor, de Lúcia Murat. No evento, que lotou a
quadra da escola de samba Gato de Bonsucesso,
estiveram presentes a diretora e o elenco do fil-
me. Foi um ponto alto dessa nova fase, segundo
Talitha, quando mais de 400 pessoas da comu-
nidade estiveram presentes pra ver o filme – que
teve algumas de suas locações na própria Maré.
Outro exemplo foi o filme No meio da rua, de
Antônio Carlos da Fontoura, exibido em escolas
públicas da região.
A prioridade é para os filmes brasileiros. En-
tre os motivos, a possibilidade de exibir produ-
ções que não entrariam no circuito comercial e
a preocupação com a audiência: “Levamos em
conta a questão das legendas. A maioria nunca
foi ao cinema, o máximo de contato com o áudio-
visual foi com a TV, não tem a experiência de ler
o que é falado nos filmes. Escolhemos também
filmes que, de alguma forma, abordem a realida-
de deles, produções urbanas, ou que tenham o
Rio como tema”, afirma Talitha. No entanto, não
fecha a questão. “Apenas não fizemos a experi-
ência de exibir uma produção estrangeira”, res-
salva, lembrando que o filme Janela da alma (de
João Jardim e Walter Carvalho), que tem trechos
com depoimentos em outras línguas que não o
português, está na fila para exibição.
Marcelo CarvalhoJornalista, colaborador do Ibase
05JORNAL DA CIDADANIA | Nº 142 | AGOSTO ‘08
múSICa no agReSte
Em Pernambuco, um projeto faz outras interse-
ções com a escola, desta vez com a música.
O trabalho começou faz tempo, com o maestro
Mozart Vieira ainda adolescente apresentando
a música para crianças de escolas públicas da
cidade de São Caetano. Do trabalho nasceu a
Banda Sinfônica do Agreste, mais conhecida
como a Banda dos Meninos de São Caetano.
Os meninos e meninas que começaram no
projeto são agora músicos e professores(as),
num trabalho voluntário. Um daqueles meninos,
Carlos Antonio da Silva, clarinetista, é hoje pre-
sidente da Fundação Música e Vida, criada para
gerir a banda. Outros meninos e meninas já ul-
trapassaram os limites da cidade, graduando-se
nas universidades federais de Pernambuco e da
Paraíba. Outros ainda estão nas bandas da Ae-
ronáutica e em diversas orquestras.
A importância do trabalho pode ser medida
pela atração que exerce sobre adolescentes e jo-
vens das cidades vizinhas a São Caetano, como
Bezerros, Belo Jardim, Santa Cruz do Capiberibe e
Caruarú. A fundação conta hoje com 200 crianças
e adolescentes de 7 a 18 anos, mas todo ano pelo
menos o dobro procura a escola. Cerca de mil me-
ninos e meninas já passaram pelos seus bancos.
LUGAR DE ARTE TAMBéM é NA ESCOLA“Foi fantástico vivenciar o nascimento do tra-
balho, viver todos os momentos, as alegrias, a
projeção que o trabalho teve e também as difi-
culdades. A música transformou nossas vidas.
Antes, não havia perspectiva. Tento passar a
minha experiência pros meninos e meninas, que
eles podem crescer com a música, não apenas
musical, mas política e socialmente, e como in-
divíduos”, ressalta Carlos Antonio da Silva.
A banda é formada por instrumentos de so-
pro e canto, apresentando-se em escolas e te-
atros. A formação é erudita (Bach, Beethoven,
os brasileiros Villa-Lobos, Carlos Gomes, entre
outros), mas o repertório inclui música popular
da região. No currículo, gravação de CD, apre-
sentações pelo Brasil e turnês internacionais.
Como a de 2005, à França, em um espetáculo
que reunia música e dança.
Apesar de toda realização, a fundação passa
por dificuldades financeiras, não recebe apoio de
nenhum órgão público. Conta apenas com a Asso-
ciação Sabiá, criada entre amigos(as) da iniciativa
na cidade de Bordeaux, na França, além de recur-
sos de voluntários(as) – entre eles(as), os próprios
músicos na banda, que doam parte do que ga-
nham em trabalhos particulares para a fundação.
“Já está pronto o projeto para transformar a
Fundação numa escola técnica regular, já que
99% dos alunos são oriundos do ensino público.
Está tudo acertado, falta apenas a decisão final
do governo do estado”, cobra Carlos Antonio da
Silva, que também é músico da Banda Sinfônica
da Cidade de Recife. A medida é importante,
pois, assim, a fundação deixaria de ter caráter
de ensino complementar, facilitando a obtenção
de recursos regulares.
A dedicação e alguma confiança de que
sempre é possível fazer algo, apesar das dificul-
dades, une projetos tão distantes quanto o Cine-
clube Sem Tela e a Banda dos Meninos de São
Caetano. “Ser itinerante significa, para o proje-
to, levar o cinema pra quem não tem acesso”,
afirma Talitha. “Queremos formar público para o
cinema, contribuir de alguma forma pra mudar
a realidade do mundo deles. Queremos fazer um
trabalho de micropolítica, essa é a nova cara do
Sem Tela. Mas sem esquecer do prazer que é ir
ao cinema”, lembra.
observatório de Favelas:http://www.observatoriodefavelas.org.br/observatorio/index2.asp
Banda dos meninos de São Caetano:http://users.telenet.be/bandadesaocaetano/Fundacaopt.htm
06 JORNAL DA CIDADANIA | Nº 142 | AGOSTO ’08
Nos últimos dez anos, a América do Sul passa
por transformações políticas que deram novo ros-
to ao continente. As mudanças se traduziram na
chegada ao poder de governos de esquerda que,
cada um a seu modo, refletem a história dos mo-
vimentos sociais e das lutas populares em seus
países. Já é possível identificar traços comuns na
região, cuja síntese é o aprofundamento da de-
mocracia – processo ainda mais importante por-
que acontece em meio a uma maré conservadora
na Europa e nos Estados Unidos, e em conjunto
com recaídas autoritárias na África e na Ásia.
O primeiro elemento da onda democrática neste
continente é a ascensão de grupos sociais formados
por pessoas pobres, que tradicionalmente haviam
sido mantidas à margem da política. Na Bolívia e
no Equador, foram os movimentos indígenas, que
se organizaram a partir das demandas pelo contro-
le de recursos naturais (água, terra, biodiversidade,
gás e petróleo) e da luta contra o racismo.
Na Argentina e na Venezuela, o setor infor-
mal da economia se articulou de maneiras ino-
vadoras, em mobilizações como a dos piqueteros
(desempregados(as) e moradores(as) de bairros
pobres) e de habitantes das favelas e periferias
de Caracas que foram às ruas, impedindo o golpe
contra o presidente Hugo Chávez. No Paraguai,
camponeses(as) e estudantes romperam o domí-
nio de 60 anos do Partido Colorado, que havia go-
vernado o país por ditaduras e regimes corruptos e
reprimido as aspirações democráticas. No Brasil,
no Chile e no Uruguai, chegaram ao poder parti-
dos de esquerda mais consolidados, com décadas
de história – o PT brasileiro, o Partido Socialista
chileno e a Frente Ampla uruguaia.
Em todo o continente, as políticas sociais fo-
ram ampliadas, redistribuindo renda, e o papel do
Estado na economia, reforçado – clara reversão
dos rumos que os conservadores seguiram na
década de 1990. Reivindicações sociais novas
e antigas ganharam destaque na agenda pública
– direitos das mulheres e políticas de juventude,
melhoria da educação, oposição à discriminação
por orientação sexual. Na política externa, foram
lançadas iniciativas de integração, envolvendo
áreas como Transportes, Energia, Comunicações,
Cultura. Foi criado o Parlamento do Mercosul e
fundada a União das Nações Sul-americanas. A
região se uniu na ONU contra a guerra do Iraque,
na Organização Mundial do Comércio contra os
subsídios agrícolas dos Estados ricos, e lançou
diálogos com a África e a Liga Árabe.
Em boa parte da América do Sul, a onda de-
mocrática também tem sido o momento de pu-
nir os crimes cometidos pelas ditaduras militares
que aterrorizaram a região das décadas de 1960
a 1980. Na Argentina, Chile, Peru e Uruguai, ex-
ditadores foram presos, leis de anistia revogadas
e processos reabertos contra quem torturou e as-
sassinou no período autoritário.
Outra inovação da região é a busca por instru-
mentos de democracia participativa que comple-
mentem os processos representativos tradicio-
nais, considerados insuficientes pela população.
Diversas ferramentas têm sido criadas ou refor-
çadas: conferências e conselhos que reúnem
sociedade civil e governo no Brasil, referendos
sobre temas políticos na Venezuela, na Bolívia e
no Uruguai e amplas reformas constitucionais na
Bolívia, Equador e Venezuela.
Diversos desafios se impõem à onda demo-
crática sul-americana: a necessidade de que as
mudanças políticas se traduzam em conquistas
econômicas, com a redução da pobreza e das
desigualdades; a urgência de se ter meios de co-
municação de massa sintonizados com os ide-
ais da democracia e da transformação social; a
importância de consolidar partidos e movimen-
tos para não cair na armadilha de depender de
uma só pessoa que exerça a liderança. Também
é preciso acompanhar com atenção a situação
da economia internacional – problemas como a
crise nos Estados Unidos e a alta dos preços dos
alimentos têm impactos ruins na América do Sul,
que prejudicam a estabilidade e as condições de
ação dos governos da região.
A oNDA DEmoCRáTICA NA AméRICA Do SuLMaurício SantoroJornalista, pesquisador do Ibase
07JORNAL DA CIDADANIA | Nº 142 | AGOSTO ‘08
Como você avalia a segurança alimentar no mundo? De repente, com a alta dos preços dos alimentos,
parece que o mundo despertou para o problema
de insegurança alimentar. Na realidade, nosso
planeta segue uma trajetória perigosa. O sistema
alimentar está cada vez mais globalizado e o que
se come em cada local e em cada país é defini-
do, freqüentemente, em esferas que nada têm a
ver com a alimentação. Digo isso para reafirmar
que o alimento está sendo tratado apenas como
uma mercadoria. Essa situação, hoje, ocorre em
quase todos os países e isso é um risco enorme
para a soberania e segurança alimentar mundial.
O alimento tem que ser considerado um direito
e é este enfoque que está faltando na discussão
que agora se realiza sobre a crise dos alimentos.
O Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas estima que 100 milhões de pessoas estão ameaçadas de falta de alimentos. Você acha que com a possível redução de exportações poderá haver invasões entre nações?
Sem dúvida, em casos extremos, existe esse
risco. Mas o que não se deve perder de vista é o
fato que o alimento diz muito sobre a soberania dos
povos. Aqueles com mais capacidade de atender
às suas necessidades alimentares estão em uma
posição mais forte, enquanto aqueles mais depen-
dentes dos alimentos produzidos em outros países
ficam sob a mais séria ameaça diante de situações
de escassez e, conseqüentemente, fome.
Muitos têm apontado os biocombustíveis como o grande vilão do aumento do valor dos alimentos. Qual a sua avaliação? Não acredito que os biocombustíveis produzidos
no Brasil, inclusive o etanol, possam ter respon-
sabilidade na atual crise alimentar. A expansão
ocorrida na área de cana não foi capaz, até aqui,
de contribuir para a redução de áreas de produ-
ção de alimentos. Isso não dispensa a necessida-
de de atenção para não se permitir que a cana-
de-açúcar invada áreas de cultura alimentar. É
bom lembrar que, até agora, aqueles que defen-
dem aumentar a produção do etanol justificam
que a expansão vai se dar sobre áreas de pas-
tagens improdutivas. Diferente é a situação dos
Estados Unidos, onde um terço do milho foi des-
viado do consumo humano para a produção de
etanol, causando escassez do produto no próprio
país e verdadeira tragédia no México.
Investir mais em tecnologia poderia ser uma saída para minimizar a crise? É uma das saídas, mas por meio de tecnologias
que preservem o meio-ambiente e reduzam a de-
pendência do petróleo. Não vamos esquecer que
a alta do petróleo é uma das impulsionadoras dos
preços. O alimento percorre longas distâncias
para chegar até a mesa do consumidor e, para
ser produzido, são utilizados insumos químicos
que têm no petróleo parte significativa de sua
matéria-prima.
Qual deve ser a atitude brasileira em relação à crise? Segundo o presidente, o país tem território suficiente para produzir em maior escala... O governo brasileiro deve continuar tratando a ali-
mentação de nosso povo como uma prioridade.
Só que, neste contexto de crise e alta dos preços,
precisa tomar medidas imediatas para fazer ces-
sar essa alta e, inclusive, baixá-los. Por exemplo,
a agricultura familiar já produz 60% dos alimentos
que consumimos. Fica evidente a necessidade de
novas medidas que reforcem sua capacidade de
produção. É preciso, também, reconstruir o sis-
tema nacional de abastecimento que, no apogeu
do pensamento neoliberal, sofreu verdadeiro des-
monte dos instrumentos de distribuição e comer-
cialização de alimentos. Com essa preocupação,
o Consea gerou, há dois anos, uma importante
proposta, com medidas de reconstituição de es-
toques estratégicos, medidas de impedimento de
práticas abusivas de intermediação e aproxima-
ção entre produção e consumo, com estímulo aos
mercados locais.
A CRISE DOS ALIMENTOS
Jamile Chequer e Flávia Mattar
O diretor do Ibase e ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Francisco Menezes, fala sobre a (in)segurança alimentar e nutricional no mundo e a crise de alimentos que, recentemente, ganhou espaço nos noticiários. Para ele, as discussões não estão levando em consideração que alimento é um direito, não mercadoria.
08 JORNAL DA CIDADANIA | Nº 142 | AGOSTO ’08
Em viagens de caráter privado, mas, principal-
mente, em eventos oficiais que marcaram o iní-
cio da realização de grandes obras na cidade, a
presença constante do presidente Lula no Rio de
Janeiro, a partir da posse do governador Sérgio
Cabral, em janeiro de 2007, vem despertando um
grande interesse, que cresce à medida que se
aproximam as eleições municipais. Que papel os
governos federal e estadual terão na escolha do
futuro prefeito carioca? É o que muitas pessoas
se perguntam.
Sem dar aos historiadores e às historiadoras o
papel de videntes, possivelmente, um breve pas-
seio pela história política do Rio de Janeiro forne-
cerá algumas pistas para entender as novidades
da campanha eleitoral que se avizinha.
Em primeiro lugar, é preciso ter em mente que,
na condição de capital republicana (1889–1960),
o Rio de Janeiro não possuía o direito de eleger
seu prefeito, que era indicado pelo presidente da
República. Foi só a partir da transferência da ca-
pital para Brasília, e a conseqüente transformação
do antigo Distrito Federal em Estado da Guanaba-
ra, que a população carioca conquistou o direito
de eleger, por voto direto, seu próprio governante.
Ao longo de sua curta existência (1960–75),
a Guanabara teve três governadores: Carlos La-
cerda (1960–65) e Francisco Negrão de Lima
(1965–71), eleitos diretamente, e Chagas Freitas
(1971–75), eleito pela Assembléia Legislativa do
Estado da Guanabara. Em 1975, com a fusão da
Guanabara com o antigo estado do Rio, o muni-
cípio do Rio, passou a ter o seu prefeito indicado
pelo governador – como, aliás, todas as demais
capitais estaduais –, e só a partir de 1985 con-
quistou o direito de eleger diretamente o Executivo
municipal.
A primeira eleição para a prefeitura do Rio,
em 1985, foi vencida, com facilidade, por Satur-
nino Braga (PDT), candidato do governador Leo-
nel Brizola (1983–87), que desfrutava de grande
popularidade entre o eleitorado carioca. Tendo
como objetivo principal a conquista da Presidên-
cia da República, Brizola procurou nacionalizar a
campanha municipal, mantendo na defensiva o
presidente José Sarney (1985–89), principal alvo
de suas críticas.
Mesmo longe do governo do estado, Brizola
deteve o controle sobre a eleição seguinte, reali-
zada em 1988. Beneficiado pela força do brizolis-
mo, e pelo desgaste político dos governos federal
e estadual, ocupados respectivamente pelo pre-
sidente Sarney e pelo governador Moreira Franco
(1987–91), o candidato do PDT, Marcelo Alencar,
impôs larga diferença ao segundo colocado, Jor-
ge Bittar, do PT.
A eleição de 1992 é um importante marco na
história das eleições municipais do Rio. Pela pri-
meira vez, a prefeitura foi reconhecida como um
espaço de poder, e o prefeito carioca passou a ter
força suficiente para tentar fazer seu sucessor. No
entanto, os planos de Marcelo Alencar, que lan-
çou a candidatura do engenheiro Luiz Paulo da
Rocha para sua sucessão, bateram de frente com
Q?QUE MUNDOé ESTE?
O eleitorado
carioca não vai
morrer de
Marly MottaHistoriadora e pesquisadora do Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas (Cpdoc/FGV)
TéDIO
09JORNAL DA CIDADANIA | Nº 142 | AGOSTO ‘08
os projetos futuros e o estilo político do governador
Brizola, trazido de volta ao governo do estado nas
eleições de 1990. Brizola impôs sua candidata ao
PDT, a radialista Cidinha Campos, que logo dispa-
rou na frente dos outros concorrentes, Cesar Maia
(PMDB) e Benedita da Silva (PT).
Apesar do bom desempenho da candidata
de Brizola, pesquisas de opinião apontavam que
era alto o índice de rejeição ao governador, ao
mesmo tempo em que a administração do pre-
feito conquistava uma boa taxa de aprovação. O
enfraquecimento político de Brizola e o proces-
so de impeachment do presidente Collor fizeram
com que os governos estadual e federal ficassem
afastados da eleição municipal de 1992. O pre-
feito Marcelo Alencar entrou na disputa e, com
seu apoio, especialmente na Zona Oeste, Bene-
dita da Silva e Cesar Maia foram para o segundo
turno. Focando sua campanha em questões que
afligiam o município, como o combate à desor-
dem urbana, Cesar conquistou a prefeitura por
pequena margem de votos.
A eleição do carioca Marcelo Alencar para o
governo estadual em 1994, agora pelo PSDB,
trouxe a expectativa de que a eleição munici-
pal de 1996 posicionaria em campos opostos os
candidatos do governador e do prefeito. De fato.
Por um lado, o deputado estadual Sérgio Cabral
(PSDB) foi escolhido por seu ótimo desempenho
nas urnas, especialmente no município do Rio.
Por outro, Cesar Maia, sem contar com a reelei-
ção, apostou mais no desejo de continuidade do
eleitorado carioca do que em sua fama de “opo-
sicionista” e “rebelde”, e elegeu o secretário de
Urbanismo, Luiz Paulo Conde, um “técnico” com
pouca experiência política.
As duas eleições seguintes – 2000 e 2004 –
foram pobres em termos de renovação de nomes
para a disputa pela prefeitura do Rio. Nelas, o
eleitorado restringiu sua escolha entre Luiz Paulo
Conde e Cesar Maia, em uma clara manifestação
de que os temas municipais tinham nítida pre-
ferência em relação a debates de caráter mais
regional ou nacional, contrariando a tradição da
cidade de ser a “caixa de ressonância” do país.
Em ambas as eleições, Cesar Maia venceu, e se
tornou o político que mais tempo permaneceu na
prefeitura carioca.
Investindo na imagem de “político do Rio”,
Maia conseguiu estabelecer um tipo de identifi-
cação com o eleitorado da capital que lhe garan-
tiu sucessivas vitórias eleitorais desde 1992. Der-
rotado, em 1998, nas eleições para o governo es-
tadual por Anthony Garotinho, político de Campos,
o prefeito decidiu reforçar as tradicionais barreiras
que separavam a capital do resto do estado.
Ao afirmar que “o prefeito do Rio é o governa-
dor do estado da Guanabara”, visava demarcar
as fronteiras entre os dois “caciques” da política
fluminense: de um lado, “a Guanabara”; de ou-
tro, “os grotões do interior”. A eleição de Rosinha
Matheus em 2002, sucedendo seu marido, só fez
reforçar o afastamento do governo estadual das
eleições municipais do Rio e, repetindo o que vi-
nha acontecendo desde 1992, a campanha de
2004 foi travada no âmbito municipal.
Quais seriam, então, as novidades desta cam-
panha municipal de 2008? Em primeiro lugar, o
nome do atual prefeito não estará na urna eletrô-
nica. Desgastado politicamente por tantos anos
como prefeito, Cesar Maia vem sofrendo ataques
na imagem que construiu ao longo desse perío-
do – o de administrador eficiente, amante da lei
e da ordem. Por outro lado, o governo estadual
encontra-se hoje nas mãos de Sérgio Cabral, um
político da capital, que, ao contrário dos dois últi-
mos governadores oriundos de Campos, apostará
forte na vitória de seu candidato no Rio de Janei-
ro. Finalmente, a grande novidade é a entrada
do governo federal na eleição carioca, o que não
acontecia desde os tempos da antiga Guanabara.
Junto com o governo do estado – o que também
provoca certo espanto –, o presidente Lula, ao
investir vultosos recursos do Programa de Acelera-
ção do Crescimento (PAC) na recuperação de áre-
as da cidade com grande concentração de votos,
torna-se um eleitor disputadíssimo pelos candida-
tos e pelas candidatas à prefeitura carioca.
Depois de mais de uma década em que a dis-
puta ficou praticamente restrita ao âmbito mu-
nicipal, a eleição de 2008 para a prefeitura do
Rio envolve interesses políticos mais ampliados e
de mais longo prazo. Por isso mesmo, as jogadas
rápidas, as mudanças bruscas, às vezes imprevi-
síveis, parecem indicar que o eleitorado carioca
não morrerá de tédio.
10 JORNAL DA CIDADANIA | Nº 142 | AGOSTO ’08
São várias as formas de participação nas esco-
las, uma delas é a criação de grêmio estudantil,
um importante espaço de aprendizagem, cida-
dania, convivência, responsabilidade e luta por
direitos. Mas o que é um grêmio estudantil e
como funciona?
É uma instituição não-governamental criada e
gerida por alunos(as) do
ensino fundamen-
tal e médio com
f i n a l i d a d e s
e d u c a c i o -
nais, cultu-
rais, cívicas,
esportivas,
sociais e
políticas. A
e x i s t ê n c i a
de grêmios
estudantis é as-
segurada pela Legis-
lação Federal – Lei n.º 7.398, de 4 de novembro
de 1985 – mais conhecida
como a lei do grêmio livre.
Como toda instituição de
cunho político, o grêmio
deve seguir um estatuto,
que é um conjunto de re-
gras que rege a organiza-
ção. Existem diversos mo-
delos, os principais são
o presidencialismo – no
qual os(as) componentes
obedecem a uma hierarquia
– e o colegiado – em que as
decisões são tomadas em grupo.
Em 1968, a ditadura militar proibiu
a criação e funcionamento dos grêmios estudantis
como representação de alunos(as) nas escolas. A
lei do grêmio livre redemocratizou as entidades de
representação estudantil no âmbito da educação
básica, possibilitando novamente o direito de or-
ganização de forma autônoma. Mas, infelizmente,
a ditadura militar deixou os seus resquícios, por
isso, hoje, poucas escolas estaduais possuem
grêmios estudantis para representar sua comu-
nidade escolar.
Segundo Janaína Maia, presidente da Associa-
ção Metropolitana dos Estudantes Secundaristas
do Rio de Janeiro (Ames), a ausência dos grêmios
deve-se à falta de incentivo e à coibição de sua
criação. “Isso tem ligação direta com interesses
políticos que atingem até o movimento estudantil.
Há um conjunto de fatores que se soma a isso, tam-
bém por conseqüência de poucas serem as dire-
ções comprometidas com os estudantes”, relata.
Um exemplo da falta de democratização e do
exercício da cidadania dentro das
escolas é a proibição das eleições
diretas para direção das uni-
dades públicas estaduais. Em
outubro de 2007, a Secretaria
da Casa Civil do Governo do
Estado do Rio de Janeiro can-
celou as eleições diretas para
diretoria das escolas, autoriza-
da pelo secretário de Educação
anterior, Nelson Maculan. Na de-
cisão dele, professorado, pais, mães
e alunos(as) de escolas públicas
estaduais passariam a ter o direito
de indicar o nome da diretoria
da escola. A Secretaria da
Casa Civil cancelou a de-
cisão, considerando
necessária uma dis-
cussão maior sobre
o tema, envolvendo
a Casa Civil, além
da Secretaria de
Educação e a Pro-
curadoria do estado.
Isso não agradou
nem um pouco os(as) profis-
sionais de educação. “No Brasil, em vez
de compromisso com o direito da popula-
ção a uma educação pública de qualidade,
tem aparecido uma falta de compromisso com a
educação pública e sua utilização como espaço
político-partidário. É preciso colocar a decisão
nas mãos de quem é de direito: os educandos
e os educadores”, declara Maria Beatriz Lugão,
coordenadora do Sindicato Estadual dos Profis-
sionais de Educação do Rio de Janeiro (Sepe).
Da redaçãoColaboração: Carlos Daniel da Costa
Grêmio estudantil: uma forma de exercer cidadania!
Porém, ela diz que os(as) estudantes não es-
tão de braços cruzados e que a liberdade de
eleições para a escolha da diretoria se tornou
bandeira de luta: “Muitos querem esse direito.
Essa impossibilidade afeta o corpo estudantil,
interfere na cidadania, isola alunos, deixando-
os a par da escola, quando ela deveria servir de
espaço de aprendizagem, de cultura para os es-
tudantes. É incoerente para a própria formação
do indivíduo”, analisa.
“É importante mesmo!”, complemen-
ta Jonatas Barbosa – aluno da Es-
cola Estadual Visconde de Cairú
– Os(as) estudantes não estão
de acordo com a decisão e
querem exercer o direito de
escolha. “Óbvio que são ne-
cessárias eleições para dire-
ção. A proibição é uma lança
nas costelas da democracia!”,
conclui Jonatas.
Para Bruno Silva, aluno da Esco-
la Técnica Estadual Juscelino Kubitschek, a
criação do grêmio pode ajudar na reivindicação das
eleições para direção. “O grêmio é muito importan-
te, é a voz dos alunos perante a direção. Possui
força em decisões que uma direção pode tomar em
relação aos alunos. Acredi-
to que expressa bem
esse direito. Infeliz-
mente na minha
escola não se
fala mais nis-
so”, lamenta.
o grupo
interessado em
formar o grêmio divulga a
proposta na escola e convida
alunos(as) interessados(as) e re-
presentantes de classe (se houver)
para formar a comissão pró-grêmio.
Esse grupo elabora uma proposta
de estatuto que será discutida
e aprovada pela Assembléia
Geral.
1º
Essa comis-
são convoca os(as)
alunos(as) da escola para
participar da assembléia geral
– que deve ser registrada em ata.
Nessa reunião, decidem-se o nome do
grêmio, o período de campanhas das
chapas, a data das eleições e apro-
va-se o estatuto do grêmio. São
escolhidos os nomes dos(as)
integrantes da comissão
eleitoral.
2º
os(as)
alunos(as) for-
mam as chapas que
concorrerão na eleição.
Devem apresentar suas idéias
e propostas para o ano de
gestão no grêmio estudantil. A
comissão eleitoral promove
debates abertos entre
as chapas.
3º
A comissão
eleitoral organiza
a eleição. A contagem é
feita por representantes da
comissão e dois representantes de
cada chapa. Se for necessário, par-
ticipam coordenadores(as) pedagógi-
cos da escola. No final da apuração,
a comissão pró-grêmio deve
fazer uma ata de eleição para
divulgar os resultados.
4º
A
comissão pró-
grêmio organiza a
cerimônia de posse
da diretoria do
grêmio.
5º
Com
o m
onta
r um
grê
mio
pas
so a
pas
so*
* Fonte: une.org.br
11JORNAL DA CIDADANIA | Nº 142 | AGOSTO ‘08
A cidade do Rio de Janeiro, é cenário das con-
tradições que marcam o Estado brasileiro. Há
avanço democrático na estrutura representativa
formal, como conselhos, fóruns abertos à par-
ticipação da sociedade, bem como leis cidadãs
como a que garante e promove os direitos de
crianças e adolescentes (Estatuto da Criança e
do Adolescente – ECA). Por outro lado, polícias
estaduais – militar e civil – e, o próprio Exército
brasileiro, responsáveis pela segurança de cida-
dãos e cidadãs, e que deveriam se pautar pelos
parâmetros legais, promovem chacinas em fave-
las e áreas populares.
As favelas do Rio, tantas vezes usadas como
moeda de troca na política clientelista, resistiram
e conseguiram introduzir no manual das políticas
públicas o tema da urbanização. O Plano de Ace-
leração do Crescimento (PAC) é a mais recente
evidência de que essas localidades estão, inexo-
ravelmente, imbricadas à paisagem e à história
dessa cidade.
No entanto, enquanto a população da fave-
la se organiza para interferir no debate em torno
das obras do PAC, ali, onde se constituiu a pri-
meira favela dessa cidade, na Providência, uma
atuação silenciosa (ao menos assim seria até as
vésperas da próxima eleição), levada a cabo por
um dos candidatos à prefeitura do Rio, promove
uma maquiagem no local, com recursos do go-
verno federal e sob a proteção do Exército. No
entanto, o “cimento social” usado para rebocar
as casas está manchado pelo sangue de três jo-
vens negros, moradores daquela favela.
Na manhã do sábado, 14 de junho, David Wil-
son Florêncio da Silva, 24; Wellington Gonzaga
Costa, 19; e Marcos Paulo da Silva, 17, foram
presos por militares dentro da favela e levados
ao quartel do Exército. Depois de interpelados,
oficialmente foram dispensados – a partir daí, “a
notícia carece de exatidão”.
Os jovens não chegaram em casa. Por decisão
daqueles militares, diretamente envolvidos na pri-
são – um tenente, um sargento e dois soldados –,
foram levados até a favela da Mineira, a poucos
metros dali e comandada por uma facção rival
àquela que controla o Morro da Providência. No
dia seguinte, os corpos dos três jovens apareceram
junto aos detritos despejados no lixão de Jardim
Gramacho, no município de Duque de Caxias.
Não se sabe qual foi a negociação entre os
militares e os traficantes da Mineira. Não se sabe
o que foi dito e a título de que aqueles militares
cumpriram esse papel. Ainda não está claro qual a
relação anterior entre os militares e os traficantes.
No caso em questão, os jovens não trocaram tiros
e também não foram encontrados com eles “arma-
mentos pesados” e nem mesmo foi feita “a maior
apreensão de drogas”, argumentos que recorrente-
mente têm sido acionados pela polícia do Rio para
“convencer” a sociedade carioca de que as execu-
ções ocorridas nas favelas foram e são inevitáveis.
Mas apesar de todas as evidências da ino-
cência dos jovens, a chacina da Providência foi
incapaz de sensibilizar a classe média carioca e
gerar manifestações de forte apelo emotivo, exi-
gindo o cumprimento da lei.
Mais uma vez, nos deparamos com dois pesos
e duas medidas quando o fato é a morte violenta
no Rio de Janeiro. Uns são “matáveis”: homens,
jovens negros e moradores de favelas. Outros
devem ser protegidos. Com certeza, a dor dila-
cerante desses familiares terá menos solidarie-
dade do conjunto da sociedade carioca e menos
espaço nos horários e espaços nobres da mídia
do que costumam ter acontecimentos igualmente
trágicos envolvendo jovens e pessoas de outras
classes sociais.
Essa chacina reacende o debate sobre o papel
do Exército nas favelas cariocas. Não importan-
do se somos a favor ou contra, esse fato obriga,
mesmo que por um tempo, que o Exército se re-
colha à caserna para refletir sobre o seu papel no
controle da violência urbana e, especificamente,
sobre a melhor forma de contribuir para o resta-
belecimento da autoridade perdida pelo Estado
brasileiro nos territórios dominados pelo tráfico
e/ou pela polícia mineira.
É com pesar que constatamos que, num cur-
to período de tempo, deixados a sós na sua atu-
ação em uma favela, esses militares incorpora-
ram o que há de mais vil na prática da chamada
“banda podre” das polícias do Rio de Janeiro:
pactuação com as forças marginais que domi-
nam as favelas e o uso de vidas humanas como
moeda de troca.
O que prevalecerá: o estado de direito, demo-
crático, igual para todos e todas, ou o estado neo-
populista, em que se privatiza o público e não se
respeita a vida?
Da redaçãoColaboração: Carlos Daniel da Costa
* Fonte: une.org.br
Itamar Silva
Jornalista, Coordenador do Ibase
Qf QUAL FOI?
12 JORNAL DA CIDADANIA | Nº 142 | AGOSTO ’08
Qual a importância de uma pesquisa como essa? O Programa Bolsa Família é uma política elabora-
da para lidar com o problema da fome e beneficia
aproximadamente 11,1 milhão de famílias pobres
brasileiras. Pela trajetória do Ibase com o tema
da segurança alimentar e nutricional, não pode-
ríamos deixar de analisar essa política e em que
medida influencia a capacidade de famílias, de se
protegerem da fome. A pesquisa ajuda a compre-
ender como as famílias mais pobres se alimentam
e de onde vêm os produtos consumidos, o que
nos dá condições para pensar quais políticas são
mais relevantes para garantir o direito humano à
alimentação, principalmente em um contexto de
crise mundial de alimentos (página 7).
O Bolsa Família é uma iniciativa eficaz no combate à pobreza? Sua finalidade é transferir renda para quem tem
renda muito baixa ou nenhuma. Ele cumpre sua
parte. Mas não tem a capacidade de resolver todos
os problemas. No Brasil, a pobreza é um fenômeno
complexo e tem determinantes que a reproduz per-
O Ibase acaba de concluir a pesquisa “Repercussões do Programa Bolsa Família na Segurança Alimentar e Nutricional das Famílias Beneficiadas”. Realizada a partir de 2007, a pesuisa contou com o financiamento da Financiadora de Estudos e Pro-jetos (Finep). Entre os objetivos estão o levantamento do perfil das famílias benefi-ciadas, como adquirem os alimentos e os impactos do programa. Um levantamento como este favorece não só a reflexão sobre o Bolsa Família como a proposição de políticas públicas que somem esforços para a diminuição da pobreza e da insegu-rança alimentar. Quem explica é a pesquisadora do Ibase, Mariana Santarelli.Todo o material da pesquisa está disponível no portal do Ibase <www.ibase.br>.
manentemente. É preciso que, junto com a transfe-
rência de renda, tenhamos outras políticas públicas
capazes de romper com esse ciclo de geração de
pobreza, que nega a cidadania a milhões de brasi-
leiros e brasileiras. O que vimos na pesquisa é que
a insegurança alimentar grave está associada à bai-
xa escolaridade, à exclusão do mercado formal de
trabalho e à precariedade no acesso a serviços pú-
blicos, como saneamento básico. Políticas públicas
capazes de atacar esses problemas aumentam as
condições das famílias de superar a pobreza.
O Bolsa família contribui para a segurança alimen-tar e nutricional dessas famílias? A pesquisa mostra que os beneficiários fazem
uso do recurso para comprar mais alimentos e
variar sua alimentação. Para muitas famílias, o
Bolsa Família é a única renda regular garantida,
o que permite que, ao menos, o arroz e o feijão
estejam na mesa todo mês. Há grande impacto
também na variedade, as famílias passam a co-
mer mais carne, leite, legumes e verduras. Por
outro lado, também aumenta o consumo de ali-
Foto
s: M
aria
na S
anta
relli
RADIOGRAFIA DO BOLSA FAMÍLIA
Jamile Chequer e Flávia Mattar
13JORNAL DA CIDADANIA | Nº 142 | AGOSTO ‘08
InSegURança alImentaROs dados mostram que mais da metade das famílias que recebem o Bolsa Família, aproximadamente
6,1 milhões, está em situação de insegurança alimentar moderada ou grave, ou seja, passou por
restrições alimentares e, até mesmo, fome nos meses que antecederam a pesquisa.
ImPoRtânCIa Da alImentação na eSCola Entre as formas de conseguir alimentos, a alimentação escolar aparece em segundo lugar com
33,4% das respostas (podiam ser escolhidas até três opções). Para as famílias que vivem em
áreas urbanas, principalmente das regiões Sudeste e Centro-Oeste, a alimentação escolar é de
extrema importância. Cerca de 83% dos(as) beneficiados(as) que freqüentam escola ou creche
recebem merenda gratuita. Dentre as que recebem, 71,4% comem a merenda todos os dias. E
quase 33% dos(as) titulares do Bolsa Família declaram que a alimentação da família piora durante
as férias escolares.
ReComenDaçõeS Do IBaSe ao BolSa FamílIaÉ necessário avançar na definição e na formalização de espaços que estimulem e viabilizem prá-
ticas intersetoriais no âmbito do Bolsa Família, nas três esferas de governo. Assim, será gerada
capacidade de potencializar o acompanhamento das condicionalidades e fazer avançar iniciativas
de geração de trabalho e renda.
Ainda que o programa seja de extrema importância, há uma série de outras políticas, algumas já
em curso, que merecem ser mais bem exploradas, como a Política Nacional de Alimentação Escolar,
que poderia ser estendida ao ensino médio, e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que
aumenta a demanda por produtos da agricultura familiar, ao mesmo tempo que provê assistência
alimentar às famílias mais vulneráveis.
Há ainda iniciativas que vêm sendo experimentadas, tanto por prefeituras como pela sociedade
civil organizada, que possibilitam a oferta de produtos alimentares saudáveis e pouco consumidos a
preços mais acessíveis e que estimulam a aproximação de produtores(as) e consumidores(as). Tais
iniciativas poderiam ser mais estimuladas e incorporadas pelos governos locais.
mentos não-nutritivos e calóricos, como biscoi-
tos e industrializados.
Nos grupos focais, percebemos que as titula-
res, em sua maioria mulheres e mães, sabem o
que é saudável, mas pela escassez de recursos
acabam optando por uma alimentação que pro-
porciona saciedade. Tendem também a satisfazer
os desejos dos filhos, o que é mais do que justifi-
cável. O Bolsa Família aumenta o poder de esco-
lha e de compra dos alimentos, o que é ótimo, mas
não significa, necessariamente, uma alimentação
mais saudável. Por isso, há a necessidade de pro-
gramas direcionados para a educação alimentar,
principalmente nas escolas; de iniciativas que au-
mentem a oferta de alimentos adequados e pouco
consumidos, como legumes, verduras e frutas a
preços mais acessíveis; e também de ações de
regulamentação da propaganda de alimentos.
Qual a percepção das pessoas beneficiadas? As pessoas beneficiadas percebem o programa
como uma iniciativa que “ajuda, mas não resolve”,
o que corrobora a visão do Ibase de que é uma
iniciativa importante, mas são necessárias outras
políticas para garantir a emancipação das famílias.
Nos grupos focais, observamos que as pessoas
beneficiadas preferem garantir a sobrevivência de
suas famílias por meio do trabalho a depender do
programa. Para as pessoas que estão no auge da
capacidade produtiva, principalmente homens,
ser beneficiário chega mesmo a envergonhar.
Algumas pessoas expressam o desejo de re-
ceber o benefício para sempre. Este é o caso da-
quelas que vivem sob as condições mais extremas
de pobreza e em municípios onde não há muitas
alternativas de inserção no mercado de trabalho.
Há exemplos de como uma fonte estável e
regular de renda significa maior possibilidade
de planejamento de gastos e, principalmente,
segurança. Muitas das titulares passaram a se
sentir mais independentes financeiramente e
respeitadas após a inclusão no programa.
Então não é correto dizer que o programa gera acomodação ... O Bolsa Família não faz com que as pessoas se
acomodem e deixem de buscar trabalho, a não
ser em casos em que há exploração de mão-de-
obra ou quando o trabalho é de extrema preca-
riedade. Nestes casos, é mais do que justificável
que as pessoas não se submetam a essas condi-
ções. Se o Bolsa Família serve como apoio para
isso, é bastante positivo.
14 JORNAL DA CIDADANIA | Nº 142 | AGOSTO ’08
Olá, pessoal! Sou professora de Educação Artísti-
ca e trabalho há nove anos no Ciep 128, em Magé.
É com alegria que compartilho com as pessoas
que lêem o Jornal da Cidadania o projeto “Barro-
co: de Magé a Minas”, desenvolvido em 2007. A
iniciativa foi um sonho que virou realidade.
Os(as) alunos(as) passaram a conhecer um
dos estilos que marcaram a história de nosso país:
o Barroco. Estudantes do Ciep 128, a cada ano,
adquirem mais maturidade e responsabilidade.
Eles têm papel importantíssimo na construção da
aprendizagem, trazendo idéias e sugestões para
a elaboração de projetos como esse.
Comecei trabalhando o Barroco do município
de Magé, com suas igrejas seculares, para depois
falar do Barroco de Minas Gerais. Assim, os estu-
dantes poderiam compreender a importância que
obras mineiras (arquitetura, pintura, escultura e
artesanato) tiveram e continuam tendo na cultura
brasileira, principalmente nas cidades históricas
de Ouro Preto, Mariana, Congonhas e Tiradentes.
Várias metodologias foram usadas. Os estu-
dantes visitaram os patrimônios de Magé, fize-
ram pesquisas e apresentaram seminários sobre
o município e Minas Gerais. Elaborei também um
jogo chamado “Desafio Escolar”, no qual, dividi-
dos em equipes, estudaram o Barroco e puderam
ampliar o aprendizado sobre a cultura dos dois
lugares. Trabalhei também em sala as pinturas
dos anjos barrocos do Mestre Athaíde, as escul-
turas de Aleijadinho e as maquetes das igrejas
barrocas de Magé para que os(as) alunos(as) fi-
zessem trabalhos práticos. Foram sete meses de
pesquisa, estudo, doação, participação e colabo-
ração, até chegar ao ponto máximo: a excursão
a Minas Gerais para conhecerem de perto toda a
história e cultura das cidades históricas.
O projeto foi aprovado em agosto pela Secre-
taria de Estado de Educação (Seeduc). A partir
disso, os(as) alunos(as), que já estavam se empe-
nhando, ficaram ainda mais entusiasmados(as).
O tão esperado dia chegou: em 19 de outubro de
2007, fomos para Minas Gerais. Foram três dias
especiais, fomos na sexta-feira e voltamos no do-
mingo. Os(as) estudantes viram de perto toda a
história que só conheciam por meio de livros, da
Internet e de outros meios de comunicação.
É preciso acreditar sempre! Como professora,
tento sempre fazer o melhor. Gosto muito do que
faço, amo ser professora de Artes. Com a concre-
tização do projeto “Barroco: de Magé a Minas”
pudemos ver que sonhos podem se tornar rea-
lidade, mesmo que sejam na área da Educação.
Acreditem!
FaFALA AÍ
Barroco:
Por Elisângela da S. Souza
15JORNAL DA CIDADANIA | Nº 142 | AGOSTO ‘08
Há cinco anos, a Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (Uerj) e a Universidade Estadual do
Norte Fluminense (Uenf) se tornaram pioneiras
na adoção de cotas raciais e sociais para o pre-
enchimento de parte das vagas da graduação.
De lá pra cá, muito se questionou: melhorar as
escolas públicas não seria uma forma de cor-
rigir as desigualdades no acesso à educação
superior? Esse tipo de medida provoca queda
na qualidade do ensino? Cria preconceito e dis-
criminação racial?
A identidade nacional brasileira tem sido
construída sob o mito da democracia racial. O
que seria esse mito? A construção de uma idéia
de nação onde todas as raças viveriam em har-
monia, sem conflitos ou segregações, diferente
do que ocorreu, por exemplo, nos Estados Uni-
dos e na África do Sul.
A ausência de evidências mais óbvias des-
ses conflitos leva a crer que a ascensão social
de afrodescendentes não é limitada por barreira
racial, fazendo com que as reivindicações de mo-
vimentos sociais e políticas públicas específicas
pareçam absurdas.
DISPARIDADESNo entanto, se analisarmos dados relativos à
educação e saúde públicas, perceberemos que
negros(as) têm atendimento diferenciado e pior.
Por exemplo: nos atendimentos realizados pelo
SUS, as mulheres negras (pretas e pardas) rece-
bem menos anestesia no parto normal do que as
brancas; estudantes negros(as) têm rendimen-
to escolar inferior ao de alunos(as) brancos(as),
não importando a renda familiar ou escolaridade
de pais e mães, pois são afetados(as) por diver-
Cristina LopesPesquisadora do Ibase
sos mecanismos de discriminação racial na esco-
la (desde as relações até o material didático e as
práticas pedagógicas aplicadas). No mercado de
trabalho não é diferente. Pessoas negras com a
mesma escolaridade, desempenhando as mesmas
funções, recebem menos do que colegas de traba-
lho brancos. Em outras palavras, esses exemplos
são reflexos do que chamamos de racismo estru-
tural, presente nas percepções e ações cotidianas
das pessoas e, conseqüentemente, nas instituições
onde elas atuam.
A luta por educação de qualidade para a popula-
ção afrodescendente já é antiga por parte de orga-
nizações do movimento negro e de outras entidades
que atuam na luta anti-racista. As cotas raciais são
uma modalidade de ação afirmativa que têm como
objetivo minimizar os efeitos discriminatórios so-
bre um segmento específico da população. Devem
ser percebidas como um direito, e não como algo
que busca ajudar estudantes não-capacitados(as)
a entrar nas universidades. Esse argumento caiu
por terra após análises de diferentes universidades
brasileiras terem constatado que o rendimento de
cotistas, na maioria dos cursos, é igual ou melhor
do que de alunos(as) não-cotistas.
Apesar de contrariar o rendimento inferior que
possivelmente possuíam ensino fundamental e
médio, no espaço da universidade um novo fator
entra em campo: a resiliência educacional. Esse
conceito, conhecido no campo da Educação, in-
dica que alunos(as) que enfrentam situações ad-
versas tendem a superar barreiras mais facilmen-
te. Outro fator que precisa ser ressaltado é que
estudantes têm que passar na primeira fase do
concurso para, só na fase seguinte, concorrerem
como cotistas. A melhoria do sistema público de
ensino é fundamental, mas não podemos propor
que, por mais 10 ou 15 anos, jovens negros(as)
sejam prejudicados(as).
Os grandes meios de comunicação também
têm sua parcela de responsabilidade, pois tra-
tam a questão das cotas de forma parcial, mos-
trando, quase categoricamente, apenas motivos
para sermos contrários(as) a elas. A divulgação
de diferentes opiniões é o que garante uma difu-
são democrática e ética da informação. Podemos
observar que muitos(as) jovens em debates so-
bre cotas raciais se opõem a tal política mais por
repetição dos argumentos que ouvem e lêem na
grande mídia do que por acreditarem, de fato, na
ineficiência da política.
O racismo está presente em nossa socieda-
de e não podemos responsabilizar as cotas pelo
surgimento ou estímulo de conflitos raciais. É
possível que a maior presença de negros(as) em
um determinado espaço provoque, por parte de
quem discrimina, o racismo. Entretanto, cidadãos
e cidadãs negros(as) não podem ser privados(as)
de uma boa educação e de bons empregos por-
que sua presença provoca atos preconceituosos
por parte de pessoas racistas.
As cotas têm um papel que vai além da promo-
ção do ingresso de uma população específica à
universidade. Elas suscitam o debate sobre a ques-
tão racial no Brasil. Questionam a diversidade nas
instituições de ensino, fundamentais para a forma-
ção dos indivíduos. Fazem refletir sobre o passado
escravocrata e suas heranças que geram grossei-
ras disparidades entre brancos(as) e negros(as) no
país. Convidam a repensar antigos preconceitos e
estereótipos, o que incomoda e torna a questão
polêmica, mas não menos necessária.
cotas raciais: UM DirEito
16 JORNAL DA CIDADANIA | Nº 142 | AGOSTO ’08
míNImo DE 80 PESSoAS